NOSSO
MBANJI Temporada n. 2
Episรณdio n. 8
KUNANGA Written by
Ngoma Usuku Segunda-feira, 19/Maio/2017
Address: Viana - Luanda - ANGOLA Phone Number: 932 033 876/ 919 736 875 Email: ngoma_usuku@hotmail.com Facebook: Pelรกgio Jorge Chaves Seca
FADE IN: 1
INT. CASA DA FAMÍLIA DIKULU - CORREDOR DOS QUARTOS - NOITE 1 A BELITA, de 47 anos, entra, saindo do corredor do quarto do casal, andando com sensualidade sobre o tapete vermelho, tendo uma bolsa que pende do seu ombro, enquanto se ouve o intro da música Gwara Wara, dos Piluka. BELITA (animada) Hoje, quem não tem marido que trabalha... Olha para as pulseiras de ouro nos seus pulsos e endireita os brincos de ouro nas suas orelhas, enquanto anda. BELITA (CONT’D) (animada) ...ou vai me elogiar... Endireita a peruca de cabelo afro na sua cebeça, enquanto anda. BELITA (CONT’D) (animada) ...ou vai morrer de inveja! E esse é só o meu look de ir deitar o lixo. Quando eu me emperequetar de verdade... Tropeça no tapete. BELITA (CONT’D) (admirada) Eh! Olha já! (para o tapete) Assim é elogio ou inveja? Wo! Num tem morgue pra tapete! Continua a andar em aproximação da sala de estar. BELITA (CONT’D) (gozando) Me elogia, mô irmão. Me elogia! Sai, entrando para a sala de estar.
2. 2
INT. CASA DA FAMÍLIA DIKULU - SALA DE ESTAR - DIA
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A Belita entra, saindo do corredor dos quartos, andando com sensualidade e vê o MAKA, de 48 anos, e a NGAXI, de 18 anos, a dançar Gwara wara em toques sincronizados com expressão facial de animação. BELITA (cínica) Essa felicidade toda é de quê? Vão ser muchachos do Nagrelha? A Ngaxi abraça a Belita. NGAXI (animada) Passei de classe, mama! Agora só me falta um ano pra acabar a faculdade! A Belita empurra a Ngaxi. BELITA (cínica) Sai, pá! Não fizeste mais do que a tua obrigação. (ameaçadora) E ai de ti se te reprovarem no próximo ano. Vais saber o que é azar! A Belita olha para o Maka que continua a dançar gwara wara. BELITA (CONT’D) (cínica) Assim achas que só a tua filha é que passa na faculdade? O Maka beija a bochecha da Belita. MAKA (animado) Não, Isabel! Me subiram o salário, mulher! BELITA (admirada) A sério? Ya...
MAKA
A Belita começa a dançar gwara wara, enquanto o Maka e a Ngaxi cantam para ela.
3. MAKA (CONT’D) (cantando para a Belita) Mostra o toque que sabes dar Ewe!
NGAXI
MAKA (cantando para a Belita) O toque que sabes dar NGAXI (cantando para a Belita) Ewe! BELITA (animada, dançando) E te subiram quanto, meu makayabu com jindungu? MAKA (animado, dançando) Nem vais acreditar, amor: cem Kwanzas! A Belita para de dançar e fica de boca aberta. A Ngaxi sorri, enquanto o Maka continua a dançar gwara wara. DISSOLVE TO: 3
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A Ngaxi e o Maka estão sentados sobre o sofá com as pernas sobre a mesa pequena. A Belita entra, saindo da cozinha, segurando dois pratos. A Ngaxi e o Maka olham para ela, sorriem, retiram as pernas da mesa e a Belita coloca os dois pratos sobre a mesa pequena de vidro, um à frente da Ngaxi e o outro à frente do Maka. MAKA (animado) Xeye, minha esposa! Nos fez comida de gala! O Maka destapa o prato e vê que há um sambapito. Olha com admiração para a Belita. BELITA (rabugenta) Isso aí é o que conseguimos comprar com o aumento do teu salário...
4. O Maka engole em seco. Suspira. Olha com desconfiança para a Belita. MAKA (desconfiado) Cada sambapito é cinquenta. O outro tá onde? A Ngaxi abre o seu prato e vê que há um sambapito. MAKA (CONT’D) (animado) Eh, pá! Se o pitéu é esse, bebida é qual? A Belita segura dois maxarikus e aponta-os para o Maka e para a Ngaxi. Surra!
