PICASSO
acossado execertos de uma fábula dedicada ao mui ilustre artista Manuel João Granés Gonçalves Rodrigues Vieira
JOÃO GAFEIRA
Se eu fosse lá fora estariam 2 mulheres a confrontar-me com pistolas em punho e unhas afiadas. O lobos virião comer na minha mão porque não sou cordeiro manso e surgiria no meu quarto mais uma visita indesejável para me extorquir umas massas, fazendo com que se espalhem por todos os cantos do mundo as minhas imagens. A minha pintura ficaria quebrada em pedaços, separada da vida furiosa que a gera. Mas o que é que se há de fazer? Hoje é um feriado e está tudo fechado. Profundo tédio de provincia. Está frio e o sol chicoteia o que eu tentei ser, apeado nos desvios do sucesso pelos auratos do génio. Não há remédio, passaram-se demasiadas coisas. Já não há nada a consertar. Arrastaram o minotauro pelos cabelos na arena ou foi ele que se fez arrastar pelas suas ganas, pela sua candida imoderação, pela sua inocente vontade de mais volupia.
Os retratos lançam raízes nos antepassados, dão-nos a certeza que algo de sórdido se passou provávelmente num pequeno bordel de província com uma escrava berbére. Oferecem-me presentes aborrecidos mas há algo que me parece animar. Os pintores vêem como quem caça e e o caçador regressa com demasiadas coisas feridas e mortas para as abandonar na mesa do escritória com tanta tralha. Despojos que a pintura não ressuscita. Dizem que este ano foi bom para adubar. Estou sempre a deitar tudo fora porque o lixo acumula-se nas imediações.
É esta ângustia estupida que me pôs a escrever, sabendo que a escrita é mais inócua que a arte. Posso trocar lágrimas por gargalhadas. Aguardo que algo aconteça e busco notícias. Há uma confrangedora jubilação em redor do marco do correio. Chegaram desta vez notícias provocatórias de uma primavera reaccionária que tenta sobrepor-se aos desastres do verão. Uma aranha arrasta-se ao longo do manuscrito que me tatua pois ora cá está mais uma dádiva que engravata os feridos na eventualidade das trincheiras e que banaliza o aborrecimento do feriado com cosmogonias serpentinas. É-nos servido um princípio como uma centopéia a subir pela pata do cavalo ou a acariciar os testículos do touro.
Os holofotes desgraçam a ribalta e nos jornais florescem retóricas assassinas com imagens enganosas para que as famílias batam com vigor redobrado nos seus filhos, para que os copistas possam copiar a seu bel-prazer a desordem continua de certas coisas que compõe o ramalhete dos acontecimentos enquanto continuo a pintar e a cantar de novo, ou a deixar de pintar e deixar de cantar com uma melancolia onde se entranham os movimentos impiedosos do melro enquanto o mundo gira ciente do seu modo de operar egoísta.
Nenhum autor seria capaz de sair de casa antes de amamentar as suas obras com um pouco mais de pigmento assim dá para ver que desta é de vez elas bem podem telefonar que não cedo um pentelho querem-me cortar o polegar apagar a linha da vida não vão ganhar o jackpot sem fazerem a ponta de um chavelho vão mas é ordenhar aqueles peitos da burra ou trabalhar num serralho e mais uma vez sabes que vais acabar a remar uma barcaça solitário e a repetir coplas com rosas e tangos repenicados para mais outros feriados de contradanças no clube recreativo a fazer chacota do ritmo da semana e das procissões coptas mais uma aleluia com cristo a regressar do charco das ténebras e ficamos todos a olhar para a grande mácula da morte
e puxamos para trás o homem que toca castanholas para os morcegos numa opera de provincia na américa central e chupamos os ossos das perdizes que retornariam ao seu ninho com comida para os filhos porque é tudo uma confusão com um filósofo chinês a amparar a comédia através de fábulas que se repetem nas variantes insípidas dos discipulos
e o que é verdade foi uma mentira súbita em que ninguém reparou um milagre que se foi tornando lento e canónico e que produziu assombrosos acontecimentos já que lá no fundo da caverna há um resultado que sai sempre errado embora seja de ouro puro e que vamos ter que engolir mais tarde ou mais cedo e ser os egoístas cumplices de uma ordem abjecta e umbilical quando te apetece fritar o vizinho fascista com os seus cortinados opacos
e temos que os voltar a mergulhar nas amantes e nos amigos mas nunca nos amos e continuar a variar pois não me apetece repetir as coisas começam a desaparecer enxaguadas limpas pela aguarrás enquanto tudo se molha e esverdece na aldeia ao lado com as suas angustias provincianas e o cheiro a lenha e a mentalidade tacanha de quem vai morrer agarrado ao mesmo sítio de sempre com as telhas cheias de musgo e a nuca gordurosa da prima a fritar chouriço com o seu ar de bruxa apetitosa a cheirar a perfume de rosas e tudo fica para outro dia depois da morte logo se verá
A sopa está quase pronta e a cozinheira tem um olhar sádico enquanto remexe com a colher o caldeirão eu deveria lá estar a lamber-lhe os sovacos perfumados de oregão pois há uma hora ficou de vir e logo se punhetou com especiarias
e eu convidei-a e ela disse-me que me esqueci dela a pastar nos afazeres carnais da pintura e a chuva entra por debaixo das portas e apetece-me um carapau de escabeche e uma boa pinga ela tem as suas sombras de cabeça para baixo é robusta espero não ter que pintá-la de baixo para cima a cuspir sem me babar de tesão na sua nuca mas se não fosse assim nunca ninguém teria feito nada....
