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Prosa da Rosa da Rosa da Rosa Davida Rosa Davida
Waf Books 1
Prosa da Rosa da Rosa
© Waf Books, 2017 © Rosa Davida, 2017
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Prosa da Rosa da Rosa da Rosa Davida
Rosa Davida
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Prosa da Rosa da Rosa
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1 A cada morte o mundo passa a ser uma disputada heranรงa. Hรก algo incรณmodo que passa por ser uma disputada heranรงa.
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2 Há proposições cujo efeito parece benefício. Há imensas proposições cujo efeito é bem mais devastador do que outras. O sentido do devastador de umas encontra-se por vezes noutras.
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3 O sentido do mundo acompanha-nos sempre no mundo – o que chamamos mundo acompanha-nos sempre no mundo – se o sentido estivesse fora das coisas, o mundo estaria fora do mundo, o mundo seria destituĂdo de mundo, o mundo seria destituĂdo de ser sentido.
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4 Um sentido é sempre a imanência do sentido. Um sentido é sempre a descoberta da sua imanência – só é sentido o que se sente sentindo. Tal como tudo o que é parecido com o que se sente. Mas o que é que não se sente?
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5 Caso haja algo parecido com a divindade, esta só pode ser uma divindade agarrada pela consciência na imanência. A nossa vida é consciência de e na imanência. A nossa vida é tão variada que o infinito comparativamente é monótono. Ela é tão variada que o infinito só tem sentido nela como uma metáfora que se sente.
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6 Ao sentido agradam-lhe metáforas derivadas de jogos matemáticos. O enigma persiste como equívoco derivado de jogos matemáticos. O enigma persiste como uma pergunta que ainda não está aí, como uma pergunta que ainda não está bem formulada. A questão que se coloca é “porque é que o enigma ainda não está bem formulado?”. A questão que se coloca é que a podemos formular mesmo «bem», é que a podemos formular mesmo «muito bem».
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7 Achamos adequada alguma pergunta alguma vez? O enigma é uma coisa inadequada que pergunta alguma vez algo correcto? O enigma é apenas o sentimento de inadequação. Esse é já o sentimento de inadequação do in-formulado.
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8 O cepticismo é a honesta desconfiança no informulado. O cepticismo é a honesta desconfiança quanto a um diagnóstico quase sempre certeiro, quanto a um diagnóstico sensato baseado em lógicas ou filosofias que também se auto enganam. O cepticismo é baseado em lógicas que descartam filosofias. O cepticismo é um diagnóstico reservado e cauteloso. Quanto a um diagnóstico reservado e cauteloso há muito a dizer?
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9 Sobre o que ignoramos nada podemos asseverar? Sobre o que ignoramos não conseguimos deixar de asseverar? Sobre o que devíamos estar caladas apetece-nos fazer considerações distraídas. Onde devíamos estar caladas apetece-nos fazer ainda mais insinuações se calhar provocatórias. Sinuosas insinuações.
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10 A vida parece mais precisa no preciso momento em que vamos desta para melhor? Mas nada garante que seja assim. No preciso momento que vamos desta para melhor estamos quase sempre debilitados e errados.
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11 Uma tautologia é o que mata melhor as metáforas. Uma tautologia é o que nos repetimos para nos convencermos que nos repetimos e para nos convencermos de que uma certa coisa é plausível com argumentos cada vez mais garantidos. E essa coisa é cada vez mais uma certa coisa que nos deforma e equivoca com argumentos cada vez mais refinados.
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12 A filosofia é a refinação das tautologias e dos argumentos mais refinados. A filosofia é uma psicologia minimalista com o preconceito de ser psicologia minimalista, com o preconceito de ser psicologia, o que dá em ser ainda mais psicologia, o que também dá um ar de se tratar soberanamente de arrumação.
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13 Há que acolher imperiosamente a disposição provisória do mundo. A filosofia parece que quer ser uma coisa definitiva que arruma um mundo acabado, mesmo quando se fala de devir.