BELITA BACK TO:
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O Maka está de pé, abanando a mão à frente do rosto da Belita que está com os olhos e a boca abertos, em transe. A Ngaxi está de pé, ao lado deles. MAKA (preocupado) Isabel. Isabel! É o quê, amor? BELITA (rabugenta) Cem kwanzas? Te aumentaram cem Kwanzas depois de trinta anos? MAKA (orgulhoso) E nem sabes os argumentos que usei pra ele aceitar isso... A Belita suspira furiosamente, olhando para o Maka com expressão facial de irritação. MAKA (CONT’D) (alegre) Mulher, traz só a cerveja e o sumo que estão em baixo da cama. (dançando gwara wara) Hoje é festa! Ewe, hoje é boda, ahã!
5. A Belita cruza os braços, olhando para o Maka com fúria. MAKA (CONT’D) Eh! Tás a pôr barra? Assim tás a querer que eu é que cozinhe? A Belita olha com fúria para a Ngaxi. NGAXI (cínica) Eu? Eh! Tás a se iludir! Minhas mão agora é só pra usar na universidade... MAKA (para a Belita) Deixa disso, Isabel. Você sabe a nova regra: Quando acaba o ano lectivo, eu e a Ngaxi não fazemos nada aqui... BELITA (cínica) Nunca fizeram... O Maka aproxima-se da Belita, pousa-lhe a mão sobre o ombro e aponta para a Ngaxi. MAKA (animado) Olha pra tua filha jingongu: está a estudar bem, não está grávida, não te traz maka no mbanji. Achas que ela não merece uma boa caldeirada de cabrito? O Maka começa a empurrar a Belita calmamente para a cozinha. MAKA (CONT’D) Vai fazer o jantar, mulher. Vai cozinhar, Belinha! A Belita volta-se e empurra o Maka. BELITA (irritada) Achas que cem Kwanzas é aumento de salário, Manuel? Cem Kwanzas é despedimento. És kunanga agora, mô marido. Kunanga!
Eh!
MAKA (preocupado) (MORE)
6. MAKA (CONT'D) Assim no próximo ano já não vou trabalhar? Então, muda o jantar... (animado) ...nos bikula do bom funji com kizaca, mboa!
Ya!
NGAXI (animada)
O Maka e a Ngaxi começam a dançar gwara wara em toques sincronizados, cantando no estilo da música Gwara wara, dos Piluka. MAKA (cantando) Agora nos dá NGAXI (cantando) Com Kizaka MAKA (cantando) Funji NGAXI (cantando) Com kizaka A Belita olha para eles com desprezo. Suspira e começa a andar em aproximação da cozinha. BELITA (para si mesma) Isto está a precisar duma reunião familiar. 5
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A Belita está a andar de um lado para o outro, segurando um maxariku. BELITA (zangada) Minha família, enquanto uns se matam de trabalhar aqui, outros tão a tirar curso de jiboiar. Então, vamos tomar medidas drásticas. A Belita aponta o makariku à frente de si e vê-se que ela está a entregá-lo ao PEDRITO, de 29 anos, que está sentado. O Pedrito recebe o maxariku.
7. PEDRITO (admirado) Eh! Vais memo atrofiar o teu marido com esse mambu? A Belita segura um pisador. BELITA (zangada) Marido, marido, trabalhos domésticos à parte. Mas, antes disso... Vê-se que o Pedrito está sentado, batendo funji com o maxariku, e a Belita está a pisar folhas de mandioqueira com o pisador que estão dentro de um pilão. BELITA (CONT’D) ... vamos ainda terminar de lhe fazer o jantar... O Pedrito suspira com cansaço. 6
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A Ngaxi boceja com os olhos fechados. Vê-se que o Maka está a dormir sentado ao seu lado. Ambos estão sentados no sofá. A Belita está de pé à frente deles, olhando para ambos, a segurar uma bandeja sobre a qual há dois pratos de funji com kizaca e bagre, saindo fumo. BELITA (irritada) Depois de me darem essa maçada toda, dormem? Vou vos rebentar com essa comida da cara! A Belita dá dois passos em aproximação deles. Para, suspira. BELITA (CONT’D) (zangada) Vosso plano tipo é aumentar môs pecado, né? Vou vos pôr na oração! A Belita volta-se e começa a andar na direcção da cozinha. Vêse o Pedrito, que está de pé com os braços cruzados, olhando para a Belita com expressão zangada. BELITA (CONT’D) (constrangida) Como o plano das medidas drásticas não deu certo, vamos...
