“Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia.” João Guimarães Rosa (in Grande Sertão: Veredas)
ALISSON DIEGO BATISTA MORAES
1ª Edição
Belo Horizonte 2019
Ficha Técnica Parques de Minas, Olhares Gerais Autor: Alisson Diego Batista Moraes Projeto Gráfico e edição de arte: Duander Vinicius Franco Revisão textual: Gerci Rosa de Oliveira Imagens: Duander Franco André Delfino Walefy Menezes Fotografia da capa ©Nossa Minas Proponentes do projeto: Alisson Diego Duander Franco Fernando Brito Colaboradores: Instituto Estadual de Florestas - IEF 1ª Edição Belo Horizonte, 2019 Projeto financiado pela Fundação Verde Herbert Daniel - FVHD. Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação dos direitos autorais (Lei nº 9.610)
Parques de Minas, Olhares Gerais / [ilustração da editora] -- 1. ed. -- Buriti, 2019 Moraes, Alisson Diego Batista 1.Áreas Naturais - Minas Gerais (MG) 2. Áreas protegidas - Minas Gerais (MG) 3. Instituto Estadual de Florestas (IEF) - Minas Gerais (MG) 4. Parques - Minas Gerais, MG 5. Reservas florestais - Minas Gerais (MG) ISBN: 978-85-9529-029-7 Prefixo Editorial: 9529
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PARQUES DE MINAS OLHARES GERAIS
Sumário 6.
Prefácio
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A Fundação Verde Herbet Daniel
10. Introdução 15. Parque Estadual da Mata do Limoeiro 15.Limoeiro
20. Nova Baden
20. Parque Estadual de Nova Baden 25. Parque Estadual Serra do Papagaio 29. Monumento Estadual Natural Gruta Rei do Mato 32. Parque Estadual do Sumidouro 37. Parque Estadual do Ibitipoca 42. Parque Estadual do Biribiri 46. Parque Estadual do Rio Preto 52. Monumento Estadual Natural Peter Lund
25. Serra do Papagaio
29. Gruta Rei do Mato
56. Parque Estadual da Serra do Brigadeiro 60. Parque Estadual do Rio Doce 66. Parque Estadual da Lapa Grande 71. Parque Estadual da Serra do Cabral 75. Parque Estadual do Itacolomi 80. Parque Estadual da Serra do Rola-Moça 87. Epílogo 102. Anexos
32. Sumidouro
37. Ibitipoca
42. Biribiri
46. Rio Preto
52. Peter Lund
56. Serra do Brigadeiro
60. Rio Doce
66. Lapa Grande
71. Serra do Cabral
75. Itacolomi
80. Serra do Rola-Moça
106. Referências
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Prefácio
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izem que Minas são muitas, e isso se torna verdade inquestionável quando se anda pelas Unidades de Conservação (UCs) desse estado, que guarda a maior diversidade de ecossistemas do Brasil, e por consequência, abriga megadiversidade biológica que, no entanto, corre riscos. Tive e tenho a honra de estudar vespas, libélulas, borboletas, opiliões (parente das aranhas) e o diabo-do-córrego (inseto) em diferentes Unidades de Conservação, e de verdade, senti-me um naturalista do século XVIII ou XIX. Às vezes, parecia até que Guimarães Rosa estava ali do lado proseando e tomando nota sobre as florestas mistas, andando pela mata seca, pela caatinga, pelos campos rupestres, pelo cerrado, pela mata atlântica e pelos campos de altitude semelhantes à patagônia. Um mundo que não acaba mais, e tudo isso em Minas Gerais. Já andei pelo Parque Estadual do Ibitipoca e me surpreendi com os líquens e com as bromélias, mas me preocupei com o turismo. Três anos de pesquisa no Parque Estadual Serra do Papagaio, e como não se apaixonar pelas libélulas, araucárias e pelo papagaio do peito-roxo, mas me preocupei com os incêndios criminosos. O Parque Estadual do Brigadeiro é a casa dos anfíbios e lar do muriqui, o maior primata das Américas. A imensidão do Parque Estadual do Rio Doce é um tapete verde em meio a muitas lagoas. Já o rio mais bonito que já vi, está no norte do estado, no Refúgio da Vida Silvestre do Rio Pandeiros, uma das maiores áreas alagadas depois do Pantanal Mato-grossense, e berçário de peixes do “Velho Chico”. Os campos elísios da mitologia grega existem mesmo e ficam no Parque Nacional das sempre-vivas, criado para proteger as plantas da família Eriocaulaceae, conhecidas como sempre-vivas, que ironicamente, estão sempre ameaçadas pela exploração predatória, fazendo com que muitas espécies desta família estejam na lista vermelha da flora brasileira ameaçadas de extinção. E o que dizer do refúgio da vida silvestre para conservação das libélulas no município de Tiradentes? Guarda a maior diversidade do mundo desses insetos elegantes, predadores que estão na Terra muito antes dos Dinossauros, e todo ano sofre com incêndios, com falta de fiscalização e com o turismo desordenado. Beleza e risco se repetem por todas as Unidades de Conservação de Minas Gerais que vocês conhecerão nesse livro. Aqui há também depoimentos preciosos de pessoas que, de alguma forma, relacionam-se com as UCs e que nos ajudam a compreender melhor toda a complexidade em torno desses espaços naturais. Há quem poderia me perguntar: mas por que proteger tudo isso? Ora meus amigos, essas unidades protegem rios e assim nos garantem; asseguram diferentes serviços ambientais essenciais para a agricultura como polinizadores, pois sem abelhas, o cafeeiro não produz; sem predadores, as culturas sofrem com pragas e não há dispersão de sementes; permitem-nos explorar o ecoturismo, que define toda uma rede produtiva; há aquelas que permitem exploração dos recursos naturais, e assim abrigam comunidades tradicionais, quilombolas, ribeirinhos, extrativistas, pescadores e índios, enfim, abrigam nossa história e nossa gente, e garantem nossa sobrevivência.
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PARQUES DE MINAS OLHARES GERAIS
Imagino que não preciso listar mais benefícios! Ler esse livro é descobrir um pouco de uma Minas Gerais encantadora, bela, fascinante, selvagem, singela, rara e misteriosa, mas que precisa de nossa ajuda, da minha, da sua e a de todos nós, porque esse é nosso maior patrimônio. Se me perguntarem de qual das UCs eu mais gosto, a resposta seria de imediato: de todas. É impossível escolher. Cada uma delas possui suas particularidades, e na verdade, é o conjunto que as torna especiais, estabelece uma teia que interliga biodiversidade, cultura, história e gente. Por isso, é igualmente relevante lutar pela conservação de todas elas. Por tudo isso considero esta obra uma valiosa ferramenta para se discutirem as UCs, seja no âmbito ambiental, social, político, turístico ou cultural a fim de proteger essas áreas. Parabéns à iniciativa e trabalho de todos que possibilitaram a idealização desse livro. Ótima leitura a todos! Marcos Magalhães de Souza Biólogo, Mestre em etologia e Doutor em Entomologia Professor do IF Sul de Minas - Campus Inconfidentes
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À Diretoria da Fundação Verde Herbert Daniel (FVHD), Ao presidente do Partido Verde MG, Osvander Valadão, Ao presidente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, Agostinho Patrus Fiho, À Bancada do PV na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, Ao Deputado Estadual Glaycon Franco, idealizador da Frente Parlamentar em Defesa das Unidades de Conservação de Minas Gerais, Aos gerentes e funcionários vocacionados das Unidades de Conservação, Aos ambientalistas de todo o Brasil e do mundo que, bravamente, lutam pela causa mais justa: a ecologia integral, Ao Duander Franco, coautor deste trabalho, Ao Fernando Brito, colaborador de primeira hora, Ao Pedro Leão, cujo pensamento embrionário cuminou neste projeto.
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PARQUES DE MINAS OLHARES GERAIS
A Fundação Verde Herbert Daniel
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projeto “Olhares sobre os parques estaduais mineiros”, que originou o presente livro, foi financiado pela Fundação Verde Herbert Daniel. Conheça esta importante instituição, sua história, objetivos e atividades. A Fundação Verde Herbert Daniel (FVHD) é uma entidade privada, dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio, autonomia administrativa e financeira, que tem por finalidade: coordenar e executar ações, projetos e programas; promover e organizar seminários, simpósios e outros foros de debates sobre questões relacionadas aos objetivos, bem como eventos, cursos de formação e concursos. A FVHD pode constituir centro de pesquisas e estudos para o desenvolvimento e a difusão da cultura, política, ecologia e meio ambiente; colaborar com os poderes públicos e com as instituições culturais e ambientais particulares, em tudo quanto condiga com o progresso político, ambiental e cultural do país; criar centros educacionais de natureza assistencial, destinadas à formação política, ambiental e cultural de crianças, jovens e adultos. Em síntese, deverá promover a troca de conhecimento, experiências e ideias a fim de produzir políticas públicas consoantes com o ideário verde. Com o fim maior de influir no debate democrático de ideias para transformar nossa sociedade e o mundo num lugar melhor para todos os seres vivos. Criada em 25 de julho de 2007, as operações da FVHD tiveram início em fevereiro de 2008, quando o Conselho Curador deliberou que, para melhor desempenhar sua missão, apoiaria projetos, em todo o Brasil. Para garantir ampla participação e manter a harmonia entre as ações, optou-se por trabalhar por meio de editais públicos. Dentre os projetos iniciais apoiados, destaque para o Global Greens, congresso internacional dos verdes, no qual se estabeleceram as “21 metas para o século 21”I. Além da sede em Brasília, a FVHD possui uma representação no Rio de Janeiro, onde se realizam cursos de formação política e, uma representação em São Paulo, que promove intercâmbios de conhecimento, experiências e ideias. Tanto essas representações quanto os projetos aprovados fomentam a formação de quadros e a geração de políticas públicas nacionais, regionais e locais.
www.fundacaoverde.org.br
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Íntegra da declaração dos Global Greens: http://bit.ly/2qw2uxC
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Introdução
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m dos maiores escritores de todos os tempos, o universalmente mineiro, João Guimarães Rosa, disse, certa vez: “O homem nasceu para aprender, aprender tanto quanto a vida lhe permita.”I Foi exatamente isso que fizemos o tempo todo com este trabalho: aprendemos muito e constantemente. A cada unidade de conservação visitada, a cada leitura, a cada depoimento colhido – fomos, gradativamente, aumentando o nosso repertório sobre unidades de conservação e aprendendo tanto quanto a experiência vivida nos permitia. Um doce aprendizado que nos legou também um forte senso ético de responsabilidade pelo cuidado com as nossas unidades de conservação mineiras. A ideia deste trabalho surgiu no gabinete do deputado Glaycon Franco (PV/ MG), quando nos reunimos para discutir políticas públicas para o meio ambiente. Pedro Leão, assessor parlamentar, teve a ideia de incentivar a criação de uma frente parlamentar capitaneada pelo PV em defesa dos parques estaduais. Como estão os parques estaduais? Perguntei a todos os presentes, naquela oportunidade, ao que obtive o silêncio como resposta. Não sabíamos a real situação dos parques. Em busca de diagnósticos, encontramos algumas publicações turísticas, muitas páginas desatualizadas e poucas referências até mesmo no IEF (Instituto Estadual de Florestas), responsável pelos parques mineiros. Aquela reunião aconteceu poucos dias depois do lançamento do PARC Programa de Concessão em Parques Estaduais, divulgado pelo Governo de Minas em abril de 2019. Seria esse programa a solução para potencializar o ecoturismo nos parques mineiros? E como ficaria a questão da fiscalização ambiental? Como, de fato, estão os parques mineiros? Em busca dessas respostas básicas, apresentamos um projeto para a Fundação Verde Herbert Daniel (FVHD) a fim de conhecermos melhor a realidade dos parques mineiros. É imprescindível que os membros de um partido político em cujo DNA carrega a ecologia compreendam, minimamente, acerca das unidades de conservação de nosso estado. Aprovado o projeto pela FVHD, fomos conhecer, de perto, 15 unidades de conservação de Minas Gerais (o projeto inicial previa a visitação em 11 parques, mas ampliamos o escopo). Não nos propusemos a escrever sobre os parques de maneira metodológica, tampouco tecnicista. Optamos por uma escrita livre, distante de qualquer academicismo. Trabalhos acadêmicos, turísticos e jornalísticos sobre os parques já há. Por isso, nossa proposta era trazer algo novo: relatos desprendidos de ecoturistas, entusiastas da ecologia política e amantes do ambientalismo, a fim de registrar nossos olhares. Em momento algum, tivemos qualquer pretensão de esgotar este assunto que é assaz espinhoso e, ao mesmo tempo, apaixonante. É impossível não tratá-lo de forma multifocal. A multisetorialidade é, aliás, uma I
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“Relembramentos, João Guimarães Rosa, meu pai - Vilma Guimarães Rosa - Publicado por Nova Fronteira, 1983.
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das características mais claras deste projeto – lidamos com meio ambiente, economia, gestão pública, aspectos jurídicos, turismo, educação, dentre outras temáticas. O leitor pode estranhar que, em algumas unidades, há longas citações dos gerentes das UCs e, em outros, não há qualquer referência aos gestores. Isso se dá porque, em algumas unidades, conseguimos ter longas conversas com eles e, em outras, por fatores variados (incluindo o nosso curto tempo de estadia), sequer vimos o gestor. Nossa ideia não era marcar uma conversa institucional com cada um, mas deixar tanto o encontro quanto a conversa fluírem livremente, sem formalismos ou metodologias herméticas - essa forma nos pareceu bastante profícua e fez deste trabalho algo muito diferente dos manuais técnicos e bem distante dos guias de turismo. Pensamos, inicialmente, que faríamos uma espécie de diagnóstico, mas abandonamos essa ideia ao percebermos que essa é uma palavra carregada de muitos sentidos técnicos (para a medicina, diagnóstico é o processo analítico de que se vale o especialista ao exame de uma patologia ou de um quadro clínico, para se chegar a um resultado conclusivo). Não somos especialistas, portanto deixamos de lado essa nomenclatura – definitivamente, não temos qualquer pretensão diagnóstica. Em que consiste, então, o objetivo maior deste projeto? Consiste em olhares despretensiosos, mas dotados de uma inarredável consciência ecológica. O que se verá nesta publicação, por conseguinte, são relatos compartilhados de entusiastas defensores do meio ambiente e da ecologia. Pretendemos divulgar nossas unidades de conservação para o público mais variado possível. É inadmissível que os mineiros não conheçam esses tesouros tão importantes para a história, a cultura e, principalmente, para o meio ambiente de nosso estado.
As Unidades de Conservação
Placa na trilha para o Pico do Grama - Parque Estadual da Serra do Brigadeiro
Antes de adentrarmos nas visitações aos parques mineiros, é importante fazer uma contextualização sobre o sistema de proteção ambiental existente em nosso país. Em meados do ano 2000, foi instituído o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), por meio da Lei Federal n.º 9.985. Essa lei é responsável pela definição de unidade de conservação (UC) como o espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as
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águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias de proteção. Antes do surgimento do SNUC, não havia uma integração e unificação sistematizada das Unidades de Conservação de todo o país. A partir do ano 2000, com o advento da referida lei, passou-se, então, a pensar este sistema em consonância com o princípio federativo, tratando, portanto, do conjunto de unidades de conservação (UC) federais, estaduais e municipais. Nunca é de mais lembrar que a Constituição Federal de 1988 proclamou, ainda que ressalvadas muitas peculiaridades, o regime político de federação entre nós, com previsão expressa inequivocamente já no art. 1º de nossa Carta Magna, cujo caput consagra categoricamente o princípio federativoII. Desse modo, afirmar que o Brasil é uma República Federativa significa reconhecer e proclamar a autonomia dos entes formadores da Nação. Isso é extremamente significativo quando se discutem as questões ambientais porque a legislação infraconstitucional tem, cada vez mais, dividido competências e autorizado estados e municípios a legislarem e regulamentarem matérias relacionadas ao meio ambiente. Voltemos ao nosso tema (lembrando que as digressões são permitidas por aqui porque, como dissemos desde a introdução, não temos compromisso com o formalismo). A concepção do SNUC deu-se no sentido de fomentar as Unidades de Conservação, integrando-as e garantindo, assim, que amostras significativas e ecologicamente viáveis das diferentes populações, habitats e ecossistemas estejam adequadamente representadas no território nacional e nas águas jurisdicionais. Como dito, os três entes federativos (União, estados e municípios) possuem papel fundamental para a gestão do SNUC. Além disso, a visão estratégica que o SNUC oferece aos tomadores de decisão possibilita que as Unidades de Conservação não se limitem apenas à conservação dos ecossistemas e da biodiversidade, como também sejam capazes de gerar emprego e renda, fortalecendo e diversificando, assim, a nossa economia. Em conformidade com o capítulo 3 da lei 9985/2000, existem 12 espécies de unidades de conservação organizadas em dois grupos: 1. As denominadas “Unidades de Proteção Integral” – estão previstas do artigo 8º ao 13 e possuem a precípua finalidade de preservar a natureza e não podem ser habitadas pelo homem. Admite-se, entretanto, em condições rigorosamente previstas pela legislação, o uso indireto de seus recursos naturais (com finalidade de pesquisa científica ou ecoturismo, por exemplo). Pertencem a esse grupo as seguintes categorias: a) b) c) d) e)
Estação Ecológica Reserva Biológica Parque Nacional Refúgio de Vida Silvestre Monumento Natural
2. As Unidades de Uso Sustentável estão elencadas dos artigos 14 ao 21 da mencionada lei e são responsáveis por harmonizar a conservação da natureza II “Art. 1º – A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...).”
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com o uso sustentável de parte dos recursos naturais. Este grupo é constituído pelas categorias a seguir: a) b) c) d) e) f) g)
Área de Proteção Ambiental Área de Relevante Interesse Ecológico Floresta Nacional Reserva Extrativista Reserva de Fauna Reserva de Desenvolvimento Sustentável Reserva Particular do Patrimônio Natural
Dentre as 12 categorias de unidades de conservação previstas na legislação supracitada, visitamos duas delas: parques e monumentos naturais. Já nas unidades de uso sustentável, permite-se a exploração dos recursos de forma controlada. A área é protegida e autoriza-se a ocupação humana. Dentre elas destacam-se as APAs (áreas de preservação ambientais) e RESEX (reservas extrativistas), dentre outras. Com previsão expressa no artigo 12 da Lei 9.985/2000, os monumentos naturais objetivam preservar a integridade de um elemento natural único, de extrema raridade ou beleza cênica, como, por exemplo, cavernas, cachoeiras e cânions. Esta categoria pode ser constituída de áreas particulares se houver compatibilidade entre o objetivo de conservação da unidade e a utilização da terra e dos recursos naturais do local pelos proprietários. Atualmente, existem no país pouco mais de 40 monumentos naturais, nas três esferas de governo: federal, estadual e municipal, segundo dados do Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC). Os parques, por sua vez, consistem na mais tradicional categoria de unidade de conservação, com o precípuo objetivo de preservar os ecossistemas que possuem expressiva contribuição para o meio ambiente. Sua previsão encontra-se no artigo 11 da Lei 9.985/2000. Nessa espécie de unidade de conservação, autoriza-se apenas a realização de atividades educacionais e de perspectiva ambiental, turismo ecológico e recreação, onde se privilegia o contato com a natureza. Toda a estruturação da visitação pública é definida por meio de um Plano de Manejo. Principais objetivos do SNUC: - contribuir para a conservação da variedade de espécies biológicas e dos recursos genéticos no território nacional e nas águas jurisdicionais; - proteger as espécies ameaçadas de extinção, as paisagens naturais e pouco alteradas de notável beleza cênica e as características relevantes de natureza geológica, morfológica, geomorfológica, espeleológica, arqueológica, paleontológica e cultural - promover a educação e a interpretação ambiental, o desenvolvimento sustentável a partir dos recursos naturais e a utilização dos princípios e práticas de conservação da natureza no processo de desenvolvimento; - proteger ou restaurar ecossistemas degradados; - proporcionar meios e incentivos para atividades de pesquisa científica, estudos e monitoramento ambiental;
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- valorizar econômica e socialmente a diversidade biológica; - favorecer condições e promover a educação e a interpretação ambiental, a recreação em contato com a natureza e o turismo ecológico; - proteger os recursos naturais necessários à subsistência de populações tradicionais, respeitar e valorizar seu conhecimento e sua cultura, promovendo-as social e economicamente. Passaremos, no próximo capítulo, para o objetivo em si mesmo deste projeto, isto é, os nossos relatos propriamente ditos sobre as unidades de conservação.