Estou agora aqui no ninho a comer tortas com batatas a pensar nas redondezas louras sem bicos-de-papagaio da minha tia andaluza junto do cordeiro da aranha do urso do leão do anão da zebra da serpente do lobo do louco da pantera da sogra e da raposa e da doninha criaturas deslocadas rebarbativas nas suas minúcias a querer comer todas as linguagens com uma só boca metida no verão da toupeira e da chinchila e do coelho a tecer areais silênciosos em torno das cuecas da amante do vizinho por cima de uma escada abandonada pelos camaradas desde que Estaline lavou a semana e a ensaboou com a sua mão-de-ferro
e torceu o pano de esfregar as escadarias da revolução em contrapicado com o cú bem alçado pois tempestades de aromas vagueiam em busca da pintura numa tarde deveras aborrecida que tem demasiadas razões para esticar o azul petróleo num edredom de seda com os olhos em bico a cantar zarzuelas afogando em pedaços o pescoço da paisagem suspirando no local onde a colméia quer devorar com a ajuda de palitos a angustia da perspectiva e as notícias do Fuhrer a cuspir courgetes cozidas e couve-flor sobre os guardanapos dos subordinados tansos
Uma chavena de cafĂŠ nĂŁo nos livra dos tribunais do aroma eterno que corrompe a asa que sacode o harmonio do cego a apalpar a lavadeira a acariciar a sua pele nevada com tĂmidos e sujos beijos jĂĄ que a brisa pela janela enche a sala com tagarelices rancorosas e o pintassilgo faz tremolos insonoros ao ouvido e canta e ri trinados bastardos nas suas veias enquanto o namorado da lavadeira esfola uma vaca com a sua naifa novinha em folha e a trai com o carvoeiro velho
se penso numa lingua e escrevo com o pelo arrepiado “o cão abocanha a liberdade da lebre “ e quero traduzi-la na minha autobiografia exotérica com pele de galinha terei que tentar a modos como que isto: “a mesa onde a tarantula faz o ninho afunda-se no pantano e engravida ao dar conta da sua arrogância extremosa”.