8. PEDRITO (zangado) Não deu certo como, moite? Você é que tá a lhes embutir de mimo... BELITA (irritada, com os olhos arregalados) Como o plano não deu certo... O Pedrito engole em seco. BELITA (CONT’D) ...vamos ter que chamar a polícia. PEDRITO (admirado) O quê? BELITA Vamos buscar a Pancha. O Pedrito e a Belita saem, entrando para a cozinha. 7
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A Belita e o Pedrito, com expressão de susto, estão a empurrar a PANCHA, de 36 anos, em estado avançado de gravidez, tentando impedi-la de aproximar-se do Maka e da Ngaxi que estão deitados no sofá, com os olhos fechados. A Pancha, com expressão zangada, está a segurar, em cada mão, um revólver. BELITA (assustada) Não, Pancha. Não! Volta só, ya? Não te preciso mais... PANCHA (irritada) Quem mandou ir me buscar? Agora me deixa resolver o problema! BELITA (assustada) Eu não sabia que você tava na sala de parto... PANCHA (sanzaleira) Se for pra bater homem kunanga, eu aguento as dores!
9. A Pancha empurra o Pedrito que tropeça no tapete e cai perto dos pés do Maka. PANCHA (CONT’D) (para a Belita, sanzaleira) Homem mata-kasumuna eu não gosto! Homem cama-e-mesa? Detesto! Ou ele trabalha, ou ele... (gemendo, com as mãos sobre o ventre) Ai, ai! Wawe, não me avisaram que dor de nascer é assim porquê? A Belita pousa a mão esquerda sobre o ombro esquerdo da Pancha e mão direita sobre o ventre da Pancha, enquanto o Pedrito levanta-se e vê um papel dentro do bolso da camisa do Maka. O Pedrito retira o papel. BELITA Pancha, vem, vou te levar no hospital... PANCHA (zangada) Não! Me deixa! O Pedrito aproxima-se rapidamente da Pancha e puxa os revólveres das mãos dela. PANCHA (CONT’D) (irritada) Xé, miúdo! Me devolve isso! O Pedrito corre em afastamento da Pancha e em aproximação da porta da sala. PANCHA (CONT’D) (maléfica) Ah, é? Não queres devolver? Não se preocupa... A Pancha coloca a mão na bolsa que pende do seu ombro através de uma alça. PANCHA (CONT’D) (maléfica) Vou usar granada! A Belita puxa a bolsa do ombro da Pancha. BELITA Pancha, deixa, ya? Eu memo é que vou tratar disso...
10. PANCHA Vais tratar quê? Tás a ficar djedjedje, pá! Por isso é que aceitaste isso deles jiboiarem quando o ano acaba. BELITA (dramática) Querias que eu fizesse o quê? O amor de mãe fala mais alto... A Pancha olha com desconfiança para a Belita, enquanto o Pedrito olha para o papel que retirou do bolso do Maka. BELITA (CONT’D) (apaixonada) ... e o amor de esposa então! Mô marido é tudo pra mim. A Pancha solta um muxoxu e olha de forma maléfica para o Pedrito. PANCHA (ameaçadora) Vou te explodir se não falares a verdade... O Pedrito, com expressão de medo, aponta um revólver para a Ngaxi. PEDRITO Lhe corrompeu com pulseira e brinco de ouro... O Pedrito aponta o outro revólver para o Maka. PEDRITO (CONT’D) ...lhe corrompeu com cabelo afro. PANCHA Ah! Então a culpa é tua. Se aguenta, Belita. Se aguen.. (gemendo, com as mãos sobre o ventre) Ai! Ayuwe, minha mãe, we! BELITA Mi irmã, quem tem que se aguentar aqui é você. Vamos! PEDRITO (lendo o papel) E quem vai resolver isso aqui? (MORE)
11. PEDRITO (CONT'D) Cardápio para amanhã: Matabicho Kalulu de carne seca; Almoço Muzonge; Sobremesa - Funji de peito alto; Jantar - Fumbwa. A Belita olha com fúria para o Maka. Suspira. BELITA (para o Pedrito, maléfica) Vou mandar vir pesos pesados: Os teus avós. Vem pegar essa mulher, filho! PANCHA (irritada) Espera! (apontando para o Maka e a Ngaxi) Se eles não me corromperem com o enxoval dos meus jingongu, vou nascer no chão dessa casa! (gemendo, gritando) Ayuwe, môs nené tão a sair! BELITA (preocupada) Vamos rápido, Pedrito. Vamos! A Belita, o Pedrito e a Pancha saem, enquanto o Maka e a Ngaxi continuam com os olhos fechados, deitados no sofá. Ouvese o roncar do estômago do Maka. O Maka boceja, abrindo os olhos. MAKA (olhando para a cozinha, zangado) Belita, esse jantar sai ou não sai? Eu já tô repleto! Ouve-se novamente o roncar do estômago do Maka. MAKA (CONT’D) (chorando) Vais matar tua filha jingongu com fome então! O Maka boceja e fecha os olhos. FADE TO BLACK.
