8 minute read
Meio ambiente não tem fronteiras
MEIO AMBIENTE NÃO TEM
FRONTEIRAS
“Meu pensamento é tranquilo, meu pensamento é pela paz. Minha fala é para o Bem Viver, não ofendo ninguém. Que todo mundo viva com saúde, com tranquilidade. Minha luta é em defesa dos povos indígenas, pela sobrevivência dos meus netos e filhos, pelo território, pela nossa vida, pelo meio ambiente” .
Meio Ambiente não tem limites e, como já dizia um Cacique Seattle em carta ao presidente americano no ano de 1.854: “tudo que acontecer à terra, acontecerá aos filhos da terra” .
Realmente, aqui no Brasil, a natureza tem nos enviado seus sinais de descontentamento, por exemplo, na forma da recente crise hídrica, gerando um nocivo cenário de desabastecimento em várias regiões do país. Citamos ainda a intensificação dos processos advindos do aquecimento global, que vem comprometendo a vida dos brasileiros por inúmeras vias, desde a dificuldade do consumo in natura, até a quebra de safras agrícolas e prejuízos irreversíveis para os diversos setores da economia. Como se não bastasse, soma-se a esse desastroso panorama o prenúncio de uma crise energética sem precedentes. Levamos muitos anos para começar a colocar a questão ambiental dentre àquelas mais relevantes e decisivas para a sobrevivência do Planeta.
Passados, mais de um século da citação do cacique americano, tivemos, no mundo moderno, o início de uma arquitetura bem alicerçada, voltada para o compromisso humano com a proteção do nosso Planeta e de seus habitantes, com a materialização da Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento e Meio Ambiente Humano que ocorreu em 1972, em Estocolmo, reunindo 113 países. Foi um marco histórico por se tratar do primeiro grande encontro internacional com representantes de diversas nações para discutir os problemas socioambientais.
Desde então evoluímos muito, todavia, o atual quadro socioambiental brasileiro é muito preocupante, caracterizado por enormes retrocessos, atingindo os direitos difusos de toda a sociedade e, em especial, os direitos dos povos tradicionais, requerendo uma efetiva mudança de rumos, bem como da sedimentação do conceito de que o meio ambiente precisa ser visto e tratado de uma forma holística e sinérgica.
Está tudo interligado: se rompemos algum elo da corrente, sofremos todos nós, independentemente daquilo em que acreditamos, do por que lutamos e de onde vivemos.
Hoje, infelizmente, vivenciamos no País, justamente o contrário de tudo que almejamos e precisamos, em função da adoção de política ambiental inadequada, que, ao invés de ter o meio ambiente como parceiro, (afinal somos um dos países mais megadiversos do mundo, com 12% da água doce do mundo, e com a maior floresta tropical do mundo), enxergamos com uma lente desfocada, de uma forma geral e ressalvadas raras exceções, a causa socioambiental, como um estorvo para o setor produtivo.
É fundamental o entendimento de que as regras e postulados ambientais, emanados principalmente do art. 225 e do art. 231 da nossa Carta Magna, dispostos hoje na legislação ainda vigente, não podem e não devem ser considerados como entraves ao desenvolvimento, pois ao contrário do que muitos pensam, a efetiva proteção ambiental e a correta conservação dos recursos ambientais, na realidade, são os motores e os catalisadores do verdadeiro desenvolvimento, em termos sustentáveis.
Nessa linha, nos últimos anos vivenciamos o enfraquecimento da legislação ambiental como um todo, ao ponto de, só para ficar em poucos exemplos, priorizamos e aprovarmos proposições que diminuem a proteção dos recursos hídricos, em plena crise hídrica e em plena pandemia, que demanda, profilaticamente, a disponibilidade de água em abundância e de qualidade, para a higiene pessoal, como estratégia de prevenção contra a COVID 19, que se aproxima de 600 mil óbitos no Brasil. Também precisamos pontuar que estão acontecendo reformas infralegais de desregulamentação e simplificação das normas socioambientais, o que, infelizmente nos deixa em posição extremamente incômoda em termos mundiais.
Também, fomos vítimas do enfraquecimento do aparato de controle, monitoramento e fiscalização ambiental, fruto, dentre outros fatores da falta de um orçamento adequado, da falta de uma gestão comprometida e do enfraquecimento institucional como um todo. Esse enfraquecimento da fiscalização ambiental, notadamente, do seu aparato federal, levou à materialização de um quadro de recordes de índices de desmatamento, de queimadas, da grilagem e de eventos voltados ao garimpo ilegal em terras indígenas, inclusive com ataques a aldeias em Roraima, dentre outros ilícitos ambientais.
Tal quadro coloca em risco os biomas nacionais, hoje, notadamente, a Amazônia, o Pantanal e a nossa caixa d’água, o Cerrado, retratado na forma de queimadas e incêndios florestais que empobreceram toda a nossa flora, nossa fauna, nosso solo e nossos recursos hídricos, ao ponto de surgirem alertas de que o “Brasil está, literalmente, secando”, infelizmente, vestindo a mais dura e pura das verdades.
O bioma Mata Atlântica, que mantém, à duras penas, um pouco mais de 12% da sua cobertura florestal original, também foi duramente afetado nos últimos anos, com aumento no desmatamento, em 2019, após tendência de queda, por muitos anos.
