Revista Pensar Verde #37

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REVISTA DE DEBATES DA FUNDAÇÃO VERDE HERBERT DANIEL

Nº 37 - Ano 10 - Fev/Mar/Abr - 2022

Federação Brasil da Esperança: caminho estratégico contra a extrema direita no país Entrevista: Luiz Inácio Lula da Silva Verdes em Ação: Conheça os novos deputados federais do PV So lo Fértil: Monge Sato e a meditação como ato político fundacaoverde.org.br

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Artigos: Federação e ordenação do quadro partidário, importância da política e participação consciente nas eleições Nesta edição: Aliel Machado, Humberto Dantas, Ivanilson Gomes, João Carlos Bacelar, José Carlos Lima, Júlio Delgado, Osvander Valadão, Regina Gonçalves, Rodney Amador, Sérgio Toledo /TVfundacaoverde

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editorial Neste ano, o tema não poderia ser outro: eleições. Não só porque o Brasil irá às urnas em outubro, mas também porque nós, o povo brasileiro, precisamos de ampla tomada de consciência sobre o que é política e sua importância e sobre o real valor do voto – que não é, e não pode ser, moeda de troca. Não se pode escolher um candidato ou uma candidata por ódio a outros ou apenas por necessidades pessoais, mas, sim, com base na sua história, naquilo que ele ou ela fez de concreto por sua cidade, estado ou país. E a política? Ela, em si, não é ruim. Muito pelo contrário. É necessária, e todos nós fazemos política todos os dias em nossas relações pessoais. É fundamental separar o que é política dos políticos ruins – e, claro, parar de eleger esses mesmos políticos a cada nova eleição. Outro tema importante neste ano eleitoral é a composição das federações, entre elas, a Federação Brasil da Esperança, formada pelo PV, PT e PCdoB, tema de nossa matéria de capa com o presidente do Conselho Curador da Fundação Verde Herbert Daniel, Ivanilson Gomes, o diretor-executivo da instituição, José Carlos Lima, e o diretor-financeiro Osvander Valadão. Para falar sobre política, voto e federações, foram convidados o cientista político Humberto Dantas, coordenador da pós-graduação em Ciência Política da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP); a ex-deputada estadual Regina Gonçalves, membro da Executiva Nacional e secretária de Organização do Estado de São Paulo do PV; e Rodney Amador, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da USP e pesquisador no Núcleo de Instituições Políticas e Eleições do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Nipe-Cebrap). Nossa entrevista pingue-pongue traz o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, que falou sobre quais seriam as ações necessárias para desenvolver o país e gerar emprego e renda preservando o meio ambiente. Transição energética, recuperação de bacias, produção de alimentos sem aumentar a destruição da natureza e reversão da “boiada” do atual governo também são temas da entrevista. A seção Verdes em Ação apresenta os quatro novos deputados federais do PV – João Carlos Bacelar (BA), Júlio Delgado (MG), Aliel Machado (PR) e Sérgio Toledo (AL) – e o curso “Formação de Lideranças Políticas – 2022”, promovido pela Fundação Verde, com encerramento previsto para o final de maio. Na coluna Solo Fértil, artigo do monge Sato, ex-exilado político no Chile e um dos fundadores do PT e da CUT. Não mais à frente do Templo Shin-Budista de Brasília, que regeu por 25 anos, agora ele quer levar a meditação para praças e locais públicos do Distrito Federal, para pessoas que normalmente não teriam acesso à prática. Na Coleta Seletiva, dicas de livros e documentários para o despertar de uma consciência política e cidadã. Entre elas, o canal Tempero Drag, de Rita Von Hunty, que, desde 2015, trata de temas sociais e políticos com humor e arte, uma forma divertida, mas muito séria, de “abrir a cabeça” e enxergar além.

Boa leitura! Conselho Editorial

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vo c ê s ab i a? O estado pioneiro no reconhecimento do voto feminino foi o Rio Grande do Norte. A Lei Eleitoral do Estado, de 1927, determinou em seu artigo 17: “No Rio Grande do Norte, poderão votar e ser votados, sem distinção de sexos, todos os cidadãos que reunirem as condições exigidas por esta lei”. Assim, mulheres de Natal, Mossoró, Açari e Apodi alistaram-se como eleitoras em 1928. Também no Rio Grande do Norte, foi eleita a primeira prefeita do Brasil. Em 1929, Alzira Soriano elegeu-se na cidade de Lages. Fonte: www.tse.jus.br/

expediente Fundação Verde Herbert Daniel Conselho Curador

Revista Pensar Verde

Presidente

Conselho Editorial

Ivanilson Gomes dos Santos

Ivanilson Gomes dos Santos, José Luiz Penna,

Conselheiros

José Carlos Lima da Costa

Aluízio Leite Paredes

Editora-Chefe

Eurico José Albuquerque Toledo

Ana Vilela (4479/14/42/DF)

Jovino Cândido da Silva Marcelo de Moura Bluma Marco Antonio Mroz Raimundo Marcelo Carvalho da Silva Reynaldo Nunes de Morais

Revisão Caroline Cardoso Arte e Editoração Kaaoby Comunicação

Teresa Britto Suplente Rivaldo Fernandes Sandra do Carmo Menezes Conselho Fiscal

Endereço

Daniela Carvalhais de Almeida

Sede da Fundação Verde Herbert Daniel

Salvador Arnoni José Roberto Tricoli Suplente Moacir Arruda Diretoria-Executiva Diretor-Executivo: José Carlos Lima da Costa Diretor-Financeiro: Osvander Rodrigues Valadão

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SAUS Quadra 06 - sala 602 - Ed. Belvedere, Asa Sul, Brasília - DF Telefone: (61) 3366-1223 contato@fvhd.org.br www.fundacaoverde.org.br Fale com a Revista Pensar Verde: revistapensarverde@gmail.com A FVHD foi criada em setembro de 2007 com o objetivo de promover a doutrinação política do Partido Verde.


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sumário

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Federação Brasil da Esperança: caminho estratégico contra a extrema direita no país

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A federação e o combo para a ordenação do quadro partidário Humberto Dantas

A importância da política para a sociedade e para um sistema democrático Regina Gonçalves

Participação consciente e eleições: um debate necessário Rodney Amador

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entrevista Luiz Inácio Lula da Silva

verdes em ação Veja quem são e o que pensam os deputados federais que se filiaram ao PV

verdes em ação

Curso promovido pela Fundação Verde conecta o filiado aos ideais do partido

solo fértil Meditação como ato político Por Monge Sato

coleta seletiva Consciência política e cidadã 5


Pensar Verde

Federação Brasil da Esperança: caminho estratégico contra a extrema direita no país

Por Caroline Cardoso

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Dirigentes do PV e da Fundação e novos integrantes do partido em evento de filiação em Brasília Foto: Chico Gorman

Verdes com

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Há algum tempo, o Partido Verde (PV) vem discutindo internamente a ideia de uma grande aliança democrática para recobrar a institucionalidade do país. No caso específico das eleições deste ano, essa discussão é imprescindível em todas as agremiações, uma vez que vivemos um momento político extremamente crítico. As principais bandeiras do PV, meio ambiente e direitos humanos, vêm sendo frontalmente atacadas pelo governo de Jair Bolsonaro. E são inúmeras as violações e precarizações no país nos últimos quatro anos. Houve perdas irrecuperáveis de ecossistemas, regressão de direitos dos povos originários, aprovação do uso de milhares de agrotóxicos e um sério retrocesso das legislações ambientais. Soma-se a isso a crise sanitária com um saldo de mais de 650 mil mortes pela Covid-19, das quais cerca de 120 mil poderiam ter sido evitadas se o governo tivesse providenciado vacinas para todos na época certa – segundo o Informe 2021/20221 da Anistia Internacional, divulgado em 29 de março. Então, unir forças com outros partidos de esquerda e de centro-esquerda para garantir a democracia, combater os retrocessos e evitar mais perdas para os brasileiros já eram objetivos do PV para 2022. Com a manutenção do fim das coligações na Emenda Constitucional 111 e a instituição da federação partidária pela Lei nº 14.208, ambas de 28 de setembro de 2021, alguns partidos de esquerda e de centroesquerda (PT, PV, PCdoB e PSB) articularam-se para formar uma federação. Após muitas negociações, o PCdoB seguiu com o PT e o PV. Essa articulação resultou em um protocolo de intenções que estabelece a federação PT, PV e PCdoB, tendo como principais objetivos a defesa e a garantia da democracia e o fortalecimento das instituições democráticas. Também foi criado um projeto2 de transição socioecológica para o Brasil, elaborado pela Fundação Verde Herbert Daniel (PV) e pela Fundação Perseu Abramo (PT). O presidente do PV da Bahia, Ivanilson Gomes, explica que, por ser um modelo verticalizado de abrangência nacional, a federação vai desconstruir antigas alianças nos estados. Segundo ele, esse foi um dos motivos de o PSB não ter entrado na federação, mas o partido recebeu recente filiação do ex-candidato à presidência pelo PSDB Geraldo Alckmin, cotado para ser vice na chapa com Luís Inácio Lula da Silva. 8

Romper a falsa polarização e recuperar a democracia O convite de Lula a Alckmin sinaliza para os brasileiros, segundo o diretor-executivo da Fundação Verde, José Carlos Lima, uma tentativa de romper a polarização criada para justificar uma guerra contra a esquerda e, assim, possibilitar um equilíbrio de forças políticas em prol de um modelo de país.

“Estamos defendendo uma aliança de centro-esquerda. O Alckmin sempre foi um político de centro. E, se você considerar que o PSDB é um partido social-democrata, ele é do centro para a esquerda. Então o Alckmin, para nós, é muito importante, porque ele dá balanço e amplitude para essa aliança. Isso é uma sinalização muito boa para a sociedade. Inclusive para quebrar a polarização. Nós queremos a polarização entre um modelo de país, um modelo de governo, um modelo de políticas públicas contra outros modelos, não uma polarização entre pessoas.” José Carlos Lima, diretor-executivo da Fundação Verde

O presidente do PV de Minas Gerais, Osvander Valadão, acrescenta que o PSDB tem um estatuto e um programa de centro-esquerda e que essa falsa polarização entre PT e PSDB, Lula e Serra, Lula e Fernando Henrique, Serra e Dilma, Haddad e Alckmin nos foi imposta. José Carlos acrescenta que o PT defendia um estado intervencionista e o PSDB, um estado regulador. Aos poucos, os governos do PT foram se aproximando mais da centro-esquerda e adotando o modelo regulador. Com o golpe de 2016, a entrada de Temer e a vitória de Bolsonaro, o Estado brasileiro adotou um modelo “paulistano liberal”, em que o mercado regula tudo. E é esse modelo de país que a federação PT, PV e PCdoB quer combater. Outro motivo para que as críticas à aliança Lula e Alckmin sejam ponderadas é o reconhecimento de que, no Brasil, os conceitos de direita e esquerda são muito difusos.