12. 8
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O NGA JOSÉ e o KYALUMINGU, ambos de 60 anos, entram, saindo do exterior. O Nga José está a segurar um molho de chaves e o Kyalumingu carrega uma pasta grande que pende do seu ombro através de uma alça. NGA JOSÉ (zangado) Minha Psicologia ouviu dizer que aqui é o colégio dos kunangas... (animado) ...vim ocupar o meu lugar como director! KYALUMINGU Awi! Nga José, sabes o que é ser kunanga de verdade? Você nem o verbo saber sabes conjugar. NGA JOSÉ Ó compadre Kyalumingu, vamos na Psicologia ou vamos no verbo saber? KYALUMINGU Vamos no verbo saber... O Nga José sorri. NGA JOSÉ (animado) Eu sei bwe, tu sabes koxitu, connosco aqui... (apontando para o Maka e para a Ngaxi) ...eles saberão em kibutu! O Kyalumingu sorri, enquanto a KIMAMA SAMBA, de 59 anos, e a KIMAMA DIKULU, de 61 anos, que está a segurar um molho de chaves, entram, saindo da cozinha. KIMAMA DIKULU (para a Kimama Samba) Xé, comadre! Roubaste chave da casa da tua filha porquê? KIMAMA SAMBA Ah! Nessa parte acertaste: minha filha. Tudo que é dela é meu, tudo que é meu... roubei dela... por direito!
13. KIMAMA DIKULU (cínica) Sem vergonha! As coisas aqui também são do meu filho... (zangada) ...não me toca só nos multicaixa, hein? Essa parte do roubo me pertence! A Kimama Dikulu e a Kimama Samba vêem o Nga José e o Kyalumingu que estão parados perto do Maka e da Ngaxi que estão deitados no sofá, com os olhos fechados. KYALUMINGU (para a Kimama Samba) Oh! Por aqui? Ya...
KIMAMA SAMBA
KYALUMINGU Vamo entornar? KIMAMA SAMBA (admirada) Eme? Contigo? Jibudika! A Kimama Samba mostra dois garrafões de vinho, tirando dos seus panos. O Kyalumingu mostra duas cafeteiras, tirando da sua pasta. NGA JOSÉ (zangado) Ó Kyalumingu, tua cara nora não nos ligou pra resolvermos o assunto do meu genro barato? KIMAMA DIKULU (para a Kimama Samba, zangada) E você não veio aqui pra beber, comadre! A Kimama Samba puxa o Kyalumingu para si. KIMAMA SAMBA Eh! Porquê? (endireita o sutiã) Ninguém mais está a mamar. Todos nenê lá em casa estão grande. Hoje é dia de se estragar! O Nga José aproxima-se da entrada do corredor dos quartos e fica de mãos abertas à frente do mesmo, impedindo a passagem.
14. NGA JOSÉ Eh! Aqui ninguém vai acabar a garrafeira do meu genro barato! Essa parte da bebida me pertence! O Kyalumingu retira duas garrafas de cerveja geladas da pasta. KYALUMINGU Estou sempre preparado, compadre... O Maka abre os olhos. MAKA (animado) Eh! Também quero! O Nga José, o Kyalumingu, a Kimama Dikulu e a Kimama Samba. olham espantados para o Maka. MAKA (CONT’D) (animado) Vou dar contribuição de duas grades. KIMAMA DIKULU (admirada) Eh! Essa parte é intervalo. FADE TO BLACK. 9
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O Maka, o Kyalumingu, a Kimama Dikulu, o Nga José e a Kimama Samba estão sentados à mesa, bebendo vinho e cerveja. O Maka está a olhar com admiração para os quatro pratos sujos de funji e kizaka que estão à frente do Kyalumingu, da Kimama Dikulu, do Nga José e da Kimama Samba. O Kyalumingu pousa o copo de vinho, que está vazio, sobre a mesa. KYALUMINGU (desconfiado) Ah! Eu tô a sentir que tamo a beber, tamo a comer, mas também... tamo a esquecer uma coisa muito importante.
