KUSOLE Written by
Ngoma Usuku Quinta-feira, 23/Agosto/2018
Address: Viana - Luanda – ANGOLA Phone Number: 932 033 876/ 919 736 875 Email: ngoma_usuku@hotmail.com Facebook: Pelágio Jorge Chaves Seca
2 FADE IN: INT. COLÉGIO - SALA DE AULAS – DIA A PAULA e a GISELA, de 14 anos, estão num dos cantos, dançando kuduru de forma esquematizada. A SUSANA, de 15 anos, está sentada numa das carteiras, olhando para elas, sorrindo. Todas usam cabelo natural, com penteados tradicionais ou africanos. A Susana levanta-se e começa a imitá-las de forma desengonçada. A Paula e a Gisela olham para ela e soltam gargalhadas zombeteiras. PAULA (gozando) Vamos embora daqui, Gisela. Se o vírus Dessa nos atinge, ainda vamos perder o concurso Kusole. A Paula e a Gisela andam em aproximação da porta sorrindo, imitando o dançar desengonçado da Susana. A Paula pisca o olho para a Susana com alegria. A Susana sorri. A Paula e a Gisela saem, fechando a porta. A Susana suspira com tristeza. Olha para outro canto da sala e vê o CARLOS, de 16 anos, e o MAURO, que usa dred locks, de 15 anos, que estão de pé, sorrindo, olhando para o visor do telemóvel na mão do Mauro. SUSANA (animada) Carlos, vocês não vão se preparar para o concurso de dança do fim do ano? CARLOS (pavoneando-se) Nos preparar pra quê se já ganhámos? A Susana começa a andar em aproximação do Carlos e do Mauro. SUSANA Convencidos! Quais são os toques e a música que vocês prepararam? MAURO (para o Carlos) Mudança de ala, wey? CARLOS Ya! É rápido! O Carlos porta.
e
a
Susana
começam
a
correr
em
SUSANA Ah, é? Não querem me contar? Então,
aproximação
da
3 vamos ver se no fim não vão precisar da minha ajuda… O Carlos abre a porta. SUSANA …e dos meus Kwanzas! O Carlos e o Mauro engolem em seco. SUSANA (aliciante) Uma boa indumentária e umas boas sapatilhas iam vos dar um bom jeito, não? O Mauro olha para as suas sapatilhas que já estão parcialmente gastas e olha para os ténis do Carlos que estão no mesmo estado. Volta-se e começa a andar em aproximação da Susana. MAURO (para a o Carlos) Kalili, tamos a precisar de wawera. O Carlos segura o braço do Mauro em impedimento. CARLOS (admirado) Eh! Essa mboa não sabe dançar, Mauro. Ela vai querer nos dar dinheiro para depois ficar no nosso grupo… O Mauro solta o seu braço da mão do Carlos e anda em aproximação da Susana. CARLOS (enraivecido) Ah, é? É assim? MAURO Vem só masé! Tamos à rasca… O Carlos suspira e começa a andar em aproximação deles. CARLOS Vocês é que estão a me obrigar… MAURO (para a Susana) Susana, minha boss de luxo, se quiseres aulas de dança, aqui o profe Carlos terá o maior prazer em te ensinar no teu mbanji ainda hoje. O Carlos olha de forma zangada para o Mauro, enquanto a Susana sorri. EXT. RUA À FRENTE DA PORTA DA CASA DO JORGE - DIA
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O Carlos está de pé à frente da porta. CARLOS (amuado) Esse Mauro só me arranja problemas… Levanta a mão em posição de tocar a campainha. CARLOS A parte boa é que, mesmo que ela não aprenda a dançar, vai cair dinheiro por cada aula. INT. CASA DO JORGE - SALA DE ESTAR – DIA O JORGE, de 45 anos, está sentado no sofá, a ler o jornal. Ouve-se o toque da campainha. O Jorge olha para o relógio com expressão zangada. Suspira. Levanta-se e anda em aproximação da porta, abre-a, deixando-a entreaberta, e vê que é o Carlos. O Carlos assusta-se. CARLOS (admirado e assustado) Oh! Senhor Jorge? JORGE (sério) Sim… CARLOS (parcialmente gago) Desculpa-me o incómodo. Posso falar Com a Susana? JORGE (sorrindo) Claro! Entra. CARLOS (sorrindo com medo) Não é preciso. Posso esperar aqui fora... JORGE (sério) Entra, rapaz… CARLOS (constrangido) Senhor Jorge, não é necessário... JORGE (irritado e gritando) Entra! O Carlos engole em seco.
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CARLOS (gago) Está bem, senhor. O Jorge abre completamente a porta. O Carlos entra com expressão temerosa, fazendo o sinal da cruz, olhando para o céu. O Jorge fecha a porta e anda atrás dele. INT. CASA DO JORGE - SALA DE ESTAR - DIA O Jorge e o Carlos aproximam-se dos cadeirões e do sofá. O Carlos está com uma expressão de medo. O Jorge aponta para um dos cadeirões. JORGE (sério) Senta-te. CARLOS (respeitoso e temeroso) Obrigado, senhor. O Carlos senta-se. O Jorge volta a sentar-se no sofá. JORGE (gritando em chamamento) Susana! SUSANA (O.S.) Sim, pai! PAI Há alguém aqui que veio te ver! SUSANA (O.S.) Está bem, pai! Já vou! A Susana entra e vê o Carlos. A Susana assusta-se. Olha, admirada, para o rosto do Carlos e para o rosto do Jorge. SUSANA Oi, Carlos! Vieste buscar aquele CD, né? CARLOS CD…? SUSANA O CD intitulado Impossível Ter Aulas Agora, do Paulo Flores? CARLOS Oh, não! Quero aquele outro CD dele, intitulado Vais Me Pagar Na Mesma, Não? SUSANA
6 Não tenho este, mas amanhã, na escola, vou levar a mixtape que tem a música Tens Muita Birita No Kumbu, do Nagrelha. O Carlos levanta-se. CARLOS Está bem, mas não te esqueças que a Quem Não Vai Entrar No Nosso Grupo És Tu, da Noite e Dia, bateu mais. SUSANA Ok. Então levarei a Quantia e também A Vamos Começar A Ensaiar Na Tua Casa, da Ary. CARLOS Combinado! Com licença, senhor Jorge. JORGE (sério) Faz favor. A Susana e o Carlos começam a andar em afastamento do Jorge. O Jorge pigarreia. JORGE (CONT’D) (sério) Susana! A Susana e o Carlos param. SUSANA Pai? JORGE (sério) Ele não pode comprar estes CDs em vez de vir aqui em casa pedir-tos? SUSANA (desconcertada) Sim, pai, mas como ele me emprestou alguns CDs antes, eu quis fazer o mesmo desta vez. JORGE (sério) Ok. Empresta-lhe também aquele intitulado Eu Não Sou Burro, Entendi Tudo Que Disseram, da Força Suprema. O Jorge levanta-se e fica cara a cara com o Carlos. O Carlos engole em seco e a Susana assusta-se. SUSANA (assustada)
7 Mas, pai... JORGE (irritado) Susana, cala a boca! A Susana engole em seco. JORGE (CONT’D) Dá-lhe também aquele em cima do balcão da cozinha intitulado A Minha Filha Tem Que Estudar Em Vez De Perder Tempo Com Aulas De Dança, do Projecto X. SUSANA Pai! Não é nada disso! O Jorge fala sem olhar para a Susana, fixando o olhar no rosto do Carlos que está a tremer. JORGE (sério, gritando) Eu disse cala a boca, Susana! Põe-lhe também a ouvir o Se Continuares A Andar Atrás Da Minha Filha… O Jorge abre a porta. PAI (CONT’D) ...Vou Fazer Com Que Te Expulsem Do Colégio, entendeste? O Carlos assusta-se e sai, correndo. O Jorge volta-se para a Susana. JORGE (CONT’D) (sério) Entendeste? SUSANA (com medo) Sim, pai! JORGE (zangado) Desaparece daqui! A Susana sai correndo na direcção oposta à do Carlos, chorando. INT. CASA DO JORGE – QUARTO DA SUSANA – DIA A Susana entra, chorando. Sobre a cama estão algumas roupas de dança. Olha para a fotografia no porta-retratos sobre a cómoda onde estão ela e o Jorge sorrindo.
8 Ela segura o porta-retratos e intenta lançá-lo para o chão, mas para ao ver o porta-retratos onde estão ela, o Jorge e a DOMINGAS, de 39 anos, que também está sobre a cómoda. Suspira. Olha para a janela, que está entreaberta, segura as roupas sobre a cama e anda em aproximação da janela. EXT. RUA DA RULOTE AMARELA VERMELHA E PRETA - DIA A Susana está a andar apressadamente, segurando roupas. A algumas dezenas de metro à frente dela estão alguns jovens encostados à parede. Entre eles estão o LINO, o COLEGA 1 e o COLEGA 2. Os três têm patins com calcados e 16 anos de idade. À frente destes, há uma rulote amarela, vermelha e preta aberta de onde se ouve o som de música dançante. Os jovens batem palmas e assobiam para um grupo de rapazes que dança o estilo kuduro no meio da rua. A Susana para por alguns instantes, observando-os. O Lino pisca o olho para ela. Ela sorri e depois continua a andar apressadamente. INT. CASA DA MARIA ISABEL – QUINTAL – DIA Ouve-se batidas ao portão. CARLOS (O. C.) (sério) Quem é? SUSANA (O. S.) (animada) A tua nova aluna! O Carlos aproxima-se do portão. Pousa a mão sobre o trinco, mas para. CARLOS (zangado) Vieste fazer o quê, Susana? Volta só na tua casa, ya? Não quero problemas com o teu pai. SUSANA (O. S.) Ele só fala muito. Não lhe liga… CARLOS É fácil dizeres isso porque ele tem dinheiro pra construir um colégio só pra ti. Não quero me aventurar em estressar a minha mãe… EXT. RUA À FRENTE DA CASA DA MARIA ISABEL – DIA A Susana está de pé, segurando roupas de dança. Ao seu lado, encostado à parede, está um tamborzão.