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Parque Estadual da Mata do Limoeiro
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xplanados os objetivos deste projeto, iniciamos a nossa jornada empírica pelas várias regiões do estado. Aqui, seguiremos a ordem cronológica, ou seja, apresentaremos exatamente, na mesma ordem de visitação, os relatos e percepções sobre cada uma das Unidades de Conservação examinadas. Dessa forma, à medida que avançarmos nas vivências, de unidade em unidade de conservação, nossos olhares também serão transformados. Assim, cada capítulo pode ser lido de modo separado, mas enfatiza-se que não é o ideal, já que a cronologia pressupõe um amadurecimento gradual dos relatos. Começamos a entusiasmada expedição pelas unidades de conservação de Minas Gerais por Ipoema, distrito do município de Itabira, terra do poeta maior, Carlos Drummond de Andrade. Uma jornada intensa que durou seis meses, milhares de quilômetros percorridos, muitas estradas de terra, asfalto, BRs e MGs e abundantes experiências adquiridas. Muito do que vivenciamos, compartilharemos aqui com você, leitor. Obviamente, não será possível abrangermos tudo o que nossos olhares captaram, de modo que aqui estará a síntese da síntese, sem o compromisso formal academicista, como mencionamos anteriormente, mas com o nosso próprio julgamento do que consideramos, de fato, essencial que conste num documento final de um projeto empreendido por uma fundação que defende, por princípio basilar, a ecologia como instrumento indispensável de atuação política acessível a todos.
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Impossível não mencionar que, neste início de descobertas, as expectativas eram excessivas e estávamos, os três, muito ávidos por conhecer, de perto, como estariam, as riquezas naturais que, supostamente, guardariam os parques mineiros e como os nossos olhares poderiam contribuir para o aperfeiçoamento das unidades de conservação estaduais. Embora fôssemos ecoturistas com alguma vivência em várias unidades de conservação, era necessário aguçar os sentidos a fim de desenvolvermos um trabalho à altura desta temática para correspondermos às nossas próprias expectativas e também às da Fundação Verde Herbert Daniel (FVHD). Por qual razão escolhemos o Limoeiro? Várias foram as motivações. Começamos por esta UC, principalmente, por ser um dos mais jovens parques criados no estado. Queríamos, por outro lado, conhecer uma UC nunca visitada por nós. Outro fator determinante foi a proximidade com Belo Horizonte Vista da Mata Atlântica durante a trilha (nosso ponto de partida de quase todas as viagens). Esse Parque, que possui 2.056 hectares, está localizado na Serra do Espinhaço, próximo ao Parque Nacional da Serra do Cipó e foi criado pelo Decreto 45.566, de 22 de março de 2011. O Parque nos surpreendeu. Importante dizer isso, já no início, porque há uma premissa que todos carregamos quase que automaticamente quando lidamos com gestão pública no Brasil: via de regra, há uma carência absurda de infraestrutura e dezenas de necessidades. Não se pode dizer que o Limoeiro não as tenha, pois a gestão desta UC conseguiu superar as dificuldades comuns a quase todas as unidades, dotando-a de um zelo elogiável.
Cachoeira no Parque
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PARQUES DE MINAS OLHARES GERAIS
Cachoeira no Parque
A gestão desta UC conseguiu superar as dificuldades comuns à quase todas as unidades, dotando-a de um zelo elogiável.
Decidimos percorrer todas as trilhas em um único dia. Conhecemos todos os atrativos identificados no Parque (citados na ficha técnica acima) e o fizemos sem grande esforço. Era sábado, mas o local não estava cheio e conseguimos fazer fotos e observações com a tranquilidade que este tipo de empreendimento requer. A sinalização e a manutenção das trilhas são excelentes: limpas, acessíveis e muito bem orientadas – de acordo com o que dispõe o livro Sinalização de Trilhas, de Pedro de Castro da Cunha e Menezes, diplomata, especialista em Unidades de Conservação urbanas e ex-diretor de Criação e Manejo de Unidades de Conservação do ICMBio. Recomendamos, pois, aos gestores das unidades de conservação de Minas Gerais que leiam atentamente ao livro de Menezes (citada nas referências bibliográficas ao final desta publicação). Trata-se de um guia prático, como descreve o próprio título. Nele, Pedro relata, com fartas ilustrações e exemplos, as espécies de sinalização de trilhas e suas aplicabilidades. Vale-se de sua experiência como gestor, conhecedor do assunto e, sobretudo, sua vivência pelos parques de todo o planeta. Ao conversarmos com alguns gestores, notamos que não conheciam a publicação, que é uma referência importante nesta temática. Lembramos que o livro está disponível para download no site do Wikiparques. Há também um Manual de Sinalização de Trilhas Prático, publicado em 2018 e disponível para download no próprio site do ICMBio quando a Coordenação Geral de Uso Público e Negócios (CGEUP) estava a cargo do próprio Pedro de Castro da Cunha e Menezes. Feita a digressão, voltemos ao Limoeiro. Além de borboletas azuis (que dizem ser a marca registrada inconfundível das trilhas de lá), belas árvores e aves várias. No caminho de volta das três trilhas, à tardinha, fomos surpreendidos por uma bela jararaca atravessada no meio da trilha. Esperamos, calmamente, o réptil fazer a sua travessia sem pressa e seguimos caminho. Quase chegando à sede do parque, já no início da noite, um barulho na moita e um encontro inesperado: era um tatu canastra de dimensões respeitáveis que, ao nos ver, fugiu desajeitadamente, pela mata afora. Ponto muito positivo também neste parque é a trilha dos sentidos, uma atração bastante interessante que proporciona uma experiência instigante aos que se aventuram explorá-la, às cegas. É um caminho natural, desconhecido, capaz de aguçar os sentidos, sobretudo daqueles que não possuem tanta vivência com a natureza. Nos parques que visitamos, apenas o P.E. do Brigadeiro e o P.E. do Itacolomi
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Placa no início da Trilha dos Sentidos
oferecem atrativos similares (criados posteriormente e, pelo que percebemos, um não sabia da existência dos outros). A trilha é um atrativo importante para estudantes e uma espécie de entronização no mundo da natureza. Ao fim de dois dias em Ipoema, fomos ao encontro do gerente do Parque Estadual da Mata Limoeiro, Alex Amaral, que nos recebeu para uma conversa sem preocupações temporais. Apresentou-nos toda a estrutura que possui a sede do parque, uma antiga escola rural da Prefeitura de Itabira. As adaptações foram bem feitas e o prédio está em bom estado de conservação. Falamos sobre todos os assuntos e a principal angústia do gestor referese à regularização fundiária da UC – o que, descobriríamos posteriormente, ser uma preocupação comum à imensa maioria das unidades de conservação de nosso estado. Numa pequena exposição, localizada na parte superior da sede, são demonstradas a vida natural, os impactos da poluição e a necessidade da conscientização ambiental. Algo importante e que cumpre adequadamente a função de se trabalhar a educação ambiental – deficiência percebida em muitas outras unidades de conservação.
Gruta do Limoeiro
A propósito, vale um atento olhar a respeito da relação desta Unidade de Conservação com a comunidade. Conversamos com muitos moradores de Ipoema, dentre eles, empresários, trabalhadores de diversos segmentos, incluindo o turismo, agricultores e artesãos. Todos foram unânimes em reconhecer os esforços da atual gestão do parque no sentido de incrementar o ecoturismo, fomentando o comércio local, sem deixar de lado a preservação e a conservação – razão maior da existência d toda unidade de conservação. Neste sentido, merece destaque o projeto “Ecofolia”, vencedor do Prêmio Hugo Werneck em 2016, na categoria “Melhor Projeto em Educação Ambiental. As atividades acontecem anualmente durante o período de carnaval e contam com a participação de estudantes universitários que realizam diversas ações educativas na sede do Parque e em comunidades do entorno. A comunidade é, de fato, mobilizada juntamente com o poder público e pesquisadores – o que fortalece os vínculos entre UC e comunidade, além de cumprir exemplarmente o papel de educação e conscientização ambiental. A cada ano, temáticas específicas são trabalhadas, por meio de palestras, oficinas; rodas de conversa, plantio de mudas, dentre outras atividades.
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Nesta toada, outra ação, reconhecida pelo êxito alcançado, é a “Volta da Mata do Limoeiro”, evento que se encontra em sua quinta edição, aliando prática esportiva e educação ambiental. Em 2019, foram quase 200 participantes percorrendo 8,5 quilômetros pelo interior da mata, com obstáculos naturais, como córregos, pontes e pinguelas. Além da prova, acontecem plantios de mudas nativas e atividades nas salas temáticas na sede do Parque. Uma constatação: desconhecemos outra UC que possua tantos projetos exitosos de envolvimento comunitário como o Parque Estadual da Mata do Limoeiro. É entusiasmante! Quando da visita a esta UC, faltavam apenas alguns dias para uma festa rave conhecidíssima na região e que acontece todos os anos no mês de junho nos arredores da Cachoeira Alta. Segundo relatos, milhares de pessoas se aglomeram às margens da cachoeira, um dos principais atrativos turísticos de Ipoema, e que se localiza na zona de amortecimento do Parque Estadual. Apesar de levar a “sustentabilidade” no nome, ouvimos vários questionamentos de pessoas preocupadas com os impactos deste evento para a região. Notamos que falta um estudo bem elaborado acerca de eventuais impactos ambientais que tal festividade ocasiona. Um biólogo relatou-nos sobre uma ave rara que choca nos arredores da cachoeira, justamente no período da festa. O evento fatalmente prejudicaria a reprodução da espécie. Perguntamos: não seria o caso de se pensar numa desapropriação da área onde se encontra a cachoeira? Tal ação, ao nosso olhar, poderia potencializar o ecoturismo, ampliando os atrativos do parque, gerar mais renda para a UC e preservar melhor o local. Como já foi dito, dentre os principais desafios desta unidade de conservação, destacase a regularização fundiária (o que gera insegurança jurídica para todos os envolvidos neste processo: gestão do parque, colaboradores, vizinhos e proprietários desapropriados). Por fim, pode-se afirmar, inequivocamente, que o Parque Estadual da Mata do Limoeiro consegue superar as suas dificuldades com originalidade, inovação, criatividade, gestão competente, funcionários motivados e empenhados e interação com a comunidade local – o que tem gerado bons resultados e retorno para a comunidade mineira, cumprindo o que evidentemente se espera de uma unidade de conservação eficiente.
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Parque Estadual de Nova Baden
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osso segundo destino foi uma unidade de conservação que possui uma história respeitável e preserva não apenas as matas, mas também a memória de Minas Gerais. O Parque Estadual de Nova Baden, localizado em Lambari, na conhecida região turística do Circuito das Águas, no sul do estado numa porção do relevo brasileiro conhecido como Planalto Atlântico na Serra da Mantiqueira.
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PARQUES DE MINAS OLHARES GERAIS
Na primeira metade da década de 70, foi criada a Reserva Biológica de Nova Baden. Duas décadas mais tarde, foi criado oficialmente o Parque Estadual, mais precisamente em 27 de setembro de 1994, por meio do Decreto nº 36.069, com uma área de 214,47 hectares. O parque é rico em recursos hídricos e conta com várias nascentes no interior da mata. Protege inestimáveis exemplares da fauna e da flora da Mata Atlântica. O jequitibá, o cedro, a peroba, o palmito, o jacarandá, o pinheiro brasileiro e o cedro são destaques da flora do Parque. Já a fauna, conta com diversas espécies de anfíbios, mamíferos e aves. Destaque ainda para os primatas barbado, sauá, mico e macaco-prego, além da jaguatirica, quatis, tatu e tamanduá-mirim. Visitamos rigorosamente todos os atrativos elencados pela própria unidade, quais sejam: o belo casarão, antiga sede da fazenda de Werneck, a antiga estação ferroviária (inaugurada em 1901 e o prédio atual construído em 1905), além das três trilhas atualmente abertas para visitação: Sete Quedas, Palmitos e Trilha dos Troncos. Todas com facilidade de acesso e baixo grau de dificuldade, o que configura o parque como atração ideal para famílias e até mesmo crianças. Lamentavelmente, vimos pouquíssimos visitantes durante os dois dias que por ali passamos.
É impossível falar desta unidade de conservação sem mencionar o visionário engenheiro, jornalista, escritor e político fluminense (e mineiro por adoção) Américo Werneck, por isso abrimos uma seção ao fim deste capítulo para relatar brevemente esta história.
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As trilhas se encontram muito bem cuidadas, limpas e com manutenção adequada. São belas trilhas, registre-se – caminhos arejados, cercados de atrativos, seguros e com sinalização satisfatória. Apesar de se tratar de mata secundária, há muitas árvores de porte vigoroso. O casarão dos Werneck tornou-se hoje um belíssimo centro de visitantes, recheado de informações sobre a história do parque e seu bioma, com excelente infraestrutura e peculiar beleza. Aqui, vale um destaque muito importante: descobrimos que o espaço foi completamente remodelado em 2016 com recursos oriundos da Cooperação Financeira entre os governos do Brasil e da Alemanha, por meio do Projeto de Proteção da Mata Atlântica, o popular Promata II. Em vários parques notamos um saudosismo grande em relação a programas como o “Promata”, que disponibilizou recursos significativos para ações de proteção de um dos mais importantes biomas do Brasil. Alguns gerentes nos disseram categoricamente: “Podia tanto voltar o Promata!” Além do investimento em unidades de conservação, o projeto ainda possuía trabalhos na área de prevenção e combate a incêndios florestais e de conservação florestal. O estado não pode prescindir de políticas públicas e parcerias desse tipo. Assim como no parque anterior, fomos muito bem recebidos pela gerente desta UC, a simpática e dedicada Evânia Marques. Conversamos por mais de duas horas sobre os desafios da gestão, a história da unidade e suas idiossincrasias. Assim como o patrono do Parque, Evânia escolheu a região de Lambari para viver. Por isso, cuidar do parque não se trata apenas de um trabalho, mas de uma opção de vida para ela. Melhorar a UC é melhorar a sua terra, a sua vizinhança, seu próprio “ecossistema”. Notamos que este sentimento de pertencimento à comunidade tem sido um fator muito importante e capaz de trazer comprometimento diferenciado. A gerência, entretanto, está engessada diante de contingenciamentos
São belas trilhas,
arejadas, cercadas de atrativos, seguras e com sinalização satisfatória.
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orçamentários, situação comum a todos os gestores. A diminuição de funcionários tem sido angustiante. Não há outra definição que não uma legítima angústia. Durante nossas visitas exploratórias, vários gerentes nos pediram que interviéssemos junto aos poderes constituídos a fim de minimizar os cortes. São anos de cortes sistemáticos que não levam em consideração as especificidades de cada unidade de conservação. Cortes que foram, devemos sublinhar, consideravelmente aprofundados neste ano de 2019. Em Nova Baden, uma das decisões da gerência seria: demitir o único monitor ambiental ou o único vigia noturno. Uma decisão que invariavelmente traria consequências malfazejas para o minimamente apropriado funcionamento do parque. Outro problema grave, percebido por nós, após muitas conversas com funcionários e com a própria comunidade de Lambari, diz respeito à falta de uma estratégia de marketing. O que deve ser dito, não cabe à gerência da unidade, que possui diversos afazeres e pouquíssimo tempo hábil, além de inexistir profissional com formação específica para se dedicar a este quesito. O próprio IEF, sabemos bem, não dispõe de funcionários suficientes para se dedicar a esta finalidade. A solução? Quem sabe treinar os próprios funcionários ou contratar estagiários? Em conversas com turistas e até mesmo com moradores de Lambari, comprovamos que várias pessoas não conheciam e sequer haviam ouvido falar do parque. Isso nos assustou. Um morador de Lambari, que encontramos na praça central da cidade, chegou a nos dizer: _ Mas acho que este parque está fechado, não está? Apesar de ser um dos menores parques estaduais de Minas Gerais, a verdade é que o Parque Estadual de Nova Baden possui uma infraestrutura diferenciada e, aliada à sua localização altamente privilegiada, faz com que o seu potencial turístico seja inestimável. Não é preciso ser grande expert para notar que a unidade está perceptivelmente aquém de seu real potencial.
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Américo Werneck
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erneck nasceu em 1855 no Rio de Janeiro, então província imperial, e lá cursou a Escola Politécnica formando-se em 1877. Poucos anos mais tarde, o jovem engenheiro muda-se para a região sul de Minas Gerais, onde sua família possuía propriedades, envolvendo-se fortemente com o movimento republicano; tendo, inclusive, sido editor do periódico Gazeta Sul-Mineira, um jornal assumidamente abolicionista e republicano. Tempos depois, volta para o Rio e elege-se, em 1892, deputado estadual, integrando a Comissão de Obras Públicas. Seis anos mais tarde, regressa a Minas e é nomeado secretário de Agricultura e Obras Públicas do estado, no governo de Silviano Brandão e o segundo prefeito da jovem capital mineira, Belo Horizonte (durante pouco mais de um mês em setembro 1898). Em 1902, elege-se novamente deputado estadual pelo estado do Rio de Janeiro e, em 1906, deputado federal. Em 1909, é nomeado Prefeito de Águas Virtuosas do Lambari, Presidente da Comissão de Melhoramentos e Superintendente das obras fundadoras da cidade (Cassino, Lago, Parque Novo, Parque das Águas, Farol, etc). Desde 1889, Werneck possuía uma propriedade na região, a Fazenda dos Pinheiros (atual parque Nova Baden). A antiga fazenda passa a se chamar Nova Baden por inspiração de seu dono, uma vez que Américo Werneck, de ascendência alemã, via semelhanças entre a mata atlântica de Lambari e as suas peculiares estâncias hidrominerais e as florestas de Baden Baden, seus banhos termais e spas no estado de Baden-Württemberg no sudoeste do país germânico. Entre as suas publicações, destacam-se os romances Morena (1893), Graciema (1898) e Judith (1912), além de diversos estudos políticos e econômicos.
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Parque Estadual da Serra do Papagaio
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icamos um tanto quanto confusos quando nos debruçamos sobre o planejamento da viagem para o nosso terceiro destino. Isso porque, diferentemente dos dois anteriores, tratava-se de um parque de dimensões bem maiores. São quase 23 mil hectares que abrangem cinco municípios da região sudoeste de Minas Gerais: Aiuruoca, Alagoa, Baependi, Itamonte e Pouso Alto. Para se ter uma ideia, o Parque Estadual da Mata do Limoeiro corresponde a maios ou menos 10% da área do Papagaio e o Nova Baden, cerca de 1%. De antemão, vale dizer que o Parque Estadual da Serra do Papagaio (PESP), criado pelo decreto n° 39.793, de 5 de agosto de 1998 (ante isso, a FEAM havia criado a Estação Ecológica do Papagaio em 1990), integra o corredor da APA Serra da Mantiqueira, sendo considerado muito relevante para a conservação da fauna e da flora de Minas Gerais. Abriga uma relevante área remanescente de Mata Atlântica e faz divisa com o Parque Nacional do Itatiaia e com cerca de 14 Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs). Esta UC possui formações mistas de campos, matas e áreas de enclave com matas de araucária e preserva ainda importantes nascentes dos rios da bacia do Rio Grande, que é o principal responsável pelo abastecimento de grandes centros urbanos da região sul de Minas Gerais. Iríamos nos hospedar no Chalé das Araucárias, localizado na cidade de Itamonte, no Vale das Araucárias, em uma das sedes do Parque, mas alguns contratempos nos impediram. Decidimos então nos hospedar na pequena, histórica e simpática cidade de Aiuruoca (palavra de origem Tupi que significa “Casa de Papagaio” – denotando a importância desta serra para a cultura e a história locais), principalmente porque o atrativo escolhido para ser visitado (dentre as dezenas listadas) foi o pico da serra que nomina o parque estadual. Nossa missão seria subir para conhecer de perto o Pico do Papagaio e os caminhos que levam até ele.