ando a espiar o teu correio sentado num banco de cortiça atirado ao mar entre as ondas do gaspacho na tigela de barro velho pois não vislumbras somente o relampago a despenhar o céu ou as nuvens a achinesar a paisagem com tua boca disposta e aberta a dar talhadas gulosas no sol mas se um abutre deambula e por um instante floresce o vislumbre nas garras desse instante e ficas zarolha e a modos que abismada em labirintos de cegueira a gargarejar gargalhadas velasquianas de mendigo incontinente e é então que as ondas abortam o mar homérico e tu rebentas a tiro de carabina com os miolos do bicho
colete recozido de toureiro sob as lâmpadas elÊtricas das dolorosas luzes febris das putas das fåbricas costurado com as agulhas mais delicadas por mãos-de-fada na esplanada humedecida pela baba espessa do touro perdido na galeria fina de uma americana velhaca
na mesa da salinha das jantaradas acima da cor que contamina a carpete colossal de sangue seco do homicidio antigo que desaguou no cinzeiro repleto de extremosas nádegas aparecem pois e tal as górgonas a pastar a pequena morte que se solta ao dar à lingua e nesta espécie de noite em que novembro se atola nas badaladas antropofágicas de um quarto para a meia-noite e logo o relógio vai imediatamente canibalizar a hora kaputt e glup já está slurp no papo
jovem vestida com rigores com um casaco bege de revestimentos violetas a custar uma fortuna e lá vão umas dúzias de adereços e um amareto a seco impressionante combinação de chita com seda verificada e ajustada com agulhas malandras e uma alusão a pele de lontra a ser chicoteada pelos anõezinhos vestidos de camurça a abrasar os rebordos da ferida aberta e concreta separados por polidas mão exclamando um ai jesus perfumado com queijo fedorento uns cêntimos mais barato nos saldos mais rebaixados e aberturas pindéricas com catástrofes e estrofes de Gertrude Stein a empacotar um segundo lote de peles sujas pelo óleo do bigode do motorista a arrepiar-se a escapulir-se no seu género de silêncio mortal de cor vistosa tipo
Lola de Valença a enforcar admiradores no seu olhar languido na impressionante soma de certos francos contabilidade abandonada na comoda por um freguês ricaço com uma mulher com cona de palha-de-aço a apanhar com sanções incorridas durante o jogo derradeiro na projeção de um bola entre os tomates através duma sucessão de factos que por nenhuma razão aparente caíu no ninho e esmagou os ovos pois de certo modo transformou-se em imagem fundamentada do corpo licoroso
e das despesas a mais a propósito do divórcio mas o modelo de desenho academico não oferece a história senão como mais uma mentira dita pela manhã a choramingar com os filhos a mostrar as mamas borbulhentas a pisar o dedo que aponta para a saída das vanguardas com molho à espanhola e caracoletas onde cospe o ramalhete com uma boa pinga e o cheiro organizado em regimentos de rufias e desfilando com uma bandeira na frente como um caralho sedento das cócegas do desejo não houveram de descobrir o lugar auspicioso em que Édipo enforca as filhas e devora os olhos de Jocasta mas não tem poderes para transformar a sardinha num tubarão nem a galinha em avestruz
e a lista de compras é apenas a partir daquele momento uma artimha poética sem a inevitável contenção na mesa à hora do almoço a limar estrofes de Boileau com arroz de langueirão e visceras de pato para poder escrever enquanto com o cú na cadeira no meio de tantas hipérboles bastardas com queijo e tomate
a menina Rosário toda perfumada vai à capelinha com o cabelo oxigenado tentar enforcar-se nas cordas da guitarra aperaltada à sevilhana com papoilas de escabeche a entenebrecer os santos de Zurbaran e o Zepellin a espiar os movimentos militares nos balcãs
quando o minotauro abre a porta de entrada do labirinto da barriga do cavalo com os seus chifres mitológicos e mete o focinho até atravessar a barriga escuta o mais profundo de todos os mais falsos profundos e detém-se com os olhos em Ariadne e vai movendo os guinchos das pequenas carripanas embalando com picadores de gelo os poneis e arremata contra o cavalo das tenebras
e lambe a barriga mutilada da égua em busca de um vatícinio que nos livre de guerras tremendas com danças de sangue e louras devoradoras de salsichas escorrendo a sua pureza fatal das suas mamas como uma torneira a jorrar uma via láctea sinistra saída de um Ticiano ariano com um um cavalo de circo a espezinhar em dia de festa e de foguetes os alfaiates da aldeia com as suas limpas orelhas judias