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14 A filosofia afigura-se como algo que anda a desimplicar as criaturas, que anda a des-implicar as criaturas dos seus pensamentos mais humanos, dos arrumos desses tais pensamentos mais humanos (dos arrumos e desarrumos da «existência») substituindo-os por outros desarrumos da «existência», substituindo-os por implicações aparentemente menos singulares e por mais implicações bizarras e vastas.
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15 Uma suposição é o resultado de vastas indagações. Uma suposição é o resultado de muita coisa que se foi dando a conjecturar muita coisa que por sua vez se foi dando conta de que certos factos implicam com outros incertos factos.
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Prosa da Rosa da Rosa
16 Sabemos que o sol nascerá amanhã, estejamos vivas ou mortas, mesmo que já não estejamos vivas nem mortas, ainda que alguma lógica nos tente convencer de que há alguma lógica que também nos tenta convencer do contrário. É o triunfo impiedoso dos contrários. É o triunfo impiedoso do senso comum a enxotar os contrários.
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17 Existem mais necessidades metamórficas do que o senso comum. Existem mais necessidades metamórficas do que lógicas — as coisas acolhem as lógicas — as coisas estão em metamorfose permanente e a lógica também anda por aí em metamorfose permanente.
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Prosa da Rosa da Rosa
18 A lógica tenta despistar o metamórfico depurando-o. Ela tenta fintar o metamórfico depurando-o de todas as suas inclinações e postulando todas as suas inclinações e quem sabe alguma essência aqui e acolá.
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19 O mundo cheira a alguma essĂŞncia nisto e naquilo. O mundo estĂĄ interdependente de muitas vontades e estĂĄ viciado em outras vontades ao mesmo tempo.
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Prosa da Rosa da Rosa
20 A cada morte o mundo perde alguns dos sentidos que alguĂŠm pĂ´s nele.
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21 Uma insinuação propõe a existência dissimulada dela. Uma insinuação propõe a existência dissimulada de «outras aparências das coisas». A tarefa de «outras aparências das coisas» é fazer deformações.
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22 A tarefa da filosofia ĂŠ a de depilar outras filosofias, ĂŠ a de depilar a verdade antes desta se mostrar como mais verdade, antes desta se mostrar mesmo nua ou crua.
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23 O impensável é o que é impossível de ficar nu. O impensável é o que é impossível de pensar, mas o «impensável», é o que se anda a tentar pensar. O «impensável», segundo o uso comum, é o que mais acontece. O «impensável» é a Musa do Pensamento.
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Prosa da Rosa da Rosa
24 Há coisas que não sabemos mas acontecem. Há coisas que não sabemos expressar e para as quais há algo por expressar e para as quais algo chamado intuição parece acenar – a intuição gosta de ser chamada a acenar – é o «intrigante» indizível. Tudo o que é o «intrigante» indizível excita.
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25 A totalidade do que é pensável pode ser feita com simplicidade pensável, pode ser feita com simplicidade e limpeza, por isso há muita porcaria a atrair a limpeza, por isso muita porcaria e complicação hão-de vir ao de cima e ainda bem.
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Prosa da Rosa da Rosa
26 A complexidade é a complicação do que vem ao de cima emaranhada em pensamentos.
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27 O que acaba por ser demonstrado é o que não acaba por ser demonstrado. A excitação de fazer a demonstração é o exibicionismo do que se andava frequentemente a fazer pela calada.
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Prosa da Rosa da Rosa
28 Uma proposição é o dizer pela calada de uma forma escrita coisas que têm um ar lógico e evidente. Uma proposição é o que dá conta de séries de séries de propósitos e de alguns despropósitos. Os propósitos andam às cavalitas nos despropósitos.
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29 Um nexo de causas é uma suspeita de outro nexo de causas. É também uma suspeita que se adensa.