Vista lateral do Pico do Papagaio
Vista para o mar de serras mineiras na trilha
Vista do ponto mais alto do Pico do Papagaio
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Graças ao Aiuruoca Convention & Visitours Bureau (que havia sido inaugurado há poucos dias), à secretaria municipal de Cultura de Aiuruoca e à gerência do Parque Estadual de Nova Baden, conseguimos localizar um guia local que levaria um grupo de turistas de São Paulo para conhecer o Pico. Juntamo-nos aos paulistas e rumamos ao célebre cimo. Não por acaso o cume com o nome do passeriforme é o símbolo maior da cidade de Aiuruoca. Já da rodovia BR-267 se pode avistar o imponente Pico do Papagaio, que pode ser visto praticamente de todos os ângulos da urbe (e algumas regiões fora dela). Os geólogos definem-no como uma terminação de um esporão do maciço do Itatiaia. Fomos muito afortunados porque o guia, Pedro Guatimosin, um aiuruocano de raiz, havia trabalhado como “guarda-parque” em unidades de conservação, sendo um conhecedor pleno de Aiuruoca e região. Pedro foi uma das vítimas dos recentes cortes de funcionários por parte do Governo Estadual. Decidiu, então, empreender e criou a Horizonte Vertical, um hostel/abrigo de montanha localizado na região do Vale dos Garcias, próximo a várias cachoeiras, bem no início de uma das trilhas que leva ao Pico do Papagaio. Pedro, atualmente, alia o hostel à sua atividade de guia de montanhismo. Deixamos o carro justamente no abrigo dele e de lá seguimos a pé por cerca de 9 quilômetros até o nosso destino. A trilha de acesso ao célebre Pico do Papagaio é razoavelmente difícil e longa (gastamos cerca de 7 horas – ida e volta – parando, observando e fazendo fotos). Encontramos notas em sites especializados em hikings e trekkings que a avaliam como de média ou alta dificuldade. É praticamente impossível subir ao cume sem um guia que tenha noções mínimas de montanhismo e conheça satisfatoriamente o caminho. A trilha é escorregadia em muitos trechos, com vários pontos bastante íngremes, além de galhos pelo caminho, pedras e degraus altos; a sinalização é muito precária e, por
Vista do Pico do Papagaio durante a trilha
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Trecho da trilha onde se atravessa a Mata Atlântica
tudo isso, em períodos chuvosos, o passeio deve ser evitado por prudência. Já que as digressões são permitidas e até bem vindas neste livro, conforme se deixou claro já nas notas introdutórias, recordemos um acidente recente na mesma Serra da Mantiqueira, que custou a vida do montanhista francês Eric Gilbert Welterlín, de 53 anos, um experiente competidor de trail run que acumulava participações em corridas de montanhas em diversos países. Welterlín morreu de hipotermia, em abril de 2018, quando tentava alcançar o Pico dos Marins, de 2.420 metros de altitude, numa trilha que divide os estados de Minas Gerais e São Paulo. O montanhista se perdeu, percorreu mais de 10 quilômetros e foi encontrado morto 19 dias depois, mesmo contanto com o auxílio de helicóptero, drones e o empenho de mais de 100 pessoas nas buscas. Pois bem, voltemos à nossa incursão pelo Papagaio. Durante a trilha em direção ao famoso Pico, encontramos centenas de pessoas subindo e descendo o cume, além de dezenas de pessoas acampadas ao longo do percurso. Chamou-nos a atenção o intenso tráfego de turistas. Como a entrada ao parque não é regulamentada (existe apenas um registro online que pode ser feito no site do IEF – de todas as pessoas que encontramos fazendo a trilha e tivemos a oportunidade de conversar, nenhuma havia feito este registro), a visitação é gratuita e existem várias entradas, não se pode precisar o número de visitantes. Contamos, por alto, mais de duas centenas de pessoas naquele sábado. Registre-se que era um sábado de feriado prolongado, o que, sem sombra de dúvidas, aumentou o número de visitantes. Importante lembrar que o Parque está localizado a cerca de 476 km de Belo Horizonte, 307 km de São Paulo e 273 km do Rio de Janeiro. A exemplo das duas outras unidades de conservação visitadas, o PESP é ainda mais perceptivelmente fragilizado diante de seu tamanho e a falta de técnicos, financiamento, além de costumeiros conflitos entre comunidades locais, governos e produtores rurais. Ouvimos relatos de que as caçadas ainda são comuns na região e os incêndios acontecem com alguma regularidade. É praticamente impossível realizar um trabalho eficaz de fiscalização e educação ambiental numa área tão grande com menos de 20 funcionários. Apesar disso, os funcionários dedicam-se, desdobram-se e evitam males maiores. Gostaríamos de conhecer outros atrativos, mas não haveria tempo hábil. Registramos os mais comentados pelos moradores da região, além do Pico: Cachoeira
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dos Garcias, Pico do Bandeira (não deve ser confundido com o Pico da Bandeira no Parque Nacional do Caparaó), Reserva Ambiental do Matutu, Cachoeira Deus-MeLivre, Cachoeira do Fundo, Cachoeira do Vertedouro, Poço Joaquim Bernardo, Cânion do Papagaio, Poço dos Sonhos e Cânion do Cavalo Baio. No alto do Pico, uma visão deslumbrante de um mirante natural formosíssimo. Em 360 graus se podem observar cidades, estradas, os mares de morros, a serra da Mantiqueira, outros picos famosos e as nuvens. Para nossa infelicidade, havia muito lixo deixado ali no cume. Ajudamos os guias no recolhimento dos restos deixados pelos incautos frequentadores que nos antecederam e, uma vez mais, nos questionamos sobre a falta de monitoramento. Uma certeza: a visitação precisa acontecer de forma manejada, não se pode prescindir de ações contínuas de educação ambiental e o controle precisa se dar de forma mais efetiva para coibir, principalmente, o mau uso, caçadas e incêndios. São conclusões axiomáticas a que chegamos após nossa vivência nesta UC. Diante dos desafios apresentados e das dimensões territoriais deste parque, colocamo-nos a pensar também sobre algo que, para alguns, ainda é considerado um grande tabu: as concessões das unidades de conservação estaduais. Essa é uma questão que tem sido objeto de debates há muitos anos, que não teve, até o presente momento, uma decisão terminativa por parte do governo estadual. Optamos por dedicar um capítulo exclusivo a esse assunto, até porque há agora um claro direcionamento destas concessões e isso merece nossa atenção. Adiantamos, todavia, que não possuímos dogmas acerca da concessão ou não das unidades de conservação mineiras. A questão não reside apenas sobre quem fará a gestão da unidade, mas sim sobre quais valores estão envolvidos. Qual a relação da sociedade mineira com o meio ambiente, qual o papel do estado como condutor das políticas ambientais e como harmonizar interesses, aparentemente, tão conflitantes como lucro e preservação ambiental? Tal matéria não poderia ficar de fora de nossos olhares que, como dissemos desde o início, não são meramente tecnicizados, mas, sobretudo, visões cidadãs acerca da relação entre poder público, ecologia, unidades de conservação e sociedade. Mais à frente, nos encontraremos especificamente para tratar desta temática. Por enquanto, após a visita a três parque mineiros, experiências adquiridas e vivências acumuladas, podemos dizer que temos aprendido a olhar com mais acurácia a situação das unidades de conservação de nosso estado.
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Monumento Natural Gruta Rei do Mato
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urante o andamento deste projeto, conversamos, por várias vezes, com servidores públicos do IEF que foram extremamente simpáticos e atenciosos, devemos ressaltar. Em uma dessas conversas com a Cristiane Fróes, da Gerência de Implantação e Manejo de Unidades de Conservação - GIMUC, fomos aconselhados a inserir em nosso cronograma a célebre Rota Lund (programa turístico criado pelo governo estadual há alguns anos), um dos principais destinos turísticos de Minas Gerais, recebendo mais turistas que a grande maioria dos parques estaduais (veja, nos anexos, a planilha com o número de visitantes por UC em Minas Gerais). São sete os marcos da Rota Lund, que possui este nome em homenagem ao pesquisador dinamarquês Peter Lund, considerado o pai da paleontologia nacional: o Museu de Ciências Naturais da PUC Minas (Belo Horizonte), o túmulo de Peter Lund (Lagoa Santa), o Centro de Arqueologia Annette Laming Emperaire (Lagoa Santa), o Museu Peter Lund (Lagoa Santa), o Receptivo Gruta Rei do Mato (Sete Lagoas), o Museu da Gruta do Maquiné (Cordisburgo) e o Museu Casa Guimarães Rosa (Cordisburgo). Estão ainda inseridos nesta área três unidades de conservação, quais sejam: o Parque Estadual do Sumidouro, situado entre os municípios de Lagoa Santa e Pedro Leopoldo; o Monumento Natural Estadual Gruta Rei do Mato em Sete Lagoas e o Monumento Natural Estadual Peter Lund em Cordisburgo. Começamos a Rota pela Gruta Rei do Mato, que fica em Sete Lagoas (situada no denominado Carste de Lagoa Santa - formação geológica e geomorfológica com rochas sedimentares como calcário e dolomito), a cerca de 70 quilômetros da capital mineira. A Gruta tornou-se Unidade de Conservação Estadual de Proteção Integral por meio da Lei Estadual n° 18.348, de agosto de 2009 e está inserta em uma área de 141 hectares no bioma Cerrado. Fomos recepcionados com amabilidade e profissionalismo pela Marilza, uma
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funcionária terceirizada que possui uma perceptível e contagiante paixão pelo que faz: cuidar da gruta e mostrá-la aos visitantes. Marilza é uma regra. Constatamos que a imensa maioria dos funcionários da MGS que se submeteram a processos seletivos para trabalhar nas Unidades de Conservação são, geralmente, apaixonados e vocacionados pelo que fazem. Encontramos, todavia, as exceções também, gente sem qualquer vocação para trabalhar nesses lugares. Esse é um problema facilmente identificado e relatado por vários gerentes com quem conversamos: como lidar com funcionários sem qualquer vocação e até mesmo desidiosos? A legislação prevê possibilidades de encerramento do contrato, mas o que se percebe, na prática, é que há burocracias em demasia e dificuldades para encerramento de vínculo. Sobre a gruta, a beleza cênica é impressionante. Ao longo do percurso de 220 metros de extensão, com desnível de 30 metros, apreciam-se as belas formações de estalactites e estalagmite raras, que chamam a atenção de geólogos e turistas de todas as partes do Brasil e até mesmo do mundo. Quando criança, todos os que moramos na região metropolitana de Belo Horizonte excursionamos pela Rei do Mato, principalmente pela proximidade com a capital. Mas a gruta, hoje em dia, é bem diferente, até mesmo quando comparada a um passado recente. Uma das razões o novo sistema de iluminação, inaugurado em 2018. Sobre o nome bastante peculiar do local, Marilza nos lembra que se refere a um forasteiro (alguns dizem que era um fugitivo da Revolução de 1930), que chegou na região nos anos 30, passou a morar na cercania e dali mesmo, da Mata Seca, retirava o seu sustento. Conta a lenda que ele teria desaparecido sem qualquer vestígio. Teria ido morar no centro da Terra, especulam os mais antigos. O novo projeto de iluminação substituiu as antigas lâmpadas coloridas por modernos refletores de led e luz branca, garantindo melhor observação e segurança ao turista e adequada conservação das cavidades naturais (a antiga iluminação propiciava a proliferação de fungos), além de economia e eficiência energética.
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A infraestrutura da Gruta Rei do Mato está em bom estado: satisfatória área de estacionamento (quando visitamos havia ali três ônibus, levando alunos de escolas públicas), contando com um bom auditório (em nossa visita, estava acontecendo ali um encontro regional de escoteiros com algumas dezenas de participantes), um centro de visitantes bastante didático, embora pequeno e uma espécie de playground desativado. Assim como em outras unidades de conservação, o Monumento Natural Estadual Gruta Rei do Mato sofre com incêndios criminosos. Ao passar pela BR-040, ainda hoje se podem observar os vestígios do último incêndio. Destaque também para a Grutinha, que fica ao lado da Rei do Mato, e guarda pinturas rupestres, feitas com sangue e gordura vegetal, com datação de cerca de seis mil anos.
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Parque Estadual do Sumidouro
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ste, definitivamente, não é um Parque Estadual comum. Dentre as 93 unidades de conservação existentes atualmente em nosso estado e os 42 parques estaduais, ao Parque Estadual do Sumidouro é reservado um lugar especialíssimo. A apenas 35 km de Belo Horizonte estão as nossas origens mais primevas (tanto da mineiridade, quanto da humanidade), uma salvaguarda da importância histórica e cultural do carste de Lagoa Santa. Trata-se de um parque surpreendentemente lindo, com atrativos históricos importantíssimos e que revelam as origens mais remotas da mineiridade, mas que possui uma visitação aquém do que se poderia esperar (veja nos anexos o número de visitantes por UC). São várias as razões para isso. Algumas das quais são comuns a outras unidades de conservação: divulgação ineficiente, falta de envolvimento comunitário, dentre outras que exploraremos a seguir. Foi nessa região que o dinamarquês Peter Lund se baseou para estudar os fósseis antigos, buscar as histórias mais remotas da humanidade, nossas raízes préhistóricas. A partir dali, buscaria outras grutas e tornar-se-ia, anos mais tarde, o patrono da paleontologia nacional.
Entrada da Gruta da Lapinha
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Ficamos por um final de semana numa pousada agradabilíssima, próxima à Casa Fernão Dias, o principal ponto turístico e cultural das comunidades de Quinta do Sumidouro, Fidalgo e Lapinha, entre os municípios de Lagoa Santa e Pedro Leopoldo, bem no coração do Rio das Velhas (que nasce em Ouro Preto e deságua em Várzea da Palma). “O turismo já foi mais vigoroso e agora a gente não sabe o que o futuro nos reserva; a gente tinha muitos sonhos aqui, alguns se realizaram e outros não”, disse-nos o casal que se mudou da capital mineira para a tranquila região da Lapinha a fim de empreender turisticamente há mais de duas décadas. Os moradores dali possuem um orgulho imenso em dizer: “Foi aqui que nasceu Minas Gerais” – ouvimos essas palavras de vários residentes do lugar. Se levarmos em consideração que o estado nasce com a bandeira de Fernão Dias Paes Leme, esses moradores estão cobertos de razão. Em março de 1673, Fernão Dias Paes Leme, chefiando outros bandeirantes paulistas, chegou ao interior das Minas. A vanguarda de sua bandeira, chefiada por Matias Cardoso, foi incumbida de plantar roças de milho e mandioca, além de criar animais como porcos e galinhas em toda a extensão do percurso até o Serro Frio (norte-nordeste da capitania de Minas Gerais). Pouco mais de um ano depois, Fernão Dias, buscando pedras preciosas na capitania mineira, atravessa o Vale do Paraíba e a Serra da Mantiqueira. Sem êxito nesta procura inicial, Dias e sua bandeira se instalam, esperando auxílio, no local onde hoje seria Pedro Leopoldo. A casa e a capela ali edificadas deram início ao arraial denominado Sumidouro. O nome se deve à existência de um rochedo de calcário de aproximadamente 20 metros de altura em cuja base desaparece um volumoso ribeirão que corta a região. Este, ainda hoje, é o ponto turístico mais relevante para a região. Claro que fomos lá conhecer o célebre sumidouro e fizemos, inclusive, um sobrevoo com um drone sobre o local. Impossível não imaginar o sentimento que perpassava as mentes dos indígenas e bandeirantes ao ver a água que, misteriosamente, some na pedra. Não estamos aqui para fazer relatos esparsos de viajantes mineiros pelas
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Casa Fernão Dias
entranhas de seu estado, mas para trazer à baila a história, a cultura e a ecologia e faremos isso o tempo todo neste texto que não possui qualquer compromisso metodológico. Nosso compromisso aqui é compartilhar o que os nossos olhares presenciaram, bem como os sentimentos que nos afloraram durante todo o percurso deste projeto e o faremos com fidelidade. Um sentimento de profunda desolação tomou conta de nós quanto nos foi relatado que a outrora grande Lagoa do Sumidouro (exatamente ali está a drenagem natural que nomina o parque e a comunidade) está cada vez mais seca. “Nunca mais se recuperou desde a grande seca de 2013 e a gente assiste, ano após ano, a água só diminuir”, contou a guia que, gentilmente, acompanhou-nos pelos 2,5 km da Trilha da Travessia, que corta o parque, iniciando no receptivo da Gruta da Lapinha e chegando até a Casa Fernão Dias, os dois principais atrativos da UC. Assim como boa parte dos parques estaduais mineiros, o Parque Estadual do Sumidouro nasceu como medida compensatória, em janeiro de 1980, por meio do Decreto nº 20.375 pela construção do aeroporto de Confins, mas a implantação, de fato, ocorreria muitos anos após a publicação do ato do poder executivo estadual. Ouvimos vários relatos de moradores ainda insatisfeitos pela “imposição” da criação do Parque e os consequentes conflitos fundiários. “Não adianta preservar a natureza se não forem preservados os nossos direitos de moradores. O governo é assim: faz as coisas do jeito dele e depois pede para a gente aceitar sem nos ouvir hora nenhuma”, disse-nos um morador que pediu para não ser identificado. Muitas pessoas da região trabalhavam em pedreiras ilegais que operavam na área onde hoje se encontra o Parque Estadual. A extração de pedra se dava de
Sumidouro
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Trilha da Travessia
maneira completamente ilegal e, até hoje, muitos responsabilizam a UC pela proibição da atividade. A relação, portanto, está longe de ser pacífica. Moradores da região e funcionários do parque nos relataram que a relação melhorou bastante, mas a tensão apenas diminuiu e nunca findou por completo. É preciso fortalecer os vínculos da comunidade com o parque e uma das formas para que isso aconteça é oportunizar aos moradores serviços no parque. Por essa e outras razões não se pode tratar uma UC tão cara à mineiridade apenas sob a ótica do lucro pelo lucro. É com a história das Minas Gerais que estamos lidando, é sobre uma comunidade que há centenas de anos vive ali e se sente parte daquele lugar que estamos tratando. Diálogo e respeito não são favores governamentais, são necessidades imperiosas neste caso. Percorremos as duas trilhas existentes no parque e ficamos preocupados com as invasões de gado. A área é vulnerável, as cercas são frequentemente arrebentadas por produtores rurais, vizinhos ao parque, que insistem em criar seus animais soltos na área do parque. Como se trata de mata secundária, ainda há bastante braquiária no entorno e até dentro da UC. É necessário acentuar o processo de reflorestamento e exterminar as plantas exógenas que servem para pastagem e, de certo modo, incentivam essas invasões. Por fim, há de se destacar que há nesse parque uma estrutura muito superior à média dos outros. Entretanto, estivemos no local anos antes, quando da inauguração do Museu Peter Lund, em setembro de 2012 e percebemos agora uma deterioração acentuada, além de constatarmos que a lanchonete não se encontra mais em funcionamento. Mais uma vez nos perguntamos: até que ponto as concessões para a iniciativa privada resolveriam esses problemas e incrementariam uma gestão mais eficiente? Não adiantaremos nossa posição quanto a essa questão, até porque dedicaremos um capítulo à temática, mas esses questionamentos foram constantes durante todo o projeto.
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Gruta da Lapinha Visitamos a gruta juntamente com um grupo de turistas belorizontinos. Os passeios são guiados com interações e explicações duras. Inserida dentro do Parque, com 40 metros de profundidade e mais de meio quilômetro de extensão com formação de cavernas de 70 milhões de anos, esta cavidade foi eleita como uma das sete maravilhas da Estrada Real. Com 40 metros de profundidade, a Gruta da Lapinha possui 15 salões para visitação e é toda iluminada com luzes de LED com o objetivo de diminuir a temperatura interna, reduzindo o impacto na sua estrutura. Diversos salões que a compõem e pelo menos oito são abertos, regularmente, à visitação, contendo centenas de belíssimos espeleotemas que recebem os mais curiosos nomes relacionados às peculiaridades de cada um e ao olhar imaginativo de turistas e exploradores. O parque, que chegou a ter mais de 60 funcionários e, desses, cinquenta eram moradores do entorno, hoje conta com bem menos colaboradores. A caminhada, em ritmo contemplativo, pelos salões da gruta dura cerca de 35 minutos. O caminho é seguro e possui piso totalmente adaptado para visitantes, além de escadarias de ferro que acessam os salões. A iluminação interna está em ótimo estado, tendo recebido, em 2018, uma importante modernização, que aperfeiçoou a observação dos ambientes. De certo, os roteiros da incrível Rota Lund não frustram nem mesmo os visitantes mais exigentes. É um passeio que todas as pessoas deveriam ter a oportunidade de fazer, em especial, os mineiros por se tratar das nossas raízes mais entranhadas.