Na Caatinga, infelizmente, também não foi diferente, sendo que o alerta principal está voltado para o processo de desertificação que assola o Bioma, representando atualmente 13% do semiárido brasileiro (uma área equivalente à da Inglaterra), que está avançando em função do aumento do desmatamento, das queimadas e das mudanças climáticas no País, evidenciando a falta de mais uma política setorial para o enfretamento dessa questão.
Apenas para pontuar a gravidade da situação, um Estudo realizado por 30 pesquisadores de órgãos públicos, de universidades e de organizações nãogovernamentais estima que, ao menos, 17 milhões de animais vertebrados morreram em consequência direta das queimadas no Pantanal no ano passado . Por outro lado, esse enfraquecimento institucional, também e lamentavelmente refletiu-se na proliferação da COVID19 no seio dos povos indígenas, registrando, a contaminação de 58.922 indígenas, envolvendo 163 povos afetados, com 1.200 óbitos .
Com a grilagem de terras públicas, a proximidade dos indígenas com invasores e garimpeiros ilegais, certamente, favoreceu o aumento dos índices de contaminação.
Aqui, neste ponto, precisamos fazer mais uma reflexão sobre os projetos em tramitação voltados à regularização fundiária, que, além de facilitar o ilícito ambiental, terão mais condições de promover a “regularização” da terra invadida, pertencente principalmente a comunidades tradicionais, naturalmente sobrepostas no âmbito do Cadastro Ambiental Rural, unicamente, por sua condição econômica mais favorável, aumentando assim os conflitos no campo. Tudo isso com a possibilidade de aprovação do marco temporal, em avaliação pelo Supremo Tribunal Federal e do PL 490/2007, que dificulta, ao extremo, a demarcação de terras indígenas.
Outro ponto que mostra o tamanho do nosso desafio está materializado no fato de que 7 entre os 10 países com o maior número de assassinatos de ativistas ambientais em 2020 estão na América Latina, sendo que o Brasil se encontra em 4º na lista do planeta e 3º na América Latina. Foram registrados 20 mortos no ano de 2020, sendo que metade deles integravam os povos tradicionais, como indígenas, quilombolas e ribeirinhos .
O desafio de se entender o meio ambiente, sinérgica e holisticamente, precisa ser enfrentado e paradigmas quebrados, pois do contrário, vamos continuar a aprender da forma mais amarga e difícil possível, tais como, com a rejeição dos nossos produtos no mercado externo, justamente, por terem sido concebidos em bases não sustentáveis, bem como pelo aumento insuportável das tarifas de energia. Precisamos promover o fortalecimento dos postulados socioambientais e a priorização das políticas de conservação do meio ambiente e dos recursos naturais, alçando estes ao patamar de mecanismos indutores da recuperação econômica, a partir do arrefecimento da crise hídrica e energética, com a promoção de ações voltados à proteção e recuperação de nascentes e a consequente redução das tarifas ofertadas à população brasileira.
Bem como buscar a regulamentação do mercado de créditos de carbono; a valorização da produção de energia elétrica de fontes renováveis; a valorização dos biomas duramente impactados nos últimos anos; na busca de incentivos fiscais e na implementação da Política Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais, materializando uma pauta que, certamente, propiciará o desenvolvimento atual que queremos e precisamos, mas acima de tudo, respeitando os povos tradicionais e o nosso compromisso com as futuras gerações.
Por oportuno, o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), em seu Relatório especial sobre mudança climática e terra, lançado em agosto, aponta para a importância de combater o desmatamento, promover recuperação florestal, mudar práticas agrícolas e frear a degradação das terras no mundo inteiro como medidas capazes tanto de combater a mudança do clima quanto de promover a adaptação da sociedade a elas .
Só assim poderemos aspirar, novamente, a posição de vanguarda e protagonismo em termos da proteção ambiental mundial, cumprindo nossos compromissos no âmbito do Acordo de Paris e voltando a ser um universo atrativo para a aplicação de recursos para o desenvolvimento de projetos produtivos, mas também, melhorando a nossa agenda econômica e de proteção ambiental, resgatando e solidificando, importantes instrumentos, tais como o Fundo Amazônia e o Acordo União Europeia/Mercosul. Reiteramos, portanto, que tudo de negativo que acontecer, principalmente, com a Amazônia, o Pantanal e o Cerrado, repercutirá, amplificada e negativamente, nas demais áreas do País. Terminamos congratulando e enaltecendo o incessante e incansável trabalho do Observatório de Políticas Ambientais, parabenizando sua aguerrida e diminuta equipe, que tem, dentro do enfoque da sustentabilidade e da defesa da plenitude da qualidade de vida para o ser humano, colaborado para alertar e mudar a incômoda realidade dos fatos atuais.
Até quando o Poder Público vai negligenciar seus deveres perante as comunidades tradicionais? Tomara que fatos tais como o objeto da Ação Civil Pública , movida pelo Ministério Público Federal, referente à instalação do "reformatório Krenak" — um espécie de campo de concentração (centro de detenção e de custódia indígena criado em 1969) de índios de várias etnias —, à criação da Guarda Rural Indígena (Grin) e à transferência de índios Krenak da região da cidade de Resplendor para a fazenda Guarani, no município de Carmésia, a cerca de 300 quilômetros das suas terras, que levou a condenação da União, da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do estado de Minas Gerais pela prática de graves violações dos direitos humanos de povos indígenas ocorrida durante a ditadura militar, não venham mais a ocorrer.