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Prosa da Rosa da Rosa
30 O livre arbítrio é o que satura as responsabilidades. O livre arbítrio é a liberdade que gozamos cá connosco e com os nossos botões. Fartamo-nos de dizer coisas aos nossos botões. Dizemo-nos o que quisermos e o que desejamos.
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31 A fatalidade ĂŠ o saldo temporĂĄrio do que desejamos. A fatalidade ĂŠ o saldo para os outros de uma vida de certos prazeres que se possam provocar.
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Prosa da Rosa da Rosa
32 A ambiguidade das palavras pode gerar provocações. A ambiguidade das palavras pode engendrar equívocos filosóficos quando se usam vários equívocos filosóficos ou quando se usa uma lógica pobre. Por vezes faz umas riquíssimas insinuações, essa lógica pobre, e também se fazem riquíssimas insinuações se usarmos uma lógica enriquecida.
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33 As confusĂľes ficam mais pretenciosas e prestigiosas se usarmos uma lĂłgica enriquecida.
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Prosa da Rosa da Rosa
34 As confusĂľes que surgem fazem parte do adiamento das tarefas urgentes. Ou fazem parte do adiamento do desfecho do drama. O desfecho do drama depende do interesse dos fa(c)tos. A roupa que usamos e temos deve-se ao interesse dos fa(c) tos.
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35 Quase todas as observações mereceriam um bom tratamento telenoveleiro. Quase todas as observações acabam por dizer algo de si ou acabam por dizer algo contra si próprias, tal como a roupa que ostentamos.
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Prosa da Rosa da Rosa
36 A roupa que vestimos indicia comportamentos e apetĂŞncias. O pensamento que vestimos indicia procedimentos e vontades.
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37 O pensamento é um conjunto de observações pertinentes rodeado de vários conjuntos de admoestações relevantes que nos dão dicas (cartografáveis) para nos lembremos dessas dicas (cartografáveis) ou para nos orientarmos, bem ou mal, na vida. O que nos torna singulares é o modo de nos orientarmos na vida. O que torna essas dicas pertinentes é o uso dessas dicas pertinentes, sobretudo através da linguagem e dos comportamentos adjacentes.
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Prosa da Rosa da Rosa
38 A linguagem e os comportamentos adjacentes são um belo intrincado. As linguagens que construímos são estratégias de linguagens que arquitectámos como planos de arrumação das coisas. Através das redes de arrumação das coisas tricotamos redes hierarquizantes de palavras.
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39 Uma insinuação é um ataque à estabilidade das aparências, é um ataque à solidez da configuração da «realidade».
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Prosa da Rosa da Rosa
40 Temos, regra geral, mais em conta a «realidade» do que o instinto. Temos, regra geral, mais em conta os nossos convictos modos de arrumação do que os dos outros. Os nossos convictos modos de arrumação são melhores do que os de qualquer amiga ou vizinha?
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41 Uma construção lógica leva-nos a discutir com a vizinha. Uma construção lógica leva-nos com mais entusiasmo a onde já estávamos. Mais entusiasmo faz as coisas brilhar mais. Com entusiasmo vamos a onde já estávamos determinadas a ir mesmo que seja tudo diferente.
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42 Uma insinuação, por vezes, provoca mais determinação em lá ir (onde quer que seja!). Uma insinuação comunica mais sentidos do que aqueles que arrasta a «bondade» potencial.
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43 As aparências dos objectos sugerem a sua «bondade» potencial. As aparências tornam os diversos aspectos da realidade divergentes, mas também tornam os diversos aspectos da realidade conectáveis (e colectáveis) – chegam assim conectáveis (e colectáveis) às nossas mãos – chegam assim às pessoas mais rigorosas/vigorosas.
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Prosa da Rosa da Rosa
44 As aparências implicam com as pessoas mais rigorosas/vigorosas. As aparências implicam uma soma cuscovilhante de suspeitas. A veracidade é uma soma cuscovilhante de suspeitas. A veracidade ou falsidade das aparências não dá garantia de que algo seja difamável. A garantia de que algo seja difamável torna a maldade legitimável.