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Parque Estadual do Ibitipoca
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Lago das Miragens
onsiderado “a menina dos olhos dos parques estaduais mineiros” (numa sintomática fala de um gerente de uma unidade de conservação visitada por nós), o Parque Estadual do Ibitipoca é um dos únicos a possuir toda a sua área regularizada – algo muito valioso e de grande preocupação para a quase totalidade dos gestores das unidades de conservação. A regularização fundiária, como já mencionamos nesta publicação, é uma questão urgente e absolutamente necessária para que se possa direcionar investimentos e garantir segurança jurídica a todos os envolvidos. Decidimos fazer um caminho inusual para chegar a esta unidade de conservação. Escolhemos a MG 338, ao invés de seguir a BR 265 e na sequência, a BR 040, passando pelos municípios de Antônio Carlos, Ibertioga e Santa Rita de Ibitipoca. Poucas vezes na vida, passamos por estradas tão deterioradas. É revoltante os governos não investirem na adequada manutenção dessas estradas tão importantes, numa região essencialmente turística. Sem exagero algum, a estrada parecia mais uma trilha para carros altamente preparados para ralis em condições extremas. Até mesmo a sinalização era extremamente deficiente, com poucas placas existentes muito velhas, enferrujadas e pouquíssimas menções ao Parque Estadual do Ibitipoca!
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O Parque, criado em julho de 1973, possui uma área de apenas 1.4888 hectares, configurando-se como um dos menores parques de Minas Gerais e, numa proporcionalidade inversa, também o mais rentável do estado, como se pode observar nos anexos desta publicação. Ficamos nesse Parque por quase uma semana e presenciamos o impressionante fluxo de ecoturistas que vem de todas as partes do país. O parque está, definitivamente, na rota dos amantes de montanhismo, ecoturismo e afins. Encontramos visitantes de todos os anos, outros o visitavam pela primeira vez e alguns voltando após uma temporada. Havia também uma família de Brasília que estava viajando até a Patagônia. No caminho, listaram alguns parques para ecoturismo do Brasil e da Argentina e o Ibitipoca era o único parque mineiro deste roteiro. Fomos recebidos no ótimo centro de visitantes do Parque pela gerente Clarice Nascimento Lantelme Silva, que há poucos meses assumiu a gestão da unidade, após um tempo em cessão para o ICMBio. Trabalhou no Parque Nacional de Aparados da Serra, no Rio Grande do Sul e no Parque Nacional do Caparaó, na divisa de Minas Gerais com o Espírito Santo. Clarice tem uma proatividade entusiasmante. Faz toda a gestão da unidade e ainda encontra tempo para recepcionar visitantes, reunir com a comunidade, Ministério Público, planejar ações, dentre outros afazeres. Nesse dia, estava percorrendo as trilhas do Parque com uma equipe de televisão. Tentou fazer uma ligação, mas o telefone fixo estava com problemas e acabou tendo de usar o próprio aparelho celular para resolver questões do serviço, algo que percebemos ser uma constante em várias unidades de conservação mineiras. Sobre o centro de visitantes, vale dizer que se trata de um dos melhores e mais didáticos que conhecemos em nossas andanças pelas unidades de conservação mineiras. Notase que foi elaborado por especialistas. Em quase todas as unidades de conservação que visitamos, constatamos uma estrutura insuficiente, sobretudo com problemas pontuais de manutenção: telefones, rádios, internet, falta de equipamento, lâmpadas, pequenos problemas elétricos – a tudo isso soma-se a falta de pessoal. Muitos gerentes custeiam com o próprio salário essas pequenas manutenções, sob pena de atravancarem seus trabalhos e prejudicarem o próprio funcionamento ordinário da UC. A gestora do Ibitipoca havia fechado há pouco o relatório do primeiro semestre. Foram pouco mais de 45 mil visitantes até junho de 2019. Segundo ela, o número tenderia a crescer, uma vez que o Ministério Público, responsável pela redução de 1.200 visitantes diariamente para 600, estaria estudando essa possibilidade. Clarice tem um olhar muito positivo sobre as concessões. “É preciso nos inspirar no que há de melhor no mundo; o Brasil é um dos
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países mais atrasados na estruturação dos Parques”. Para ela, não há dúvidas de que é possível preservar e, ao mesmo tempo, abrir os parques à sociedade. Considerase uma “abre-parque”, em oposição aos “tranca-parques” (como são conhecidos os que argumentam pela preservação em detrimento de qualquer visitação). “É possível harmonizar uma coisa e outra, estou convicta disso”, enfatizou. Fomos aos três circuitos que existem atualmente no parque: 1. O Circuito das Águas, que é o menor, com apenas 5 km, não exige grandes esforços e possui belas cachoeiras convidativas além de convidativos mirantes sob a Ponte de Pedra, formação rochosa sob o rio do Salto. 2. O Circuito do Pico do Peão com seus 11 quilômetros (entre ida e volta) de um percurso de dificuldade média possui uma compensadora vista; ao final, são os impressionantes mares de morros da zona da mata mineira, no topo da serra onde antes existia uma antiga capela. No caminho, a convidativa Gruta dos Viajantes e a sua famosa escada que dá acesso a seu interior. Importante levar lanterna, pois, a depender da hora, a obscuridade é quase completa (ainda que durante o dia). 3. O Circuito Janela do Céu é o mais longo dos roteiros dentro deste Parque Estadual e exige um pouco mais de esforço físico dos visitantes. O trajeto é de 16 quilômetros entre ida e volta. Esse caminho possui o atrativo mais ilustre da UC, a Janela do Céu, uma verdadeira moldura natural, delineada pelas águas, pela rocha e pela vegetação. Ao fundo, o olhar contempla os campos e vales mineiros.
Cachoeira dos Macacos
Pico do Peão
Janela do Céu
Por esta trilha, chega-se também à Gruta dos Três Arcos e à Lombada, ponto mais alto do parque, com altitude de 1.784 metros. Para aqueles que apreciam banho de cachoeira, a Cachoeirinha, localizada pouco acima da Janela do Céu, oferece água límpida e gélida, capaz de refrescar e encantar os visitantes. São 35 metros de uma bela queda d’água, harmonizada com areias brancas ao redor, mata verde e rochas no entorno.
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A sinalização de todos os circuitos é muito boa e estava melhorando ainda mais com a instalação de novas placas indicativas. O parque possui um QR code para baixar os mapas e informações turísticas básicas, evitando, assim, o desperdício de papel. Os atrativos de Ibitipoca são esplendorosos e justificam a imensa visitação. Para montanhistas ou para a família, os atrativos permitem tanto a interação com a natureza quanto a contemplação pura e simples. Encontramos alguns atrativos em nossas caminhadas pelos circuitos que não estavam destacados, devido à acessibilidade mais difícil, como viemos a saber depois. Um exemplo: chegamos à Praia das Elfas por meio de um mapa físico a que tivemos acesso, mas a trilha estava sem sinalização (propositalmente, segundo o parque, uma vez que o local não estaria dotado ainda de estrutura adequada e segurança). Provavelmente farão uma pequena ponte no local para adequar isso aos moldes da que foi feito em outro atrativo de destaque, a “Prainha”. Em nosso penúltimo dia de estada no Parque, Clarice se ausentou para uma audiência com o Ministério Público em Juiz de Fora. Ela não adiantara o assunto, mas dissera-nos que seria algo muito importante não apenas para a UC, como também para toda a comunidade. Desconfiamos de que deveria se tratar do aumento do limite diário de visitação ao parque. Ao fim do dia, recebemos uma ligação dela confirmando o que supuséramos, o MP havia autorizado o aumento de 600 para 1.000 visitantes ao dia. Percebemos o quanto o distrito da Vila de Conceição do Ibitipoca é dependente do turismo trazido pelo Parque Estadual. As pessoas estavam em polvorosa quando souberam dessa notícia. Conversamos com empresários do turismo e todos, sem exceção, estavam comemorando. Um deles nos contou que quando da redução de 1200 para 600 houve prejuízo para todos: restaurantes, hotéis, pousadas,
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lojas de artesanato, dentre outros. Vários turistas, sem saberem da diminuição, voltavam frustrados para suas cidades, por não conhecer o parque. O movimento na portaria, nos finais de semana, começava de madrugada e, quem não chegasse bem antecipadamente, possivelmente não conseguia entrar na unidade. Definitivamente, a prestação de serviços configura, na atualidade, uma inegável vocação econômica tanto do distrito quanto de algumas comunidades do entorno. Segundo Clarice, os impactos haviam sido estudados diligentemente e o Parque suportaria perfeitamente o novo limite. Assim entendeu também o Ministério Público para o entusiasmo da comunidade da vila. O Parque Estadual do Ibitipoca demonstra fragorosamente que o ecoturismo é um grandioso instrumento de preservação que pode e deve ser utilizado na articulação entre comunidade, estudantes, ecoturistas e as áreas naturais mineiras legalmente protegidas.
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Parque Estadual do Biribiri
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bem da verdade, após visitarmos vários parques mineiros (dentre eles o mais afamado do estado), quase chegando à metade do projeto, nossos olhares já estão bem mais acurados. As visitações, aliadas às entrevistas com gerentes, funcionários e ecoturistas, além das leituras técnicas acerca do objeto deste trabalho, prepararam-nos para chegar até aqui com a maturidade necessária para tratar de uma temática que é tão cara à nação brasileira. Como dissemos e reiteramos: optamos por uma linguagem acessível e distante da metodologia convencional. Nosso discorrer é leve, descompromissado com o enclausuramento racionalista e cientificista; do mesmo modo, também não almejamos a típica linguagem jornalística. São olhares compartilhados, constatações divididas, ideias harmonizadas. Uma das constatações mais óbvias que obtivemos até aqui foi justamente sobre o aspecto estrutural dos parques mineiros. Os profissionais são, via de regra, extremamente dedicados e vocacionados, trabalham e cuidam das unidades de conservação mineiras em tempos tão complexos e, muitas das vezes, sem o mínimo de estrutura necessária para fazer o básico. Aportamos em uma das mais visitadas cidades de Minas Gerais, Diamantina, a cidade colonial dos diamantes, a terra do maior estadista brasileiro, Juscelino Kubistchek, capital mineira da música, centro cultural e econômico do Vale do Jequitinhonha e sede de uma unidade de conservação surpreendente: o Parque Estadual do Biribiri, a cerca de 300 quilômetros da capital mineira, inserido no complexo da Serra do Espinhaço.
Vista aérea da Cachoeira dos Cristais
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Estrada no Parque E. do Biribiri
Chegamos num final de semana de julho, a cidade estava razoavelmente cheia de turistas. Nas pousadas e nos tradicionais guias impressos, diferentemente de outros municípios que visitamos, sempre consta o Biribiri como destino a se conhecer. Também ao contrário de outras urbes, onde as unidades são pouco conhecidas pelos habitantes locais, em Diamantina, quase todo mundo já foi ou ouviu falar do Biribiri. Um artesão nos contou que o centro histórico de Diamantina possui belezas demais, mas apenas o Biribiri é capaz de unir beleza natural com história e gastronomia, tudo isso no mesmo ambiente. Fomos lá constatar. Há poucos quilômetros do centro histórico, esse Parque Estadual de 17.000 hectares foi criado por meio do Decreto Estadual n° 39.909, de 22 de setembro de 1998 e abriga cachoeiras (Sentinela e Cristais) e poços (Água Limpa e Estudantes) muito frequentados pelos turistas e moradores, além das famosas trilhas que cortam a unidade: Trilha das Cachoeiras (com grau de dificuldade médio, os 10 km são percorridos desde a portaria do parque até as duas principais cachoeiras) e Caminho dos Escravos (são 20 km de um percurso construído pelos escravos no século XVIII que liga Diamantina ao distrito de Mendanha passando por cachoeiras e antigos garimpos). A entrada do parque é gratuita e localizase no bairro Cidade Nova. Há uma portaria responsável por registrar todos os visitantes. Somos recepcionados por um gentil guarda-parque (sabemos que a função não mais existe com esta nomenclatura, entretanto os chamaremos assim porque assim se autodenominam) que nos entrega uma sacolinha plástica onde estão descritas as normas de conduta e informações da unidade de conservação (foi a única UC dentre todas as que visitamos que adota este procedimento). São várias as nascentes e cursos d’água preservados no interior desta valiosa unidade de conservação, dentre eles o Rio Biribiri, responsável pela geração de energia para a antiga fábrica têxtil que no auge de seu funcionamento, em meados do século XX, chegou a contar com 600 funcionários. Configuram-se ainda como uma das primeiras
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Vila do Biribiri
comunidades fabris do estado. Estivemos nas duas principais cachoeiras e encontramos placas em bom estado, mas bastante lixo no entorno das quedas d’água e no estacionamento. Os turistas que ali estavam elogiaram a beleza cênica do lugar. Um casal de São Paulo e uma família de Brasília disseram-se surpresos com o Biribiri. “Não sabia que em Diamantina tinha um lugar tão agradável e refrescante”, comentou um deles. Fizemos questão de almoçar por ali, no centro da Vila de Biribiri, hoje um importante reduto histórico e cultural diamantinense. São duas opções de restaurantes, um a la carte e outro self service. Almoço mineiro, simples e farto, no fogão a lenha. Tornamos a conversar com alguns turistas que reafirmaram a surpresa de estarem ali. “Parece cena de filme, é como se tivéssemos voltado no tempo; é tudo lindo aqui”. Muitos funcionários com quem conversamos durante nossas visitações pediram para preservar seus nomes. Boa parte deles sente-se como se fosse “material descartável”, nas palavras duras de um deles. “A gente estudou, fez um processe seletivo, planejou ficar um tempo trabalhando no parque e hoje pode ser demitido a qualquer hora, ninguém está seguro, não sei nem mesmo se terei emprego para pagar o aluguel no mês que vem. Não há nada pior do que viver assim”, relatou-nos um angustiado servidor da MGS que há alguns anos trabalha numa UC e viu dois colegas serem demitidos em menos de dois meses. Pessoas não são números, são seres dotados de sentimentos e necessidades – todo gestor público precisa entender isso antes de tomar qualquer decisão que impactará as vidas humanas. É mais do que compreensível o momento gravíssimo por que passa o Governo do Estado de Minas Gerais com déficits orçamentários ano após ano, mas que ao menos não se perca a capacidade de dialogar de maneira franca e digna com as pessoas, antes de lhes tirarem o trabalho e consequentemente o sustento. Isso sem se falar nos prejuízos causados pelo déficit de pessoal das unidades de conservação. Não encontramos em nossa caminhada nenhum gestor que dissesse: “As demissões foram bem-vindas, estávamos com excesso de pessoal”. Muito pelo contrário, nos deparamos com gestores desesperados, com angústias indescritíveis e tirando leite de pedra (desculpe, mas não encontrei nenhuma expressão que substituísse imageticamente a força deste dito popular). A digressão foi longa demais. Encerremos o relato sobre o famigerado Parque Estadual do Biribiri, esta bela unidade de conservação localizada no coração do Jequitinhonha que precisa ser preservada, dentre outras motivações, porque apresenta importantes remanescentes da vegetação do Cerrado, pelas diversas nascentes, inominável beleza cênica, atrativos turísticos reconhecidamente aprazíveis (cachoeiras
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Cachoeira do Sentinela
da Sentinela, dos Cristais e do Barris, poços e mirantes), patrimônio arqueológico (pinturas rupestres) e incrível riqueza histórico-cultural (Caminho dos Escravos e Vila do Biribiri). PS: Vale salientar que conversamos com alguns ambientalistas diamantinenses (que também pediram sigilo) e estes insistiram para que constássemos em nossos relatos por ser essencial para a formação de um cinturão efetivo de proteção da biodiversidade regional a fim de se criar uma Unidade de Conservação nas porções Norte e Leste do Parque Estadual do Biribiri, que seja capaz de abranger a Serra das Poções, conectando-a com a APA do Rio Manso. Está registrado.