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Presidente nacional do PV, José Luiz Penna, discursa em evento de filiação do partido - Foto: Chico Gorman

Para José Carlos, “as pessoas acham que defender uma ideologia pela radicalidade e ir para a rua brigar é ser de esquerda. Nem sempre é assim. Não é por aí que se define a esquerda”. O PV se reconhece em um espectro de centro-esquerda, pois adota um programa baseado na natureza, com uma opção pela vida, e busca um país em que as pessoas possam crescer e ser felizes. “A natureza não é de esquerda nem de direita. Ela sempre faz uma opção pela vida. Se a raiz de uma árvore vai crescendo e encontra uma barreira, ela não vai se contrapor, mas vai procurar um jeito de fazer com que a vida siga em frente. Como ambientalista, sempre penso como a natureza se comportaria em determinado momento”, alerta José Carlos. Assim, pode-se considerar que tanto a chapa com Alckmin (agora no PSB) para a disputa do cargo de

chefe do Executivo quanto a federação composta por PV, PT e PCdoB são baseadas nas proximidades ideológicas e nos programas desses partidos. Além disso, o principal foco de atuação política do PV, a agenda ambiental – e um dos maiores anseios do PV é transformar o Brasil em uma potência ambiental mundial –, será beneficiado pelo compromisso assumido pelos três partidos que compõem a federação. “Construímos um programa que partiu da discussão da emergência climática para redução da emissão de gases, investimento em energia sustentável e proteção à Floresta Amazônica. Precisamos segurar a floresta em pé, mas com um programa de investimento em agricultura familiar e arranjos produtivos locais que gerem emprego e renda na região a partir de modelos sustentáveis”, explica José Carlos. 9


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Federação pode aperfeiçoar os sistemas eleitoral e partidário PV, PT, PCdoB e PSB foram justamente os partidos que começaram a discussão sobre a possibilidade de uma federação partidária com dispositivos claros de associação a partir de uma identidade ideológica e programática. No sistema de coligações partidárias, era comum um partido A coligar-se a um partido B em um estado e a um partido C em outro, por exemplo. Após o pleito, essas coligações eram extintas. Com a nova experiência da federação no país, isso não será legalmente possível. Com duração mínima de quatro anos, as federações consistem na associação nacional de dois ou mais partidos por afinidades ideológicas e programáticas para concorrer nas eleições. Essa reunião partidária equipara-se a um único partido, que funcionará por meio de uma bancada e poderá fazer coligações majoritárias com outros partidos, e este ano valerá apenas para as disputas ao cargo de deputado (federal e estadual/distrital). Nas disputas das Eleições 2022 para prefeito, governador, senador e presidente, as federações 10

ainda não estarão em vigor. E, ao que tudo indica até o momento, a dificuldade de compor chapa nos estados e as mudanças de partido ainda estarão fortemente presentes nesse pleito. Ivanilson Gomes pondera que pequenos e médios partidos que não conseguiram formar chapa para vagas de deputado nas eleições de 2022 provavelmente vão se unir em “federações”, ainda que com ideologias e programas diferentes, para tentar atingir o coeficiente eleitoral e eleger mais parlamentares, operando na lógica das coligações. Foi o que aconteceu nas Eleições 2020, quando já vigorava a Emenda Constitucional 97, de 4 de outubro de 2017, que proíbe as coligações partidárias. Os parlamentares acreditavam que, sem as coligações, haveria um aumento na quantidade de chapas. No entanto, não foi bem assim. Muitos municípios apresentaram um pleito atípico de partidos sem chapa completa e com prejuízos financeiros. As bases parlamentares protestaram em vão. A experiência de 2020 mostrou que as agremiações precisarão renovar seus quadros não mais por interesses, mas pela articulação política e pela associação de ideias semelhantes, se quiserem continuar existindo. Também impulsionou a aprovação da proposta das federações (Lei nº 14.208/2021) e a manutenção, na EC 111/2021, do dispositivo que proíbe as coligações partidárias.


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Analistas políticos têm apontado que, a longo prazo, se a experiência der certo e a federação permanecer, o sistema eleitoral brasileiro terá um refinamento de seu sistema partidário.

Júlio Delgado (MG) e Aliel Machado (PR), saídos do PSB, João Carlos Bacelar (BA), ex-Podemos, e Sérgio Toledo (AL), ex-PL, além do deputado distrital Reginaldo Veras, ex-PDT, e do ex-distrital Wasny de Roure, também do PDT.

E assim vai se desenhando o cenário para o PV nas Eleições 2022

Além da importância estratégica de um bloco composto por forças de esquerda e de centroesquerda contra a extrema direita no Brasil, a federação possibilita a superação da cláusula de desempenho que barra o acesso ao tempo de propaganda e aos fundos públicos de financiamento por partidos menores, como o PV e o PCdoB, que não atingiram o coeficiente eleitoral no pleito disputado.

Nesse cenário incipiente, disputas e alianças ainda são nebulosas. Os partidos têm até o fim de maio para se associar em federação, quase dois meses depois de encerrado o prazo para a troca de partido sem prejuízos para o mandato. Isso, para Osvander Valadão, configura um “descompasso” entre a janela eleitoral, de 3 de março a 1º de abril, e o prazo limite para a formação das federações, 31 de maio, que acaba sendo a data que realmente norteia as decisões dos políticos. Essa diferença até amplia as negociações nacionais, mas dificulta as locais. O PV, que contabilizava 361.315 membros em fevereiro, tem recebido novas filiações como as do deputado distrital Leandro Grass, em fevereiro, vindo do Rede. Com a abertura da janela partidária em 3 de março, associaram-se ao PV os deputados federais

A federação também concede visibilidade e ascensão a lideranças partidárias de expressão em seus partidos, mas que não eram vistas nem ouvidas no cenário político, mantendo-se enfraquecidas politicamente. Outro caminho era se associarem a chapas bastante questionáveis do ponto de vista ideológico. Para o PV, outro aspecto positivo do compromisso firmado com o PT e o PCdoB é a possibilidade de conquistar mais espaço nas casas legislativas para a agenda ambiental, seu principal foco de atuação política. Algumas experiências do modelo de federação podem ser encontradas ao redor do mundo. No Uruguai, a Frente Ampla de José Mujica; na África 11


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Deputado distrital Leandro Grass (PV DF) acompanha cerimônia de filiação dos novos deputados federais Foto: Chico Gorman

do Sul, o Congresso Nacional Africano; em Portugal, a Geringonça e a Aliança Povo Unido; na Alemanha, Angela Merkel governou com o apoio da União Democrata-Cristã e da União Social-Cristã.

O difícil adeus às coligações No Brasil, há três dezenas de partidos políticos, um sistema partidário bastante difuso, e as coligações acabam sendo cruciais para aumentar a chance de vitória nas urnas e a sobrevivência de algumas agremiações. Esses pactos entre algumas legendas culminam em compensações como cargos em órgãos públicos em troca de apoio e do cumprimento dos projetos da campanha eleitoral. E isso é considerado, por grande parte da população e uma parte da classe política, um vício eleitoreiro de promessas descumpridas e corrupção. Em dezembro de 2011, o deputado federal Carlos Sampaio (PSDB-SP) impetrou Proposta de Emenda à Constituição (PEC 125/11) para a adição de dispositivos que proibissem a realização de eleições próximas a feriados nacionais. A matéria tramitou na Câmara Federal até agosto de 2015, quando teve parecer favorável pela admissibilidade da Comissão de 12

Constituição e Justiça e de Cidadania. Depois, acabou ganhando contornos mais abrangentes e passou a ser reconhecida como “PEC da Reforma Eleitoral”, por fazer parte de um conjunto de propostas de reforma política em debate no Congresso Nacional. Em janeiro de 2019, a Mesa Diretora da Câmara arquivou o pedido. Entretanto, devido à urgência da aguardada reforma eleitoral, o pedido foi desarquivado em março do mesmo ano. Somente a partir de abril de 2021 voltou a tramitar. A PEC foi aprovada no plenário da Câmara em agosto de 2021 e seguiu para o Senado, sendo aprovada em 28 de setembro de 2021 e transformada na EC 111/21, considerada a maior reforma eleitoral brasileira desde 1996.

Principais mudanças promovidas pela EC 111/21 As mudanças estabelecidas pela EC 111/21 causarão impacto significativo nos próximos pleitos. Uma dessas mudanças é a data de posse dos vencedores nas eleições majoritárias. Assim, a partir das eleições de 2026, presidente e governadores eleitos tomam posse no dia 5 de janeiro e assumem o comando no dia seguinte.


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Esses percentuais sobem gradualmente até as eleições de 2030, quando o partido deverá atingir o patamar de 15 deputados federais de nove estados ou de 3% dos votos válidos com pelo menos 2% dos votos em um terço dos estados. Essa regra também é chamada de cláusula de barreira. Não é difícil constatar o porquê. Ela barra o acesso de agremiações com determinado percentual de votos ao tempo de propaganda e aos fundos públicos de financiamento. Nas eleições municipais, não são considerados os desempenhos eleitorais dos partidos. Entretanto, para se ter uma ideia de como a dura regra atingirá frontalmente vários deles, incluindo o PV, recordemos o cenário das eleições de 2020.

José Carlos Lima e Ivanilson Gomes, diretor-executivo e presidente do Conselho Curador da Fundação Acervo PV Nacional

Patriota, PSC e PSol ficaram no limite com mais ou menos 2% de votos válidos. PV, PCdoB, Avante, PROS, PRTB, Novo, Rede, DC, Agir, PMN, PMB, PSTU, UP, PCO, Solidariedade e PCB tiverem menos votos válidos que o mínimo exigido.

A fidelidade partidária também sofreu alterações. Mantém-se a perda do mandato caso os eleitos deputados (distritais, estaduais e federais) desfiliemse do partido que os elegeu, porém não perderão o mandato se a desfiliação tiver fundamentação legal ou aprovação da legenda.

A análise desses resultados aponta para a necessidade de esses partidos trabalharem mais arduamente para fortalecer o desempenho nas eleições deste ano, conseguindo no mínimo 2% de votos válidos ou pelo menos 11 deputados federais distribuídos em nove estados, sob pena de perderem os fundos públicos de financiamento e o tempo de propaganda.

Uma mudança que afetará as eleições já em 2022 recai sobre a distribuição de recursos partidários: votos em mulheres e pessoas negras serão contados em dobro para o financiamento das campanhas. Na prática, isso significa que candidaturas com esses perfis poderão ser beneficiadas na distribuição dos Fundos Partidário e Especial de Financiamento de Campanha.