e há uma multidão de mãos aplaudindo o requinte de malvadez a arrancar olhos e as mulas vivaças passam com as Musas anafadas e o repórter fotografa a exuberância da multidão a banquetear-se com batatas fritas e o vento desfaz os sonhos dos romances das criadinhas com a soldadesca sequiosa de uma boa foda antes da morte e as criaditas limpam a faca no avental e debaixo da saia o antifascista babado cerra o punho como se o sol revolucionário o fosse salvar
nesta porra de idade de velho estúpido já não consegues ler ao perto as novelas interditas pelos censuras do costume e o fantasma da idade e empurras as saias de uma conhecida a dar peidos ao desbarato e queres roer com o nariz a rata com tanta asneira em êxtase e com direitos de autor esquerdistas e a verdade distorcida pelos anos de reflexão anarquista sob o peso vergonhoso de todos os que tu conheces
sobretudo o Bakunine e aprendes à custa de enemas que todos aqueles livros de culinária se resumem a louvores aos mais negros molhos de ervas frescas que compras na praça e que te excitam e te fazem transbordar a banheira quando vens das compras e apetece-te apalpar nem que seja a bola de futebol ou os cortinados tais são as ganas e com apenas um único toque de marcador mágico fazer uma imagem crescer subitamente num quase silêncio e de seguida atiras uma pedra ao carteiro que leva lufadas de intenções em cada carta
e logo depois mantendo-a cativa na pintura desatas a olhar para ela debaixo das saias e das suas poucas primaveras nada fragrantes e a sua nocturna felicidade debaixo do braço e caramba é o suficiente para o cão uivar e desatar a roer um osso de plástico e a devorar a lembrança da noite de uma visita em que as suas mamas saltitavam feita a desoras só para dizer que essa é a menor de todas as minhas preocupações que é a vontade de devorar e não de adorar
já se faz tarde vou escovar estes dentes podres e a apagar a lâmpada de luz aqui na minha cama e sentir o peso dos cobertores para que possa dormir um pouco e acordar cedinho estes desejos bem podem ir para o cú de judas com um pontapé bem urdido com um buquet de fodam-se todos os arranha-céus e és tão gira e espontânea
língua dos fãs a lamberem o cartaz e o fogo posto no rosto com olhos espalmados e ao lado a flauta encanta a taça de frutas que afoga o sacerdote na bexiga do séquito de Breton empossado na fé revolucionária cantando no cutelo turquesa a ferida levemente levemente sentada no olho do touro trotskista que inscreve dentro da sua cabeça adornada os labirintos de jasmim esperando o véu para inchar ao vento em seus concílios arrodeantes de treta curativa
fragmento de cristal envolto na dobra da capa de dois tratados de esgrima com carícias de ninfa mole jorrando no pão entregue ao mudo lascivo e a cor lilás do sexo de Inana devora a pomba cruel cremosa apertada contra os seus lábios de limão que queimam e o chifre retorcido que fastasmagoriza a Catedral bárbara e com gestos de despedida canalha arrebata dos seus braços um olé de navalha de barba
um olhar sopra para além das melodias melindrosas da rádio matinal com seus beijos repenicados e o artista fotografa um sol no percevejo e suga a fragrância da hora de morrer como se a criatividade coubesse em formulas fatais e ultimatos a enunciar com pompa e algo se move através de uma página onde se assenta uma borrada só para estimular o acaso
e rasga as flores em pedaços ó coisa irascível e leva-as embora espremidinhas como testiculos apertados em vingança de dor de corno e suspira cá com uns medos que ousam sorrir no brilho fosco da faca de cortar o pão que salta de alegria agora sobre a manteiga já que o dia de hoje deixou de flutuar e se encaminha para uma penumbra deprimente e húmida de maneira que ele quer neste exacto momento desembaraçar-se desse sentimento crepuscular
crepuscular e está mesmo com vontade de dar uma no rabo-de-sai mais próximo agora que mulher e amante se foram e apróxima-se do poço e iça mais um balde de àgua geladinha até lhe apetece gritar ou rugir num acto falhado de amor cristão
(dito por um boche) pó má cú
cível aleita Ravel
(I) é o tom de amendoa verde do maremoto que qual couve-flor na concha de feijão de riso desflora a janela de certos trovadores a caminho de Antióquia a esfregar com a esponja o painel negro da censura com o palhaço na ardósia a suicidar-se no riso onde é coroada a medusa académica
(II) é a concha do mar felina esfregando-se no riso esqualido da couve-flor a anexar a sua amêndoa negra na janela de feijão estufado e perfumado de timido tomilho junto à ardósia vocabular no silêncio caligráfico do painel que o saltibanco verde corta os testiculos maduros ao Minotauro