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SUSANA (suplicante) Não vai acontecer nada contigo, Carlos. Vamos ter aulas em segredo aqui. Ele não vai saber… CARLOS (O. S) (zangado) Imagina se fosse a minha mãe a te expulsar assim aqui da casa dela, como é que te sentirias, hã? Como? A Susana suspira com tristeza. DISSOLVE TO: INT. CASA DA MARIA ISABEL – QUINTAL - DIA A Susana está de pé à frente da porta, com a mão levantada, em posição de batê-la. INT. CASA DA MARIA ISABEL - COZINHA - DIA A MARIA ISABEL, de 40 anos, está de pé à frente do fogão, girando uma grande colher de madeira sobre a panela que está sobre a única boca do fogão que está ligada. Há funji na panela. Há duas panelas sobre as outras bocas do fogão que estão desligadas. Ouve-se batidas à porta. A Maria Isabel olha para a panela, suspira de forma zangada, diminui o volume do fogo e sai, entrando para a sala de estar, segurando a colher de madeira grande que está parcialmente coberta de funji. INT. CASA DA MARIA ISABEL – SALA DE ESTAR – DIA A Maria Isabel entra, saindo da cozinha, com expressão facial de zanga, segurando uma colher de madeira grande que está parcialmente coberta de funji. Anda em aproximação da porta, abre-a, deixando-a entreaberta, e vê que é a Susana. A Susana sorri. SUSANA (alegre) Bom dia, dona Maria! MARIA ISABEL (cínica) Bom dia… SUSANA (animada) Posso falar com o Carlos? MARIA ISABEL (chateada) Mas ó menina, essa hora não tinhas
10 que estar a fazer o almoço? SUSANA (sorrindo, encabulada) Não, não faço nada disso na minha casa… MARIA ISABEL (sério) Ah, é? Então entra… SUSANA (constrangida) Não é preciso, dona Maria... MARIA ISABEL (rabugenta) Só porque na tua casa tem mosaico mais caro que na minha não queres entrar? Entra agora! A Susana engole em seco. SUSANA (constrangida) Está bem. A Maria Isabel abre completamente a porta. A Susana entra com expressão temerosa. A Maria Isabel fecha a porta e anda atrás dela. A Maria Isabel e a Susana andam em aproximação dos cadeirões. A Maria Isabel aponta para um dos cadeirões com a colher de madeira grande para que ela se sente. MARIA ISABEL (séria) Senta aí. SUSANA (respeitosa e temerosa) Muito obrigada, dona Maria Isabel. A Susana senta-se. MARIA ISABEL (gritando em chamamento) Ó senhor Carlitos! CARLOS (O.S.) Qual é a cena, moite? MARIA ISABEL Tens visita! CARLOS (O.S.) Tá-se bem! Já vou!
11 A Maria Isabel pousa a colher grande de madeira na mão da Susana. A Susana engole em seco e fica a olhar, pasmada, para a colher. O Carlos entra saindo do quarto e vê a Susana. O Carlos assusta-se. Olha, admirado, para o rosto da Susana, para o rosto da Maria Isabel e para a colher de madeira na mão da Susana. MARIA ISABEL (zangada, para o Carlos) Então a nora que queres me arranjar é essa? CARLOS (admirado) Nora? Qual nora, velha? MARIA ISABEL (zangada) Estás muito apressado tu. Já lhe avaliaste se sabe cozinhar ou engomar bem uma calça com vinco? SUSANA (humilde) Eh! Eu só quero ser amiga dele, dona Maria. MARIA ISABEL (rabugenta) Amiga, amiga. Mesmo amiga do meu filho tem que saber cuidar da casa, senão não podenem falar com ele! CARLOS (zangado) Moite, esse espírito de tratar assim as visitas estás a ir buscar então aonde? MARIA ISABEL (irritada) Cala a boca, Carlos! Cala a boca! (para a Susana) Você me levanta desse cadeirão e começa a trabalhar. O balde e o pano do chão estão aí, mas antes disso vai já me bater o funji que está na cozinha. Vamos! Rápido! SUSANA Mas… mas… MARIA ISABEL (rabugenta) Vai agora! E se depois me queixares no teu pai, vou se entender com ele. Ele até vai me agradecer por lhe ajudar a não criar uma filha preguiçosa! Vamos! Passa! E não quero nenhuma bola nesse
12 funji! A Susana levanta-se pega o maxariku e vai para a cozinha assustada e triste. BACK TO: EXT. RUA À FRENTE DA CASA DA MARIA ISABEL – DIA A Susana está de pé, segurando roupas de dança. Ao seu lado, encostado à parede, está um tamborzão. SUSANA Carlos, tens razão, mas eu… INT. CASA DA MARIA ISABEL – QUINTAL – DIA O Carlos está a andar em afastamento do portão. CARLOS (irritado) Não, Susana! Chega! Estou a entrar. Não quero mais te ouvir. Baza, miúda. Baza! E quando me vires no colégio, não me dirige a palavra. SUSANA Espera, Carlos! Ouve-se o som metálico vindo do exterior. A seguir, vê-se a Susana a olhar por cima do portão, com os olhos cheios de lágrimas, enquanto o Carlos anda de costas voltadas para ela. SUSANA (chorando) Tens razão. Peco-te um milhão de desculpas pela vergonha que passaste, mas aceita me dar aulas de dança, por favor. Carlos. Carlos! Aceita só, por favor. O meu pai me protege muito. Acho que ele faz isso por causa da morte da minha mãe. Ele não quer me perder também... O Carlos para de andar. SUSANA (chorando) …mas me protege tanto que quase não tenho nenhuma amiga. Só faço o que ele quer, quando ele quer. Nem tenho tempo para fazer o que eu realmente gosto. Não sabes o que é ter um pai assim… O Carlos suspira, volta-se, anda em aproximação do portão e abre-o. Vê que a Susana esta de pé, sobre um tamborzão. CARLOS
13 (emotivo) Ao menos tens um pai que se importa contigo, eu nunca conheci o meu pai. Entra, vamos começar as aulas… A Susana sorri, descendo rapidamente do tamborzão num salto. MAURO (animado, sentado à porta) Mas será por um preço mais alto, hein? A Susana sorri, concordando com a cabeça. CARLOS Vou entrar para ir buscar a música. O Carlos dá as costas ao Mauro e à Susana e entra para a casa. SUSANA (alegre) Vou ter aulas de dança! A Susana dança alegremente em toques requintados de kwaito, sorrindo. Ela para ao ver que o Mauro olha de forma admirada para ela. Ela sorri e pisca o olho para o Mauro. O Mauro olha de forma desconfiada para ela. INT. CASA DA MARIA ISABEL – QUINTAL - DIA Três meses depois… A Susana está a andar de um lado para o outro com expressão de impaciência. A Maria Isabel está ao lado dela, de cócoras, cuidando das flores que estão em vários vasos. MARIA ISABEL (sorrindo) Fica calma, menina. Eles já devem estar a chegar… SUSANA (amuada) Eles já disseram isso há cinco minutos. Se o meu pai chegar e não me encontrar em casa, vai começar a desconfiar. E hoje são os últimos acertos. O concurso Kusole já é daqui há três dias… MARIA ISABEL Se quiseres, eu posso te dar a aula hoje… SUSANA (sorrindo) Obrigada, dona Maria, mas ainda não quero aprender sungura e kabetula…
14 MARIA ISABEL (levantando-se) Se calhar são os toques que vocês estão a precisar para vencer o Kusole… e olha que eu não sei só dançar isso. A Maria Isabel começa a andar em aproximação da Susana. MARIA ISABEL O Carlos nunca te disse isso, porque é muito orgulhoso, mas eu sou a coreógrafa dele… A Susana solta uma gargalhada. Ouve-se o som de música do estilo kuduru vindo do exterior da casa. JOVENS (O. S.) (animados) Lhe dá! Lhe dá! Ewe! Estraga! Estraga! A Susana e a Maria Isabel entreolham-se. Sorriem e andam em aproximação do portão. EXT. RUA DA RULOTE AMARELA, VERMELHA E PRETA – DIA A Susana e a Maria Isabel entram, saindo do quintal e ficam a olhar a algumas dezenas de metro à frente de si onde estão alguns jovens encostados à parede, entre os jovens estão a Paula a Gisela, o Lino, o Colega 1 e o Colega 2. Os três últimos têm patins calçados. À frente destes, há uma rulote amarela, vermelha e preta aberta de onde se ouve o som de música dançante. Os jovens batem palmas e assobiam para um grupo de raparigas que dança o estilo kuduro no meio da rua. JOVENS (O. S.) (animados) Estraga! Estraga! Ewe! Lhe dá! Lhe dá! MARIA ISABEL (para a Susana, puxando-a pela mão em aproximação da rulote) Vamos encostar mais… A Paula vê a Maria Isabel e a Susana, dá uma leve cotovelada à Gisela para que ela também olhe para elas. A Paula e a Gisela entreolham-se, sorriem e começam a bater palmas, olhando para a Maria Isabel. PAULA E GISELA (animadas) Ko-ta Maria! Kota Maria! Ko-ta Maria.
15 Os jovens ao lado da Paula e da Gisela também olham para a Maria Isabel. Sorriem, assobiam e começam a bater palmas, excepto o Lino, que olha com desprezo para ela. JOVENS, PAULA E GISELA (animadas) Ko-ta Maria! Kota Maria! Ko-ta Maria. A Susana olha com admiração para a Maria Isabel que anda em aproximação do grupo de raparigas que dança no meio da rua. A Maria Isabel dança ritmadamente com as raparigas, deixando a Susana boquiaberta e o grupo de jovens eufóricos. Enquanto a Maria Isabel dança com as raparigas, o Carlos e o Mauro chegam, trajados de fato e gravata e ficam a olhar para ela, animados. O Lino olha com expressão de ódio para o Carlos. A Paula vê o Carlos e pisca-lhe o olho. O Carlos sorri e piscalhe o também vê. A Susana olha para os dois e faz uma expressão de ciúme. A Paula olha para a Susana e engole em seco, constrangida. Alguns carros que passam pela rua param e os seus motoristas ficam a observá-los, estando, entre eles, o MOTORISTA, de 30 anos, musculado. No banco de trás do carro deste, está o Jorge. A música termina e a Maria Isabel e as raparigas param de dançar. Todos batem palmas, alegres, enquanto outros assobiam. O Mauro anda em aproximação da Maria Isabel e choca o seu punho contra o punho dela. MAURO (animado) Podias ganhar dinheiro com isso, kota Maria! CARLOS (animado) Aí ela já não teria tempo para estar com o filho dela. A Susana aproxima-se da Maria Isabel e, ainda boquiaberta, levanta a sua mão e bate-a contra a mão da Maria Isabel que está levantada. SUSANA (animada) Bom trabalho, dona coreógrafa! A Paula e a Gisela andam em aproximação do Carlos, da Susana, do Mauro e da Maria Isabel, batendo palmas. JOVENS, PAULA, GISELA E RAPARIGAS (aplaudindo) Queremos bis! Queremos bis! O Carlos, a Susana, o Mauro e a Maria Isabel entreolharam-se.