15. MAKA (cínico) Sim, de ir embora pra não me esvaziarem a despensa... NGA JOSÉ (gritando, irritado) Olha esse, eh! Tá reclamar quê? O que tá lá saiu do teu bolso? MAKA (calmo) Malembe, mais velho. Aqui é cidade. Onde vives, sogro aproveitador se comporta assim? O Nga José pigarreia com cinismo. NGA JOSÉ (para o Kyalumingu) Compadre, depois dum bom vinho, vamos na Filosofia ou vamos no verbo saber? KYALUMINGU Vamo na Filosofia... NGA JOSÉ (para o Maka) Caro genro, a resposta da pergunta “onde vives?” mostra a tua vida e a tua personalidade. O Nga José recebe a cerveja da mão do Maka. NGA JOSÉ (CONT’D) A resposta da “pergunta onde trabalhas?” mostra a qualidade do teu sustento. O Nga José dá um gole e pousa a garrafa sobre a mesa, enquanto o Maka olha com expressão facial de zanga para ele.
Ah!
NGA JOSÉ (CONT’D) (para a garrafa)
(para o Maka) Você vive na casa da tua mulher, eu agora vivo em todas centralidades. Sou rico! Muito rico! E você? Salário é trinta mil...
16. MAKA (zangado) Trinta mil e cem! O Nga José solta gargalhadas com o Kyalumingu. A Kimama Samba cutuca o Kyalumingu. KIMAMA SAMBA (para o Kyalumingu) Eh! Também estás a rir o teu filho? Acode o rapaz, homem! O Kyalumingu abre a boca para responder, mas o Nga José interrompe-o. NGA JOSÉ (para a Kimama Samba) Porquê? Carapuça te serviu? Se se chegaste com teu genro na kunanguice, a culpa não é minha... A Kimama Dikulu faz expressão facial de zanga, enquanto o Nga José se levanta. KYALUMINGU (para o Nga José, sanzaleiro) Compadre, mesmo quando tua mulher é kambumbu, você lhe fala que tá bonita... O Nga José faz expressão facial de admiração. KYALUMINGU (CONT’D) ...porque tem homens que tão a rusgar mulher dos outro. Quando eles aproveitarem a brecha... walala: o naco já não é teu. O Nga José faz expressão facial de cinismo. KYALUMINGU (CONT’D) Então, se ela recebeu pemba de ser kunanga como o meu filho e a mãe dele... A Kimama Dikulu solta um muxoxu. KYALUMINGU (CONT’D) ...não importa. Lhe elogia na mesma!
17. NGA JOSÉ (zangado) Eh! Kyalumingu, tás maluco ou esse é teu kata preu te servir mais vinho? KYALUMINGU Pede desculpas na tua esposa, compadre. O Nga José olha com cinismo para a Kimama Samba. KYALUMINGU (CONT’D) Pede, Nga José! O Nga José suspira. NGA JOSÉ (romântico) Desculpa, minha kimuhetu. Já vou te dar mimo, mãe de todos meus nenê. O Kyalumingu beija a bochecha da Kimama Samba e a Kimama Samba sorri, encabulada. KIMAMA SAMBA (apaixonada) Hum! Eu gosto mbora mimo de dinheiro. NGA JOSÉ (gozando) Então aceitaste ter genro kunanga porquê? O Kyalumingu cutuca o antebraço do Nga José. KYALUMINGU (animado) Ah! É esse o assunto que nos trouxe aqui! O Kyalumingu segura os colarinhos do Maka. KYALUMINGU (CONT’D) (para o Maka, zangado) Você aqui vai ter que arranjar kitadi, kibutu e kibutu de kitadi, custa o que custar! MAKA (calmo) Malembe, mais velho. Aqui é cidade. (MORE)