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https://anistia.org.br/

2 https://fpabramo.org.br/wp-content/uploads/2022/02/cartaherbertdaniel-perseuabramo.pdf

Diretor-financeiro da Fundação, Osvander Valadão (PV MG) Acervo PV Nacional

A EC 111/21 também alterou o artigo 14º da Constituição, que prevê consultas populares concomitantes às eleições nos municípios. Para isso, as câmaras municipais têm de aprovar essas consultas e encaminhá-las à justiça eleitoral até três meses antes do dia do pleito. A cláusula de desempenho foi mantida pela EC 111/21. Em vigor desde as eleições de 2018, o dispositivo prevê possibilidade de assumir o cargo o candidato de partido que tivesse pelo menos nove deputados federais eleitos distribuídos em pelo menos um terço dos estados ou que tivesse obtido pelo menos 1,5% dos votos válidos para a Câmara Federal, distribuídos em pelo menos um terço dos estados com um mínimo de 1% dos votos válidos em cada um. 13


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Declaração conjunta das Fundações Verde e Perseu Abramo Em 2 de fevereiro de 2022 A Fundação Verde Herbert Daniel e a Fundação Perseu Abramo, enquanto instituições de formação, pesquisas e estudos do Partido Verde e do Partido dos Trabalhadores, respectivamente, se associam em um esforço conjunto no sentido de ajudar a construir um projeto de transição socioecológica para o Brasil, que, certamente, estará no centro da disputa de projetos de nação neste ano de 2022 e, também, nos seguintes. De um lado, teremos um projeto de civilização e, do outro, a barbárie; estarão em lados opostos: a tolerância ou as milícias; a sustentabilidade ou a apropriação predatória dos recursos naturais; uma nação edificada na Educação, Ciência, Cultura e Tecnologia ou uma nação periférica na geopolítica mundial; um país que garanta a saúde para seus cidadãos ou que se aferre ao negacionismo que já destruiu tantas vidas. Estamos irmanados na compreensão da importância da pauta socioeconômica e ambiental, que se afirma como central na elaboração de propostas para a sociedade em um ano de eleições gerais e de disputa de visões de mundo. Os temas da defesa do meio ambiente e da construção de alternativas de geração de renda e riqueza com sustentabilidade não são temas secundários, setoriais ou para dar resposta a um determinado segmento social. A transição socioecológica é um eixo transversal que deve atravessar todas as propostas de um projeto para o país e que deve orientar um programa de governo. As propostas de geração de emprego, saúde, educação e de inserção geopolítica do Brasil na ordem mundial, do desenvolvimento científico e tecnológico e da cultura, devem estar articuladas entre si e com a pauta da transição ecológica. A preocupação com a sustentabilidade e a permanência da espécie humana e de nossa civilização no planeta Terra não é um obstáculo para o desenvolvimento econômico. Na verdade, é uma oportunidade para o Brasil se tornar uma grande potência ambiental. O atual modelo de desenvolvimento predatório é que mantém o Brasil em atraso. No caso do nosso país, nos convertemos em uma grande fazenda para produção de commodities ou em uma grande mineradora para exportação de minérios brutos sem valor agregado, com uma reprimarização da Economia a custo de uma profunda degradação ambiental e de uma precarização das condições sociais e do trabalho da maior parte da população. Fortalecemos um posicionamento do Brasil enquanto colônia extrativista, sem qualquer possibilidade de sustentabilidade ou promoção de condições de vida para o seu povo.

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Concordamos que a Amazônia tem uma centralidade no nosso projeto de nação. Poderemos frear a sua destruição, reflorestar o que foi desmatado ou queimado e induzir uma economia com os produtos locais que podem ser beneficiados e se tornar alternativa de renda para as populações locais e tradicionais. A preservação da Amazônia é condição sine qua non para que possamos manter o regime de chuvas no centro-sul do Brasil (ameaçado pela diminuição dos “rios voadores” da Amazônia) e para atingirmos as metas por nós assumidas de diminuição da emissão de carbono. Ao mesmo tempo, a Amazônia se converte no principal ativo econômico do país por sua sociobiodiversidade, que pode, com investimento em Ciência e Tecnologia, gerar muitos produtos de Biotecnologia, Genética e Farmacologia e se integrar ao complexo farmacêutico, entre outros. O objetivo de diminuir a emissão de carbono, fundamental para a redução do efeito estufa, passa, necessariamente, por uma mudança na forma como usamos o solo brasileiro e implementamos a agricultura e a pecuária. Temos experiências de cultivo com florestas em pé, em agroflorestas e em agricultura sustentável e sem agrotóxicos que mostram um caminho que pode produzir sem poluir e, inclusive, ser mais rentável que as produções tradicionais e predatórias. Precisamos estimular e apoiar esses empreendimentos por meio de políticas públicas consistentes e perenes, que priorizem os pequenos agricultores e as populações tradicionais. Uma transição energética deve ocorrer para substituir os combustíveis fósseis, e isso é perfeitamente possível para o Brasil, por seu potencial de energia solar, eólica e hidrelétrica, além da eólica offshore nos mares. Esses empreendimentos tornarão o Brasil uma potência ambiental, mas se deve, também, tomar o devido cuidado para evitar grandes impactos ambientais e sobre as populações. Tecnologias novas, mais descentralizadas e menos impactantes podem servir a essas alternativas. Por fim, para gerar emprego e renda, uma pauta essencial em um país com tantos retrocessos nos empregos e nas relações de trabalho: a sustentabilidade socioambiental pode ser uma grande geradora de oportunidades. Reflorestamento intensivo e políticas de estímulo à produção de produtos da floresta de forma sustentável são exemplos de frentes de expansão das ocupações, mas investimentos estatais pesados em saneamento básico, habitação popular, mobilidade urbana e cidades melhor estruturadas e resilientes são também altamente empregadores de mão de obra e se convertem em obras para um meio ambiente saudável, especialmente nas cidades. O diálogo entre as fundações do PV e do PT continuará, e nos engajaremos no esforço de uma ampla frente pela transformação do país, com fundações de outros partidos e movimentos sociais. Estamos conscientes de nossa responsabilidade em ter um novo modelo de desenvolvimento em 10 a 20 anos para evitar um colapso da civilização humana. Trabalharemos para, em diálogo com a sociedade, apresentarmos a melhor proposta para garantir um país e um mundo com mais igualdade social, saúde para todos e uma economia em cooperação e harmonia com o meio ambiente, visando ao bem comum.

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artigo Pensar Verde

A federação e o combo para a ordenação do quadro partidário Foto: Christian Parente

Humberto Dantas é doutor em Ciência Política pela USP, pósdoutor em Administração pública pela FGV-SP, coordenador do curso de pós-graduação em Ciência Política da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e, atualmente, coordena atividade formativa de lideranças políticas na Fundação Verde Herbert Daniel.

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Um dos debates mais comuns sobre sistemas partidários em democracias está associado à quantidade de legendas existentes. Diversos fatores impactam a definição desse total: exigências legais para a constituição de um partido, estímulos e recursos para a existência desse tipo de organização, abrangência nacional ou possibilidade de organização mais local, monopólio ou não das candidaturas em eleições etc. A combinação de diversos fatores finda explicando o volume de legendas de uma nação. Simplificando esse debate, seria possível dizer que, em democracias, esse total vai variar entre o bipartidarismo e um número qualquer ilimitado e bastante elevado, podendo chegar à ideia das candidaturas avulsas que, em tese, faz da “pessoa o seu próprio partido” – algo emblemático e questionável para sociedades em primeira pessoa na era do selfie e da “nova política”. Mas o que se ganha ou se perde quando olhamos para o total de legendas em dada realidade? A resposta a tal pergunta aqui deve ser abreviada. Podemos pensar em duas variáveis para a criação de um espectro. Seus extremos seriam: de um lado, a facilidade para governar, formar governo ou dar ao cidadão clareza sobre o posicionamento das legendas em

relação a governos e assuntos em geral; e, de outro, o respeito à liberdade de organização, ao direito de associação para a defesa de agendas, o que poderia levar a acentuado total de grupos. O Brasil não é exigente o suficiente para estar no polo limitador de partidos, tampouco dá liberdade o bastante para criarmos quantos partidos quisermos de forma simples. Não existe teto para o total de legendas, mas também não é simples formar e manter um partido. Exigências não faltam e, nas últimas décadas, temos assistido a muitas dezenas de agremiações nascerem, se fundirem e coexistirem sempre em número que ronda 30 – esse é o número mágico de partidos no Brasil. A questão central aqui, a partir de então, passa a ser compreender não exatamente o volume de organizações, mas o quanto de espaço elas ocupam e o quanto recebem de recursos públicos. O debate é esse. Nos Estados Unidos, as pessoas dizem que só existem dois partidos. Mentira. Lá há os eleitoralmente inexpressivos “terceiros partidos”, que somam centenas de agremiações, inclusive de ordem local, e a figura das candidaturas avulsas. Assim, o que existe naquele país é a concentração da representação em apenas dois grandes grupos. No Brasil, o que temos visto é uma crítica ao exagerado número de partidos, sendo um dos fragilíssimos argumentos a ideia de que não existem 30 ideologias. Pois bem. Se até 50 tons de cinza existem, o que pensar da organização plural de ideias? Não pode haver monopólio ideológico, tampouco existe apenas uma forma de interpretar as complexas agendas de esquerda, centro e direita – se é que existe centro, dirão alguns –, tampouco imaginar que o fim da polarização ideológica que marcou o mundo até os anos 1990, a complexidade das novas agendas e a liberdade de organização tenham que caber em poucos grupos. Assim, a discussão não é essa. O que aflige o debate público sobre os partidos é que um número muito grande de legendas está adentrando os parlamentos, sobretudo a Câmara dos Deputados, e isso tem causado dificuldades para a formação de governos em um país que se notabilizou por se autoexplicar sob a lógica de presidencialismo de coalizão. Ademais, os recursos públicos destinados à sobrevivência dessas organizações, justificados e questionáveis sob uma série de razões, crescem a percentagens capazes de invejar investidores do mercado financeiro, causando insatisfação e elevando parte do fosso de legitimidade dessas organizações junto ao seu público: o eleitor. 17


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O que fazer? A resposta não é acabar com os partidos. Dar mais transparência, exigir o uso de instrumentos mais democráticos internamente, tudo isso está na agenda. Mas não é sobre isso que vamos falar. Uma possível ideia é estabelecer mecanismos legais que reduzam não a liberdade de as pessoas se associarem, mas a destinação de recursos públicos e o acesso a canais de representação, o que, em tese, facilitaria a percepção sobre o quadro partidário, forçaria fusões e aproximações, e reduziria o investimento em agremiações que não demonstrem capacidade de representar contingentes mínimos da sociedade. Em tese, e cercado de outras medidas que, por vezes, podem parecer contraditórias a tudo isso, nasceria e se justificaria um combo de regras. Algo ao estilo metafórico popular: hambúrguer, batata frita e refrigerante. O que seria o “combo da organização do sistema partidário brasileiro” à luz dessa narrativa de arrefecer a distribuição de recursos e reduzir as entidades no interior dos parlamentos? Antes da resposta, perceba: essas respostas são apenas uma possibilidade de enxergar o problema que, para muitos, sequer pode ser entendido como desafio. Aqui estamos lendo os fatos, sem que tais medidas sejam condizentes com desejos, críticas e expectativas. O combo aqui é composto por “fim das coligações em eleições proporcionais”, “cláusula de desempenho” e “federações partidárias”, sobre as quais nos ateremos mais tarde. Esse pacote de medidas teria sido justificado em uma reforma política intensa em que o conjunto da obra se justifica melhor. Você não vai a uma rede de fast-food – e espero que não vá mesmo – e pede o refrigerante, dois anos depois o sanduíche e no biênio seguinte a batata. No Brasil, fizemos isso ao adotar as medidas separadamente e tentar ajustá-las em reformas seguintes. A cláusula de desempenho, em vigor a partir de 2018, exige que os partidos apresentem performance nacional mínima nas eleições para deputado federal para acessar recursos. Como o objetivo está associado a reduzir o total de legendas, resultados eleitorais puderam, até mesmo de forma questionável, ser somados a posteriori em fusões. Em 2018, vimos isso ocorrendo entre PCdoB e PPL e entre Patriota e PRP. Mas que fique evidente: a cláusula de desempenho em outras realidades, como a da Alemanha, serve de cláusula de barreira, e os partidos que não batem a meta 18