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CARLOS (convencido) Se é o que querem, então vamos vos dar um show como nunca viram. SUSANA (para o Carlos e o Mauro) Vocês vão continuar de terno e gravata? O Carlos e o Mauro meneiam a cabeça em sinal concordância. O Carlos, a Susana, o Mauro e a Maria Isabel colocam-se no centro do palco de terra batida. O Carlos levanta a mão com intento de estalar os dedos. CARLOS (para a Susana) Arrasa-os, miúda! A Susana pisca-lhe o olho e sorri para ele, levantando o polegar. O Jorge segura a mão da Susana. JORGE (autoritário) O que é que conversamos sobre isso, Susana? Vamos pra casa! O Jorge começa a puxar a Susana em aproximação do carro, mas ela faz resistência, enquanto o Lino solta uma gargalhada zombeteira. SUSANA (suplicando) Pai? Pai, por favor, me desculpa. Mas me deixa só dançar essa vez… JOVENS E RAPARIGAS (apupando) Dei-xa a miúda! Deixa a miúda! Dei-xa a miúda! JORGE (zangado, para a Susana) Não! Vamos para casa! SUSANA (suplicando) Pai, por favor. Deixa-me só dançar, prometo-te que nunca mais danço. A Maria Isabel intenta abrir a boca para falar com o Jorge, mas o Carlos segura-lhe a mão e abana-lhe a cabeça em negação. A Maria Isabel suspira e fecha a boca. JORGE (zangado) As tuas promessas são falsas.
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SUSANA (suplicando com lágrimas nos olhos) Por favor, pai. Por favor. JOVENS E RAPARIGAS (apupando mais fortemente) Lar-ga a Susana! Larga a Susana! Lar-ga a Susana! O Jorge suspira. A Susana sorri. JOVENS E RAPARIGAS (apupando) Ele dei-xou a miúda! Xou a miúda! Ele dei-xou a miúda! O Jorge levanta a Susana, coloca-a sobre o ombro e anda em aproximação do seu carro, enquanto a Susana começa a chorar, olhando para o Carlos que olha de forma triste para ela, enquanto o Lino continua a sorrir com malícia. INT. CASA DO JORGE – SALA DE ESTAR – DIA O Jorge e a Susana entram, deixando a porta aberta. Ambos estão com expressão facial de zanga. A Susana tem lágrimas nos olhos. SUSANA (irritada, com voz chorosa) Pai, tu não estás bem. Liga para o psicólogo ou para o psiquiatra para te tratares! JORGE (zangado) Tu é que estás sempre a me desobedecer e eu é que não estou bem? SUSANA Viste a humilhação que me fizeste passar a frente de todo mundo? Viste? JORGE Humilhação que tu mesma pediste para passar… SUSANA Mas que mal há em eu dançar? Que mal há em conviver com alguns colegas do colégio? JORGE Não são pessoas de confiança. Sabe-se lá o que eles podem fazer contigo! Não sabes que essa gente só pensa em dinheiro?
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SUSANA Eles estudam comigo e são meus vizinhos. Eles não têm culpa da morte da mãe. Se queres culpar alguém, culpa a ti mesmo! JORGE (irritadíssimo) Cala-te e vai para o teu quarto! SUSANA (exaltada) Não, não me calo! Não vou para o quarto porque o quarto é teu, a casa é tua, tudo é teu, mas a voz e minha. Vou falar o quanto quiser, pai. Se trata. Se trata! O Jorge segura o seu sinto como se fosse retirá-lo do cós das suas próprias calças com expressão facial de zanga. SUSANA (enfrentando) Se queres me bater, eu mesma vou buscar todos os cintos dessa casa pra me surrares, mas essa prisão que me obrigas a viver aqui não está certo, pai. Não está certo! A Susana começa a andar em aproximação da porta. JORGE Susana, aonde vais? A Susana sai para o exterior da casa. SUSANA (O. C.) Não te preocupes que não vou dançar. Me tiraste completamente o gosto por isso. A Susana sai, batendo a porta com violência. O Jorge intenta segui-la, mas detém-se. Coloca a mão sobre o rosto e suspira com tristeza. EXT. RUA À FRENTE DA CASA DO JORGE – DIA A Susana entra, saindo da casa, com expressão facial de tristeza e lágrimas nos olhos. Anda com a mão tapando a boca, soluçando em choro. Do outro lado da rua, está o Lino, andando de patins com o Colega 1 e o Colega 2. Ele olha para ela, confuso, e patina em direcção da Susana. SUSANA (chorando, para si mesma)
19 Porque é que morreste, mamã? Porquê? Se estivesses aqui, as coisas não estariam assim. Volta só, por favor. Volta. LINO (galante, preocupado) Oh! Estás a chorar porquê, princesa? SUSANA É o meu pai, Lino. O meu pai… (funga) Ele não me deixa ser feliz do meu jeito… não me deixa conviver com ninguém. Não quer que eu aprenda a dançar para participar do concurso do colégio… LINO Oh, isso não é problema, duquesa! Em vez de dança, podes vir aprender a representar no estúdio do meu pai. Dizes ao Don Jorge que vais ter aulas de canto e balé, enquanto eu te ensino a ser uma excelente actriz. SUSANA (sorrindo parcialmente, limpando as lágrimas) Se o concurso é de dança, por que é que eu aprenderia cenas de teatro? LINO Fácil: porque eu vou convencer o director do colégio a ampliar as artes do concurso… SUSANA Obrigada pela gentileza, Lino. Mas não vai dar. Quero continuar na dança e para isso já tenho um professor. LINO Quem? SUSANA O Carlos. LINO Mas o teu pai está a deixar que ele te ensine? A Susana suspira e meneia a cabeça em negação com tristeza. O Lino pousa-lhe a mão sobre o ombro.
20 LINO Então vem aprender comigo, tzarina. Queres fazer o que tu gostas e ser realmente feliz ou não? A Susana olha para o Lino com expressão facial de indecisão. A sua boca se abre como se fosse pronunciar um «s», mas ela própria interrompe-se, meneando a cabeça em negação. SUSANA (determinada) Não vai dar. Se eu fizer isso, vou sentir que estou a trair o Carlos. O Lino suspira. Retira um papel do bolso dos seus calcões. LINO Sem problemas, mas se mudares de ideia, toma o meu número, rainha. A Susana recebe o papel e o Lino afasta-se dela dançado kuduro enquanto anda de patins e pisca o olho à Susana. A Susana sorri para ele e sai de cena. Vê-se o Mauro do outro lado da estrada, comendo hambúrguer, andando em afastamento da rulote amarela, vermelha e preta, olhando para o Lino e para a Susana com expressão zangada. A Paula e a Gisela estão a frente da rulote, dançando kuduro. INT. CASA DA MARIA ISABEL – QUINTAL – DIA O Carlos abre o portão. CARLOS (admirado) Fugiste de casa?! A Susana entra, saindo da rua. SUSANA (sorrindo, animada) Não, lhe descarreguei toda a raiva que ele anda a me dar pra ele saber dos abusos e sai! CARLOS (sério) É melhor você voltar pra lá Vamos evitar problemas. Pai é pai… SUSANA Mas… CARLOS (autoritário) Volta pra casa, Susana! E não
21 voltaremos a dançar novamente. SUSANA O quê?! E o concurso, Carlos? Faltam três dias para… CARLOS Esquece o concurso, miúda. Vou participar com outra rapariga. SUSANA (zangada) Qual rapariga? Assim já é Vais me trocar por ela? O ela tem que eu não tenho? que ela vai te dar que eu te dar?
Paula, né? que é que O que é não posso
CARLOS (confuso) Ainda estamos a falar de dança aqui? SUSANA (exaltada) Eu sabia! É mesmo com ela que vais me trocar. Vocês estão sempre a sorrir um para o outro… CARLOS Mas estás então a falar d… A Susana sai batendo o portão furiosamente. O Carlos fica com o olhar espantado, olhando para o portão. EXT. RUA À FRENTE DA CASA DA MARIA ISABEL – DIA A Susana entra, saindo da casa da Maria Isabel, com expressão facial de zanga. Olha para a rulote amarela, vermelha e preta e vê a Paula e a Gisela dançando kuduro com os jovens. Olha com ódio para a Paula. Retira o telemóvel e a pequena folha que o Lino lhe deu de um dos bolsos dos seus calções. Começa a discar algo no visor enquanto olha para a folha. Leva o telemóvel à orelha. SUSANA (séria) Vou ser do teu grupo. Esquece as aulas de dança. Não preciso delas. Nunca precisei. Temos de ganhar esse concurso. A Susana anda com expressão furiosa em aproximação da Paula. Pega-a pelo braço e puxa-a para si. PAULA Ai!