18. MAKA (CONT'D) Quando o marido tá de férias, não tem como ter dinheiro... NGA JOSÉ (irritado) Não quero saber! Há trinta anos que não acabas de pagar alembamento da minha filha! Falta o meu fato, falta o fato do meu pai, o maruvo e a caçadeira... KYALUMINGU (zangado) Falta isso tudo e já queres jiboiar tipo a tua mãe? A Kimama Samba solta um muxoxu, olhando para o Nga José, enquanto o Maka engole em seco. NGA JOSÉ (para o Maka) Vais trabalhar, meu senhor! O Nga José começa a puxar o Maka para fora da cozinha segurando-lhe nos colarinhos, enquanto o Maka faz gestos e expressões faciais de relutância. NGA JOSÉ (CONT’D) (irritado) Se num tá te aparecer emprego em condições, vais abrir agora uma barraca à frente dessa casa pra venderes os três ka: kapuka, katatu e kakusu! KYALUMINGU (animado) Lhe leva memo, compadre! E não esquece de trazer as duas grades que ele prometeu! FADE TO BLACK. 10
INT. CASA DA FAMÍLIA DIKULU - COZINHA - NOITE
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O Kyalumingu, a Kimama Dikulu, o Nga José e a Kimama Samba estão sentados à mesa, bebendo vinho e cerveja. Há duas grades de cerveja sobre o chão e dois molhos de chaves sobre a mesa. KYALUMINGU (reclamando) Assim não tá bom. (MORE)
19. KYALUMINGU (CONT'D) Fígado repleto com estômago vazio não dá. Eu gosto memo tô comé, tô bebé. A Ngaxi entra, saindo da sala, bocejando. KYALUMINGU (CONT’D) (para a Ngaxi) Miúda, me dá dinheiro pra comprarmos pinxu. A Ngaxi olha com expressão facial de espanto, ao ver o Kyalumingu, a Kimama Dikulu, o Nga José e a Kimama Samba. NGAXI Antes de mais... (para todos) ...bô noite, avôs. KYALUMINGU, NGA JOSÉ, KIMAMA DIKULU E KIMAMA SAMBA Boa noite, menina! NGAXI Agora a resposta... (para o Kyalumingu) Nunca na vida! O Nga José pega um martelo e aponta-o para a perna da Ngaxi. NGA JOSÉ (maléfico) Essa hora ainda não jantaste, perna já partiu? Como doi, minha neta! A Ngaxi engole em seco. Olha para a Kimama Samba. KIMAMA SAMBA Tá me olhar quê? Achas que vou te acudir? Eu é que lhe dei o martelo... A Ngaxi olha de cima para baixo para a Kimama Samba, retira uma nota de cinco mil Kwanzas dos bolsos dos seus calções e entrega-a ao Nga José que a recebe, enquanto a Ngaxi resmunga entre dentes. NGA JOSÉ Esse é os meus cinco mil. E dos outros teus avô tá onde? A Ngaxi intenta abrir a boca, mas a Kimama Samba entrega outro martelo ao Nga José, que o recebe.
20. A Ngaxi engole em seco. Retira três notas de cinco mil Kwanzas e entrega uma à Kimama Samba, outra a Kimama Dikulu e a última ao Kyalumingu. O Kyalumingu levanta-se e começa a dançar gwara wara, enquanto a Ngaxi retira os dois molhos de chaves da mesa sem ser vista. KYALUMINGU (animado, dançando) Agora sim podemos encher o bandulho! KIMAMA SAMBA (para a Kimama Dikulu, cochichando) Controla teu marido, comadre. Esses toques ele foi buscar aonde? KIMAMA DIKULU (irritada) Hum! Ele pensa que eu não sei, mas já ouvi fama dele: é discotequeiro! Me foge quando tô a dormir pra ir na rave! KYALUMINGU (animado) Ah! Achas que me deram esse nome à toa? Sou Kyalumingu! Todos dia são fim-de-semana pra mim! (dançando) Hoje é festa! Ewe, hoje é boda, ahã! A Ngaxi coloca a mão sobre a mesa tentando alcançar a nota de cinco mil Kwanzas deixada pelo Kyalumingu, mas o Nga José bate o martelo perto da perna da Ngaxi. Zwata!
NGA JOSÉ
A Ngaxi assusta-se e sai correndo, entrando para a sala. KYALUMINGU (para o Nga José, sorrindo) És maluco ou és pessoa memo que tá boa? Isso se faz na tua neta? O Nga José sorri. O Maka entra, segurando dois serrotes.