sequer elegem representantes. Aqui flexibilizamos, lembrando inclusive do fim momentâneo e parcialmente revertido do quociente eleitoral como cláusula de barreira etc. O segundo elemento, o fim das coligações proporcionais, veio apenas em 2020 e também buscou asfixiar os partidos. Pequenas agremiações se serviam da possibilidade de surfar nas performances de grandes legendas para elegerem proporcionalmente seus representantes e, por vezes, eram usadas por grupos políticos para comporem planos que lhes davam vitórias em pleitos majoritários, sobretudo em pequenas cidades. A realidade é mais complexa que isso, mas, precisando apresentar uma performance para sobreviver economicamente e sem ter como se coligar em pleitos proporcionais, restaria aos partidos o ostracismo ou a escassez financeira associada ao dinheiro público. Certo? Não, e para isso existe uma alternativa que, não necessariamente, passe por fusões ou incorporações que podem ser traumáticas. As federações são o desfecho dessa história. Se as cláusulas de desempenho, mesmo tímidas, e o fim das coligações proporcionais parecem punitivas, a federação pode se tornar educativa. Ela não proíbe, ela reorganiza, estabelece novas estratégias e busca aproximar. Ou seja, agremiações tentarão conviver por um período mínimo de quatro anos, com certo estímulo à ideia de que possam se fundir a qualquer instante. Aqui algo interessante: uma vez estabelecida, a federação que não durar quatro anos penalizará aqueles que se separarem. Mas, se tal união resultar em uma efetiva fusão, isso poderá ocorrer a qualquer instante sem qualquer prejuízo aos envolvidos. Tendo em vista tal aspecto, o que faz com que legendas se interessem pelo estabelecimento de uma federação? A resposta pode ser ideológica e também pragmática. Ela passa a existir como uma legenda única – a despeito de os números dos partidos, as filiações e certas questões individuais se manterem vivas – e calcular, de forma somada, os votos capazes de garantir recursos para seus componentes. A partir disso, as legendas continuarão a prestar contas e a utilizar o dinheiro que recebem de maneira separada, com certa autonomia preservada e aparentemente desejada, mas terão que se acostumar a pedir votos juntas. As listas dos pleitos proporcionais, por exemplo, são unificadas, e regras específicas serão criadas no interior do agrupamento para isso. Perceba: uma federação deve ter estatuto próprio e nele a formação de listas terá que ser explicitada.


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A partir disso, o que os partidos ganham ao se federalizar? A chance de ultrapassar mais facilmente as cláusulas de desempenho. Então se trata de uma coligação disfarçada? Esse argumento é simplista, pois coligações acabavam após as eleições, mantendo poucos aspectos capazes de unir os parceiros. A lei inicialmente aprovada no Congresso também ajudava a interpretar a federação assim, pois estabelecia o mês de agosto como prazo para uma associação desse tipo valer em dada eleição. Esse é o mês das convenções, em que as coligações são celebradas. Assim, rapidamente, federar é coligar. A justiça julgou tal prazo inconstitucional e levou seu limite para o funcionamento em dada eleição para o começo de abril – prazo em que partidos, e não coligações, se firmam. Ou seja, para o Judiciário ativista, a federação é mais um partido do que um acordo eleitoral e, exclusivamente este ano, o prazo limite é 31 de maio. O tempo dirá o que de fato é, mas devemos considerar que a federação dura minimamente quatro anos, o que significa ao menos dois pleitos sob a lógica da união que se estabeleceu, sendo um deles a múltipla, complexa e ampla eleição municipal. A federação, assim, é a alternativa para partidos se aproximarem, mantendo certa autonomia, em um ensaio de fusão. Mas quem entraria nisso?

Acordos entre legendas grandes ou médias, por mais que estejam sendo incensados, é improvável, a começar pela montagem de chapas proporcionais à luz da nova lei de limite reduzido de candidaturas. Assim, um instrumento desses faz sentido para partidos considerados eleitoralmente pequenos. Somar resultados em acordos coerentes faz sentido. Rede e PSOL, por exemplo, se justificam aqui. Outra alternativa é a federação entre um partido maior e legendas que não têm conseguido tantos votos. A federação induziria a uma incorporação futura. Aqui temos os casos do PSDB com o Cidadania e o acordo entre PT, PV e PCdoB. O desafio será, em todos esses casos, lembrar que nem sempre o que se estabelece como acerto no plano nacional é bem aceito pelas diversidades estaduais e municipais dos envolvidos. Certamente, existem locais em que o PV é adversário do PT, por exemplo. O que parece necessário entender, nesses casos, é que estratégias amplas de sobrevivência e aproximações ideológicas, por vezes, separam o possível do ideal e o coletivo do individual. Isso significa dizer que muitos filiados não serão contemplados, restando também entender o que trouxe alguns deles ao partido. A federação, nesse caso, pode servir como um momento de reflexão interna, repactuação e reordenamento de expectativas e sensações ideológicas. 19


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A importância da política para a sociedade

e para um sistema democrático Regina Gonçalves

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é membro da Executiva Nacional e secretária de Organização do Estado de São Paulo do PV. É graduada em Arquitetura e Direito e soma mais de 30 anos de vida pública. Foi deputada estadual, vice-prefeita, vereadora, secretária de Desenvolvimento Econômico, Governo, Desenvolvimento Social, Habitação e Planejamento Urbano em Diadema. Também foi presidente estadual do PV SP e secretária nacional do PV Mulher.


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Nos aproximamos de mais um processo eleitoral, momento de tomarmos decisões que determinarão o destino da coletividade ao longo dos próximos anos. O voto é um forte instrumento de manifestação da nossa vontade política. A educação política ainda é o caminho para o voto consciente, o poder para transformação da sociedade. Por isso, é cada vez mais importante levar o debate político aos lares, espaços de convivência social, trabalho e escolas, envolvendo toda comunidade na discussão de problemas e soluções que afetam a todos. Não adianta pensar que política acontece a cada dois anos quando se tem as eleições. Não adianta dizer que não gosta de política ou não quer se envolver. Todos nós vivemos a política em nosso dia a dia, seja em relações familiares, seja no trabalho, seja em momentos de lazer. Sempre precisamos ouvir e ser ouvidos, defender ideias, cumprir com nossas responsabilida-

des no trabalho ou na escola onde todas as relações e decisões são permeadas pela política. Nossa vida é cercada de política, de tomadas de decisões e relações de poder. Dessa forma, nada deve nos impedir de participar do exercício da democracia, única forma de exercermos nosso poder de escolha. Se existem problemas, se as coisas precisam mudar, o momento é este. Momento de exercermos nosso direito político e confiá-lo aos governantes para que possam organizar a sociedade. Há muito se discute sobre a formação política, que deveria ter início na escola, na formação dos jovens. Com a extinção de matérias como Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política do Brasil (OSPB), que fizeram parte do currículo escolar até o início da década de 1990, as escolas deixaram de abordar questões sobre ética, cidadania, organização política ou patriotismo. 21


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Hoje, o jovem completa 16 anos e não quer ouvir falar em política, prefere não se envolver e não faz questão de tirar seu título de eleitor. E, embora os partidos políticos incentivem, cada vez mais, a militância e a participação política de jovens, o número ainda é muito baixo, inclusive dos que querem votar.

De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), percebemos que eleitores na faixa etária entre 16 e 17 anos, quando o voto é facultativo, reduzem a cada pleito eleitoral. Em 2020, dos quase 148 milhões de brasileiros aptos a votar, apenas 0,16% tinha 16 anos e 0,53%, 17 anos. Em 2012, tínhamos mais de 1,1 milhão de jovens de 16 anos com título de eleitor (0,83%) e 1,7 milhão com 17 anos (1,26%). Se é por meio da política que podemos estruturar mudanças, fortalecer a democracia e debater novas ideias, precisamos resgatar a participação ativa dos jovens. Afinal, eles sempre tiveram papel fundamental nas grandes transformações que atravessamos ao longo dos anos. A política precisa dos jovens para se renovar. Desde a Constituição de 1988, o direito ao voto foi garantido a pessoas com mais de 16 anos, sem distinção de gênero, classe social ou grau de escolaridade. Todos têm o direito a escolher seus representantes em todas as esferas de governo. Mas nem sempre foi assim. O direito ao voto esteve nas mãos de uma minoria. Nas primeiras eleições, apenas homens qualificados por renda e maiores de 25 anos podiam exercer o direito ao voto.

As mulheres no processo eleitoral Somente em 1932, há quase 90 anos, chegou a vez de as mulheres serem inseridas no processo eleitoral. Foi um longo caminho de lutas por igualdade de direitos e, até hoje, isso se reflete nos espaços de poder. Embora elas representem 52,8% do eleitorado brasileiro, 22

ainda são minoria em cargos eletivos. Em 2020, por exemplo, elas conquistaram 33,6% das cadeiras nas diversas esferas do parlamento brasileiro, incluídas as câmaras municipais, as assembleias legislativas estaduais e o Congresso Nacional. A mulher já mostrou sua capacidade intelectual e emocional de se adaptar, de maneira eficaz e efetiva, a várias funções que a vida lhe impõe. Ela pode e deve se candidatar, eleger e participar ativamente em decisões de diversos segmentos com um olhar diferenciado que contribui para uma sociedade mais humana. A mulher consegue trazer o equilíbrio necessário para que possamos avançar em políticas públicas com um olhar acolhedor que lhe é nato. Por mais que a sociedade tenha uma maior consciência do papel feminino junto às políticas públicas, essa mesma sociedade é perversa quando da escolha do voto. Ainda somos muito poucas e, nem sempre, nossa voz no parlamento brasileiro ecoa na sociedade como deveria. É preciso unir forças para combater e diminuir a desigualdade da representatividade feminina, da juventude e das minorias. Por isso, é necessário criar uma grande rede de sororidade e empatia para vencermos as barreiras invisíveis e o preconceito velado que ainda imperam contra nós. Mais do que nunca, o voto feminino será decisivo nas próximas eleições. Apesar das diversidades nas campanhas eleitorais convencionais, a necessidade de unidade para o enfrentamento da política tradicional surgiu. Tem ganhado força um novo modelo de candidatura, que cresceu muito, em especial na última eleição: os mandatos coletivos, que estão contribuindo para aumentar a representatividade feminina entre grupos que compartilham e defendem as mesmas bandeiras e ideologias. Um mapeamento realizado pela Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps) aponta que as candidaturas coletivas saltaram de 71, em 2016, para 327, em 2020, sendo que 52% foram candidaturas de mulheres. Ainda que menos de 10% dessas candidaturas tenham sido eleitas em todo o país, 70% são representações femininas – um mandato exercido em conjunto, com responsabilidades compartilhadas, de forma colaborativa na sugestão de projetos e com participação descentralizada. Portanto, tem início um novo caminho para mudanças e fortalecimento da democracia. O momento é de mudança de modelos convencionais para outros que estão ganhando força, tal


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como os mandatos coletivos. Temos, também, outros modelos que vão trazer o debate necessário para o sistema eleitoral brasileiro, a exemplo do voto em lista e do voto distrital misto. Esses temas estão adormecidos e ganharão espaço nos próximos anos, gerando debates transparentes e propositivos. Ao eleitor, cabe o conhecimento da política e do histórico dos candidatos, aliado ao interesse em participar do processo. E, no momento político atual, em que nossa frágil democracia tem sido colocada em xeque quase que diariamente por um governo desprovido de espírito público, que desmontou no país as poucas

políticas públicas que ainda conseguiam colaborar com os municípios brasileiros –, torna-se necessário combater o descaso, a desinformação que mata, defender as nossas instituições e a nossa Constituição. Mais do que nunca, é preciso somar. É preciso coragem para se reunir. É preciso deixar de lado as questões menores e unir esforços a favor da sociedade brasileira. Votar de forma consciente é a maior e melhor arma que cada brasileiro possui para exercer a democracia, garantir direitos conquistados e colaborar para que o Brasil se torne um país melhor, menos preconceituoso e mais igualitário.