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SUSANA (zangada) Então eu te peço para me ajudares a ficar com ele, e pelas costas me trais? Se também lhe amas, por que é que não me falaste, Paula? PAULA (confusa) Não sei se estás a falar de quê. SUSANA E ainda estás armada em cínica, falsa? A Paula e a Gisela olham com expressão confusa para a Susana. SUSANA Sabes muito bem que estou apaixonada por ele, mas não tenho coragem de lhe dizer, por isso é que criei a ideia de tu e a Gisela rirem de mim como se eu não soubesse dançar na sala. A Gisela coloca-se entre a Paula e a Susana, retirando a mão da Susana do braço da Paula. GISELA (ameaçadora) Xe! E assim estás a vir cheia de atitude atacar a outra porquê? Estás armada em escandalosa do bairro? A Susana intenta pegar novamente no braço da Paula, mas a Gisela empurra-a. GISELA (ameaçadora) Se é de se comportar mal, continua… A Gisela levanta uma cadeira branca de plástico com uma das mãos, olhando de forma ameaçadora para a Susana. GISELA …vais cair com cadeira. PAULA Deixa, Gisela… GISELA Deixo o quê, prima? Deixo nada! Vais deixar essa mimada te falar assim? Se ela tá a pensar que
23 dinheiro do pai dela lhe da o direito de ser a Njinga Mbandi dessa rua, tá mal-enganada! SUSANA (triste) Sou nova neste bairro. Ninguém me conhece bem. Pensei que vocês fossem minhas amigas… GISELA (cínica) Ah! Agora vais simular comportamento de vítima? SUSANA Todos tiram conclusões precipitadas de mim, principalmente por causa do meu pai… A Paula e a Gisela entreolham-se. A Paula suspira. A Gisela pousa a cadeira sobre o chão, enquanto a Paula pousa a mão sobre o ombro da Susana. PAULA (complacente) Mboa, estas só a se borrar sozinha. Quem te disse que eu estou interessada nele? Se estás a falar da hora em que ele me piscou o olho, eu estava a lhe dar sangue para ele falar contigo, porque ele estava a me dizer que também gosta de ti… SUSANA (revoltada) Se gosta de mim, não faz nada para mostrar! Também estou farta disso tudo, estou cansada! Quero a minha mãe! Aqui ninguém me entende! A Susana sai correndo. DISSOLVE TO: EXT. RUA - DIA O Jorge e a Domingas estão dentro do seu carro, sentados no banco de trás. O Motorista está a conduzir. O motorista olha à frente de si e vê uma LINDA MULHER, de 25 anos, que anda de costas voltadas para ele. Ele observa o lindo e robusto corpo dela por instantes. Aproxima o carro dela e vê que ela está grávida, suando. Ele intenta avançar o carro, pisando no acelerador. LINDA MULHER
24 (aflita) Senhor, podes me dar boleia. Por favor, não estou a me sentir bem. JORGE Dá boleia a ela, rapaz. O motorista suspira. Retira o pé do acelerador e para o carro. Sorri por cavalheirismo e abre a porta. Ela entra para o carro e senta-se. LINDA MULHER (para o Jorge) Muito obrigada, senhor. JORGE De nada. Acho que é o meu dev… LINDA MULHER (gritando) Ai! Ai! Ai! JORGE E DOMINGAS (assustado) O que foi? A linda mulher coloca a mão em baixo da barriga e quando as retira, ela, o Jorge, a Domingas e o motorista veem que estão molhadas. INT. HOSPITAL – SALA DE ESPERA 1 - DIA O Jorge e a Domingas estão sentados com expressão facial de preocupação. O DOUTOR, de 50 anos, anda em aproximação deles. DOUTOR (animado, para o Jorge) Parabéns! Ela já teve um rapaz e parece-se muito contigo. JORGE (respeitoso) Não! Está equivocado, senhor doutor. Não sou o marido dela, mas ainda bem que ela está bem. Agora já posso ir-me embora. DOUTOR Ela confirmou que tu és o marido. JORGE Já disse que não sou marido dela. E
25 tenho mais que fazer… O Jorge e a Domingas começam a andar em afastamento do doutor. DOUTOR Ela disse que a sua reação seria exactamente essa, por isso… O Jorge e a Domingas olham para frente e vê homens e mulheres fardados entrando, dando em aproximação deles com expressão facial ameaçadora. DOUTOR Já chamamos a polícia e a OMA. JORGE (admirado) O quê?! Mas eu não sou mesmo pai desta criança. Estão a cometer um enorme engano. DOMINGAS Esperem. Isso é fácil de ser resolvido: Façam um teste de DNA. DOUTOR Conforme a senhora quiser… INT. HOSPITAL – SALA DE ESPERA 2 - DIA O doutor entra, andando em aproximação do Jorge e da Domingas que estão de pé, ladeados por homens e mulheres fardados. DOUTOR (animado) Tens razão, não és o pai, porque tu não fazes filhos, é impossível! Podes ir pra casa, meu caro. O Jorge suspira de alívio e começa a andar em afastamento de todos com alegria. JORGE Espera. E assim a Susana é filha de quem? Fala, Domingas! Ela e filha de quem? DOMINGAS Do motorista… JORGE O quê?!
26 A MÃE, de 70 anos, entra, chorando, com os dois IRMÃOS, de 45 e 47 anos. MÃE (chorando) Wawe! Wawe, ngana zambi! Kokolo dyame. Monani wafu, ngana. Monami. JORGE O que se passa? MÃE O teu pai acaba de morrer! JORGE (aturdido) O quê?! Meu Deus! (para os irmãos) O que é que vamos fazer? IRMÃOS (zangados) Sai daqui, Jorge! Esse assunto é de família! JORGE (para a mãe, aturdido) Como assim? MÃE Ele não era o teu pai! INT. CASA DO JORGE – QUARTO DO CASAL - NOITE O Jorge, deitado sobre a cama, abre os olhos, assustado. Sentase. Respira profundamente por algumas vezes. Passa a mão sobre o rosto. JORGE (aliviado) Graças a Deus! Foi tudo um sonho, como das outras mil vezes, mas a Susana tem razão. Tenho insónia há seis meses, e quando consigo dormir, sonho coisas estranhas, horríveis. Isso não pode continuar assim. Tenho que procurar ajuda. INT. CASA DO JORGE – CORREDOR DOS QUARTOS – NOITE
27 A Susana esta de pé, trajada de pijama, com a orelha à porta do quarto do Jorge. Sorri, olha para cima, juntando as mãos e sai, entrando para o seu quarto. INT. COLÉGIO – SALA DE AULAS - DIA O Mauro está a andar em aproximação do Carlos que está sentado, mexendo no visor do telemóvel. MAURO (zangado) Kalili, a Susana está a ter aulas de dança com o Lino. O Carlos levanta-se, espantado, e quase deixa cair o telemóvel. CARLOS (admirado) O quê? Estás a inventar! O Mauro apanha o telemóvel do Carlos que está quase a cair e entrega-o ao Carlos que o recebe. MAURO Tô tá dizer! E, na verdade, ela sempre soube dançar… CARLOS (admirado) O quê? Como…? MAURO …só fingiu que não sabia pra roubar a nossa coreografia. O Carlos faz expressão de espanto, depois de fúria. Suspira. CARLOS (triste) Como é que eu fui tão burro ao ponto de acreditar na cara de sonsa daquela miúda? MAURO O kumbu te cegou, mô dred. Também tens muita birita. Se ouvisses os meus conselhos, não estaríamos nesta situação. O Carlos olha com expressão zangada para o Mauro. O Mauro sorri. O Carlos senta-se. Eleva as mãos à cabeça que fica abaixada. CARLOS Então só há uma solução: vamos trocar toda a coreografia. MAURO (espantado)
28 Estás maluco! Só faltam dois dias… A Susana entra com o Lino sorrindo. Olha para o Carlos e para de sorrir. CARLOS (olhando para a Susana) Não faz mal. Se calhar até foi bom termos uma Judas entre nós, assim poderemos melhorar muito o nosso esquema. A Susana engole em seco. Intenta andar em aproximação do Carlos, mas o Lino puxa-a para si. Ela solta-se da mão do Lino, mas o PROFESSOR, de 38 anos, entra. PROFESSOR (animado) Bom dia, alunos! TURMA (animados) Bom dia, senhor professor! A turma senta-se. A Susana suspira e senta-se na mesma carteira que o Lino, enquanto o Carlos olha para ela com desprezo. INT. COLÉGIO - CORREDOR À FRENTE DA SALA DO DIRECTOR - DIA Alguns alunos andam indo e vindo. À frente da porta está escrita a palavra DIRECTORIA. INT. COLÉGIO – SALA DO DIRECTOR – DIA O Lino está sentado à frente do DIRECTOR, de 40 anos, que também está sentado. LINO (animado) Que tal os pais dos alunos participarem também do concurso? DIRECTOR (sério) Já é tarde. Faltam só dois dias. LINO Eles que se adaptem! Poderia até chamar a televisão e, em vez de ser só um concurso de dança, pode-se colocar também o teatro e a recitação de poema… DIRECTOR (autoritário) Já não vai a tempo, Lino. Esquece essa ideia e vai assistir às tuas aulas. Já me convenceste a criar
29 este concurso de dança, coisa que o dono do colégio não gostou nada, agora queres expandi-lo? Queres que me despeçam? Ou achas que vão ser as tuas ideias a sustentar a casa e os carros que temos? As tuas ideias pagam viagens e seguro? LINO (aliciador) Pai, pensa bem. O nosso colégio e conhecido por formar algumas da pessoas mais intelectuais e criativas desta cidade. Se abrangermos outras formas de expressão criativa, faremos jus à nossa reputação e… DIRECTOR (convencido) …isso faria com que mais pessoas conhecessem o nosso colégio. Mais dinheiro, mais financiamento. Boa ideia, rapaz! Mas vamos adiar o concurso para daqui há um mês. LINO (animado) Ok, pai! Tu é que mandas. EXT. RUA À FRENTE DO COLÉGIO – DIA Muitos jovens e crianças entram e saem do colégio, sorrindo e conversando. O Carlos está de costas voltadas para a câmara, mexendo nos botões do ATM. Retira o seu cartão multicaixa e uma pequena folha do ATM. Sorri ao olhar para a folha.
Começa a andar em afastamento do ATM, sorrindo. O RAPAZ, de 8 anos, trajado com o uniforme do colégio, anda ao lado do Carlos e os dois chocam os punhos um do outro com alegria. O rapaz anda em afastamento do Carlos, dando toques de kuduru. Um carro para à frente do Carlos. Ele vê que é o motorista. O motorista faz-lhe um sinal para que ele entre para o carro. O Carlos faz expressão facial de susto. Suspira. Abre a porta do pendura e entra. Vê que o Jorge está sentado no banco de trás, segurando um cartão VISA. JORGE (sério) Toma este cartão, rapaz. Gasta tudo que esta aí e depois me
30 devolve. CARLOS (confuso) Isso é para quê? JORGE (sério) Para deixares de ter aulas com a minha filha e de fingires de que não estás interessado no meu dinheiro. O Carlos faz expressão facial de zanga. JORGE Vocês vivem em mundos muito diferentes. Não ia dar certo. Ela está habituada a caprichos que o teu bolso jamais poderá realizar. CARLOS (sério) Está enganado, senhor Jorge. Ela já não anda a ter aulas de dança comigo. O Carlos retira um multicaixa da sua mochila e entrega-o ao Jorge. JORGE (admirado) Para que é isso? CARLOS Para o senhor deixar a sua filha ser feliz do jeito que ela escolheu e deixares de julgar as pessoas pelo dinheiro. Gasta tudo o que tem aqui e depois me devolve. JORGE (exaltado) Achas que preciso do teu dinheiro, rapaz? CARLOS Assim como eu tenho a certeza absoluta que não preciso do seu. Com licença.