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45 Uma aparência é um convite para amar outra aparência e é um convite para «uma certa lógica» por vezes amorosa.
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Prosa da Rosa da Rosa
46 A veracidade ou a falsidade das lógicas fica no penico a cheirar mal. A veracidade ou falsidade das aparências não dá garantias de que lhes respondamos com fisionomias agradáveis. O que não dá garantias tem propensão a ser logo difamável.
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47 Uma aparência é um convite para aprimorar uma lógica, embora seja sobretudo uma sensação. Um convite para aprimorar uma lógica exige paciência e em certos casos carinho.
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Prosa da Rosa da Rosa
48 A veracidade das lógicas das aparências depende da veracidade das lógicas das apetências que por sua vez depende da veracidade das relações. Temos que ter cuidado com a veracidade das relações que nos são facultadas.
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49 A conversa (interna/externa) sobre as relações que são facultadas degenera em tagarelice. A conversa (interna/externa) sobre a aparência lógica das relações é o caldeirão (ou a caldeirada) do pensamento. Os conjuntos de pensamentos imbri(n)cando uns nos outros dão-nos essa sopa assaz nobre a que chamam pensamento com pê grande.
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50 Misturamos algo que ĂŠ verdadeiro com correntes de ar de ideias a que chamamos mundanidade. Nem a tudo o que pensamos chamamos mundanidade.
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51 Nem tudo o que pensamos é consequente ou possível. Podemos pensar coisas inconsequentes e impossíveis. Podemos pensar coisas muito «ilógicas» (como os temas mitológicos), mas também podemos achar que há mais lógica nos temas mitológicos do que nas coisas ditas lógicas.
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Prosa da Rosa da Rosa
52 Se não lhe damos atenção até as coisas mais belas mirram.
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53 Um pensamento correcto não se pratica por aí além. Um pensamento correcto deve ter em conta não só a necessidade de se exprimir como a necessidade de se exprimir com boa disposição.
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Prosa da Rosa da Rosa
54 Os incómodos ou prazeres que possam surgir não passam de incómodos ou evidências colaterais. O caixote-do-lixo torna muitas coisas dispensáveis (ou recicláveis).
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55 As coisas servem para coisas e depois ficam dispensĂĄveis (ou reciclĂĄveis). As coisas servem para fazer coisas, para dar coisas, para proporcionar uma certa beleza ao que se passa, sim, uma certa beleza ao que se passa na passarela do mundo, ou para nos entre-termos com elas. Penso muitas vezes em me entre-ter com elas. Quem sĂŁo elas?
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Prosa da Rosa da Rosa
56 Pensar em «todas as coisas» (e ao mesmo tempo?) é um disparate que vem no pacote do tempo? Ou será um disparate que só ocorre a quem não pensa a sério? Isso sobrevem a quem não pensa em todas as coisas como coisas concretas.
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57 «Todas as coisas» é o Ser, dizem alguns. «Todas as coisas» é uma ideia indefinida para agrupar uma data de ideias indefinidas.
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Prosa da Rosa da Rosa
58 Andamos a agrupar a partir do quanto (pouco) se sabe e a tentar adivinhar «abstractamente», isto é, a fazer teatro sem actores, cenário, ou o que quer que seja.
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59 Adivinhar «abstractamente», num golpe de bluff, o «resto», parece-me contra-indicado, mas também faço disso às vezes. Cada arrumação inclina-se para esse bluff, para o «resto».
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Prosa da Rosa da Rosa
60 Cada arrumação inclina-se para muitas possibilidades de outras arrumações. Arrumo muitas possibilidades de outras arrumações num armário chamado desejo (como a peça do eléctrico).
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61 Arrumo com o asseio da linguagem. Fazem-nos mais belas os asseios de linguagem. Fazem-nos mais entendĂveis e comunicantes.