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Participação consciente e eleições: um debate necessário Rodney Amador é mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da USP e pesquisador no Núcleo de Instituições Políticas e Eleições do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Nipe-Cebrap). Atualmente, é monitor no Curso para Lideranças Políticas da Fundação Verde Herbert Daniel.

No fim de março, uma espécie de campanha promovida por diversos famosos “viralizou” nas redes sociais brasileiras. O termo pode não ser bom para uma época como a que vivemos nos últimos dois anos, mas significa que determinado conteúdo se tornou viral, passando muito rapidamente de pessoa para pessoa. Acontece que, nesse caso, tratava-se de algo bom: a regularização do título de eleitor. A mensagem era simples: tentar atingir aqueles que estão em débito com a Justiça Eleitoral, aqueles que mudaram de cidade, mas não transferiram o título e, principalmente, os jovens de 16 anos que ainda não haviam emitido o documento. Zeca Pagodinho, Anitta, Lázaro Ramos… diversos famosos aderiram à mensagem: Votem! Tirem seus títulos! Participem! A campanha faz sentido se pensarmos a atual realidade brasileira: uma matéria publicada na plataforma G1, ligada ao grupo Globo, indica que 2022 – um ano eleitoral – registrou o menor número de emissão de títulos de eleitor para jovens dos últimos 30 anos,

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desde que se começou a fazer esse levantamento. Não é a primeira vez que campanhas assim acontecem. O TSE, na verdade, encampou outras em anos anteriores. E nem é uma exclusividade nossa: algo muito parecido ocorreu, por exemplo, nos Estados Unidos para a eleição de 2016. Se ela foi resultado da polarização política que afetou as eleições de lá (e que pode afetar as eleições daqui), somente uma pesquisa mais aprofundada poderia indicar. Neste texto, queremos fazer uma reflexão mais de fundo: o que essa baixa adesão representa? Ou, em outras palavras, o que isso revela sobre a cultura política brasileira? Diversos fatores são decisivos na hora de ir ou não votar, isto é, de participar ou não da política. Veja que não estamos falando nem de participar no sentido de se filiar a um partido nem de se lançar como candidato. Uma boa quantidade de livros e estudos desenvolvidos por sociólogos e cientistas políticos dá mostra de que o próprio ato de votar é custoso. O eleitor precisa se dar ao trabalho de buscar informações, conhecer candidatos e partidos, dedicar uma parte do seu dia para pegar fila, apresentar documentos e depositar um único voto na urna. Na verdade, segundo alguns autores como Anthony Downs e Ian Shapiro, votar é, em certo sentido, irracional: “Por que o meu voto faria diferença? Prefiro ficar em casa”.

Comparando as nossas instituições políticas com as de outros países, a situação pode ser ainda mais dramática. Aqui, a participação é obrigatória: somos obrigados a votar quando completamos 18 anos – ainda que, como os famosos deixaram claro na campanha, regularizar a sua situação posteriormente não é algo difícil de se fazer –, mas em lugares como os EUA, país de origem dos estudiosos citados acima, o voto não é obrigatório. Para se ter uma ideia, a eleição nem acontece em um domingo: é em dia de semana! Você teria de sair correndo do serviço ou até faltar se quisesse votar. Não preciso dizer que, geralmente, quem não consegue ou simplesmente não quer ir votar são pessoas mais pobres, trabalhadores etc. Votar não é fácil. Exige dedicação, exige uma busca ativa por informações, exige mobilização. Em alguns lugares, exige ainda mais: a luta por direitos civis nos Estados Unidos, liderada por Martin Luther King, em diversos momentos, tomou forma na luta pelo registro eleitoral dos afro-americanos do sul do país. A tragédia em Selma e todo o movimento popular que ela desencadeou começou com o registro de eleitores no estado do Alabama. Dessa forma, a participação política, por mais simples que seja, é uma atividade exigente e precisa ser alvo de reflexão de qualquer pessoa preocupada com a qualidade da democracia.

Campanha do TSE realizada este ano voltada ao alistamento de jovens eleitores

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A questão que se coloca, portanto, é a do voto consciente. Como participar conscientemente? Aqui, entendemos o voto consciente como o contrário de uma participação alienada. É preciso ter noção do que se trata o voto: para que serve, como se utiliza. Infelizmente, a democracia não vem com um manual, um modo de usar.

Aliás, isso é um erro comum de diversos analistas: acreditarem que, a partir de uma bem pensada engenharia institucional, seria possível resolver os impasses políticos brasileiros a priori, na prancheta, antes de colocar em prática. Muita gente tem em mente uma reforma eleitoral que resolveria todas as questões: o problema está, no entanto, na prática. A democracia, na verdade, está mais para um quebra-cabeça, no qual as peças precisam ser encaixadas a partir da tentativa, das possibilidades e – principalmente – da aprendizagem. Um primeiro ponto para a participação consciente pode ser pensado como a aproximação da realidade do eleitor à realidade político-institucional. É preciso apresentar a política como parte integrante da vida comum, inclusive nas suas diferentes racionalidades. Será que a participação política é a mesma em todo lugar? Votar na capital de um estado ou de um país é a mesma coisa que votar no interior? É claro que, por definição, o voto tem o mesmo valor, mas as realidades podem ser diversas – e todas elas precisam ser compreendidas. Qual é o custo de participar nos diversos bairros da sua cidade? As pessoas têm os mesmos incentivos? A mesma visão de mundo? 26

Um segundo ponto diz respeito aos custos da participação consciente. Se ela é exigente, como garantir que mais pessoas participem? Se os cidadãos precisam se informar, conhecer partidos e candidatos, conhecer políticas e ideologias, é necessário pensar na forma como isso acontece. A internet permitiu um acesso à informação muito superior ao que havia décadas atrás, mas isso pode funcionar como uma faca de dois gumes: ao mesmo tempo que qualquer pessoa, por um celular com acesso à rede, pode ver, em tempo real, debates no plenário do Congresso ou nas comissões – sem falar que podemos ler, pelo site da Câmara Federal, os mesmos projetos de lei que serão lidos pelos parlamentares –, a internet permitiu a disseminação de informações falsas e desinformações profundas. Quer dizer, a disponibilidade de conteúdo pode ser tanto deletéria à democracia quanto fomentá-la. A partir desta reflexão, a pergunta que podemos levantar é: o que fazer? A situação destacada no começo do texto, de poucos jovens interessados em tirar título de eleitor, é a palavra final sobre a política entre os brasileiros? Chegamos a um momento no qual o desinteresse político superou a possibilidade


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Fonte: TSE

de uma participação política consciente? Acredito piamente que não! Na verdade, evidências levantadas a partir de um projeto de educação política em escolas, financiado pela Fundação Konrad Adenauer e publicado em artigo por Humberto Dantas, Bruno Silva e Alessandra Nascimento, comparando cidades como Araraquara e Suzano (portanto, realidades bem diferentes), indica que os jovens têm, sim, interesse em conhecer a política. Na verdade, a grande maioria (mais de 90%) declarou acreditar no voto como um instrumento de modificação da realidade.

Por fim, cabe dizer que a campanha deu frutos: no dia 25 de março, o TSE registrou que quase cem mil jovens solicitaram títulos só na última semana e que a campanha pelas redes sociais teria atingido por volta de 88 milhões de pessoas! Nada como uma mobilização que fale a linguagem das pessoas, em um ambiente no qual quase todo mundo se encontra hoje em dia – o virtual –, para fazer com que o cidadão perceba que a participação é possível. Aliás, não só possível, mas a própria base democrática das possibilidades. Fonte: TSE

O que falta, então, para que esses jovens participem efetivamente? Será que eles encontram possibilidades de aproximar a política institucional de suas próprias realidades? Teriam eles acesso à informação de qualidade? Em suma, como anda a educação política da população brasileira?

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entrevista Pensar Verde

O que pensa

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Lula - Foto de José Cruz Agência Brasil

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“Nós temos que recuperar as instituições do Estado que estão sendo destruídas, encarar o Ministério do Meio Ambiente como o ministério da vida”, declarou o ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, da Federação Brasil da Esperança (PV, PT e PCdoB), em entrevista à Pensar Verde. Lula falou sobre quais seriam as ações necessárias para desenvolver o país e gerar emprego e renda preservando o meio ambiente. Transição energética, recuperação de bacias, produção de alimentos sem aumentar a destruição da natureza e reversão da “boiada” do atual governo também são temas desta entrevista.

Pensar Verde: O Brasil foi arrasado pela devastadora política ambiental de Bolsonaro. Caso o senhor ganhe as eleições, qual será o peso dado ao setor? O senhor acredita que o país possa se tornar uma grande potência ambiental? Lula: Estou convencido de que o único projeto de desenvolvimento possível para o Brasil é aquele que considera as políticas para o meio ambiente como centrais. É questão de sobrevivência, de termos um planeta para morar. Mas também se trata de saber que a sustentabilidade é um pilar sem o qual não há riqueza a longo prazo. Quem não entende que o desenvolvimento precisa ser conjugado com a preservação não entendeu nada e vai pagar caro pelo atraso histórico. Infelizmente, foi exatamente isto que assistimos nos últimos anos: um governo associado ao que há de mais atrasado nos diferentes setores econômicos, interessado apenas no lucro imediato e sem qualquer respeito pela natureza. É um governo predatório, que age contra os animais, contra a floresta, contra o meio ambiente e, na essência,

contra a vida. Bolsonaro deixa um rastro de destruição ambiental, violação de direitos humanos, exploração ilegal de terras indígenas e áreas de reserva florestal. E joga no lixo os muitos anos de investimento do Brasil, como nação, em uma gestão responsável dos nossos recursos naturais. Somos o país com a maior reserva de água doce do mundo, temos um litoral extenso, fontes de energia limpa, essas maravilhas da natureza que são a Amazônia e o Pantanal, uma diversidade de biomas – a Mata Atlântica, o Pampa, a Caatinga, o Cerrado, os manguezais. Não é possível que a gente sequer pense que o Brasil não tem como missão ser uma grande potência ambiental!