31 O Carlos abre a porta e sai do carro. O motorista sorri, enquanto apanha uma pequena folha perto do banco do pendura. O Jorge suspira, furioso. MOTORISTA Quanto tinha no cartão que o chefe queria dar a ele? JORGE Um milhão de Kwanzas. MOTORISTA Olha aqui o recibo do banco que ele deixou cair. No dele tinha um milhão e quinhentos. O Jorge faz uma expressão de susto. Olha para o Carlos que está a andar calmamente em afastamento do carro e em aproximação da Maria Isabel. O Jorge sorri. INT. COLÉGIO – SALA DE REUNIÕES – DIA O Director está sentado à frente do DONO DO COLÉGIO. Vê-se apenas os braços cruzados do Dono do Colégio. DONO DO COLÉGIO (sério) Aqui são formados intelectuais, não dançarinos. Por isso, vamos cancelar o concurso! DIRECTOR Assim perderíamos receitas. Em vez de o cancelarmos, vamos estendê-lo para outras formas de manifestação culturais. Mais pessoas estariam interessadas, não só jovens, como mais velhos. Atingiríamos várias camadas de uma vez só… várias contas bancárias de uma vez só. O Dono do Colégio suspira. DIRECTOR Os pais dos alunos também deverão participar do concurso, pagando assim uma propina de ingresso tanto para eles como para os seus filhos. Só isso já nos renderá um bom dinheiro. Chamaremos a televisão e a radio
32 para cobrirem o concurso. Será sensacional! DONO DO COLÉGIO E como faríamos para convencer os pais a gastarem tanto dinheiro? DIRECTOR Daríamos um premio de uma exorbitante quantia ao vencedor, que, com certeza, sairia do dinheiro das propinas e não dos cofres do colégio, e mais um premio surpresa que o vencedor só saberia no mesmo dia. DONO DO COLEGIO Tens noção de que eu e tu temos filhos aqui, não? Então, para darmos o exemplo, nós os dois participaremos também do concurso. O Director leva a mão à boca, contrariado. Coça levemente o cimo da sua cabeça que e careca, olha para o Dono do Colégio e abana a cabeça positivamente. DONO DO COLÉGIO Ok. Pode ser, mas se der por torto… O Dono do Colégio começa a andar em aproximação da porta. Vêse que o Dono do Colégio e o Jorge. JORGE …toda a perda de lucros será descontada do teu ordenado anualmente. O director engole em seco. O Jorge sai e fecha a porta. O Director volta a coçar o cimo da cabeça. INT. CASA DO JORGE – SALA DE ESTAR - DIA Ouve-se a campainha a tocar várias vezes. JORGE (O. C.) (zangado) Mas quem é esse que não pode esperar? O Jorge aproxima-se da porta e abre-a. Vê-se a Maria Isabel parada à porta com expressão facial de zanga. MARIA ISABEL (rabugenta)
33 Achas que és o único pai no mundo? Só tu é que tens filha, hã? Só tu é que tens que proteger a tua filha das outras pessoas? Nós não temos que proteger os nossos filhos da tua filha? Fizeste a tua filha com diamante ou com ouro? Para de se meter na vida do meu filho. Se eu ouvir que tentaste lhe oferecer mais alguma coisa, não vão ser só as minhas palavras que vais ouvir. Com licença! A Maria Isabel puxa a porta e fecha-a com violência a frente de si mesma. O Jorge faz expressão facial de espanto. JORGE (murmurando) Não admira que seja mãe solteira… FADE TO BLACK. INT. CASA DA MARIA ISABEL – QUINTAL - DIA O Mauro, a Paula e a Gisela, com expressão facial de empolgação, estão a andar em aproximação do Carlos, que está a mexer no visor do seu telemóvel com expressão facial zangada. A Maria Isabel esta de cócoras, cuidando das plantas. MAURO (animado) Ouviste a dica nova, mô Kalili? Agora não vai ser só dança! Vou participar na declamação. Vou recitar o meu famoso poema Para Enfeitar Os Teus Cabelos. PAULA (sorrindo) Esse poema não é teu… MAURO Invejosa! Só porque não te deixei me roubar o Renúncia Impossível, teu comportamento ficou esse? GISELA (animada, abraçando a Paula) Eu vou participar no teatro contigo, primota! CARLOS (zangado) Vocês não estão a ver que isso tudo é ideia daquele gajo do Lino? Ele
34 quis desestruturar o nosso grupo, e conseguiu. Assim quem vai participar na dança comigo? MAURO Estava a ver que nunca mais perguntavas. Aqui agora é Deus por todos e cada um por your… O Mauro recebe o telemóvel das mãos do Carlos, levanta o aparelho apontando a câmara para o seu próprio rosto e o rosto dos outros. MAURO, PAULA E GISELA (animados) …selfie! O Carlos suspira, triste. MAURO É mentira, mô Kalili. Viemos te pedir para nos ajudares com as nossas cenas. E, com certeza, nos também vamos ajudar your… O Mauro levanta novamente o telemóvel apontando a câmara para o seu próprio rosto e o rosto dos outros. MAURO, PAULA E GISELA (animados) …selfie! O Carlos sorri. O Mauro, a Paula e a Gisela começam a dançar kuduru. O Carlos levanta-se, animado, e faz o mesmo. MARIA ISABEL Oh! E a Susana não está aqui porquê? MAURO A Dalila? Vai estar aqui porquê e pra quê? MARIA ISABEL Vocês insistem em pensar que ela vos traiu? CARLOS Moite, isso está mais que claro… MARIA ISABEL Talvez tenha sido um mal-entendido. Carlos, vai falar com ela. MAURO O quê? CARLOS Nunca!
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MAURO Nem pensar! A Maria Isabel segura os dred locks do Mauro. MARIA ISABEL (para o Carlos, séria) Como tua mãe, ordeno-te: vai agora! MAURO (para o Carlos, austero) Estás à espera de quê. Vai já! Essa desobediência estás a ir buscar aonde? MARIA ISABEL (para o Carlos) Vai! Depois de vocês falarem, seja qual for o desfecho da vossa conversa, voltas aqui para ajudar os teus amigos a escreverem as peças deles e eu te ajudo com uma coreografia fenomenal. O Carlos sorri. A Paula, a Gisela e o Mauro fazem o mesmo. O Carlos Começa a andar em aproximação do portão. Para e volta-se para a Maria Isabel. A Maria Isabel faz sinal para que ele continue a andar. O Carlos suspira. Abre o portão e sai. A Paula olha para o telemóvel na mão do Mauro. PAULA (para a Gisela, sussurrante) Eh! Ele esqueceu o telefone. E o pai dela que é bem mau? A Gisela faz expressão facial de pânico. MAURO Tens ideia que assim vais ter neto cedo, né, kota Isabel? MARIA ISABEL Vou nada. Ele é responsável. Sabe que as coisas devem ser feitas cada uma ao seu tempo. PAULA Kota Maria, e se o pai dela fizer alguma coisa ao Carlos? MARIA ISABEL Ah! Aí eu vou resolver o assunto by my…
36 A Maria Isabel recebe o telemóvel das mãos do Mauro, levanta o aparelho apontando a câmara para o seu próprio rosto e o rosto dos outros. MARIA ISABEL, MAURO, PAULA E GISELA (animados) …selfie! INT. CASA DO JORGE – SALA DE ESTAR – DIA A Susana abre a porta. Vê-se o Carlos de pé a porta. CARLOS (constrangido, tentando ser engraçado) Hoje não é o teu pai que veio abrir a porta? SUSANA (cínica) Queres que eu o chame? Pa… O Carlos interrompe a Susana, colocando-lhe o indicador sobre os lábios. CARLOS (em pânico) Não! Vim falar contigo. Posso entrar? SUSANA Não! O Carlos engole em seco. SUSANA Vamos sair. A Susana sai e fecha a porá atras de si. EXT. RUA – NOITE O Carlos e a Susana estão sentados num dos bancos corridos. Sobre alguns dos outros bancos, há outros casais sentados, conversando. CARLOS (ansioso) A minha mãe sempre foi muito batalhadora. Sempre fez tudo por mim, apesar de não ter marido.
37 A Susana suspira. CARLOS Eu tenho que fazer coisas para ajuda-lá, então decidi que tinha de estudar num os melhores colégios para ter a oportunidade de ser alguém. SUSANA (murmurando) Não é só quem estuda no colégio que é alguém… CARLOS O Mauro também me ajuda. Os pais dele nunca estão em casa por causa das viagens de negócios. Ele é meu fã e gosta de fazer tudo o que faço e viver como eu vivo… A Susana coça a sobrancelha com impaciência. CARLOS Ele diz que não quer depender do dinheiro dos pais, mas, às vezes, tira alguma massa para me ajudar. Eu também tenho os meus bisnos e… SUSANA (impaciente) Vieste me procurar para falar da tua mãe e do teu melhor amigo? CARLOS Não! Claro que não! O Carlos pigarreia. CARLOS Vim saber… O Carlos tosse. CARLOS Vim saber por que é que fingiste não saber dançar para eu te dar aulas. SUSANA
38 Tu sabes a razão… CARLOS Mas gostaria de ouvi-la de ti… SUSANA Porque, porque… A Susana engole em seco. Suspira. SUSANA Porque estou apaixonada por alguém e gostaria de passar mais tempo com essa pessoa. CARLOS E porque é que estás apaixonada por este alguém? SUSANA Porque é uma pessoa inteligente, quase bonita, altruísta, mais convencido que prestativo, mas… o Carlos sorri, interrompendo-a. CARLOS (encantado) Eu também estou apaixonada por… apaixonado, eu também estou apaixonado por alguém, mas ainda não temos idade suficiente para namorar. O Carlos pousa a sua mão sobre a mão da Susana. Ela sorri, encabulada. CARLOS (apaixonado) Mas espero, sinceramente, com todas as forças do meu coração, espero que, quando tivermos idade suficiente, ela case comigo. O Carlos e a Susana abraçam-se. EXT. RUA À FRENTE DO COLÉGIO – DIA Um mês depois…
39 Há vários carros luxuosos estacionados. Algumas pessoas adultas e jovens saem de alguns dos carros e entram para o colégio. INT. COLÉGIO – GINÁSIO – DIA Várias pessoas adultas e jovens estão sentadas, enquanto outras entram, andando em aproximação das cadeiras vagas. No palco, entram a PATRÍCIA FARIA e o CALADO SHOW. CALADO SHOW (animado) Aberturas! PATRÍCIA FARIA (animada) Chegou a hora que todos esperávamos! CALADO SHOW (animado) Finalmente começará o nosso concurso: Kusole! PATRÍCIA FARIA Nele, os nossos concorrentes poderão demonstrar até que ponto o seu amor, a sua paixão pela arte os levou a criar peças maravilhosas… CALADO SHOW …com música, teatro e dança! PATRÍCIA FARIA E o nosso primeiro concorrente é… CALADO SHOW Mauro Muhongo e a sua mãe, Cristina, que farão uma representação do poema Para Enfeitar Os Seus Cabelos, de Agostinho Neto. O Calado Show e a Patrícia Faria saem do Palco e vê-se o Mauro sentado, segurando o seu telemóvel, de costas voltadas para a câmara, olhando para o céu, sentindo a brisa fria, vestindo calças e uma camisa parcialmente desabotoada. Está a usar óculos e um bigode, e os seus dred locks estão apanhados para trás, num pucho. Há um copo de vazio sobre a mesa atrás dele, uma rosa e uma taça com cubos de gelo. Há também uma garrafa de whisky, uma garrafa de vinho abertas e mais duas garrafas de outras bebidas sobre a mesa. Numa das cadeiras à volta da mesa, está o seu casaco. Ele olha para o telemóvel e vê a fotografia de uma mulher e ele, felizes.