(III) silêncio de negro mar envidraçando a tenebrosa ardósia verde do feijão para cozinhar com o sangue da prostituta o riso azul-cobalto da couve-flor a deslumbrar o palhaço saído da vulva de uma égua franquista ressequida
(IV) negro silêncio de feijão verde ou frade ardendo na ardósia secreta espremida concha do mar com a sua amêndoa genital e um caranguejo a avançar pelo girassol de um Van Gogh chique temperando o caniche degolado diante do cão de caça com a vista da janela sobreposta aos reflexos da caçarola a desmanchar em gargalhadas
(V) o corolário é o vosso riso de concha do mar num filme vanguardista do Man Ray a chicotear a couve-flor descascando o verde silêncio com postas de atum embrulhadas num jornal comunista junto à negra vidraça e às amendoas de páscoa
taça de mangas em traje de arlequim a sentir a explosão em Pequim atadas em redor da noite obscura da gonorreia inflamando a cabeça do touro que expira a volupia de dar cornadas no carrasco envolvido em perfume de verbena a gastar as verbas e posicionando-se para um racionamento aleatório onde ficam de cu ao léu jovens virgens amestradas pelo látego do fascista com bigode
na cortina recebes as mãos louras ao volante de um automóvel americano a despenhar-se de uma ruiva ravina para um cabeludo mar de tenebras uma folha venenosa de verbena em escada de perfume é arrastada por crocodilos de mármore e engole padrões do vôo geométricos com o desejo encavalitado no prisma galopante e tremuras de carne eternamente crua armas a flor cozida na criança sinistra empurrando o coração que respira a sua indiferença sincopada e depões a roupa na fruteira em forma de águia nazi
cabeça nevada do artista a saborear cogumelos e a ouvir música de palhaçadas e escondes as armas para a guerra civil no sotão logo se verá chegam estrelas de cinema com camisas sem mangas está um calor dos diabos uma delas tem a blusa bordada com Picassos o que não te agrada ó Pablo é como desfazer o ninho de víboras em frente de Satã em comédia sacripantas junto à árvore do conhecimento cortas o cheiro do silêncio mastigando aipo e sentes as luzes suaves pendurados como enforcados de Villon ou Pisanello e as aparas das ripas do marceneiro da forca a jogar às cartas com um diabito menor que come migalhas de queijo manchego
a matemática do amor difunde num àpice a década do touro de olhos esbugalhados entranhando-se na pele do mouro sujo no aroma bárbaro do azul enrolado no pescoço do sol destinado a sacríficio e o odor a genciana violeta das primas com poeira a ser escondida debaixo da cama de molas estridentes envolta em sombras espasmódicas e lá resmungou através do verde anemico do escarro enrolado como uma bola na lingua entre memórias a cuspir para as cinzas no exacto momento em que rodam os saldos da oportunidade e outras hipocrisias adjacentes
risos do alho na sua cor de folha anémica a vender saúde através de risos zombeteiros da estrela para a rosa fútil que empurra o cromatismo apunhalante e comichoso para para outro alho estrelado com a sua capa mortiça ri maliciosamente na adaga que arrebata as ricas rosas com o cheiro cadente de estrela a afagar os adjectivos moribundos do alho que fode fértidamente a olorosa rosa
sob uma pintura que não tem cura
há uma mulher a ver-se ao espelho que tem uns colhões pendurados junto aos enchidos e que põe um pente com alguns pêlos eriçados nos seus dentes ensanguentados e alguns piolhos grandalhões nos seus cabelos que são uns piolhos bem piolhosos que amam o gato eriçado e a almofada com cenas galantes e se possível alguns lacraus na sua pintelheira com invejinhas de Matisse a fazer croché nas nádegas sardentas da filha do vendedor de fruta e comicheira nos tomates
certa noite em Joinville estive com uma venus de cuecas e ligas a porcalhona a popularucha deu-me dentadas beliscões exercitou a sua arte como uma espécie de caligrafia arrebatadora e tinha um belo laço no cabelo que parecia um manuscrito iluminado e me faz entesoar como um couraçado em vésperas de bombardear uma capital e tivemos um momento do caraças o seu buraco e o meu pau da treta depois ela esperou o autocarro comigo após devorarmos um belo pernil de porco e vinhaça da época na tasca da esquina e ela dirigiu-se para paris e eu cá fiquei alguns dias com saudades é giro como as coisas passam antes de irmos para a cova