Pensar Verde: Como fortalecer o Ministério do Meio Ambiente e os órgãos competentes, como o ICMBio, o Ibama e a Funai, que perderam espaço de ação, investimentos e equipamentos? Lula: Nós temos que recuperar as instituições do Estado que estão sendo destruídas, encarar o Ministério do Meio Ambiente como o ministério da vida. Preservar nossos biomas, nossas águas, nosso solo, nosso subsolo, nosso mar é questão de sobrevivência, tem de ser prioridade. A gente vai precisar garantir um orçamento condizente com a grandeza da tarefa que tem o sistema de proteção ambiental. E, também, recompor os quadros do Ibama, ICMBio e da Funai, que têm déficit de milhares de funcionários. Sem o fiscal para autuar o garimpo ilegal, para interceptar a madeira extraída ilegalmente, sem o pessoal fazendo monitoramento de queimadas e trabalhando no combate ao fogo, como é que se faz política ambiental? Outra questão fundamental é retomar os espaços de participação social que foram desmantelados durante este governo. O ataque de Ricardo Salles à participação da sociedade civil no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) foi chave para que passassem a boiada. O Conama precisa retomar o seu papel protagonista na definição das políticas públicas.

Pensar Verde: No campo externo, como recuperar a credibilidade do Brasil? Lula: O Brasil só irá recuperar sua credibilidade internacional sem Bolsonaro, quando o povo brasileiro mostrar que rejeita sua visão e suas práticas. Ao longo de 29


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O ex-presidente Lula no lançamento do Manifesto Cultura pela Democracia, no Rio de Janeiro, 2016 - Fernando Frazão/ Agência Brasil

sua história, o Brasil sempre exerceu um papel muito importante na geopolítica global e não poderia deixar de ter protagonismo quando a agenda ambiental passou a ditar muitos dos debates internacionais. É preciso recuperar esse protagonismo, que foi perdido por este governo na gestão da política externa em geral e com os seguidos vexames na área do meio ambiente. Não tem credibilidade que resista a recorde de desmatamento na Amazônia, destruição do Pantanal como nunca visto antes, ministro do Meio Ambiente envolvido com tráfico 30

de madeira. Depois, voltar a focar na sustentabilidade como ponto de partida para qualquer política pública. Acho que esse é um processo de dentro para fora. Quando retomarmos a agenda ambiental a sério no Brasil, voltaremos a ganhar o respeito internacional. Vamos retomar nosso posto na linha de frente da agenda ambiental internacional pelo exemplo. Mas eu creio que a discussão da política ambiental internacional não pode estar apartada de outra,


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Pensar Verde: E quanto às medidas legais, infralegais, instruções normativas, portanto, todo o arcabouço legal do governo Bolsonaro que representa um enorme retrocesso para o setor, o que inclui a liberação em massa de agrotóxicos, além de projetos destinados a destruir a legislação ambiental brasileira, tornando-a ineficaz, como eles poderiam ser combatidos? Lula: Eu não sei se todo mundo se deu conta de que a boiada do Bolsonaro realmente atropelou o Brasil. Depois daquela confissão do Ricardo Salles, dizendo para aproveitar que as pessoas estavam ocupadas morrendo de Covid-19 e fazer mudanças na legislação, eles mudaram 721 normas ambientais em um ano. Foram quase duas normas modificadas por dia. Fora a atuação da base bolsonarista no Congresso, agindo para facilitar a liberação de agrotóxicos, mineração em terras indígenas e outras barbaridades. Então, primeiro a gente precisa chamar a atenção da população para eleger deputados e senadores que estejam comprometidos com o meio ambiente, com o desenvolvimento sustentável e não com este modelo arcaico e predatório que está destruindo o Brasil. Segundo, talvez tenha que se fazer uma força-tarefa para rever o que o próprio Executivo pode reverter.

Pensar Verde: A pandemia de Covid-19 nos mostrou que estamos sob constante risco e, segundo os cientistas, novas epidemias, originárias exatamente da destruição da natureza, não demorarão a surgir. É necessário nos preocuparmos com a segurança biológica e propormos medidas preventivas quanto aos danos provocados pelo aquecimento global. Qual seria a melhor ação nesse caso?

que é mais geral: o mundo precisa de um novo modelo de governança global. A questão ambiental é exemplo disso. Conseguimos chegar a um pacto de metas para controlar as mudanças climáticas, mas nada é posto em prática, porque as estruturas que temos hoje não representam a diversidade das nações. Acho que só vamos avançar na solução desses problemas com um novo modelo de governança global, baseado menos na economia e mais no humanismo.

Lula: O Brasil precisa valorizar a ciência, seus cientistas, suas universidades, para ter o conhecimento e a capacidade de ação necessária para enfrentar pandemias e proteger a população brasileira. Fomos o segundo país que mais perdeu pessoas para a Covid-19 no mundo, em grande parte pela negação da ciência, pela negação da realidade, por Bolsonaro não ouvir quem estudou e os funcionários competentes que temos na Anvisa, na Fiocruz, nas universidades. O mesmo aconteceu com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e a questão 31


Pensar Verde

Alter do Chão, Rio Tapajós Foto: Ana Vilela

do desmatamento e das mudanças climáticas. Precisamos voltar a ouvir a ciência e ter um governo que se preocupe em proteger os brasileiros e suas vidas. O que temos agora é exatamente o oposto disso. Este governo tem uma marca trágica. Em três anos de governo Bolsonaro, a expectativa de vida dos brasileiros caiu quatro anos. Isso é impressionante. Literalmente, a cada ano que ele fica no poder, os brasileiros perdem um ano de vida.

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Pensar Verde: O que o senhor propõe para gerar emprego, renda e dignidade para a população que vive na Amazônia, mantendo a floresta em pé?

uma obviedade. Só não é para essa gente ignorante e cara de pau que está no governo, que é capaz de dizer, sem corar, que onde há floresta, há pobreza. Agora, além da ciência, do investimento nos institutos de pesquisa que já temos na região amazônica e nos centros de pesquisa espalhados pelo Brasil e que se dedicam ao tema, é necessário ouvir os povos amazônicos. São eles que estão fazendo a “gestão” desse tesouro que é a Floresta Amazônica desde muito antes de a gente chamar estas terras de Brasil. Não podemos deixar esse conhecimento para trás, ignorar os modos de vida, mas também precisamos pensar em maneiras de garantir que o potencial da floresta não vá gerar riqueza só para quem está em algum iate em um paraíso fiscal.

Lula: Com investimento correto em pesquisa, a biodiversidade da Amazônia pode ser fonte de enriquecimento da região, sem destruir o meio ambiente. Isso é quase

É fundamental, para cuidarmos do meio ambiente, cuidar dos milhões de brasileiros que vivem na Amazônia. Dar meios de vida digna, trabalho, acesso a energia limpa e saneamento. Eu fiz


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isso no meu governo com programas sociais e o Luz Para Todos. Podemos fazer mais dando auxílios e incentivos econômicos para atividades sustentáveis: cooperativas, turismo e preservação do meio ambiente. É importante entender que cuidar do meio ambiente é cuidar da melhoria da qualidade de vida do povo que está nas cidades. Inclusive na região amazônica, onde a gente tem grandes centros urbanos encravados dentro da floresta, como Rio Branco, Belém, Santarém, Manaus. Para isso, temos que discutir as questões das favelas, da água potável, do tratamento de esgoto e da despoluição dos rios, e as políticas de desenvolvimento local que estejam conectadas às vocações regionais, com respeito ao meio ambiente. Não é possível que a água do Tapajós esteja contaminada de mercúrio, e Alter do Chão sendo destruído por atividades de garimpo ilegal.

Pensar Verde: No Brasil, temos as commodities e a criação de gado, que ocupam, desnecessariamente, larga escala territorial, levando ao desmatamento e à produção de gases de efeito estufa. No caso da carne bovina e, também, na de aves e porcos, um dos problemas centrais é a grande quantidade de água necessária para a criação dos animais. Como esses problemas poderiam ser minimizados? É possível a cobrança do uso da água para que o dinheiro seja revertido para a recuperação das bacias? Lula: O país precisa investir na preservação e na recuperação das suas bacias hidrográficas. Não sei se a cobrança do uso da água é a melhor forma de fazer isso, nem a única possível. Precisamos recuperar matas ciliares, saneamento nas cidades, uso racional e visão de médio e longo prazo, não de curto prazo, no agronegócio e na mineração. Podemos, inclusive, gerar emprego na recuperação de bacias e qualidade das águas dos nossos rios. Pensar Verde: Mesmo com toda a produção do agronegócio brasileiro, a população passa fome. Como alimentar as pessoas sem destruir a natureza, aumentar a produtividade de pequenos agricultores, da agricultura familiar? Seria o caso de fornecer incentivos ao setor, para as pequenas produções locais que respeitem o meio ambiente?

Praia do Rio Tapajós Foto: Ana Vilela

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Palafitas às margens do Rio Amazonas Foto: Ana Vilela

Lula: É plenamente possível alimentar as pessoas sem aumentar a destruição ambiental. Temos conhecimento e tecnologia para isso. Há, no Brasil, grandes extensões de terra de área agricultável que podem ser recuperadas. Há áreas no Nordeste onde a produção de alimentos pode aumentar com a transposição do São Francisco e com a irrigação. Os pequenos agricultores brasileiros têm muita experiência com produção de orgânicos e agroecologia. No meu governo, tínhamos o Programa de Aquisição de Alimentos, para estimular a compra da produção dos pequenos agricultores para distribuição local, seja nos programas de assistência social das prefeituras, seja para a formação de estoque local de alimentos. Isso contribuía para a segurança alimentar, para a viabilidade das pequenas propriedades rurais e de uma cadeia mais curta entre a produção e o consumo, diminuindo os impactos no ambiente. Também incluímos regras no Programa Nacional de 34

Alimentação Escolar, que estimulava as prefeituras a comprar alimentos da merenda escolar da produção agrícola local, boa parte também orgânica. Pensar Verde: A bioeconomia é um dos campos essenciais para o desenvolvimento do país, sobretudo da região amazônica. A aplicação do conhecimento tecnológico e científico na floresta abre uma imensa gama de possibilidades que vão desde a perfumaria à indústria farmacêutica. O que poderia ser feito para alavancar esse setor? Lula: Os recursos naturais brasileiros são uma fonte extraordinária para iniciativas que combinem desenvolvimento econômico e sustentabilidade ambiental. É possível e importante que se estimulem iniciativas sustentáveis baseadas em recursos naturais


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mais avançado do mundo na produção de biocombustíveis, porém as iniciativas nesse campo foram abandonadas. Os biocombustíveis são parte importante do nosso setor agrícola e os avanços tecnológicos podem torná-los ainda mais eficientes. Grandes empresas estatais, como a Petrobras e a Eletrobrás, têm centros de pesquisa e tecnologia que já colaboraram, e podem voltar a colaborar, na busca pela descarbonização.

Pensar Verde: Nos últimos tempos, Educação, Ciência, Cultura e Tecnologia foram muito menosprezadas, desvalorizadas. Como reverter esse quadro? Lula: Com um governo que leve a sério a educação, a ciência e a tecnologia, como fizemos quando eu fui presidente. Bolsonaro teve quatro ministros da educação em quatro anos, um pior que o outro. Eu tive três ministros em oito anos: Cristovam Buarque, Tarso Genro e Fernando Haddad. Expandimos universidades, escolas técnicas, criamos o Prouni, ampliamos a pós-graduação, a produção científica, levamos universidades para o interior do país. E ainda tem muito a ser feito nessa mesma direção para superar nosso atraso secular nesse campo.

renováveis que gerem inovação e oportunidades de mercado tanto para grandes empresas quanto para pequenos negócios, empreendimentos de economia solidária ou startups. A produção sustentável e o consumo consciente são ativos importantes para o desenvolvimento do país e da Amazônia.