40 O Mauro suspira, vira-se para a câmara com expressão triste, pega na garrafa de vinho e começa a servi-lo no copo. MAURO No nosso sangue... Ele para de servir o vinho. Pousa a garrafa e segura a flor. MAURO (CONT’D) ...crescem rosas e no amor e na saudade; Ele passa a rosa sobre os cubos de gelo com expressão zangada. MAURO (CONT’D) As rosas... MONTAGEM: A rosa ganha um tom murcho nas pétalas que tocaram no cubos de gelo. MAURO (CONT’D) ...que murcham sobre o gelo da distância Ele olha para o chão e vê duas rosas. Levanta-se e começa a andar na direcção delas. MAURO (CONT’D) E neste dia, crescerão sempre rosas. Ele suspira e passa a mão sobre a cabeça em desespero. Apanha as duas rosas com a mão esquerda e pousa a mão direita sobre o peito. MAURO (CONT’D) (zangado) Se os nossos corações se estrangulam nas grades onde morre a liberdade e se fatigam Ele volta-se e vê que há três rosas sobre a mesa. Faz uma expressão de desconfiança. Olha para a esquerda e para a direita, como se procurasse alguém e começa a andar em aproximação da mesa. MAURO (CONT’D) Neste dia crescem sempre rosas Ele pousa as três rosas em sua mão junto das três rosas sobre a mesa. Faz um gesto como se sentisse frio e olha para o casaco sobre a cadeira. Começa a andar em aproximação do casaco. MAURO (CONT’D) E se o inverno é longo, é dentro de nós que mergulham as raízes pelas quais os homens se
41 alimentam Passa a mão sobre o casaco e vê que há uma rosa nos bolsos do casaco. Sorri e olha ao seu redor. MAURO (CONT’D) Se o inverno é longo e as vozes se cansam é porque o nosso caminho é único - o amor O Mauro retira a rosa do bolso do casaco. MAURO (CONT’D) Neste dia crescem sempre rosas Olha debaixo da mesa como se procurasse alguém. MAURO (CONT’D) (triste) Irei buscá-las às planícies mais longínquas, às montanhas menos acessíveis... Levanta-se e olha ao seu redor. O Mauro suspira de tristeza. MAURO (CONT’D) (triste e zangado) Aos abismos, à amizade e à distância que nos une. O Mauro olha para a rosa em sua mão. Atrás dele, a CRISTINA, de 45 anos, põe-lhe a mão sobre o ombro. Ele vira-se em expressão de susto e felicidade. MAURO (CONT’D) (feliz e apaixonado) Neste dia crescerão sempre rosas, rosas muitas, rosas sobre o nosso amor... Coloca a rosa sobre os cabelos dela. MAURO (CONT’D) ...para enfeitar os teus cabelos A Cristina beija a bochecha do Mauro à medida que a imagem escurece. Ouve-se várias palmas a partir da plateia, enquanto o Calado Show e a Patrícia Faria entram e o Mauro e a Cristina saem do palco. CALADO SHOW (animado) E isso já começou a aquecer! PATRÍCIA FARIA
42 (animada) Temos de lembrar a nossa plateia de que o vencedor sairá daqui com um cheque de três milhões de Kwanzas, um carro, as chaves de um apartamento numa das centralidades e um prêmio surpresa. PATRÍCIA FARIA E o nosso segundo concorrente é… CALADO SHOW O grupo de Paula e Gisela, acompanhado dos seus pais que nos apresentarão uma peça insólita sobre o preconceito, trazendo até nós Njinga Mbandi, Bula Matadi e muitos outros heróis nacionais. O Calado Show e a Patrícia Faria saem do Palco e vê-se a Paula entrando para o palco, à direita, trajada de roupas africanas. PAULA Algures na imensidão do Universo, escondido no brilho estelar da Via Láctea, localizado na crosta da Terra, um território secreto permitia-se ser o anfitrião de alguns heróis julgados mortos pela maioria. A Gisela entra para o palco, à esquerda, trajada de roupas africanas e com penteado africano. GISELA O lugar tinha o nome de Luya e ficava perto do rio Lwembe, na Lunda-Norte. Ladeado por cubatas e algumas palmeiras, um enorme grupo de pessoas estava em pé dispostas de forma a criar um círculo. Só os mais privilegiados estavam sentados. Eles formavam um género de arena. Estavam aí para assistir a um jogo. Todas as tribos estavam reunidas. PAULA Na arena estavam três pessoas imponentes: dois homens e uma mulher. Vê-se o NGOLA KILWANJI (representado pelo Director) )atrás delas, com apenas os quadris cobertos e o resto do corpo nu. PAULA Um dos homens era Ngola Kiluanji, rei do Ndongo, um autêntico gigante dotado de uma força física fora do comum.
43 Vê-se o MANDUME atrás delas, com apenas os quadris cobertos e o resto do corpo nu. GISELA O outro era Mandume, rei dos kwanhamas, um grande guerrilheiro cheio de inteligência. Vê-se a Njinga Mbandi atrás delas, com roupas africanas que lhe cobre o busto até a parte superior das coxas. GISELA A mulher era Nzinga Mbandi, filha de Ngola Kilwanji, uma autêntica prova que os pacíficos também usam a força para atingir os seus objectivos mais nobres. Os três estavam ansiosos. PAULA Dentro de momentos seriam soltos quatro animais perigosos: Vê-se a imagem de dois javalis e dois bodes selvagens no grande ecrã que esta no palco. PAULA …dois javalis e dois bodes selvagens. As regras eram simples: deviam apenas paralisar os animais, a morte não era permitida. E não podiam ter nada nas mãos, excepto uma corda. A multidão ficou calada. As grades de bambu foram abertas. As bestas estavam livres. GISELA Espuma – havia espuma branca nas suas bocas. O olhar era demoníaco. Três das feras galopavam ferozmente na direcção deles. A outra ficou a rondá-los, como se quisesse achar um ponto fraco. PAULA Com força extremamente bruta, os dois homens domaram os javalis e a mulher deteve um dos bodes pelos chifres. Mas, no mesmo momento, a certa distância, o outro bode preparava-se para atacá-la pelas costas. As mãos dos dois homens estavam ocupadas em amarrar os dois suínos. As mãos dela tentavam proteger-se dos cornos afiados do caprino. Se decidisse lutar com um, o outro atacá-la-ia. O mesmo se daria se os homens largassem os javalis – com certeza seriam atacados, não por uma, mas pelas quatro feras. Os homens apressavam-se em amarrar os javalis. GISELA
44 Ela tentava derrubar o animal em suas mãos. O outro bode continuava a galopar na direcção dela. Já estava muito perto. Subitamente… O Lino aparece no meio do palco, maquilhado de albino, à frente do Ngola Kilwanji, do Bula Matadi e da Njinga Mbandi, trajada de panos e capuz pretos. GISELA …aparecendo de forma misteriosa, um Jovem albino apareceu no meio da arena, bem à frente do bode. O olhar dela era incendiado. O bode sentiu-se intimidado. O animal ficou parado, paralisado. PAULA Os dois outros homens correram até ao caprino e o amarraram. A imagem dos bodes e dos javalis no ecrã é desligada. PAULA A multidão aplaudia de forma eufórica. Antes que continuassem com a diversão, a menina fez um sinal, indicado que precisava da atenção deles. O assunto era sério. Quatro homens e uma mulher levantaram-se. A multidão abriu caminho para que eles pudessem passar. O EKWIKWI II, a KIMPA VITA, o MUTU YA KEVELA e o NGUNGUNHANE, entram para o palco. KIMPA VITA (para o Lino, fazendo-lhe uma vénia) O que te trás aqui? LINO Kimpa Vita, ou devo dizer Dona Beatriz? Sei que és muito ligada aos espíritos. Será interessante conversar contigo. O que tenho para vos falar é muito importante… EKWIKWI II (para o Lino, fazendo-lhe uma vénia) Não é melhor que nos sentemos? LINO O assunto é sério demais para que nos sintamos à vontade. És Ekwikwi II, rei do Baylundu. Admiro muito o que fizeste. Precisamos de homens como tu. EKUKUI II Só faço o que é necessário… LINO
45 (patinando lentamente à volta deles) As vossas lutas… Porque que lutaram? Qual foi a razão das vossas lutas? Podes dizer-me, Mutu ya Kevela? MUTU YA KEVELA Eu lutei contra o trabalho forçado. Nunca reconheci a autoridade portuguesa como autoridade. Ninguém que escraviza merece submissão. LINO E tu, aristocrata Bula Matadi? Porque lutaste? BULA MATADI Lutei contra a exploração e a dominação portuguesa. LINO Ngungunhane, ou Reinaldo Frederico Gungunhana, «o leão de Gaza», homem de Moçambique… Porque lutaste? NGUNGUNHANE Pela liberdade, pela expulsão dos portugueses no nosso território. LINO (para Njinga Mbandi) Em resumo, todos vocês lutaram para sermos homens livres, verdadeiros homens livres. O que me trás aqui é a realidade de que, infelizmente, as vossas lutas foram em vão… MANDUME (parcialmente exaltado) Como assim? KIMPA VITA (com o olhar em transe) O nosso povo continua preso. Eles continuam a ser escravizados… NGOLA KILWANJI (para Kimpa Vita) Não pode ser! Os portugueses foram expulsos daqui há décadas. Estamos a evoluir… O nosso povo está a evoluir. O que vês é falso, feiticeira. KIMPA VITA Parte do que dizes é verdadeiro, mas não me chames de feiticeira. É o que vejo. As nossas lutas não nos libertaram. Somos escravos…
46 (cruza os pulsos com os punhos cerrados) Continuamos escravos… EKWIKWI II (para o Lino) Como é isso possível? Mesmo quando éramos escravos, já éramos mais livres que os colonos aqui. Estávamos em todos os sítios: nos campos, nas casas deles, nos caminhos-de-ferro. Eles temiam-nos… Viviam com medo de nós. O opressor nunca é mais livre que o oprimido. Ele tem de trabalhar muito em prol da opressão deste. Tem de escravizar-se… Tem de passar a noite a pensar em como usar a força do oprimido para proveito próprio. Tem de estar sempre alerta. Uma revolução apavora-o. Nunca está em paz. Dia e noite é perseguido pelos problemas que causam maior ansiedade ao ser humano. O escravo tem apenas uma preocupação: liberdade, logo, é mais livre. Nós nos vimos livres dos colonos, agora somos mais livres do quando éramos escravos. LINO Sábias palavras. O que me dirás quando souberes que o teu povo luta contra si mesmo? O teu povo livre é preconceituoso, bêbado, imoral, assassino, corrupto… O teu povo, o teu povo é escravo, detentor da pior escravidão possível. Muitos deles me odeiam… MANDUME (arrogante) Porquê? És como os colonos? LINO Não. Apenas por causa da minha pele. A minha pele é um problema para a maioria deles. Na verdade, para a maioria das pessoas neste planeta. Quantos heróis albinos aparecem nos livros? Nenhum… Quantos albinos lutaram ao vosso lado? Não se fala sobre isso… Vais a Internet e só lês sobre porque temos essa coloração. Não há nenhuma figura de destaque… Será que não lutámos? Até nas bandas desenhadas… há heróis cegos, coxos… nenhum albino. Se houver algum, é uma excepção, e uma excepção pouco conhecida ou mencionada. Somos discriminados, excluídos… E não são só os albinos, qualquer pessoa que seja diferente da área em que esteja.