(I) carne em decomposição no seu esverdeado acordeão miserável apertando o corpo de amor rasgado girando rapidamente a lã sangrando muito no local desesperado na coroa de espinhos no ninho dos galhos ao som do pandeireta despertada pela memória miserável deixada pelo vômito que cheira a jasmim colado à parte traseira do olho nas mesas de café usando cachecois enrolados em volta de seu pescoço a soar o alarme e a reproduzir sua imagem em todos os espelhos com todos os golpes desferidos no rosto do seu sino do tralalala do tralalalettes mordendo o pescoço do arco-íris e o sutiã da tempestade apanhados numa armadilha assobiada entre os dentes do pente e as torções em suas mãos do espelho adormecido no seu peito abandonado à própria sorte
(II) letras de alfabetos cómicos costurados em bebado carvão quente cor de odre na distância da mão excluída da lista das garras dos mortais dissipadores de cobre na economia de testa de pedra de cozinheiros com vida e festas e grande banquete no salão com cheiro a repolho de joelhos num canto com seu guisado à espera de te cantar a Carmen de te cantar a Cleopatra e ratos sobre os corpos dos pescadores grandes alinhados na margem
do canal sob a mesa aberta para a mentira as cadeiras em torno dela a subir e unirem-se às paredes do escritório do diretor da villa a jovem Marie-Rose espera pelo sapo para lamber as limpas horas que compõem o tecido de seu guarda-chuva muito pegajosa e se o tempo é claro ouvir o estalar do que se quebra no meu peito no perfume da vara na seta pintada que o admirador atirou à cama alarmado com a luminosa pantera brilhando na sua relação com um aroma elétrica com um ruído muito desagradável espalhando um odor terrível de estrelas esmagadas sob os pés
desfila junto Ă barra de sabĂŁo o peido grotesco do grande caranguejo morto na praia onde se traficam as armas e as drogas assinaladas deste acidental patriotismo franciu
que triste sorte a da retrete da velha com a mandrágora entre as pernas e restos de torta e chili en nogada e cozido à portuguesa com caldo de enchidos a perfumarem o traje de noiva com uma estocada do Zorro na chama da boca de gás a insuflar a aurora boreal posta a secar nas traseiras da flor desvanecida pelo grito do feiticeiro na tela de seda malva em que ri sorrateiro o rabinho do coelho dos desenhos animados que canta em chinês uma choradeira alaranjada picotada pela máquina de moer a noite meiguinha
que desejo coquete do meu coração se esparramar mais e mais sempre a querer intensificar em desenho o monte de irreverências supostas que encantam o basilisco furibundo enquanto este escuta com a orelha junto ao tomilho a canção da beldade que vive em frente e os chicotes que castigam os calcanhares do comunista amigalhaço e que triste sorte mendiga se ducha em carícias ao invés das notícias que leio na retrete aberta a mil primaveras auspiciosas que levam a saudade do espelho
e me curam o corpo deveras cansado enquanto aperto a camisa de teia de aranha e vislumbro a velha pedinte bêbada que se mija nas calças e inscreve um grafiti no dorso da estátua equestre com o seu livre arbítrio providêncial e a cesta cheia de minhocas para a pesca e a menina da janela acima com a agulha atravessa o talo da flor de laranjeira e crava no centro da cortina as suas unhas crueis enquanto a bruxa de serviço cobre a mandrágora com o seu fecundo mijo
deixa que a primavera se aproxime em bicos dos pés minha querida apesar do tempo frio e chuvoso e que se encarregue de untar o tal amor que os seus olhos resumem como uma necessidade temível mesmo que em redor um frio gelado salpique o oposto do sol suspenso pelas suas quatro esquinas e desejos destrambelhados com cravos nas enormes madeixas desse cabelo de deusa que suspendem o céu que batem punhetas sobre o cofre enquanto a luz tosta o seu suave lombo pálido num pedaço de tela empapada em urina de rosas e a sombra do seu busto cubra a parede mediadora de perfume barato de sovacada de peido e ela insista alarmada com o emplumamento da sua figura projectada no arco de pedra que faz tranças com o corpo em pelo de mulherzinha posta a secar debaixo do lençol malva uma bela imagem que espelhada na bandeja de cobre atada na ponta do paúl reflete o acobreado nas suas mamas desenhando minuciosamente à sombra do aroma da cona a da àrvore genésica carregada de piolhos abrindo-se cómica como um grito pelado e angustiado cortando a corda frouxa que segura a máscara da máscara e o seu reverso o desmascaramento do desmascaramento como cristal de rocha carcomida pelo picotear dos camiões que passam a toda a brida