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Prosa da Rosa da Rosa
62 O asseio de linguagem é um requisito para que a transmissão de ideias e sensações seja mais entendível e comunicante. O asseio de linguagem faz parte de um asseio geral mesmo que não nos incomodem as coisas sujas. Uma coisa porca sobressai melhor no meio de um asseio geral desses que tornam tudo mais belo e apetecível. Mesmo a porcaria, que também pode ser admirável, torna tudo mais belo, apetecível e convivial.
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63 Os casos são as ligações resultantes do convivial. Os casos são as ligações que decidem as coisas, mesmo quando não se decidem as coisas, mesmo quando são dúbios. Um caso é o que nos faz dar conta do que é dúbio.
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Prosa da Rosa da Rosa
64 Um caso é o que põe em movimento de resolução coisas que pareciam estafadas, é o que põe em movimento de resolução a degradação das relações.
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A aparência é um efeito da «realidade» e o principio da inveja. A (boa) aparência devolve aos invejosos a inveja. A (boa) aparência devolve aos objectos a sua glória.
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Prosa da Rosa da Rosa
66 O mundo é um caso ou uma casa. O mundo mesmo feito em fanicos é um caso que até pode nem ser bicudo.
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67 O mundo é tudo o que amamos. O mundo é tudo o que julgamos que amamos mesmo não amando a sério ou odiando um pouco.
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Prosa da Rosa da Rosa
68 O mundo é o que se mama. O mundo é tudo o que se casa. O é o que é em tudo o que se casa. Cópula acoplando a linguagem e não só. O mundo é tudo o que vem vindo a vir-se.
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69 O mundo é tudo o que vem à baila. O mundo é a actualidade a vir à baila.
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Prosa da Rosa da Rosa
70 O mundo ĂŠ a actualidade dos fa(c)tos e dos afectos. O mundo dos fa(c)tos e dos afectos ĂŠ fixe.
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O mundo é a transição das modas, dos modos e dos medos. O mundo é a transcrição dos medos. O mundo é a inclinação dos desejos. O mundo é a reclinação dos desejos. O mundo é a cópia meticulosa da coscuvilhice.
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Prosa da Rosa da Rosa
72 Uma polémica é a transcrição pormenorizada da coscuvilhice teórica.
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73 As coisas são o como se amanham. As coisas são o como se arranham. As coisas são as compras que fazemos mesmo sem as comprarmos efectivamente. As coisas são as inutilidades que nos apetece ter e as inutilidades de que nos desfazemos às vezes.
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Prosa da Rosa da Rosa
74 O que vem à baila é aquilo de que mais tarde nos vamos desfazer ou não. O que vem à baila é a desarrumação das casas ou do caos do mundo.
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75 A arrumação/desarrumação é o que ajunta e e afasta as coisas, e as torna mais afastadas ou aproximadas, o que as torna apropriadas ou propícias. O mais importante é apropriação ou a propiciação. O mais importante é sabermos em que sítio é que sabemos que estão exactamente as coisas. No bom arrumo é que estão exactamente as coisas.
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Prosa da Rosa da Rosa
76 No arrumo da Casa do Mundo podemos viver. O lugar da Casa do Mundo é o lugar das coisas. Não é um lugar de quaisquer coisas. Não é um lugar qualquer, obviamente.
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77 Cada disposição torna mais ou menos especiais os restantes lugares.
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Prosa da Rosa da Rosa
78 As coisas fora dos sítios certos não ajudam nada às relações. As coisas fora do seu sítio tornam o mundo um sítio que não é nosso. Esses sítios tornam o mundo desleixado. A evidência do caixote-do-lixo torna muitas coisas desleixadas.
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Este livro foi escrito em Maio de 2015 e posto a circular na internet em Novembro de 2017 pelos Waf Books
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Prosa da Rosa da Rosa
O que vem à baila é aquilo de que mais tarde nos vamos desfazer ou não. O que vem à baila é a desarrumação das casas ou do caos do mundo.
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