47 O teu povo… O vosso povo é disfuncional… O mundo é disfuncional. KIMPA VITA (dando um gole da bebida na caneca na sua mão) Entendo muito bem os teus sentimentos. Fui queimada viva com o meu filho por causa do preconceito… NGOLA KILWANJI Aquele Manuel Cerveira Pereira prendeu-me e mandou que eu fosse decapitado na Fortaleza de São Miguel para mostrar o seu poder. O orgulho também é um veneno… Mesmo se tentarmos mudar essas pessoas, talvez elas não aceitem por simples soberba. NGOLA MBANDI Embora os meus irmãos Kambi e Fuxi não tivessem chegado a extremos, Ngola Mbandi, o meu outro… irmão… mostrou-me como a ganância pode mudar as pessoas. Ele recebeu-me o trono… A ganância é peçonha. LINO (para Njinga Mbandi) Muito interessante, Ana Sousa. BULA MATADI É como fumar, beber, ter muitos homens ou muitas mulheres. – Não é viver… é morrer. Mas as pessoas fazem isso por lhes ser conveniente… ou lhes dar prazer. Mudar a mente das pessoas está entre as coisas mais difíceis deste mundo. NZINGA MBANDI (para Njinga Mbandi) O que propões? LINO É esta a razão que me trouxe até vocês… Vocês têm o poder de mudar o sistema. Provaram-no… E gostam de desafios. O que farão? Vão lutar? (para o Mandume) Ficar com os braços cruzados? INT. COLÉGIO – BASTIDORES DO GINÁSIO – DIA O Mauro está sentado, segurando um dos seus dred locks com uma das mãos e uma tesoura com a outra. Suspira. MAURO (triste) O que é que um gajo não faz para ajudar um irmão?
48 Vê-se o Carlos aproximando-se dele com uma máquina de barbear. BACK TO: INT. COLÉGIO – BASTIDORES DO GINÁSIO – DIA A Paula e a Gisela estão no palco. NGUNGUNHANE Lutaremos. Detestamos a escravidão. O preconceito é irmão dela. MANDUME As minhas mãos estão ao dispor desta luta. EKWIKWI II Se for preciso a força para mudar a mente deles... assim será. A abordagem é uma solução viável. Farei os possíveis para convencê-los com lógica irrefutável. MUTU YA KEVELA Ninguém se sente bem ao ser discriminado. Talvez a solução seja lhes fazer provar um pouco do próprio veneno. Estou nesta luta. NGOLA KILWANJI Os portugueses não me impediram... nem chegaram a vencer-me. Lutar contra a mentalidade de meu próprio povo será difícil, mas não impossível. Lutarei. KIMPA VITA O espírito do raciocínio existe em qualquer humano. Só precisaremos de evocá-lo com fervor. Eu me responsabilizarei disso. Lutarei. BULA MATADI No passado, consegui mobilizar todo o meu o povo para obrigar um rei a expulsar os portugueses com o intuito de pôr fim às intrigas que enfraqueciam o reino a que eu pertencia. Será interessante repetir esta façanha… Lutarei. NZINGA MBANDI É meu dever salvar o meu povo de qualquer ameaça. Lutarei. E a luta começa agora. Estamos dispostos a ir contigo. Os preconceituosos que estejam bem preparados. Muitas pessoas levantam-se e batem palmas, enquanto o grupo da Paula e da Gisela sai do palco e o Calado Show e a Patrícia Faria entram. CALADO SHOW (animado) Agora vamos receber o nosso último
49 concorrente! PATRÍCIA FARIA (animada) Carlos e o seu grupo, acompanhado dos seus pais e dos seus padrinhos. O Calado Show e a Patrícia Faria saem do palco. O cenário no palco e feito de várias árvores e montanhas. O Jorge, trajado de camisa verde e calças vermelhas, segurando uma máquina fotográfica e a Susana, trajada de blusa amarela, calças brancas e sapatilhas azuis, que tem uma maçã na mão, entram. A Susana começa a comer a maçã. Enquanto come, observa o RAPAZ que está sentado, triste, com a mão sobre o ventre, trajado de roupas sujas, de mendigo. O Carlos e o Mauro, trajados de mendigos que usam óculos, aproximam-se do rapaz com expressão de pena e consolo. O rapaz levanta-se com expressão triste e os três começam a andar juntos. Param à frente de uma lata de cerveja e olham para a Susana que está comendo a maçã, olhando para eles, e o Jorge está a tirar fotografias ao grupo de TRÊS HOMENS DO BATUQUE e as DUAS BAILARINAS, sendo uma das bailarinas a Maria Isabel, sem se aperceber da presença dos mendigos. As fotografias que o Jorge tira aparecem a preto e branco no grande ecrã do palco. A Susana olha para os mendigos. O rapaz toca com a mão esquerda no seu próprio ventre e estende a mão direita na direcção da Susana, indicando que tem fome. A Susana olha para a maçã, depois olha para o rapaz, sorri e estende a mão para que o rapaz venha buscar a maçã. O rapaz sorri e começa a andar em aproximação dela. O Jorge volta-se, faz uma expressão zangada e de nojo ao ver o rapaz a aproximar-se, faz uma expressão de reprovação olhando, para o Jorge. A Susana fica triste, com uma expressão de quem está arrependida. O Jorge volta-se e continua a tirar fotografias ao grupo de 3 percursores e 2 bailarinas. O rapaz faz uma expressão triste como se fosse chorar e pontapea a lata com fúria. O Carlos abaixa-se e começa a falar com ele em tom de consolo. CARLOS
50 Às casas... O Carlos toca na relva. CARLOS (CONT’D) ...às nossas lavras, às praias, aos nossos campos, havemos de voltar. RAPAZ (triste, em tom choroso) Voltar? Vamos fazer o quê pra voltar? O Mauro agora está com calças sociais pretas limpas, o resto das roupas continuam sendo de mendigo. MAURO Criar... RAPAZ Criar? O Mauro responde que sim com a cabeça. MAURO Criar no espírito... O Mauro aperta levemente o braço do Carlos. MAURO (CONT’D) ...criar no músculo... O Carlos sorri. MAURO (CONT’D) ...criar no nervo... O Mauro pousa a mão sobre o ombro do rapaz. MAURO (CONT’D) ...criar no homem... O Mauro pega e desfaz uma pequena porção de areia entre os dedos. MAURO (CONT’D) ...criar na massa. RAPAZ1 (desgostoso) E vamos fazer isso onde? Vamos vestir o quê? O Carlos agora está com uma camisa branca limpa, mas o resto das roupas continuam sendo de mendigo.
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CARLOS Às nossas terras vermelhas de café... O Carlos pega na mão do rapaz e faz ele passar na sua camisa branca. O rapaz agora está com calças jeans verdes limpas, mas o resto das roupas continuam de mendigo. CARLOS (CONT’D) ...brancas de algodão... O Carlos toca nas calças verdes do rapaz. CARLOS (CONT’D) ...verdes dos milharais, havemos de voltar. RAPAZ (curioso) Voltar a criar, né? O Mauro mostra-lhe o polegar como sim. O Mauro agora está com uma camisa vermelha limpa. Aponta para uma árvore. MAURO Criar, criar sobre a profanação da floresta... O Mauro bate levemente contra as suas próprias costas. MAURO (CONT’D) Sobre a fortaleza impúdica do chicote criar sobre o perfume dos troncos serrados, criar... O Mauro toca no rosto do rapaz onde há uma lágrima. MAURO (CONT’D) ...criar com os olhos secos. O rapaz olha para a sua camisola de mendigo. RAPAZ1 (triste) Essa pobreza só dá pra chorar. O Carlos agora está com um relógio dourado no pulso, com uma gravata vermelha, camisa branca e calças sociais limpas. Mostra o relógio dourado ao rapaz. CARLOS Às nossas minas de diamantes, ouro, cobre, de petróleo...
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O rapaz sorri para o Carlos e depois olha para o Mauro, completamente empolgado. RAPAZ1 (empolgado) Havemos de voltar a criar... O Mauro agora está com um casaco preto, camisa vermelha e calças sociais pretas limpas. Faz um gesto como se batesse com uma palmatória na própria mão. MAURO Criar gargalhadas sobre os escárnios da palmatória, coragem nas pontas das botas do roceiro força no esfrangalhado das portas violentas. O Mauro faz um gesto de firmeza com as duas mãos perto da gravata vermelha do Carlos. MAURO (CONT’D) ...firmeza no vermelho sangue da insegurança. O rapaz agora está com uma camisola amarela limpa e sapatilhas. O rapaz limpa a lágrima do outro olho. RAPAZ (sorrindo e emocionado) Criar, criar com olhos secos. O Carlos coloca o rapaz sobre os seus ombros, levanta-se, abre-lhe os braços e começam a andar na direcção de uma árvore, felizes. CARLOS À frescura da mulemba, às nossas tradições, aos ritmos e às fogueiras, havemos de voltar RAPAZ Ritmos? Quais ritmos? Em sincronia esquematizada, o Carlos e o Mauro dançam começando com toques de rebita, intercalando com toques de kabetula e kuduro. RAPAZ1 (gargalhando) Sim, voltar, voltar a criar. O Carlos coloca o rapaz sobre o chão.