e que fazem tremer a colmeia do coração do artista encerando colina acentuando o odor a suor que lhe escorre como um rio envolvente em espiral da careca aos pelos do peito enquanto a palavra dorme com seus lençois na a flecha da lampada que desliza sobre o papel cruzando-o como um rato vivaz
pincelada a pincelada o azul pålido barafusta e desfalece entre as garras pastosas do verde amêndoa sobre a latada onde os germanófilos se amanham com choucrute e as madames empinam os seus cabelos para uma espetada piolhosa de adereços espinhosos
branqueando a impotência socialista abaixo o capitalismo e os capitais implodindo na bolsa a lua antecipando a geometria cagona e o cheiro a sabão no bordel que no mesmoinstante põe em causa a bissexualidade sem carne sem bifalhada esparrela de andar a futurar com o Duce em farras maçadoras
o homem do chapéu quiz-se confundir cam a caligrafia do pintor em vésperas de armistício a dar pontapés na arte que não existe senão no sonambolismo do filósofo que a vê no esquife o homem que usa um chapéu fica ainda perto do imóvel à volta do mundo com a mama exposta de uma estátua (ondas cerebrais através de uma descarga fedorenta)
etiqueta fixada: a careca na sanita as laranjas têm a delicadeza das primas mais cheirosas e depois de cantar Allons enfants de Patrie ding dong Dang assim, tal como sapos dos quais não entendemos a cantoria forte de baixo profundo a excitar a deixar-nos ver com a clareza um sonho enrolado em ódio uma empresa difícil de definir mas firme nos braços de uma menina de braços nus de seguida atirada ao nível do mar branco com seu olho de um leopardo lembra-te do teu peróxido de banho esbranquiçado, inclinado sobre o travesseiro apenas num ângulo de expectativa sem olhar para o lado com o chapéu e os saltos aleijados dos anjos faíscando pelo corredor
boletim: jovem disposto a usar barba falsa para aliviar a dor de todos ou blues da trompete que se toca mortiça acariciada por mãos horizontais de algas à luz de barcos (desfraldada)
a memória morre lentamente semi-esquecida meio lembrada com seu filhos e heranças ressabiadas e partilhas mais uma vez lentamente só para ganhar umas massas que eu nem ando necessitado e julgas que é apenas para começar supostamente novamente parodiando de relance o outra vez não mas só recomeças quando não suspeitas onde gravitam moléculas mórbidas de amor e mudas de estilo quando te tornas um cabrão para a tua anterior paixão e logo tens de mudar de pele e de personalidade para ignorares o crápula que voltarás a ser com a santidade da pintura a fazê-lo esquecer
estuprador com a rĂĄdio tocando Schumann para excitar os nervos em franja das mulheres desprevenidas depois da ida Ă manicure para seduzir a celebridade
uma memória sim ó pois mas depois sim senhor prepúcios atómicos ou Átis castrandose junto da rosa fresca de Cibele sim mas não nunca nem sonho rococó com bengala e canapé com amante de Marechal nem hálitos de tortilha com salsa a sobrar para os lados nem artefactos religiosos sinistros feitos de pele de abat-jour ou de vítimas da guerra e abaixo abaixo onde afectam os afectos uma lua de milhões de quilowatts generosa e nenhuma geometria pitagórica antecipando o cheiro de sabão órfico de azeite nem há nada para pôr em causa nestas relações com demasiado sexo clandestino nem na vibração de sangue que o lobo bravo arranca às dentadas às mamas da avó do heroi que martela com a sua cabeçorra na lei que morde o eco embasbacado novamente e novamente de cerradas mandíbulas mas desdentado ora nada de canções sobre Hiroshima nem nenhum novo novamente a despenhar-se nas vanguardas com seu ventre lírico cemitério negro de leite ou vidro iluminando os ecos enfaixados da tradição matá-os matá-os com o teu mangalho
e desfalece na música de sinos familiares ah oh matá-os a todos no teu engenho de abstraccionista porque depois de Hiroshima toda a representação implodiu e desapareceu no olho do cú do conceito
os pés frescos no piquenique e uma pinocada na serração onde havia tantas máquinas ferrugentas isto antes do meio-dia e lá me dilatei em gabarolices e dormimos a sesta e eu mijei num penico de esmalte e massajei-lhe as pernas e olhamos a lua arrepiante depois de tudo e sentimo-nos bem e palermas neste dia cheio e completo
movemo-nos dentro de um olho desse olho que não é nem de Osiris nem do ditador nem do dalai-lama no passo que avança de Korus maluco para lá da morte passo a desabroxar vida como uma orquídea à porta do cabeleireiro no dia do casamento