Pensar Verde: Qual seria a melhor forma de promover uma transição energética para substituir os combustíveis fósseis? Lula: Investir em alternativas como eólica, solar, biocombustíveis, como o Brasil vinha fazendo e governos estaduais do PT, do PSB e de outros partidos vêm fazendo, inclusive com intercâmbio de tecnologia com países como Alemanha, Estados Unidos e China. O nosso potencial em eólica e solar é imenso, em especial no Nordeste. Lembrando que o Brasil é o país

Pensar Verde: É possível gerar riqueza, renda, empregos, desenvolver o país com sustentabilidade. Como o senhor vê essa afirmação? Lula: O país tem terras degradadas, terras abandonadas que podem ser recuperadas para plantar o que quiser, criar gado, plantar soja, plantar milho, sem ofender a floresta. Temos nossa matriz energética baseada principalmente em fontes renováveis. Temos a Floresta Amazônica, o Pantanal, a Mata Atlântica, os manguezais, a Caatinga, o Cerrado, variedade de biomas e biodiversidade, que tem um potencial imenso de geração de riqueza. Temos uma base científica e uma capacidade de inovação tecnológica que foi muito incentivada nos nossos governos e, depois, abandonada. Se retomarmos esse projeto de autonomia científico-tecnológica do país e sairmos da zona de conforto de fazer sempre o mesmo, repetir os mesmos erros do passado, eu tenho certeza de que vamos fazer a economia crescer, distribuir riqueza e preservar o meio ambiente. 35


verdes em ação Pensar Verde

Veja quem são e o que pensam os deputados federais que se filiaram ao PV Com os rumos que as eleições deste ano vêm tomando a partir das federações e de novos contextos políticos, muitos deputados estaduais e federais, além de vereadores e deputados distritais, mudaram de agremiações. Com o Partido Verde (PV) não foi diferente. A sigla recebeu novas filiações pelo Brasil. Em fevereiro, o deputado distrital Leandro Grass, deixou o partido Rede (DF). Depois, com a abertura da janela partidária em 3 de março, associaram-se ao PV os deputados federais Júlio Delgado (MG) e Aliel Machado (PR), que deixaram o PSB, João Carlos Bacelar (BA), exPodemos, e Sérgio Toledo (AL), que saiu do PL, além do deputado distrital Reginaldo Veras, ex-PDT, e do ex-distrital Wasny de Roure, também do PDT, ambos do Distrito Federal. Os deputados Júlio Delgado, Aliel Machado e João Carlos Bacelar estiveram em evento de filiação na sede nacional do PV em Brasília no dia 30 de março. Mas por que o Partido Verde? Quais as expectativas com a nova sigla e para as eleições de 2022? Os quatro novos deputados federais do Partido Verde respondem. 36


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Foto: Ascom Bacelar

na Bahia, um estado riquíssimo em belezas naturais, extremamente plural, cheio de cultura e diversidade, mas que ainda precisa ser educado e conscientizado ambientalmente. As eleições deste ano estão acirradas, mas tenho certeza de que vamos conseguir aumentar nossa representatividade de forma significativa e construir uma bancada mais forte.”

Deputado federal João Carlos Bacelar (PV BA) “Porque o Partido Verde é um partido necessário. Muito se fala em aquecimento global, desmatamento da Amazônia, efeito estufa, preservação de bacias hidrográficas e mais qualidade de vida, mas percebo que a pauta verde ainda não entrou no centro do debate de nossos governantes. Pelo contrário, temos recordes de destruição do meio ambiente e números distorcidos perante as Organizações das Nações Unidas (ONU). O reflexo desse desmonte ambiental, vivenciado desde 2019, mantém o Brasil no centro das atenções de descasos com o ecossistema. Hoje, toda a sociedade, independentemente da opção política, discute essa questão no mundo, e não temos como desvincular a política da sustentabilidade, porque ao mesmo tempo que aumentamos as representações nas esferas federal, estadual e municipal, ampliamos a pauta verde. E foi pensando na nobreza da causa, na defesa social, na democracia e na junção desses elementos que decidi me filiar ao Partido Verde. Acredito que nossa aliança irá além da questão eleitoral. A fortificação, motivação e implementação de políticas públicas sustentáveis serão minhas prioridades. O PV é um partido sólido, com capacidade técnica, reconhecido mundialmente e com uma causa nobre. O partido conversa com a juventude de uma forma ampla e clara e esse diálogo nada mais é do que o reflexo entre os dirigentes e seus correligionários. Esse é um dos fatores preponderantes para manter a base coesa e unida e acredito que manteremos isso a fim de ampliar nossas lideranças pelo país, principalmente

Deputado federal Júlio Delgado (PV MG) “No momento que os cientistas do mundo inteiro anunciam que as tragédias climáticas serão cada vez mais fortes e mais frequentes a partir deste ano em função do aquecimento global, a gente tem que estabelecer claramente uma pauta, uma prioridade para essa emergência climática. E isso se faz indo para um partido que tem uma pauta ambiental, no caso, o Partido Verde. Esse foi um dos motivos, porque a gente abraça uma causa que já vínhamos adquirindo, pois a pauta ambiental não pode deixar de ser prevalência para todos nós.

Quanto às eleições, eu espero que a gente possa ter um resultado bastante reconhecido pela população, que aqueles que têm essa causa como essencial em seus mandatos sejam reconhecidos. Nós estamos com uma expectativa positiva em relação ao êxito do Partido Verde e, também, da Rede Sustentabilidade quanto aos votos obtidos, principalmente estes, que são partidos que têm a questão ambiental como fundamentos de seus nomes, de suas defesas e de seus princípios.” 37


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Deputado federal Aliel Machado (PV PR) “Por que mudar de partido? Nós mudamos para não mudar. Nós mudamos para manter a nossa coerência, nossa luta, nossa vontade e aquilo que a gente acredita. Unir as nossas forças para defender a nossa educação brasileira, para defender a nossa juventude, para defender os movimentos sociais, que é o que nos fez entrar para a política. E o PV não abre mão de seus princípios para construir o partido. Isso é de fundamental importância. Esse fisiologismo que está acontecendo hoje em um balcão de negócios que envolve a política não pode ser matriz para definição política daqueles que a usam como nós, para fazer transformação social e melhorar a vida das pessoas. Eu sou um ex-engraxate. A minha mãe e o meu pai não têm ensino fundamental. Com 7 anos de idade, eu fui abordado pelo Conselho Tutelar quando catava recicláveis com meu pai. Eu jamais imaginei que po-

Foto: Dinho Souto

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deria ser deputado federal. Eu queria ser vereador lá do meu bairro. Bairro pobre, rua de terra, e eu perdi a primeira eleição para vereador. Depois eu me elegi, virei presidente da câmara de meu município e hoje estou no segundo mandato como deputado federal. A pauta da sustentabilidade ambiental e a luta contra a desigualdade vão muito além do que assinar uma ficha partidária. Elas têm de estar na convicção, na alma e naqueles que acreditam de verdade. Essa discussão que o PV fez e está fazendo, e agora nós estamos fazendo parte dessa federação, é um exemplo para o país, jamais visto, de unidade em torno de um objetivo muito maior. As nossas diferenças com aqueles que se somam conosco hoje são muito menores do que as convergências que nos unem em torno de um objetivo maior. É por isso que essa coragem do PV me fez não ter dúvidas de que aqui era o caminho correto para eu continuar essa luta, estando aqui para não precisar mudar.”


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Deputado federal Sérgio Toledo (PV AL) “Acredito que o Brasil e o mundo enfrentam dois grandes problemas. Erroneamente, muitas pessoas os veem como inimigos, mas, no meu entendimento, devem ser aliados: desenvolvimento econômico e proteção ambiental.

Devemos fomentar o agro, principal receita econômica do Brasil, em paralelo aos setores de proteção ambiental, sem demonizar ou criar inimigos. O agro e os órgãos de fiscalização ambiental devem seguir lado a lado, pois, no final, os beneficiados somos todos nós.

Como produtor rural, sei que podemos usar a proteção ao meio ambiente justamente para promover o desenvolvimento econômico sustentável, saindo da vanguarda e nos beneficiando das nossas vantagens naturais para o bem comum. Integrar pequenos e médios produtores com os grandes consumidores, criando práticas de comércio que tragam benefícios mútuos para quem vende e para quem compra, é de fundamental importância para diminuir a desigualdade social em nosso país.

Vim para o Partido Verde por entender que é o lugar certo para assumir essa missão! As expectativas dentro do PV são as melhores possíveis, tenho a consciência tranquila de que estou correspondendo e honrando os votos que recebi em 2018. Por isso, estou colocando meu nome como pré-candidato, agora pelo Partido Verde, à reeleição, para seguir trabalhando em busca de melhorias para o povo brasileiro, sobretudo, para o povo alagoano.” 39


verdes em ação Pensar Verde

Curso promovido pela Fundação Verde conecta o filiado aos ideais do partido

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A Fundação Verde Herbert Daniel iniciou, em dezembro de 2021, o curso “Formação de Lideranças Políticas – 2022”, em um total de dez encontros online, cada um realizado em dois dias. O primeiro dia é restrito aos inscritos no curso e o segundo é aberto ao público. É realizado sempre às quintas e às sextas-feiras via Zoom, com transmissão das palestras abertas pelo canal da Fundação no YouTube (tvfundacaoverde), o último encontro está previsto para os dias 26 e 27 de maio. Segundo o organizador da formação, o cientista social Humberto Dantas, doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), pós-doutor em Administração Pública pela FGV-SP e pesquisador da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg), um curso dessa natureza conecta o filiado aos ideais do partido político, além de cumprir com as exigências legais acerca da própria existência das legendas.

“Precisamos nos lembrar que cada partido político no Brasil, por determinação da lei, tem suas fundações e essas fundações têm como responsabilidade realizar formações associadas ao universo técnico, político e ideológico. Portanto, são organizações que se comprometem com recursos públicos, com a disseminação de aspectos absolutamente fundamentais atrelados à formação de seus quadros.”

Objetivos e aprendizados práticos Inicialmente, o objetivo do curso foi identificar lideranças no PV, por meio de uma série de estudos atrelados a resultados eleitorais recentes e, também, por meio de contato com as principais lideranças estaduais. Na questão técnica, destacam-se dois aspectos fundamentais: o ponto de vista da lei e das regras, das políticas públicas, dos valores do PV; e o ponto de vista doutrinário, ideológico. Quanto ao aprendizado prático para as campanhas, alguns aspectos estratégicos são: os elementos norteadores do partido político; liderança, autoliderança e autoconhecimento, como liderar processos políticos a partir do autoconhecimento e de princípios de liderança; sistema eleitoral e político-partidário brasileiro; comunicação, marketing político e estratégias eleitorais; a realidade do partido, suas principais lideranças, como o partido pensa e age. As palestras abertas, apresentadas às sextas-feiras, estão disponíveis no canal da Fundação no YouTube (tvfundacaoverde). Acesse e conheça essas e outras aulas e palestras promovidas pela Fundação.