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Parque Estadual do Rio Preto
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cerca de 70 quilômetros do célebre Biribiri, encontra-se um dos parques com melhor infraestrutura do estado; com um rol muito interessante de atrativos, além de ser o guardião de diversas nascentes, dentre elas a do próprio Rio Preto (importante afluente do Rio Araçuaí, que, por sua vez, deságua no Rio Jequitinhonha), que nomina tanto o parque quanto a principal cidade que o abriga: São Gonçalo do Rio Preto, um município de pouco mais de 3 mil habitantes, na região do Vale do Jequitinhonha, mais especificamente no Alto Jequitinhonha. O Parque Estadual do Rio Preto (PERP) ocupa cerca de 40% da extensão territorial do município. Não nos lembramos de uma UC visitada que ocupe uma extensão tão significativa em uma área municipal. Parque e município estão Mirante literalmente amalgamados. Saindo da terra de JK, dirigimos pela BR 367 até Couto de Magalhães de Minas, onde rumamos até o trevo de São Gonçalo do Rio Preto, tomando a MG 214 até a cidade. Há boa sinalização e encontramos ao menos três placas nesses trechos referenciando o Parque Estadual do Rio Preto (PERP). Em nossas andanças por Minas, sentimos falta de melhor sinalização turística indicando os parques estaduais. Houve parque que visitamos onde não havia placas nem sequer nas estradas de acesso a poucos quilômetros da unidade. A bem da verdade, a imensa maioria das placas indicativas não está em bom estado de conservação e não apresenta padronização recomendada de acordo com os manuais turísticos. Uma vez em São Gonçalo, tomamos uma estrada de terra por cerca de 14 quilômetros até a portaria do Parque. Registramos que a estrada municipal estava em bom estado de conservação, principalmente se comparada à maioria das estradas de chão por onde passamos. Além de bem conservada, nesta estrada de terra, há placas poéticas muito criativas
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Cachoeira do Crioulo
indicando o sentido do parque (posteriormente o gerente da UC nos contou que isso foi fruto de uma parceria com a comunidade local). O Parque Estadual do Rio Preto (PERP), inserido no complexo da Serra do Espinhaço, foi criado em junho de 1994, por meio do Decreto Estadual nº 35.611 e teve sua área expandida em dezembro de 2005 com o Decreto nº 44.175, totalizando pouco mais de 12 mil hectares. Merece destaque o fato de haver uma união da população local para a proteção da nascente do Rio Preto, declarado em 1991, rio de preservação permanente. Ao contrário das várias unidades de conservação que visitamos, o PERP teve em seu nascedouro uma vantagem adicional: o apoio, ainda que em parte, da população local e isso é um fator capaz de fazer toda a diferença. A unidade foi oficialmente aberta à visitação em 2002 e, desde então, tem recebido cada vez mais visitantes (veja relatório de visitantes por UC no anexo desta publicação). Ficamos hospedados nos dormitórios (ou chalés/alojamentos como são chamados) dentro do próprio parque, que conta com portaria, áreas de camping, central de atendimento ao turista e restaurante. Pelas manhãs, antes de visitarmos as dependências da UC e percorrermos as trilhas, éramos acordados pelos serelepes
saguis-de-caras-brancas que vinham tomar o seu café da manhã, isto é, lambiscar a seiva das árvores, pulando de arbusto em arbusto, num surpreendente espetáculo matinal de alegria e perspicácia. Um detalhe muito importante que observamos nesta UC é a palestra introdutória por que devem passar todos os turistas antes de percorrem as trilhas. Eles são acomodados num auditório, onde recebem informações básicas sobre como se deve comportar numa unidade de conservação, a história, a biodiversidade existente e a importância da preservação. Em apenas outras duas dentre todas as unidades de conservação que visitamos vimos algo similar:
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Poço do Veado
Parque Estadual da Lapa Grande e Parque Estadual do Rio Doce. Pensamos que essa prática poderia ser adotada em todas as unidades de conservação mineiras abertas a visitação, ressalvando as especificidades de cada uma delas – a adoção de uma prática não significa padronização. Nos dias que passamos nesta UC, percorremos todas as trilhas e atrativos abertos à visitação: Trilha da Cachoeira Sempre-Vivas, Trilha da Cachoeira do Crioulo, Trilha das Corredeiras, Trilha do Poço de Areia e Trilha da Forquilha – em todas elas, além dos atrativos principais, passamos por praias, lapas, piscinas naturais, mirantes e um moinho. Este é um parque cuja beleza cênica é capaz de encantar já no primeiro despretensioso olhar. No roteiro Praias de Rios e Cachoeiras, considerado de alta dificuldade, fomos guiados pelo Frank, um funcionário exemplar, mineiro das Gerais (há uma diferenciação semântica entre as Minas e as Gerais e ambas se completam – mas como esse não é objeto deste trabalho, fica apenas o registro), receptivo e cordato, contou-nos muito sobre o parque e a região: “Aqui, a nossa riqueza é a abundância hídrica – é muita água graças a Deus; a gente vê sofrimento em outras cidades do Jequitinhonha, mas aqui nesta região não tem nenhum problema de falta d’água”. Sobre a vegetação nativa, observamos e aprendemos as diferenças básicas entre os campos de altitude, os campos rupestres, o cerrado e os cerradões. A sinalização que encontramos em todas as trilhas foi bem acima da média e a maioria dos atrativos encontra-se em caminhos que necessariamente devem ser percorridos com a presença de um guia. Um dos funcionários nos disse, orgulhoso, que o PERP foi o primeiro a receber o marco de referência da Estrada Real, cujo percurso inicia-se em Diamantina e se encerra em Parati, no estado do Rio de Janeiro. A Prefeitura de São Gonçalo do Rio Preto recebeu, de acordo com dados da Fundação João Pinheiro, pouco mais de 935 mil reais provenientes de ICMS ecológico no ano de 2018, devido a existência do parque em seu território. É de se lamentar que a prefeitura municipal não atue em parceria mais estreita com a gerência da UC. Sabemos bem do momento penoso por que passam as prefeituras mineiras, talvez este seja o período mais dramático na história do municipalismo mineiro, todavia, as unidades de conservação também estão enfrentando dificuldades imensas e o apoio
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Trilha para as corredeiras
da prefeitura seria essencial para o melhor funcionamento de um parque que traz receitas significativas para o Orçamento Municipal (tanto por meio do ICMS ecológico, quanto por meio da atração de turistas e munícipes empregados diretamente pelo Parque), principalmente com a cessão de funcionários e estagiários (a exemplo do que vimos em Montes Claros). Ao fim de nossa estada, conversamos desapressadamente com o gerente da unidade, o senhor Antônio Augusto de Almeida, o Tonhão, como é conhecido em sua cidade. A história do parque confunde-se com a sua própria história de vida. Tonhão foi prefeito de São Gonçalo do Rio Preto antes de se tornar gerente do parque, função que ocupa ininterruptamente há 25 anos (o parque foi criado em junho de 1994 e ele assumiu a gerência um mês depois). Entre os principais desafios da atualidade, destacou a falta de recursos e de pessoal, caçadas eventuais e os conflitos fundiários, sobretudo com quilombolas. Uma das inciativas de Tonhão que merece destaque é o calçamento de alguns trechos da estrada interna do parque. Presenciamos funcionários calçando uma parte da estrada, segundo eles para melhorar a acessibilidade e prevenir eventuais erosões com as chuvas. Ele nos contou que isso se dá mediante uma parceria com a prefeitura que doa as pedras e os próprios funcionários da UC fazem o calçamento. Proatividade digna de nota. De modo geral, notamos funcionários muito empenhados, parque muito bem cuidado e turistas extremamente satisfeitos. São muitos que voltam regularmente para visitar este parque e aqueles que conhecem pela primeira vez saem elogiosos já pensando em voltar. Conversamos com uma família inteira de Belo Horizonte: “Isso aqui é um parque lindo demais, acho que é um dos lugares mais lindos do mundo”, contou-nos o pai que estava com a esposa, dois filhos e um estudante alemão, amigo da filha, que cursa Ciências Biológicas na UFMG. Notamos que o PERP pNotamos que o PERP possui, de fato, uma relação muito amalgamada com o seu gestor e a sua proximidade e identificação com as comunidades locais e funcionários criaram um ambiente propício à aproximação das populações com a UC. Analisando a gestão dos parques de forma superficial (porque mesmo dedicando meses neste projeto não podemos afirmar que a gestão das UCs tenha sido o nosso principal foco), constatamos que Tonhão e sua identificação comunitária, seu empenho e história construíram um modelo administrativo que merece ser mais bem estudado. A boa gestão do PERP desafia aqueles que defendem entusiasmadamente a rotatividade
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como sendo o melhor modelo para a gestão das UCs. Como dissemos reiteradamente nesta publicação, as digressões não são apenas permitidas como também muito bem vindas, uma vez que o propósito maior destes escritos não é tão somente diagnosticar e fazer uma divulgação ecológica e turística das unidades de conservação de Minas Gerais, mas ampliar a nossa visão da realidade social, ecológica e cultural do estado que, nas palavras de Fernando Brant, constitui a síntese do Brasil. Abriremos um breve espaço para falar sobre o Vale do Jequitinhonha, essa região tão importante para o nosso estado.
O Vale Na década de 1970, esta região foi nominada como “Vale da Miséria”, dados os escandalosos índices de pobreza e disparidades regionais. Ainda em nossos dias, se fizer uma busca rápida pela internet, encontram-se notícias, estudos e indicadores que demonstram as dificuldades sociais vividas por este território mineiro. Não vamos adentrar nas pormenorizadas questões atinentes à pobreza nesta localidade, mas registre-se: são décadas de ausência e ineficiência de políticas públicas nesta porção do estado capazes de combater as verdadeiras causas dos flagelos que afligem a região. Lado outro, se é verdade que o Vale ainda não superou completamente essa problemática, é igualmente verdade que a situação melhorou bastante, sobretudo nas últimas duas décadas – o que é atestado tanto pelos indicadores sociais quanto pelos relatos que ouvimos dos moradores com os quais conversamos ao longo de quase uma semana ali. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Vale do Jequitinhonha é uma das 12 mesorregiões de Minas Gerais, e sua territorialidade corresponde a 14% do nosso estado. A região está estruturada em 55 municípios, organizados nas microrregiões do Alto, Médio e Baixo Jequitinhonha. O PIB representa apenas 1,4% do PIB mineiro, segundo dados do IBGE de 2014. Esta região possui riquezas admiráveis e encantos capazes de sensibilizar até mesmo os corações mais cartesianos. A cultura, o artesanato, a culinária, as riquezas e belezas naturais, os diversos atrativos turísticos e o sobsolo com suas magnificências minerais - cada vez mais promissor, de acordo com as últimas pesquisas que têm prognosticado boas perspectivas para aquela população. Ademais, para aqueles que se interessarem pela temática do Vale, recomendamos a leitura de um artigo de 2014 denominado “Programas sociais,
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mudanças e condições de vida na agricultura familiar do Vale do Jequitinhonha Mineiro”, fruto de um estudo apoiado pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e Fapemig (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais) de autoria dos professores e técnicos Eduardo Magalhães Ribeiro, Eduardo Barbosa Ayres, Flávia Maria Galizoni, Ana Flávia Almeida e Viviane Guimarães Pereira. Por fim, não há como não relatar algumas impressões, essencialmente a de que o povo do Vale é, de longe, o mais hospitaleiro que estes olhos viajandeiros já presenciaram. É a hospitalidade miscigenada com a cortesia em si mesma, a humildade natural, a amabilidade desinteressada, a humanidade manifesta. Mais que raro, isso é raríssimo até mesmo de se encontrar em um ou outro humano, imagina caracterizar um povo? Pois o conjunto do povo do Vale é assim. Quando alguém mencionar a palavra “hospitalidade”, é do Vale do Jequitinhonha que se deve lembrar. Definitivamente, esta região precisa ser lembrada para além do reducionista estigma que alguns insistem em impingi-la.
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Monumento Natural Peter Lund
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cerca de 120 quilômetros de Belo Horizonte, no coração do cerrado mineiro, na terra onde nasceu um dos maiores escritores da literatura universal, Cordisburgo, berço de Guimarães Rosa, encontra-se o monumento natural mais visitado do estado de Minas Gerais, o Monumento Natural Peter Lund, onde se insere a suntuosa e magistral Gruta do Maquiné. A propósito, apesar de já termos mencionado as espécies de unidades de conservação atualmente existentes em nosso ordenamento jurídico, na introdução deste livro, vale a pena explicar, brevemente, uma vez mais, o que é um monumental natural, cuja previsão legal encontra-se no artigo 12 da Lei 9.985/2000 (lei que regulamenta o Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC). O Monumento Natural (Monat) é uma categoria do conjunto de unidades de conservação de proteção integral e o seu objetivo primaz é preservar sítios naturais raros, singulares ou de grande beleza cênica, como é o caso da gruta do Maquiné. Pode ser constituído por áreas públicas e particulares, desde que seja possível compatibilizar os objetivos da unidade com a utilização da terra e dos recursos naturais do local pelos proprietários. A visitação pública condicionada está sujeita às condições e restrições estabelecidas no Plano de Manejo da unidade, às normas estabelecidas pelo órgão gestor (neste caso, o IEF) e àquelas previstas no regulamento da unidade. Os Monumentos Naturais, diferentemente do que acontece com as unidades de proteção integral, podem ser constituídos em áreas particulares, desde que haja compatibilização entre os objetivos da unidade com a utilização da terra e dos recursos naturais do local pelos proprietários. Caso não seja possível, as áreas deverão ser desapropriadas pelo poder público. Atualmente, existem 15 monumentos naturais estaduais em Minas Gerais.
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Todos os caminhos levam à gruta do Maquiné. A paráfrase é dotada de muita trivialidade, mas, deveras, este atrativo é extremamente bem sinalizado. São dezenas de placas indicativas desde Belo Horizonte mostrando os caminhos para a Rota Lund e a Gruta do Maquiné. Criado por meio do Decreto Estadual número 44.120 de setembro de 2005, em uma área de pouco mais de 70 hectares, o Monumento Natural Peter Lund é de uma beleza estonteante. A Gruta do Maquiné, definitivamente, não recebe milhares de visitantes casualmente. Muitos a consideram a gruta aberta à visitação mais bonita do mundo. Farta de ornamentos naturais, a cavidade possui um majestoso acervo de espeleotemas (formações de cristais). Está aberta para visitação pública desde 1967, quando o estado estava sob o comando do governador Israel Pinheiro. A história desta cavidade confunde-se com a história da própria paleontologia brasileira, pois foi ali que, no longínquo ano de 1834, o naturalista dinamarquês Peter Wilhelm Lund iniciou as suas explorações científicas. Menos de uma década antes, em 1825, a cavidade fora descoberta pelo fazendeiro Joaquim Maria do Maquiné, proprietário daquelas terras. Doutor Lund visitou essa caverna por quase dois anos para realizar os seus trabalhos. Nesse período, descobriu restos humanos e de animais fossilizados do quaternário. Contando com sete salões abertos à visitação em mais de 600 metros lineares, a gruta já foi chamada de “grande catedral natural debaixo da terra”. A visitação é obrigatoriamente guiada e encanta os olhares dos turistas. Em diversos momentos, já estivemos nessa gruta. Praticamente todos os que vivemos na Região Metropolitana de Belo Horizonte, em idade escolar, já excursionamos para conhecer a Rota Lund (Gruta do Maquiné, Gruta Rei do Mato e Gruta da Lapinha). Para compreender, minimamente, a paleontologia e a arqueologia é preciso percorrer este circuito, aprendemos cedo na escola. As excursões ainda são muito comuns. Durante nossa visita para a realização deste trabalho, vimos ao menos dois ônibus com estudantes que, ao que parecia, eram do ensino básico. Também presenciamos a chegada de vários ônibus com turistas de diversas regiões do país. Muitos turistas e funcionários se preocupam com o processo de concessão já iniciado e, segundo expectativas, deve se efetivar durante o ano de 2020. Temem
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que o foco seja apenas o lucro em detrimento da preservação e da educação ambiental – pilares essenciais no satisfatório papel que uma unidade de conservação deve desempenhar. Temos percebido, ao longo de nossas visitações, as constantes inquietações comuns em todas as unidades de conservação de Minas Gerais. Sobretudo os funcionários que anseiam por melhorias e eficiência, mas temem por prejuízos à fiscalização e iniciativas de conscientização ambiental. Um dos turistas com quem conversamos nos disse que achou a fiscalização atual deficiente. “Vi pessoas encostando até mesmo nas colunas da gruta, a fiscalização é muito fraca”, disse. Não vimos nenhum incidente deste tipo durante o tempo em que visitamos a cavidade, mas como se trata de uma denúncia grave, registramos aqui. Acreditamos que seria necessária a presença de dois guias, um à frente do grupo e outro atrás a vigiar. Talvez isso seja a praxe, todavia em nossa visitação havia, de fato, apenas um guia que ficava à frente do grupo com a função de dar explicações, além da vigilância. Vale o registro. Pois bem, já que, para nós, simples mortais, torna-se impossível descrever com alguma magia a peculiar magistralidade que os olhos encontram quando exploram o Maquiné, deixamos essa descrição para o mestre maior das letras, o igualmente encantado com a beleza cênica do lugar, o mineiro universal de Cordisburgo: “E, mais do que tudo, a Gruta do Maquiné tão inesperada de grande, com seus salões encobertos, diversos, seus enfeites de tantas cores e tantos formatos de sonho, rebrilhando risos na luz – ali dentro a gente se esquecia numa admiração esquisita, mais forte que o juízo de cada um, com mais glória resplandecente do que uma festa, do que uma igreja.” João Guimarāes Rosa - Trecho de O Recado do Morro, do livro No Urubùquaquá no Pinhém (Corpo de Baile)
Num outro trecho do mesmo conto, o cordisburguense escreve sobre as míticas descobertas paleontológicas de Lund: E nas grutas se achavam ossadas, passadas de velhice, de bichos sem estatura de regra, assombração deles – o megatério, o tigre-dente-desabre, a protopantera, a monstra hiena espélea, o páleo-cão, o lobo espélleo, o urso das cavernas –, e homenzarros, duns que não há mais.” João Guimarães Rosa Trecho de 0 Recado do Morro, do livro No Urubùquaquá no Pinhém (Corpo de Baile)
Em novembro de 1967, quando de sua posse como membro da Academia Brasileira de Letras, o escritor, já na primeira frase de seu discurso, fez questão de mencionar a bela gruta: “Cordisburgo era pequenina terra sertaneja, trás montanhas, no meio de Minas Gerais. Só quase lugar, mas tão de repente bonito: lá se desencerra a Gruta do Maquiné,
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milmaravilha, a das Fadas (...)”. Talvez tenhamos excedido nas citações rosianas relacionadas à Gruta do Maquiné, mas é importante, neste caso, o excesso para que fique bem claro: não estamos lidando apenas com um lugar de beleza cênica singularíssimo. É de história, preservação e defesa ambiental que estamos tratando. É preciso oportunizar a entrada de estudantes de escolas públicas às unidades de conservação; tratar as unidades com a complexidade e as especificidades que possuem; é preciso fiscalização eficiente, é preciso envolver as comunidades locais neste processo. É preciso muita coisa, é necessário, sobretudo, sensibilidade para tratar de um patrimônio natural que não deve pertencer a pessoas ou a empresas, essas serão, no máximo, guardiãs de uma herança que pertencente à própria humanidade.
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Parque Estadual da Serra do Brigadeiro
O
próprio IEF considera esta unidade de conservação como uma das mais importantes reservas naturais do estado, ocupando o extremo norte da Serra da Mantiqueira, entre os vales do Carangola, Glória e Rio Doce e salvaguardando diversas nascentes, que possuem participação importante para a formação das bacias hidrográficas do Rio Doce e do Paraíba do Sul. Localizado na Zona da Mata mineira, o Parque foi criado por meio do Decreto Estadual nº 38.319 de setembro de 1996 e abrange os municípios de Araponga, Divino, Ervália, Fervedouro, Miradouro, Muriaé, Pedra Bonita e Sericita e conta com uma área de quase 15 mil hectares. O bioma é a Mata Atlântica com Campos de Altitude.
Vista do cume da Pedra do Pato
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Pico do Grama
múltiplos os olhares assim como profusos são também os parques mineiros. Chegamos ao Parque no início da madrugada e fazia bastante frio, algidez agudizada pela chuva fina que parecia destinada a cair incessante do céu, cujo negrume causava em nós uma espécie de gracioso assombro. Conhecemos, ao longo de um final de semana, os principais atrativos desta unidade de conservação, com exceção do mais conhecido e visitado: o Pico do Boné, que se encontrava interditado e sem qualquer previsão de reabertura, porque a trilha de acesso ao cume apresentava erosões e muitas rochas soltas, o que colocaria em risco a vida das pessoas. Mesmo fechado, muitos aventureiros não respeitavam a regra e arriscavam suas vidas para escalaminhar (palavra muito utilizada na região que significa uma caminhada com escalada,
O primeiro olhar quando se aporta nesta unidade de conservação é de reverência ante a natureza alterosa. A serra, imponentemente, ofusca quaisquer outros olhares. A face do Pico do Grama se revela num espectro de um gigante verde a nos observar por onde quer que caminhemos pelas dependências administrativas do parque. Registre-se que, durante o projeto, experienciamos vários primeiros olhares: de espanto, de admiração, de surpresa, de encantamento, de contemplação, de expectativa, de receio, de euforia, dentre outros. São bem apropriado para as serras do lugar) o pico. São frequentes os relatos de acidentes. Como estávamos num final de semana de feriado, a gerente nos disse que estava colocando funcionários adicionais para vigiar o acesso ao Boné. Optamos por visitar um atrativo bem menos usual, mas cuja trilha é considerada até mesmo mais difícil do que a do famigerado Pico do Boné. Tratase da Pedra do Pato. Para chegarmos até ela, percorremos uma trilha classificada como de média dificuldade (em alguns sites, vimos classificações como alta dificuldade) por cerca de sete horas, parando e fazendo fotos. Trata-se de um dos pontos mais altos do Parque, com cerca de 1.908 metros de altitude. Contou-nos o senhor Manoel que o nome do pico se deve a uma rocha de cor majoritariamente branca que lembraria a figura de um pato. Ao chegar ao alto, a
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visão de 360 graus é magnífica. Avistam-se os morros mineiros, os picos do Boné e do Soares e os distritos da região. Um apontamento merece ser feito. A caminho da Pedra do Pato fomos brindados com uma cena inesquecivelmente marcante. Um barulho estranho surge na copa das árvores, inicialmente parecia distante, mas se aproximava rapidamente, algo como galhos se quebrando, seguidos estalos e farfalhar de folhas. Pensamos se tratar da chuva que, entre descontinuações, poderia estar se encorpando ou mesmo granizo a descer dos céus. Nossos ouvidos continuavam guiando nossos olhares que descobriram bem acima de nossas cabeças, nas copas das mais altas árvores, os afamados macacos de pelagem branca e caras despigmentadas, os inconfundíveis muriquis. Senhor Manoel, brigadista e talvez o maior conhecedor do parque, ficou tão surpreso quanto nós com o encontro tão inesperado quanto efêmero com o grupo de muriquis. Foram apenas alguns segundos, mas sublimemente memoráveis. O maior primata das Américas, o muriqui, também chamado de mono-carvoeiro, pode chegar a um 1,5 metro e pesar 15 quilos. A espécie, endêmica da Mata Atlântica brasileira, lamentavelmente é uma das 25 espécies de primatas ameaçadas de extinção. Os muriquis são amplamente estudados no Parque Estadual. Contaramnos que, frequentemente, pesquisadores de diferentes regiões do país vêm até o Parque Estadual do Brigadeiro para estudar esses primatas exclusivos do Brasil. Vale o registro: O Brasil é o país com o maior número de primatas registrados do mundo. Até agora há mais de uma centena dessas espécies catalogadas por aqui. De volta ao caminho do Pico do Pato, dotados de muito receio de chover, mas bastante empolgados pelo notável encontro com os raros primatas, chegamos aos quase 1900 metros de altitude do cume, de onde se aprecia uma esplendorosa vista. “Não me canso de vir aqui, é muito bonito, né?”, pergunta retoricamente o senhor Manoel. Não é preciso concordar em palavras, a vista corrobora. As trilhas não possuem sinalização satisfatória, um dos motivos pelos quais precisam ser feitas exclusivamente com guias. Também não devem ser percorridas sem um mínimo de equipamentos – botas ou calçados fechados, calças
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Carcará
e, preferencialmente, bastões de trekking. Há trechos bastante íngremes, outros escorregadios e são grandes os vãos ao lado do percurso. A convite da gerente do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro, jantamos em sua casa, nas dependências da UC, perto da sede administrativa. Preocupada em envolver, ao máximo, a comunidade nas ações e decisões relativas ao Parque, Rosimeire Belcavelo disse que seu principal desafio é estruturar a unidade em todos os âmbitos. Casas, centro de visitantes, centro de pesquisa (que está interditado há anos e a construção em risco). Em comparação aos outros parques, ponderamos que aquela unidade não estaria em desvantagem, ao que ela nos afirmou que ser necessário dotar as estruturas de acessibilidade, por exemplo. Também seria importante, segundo ela, aprimorar as informações do centro de visitantes, tornando-o mais didático e atrativo e menos informacional. Cita ainda focos de incêndios, mas diz que não era, até aquele momento, uma preocupação tão grande (nossa visita se deu em setembro). Mencionou também dificuldades relacionadas a veículos e funcionários. Destacou as ações empreendidas por ela durante a campanha “Um Dia no Parque”, que aconteceu nacionalmente no dia 21 de julho - uma iniciativa voltada para a promoção, conhecimento e valorização das Unidades de Conservação brasileiras, inspirada pelo Park Day, criado nos Estados Unidos para promover os parques daquele país. A gerente informou-nos que tem crescido a presença de turistas de várias regiões do estado. “Antes era concentrado em Viçosa e região, agora temos recebido mais turistas de outras regiões”. Acredita que isso está ocorrendo, dentre outros fatores, devido à boa divulgação nas redes sociais. O plano de manejo, enfatiza, precisa ser atualizado, mas o plano atual já auxilia muito na tomada de decisões. A gerência está bem atenta quanto às demandas da UC e foca numa gestão participativa, fruto, segundo ela, dos aprendizados adquiridos pelo tempo que passou no Parque Estadual do Ibitipoca. Belcavelo demonstra engajamento e empenho na resolução das principais questões e almeja ver o parque desenvolvendo suas potencialidades. “O Parque Estadual do Brigadeiro possui um potencial muito grande, são mais de 320 espécies de aves que chamam a atenção dos observadores. Além disso, há os muriquis que despertam interesse nos mais variados pesquisadores. Aqui é um Parque com muitas riquezas que precisam ser vistas pelos ecoturistas”.