(I) óculos de cego incendiados pelas flechas do deus do amor no seu retiro de dança espiritual — ele apalpa-lhe a corsage e frita os ovos com uns tomates bem vermelhos — ali há lebre no seu penteado que se vai desmanchando e deixa que o eixo das oleosos mamas se embandeire e que o seu cheiro de tomilho me trespasse — corrige a hora no despertador e a paisagem mantem-se como algo que a natureza morta abre enquanto alegoria do inacessível e a tentativa de a apreender e é derrotada pela visão do corvo que desvia o desenho e mostra o negro da asa com gotas de chuva a demorar-se noutras partes — a máquina infernal mistura tragédias gregas e obriga a costureira a imitar as ultimas modas da madame Chanel na orla do grito da noiva desesperada com os apertos do seu vestido
(II) em cada dente de alho saboreias a saúde que te regala o deus do amor que transforma as suas flechas em cogumelos afrodisíacos e há um halo em redor da fogueira a tainha frita — o vermelho bifurca-se nos ovos e é barrado de tomate e tomilho em dança fugitiva de mãos assassinas na meada dos gestos que se demoram curvilineos na asa de corvo — o cheiro da hora fixada trás-me a imagem dos seus pés e gritos de unha encravada e o insuspeito tesão do velho sátiro perante a abundância barroca de flores e o uivo polimórfico da máquina dos mitos
(III) unhas lambidas pelas flechas do amor com alho e tomilho à chuva que embandeiram a longa meada de mitos que dançam no grasnar do corvo junto aos salmonetes e ao molho à espanhola na incorrigível hora — as unhas da lebre apoderam-se de um fugitivo vermelho que cumpria a última moda (IV) na meada mítica dos salmonetes de tomilho o desenho pousa no halo do corvo e é trágica a picada no centro desse tempo quando cravas as unhas na hora da noiva que se disfarça de alho com salsa (V) as danças da hora no hálito sabem a tomilho no tomate e o novelo das novelas excita os corvos com gotas de chuva e é a lebre que diz à noiva que o tempo fixado é breve
(VI) a noiva deixa-se demorar à chuva enquanto a aranha sensual lhe percorre o dorso e sente a cavalgada entre o cheiro da orquídea e o do tomilho com a unha a cravarse no corpo dos mitos onde as cores corrigem as horas
arroz-doce alguns anjos carecas tecem na solidão olimpos de alabastro que custam uma fortuna neste sul de França — o deus do trabalho é uma aranha que nos faz exagerar na pulsão de pintar mais e mais para dissimular a morte através da bela estrela do desespero — insectos locais picam belas jogadoras de tênis vestidinhas de branco com a bola a zumbir entre as redes apesar do azul insolente que nos foi pintado por mão divina ao fundo e no entanto a primavera continua a encantar as leitoras de revistas inglêsas e as avós que batem com varas em nadegas de netos
pessoal o homem maduro segura o seu nariz empinado de pinóquio para que a vida dê lucro e os seus desejos por jovens que naturalmente lhe são indiferentes fazem-no ir ao mercado comprar laranjas logo de manhãzinha e logo anseia como num silogismo por aqueles dias mais desabotoados antes dos guarda-chuvas
se a enternecedora recordação me faz babar e vislumbrar o seu olho brilhante a piscar e a hora a dar com força nos campanários e a ficar cheio dentro dos pulmões deste azul perfumado de setembro antes das chuvas bom para passear e desejar belas ceifeiras de pés calejados que passam com uma espécie de glória comunista com vestidos que sussuram uma revolta solar com essas mãos que sabemos de antemão àsperas e feridas de cortar couves e resestir aos maridos que não sabem sequer dar uma dfoda geitosa e eu escondo as minhas garras nos bolsos e apetecia-me dormir com elas a sesta à sombra de uma àrvore com sombra aque atrai o louva-deus a devorar um escaravelho e imagino-me na igreja mordiscando uma òstia com um apetite canibal mas a curva da bela beata agita a canção colada ao pecado que puxa a ponta do anzol diabólico que se enrosca nas suas coxas e morde suavemente os seus lábios e logo a seduz e dá cor às suas falsas vergonhas
Um ramo de estrelas do mar grita o seu desamparo à pitonisa zoológica que fornece estrofes à tragédia enquanto moscas bailarinas sobre a cortina incendiária das anexações interrogam o demónio no artista — que pode ele fazer quando os indicios da guerra surgem em avalanche?
Este livro foi descomposto por João Gafeira numa homenagem-atentado a Pablo Picasso insigne pintor & poeta do século XX com restos, palimpsestos arranhados & apanhados aqui e acolá para as edições Asa D’Icarus em Abril de 2015