21. KIMAMA DIKULU (gozando) Viraste carpinteiro pra pagar a dívida do alembamento da filha alheia? MAKA (irritado) Vocês estão todos malucos! Se sou kunanga por causa do meu salário de trinta mil e cem... (aponta os serrotes para os quatro) ...vou ser kunanga para sempre! O Kyalumingu, o Nga José e a Kimama Samba engolem em seco. KIMAMA DIKULU (zangada) E não vais ajudar nos trabalhos domésticos? MAKA (imponente) Quem vai me obrigar? A Kimama Dikulu levanta-se. KIMAMA DIKULU (zangada) Achas que esse teu salário paga as mãos que ela usa pra te cozinhar e te lavar a roupa à torta e à direita? Hã? Achas? KIMAMA SAMBA (calma) Meu genro de luxo, já ouviste que “esperto só almoça, num janta”, não? Só que kunanga nem matabicho de pão seco merece! KYALUMINGU Rapaz, tá na Bíblia: Num bumba, num pita. Num sala, num tchanka. Kunanga morre a fome! NGA JOSÉ Ouve os mais velhos, genro barato. Se continuares a ganhar só isso, tua mulher vai arranjar outros meios...
22. MAKA (zangado) Quais outros meios? Outros meios de quê? NGA JOSÉ Corno agora é penteado, genro barato. Corno? Agora é penteado. MAKA (imponente) Ah, é? Meu nome está na boca do povo: kota Matumbu. Ninguém me põe corno! KIMAMA DIKULU Mas, filho... MAKA Chega, mãe! E o outro assunto que me trouxe aqui... A Ngaxi entra, saindo da sala, segurando uma mochila cujos fechos estão abertos. O Maka aponta para a mochila. MAKA (CONT’D) ...é saber quem foi mexer nos meus Kwanzas que estavam no meu quarto! O Kyalumingu, o Nga José, a Kimama Samba e a Kimama Dikulu fazem expressão de espanto. KIMAMA DIKULU (para o Nga José) Você aqui é o único gatuno! NGA JOSÉ (admirado) Eh! Não comi esse dinheiro. KIMAMA SAMBA Hum! Pra quê só, Nga José? Você mesmo é que disse: “O game tá violento. Vou roubar cash em kibutu no mô genro!” O Nga José levanta-se e coloca as mãos na cabeça, tendo a pasta pendendo do seu ombro através de uma alça. NGA JOSÉ (sanzaleiro) Eh! Tá da pista. Essa é fiticera! Essa? É bruxa!
23. Caem notas de 2.000 Akz da pasta do Nga José para o chão. O Nga José apanha-as e coloca-as rapidamente da pasta enquanto todos olham para ele. NGA JOSÉ (CONT’D) (para o Maka) Não vou devolver esse dinheiro! KIMAMA SAMBA Você devolve só o que é do miúdo, seu kunanga com cem filhos e quinhentos netos! NGA JOSÉ Não vou devolver nada. Se exigirem... O Nga José retira dois martelos da pasta e aponta-os para a Kimama Samba. NGA JOSÉ (CONT’D) ...vamos se matar aqui! KIMAMA SAMBA (imponente) Mô irmão, mô matabicho e meu lanche são a mesma coisa: funji de bombó com batata doce e mandioca. Sou kaenxe! NGA JOSÉ Kaenxe da parte de quem? (para o Maka) Operativo, vem cá. O Maka anda em aproximação do Nga José. NGA JOSÉ (CONT’D) (sussurrante) Não acode a surra que eu vou dar nessa senhora! Depois trato desse assunto do dinheiro contigo. A Kimama Samba dá passos em aproximação do Nga José. KIMAMA SAMBA (irritada) Você? Vais me dar surra na qualidade de quê? O Nga José esconde-se atrás do Maka, mostrando os punhos em posição de ataque para a Kimama Samba.
24. NGA JOSÉ Na qualidade de teu marido indignado! KYALUMINGU Deixa o meu compadre em paz, mana Samba. Isso tudo memo é só dor porque não vais apanhar nada nesse dinheiro? KIMAMA DIKULU (zangada) Ah! Então também és da combina? A Kimama Dikulu levanta-se com os punhos fechados. KIMAMA DIKULU (CONT’D) (para o Kyalumingu, imponente) Mô irmão, hoje vou te entregar na igreja. O monte de oração que tens em kilapi, vais pagar obrigatoriamente... com pancada! O Kyalumingu corre e fica atrás do Maka. MAKA Kotas, então vocês também são outros kunangas que andam aí, querem memo só vi me estragar o dia porquê? NGA JOSÉ Kunanga? Nós? Nosso currículo tá recheado. Batemo bloco, somo chamador, pedreiro... (para o Kyalumingu) É de contiunuar ou de parar? KYALUMINGU De continuar. NGA JOSÉ ...bilingueiro, micheiro... A Kimama Samba segura o Nga José pelos colarinhos e a Kimama Dikulu faz o mesmo com o Kyalumingu. O Maka retira a pasta que pende do ombro do Nga José através de uma alça. NGA JOSÉ (CONT’D) Mulher, fica calma.