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Parque Estadual do Rio Doce
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Lagoa Dom Helvécio
ão podemos considerar a comparação: um parque é melhor que outro. Esta é, aliás, uma comparação que simplesmente não deve existir. Ouvimos de várias pessoas, ao longo deste projeto, perguntas do tipo: “Qual é o melhor parque visitado?”. Julgamos ser inapropriada essa espécie de inquirição por razões várias, principalmente, porque todos as unidades de conservação são igualmente importantes e cada uma, com as suas especificidades, cumpre um papel extremamente relevante para o estado de Minas Gerais na concepção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, expressão que, de tão importante, está prevista em nossa Constituição Federal, no artigo 225I, (em decorrência da Declaração de Estocolmo sobre o ambiente humano de 1972). Fizemos a premissa acima porque esta unidade de conservação, inegavelmente, possui uma valiosíssima história desde antes de sua criação, que se deu em julho de 1944, fazendo deste parque o pioneiro na conservação e preservação da natureza em Minas Gerais, tudo isso graças a um consciente bispo católico. Esta história não pode jamais ser esquecida e nos mostra de maneira contundente a capacidade que temos de fazer a diferença. I Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
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Após enfrentar a famigerada BR-381 e os seus mortíferos desvios e curvas (o trecho entre a capital mineira e a cidade de João Monlevade possui um acidente por dia, segundo dados da Polícia Rodoviária Federal e há décadas os mineiros esperam pela duplicação desta rodovia federal), chegamos ao Parque Estadual do Rio Doce (PERD). Era uma madrugada inesquecivelmente estrelada e nos hospedamos no alojamento da unidade, rodeados por muitas árvores e múltiplos sons da mata. Logo pela manhã, após calorosa recepção pelos macacos-prego (os animais interagem com muita desenvoltura com os humanos nas proximidades das estruturas do PERD), fomos ao Centro de Visitantes, onde se pode conhecer detalhadamente a biodiversidade encontrada no Parque Estadual, além de sua riquíssima história. Um detalhe não pode passar despercebido no Centro de Visitantes. Uma informação sobre a importância desta UC: o PERD é um sítio Ramsar. E o que isto significa? A Convenção de Ramsar é um tratado internacional que visa ao reconhecimento da importância das zonas úmidas para todas as formas de vida e a sua consequente proteção e uso racional, através de cooperação internacional. Existem no Brasil apenas 27 Sítios na Lista de Ramsar, sendo 24 unidades de conservação e três Sítios Ramsar Regionais. O Centro de Visitantes encontra-se muito bem cuidado, com uma impressionante riqueza de informações, organizadas em um formato muito didático. Chama a atenção a arquitetura deste prédio, estilizado em forma de um lagarto. No que seria a cabeça do réptil, há um mirante fantástico de onde se pode contemplar o formoso Lago Dom Helvécio, após percorrer uma caudalosa escadaria. Após apreciar a vista panorâmica, deslocamo-nos para o auditório Borun do Watu (nome pelo qual se autodenominavam os povos indígenas habitantes do vale do rio Doce), que fica a poucos metros do Centro de Visitantes. Participamos de uma palestra introdutória a respeito das regras a serem seguidas dentro de uma UC e um vídeo foi reproduzido sobre a biodiversidade da Mata Atlântica. Enfatizou-se a importância dos animais para o equilíbrio do ecossistema, principalmente as onças (que já foram muito caçadas na região), além de destacar um trabalho comunitário de conscientização. Havia um pequeno grupo de turistas conosco prestando atenção à palestra, eram jovens de um conjunto musical que se apresentaram na noite anterior em Coronel Fabriciano e, por sugestão do dono da pousada, estavam ali para conhecer o Parque.
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Ponte Queimada sobre o Rio Doce
Percorremos as principais trilhas do parque e conhecemos praticamente todos os atrativos abertos à visitação. São trilhas pequenas e de baixa dificuldade, ideais para a família até mesmo com crianças um pouco maiores. Seria interessante o PERD avaliar a possibilidade de projetar uma trilha maior, com dificuldade elevada, a fim de atrair praticantes de trekking (logicamente, após estudos de impacto acurados e observância ao Plano de Manejo). Acompanhou-nos por todos os atrativos o funcionário Gecimar Martins, o Cimar, outro vocacionado e apaixonado pelo serviço que faz. Conhece o PERD como poucos, sabe dos pormenores da mata, identifica plantas e animais com facilidade, percorre os caminhos com fluidez e cautela. Definitivamente, os atrativos mais notáveis do PERD são: o banho no lago, o passeio de barco e a pesca esportiva. Ficamos por mais de uma hora percorrendo a Lagoa Dom Helvécio, vimos muitas aves, répteis e capivaras. Encontramos pescadores (todos registrados) que nos contaram sobre a costumeira caçada criminosa de jacarés, o que foi confirmado por nosso guia, Cimar. “A água também está baixando, há décadas isso aqui tinha uma profundidade muito maior; hoje a gente percebe que já secou muito e continua secando”, explica Cimar ao nos mostrar até onde chegava a água em um dos píeres existentes nas margens do lago. Merece destaque também o vultoso viveiro que a UC mantém. Por onde andamos, não conhecemos viveiro maior. São milhares de plantas cultivadas e, inclusive, uma importante parceria com a comunidade local para a doação de mudas. O PERD iniciou experimentalmente um safari noturno (inspirado em UCs de outros países) que, em nosso olhar, possui um grande potencial ecoturístico dado o ineditismo da iniciativa e a raridade de atrativos deste tipo no Brasil. Não há a menor dúvida de que este Parque possui efetivo potencial para o ecoturismo. Não por acaso consta como uma das prioridades do Programa de Concessão dos parques estaduais. Além de possuir uma ótima infraestrutura (dispondo de portaria, estacionamento, área de camping, vestiários, restaurante, anfiteatro, biblioteca, auditório Centro de Visitantes, Centro de Pesquisas, Viveiro,
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posto de Polícia Ambiental), plenamente apta a receber turistas e pesquisadores, sua biodiversidade encantadora e atrativos múltiplos são capazes de fomentar o ecoturismo. Que, caso aconteça, a concessão se dê na estrita observância legal, respeitando o Plano de Manejo e as especificidades locais, sem jamais deixar de trabalhar a educação ambiental e incrementar sistemas de vigilância mais eficientes. Conversamos com o gerente da unidade, o marlierense Vinicius Moreira que possui um compromisso não apenas profissional com o PERD. Por ter nascido em uma das três cidades que abrangem o parque, Vinicius possui uma relação orgânica com a UC. Ele não apenas vive na unidade, mas, literalmente, vive a unidade 24 horas por dia e faz dela a razão de sua existência. O gerente explanou, com orgulho, a história do PERD, mencionou as célebres romarias ecológicas, falou sobre os principais problemas da unidade e elencou os imensos desafios: falta de funcionários, recursos escassos, burocracias (dificuldades comuns à maioria das unidades de conservação de nosso estado). Somam-se a isso a ocorrência de habituais caçadas e as recentes ações criminosas de incendiar o Parque.
Sobre as caçadas, Vinicius nos disse que, após o rompimento da barragem de Fundão, ocorrido na comunidade de Bento Rodrigues, em Mariana, naquela aterradora tarde de 5 de novembro de 2015, houve um aumento exponencial de caçadores e pescadores nos limites do parque – o que tem demandado intensa fiscalização. Sobre esse fato, ao visitarmos a Ponte Perdida, onde se localiza um centro de pesquisas,
um funcionário nos disse ter sido aquele um dos dias mais tristes de sua vida. “Sofri muito naquele tempo. Foram dias de lama e morte correndo pelo rio, muitas espécies mortas. Havia aqui do lado da ponte, um ninho de jacarés, eu tinha a esperança de que, com o passar do tempo, os bichos poderiam voltar, mas nunca voltaram. Acho que o rio nunca mais vai ser o mesmo”, relatou-nos quase com lágrimas nos olhos, arrancando de
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nós também um ensaio de pranto. Acompanhamos, ao longo de várias semanas, o sofrimento, a angústia e o trabalho árduo do gestor para debelar os seguidos incêndios criminosos (é praticamente um pleonasmo vicioso dizer que o incêndio é criminoso porque quase a totalidade deles o é – sobretudo em Mata Atlântica, mas fazemos questão de sempre adicionar o adjetivo para que as pessoas nunca se esqueçam de que estamos lidando com um crime e jamais podemos aceitar a normalização de criminalidade tão abjeta) que têm vilipendiado esta unidade de conservação e atentado contra o biossistema. Se tivéssemos de nos valer de apenas duas palavras para qualificar esta unidade de conservação, sem a menor dúvida, essas seriam: beleza e resiliência.
O Bispo Dom Helvécio Gomes de Oliveira nasceu em Anchieta (ES), em fevereiro de 1876. Após estudar num colégio salesiano em Niterói, parte para a Itália afim de fazer sua graduação. Formouse na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, entre os anos 1894 e 1897, no apogeu do pontificado de Leão XIII (1878-1903), o Papa da Rerum Novarum (encíclica que tratava das condições da classe trabalhadora em todo o mundo). Retorna ao Brasil em 1900, sendo designado pároco em Cuiabá (MT). Em meados de 1900, ordena-se Presbítero e, no ano seguinte, assume a diretoria do Colégio São Gonçalo. Em 1918, foi designado para ser Bispo de Corumbá (MS) e quatro anos mais tarde toma posse como Bispo da Arquidiocese de Mariana (MG), tendo atuação política e social marcante na região, inclusive nos eventos da Revolução de 1930. Em meados dos anos 30, em visita à região de Ipatinga, o religioso ficou encantado com as matas e, demonstrando consciência ecológica inédita e grande preocupação com a exploração da floresta por empresários, corajosamente tomou a sábia decisão de registrar no Livro de Tombos da Arquidiocese de Mariana a área onde atualmente encontra-se o PERD, que hoje é reconhecido como Reserva da Biosfera pela UNESCO. Sugeriu ao então governador mineiro, Benedito Valadares, a demarcação de uma área de 320 km², entre Timóteo e Marliéria, para proteção ambiental, o que aconteceu em 1936. Oito anos mais tarde, por meio do Decreto-lei nº 1.119, estava criado o Parque Estadual. O religioso faleceu no dia 25 de abril de 1960 em Coronel Fabriciano. Seus restos mortais se encontram sepultados na Cripta da Catedral de Mariana. Dom Helvécio foi reconhecido como “o bispo das matas virgens” e hoje dá
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nome a uma magnífica lagoa, a mais notável do PERD, com uma área de cerca de 7 km² e cerca de 30 metros de profundidade. Homenagem mais do que justa a um dos precursores da ecologia em Minas Gerais e defensor das florestas primárias. Se hoje ainda temos essa valiosíssima reserva de Mata Atlântica, é muito graças a ele e seu vanguardismo ambiental. Não se trata apenas de pioneirismo, como também de grandiosidade. Esta UC, que possui atualmente uma área de quase 37 mil hectares, abriga a maior reserva contínua de Mata Atlântica de Minas Gerais, além de abranger um grande sistema lacustre composto por mais de quarenta lagoas naturais, configurando-se como um dos três maiores sistemas de lagos que ocorrem no Brasil, atrás apenas do Pantanal Matogrossense e da Amazônia. Segundo o IEF, nesta unidade de conservação podem ser encontradas cerca de dez mil categorias, 134 famílias e cerca de mil espécies vegetais típicas do bioma.
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Parque Estadual da Lapa Grande Mata Seca - Trilha para a Lapa Pintada
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ontes Claros, a capital das GeraisI, foi o 12° destino de nosso projeto. Como dissemos no início, o método adotado para escrever esta publicação levou em conta a cronologia. Portanto, ao aportarmos nesta unidade de conservação, o nosso olhar já estava bastante ambientado com a temática proposta para compreender e exteriorizar. As leituras técnicas feitas no período de execução desta tarefa, aliadas à experiência adquirida ao longo dos meses, nos proporcionaram miradas mais assertivas nesta fase de arremate. Motivo pelo qual, quiçá, utilizaremos um texto com menos adjetivos, retratando de maneira retilínea a UC examinada. Foram 500 quilômetros percorridos em oito horas de viagem partindo de Belo Horizonte. No caminho, encontramos referências ao Parque Estadual da Lapa Grande (PELG), algo infrequente. Pouco à frente do entroncamento da BR 040 com a BR 135, há placas indicativas para o Parque. Via de regra, notamos ausência de uma sinalização turística adequada nas estradas que levam às unidades de conservação. Isso seria algo importante a ser observado pelo poder público estadual, tanto nas rodovias que administra quanto nas concessões. De todo modo, pode-se dizer, de maneira categórica, que este é um dos parques que possuem maior número de placas indicativas em lugares estratégicos. Destaca-se que todo o trecho rodoviário de Belo Horizonte até Montes Claros está em boas condições. Importante registrar isso porque, geralmente, o que presenciamos no país, com relação às estradas, tem sido um cenário ruim. Inclusive, I Os gerais podem ser entendidos como as áreas de topos de serra, planaltos, encostas e vales dominados pelo Cerrado. Essa definição é utilizada no Norte de Minas pela população local, mas características semelhantes são encontradas em toda metade do estado de Minas Gerais e no oeste da Bahia. Porém, podemos destacar uma porção menor da região, na qual o processo de identificação com os gerais, a ressignificação e apropriação da identidade geraizeira, tem ocorrido com maior vigor. Essa porção está localizada nas chapadas que margeiam a Cadeia do Espinhaço, com maior relevância nos municípios de Rio Pardo de Minas, Riacho dos Machados, Grão Mogol e Montes Claros (CARVALHO, 2014; NOGUEIRA, 2009)
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já relatamos isso aqui. Para alguns parques, a viagem poderia ser feita na metade do tempo, mas as condições rodoviárias muito delongavam a rota. O Parque Estadual da Lapa Grande está a cerca de 12 km da região central de Montes Claros. São pouquíssimos os parques abertos à visitação tão próximos a grandes centros urbanos, o que faz do PELG, uma UC ainda mais preciosa. As riquezas aquífera e espeleológica são duas das grandes joias desta unidade de conservação norte-mineira. De acordo com o IEF, são cerca de 60 grutas de especial valor espeleológico (várias delas com inscrições rupestres e fósseis), entre elas a Lapa Grande, que nomina o parque. Já com relação às águas, há ali nascentes responsáveis por abastecer cerca de 30% da população de Montes Claros. Segundo a Copasa, há atualmente duas captações de água nos rios Lapa Grande e Rebentão dos Ferros. Após a captação, a água é bombeada para a estação de tratamento no Bairro Morrinhos. O Parque Estadual da Lapa Grande foi criado em janeiro de 2006 e sua área ampliada significativamente por meio do Decreto 46692, de 2014. Atualmente, a área total do PELG é de pouco mais de 15.000 hectares que abrigam o célebre cerrado mineiro com a presença notável da Mata SecaII. O acesso ao parque, (que se dá) pela “Estrada do Alfeirão”, a partir de Montes Claros é muito ruim. Segundo nos disseram, uma rota alternativa em melhores condições havia sido fechada há pouco tempo devido a uma questão fundiária. Para acessar o parque atualmente é preciso passar por uma ocupação irregular, numa estrada de terra que não se encontrava nas melhores condições de conservação quando de nossa visita. Uma vez no parque, fizemos questão de percorrer todos os atrativos durante os dois dias que por lá estivemos. No primeiro dia, fomos ao Boqueirão da Nascente, após percorrer uma bela trilha de cerca de meio quilômetro (com mata ciliar muito bem preservada) margeando o Rio Lapa Grande e suas águas cristalinas. O nível de dificuldade é considerado fácil. À entrada da caverna, ainda é possível avistar o curso do rio sumindo, aos poucos, na escuridão da cavidade. O Boqueirão da Nascente possui esee nome porque os antigos acreditavam que ali nasceria o rio; hoje, todavia, sabe-se que dada à formação cárstica, as águas se infiltram com facilidade por entre as rochas, reaparecendo matreiramente pelas ressurgências. O que parecia uma nascente, era, na verdade, uma das tantas ressurgências. II Sob a designação Mata Seca estão incluídas as formações florestais caracterizadas por diversos níveis de caducifólia (queda de folhas) durante a estação seca, dependentes das condições químicas, físicas e principalmente da profundidade do solo. A Mata Seca não possui associação com cursos de água, ocorrendo nos interflúvios (área mais elevada situada entre vales) em solos geralmente mais ricos em nutrientes. Em função do tipo de solo, da composição florística e, em consequência, da queda de folhas no período seco, a Mata Seca pode ser de três subtipos: Mata Seca Sempre-Verde, Mata Seca Semi-decidual, a mais comum, e Mata Seca Decidual.