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MAURO (sorrindo) Criar estrelas sobre o camartelo guerreiro, paz sobre o choro das crianças, paz sobre o suor, sobre a lágrima do contrato, paz sobre o ódio, criar. O Mauro e o rapaz entreolham-se, contentes. O grupo de 3 percursores e as 2 bailarinas aproximam-se deles, batucando e dançando alegremente com toques sincronizados de sungura e kwaito. O Jorge, continuando a tirar fotografias, e a Susana andam em aproximação deles sorrindo. Vê-se os pés de uma mulher calçados de sandálias, trajando um vestido de samakaka justo, mas comprido, com as cores vermelha, preta, branca e amarela, e os pés de um homem calcados de botas militares, trajando o uniforme de general, andando em aproximação de todos. RAPAZ E MAURO Criar com os olhos secos. O grupo de 3 percursores e as 2 bailarinas fazem um semicírculo a volta do Carlos, do Mauro e do rapaz1, colocando-os no meio. A Susana tenta entrar para o meio do semi-círculo, mas o Jorge impede-a. O Carlos começa a dançar e o Mauro olha para ele e começa a dançar também em toques requintados de sungura e kabetula. O Carlos, o Mauro e o rapaz estão de costas voltadas para o grupo de percursores e as bailarinas. CARLOS À marimba e ao quissange, ao carnaval, havemos de voltar. Um a um, o grupo de 3 percursores e as 2 bailarinas começam a afastar-se deles. RAPAZ Voltar, sim! Mas, antes, criar. MAURO Criar, criar liberdades nas estradas escravas... O Jorge assusta-se ao ver a mulher de vestido de samakaka e o homem de traje de general aproximando-se e ajoelha-se, fazendo uma vênia com muito medo.
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MAURO (CONT’D) ...algemas de amor nos caminhos paganizados do amor. O Mauro dá uma passada de kizomba no vazio, alegre. MAURO (CONT’D) ...sons festivos sobre o balanceio dos corpos em força simulada Criar, criar com os olhos secos. Os três dão as costas para a câmera, procurando o grupo de percursores e as bailarinas e vêem a mulher trajada de vestido de samakaka e o homem de traje de general, andando em aproximação deles, estando posicionados um dos percursores a sua esquerda, outro à sua direita, outro atrás de si. Só neste momento é que aparece o rosto da mulher de vestido de samakaka e do homem com traje de general: são a Ary e o Nagrelha. As duas bailarinas aproximam-se dançando com balaios de frutas na cabeça, estando uma à frente do percursor à esquerda e o outro à frente do percursor à direita. CARLOS À bela pátria angolana, nossa terra... RAPAZ (alegre e surpreso) Mamã! O Jorge assusta-se e pega na câmera fotográfica, tremendo. O rapaz corre na direcção da Ary e do Nagrelha e abraça-os. O Mauro também se aproxima e abraça os três, enquanto o grupo de percursores e as bailarinas batucam e dançam alegremente. CARLOS ...nossa mãe, havemos de voltar. O Carlos levanta a mão esquerda e descreve um arco. CARLOS (CONT’D) Havemos de voltar. À Angola libertada, à Angola independente. O Carlos abraça a Ary, o Nagrelha, o rapaz e o Mauro. O Jorge, disfarçando-se, tira uma fotografia do abraço dos cinco e do grupo de percursores e das bailarinas batucando e dançando
55 à volta dos quatro e aparece a imagem imóvel da fotografia a cores. A plateia levanta ao rubro e bate palmas, assobiando. MULTIDÃO Já ganhou! Já ganhou! Já ganhou! FADE TO BLACK. INT. COLEGIO – GINASIO – DIA A Patricia Faria e o Calado Show estão no palco falando para a plateia. CALADO SHOW Bem, passados então todos os nossos cem concorrentes… PATRICIA FARIA Chegou finalmente a hora de anunciarmos o nosso vencedor. CALADO SHOW E o vencedor e… O Calado Show e a Patricia Faria entreolham-se e sorriem. INT. COLEGIO – BASTIDORES DO GINASIO – DIA O Carlos e o seu grupo estão de mãos dadas. O Mauro esta a usar um gorro na cabeca. No fundo, ve-se o Lino a olhar para eles com desprezo. LINO Pensam que vao ganhar? O que eu fiz foi muito mais intelectual e inovativo… DIRECTOR O que nos fizemos, rapaz. O que nos fizemos… O Carlos está com os olhos fechados, abrindo e fechando os lábios rapidamente em murmúrio. SUSANA Oh! Não és tao convencido que sempre ganhas? CARLOS Primeiro ora-se a Deus, depois se fica convencido de qualquer coisa. Weis, Aconteca o que acontecer, quem vencer divide o prêmio a meias com os outros.
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MAURO Assim o carro e o apartamento vamos dividir como? Eu não quero ficar com os pneus. INT. COLÉGIO – BASTIDORES DO GINÁSIO – NOITE O Carlos está com o Mauro. CARLOS Tens noção que meteste o Agostinho Neto com dred locks? MAURO E tu que lhe meteste a dançar kuduro? INT. TELEVISÃO – NOITE O Ernesto Bartolomeu está sentado atras da mesa, trajado de fato e gravata. ERNESTO BARTOLOMEU E para terminarmos o nosso telejornal de hoje. Já e conhecido o vencedor do concurso Kusole. EXT. RUA DA RULOTE AMARELA, VERMELHA E PRETA - NOITE A Maria Isabel, o Mauro, trajado de camisa e gravata, a Paula e a Gisela estão de pé com vários jovens, assistindo à televisão que está na rulote. ERNESTO BARTOLOMEU (V.O.) Para além da criatividade e intelecto inusitado, o concorrente vencedor teve a audácia de… IMAGENS NA TELEVISÃO: 1. INT. COLÉGIO – GINÁSIO – NOITE O Carlos coloca o rapaz sobre os seus ombros, levanta-se, abre-lhe os braços e começam a andar na direcção de uma árvore, felizes. CARLOS À frescura da mulemba, às nossas tradições, aos ritmos e às fogueiras, havemos de voltar RAPAZ Ritmos? Quais ritmos? Em sincronia esquematizada, o Carlos e o Mauro dançam começando com toques de rebita, intercalando com toques de kabetula e kuduro.
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2.
INT. COLEGIO – GINASIO – NOITE
O Carlos e o seu grupo estão a celebrar a vitória, segurando um cheque enorme, uma chave de um carro e uma chave de um apartamento. ERNESTO BARTOLOMEU (V.O) …colocar o primeiro presidente de angola a recitar dois poemas seus como se um respondesse ao outro e também a dar alguns requintados toques de kuduru. Carlos Chinenge Banzaia e o vencedor. Os do grupo do Carlos pulam de alegria. O Lino faz expressão de zanga. Anda e intenta receber o microfone da mão do Calado Show, mas ele lhe faz uma expressão ameaçadora e ele foge. Aproxima-se da Patrícia Faria e puxa-lhe o microfone. LINO Não pode. Ele fez batota. Usou outros concorrentes para… MULTIDAO DOS JOVENS (vaiando o Lino) Wo! Tá dá pena, não vão comer soja. Ewe! Tá dá pena. Não vão comer soja. BACK TO: INT. TELEVISAO - NOITE O Ernesto Bartolomeu está sentado atrás da mesa, trajado de fato e gravata. ERNESTO BARTOLOMEU Telejornal, a notícia em primeiro lugar. BACK TO: EXT. RUA DA RULOTE AMARELA, VERMELHA E PRETA – NOITE O Carlos, trajado de camisa e gravata, está com a Susana. Atrás deles, a algumas dezenas de metros de distancia, estão o Mauro, a Gisela, a Paula, a Maria Isabel e vários outros jovens celebrando. SUSANA Então vencemos o concurso. CARLOS Ya, e bem vencido! SUSANA Agora vamos ter que viajar para
58 longe para cuidar da doença do meu pai. Para alem de ter síndrome do pânico e depressão, por causa da morte da minha mãe, ele precisa de mudar de ares, então ele decidiu irmos para longe nessas ferias, mas não sei se volto ou se estudarei fora… CARLOS Queria que ficasses aqui para sempre Mas… SUSANA Já sei… CARLOS E SUSANA Pai é pai… SUSANA Olha, tenho um presente para nós os dois… A Susana retira dois anéis de ouro do bolso dos seus calcões e entrega-os ao Carlos. SUSANA Quando eu voltar este e para o nossos noivado e este para o nosso casamento. CARLOS Obrigado, miúda. Mas quando voltares, eu já terei construído uma mansão para nos os dois. Os dois sorriem e abraçam-se. O Jorge chega e pigarreia. CARLOS Bem, hora de ires… O Jorge aproxima-se e entrega uma folha ao Carlos que a recebe. JORGE Este é o prêmio supressa… O Carlos lê. Fica emocionado. Olha para o Jorge e abraça-o. SUSANA O que é isso, pai? CARLOS Uma bolsa de estudo para o lugar para onde vocês vão. E vou com a minha mãe! A Susana leva a mão à boca, emocionada. Aproxima-se dos dois e abraça-os, chorando de alegria.
59 O Mauro anda em aproximação deles, pega o Carlos e a Susana pela mão e começa a puxa-los em afastamento do Jorge. MAURO (para o Jorge) Com licença, meu senhor. Vamos dar uma despedida. A Paula, a Gisela, o Carlos, a Susana, o Mauro e a Maria Isabel colocam-se no centro do palco de terra batida. O Carlos levanta a mão com intento de estalar os dedos. CARLOS (para a Susana) Arrasa-os, miúda! A Susana pisca-lhe o olho e sorri para ele, levantando o polegar. O Jorge segura a mão da Susana. JORGE (autoritário) O que é que conversamos sobre isso, Susana? (alegre) Vocês não podem fazer isso sem mim! Todos sorriem. O Jorge retira o casaco e entrega-o a um dos jovens que o recebe. CARLOS (para a Susana, murmurando) O kota Papel sabe dançar? SUSANA (para o Carlos, murmurando) Nunca te contei, antes da morte da minha mãe eles iam à boda rija quase todas as semanas. Se ele e que me ensinou a dançar. JOVENS E RAPARIGAS (animados) Ti Papele, num num nos deixa male! Ewe! Ti Papale lhes avança mbore! Ewe! O Jorge coloca-se entre eles e começa a tocar uma música de kuduru. O grupo começa a dançar sincronizadamente, começando com rebita, dançam kuduru, saem com kabetula, deixam a Maria Isabel fazer a sua performance com sungura e kuduro, deixam o Jorge fazer a sua performance com kwaito, e entram novamente com kuduru, finalizando alegres.
60 Todos que lhes assistem batem palmas, eufรณricos. FADE OUT.