25. KIMAMA SAMBA (rabugenta) Mulher de quê? Vou te mandar acabar. Vais morrer solteiro! KIMAMA SAMBA (CONT’D) (rabugenta) Manda mesmo acabar. Chama aquelas velha de collant da Estalagem pra lhe estabilizarem com bloco! (para o Kyalumingu) Quanto a ti, o que eu vou te fazer não é de bem... O Maka começa a andar em aproximação da sala, segurando a pasta do Nga José e os dois serrotes, enquanto se ouve o som de socos. KYALUMINGU (para o Maka) Ai! Ai! Rapaz, vem ler Bíblia na tua mãe! Todos demónio lhe entraram! Ouve-se o som de socos. NGA JOSÉ (para o Maka) Aiwe! Tás ir buscar a Bíblia, né, mô genro? Traz memo aquela de capa preta pra esse espírito sair da tua sogra! O Maka sai, sorrindo. 11
INT. CASA DA FAMÍLIA DIKULU - COZINHA - DIA O Kyalumingu, a Kimama Dikulu, o Nga José e a Kimama Samba estão de pé, sorrindo, segurando, cada um vários cartões multicaixas. NGA JOSÉ (para o Kyalumingu) Esse teu filho pensa que é mais esperto que nós, né? Já lhe estudamos! KYALUMINGU Mais velho é mais velho! NGA JOSÉ (olhando para o tecto, com as mãos no ar) (MORE)
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26. NGA JOSÉ (CONT'D) Essa bênção toda eu não mereço. Sei memo que sou teu filho preferido, meu Deus, mas você me mima demais! Né assim, ya? KIMAMA SAMBA Todo o dinheiro é nosso! Todos começam a dançar gwara gwara enquanto andam em aproximação da porta de costas voltadas para a câmara. KIMAMA DIKULU E KIMAMA SAMBA Agora nos dá KYALUMINGU E NGA JOSÉ Todos kwanzas Xé! Todos kwanzas A Kimama Dikulu para de dançar e retira um TPA dos seus panos. KIMAMA DIKULU Eh, vocês todos, me paguem! KIMAMA SAMBA, KYALUMINGU E NGA JOSÉ Ehé! Porquê? KIMAMA DIKULU Quem é a mais velha aqui? A Kimama Samba, o Kyalumingu e o Nga José suspiram, enquanto se aproximam do TPA, segurando, cada um, um multicaixa e saem para o exterior. NGA JOSÉ (O.S.) Eh! Estrilho, esse mambu tá sem dinheiro! O Maka e a Ngaxi entram correndo, saindo da sala e fecham a porta. KIMAMA DIKULU (O.S.) (irritada) Ó Maka! Maka! Abre isso! Vou te praguejar então. MAKA Isso é pra vocês aprenderem bem: Se o meu corpo é kunanga, meu cérebro tem ideia de empresário! Daqui vocês não saem com nenhum kwanza!
27. NGAXI E já não vou entrar aqui! A Ngaxi sorri, segurando dois molhos de chaves, enquanto a Belita e o Pedrito entram, saindo da sala, cansados e sujos. PEDRITO (para a Belita) Nunca mais me chama pra acompanhar parto da Pancha, velha. BELITA (cínica) Também com o kibutu de nenê que lhe saiu, não sei se as vontade de ficar mais grávida vão lhe sair daonde! PEDRITO Mas eu sei se o kumbu pra lavar o meu carro que ela sujou com os quatro filhos dela vai sair daonde: do teu bolso! A Belita abre a boca para responder, mas o Maka interrompe-a. MAKA Tentaram pôr o kota Matumbu e a sua muchacha a trabalhar, mas se deram mal. (para a Belita) Chamaste o meu pai e o teu pra me obrigarem, lhes dei a volta com a tua mãe e a minha. Os gajos ainda tentaram me roubar... A Ngaxi retira dois maços de dinheiro dos bolsos dos seus próprios calções. NGAXI (animada) ...mas nós é que ficamos com o dinheiro deles. O Pedrito e a Belita sentam-se com as mãos sobre a cabeça. NGAXI (CONT’D) (autoritária) Estão assim porquê? Falta o nosso jantar. O Maka lança dois aventais no rosto da Belita e do Pedrito.
28. MAKA (autoritรกrio) Vamos! Trabalhem, kunangas! O Pedrito e a Belita suspiram. FADE OUT.