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Lapa Pintada
O segundo dia foi inteiramente dedicado a três atrativos: 1. Lapa Pintada - possui este nome em virtude da existência de mais de mil gravuras rupestres no local que, segundo os estudiosos, teriam sido feitas entre 8 e 12 mil anos atrás;
Ponte de Pedra
Lapa Grande
Registre-se que encontramos na Ponte de Pedra duas coisas que nos deixaram perplexos: uma pichação feita no mesmo dia em que lá estivemos, provavelmente pouco tempo antes de estarmos ali porque a tinta parecia fresca. A segunda ocorrência foi que encontramos restos de um possível churrasco de cobra. Pasme, mas é isso mesmo! Tudo foi devidamente fotografado e relatado à direção da UC pelo competente Eliano. Essa situação nos demonstra cabalmente a necessidade de uma fiscalização rígida nas unidades de conservação, assim como a necessidade
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2. Ponte de Pedra - instigante formação natural em arco, importante referência histórica na região do Casarão das Quebradas, pois funcionava como uma ponte natural sobre o Rio Lapa Grande, para os tropeiros e viajantes; 3. Lapa Grande - com aproximadamente 2,2 Km de extensão, a cavidade que dá nome ao Parque é considerada uma das maiores da região, possuindo: estalactites, estalagmites, represas de travertinos, dentre outros. Muitos espeleotemas que existiam na Lapa Grande foram total ou parcialmente destruídos devido a uma mineração de salitre no local largamente utilizado para a fabricação de pólvora. de uma educação ambiental permanente. Pontuamos também que é essencialmente importante a recuperação da sede da Fazenda das Quebradas, transformando-a em um atrativo ou museu – essa é uma das áreas que foram desapropriadas para a criação da UC e hoje encontra-se escorada com iminentes riscos de desabamento. Uma das casas é do fim do século XIX e possui uma história fortemente identificada com Montes Claros, por isso não pode ser simplesmente demolida pela omissão do poder público. Não há qualquer dúvida de que
esta unidade de conservação possui uma enorme potencialidade a ser exploradaIII, o que se constata muito facilmente quando se examina o número de visitantes. Um gerente, sabemos muito bem, possui excessivas tarefas (além de não possuir formação específica em turismo ou algo equivalente) não consegue se dedicar satisfatoriamente para potencializar o turismo. Em nosso entendimento, são focos bastante distintos: de um lado, a fiscalização e a conservação (incluindo pesquisas e atividades congêneres) e de outro, o ecoturismo e suas nuances específicas. A necessidade da especialização para se alcançarem eficientes resultados é uma das constatações quando se examinam as boas práticas de gestão, tanto públicas quanto privadas. Como se trata de um bioma com predominância de Mata Seca, há constância de incêndios nesta unidade. Por acaso, em nosso segundo dia de visita a esta UC, notamos fumaça no céu e, ao sobrevoarmos a área com um drone, constatamos que se tratava de um incêndio fora dos limites do parque, mas isso deixou os funcionários plenamente em alerta. Um importante destaque neste parque diz respeito à parceria com a Prefeitura Municipal de Montes Claros quanto à cessão de estagiários à UC. Temos notado uma ausência quase que completa por parte das prefeituras municipais quando se trata de apoiar as UCs. Sabemos muito bem da situação tenebrosa por que passam as prefeituras mineiras (o Governo Estadual deve mais de 13 bilhões aos municípios mineiros)IV, entretanto, as UCs às vezes dependem de muito pouco – manutenção de suas estradas, estagiários ou pequenas manutenções – isso seria o suficiente para melhorar o funcionamento regular delas, pelo menos até que se efetive o Plano de Concessões. Notamos, nos registros de visitação da UC e em conversas com funcionários, a presença significativa de alunos de escolas da região. Quase toda semana, há estudantes visitando o PELG. A população local, entretanto, não conhece e/ou não frequenta satisfatoriamente o lugar. No fim de semana que por lá estivemos, foram poucas as visitas. Ao conversar com pessoas pelas ruas de Montes Claros, (empiricamente, registre-se – sem qualquer pretensão de cientificidade, assim como em todo este projeto) constatamos que boa parte conhecia o parque, mas não o frequentava; havia também montesclarenses que sequer haviam ouvido falar desta UC. III Não nos agrada esta nomenclatura porque, ao longo do tempo, tornou-se sinônimo de agressão, mas a utilizamos aqui neste trabalho em sua conceituação adequada – a exploração sustentável do ecoturismo. IV Com relação a esta temática, vale a pena ler esta matéria quando do reconhecimento do Governo Estadual da dívida bilionária aos municípios: http://bit.ly/2D7CIlU
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Outro ponto muito favorável ao PELG é a existência de cerca de 140 quilômetros de trilhas exclusivas para ciclistas (todos devidamente cadastrados e que contribuem para a manutenção das rotas, informou-nos a UC). Foi nos dito que tem havido um aumento significativo de observadores de aves nos últimos anos. Notamos também que associações e grupos de observação de pássaros têm crescido e frequentado mais amiúde as nossas UCs. Um trabalho de parceria com esses grupos pode ser estratégico para o fomento do ecoturismo nas unidades de conservação mineiras. Encontramos uma unidade de conservação com uma infraestrutura muito boa se comparada à média das demais UCs de Minas Gerais abertas à visitação. As trilhas apresentavam bom estado de conservação, embora não contassem com uma sinalização tão satisfatória se comparada a outras UCs. Percorremos todas elas, guiados pelo monitor ambiental Eliano, que nos dispensou um excelente tratamento, além de nos conduzir com exemplar maestria, habilidade, gentileza e conhecimento acerca da natureza local. Adicione-se também que, por se tratar de um parque tão próximo do centro urbano, deveria haver, em suas dependências, um restaurante ou, pelo menos, uma lanchonete. Encontramos alguns turistas que também reclamaram isso. Segundo a bióloga Rúbia FonsecaV, pesquisadora da UFMG, a região norte de Minas Gerais é uma das mais importantes do Brasil, em se tratando de biodiversidade. De acordo com ela, apenas em duas regiões do país há o encontro de três biomas. O PELG estaria justamente nessa zona, na intersecção da Caatinga, vinda do Norte, somando-se à Mata Atlântica, proveniente do Leste e o Cerrado, assomado da região sul. Esse encontro, dizem os especialistas, além de raro, gera uma profusão de biodiversidade. Quanto ao mais, o PELG é um parque encantador e absolutamente essencial para aquela região, tanto pelas riquezas hidrominerais e espeleológicas, quanto pela importância histórica e biodiversidade. Preservá-lo não pode ser uma opção, mas um dever inescapável do poder público e da sociedade civil.
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Em entrevista à INTERTV quando da reabertura da UC em 05/01/2018
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Parque Estadual da Serra do Cabral
I
nicialmente, nossa previsão era visitar apenas 11 unidades de conservação em Minas Gerais, mas fomos, paulatinamente, ampliando nosso escopo inicial, após excelentes reuniões de planejamento e conversas com a Cristiane Froes, gerente de Implantação e Manejo de Unidades de Conservação, vinculada à Diretoria de Unidades de Conservação do IEF. Cristiane nos foi apresentada pelo Hidelbrando Canabrava Rodrigues Neto, secretário executivo da Secretaria de Estado Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. É preciso citar estes dois nomes porque ambos nos receberam com elogiáveis lhaneza e consideração. Nenhuma informação nos foi negada e todos os acessos nos foram concedidos – algo que merece menção, já que, muitas das vezes, acostumamonos a lidar com gestores públicos letárgicos e menos comprometidos com o serviço público do que deveriam. Assim, denodadamente, fomos conhecer um parque que não planejáramos: o Parque Estadual da Serra do Cabral (PESC) e podemos, agora, dizer com propriedade: ainda bem que alargamos o script, conhecer este parque foi surpreendentemente incrível. A majestosa Serra do Cabral, na região centro norte do estado, não passa despercebida por quem transita pela rodovia federal BR-135, sentido norte de Minas. O colosso rochoso, com altitudes que variam de 900 a 1300 metros de altitude, pode ser avistado a muitas léguas dali e a montanha, cuja origem do nome não se sabe ao certo, também nomina o parque estadual, localizado entre as cidades de Buenópolis e Joaquim Felício, em uma região comumente chamada de Grandes Sertões.
Vereda
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No auge dos incêndios por toda Minas Gerais que, nesta primavera, aumentaram 62% em comparação ao ano passadoI, presenciamos a angústia dos gerentes das unidades de conservação pelo estado afora. Acabamos criando relações de amizade com alguns gestores das UCs e, junto com eles, sofremos, impotentemente, ante a constância das queimadas. O Parque Estadual da Serra do Cabral, do mesmo modo, sofreu com as queimadasII. Apesar do momento delicado e dos incêndios incessantes, foi mantida a nossa visita -confirmada na última hora, após aquiescência do solícito gerente da unidade, Jarbas Jorge de Alcântara. Fomos recebidos pela monitora ambiental Daniela Viveiros, entre brigadistas do parque e profissionais de outras cidades que também chegavam e se organizavam, numa grande sala na sede do parque, para reforçar a equipe e dar continuidade às operações de combate aos incêndios. Criada em setembro de 2005, por meio do Decreto Estadual 44.121, esta unidade de conservação possui uma área de 22.5 mil hectares, na região do Baixo Rio das Velhas, na área onde a Cordilheira do Espinhaço faz a divisão das bacias dos rios das Velhas e Jequitaí, afluentes da margem direita do rio São Francisco. A vegetação local é composta de veredas, matas e cerrado. Há ocorrência de sempre-vivas e palmito doce. Na fauna, destaca-se a presença de antas (animal símbolo do parque), espécie ameaçada de extinção, além de tamanduás, suçuarana, jaguatirica, onça pintada, tatus e sauá. Como o tempo não nos era favorável (tínhamos menos de um dia para conhecer a UC), optamos por visitar a sede do parque (antiga fazenda do Sobrado) e a trilha “Descobrindo o Cabral”, onde há sítios arqueológicos pré-históricos com várias pinturas rupestres. O Parque Estadual da Serra do Cabral está instalado numa propriedade que pertencia à família Teixeira Toledo – a Fazenda do Riachão, onde se contempla um imponente sobrado, das primeiras construções do século XIX em Buenópolis. Hoje, com algumas modificações feitas por um industrial carioca que adquiriu a fazenda em 1916. À parte frontal da antiga edificação de influências coloniais, anexou características da arquitetura inglesa. Anos depois, a Rede Ferroviária Federal adquiriu a fazenda, revendendo-a à Prefeitura de Buenópolis em 1995, que a incluiu no livro de tombos do município três anos mais tarde. Em 2006, a Prefeitura doou o imóvel ao IEF, que restaurou a edificação. Não se trata apenas de um belo prédio, mas de uma referência muito importante para a história daquela região - poucas UCs possuem uma sede assim. I II
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Ler reportagem: http://bit.ly/35vHTIt Ler reportagem: http://bit.ly/35uWl3g
PARQUES DE MINAS OLHARES GERAIS
Lapa da Dança
Logo depois de percorrermos 10 quilômetros de estrada de terra (faríamos o trajeto a pé, mas precisávamos de celeridade), fomos conhecer duas veredas (falo deste encontro ao final deste capítulo), um subsistema cada vez mais ameaçado pela expansão das áreas agrícolas, assoreamentos e queimadas – o que impacta na capacidade hídrica do Rio São Francisco. Este tema foi debatido, em abril de 2017, na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos DeputadosIII. Após nos emocionarmos com as veredas, foi a vez de caminhar pela serra e contemplar a bela flora do Cerrado e os sítios arqueológicos. Nas trilhas que dão acesso aos atrativos na serra, quase não há sinalização e as poucas placas existentes mais confundem que orientam. Para a nossa sorte, estávamos com uma grande conhecedora do lugar: Daniela Viveiros, uma profissional verdadeiramente apaixonada por sua região e fala sempre com muito amor quando se refere ao PESC. Apresentounos o parque durante um dia inteiro como se falasse do quintal de sua casa. Um dos sítios que visitamos foi a Lapa da Dança e Daniela nos explicou que as pinturas rupestres sugeririam uma espécie de coreografia dos cabralinos (como foram denominados os antigos habitantes do lugar). Eles teriam vivido naquela região há cerca de 2 mil anos. São pinturas rupestres muito interessantes e ainda muito visíveis. O parque foi aberto à visitação há poucos anos e a população local ainda está se acostumando com a presença de turistas. Como não há portaria para o registro dos visitantes, não é possível saber, com exatidão, o número de ecoturistas. Porém, todas as pessoas com quem conversamos foram enfáticas em dizer que está aumentando sensivelmente o número de visitantes. A regularização fundiária, assim como ocorre com a imensa maioria das unidades de conservação, é uma das preocupações desta UC, explicou-nos Daniela. Essa questão, aliada ao número insuficiente de funcionários e ao fato de haver vários sítios arqueológicos fora da área demarcada do parque, exigiriam uma atuação que se torna impossível atualmente. A ocorrência de caçadas também preocupa, principalmente porque na UC e na zona de amortecimento há vários animais ameaçados de extinção. Ao conversarmos com habitantes da cidade de Buenópolis, tomamos conhecimento de um dos caçadores mais “afamados” é um conhecido policial militar reformado. Ele andaria, orgulhosamente armado, intimidando quem ousasse denunciá-lo. Ademais, possuiria um irmão influente em Belo Horizonte e este contexto dificultaria a responsabilização criminal deste suposto infrator, que incorre nas penas III
Sobre este assunto, sugerimos a leitura desta matéria no sítio da Câmara dos Deputados: http://bit.ly/35rxrSf
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do artigo 29 da Lei de Crimes AmbientaisIV. Vale dizer: com o advento, no ano de 1998, da lei 9605, o Brasil passou a criminalizar, de maneira efetiva, as condutas nocivas ao meio ambiente. Anteriormente, essas condutas eram tratadas como contravenções penais e punidas na forma do artigo 26 do antigo Código Florestal (Lei 4771/65). Há, atualmente, no Congresso Nacional, iniciativas visando ao aumento da pena dos crimes de caça e tráfico de animais silvestres, como a do deputado pelo estado do Rio de Janeiro, Roberto SalesV. Optamos por utilizar, durante todo o livro, o narrador em primeira pessoa do plural. Restando, todavia, apenas duas unidades de conservação para o fechamento, permitam-me, na 13ª etapa deste projeto, falar em primeira pessoa do singular sobre algo que me emocionou profundamente: o encontro com as veredas. Minha relação com a obra de Guimarães Rosa vem desde a infância. Menino aventureiro, em vão, tentei lê-lo. “Isso ainda não é para você, menino”, dizia-me a bibliotecária Dona Aidê. Já na adolescência, consegui decifrá-lo um pouco, sobretudo, as suas obras iniciáticas – alguns contos de Sagarana, por exemplo, os quais encenamos num grupo de teatro do qual participe. Agora, na vida adulta, busquei as raízes de sua relação com Itaguara e, após apoio de muitas pessoas, criamos o Museu Sagarana em homenagem ao Doutor João e sua passagem por Itaguara, cidade de onde fui prefeito por dois mandatos. Ainda que o grande sertão seja metafísico (como gosta sempre de me dizer sua filha e minha ilustre amiga e conterrânea Vilma Guimarães Rosa), ali em Buenopólis, na presença de amigos e de uma monitora ambiental apaixonada por sua terra natal, consegui adentrar fisicamente no universo roseano. O meu primeiro encontro, na região dos grandes sertões, com uma vereda, um verdadeiro oásis com seus álares buritis que parecem desafiar a sisudez do cerrado carrancudo, deixou-me, confesso, com o inexprimível sentimento; a literatura e a natureza se amalgamam e a nossa existência, embora eterno irrespondível mistério do universo, possui uma íntima beleza, algo tão profundo e belo, que torna desnecessária qualquer tipo de explicação. O sentir é o sentido. Gratidão, Parque Estadual da Serra do Cabral.
IV V
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Leia o artigo 29 da lei nº 9.605 de 12 de fevereiro de 1998. Link do projeto de lei apresentado: http://bit.ly/2QNQ4M6
PARQUES DE MINAS OLHARES GERAIS
Parque Estadual do Itacolomi
C
riado na segunda metade da década de 60, abrange dois dos mais prestigiosos municípios de Minas Gerais: Ouro Preto e Mariana. O Parque Estadual do Itacolomi (PEIT) possui 7.543 hectares permeados de Mata Atlântica e Campos Rupestres. É nesta UC, incrustada no Quadrilátero Ferrífero (uma das principais províncias minerais do país) que se encontra o mais belo mirante da região. Dos arredores do Pico que nomina o parque, pode-se contemplar um panorama magistral da região da antiga Vila Rica e suas cercanias.
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Há pelo menos duas explicações para o nome do pico que nomina o parque. Para alguns, “itacolomi”, decorre de “itacumirim”, que, na língua dos índios cataguases, possui o significado de “pedra-menino”. A outra versão dá conta de que o termo se deriva do tupiguarani, significando “a pedra e o menino”, já que a aparência das rochas alude a uma pedra maior, que seria a mãe, com uma menor ao seu lado, que seria o filho. Conta a história oficial que, num alvorecer de junho de 1698, o mítico Antônio Dias, liderando um grupo de bandeirantes, avistou o Pico do Itacolomi, do cume de uma montanha da Serra do Espinhaço. A partir daquele dia, o topo tornou-se um dos principais marcos de referência para a localização do território das minas de ouro, sendo batizado, anos mais tarde, de “farol dos Bandeirantes”. Há nesta unidade de conservação, diversas nascentes de duas importantes bacias hidrográficas: a do Rio Doce e a do Rio São Francisco. Para chegarmos à portaria principal do PEIT, fomos enganados duas vezes pelo aplicativo waze que nos levou a estradas secundárias no meio de plantações de eucaliptos. Foi difícil sair dali, mas, com sorte e habilidade, retornamos à BR 356, onde, aliás, faltam placas de sinalização mais eficientes indicando distância e direção da UC. Visitamos esta unidade por duas vezes durante o projeto. Primeiro, para conhecer o parque, sua estrutura e percorrer as trilhas. Estivemos, por um final de semana, hospedados nas dependências do próprio PEIT, que possui boas condições de hospedaria. Recomendamos aos visitantes que se hospedem dentro dos parques (são poucos os que oferecem esta possibilidade e as vagas limitadas - mas onde isso é possível, são oferecidas boas condições para receber os turistas – nada de opulência material; o esplendor, neste caso, é a interação permanente com a natureza, a harmonização com o meio ambiente, a profusão de sentidos da mata). É, de fato, uma experiência valiosíssima. Antes de explorar as trilhas, fomos conhecer as estruturas da unidade. O Centro de Visitantes e Museu do Chá possui uma exposição permanente que conta a história da produção de chá naquela região, assim como traz informações relevantes sobre o parque estadual, seus atrativos e características geológicas, faunísticas e florísticas. Há ali também um bom auditório com capacidade para cerca de 80 pessoas. Sobre o chá, vale dizer: parte da área onde atualmente se encontra o PEIT, pertencia à Fazenda São José do Manso, que produzia chá industrialmente na primeira metade do século XX. Uma parte das máquinas alemãs e equipamentos originais encontra-se preservada no Museu local.