Humberto Dantas foto de Christian Parente

Outro ponto relevante da formação é gerar o senso de pertencimento e valorização que os filiados merecem quando escolhem um partido político. “Sobretudo um partido como o PV, que, para além de ser uma legenda histórica, faz parte de algo que poderíamos chamar de um movimento mundial atrelado a uma causa estratégica e fundamental para a sobrevivência da sociedade.” Dantas ressalta que a formação não é apenas para uma eleição, pois são formados indivíduos para a vida política no partido. “São agentes estratégicos às realidades estaduais.” Assim, foram identificadas lideranças fundamentais no partido, que contribuirão com o fortalecimento da legenda nas eleições de 2022 e em eleições vindouras.

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solo fértil

Meditação como ato político Monge Sato

Monge Sato - Foto: Valdegrã Rodrigues

Monge Sato é formado pela USP, onde foi docente na Faculdade de Economia e Administração. Ex-exilado político no Chile e depois na Bahia, ao retornar a São Paulo deu aulas na PUC-SP e foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores e da CUT. Chegou ao Distrito Federal em 1986 para trabalhar no primeiro governo civil após a ditadura brasileira. Monge budista desde 1998, foi regente do Templo Shin-Budista de Brasília por 25 anos.

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Capa do livro Um monge no mundo (Estúdio Patriani, 2017)

Como assim?! Isso mesmo. Tudo, no nosso dia a dia, é um ato político e isso nos passa despercebido, principalmente porque aprendemos a odiar política. Sendo assim, a meditação também pode ser um ato político, porque, quando tranquilizamos a mente, vemos melhor o mundo, as pessoas, a realidade à nossa volta e pensamos antes de agir – quem sabe, até antes de votar. Mas pode ser ainda mais que isso. Estamos iniciando a Meditação Popular Amorosa em praça pública em Brasília-DF, especialmente nessa fase de pós-pandemia (se é que assim podemos dizer), que, de fato, foi o sofrimento coletivo que afetou o mundo – apesar do avanço da ciência e da tecnologia e a despeito da nova articulação de forças, não só militares mas também econômicas, no mundo todo com a invasão da Ucrânia pela Rússia e o surgimento da barbárie direitista.

A Meditação Popular Amorosa é, então, mais um ato político. Ou seria político-amoroso? Meditação se confunde com o budismo, na sua proposta de atenção, concentração e esforço. Hoje não é preciso ser budista para praticá-la. Mas para que serve? Para nos trazer a mente tranquila e o coração confiante. Isso significa que, mesmo na época do Buda Shakyamuni, que viveu na Índia no século VI, antes da era cristã, as pessoas sofriam. Ele próprio, que nasceu príncipe, era amado pelos pais, estimado pelos súditos, adorado pela jovem esposa e tinha do bom e do melhor, estava insatisfeito com a vida e buscou respostas. Largou tudo e saiu por aí. Buscou orientar-se com os sábios da época, fez ioga e praticou muita penitência. De repente se deu conta de que a insatisfação e o sofrimento fazem parte da vida, especialmente dos seres humanos que buscam a fe43


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licidade. E que tanto o sofrimento quanto a felicidade têm a ver não só com o próprio estado de espírito mas também com as condições externas. Assim nasce o budismo que perdura até os dias de hoje. Mas a meditação deixou de ser popular na medida em que as seitas foram surgindo como se fossem segredos de estado e passou a ser privilégio de iniciados ou de profissionais que viviam na reclusão. Falavam em sabedoria e compaixão, ou seja, deixou de ser amorosa. Por isso, dia desses, andei pensando: por que não levar essa amorosidade para espaços públicos e ensinar não somente a meditar, mas também a refletir sobre a nossa realidade hoje? Mas como eu poderia fazer isso, como chegar às pessoas? Buda ensinou que não basta prestar atenção, se concentrar e se disciplinar no esforço. Esse é o procedimento básico para refletir sobre a nossa visão do mundo, o pensamento sobre a vida, as nossas palavras, as nossas ações e o nosso modo de ser. Por que há tanta desigualdade no mundo, os direitos para viver livremente não são respeitados, estamos sempre insatisfeitos com o consumismo quase que compulsório? São oito as sendas para encontrar o sentido da vida e chegar à felicidade. É o Caminho Óctuplo da Bem-Aventurança.

Difícil, então? Acabei encontrando um caminho para unir a meditação à reflexão e, assim, facilitar a compreensão do que deveria sempre ser o objetivo final da meditação. A arte. Por meio da fala, da música, da poesia, os nossos artistas populares transmitem conceitos melhor do que os filósofos e os teólogos. O nosso João de Barro versou e o Pixinguinha musicou como chorinho: “meu coração, não sei por que, bate feliz quando te vê, bate feliz quando te vê, e os meus olhos ficam sorrindo... ah, se tu soubesses como sou tão carinhoso... e como é sincero o meu amor... vem, vem, vem, vem... vem para matar esta paixão... só assim então serei feliz, bem feliz”. Mas a vida não é só felicidade. Kyu Sakamoto lançou o grande sucesso mundial chamado “Olhando para o céu” que, comercialmente, foi chamado de Sukiyaki: “eu ando olhando para cima para as lágrimas não caírem, relembrando aqueles dias de primavera, mas esta noite estou só e triste; eu ando olhando para cima, contando as estrelas com os olhos cheios de lágrima, relembrando aqueles dias de verão, mas esta noite estou só e angustiado; a felicidade está além das nuvens, a felicidade está acima do céu, eu ando olhando para cima, então as lágrimas não caem, embora elas aumentem enquanto caminho; esta noite estou só, angustiado, relembrando aqueles dias de outono, mas esta noite estou só, cansado e desorientado; nesse inverno cheio de ganância e arrogância, de ódio e raiva, ignorância e mentiras, a tristeza está na sombra das estrelas, está à espreita na sombra da lua; eu ando olhando para cima, então as lágrimas não caem, então as lágrimas não caem, embora elas aumentem enquanto caminho”.

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O verdadeiro caminho do meio

as pessoas compartilhando o mundo inteiro; você pode dizer que sou um sonhador, mas eu não sou o único e espero que um dia se junte a nós e o mundo viverá como um só”.

Na Meditação Popular e Amorosa, com o exercício consciente da respiração, relaxamos o nosso corpo e a nossa mente buscando harmonizar a resiliência e o equilíbrio – o verdadeiro Caminho do Meio, com amorosidade, espontaneidade e fraternidade. Como diz Yoko Ono na música de John Lennon, “Imagine”: “Imagine que não exista paraíso, mas é fácil se você tentar, nenhum inferno sob nós e acima da gente, apenas o céu; imagine todas as pessoas vivendo o presente; imagine que não há países – não é difícil –, nada para matar ou razão para viver, nenhuma religião também; imagine todas as pessoas vivendo em paz; você pode dizer que sou um sonhador, mas eu não sou o único e espero que algum dia se junte a nós e o mundo será como um só; imagine que não existam posses sem necessidade de ganância ou fome, uma irmandade fraternal, imagine todas

Bem, se assim fosse (e por que não é?), nosso verde deixaria de ter Mariana, Fukushima e Chernobyl. Nada mais teríamos para matar, porque não mataríamos. Já pensaram que bom seria se a própria política pudesse meditar. Imaginem uma política equilibrada, amorosa e fraterna. Mas a política não é um ser humano. Pelo contrário, seres humanos a constroem. Então, qual é o Caminho do Meio na política? Ele sempre será de uma esquerda e de uma centro-esquerda feita por gente que, se não medita (estão todos convidados), tem ou teve equilíbrio suficiente para olhar para as pessoas e para a natureza, que teve em seus corações, antes de mais nada, amor. Que, de repente, assim seja e assim sejam, assim como foram o sábio Buda, o profético Dom Bosco, o Papa Francisco, que carrega a compaixão de Cristo.

Monge Sato conduz meditação em praça do DF

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c o l e t a s e l e tiva

Consciência política e cidadã

Aproveitando o tema da revista e o momento político brasileiro, as dicas do Coleta Seletiva desta edição da Pensar Verde são voltadas a análises críticas, ao despertar da consciência política, com debates que deveriam ser de interesse geral.

na decisão do voto. Sobre o momento atual, Governo Bolsonaro: retrocesso democrático e degradação política (Autêntica, 2021), de Leonardo Avritzer, Fábio Kerche e Marjorie Marona, com observações sobre o bolsonarismo enquanto movimento e forma de governo. A relação do governo com a imprensa, o uso de redes sociais e a produção de fake news de forma institucionalizada também integram as análises.

Para ler Aproveitando o tema da revista e o momento político brasileiro, as dicas do Coleta Seletiva desta edição da Pensar Verde são voltadas a análises críticas, ao despertar da consciência política, com debates que deveriam ser de interesse geral. Para começar, os livros de Alberto Carlos Almeida O voto do brasileiro (Record, 2018), um guia sobre o processo eleitoral brasileiro, as carências e desigualdades do país e o que as urnas nos reservam, e A cabeça do eleitor (Record, 2015), que revela o que há de simples e evidente 46

Em Amanhã vai ser maior: o que aconteceu com o Brasil e possíveis rotas de fuga para a crise atual (Planeta, 2019), Rosana Pinheiro-Machado fala do possível futuro pós-manifestações de 2013. O que acontecerá com o país? A autora joga luz sobre o período de crise, trazendo uma análise do cenário político e social desde as Jornadas de Junho até a eleição de Jair Bolsonaro, e aponta saídas que se delineiam no horizonte, mostrando que já estão sendo construídas possibilidades de resistir em tempos sombrios. E a última dica é Política é para todos (Companhia das Letras, 2021), de Gabriela Prioli, uma introdução acessível sobre como funciona a política e como debatê-la de forma racional e sem achismos. Por fim, o recém-lançado livro de fotos de Ricardo Stuckert, Povos originários: guerreiros do tempo (Tordesilhas, 2022). Uma dica preciosa. Nele, o leitor vai se deparar com o olhar amoroso e a habilidade técnica do fotógrafo, que capturou a beleza e a alma de dez etnias dos povos originários do Brasil em imagens grandiosas, de forte impacto. Stuckert destaca a importância daqueles que estão na linha de frente da luta pela preservação dos nossos recursos naturais.


Revista de debates da Fundação Verde Herbert Daniel

Imagens: Facebook Rita Von Hunty

Para assistir No audiovisual, as sugestões são os documentários Quem me representa, que discute representação política e voto no Brasil, disponível na TV Senado, e História das eleições no Brasil, da TV Justiça. Em O Bem-Amado, de Dias Gomes, disponível na plataforma de streaming Globoplay, Odorico Paraguaçu, infelizmente, representa boa parte dos políticos brasileiros, aqueles que fazem a política ruim, não a boa política – porque a política, por si só, não é algo ruim; pelo contrário, é boa e necessária e está presente em nosso dia a dia. O clássico da TV brasileira nos leva a pensar: queremos que o Brasil seja uma Sucupira (cidade ficcional da novela)? Para temas variados, canal Tempero Drag (www.youtube.com/c/TemperoDrag), de Rita Von Hunty, que, desde 2015, trata de temas sociais e políticos com humor e arte, uma forma divertida, mas muito séria, de “abrir a cabeça” e enxergar além.

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“É preciso estabelecer vínculos entre as lutas pelo direito à posse da terra com as lutas que buscam ecologicamente definir uma nova relação com a Terra.”

Herbert Daniel


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