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PARQUES DE MINAS OLHARES GERAIS
As demais estruturas e atrativos do PEIT são: Capela São José, Casa Bandeirista, lanchonete e quiosques com churrasqueiras (acreditamos, inclusive, que este tipo de construção deveria ser revisto nos parques estaduais – poderia até fazer algum sentido quando foi edificado, mas hoje não nos parece adequado por várias razões), Lagoa da Capela e Represa do Custódio e as Trilhas: da Capela, do Forno, da Lagoa, do mirante do Custódio, do Pico do Itacolomi. Recentemente, também inaugurou-se a Trilha dos Sentidos, nos moldes do atrativo de mesmo nome que existe no Parque Estadual da Mata do Limoeiro. Tombada pelo Patrimônio Histórico, a Casa Bandeirista é um atrativo especial e faz parte das raízes históricas mais profundas das Minas Gerais. A antiga sede da Fazenda São José do Manso é um dos legados da arquitetura colonial do início do século XVIII deixados pelos bandeirantes naquelas terras. Edificação construída entre 1706 e 1708, é um raro exemplar deste estilo arquitetônico em Minas Gerais, considerada por estudiosos o primeiro prédio público do Estado. Estivemos no PEIT quando acontecia uma competição de trail run (corrida de montanha). O parque se achava muito movimentado durante todo o sábado. Já, no domingo pela manhã, fomos acordados por barulhos de bicicleta – centenas de ciclistas participavam de um passeio do PEIT até Lavras Novas. Notamos que o parque possui um calendário bastante movimentado com eventos culturais e esportivos – o que vimos na prática e também foi confirmado pela direção. Entre os projetos de pesquisa desenvolvidos no parque, destaque para as áreas de ecologia, zoologia e botânica. Percorremos as principais trilhas do Parque e conhecemos seus principais atrativos, dentre elas a que leva ao Morro do Cachorro e ao Pico do Itacolomi. Levamos cerca de 4 horas para cumprir o caminho, contando ida e volta, parando, fazendo fotos, tomando notas e observando a paisagem. A bem da verdade, a neblina, em determinado momento, ofuscou a nossa observação grande angular e tivemos de nos contentar em apreciar os poucos metros que nossos olhares eram capazes de alcançar. Os binóculos, acessório que sempre levamos quando andejamos pelos altos, passaram a ser apenas peso inoportuno na mochila. Mas era cativantemente bonito estar ali, mesmo diante de um clima “desfavorável” - uma beleza diferente, as resistentes arvorezinhas dos campos rupestres pareciam se deleitar com a inesperada orvalhada. Inesperada apenas para nós,
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exploradores, amantes das previsibilidades, porque ali chuva, calor, frio e sereno se intercalam num fascinante balouço climatológico. Encontramos trilhas muito bem cuidadas, limpas, autoguiadas e, satisfatoriamente, sinalizadas (apesar de as placas estarem um pouco antigas e necessitarem de manutenções e, eventualmente, algumas substituições). Na conversa que tivemos com a gerente desta unidade de conservação, Maria Lúcia Coimbra Cristo, constatamos que a regularização fundiária, de fato, é um dos principais problemas comuns a praticamente todas as unidades de conservação de nosso estado. Pontua também a diminuição de funcionários, foram oito colaboradores dispensados nos últimos dois anos. Como se trata de uma UC muito próxima da cidade, ela nos explica que há problemas de invasão, extração de candeia, coleta de orquídeas, caçadas, capturas de animais. A existência de muitas entradas clandestinas é um dos principais motivos para a existência de muitos dos problemas elencados. Nos diagnósticos do Plano de Manejo do Itacolomi, são basicamente estes os mesmos gargalos apresentados. Apesar da queda no número de visitantes nos últimos dois anos, houve um aumento significativo na arrecadação. De acordo com Lúcia, antigamente davase muita isenção de forma deliberada. “É preciso seguir a portaria”, adverte. Segundo ela, a arrecadação de 2018 corresponde à mesma quantia relativa aos cinco anos anteriores. Em dois anos à frente do Parque, Lúcia foca na conscientização, trabalhando a interação da comunidade com a UC. “Não podemos nunca nos afastarmos da população, é preciso envolver as pessoas sempre”, diz. De acordo com o Plano de Concessões do Governo do Estado, o PEIT será a segunda UC a ser concedida. Quanto às expectativas, Lúcia diz que vê com bons olhos as concessões. “O uso público muito nos absorve e não temos tempo para cuidar da área preservada, que é o mais importante”, comenta. Outra questão mencionada por ela é a necessidade de se incentivar ainda mais o voluntariado nas UCs. Temos percebido que esse movimento já está acontecendo; por quase todos os parques onde passamos vimos articulações de projetos com voluntários – alguns bem adiantados e outros incipientes. Notamos, de toda maneira, uma preocupação dos gestores das UCs neste sentido. Em nossas pesquisas e estudos, temos percebido que as concessões têm sido uma tendência nas várias unidades da federação. Algumas são verdadeiros cases de sucesso (não imunes a críticas e aperfeiçoamento do modelo) e outras são ainda casos que precisam ainda ser acompanhados de perto para um diagnóstico mais preciso. De todo modo, a fala de Lúcia é bastante coerente: à medida que o uso público for
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entregue a uma concessionária (que respeite, obviamente, o Plano de Manejo), os servidores públicos poderão se dedicar integralmente à preservação. Uma fala de Lúcia coaduna com o nosso pensamento, após meses estudando esta temática: “Defendo que os parques estejam abertos para a população e a partir desta integração com a comunidade haja um processo permanente de conscientização ambiental”. A gerente faz uma sugestão: “Não existe oficialmente o cargo de gerente de unidade de conservação na estrutura do IEF. Técnicos e analistas recebem uma gratificação, que é desproporcional ao trabalho que fazemos e desmotivador”. Segundo ela, seria importante pensar uma estrutura de gerência dos parques nos moldes do ICMBio.
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Parque Estadual da Serra do Rola-Moça
N
Manacial Catarina
ão é sem emoção e até mesmo com um certo saudosismo que chegamos ao último parque estadual deste projeto que, no mínimo, aprimorou a nossa visão com relação às unidades de conservação de Minas Gerais. Na décima quinta e última visita, tínhamos, por um lado, bases reais de comparação e, por outro, as leituras técnicas, um rol de notas e todas as vivências – isso nos garantia, inexoravelmente, um olhar mais acurado, menos passional, mas ainda distante de qualquer tecnicismo, com o qual não ousamos flertar em nenhum momento desta expedição pelas unidades de conservação mineiras. Assim, chegamos ao terceiro maior parque em área urbana do Brasil: o Parque Estadual da Serra do Rola-Moça (PESRM), com cerca de 4 mil hectares, contendo os biomas: Cerrado e Mata Atlântica, incluindo, ainda, os raros Campos Rupestres Ferruginosos.
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Criado em setembro de 1994, por meio do Decreto-Lei 36.071, abrange os municípios metropolitanos de Belo Horizonte, Brumadinho, Nova Lima e Ibirité. O PESRM está, pois, completando o seu jubileu de prata. Fica bem próximo da capital mineira, a apenas 25 quilômetros pela BR 040, com acesso pelo bairro Jardim Canadá (uma das portarias existentes). Adjacente ao Parque, há um importante remanescente florestal que abriga um valioso manancial de água, trata-se da Estação Ecológica de Fechos (EEF).
O turismo fotográfico é um dos principais atrativos do PESRM, já que há seis belos mirantes com vista para as matas e serras circunvizinhas, os campos rupestres e as cidades metropolitanas. São eles: Mirante Três Pedras, Mirante dos Planetas e Mirante Morro dos Veados (todos de fácil acesso, bastando um pouco de disposição em caminhar por trilhas leves que estão todas em muito bom estado). O parque é muito procurado também por ciclistas que têm fomentado cada vez mais a prática de mountain bike na região. Há roteiros específicos para essa finalidade. Nos finais de semana, cerca de 300 ciclistas passam pela UC. No PESRM, há uma destacada riqueza natural. Sua biodiversidade consiste em uma série de espécies da fauna (1obo-guará, onça parda, cachorro-do-mato, veado campeiro, carcará) e flora (canela-de-ema, espécie símbolo do parque, orquídeas, bromélias e cactáceas). Sobre a origem do nome deste parque, no mínimo, intrigante, alguns dizem ser apenas um causo sem fundamento, outros garantem que a história teria, de fato, ocorrido. Verdadeira ou não, o fato é que nenhuma outra unidade de conservação do Brasil tem seu nome imortalizado num poema de um dos grandes idealizadores do Modernismo. Mário de Andrade teria ouvido, em Belo Horizonte, a história da moça que, acompanhada do marido, cavalgando de volta do casamento, teria escorregado e rolado serra abaixo.
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Eis os versos publicados na mítica revista KlaxonI:
A SERRA DO ROLA-MOÇA
Pelos atalhos da serra
E apressadas se escondiam
O casco pisara em falso.
Cada qual no seu cavalo.
Lá embaixo nos socavões,
Dão noiva e cavalo um salto
Temendo a noite que vinha.
Precipitados no abismo.
A Serra do Rola-Moça Não tinha esse nome não...
Os dois estavam felizes,
Nem o baque se escutou.
Na altura tudo era paz.
Porém os dois continuavam
Faz um silêncio de morte,
Eles eram do outro lado,
Pelos caminhos estreitos
Cada qual no seu cavalo,
Na altura tudo era paz ...
Vieram na vila casar.
Ele na frente, ela atrás.
E riam. Como eles riam!
Chicoteado o seu cavalo,
E atravessaram a serra,
E riam. Como eles riam!
E os risos também casavam
No vão do despenhadeiro
O noivo com a noiva dele
Riam até sem razão.
Com as risadas dos
O noivo se despenhou.
Cada qual no seu cavalo. Antes que chegasse a noite
cascalhos, A Serra do Rola-Moça
Que pulando levianinhos
E a Serra do Rola-Moça
Não tinha esse nome não.
Da vereda se soltavam,
Rola-Moça se chamou.
Se lembraram de voltar.
Buscando o despenhadeiro.
Disseram adeus pra todos
As tribos rubras da tarde
E se puserem de novo
Rapidamente fugiam
Ali, Fortuna inviolável!
A UC possui uma excelente estrutura e conta com três portarias, sede administrativa, Plataforma de Observação Astronômica, Centro de Visitantes, Centro Integrado de Operações, viveiro de mudas, auditórios, alojamentos, vestiários, uma biblioteca e residências funcionais. Quem nos acompanhou durante nossa visita foi a monitora ambiental Daniela Rabello, bióloga formada pela UFMG. Apesar de recém-chegada ao PESRM, demonstra ser uma grande conhecedora da temática ambiental. Com amabilidade e disposição, apresentou-nos, paciente e minuciosamente, os principais atrativos. Visitamos o viveiro de mudas, que é atualmente mantido pela UC em parceria com a AMDA (Associação Mineira de Defesa do Ambiente). Esperamos que, com a concretização das concessões dos parques estaduais, os viveiros de mudas (apoiando as ações de reflorestamento e doações de mudas às comunidades no entorno das UCs) sejam fortemente impulsionados nas unidades de conservação em todas as regiões do estado. Nesta unidade de conservação, há seis importantes mananciais responsáveis pelo abastecimento de parte da população de vários bairros da Região Metropolitana de Belo Horizonte, quais sejam: Taboões, Rola-Moça, Bálsamo, Barreiro, Mutuca e Catarina, que são reconhecidos como Áreas de Proteção Especial (APE). A fim de proteger estas fontes de recursos hídricos, apenas os mananciais Catarina e Taboões são abertos à visitação, que deve ser, obrigatoriamente, agendada. No manancial Catarina, ficamos maravilhados com os tons multi-azuis das águas. “Ainda não está no tom original porque choveu há poucos dias”, contou-nos um vigia da Copasa presente em nossa visita. Também merece destaque o Centro Integrado de Operações, que monitora 24 horas por dia I A este respeito veja a edição da Klaxon em que fui publicado o poema supracitado de Mário, no sítio da Academia Brasileira de Letras (páginas 213 e 214): http://www. academia.org.br/abl/media/poesia11.pdf
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tudo o que acontece no Parque; suas câmeras térmicas estão atentas e a qualquer sinal de fumaça, alertas são emitidos. O Centro Integrado é algo que se deve expandir para outras UCs do estado, mas, infelizmente, devido à situação financeira crítica por que passa o governo estadual, sabemos que apenas com compensações ambientais não direcionadas ao caixa único do estado seria possível efetivar tal proposta. A chuva ajudou, na verdade, a amenizar os efeitos danosos das queimadas que atingiram o parque durante as semanas que antecederam nossa visita. Bem próximo ao manancial Catarina, numa encosta visível a poucos metros dali, avista-se uma imensa área consumida pelo fogo. Sobre os incêndios, falaremos mais especificamente à frente. Lamentavelmente, bem perto dos limites do PESRM encontramos muito lixo pela estrada. E, apesar de placas indicarem a proibição de se jogar lixo ali, as pessoas não respeitam e fazem do lugar um verdadeiro depósito de móveis velhos, restos de materiais de construção e material inutilizado. Simplesmente, não compreendemos como e por que isso ocorre. Outro fato que nos deixou estarrecidos (talvez não haja um adjetivo capaz de qualificar nossa negativa surpresa) foi ler, em uma das placas indicativas do Parque, uma seta feita à caneta e ao lado a palavra escrita tetricamente: “Desovas”. Assim mesmo, no plural, para demonstrar a regularidade com que se procura o local para esta finalidade. Também não compreendemos de imediato, mas soubemos, depois, que o parque, frequentemente, é utilizado por criminosos para “desovarem cadáveres”. É só fazer uma busca superficial pela internet para encontrar várias matérias macabras a este respeitoII. Assim como em algumas unidades de conservação, no PESRM também tivemos a oportunidade de conversar com o gestor responsável pela administração da área. Henri Dubois Collet, que nos recebeu em seu escritório, na sede do Parque, para uma conversa demorada e agradável. Henri possui uma longa história na gestão de Unidades de Conservação. Engenheiro agrimensor e civil, com curso técnico em estradas, trabalhou na Amazônia e lá tomou consciência da importância da preservação. Começou nesta área como diretor do Parque Nacional da Serra do Cipó – onde sua família possui uma fazenda – por oito anos (quatro pelo IBAMA e quatro pelo ICMBio). Em abril de 2012, foi convidado para trabalhar no Governo do Estado, como coordenador do programa de prevenção e combate a incêndios. Depois foi diretor na mesma área. No ano seguinte, assume a direção de Unidades de Conservação, onde pode conhecer a realidade das UCs de todo o estado. Ficou neste cargo até 2017, quando assume a Direção Geral do IEF. Em 2019, assume a gerência do Parque Estadual da Serra do Rola Moça. Na semana em que conversamos com Henri, praticamente todos os dias havia focos de incêndio no PESRM. Segundo ele, todos eram criminosos. Ele nos contou que, no dia anterior, um motociclista simplesmente parou no meio da estrada, desceu II
Poucos dias antes de nossa visita ao PESRM, um corpo havia sido encontrado ali: http://bit.ly/34hpNtr
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da moto e colocou fogo na mata, sem qualquer pudor. A placa da moto não teria sido identificada porque as câmeras não conseguiram captá-la. Às vezes as motivações são as mais absurdas possíveis. “Algumas pessoas criminosamente fazem a extração de orquídeas aqui dentro e, para poder limpar o campo e vê-las florir eles colocam fogo”, conta o gerente. Diz que em 2019 já contabilizava 84 incêndios até aquela data. Dia 12 de outubro, por ocasião das festividades da padroeira do Brasil, as pessoas soltam foguetes e sempre ocasionam incêndios no parque. Segundo ele, todos os anos há incêndios no dia 12 de outubro. Há cerca de 20 anos, o PESRM chegou a ter 80% de sua área queimada. Atualmente, o PESRM conta com 37 funcionários, porém há dois anos chegou a contar com mais de 50 colaboradores – apenas neste ano já foram dispensados seis funcionários. Os parques nacionais também têm sofrido com o mesmo problema há algum tempoIII. Segundo Henri, a questão dos incêndios é um dos maiores desafios do Rola Moça. Ele espera que o problema seja minimizado em função de um novo sistema de modernas câmeras térmicas instalado no final de agosto (sistema adquirido em virtude de compensação minerária a um custo de quase um milhão de reais). O fato de haver várias entradas “não oficiais” também é um complicador. A estrada principal do parque dá acesso à comunidade Casa Branca, em Brumadinho, e cerca de mil veículos passam por ali diariamente. Não há um controle efetivo de visitações, exatamente por causa dessas entradas, mas o parque é bastante vocacionado para a educação ambiental e recebe praticamente todos os dias escolas públicas e privadas. Outra questão preocupante diz respeito aos inúmeros acessos clandestinos que possui o parque. Fechá-los e centralizar em apenas uma entrada por cidade seria o ideal. Está trabalhando para viabilizar esse projeto, que precisará de muitas discussões com as comunidades do entorno para evitar maiores problemas. Atualmente, existem 15 pesquisas em andamento no PESRM. Henri acha o número ainda pequeno se comparado com o Parque Nacional da Serra do Cipó, que recebia em torno de 70 por ano. Em sua vasta experiência, Henri diz que os parques dependem muito da gestão de cada gerente, que deve buscar apoios na comunidade local e “vestir a camisa”.
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A este respeito, leia: https://glo.bo/2XFeOrr
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Conta a respeito de uma experiência de concessão não exitosa no Parque Estadual do Rio Doce em 2010 e as tratativas também frustradas para a concessão do Parque Estadual do Itacolomi anos atrás. Apesar dessas situações pontuais, Henri acredita que as concessões podem melhorar a gestão dos parques, sobretudo porque falta recurso e a iniciativa privada pode trazê-lo. Pontua, entretanto, a necessidade de se respeitar sempre a capacidade de carga das UCs. Henri destaca que o maior desafio das unidades de conservação de Minas Gerais é lidar com a falta de recursos e a gestão como um todo. “Há questões que são básicas, por exemplo, as pessoas roubam cercas e temos de repô-las. Agora mesmo estamos cotando 700 metros de cerca. Estamos ainda discutindo estratégias para evitar esses roubos”. Perguntamos se o principal desafio (falta de recursos) é o mesmo desde 2012 ou havia mudado e Henri confirma que é o mesmo. Este é o derradeiro relato após seis meses e milhares de quilômetros percorridos pelas Minas Gerais. Saímos deste projeto com pelo menos duas certezas muito evidentes. Primeira: a nossa mineiridade está renovada, assim como o nosso compromisso de trabalhar por nosso estado, politicamente ou não. Nossa identidade com Minas Gerais está mais forte, porque a conhecemos mais profundamente, suas matas, serras, rios e povos agora estão ainda mais conectados em nossos corações. A segunda diz respeito ao cuidado para com a nossa casa comum, o planeta Terra. Podemos demonstrar esse cuidado de várias maneiras, mas, a partir do momento em que tomamos consciência de um problema que o afeta, a sua indiferença será responsabilizada eternamente em nossa consciência. Por isso, ao conhecermos essas unidades de conservação, não nos será permitido abandoná-las e só vê-las arderem em chamas pelos telejornais. Ou em ocasiões menos angustiantes, nas matérias comemorativas nas mídias impressas ou sites especializados em assuntos ambientais ao celebrarem os aniversários de criação das UCs. É preciso, pois, estarmos presentes, apoiar os trabalhos voluntários nas unidades de conservação e defendêlas permanentemente da sanha daqueles que, desprovidos de consciência humana, insistem em enxergar a natureza como um mero obstáculo ao desenvolvimento. Não fique pasmo, essas pessoas existem, são muitas e estão mais próximas de nós do que podemos imaginar. Ademais, apesar de termos evitado bordões até aqui, não será possível dispensar um que é capaz de captar toda a nossa responsabilidade a partir de agora: “Tu deviens responsable pour toujours de ce que tu as apprivoisé”, ou no mais claro
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português: “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas” – eis as palavras imortais de Antoine de Saint-Exupéry em sua imorredoura obra O Pequeno PríncipeIV. As unidades de conservação mineiras nos cativaram, somos agora, portanto, responsáveis solidariamente por elas.
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SAINT-EXUPÉRY, A. de. O pequeno príncipe. Rio de Janeiro: Agir, 1994.
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Epílogo
A
pós seis meses de experiências inesquecíveis, conhecendo esmiuçadamente 15 unidades de conservação, localizadas nas mais diversas regiões de Minas Gerais, podemos afirmar, sem o menor receio de nos equivocar: não somos os mesmos que iniciamos este projeto. O aprendizado adquirido e as experiências vividas não nos permitem sê-lo. Como dissemos na introdução, abandonamos, já no início da execução deste projeto, a ideia de realizar uma espécie de diagnóstico (no sentido clássico da palavra). Nosso dever (inclusive ético) passou a ser a elaboração de um franco registro vivencial de nossos olhares. Vimos de perto as belezas e as dificuldades das unidades de conservação de Minas Gerais. Conhecemos profusas riquezas faunísticas e florísticas, patrimônios naturais, culturais e históricos de nosso estado. Nossos sentidos testemunharam também obstáculos de toda sorte: falta de funcionários, manutenção deficiente na infraestrutura das UCs, equipamentos estragados e/ou sem adequada manutenção – telefones, rádios, veículos, ferramentaria, limpeza, uniformes, dentre outros. Falta até mesmo o básico para as unidades de conservação (numa de nossas visitas, testemunhamos um gerente tendo de comprar pregos para a manutenção de uma cerca). Nos últimos 4 anos, praticamente todos os parques mineiros sofreram reduções acentuadas em seus quadros de funcionários. Isso precarizou diversos serviços, principalmente aqueles relacionados ao uso público. À parte isso, testemunhamos o quão guerreiros são os servidores públicos que trabalham nas unidades de conservação. São pessoas, via de regra, muito vocacionadas para o serviço público ambiental. Uma vez mais, dizemos de maneira clara: não é possível desconsiderar a crise por que passa o Governo do Estado de Minas Gerais. Alguns analistas asseguram tratar-se da mais grave crise financeira do período republicano, um rombo que pode chegar a R$ 230 bilhões ao final deste mandatoI. Mesmo solidários e compreensivos com o Governo de nosso estado e, sobretudo, com povo mineiro, não deixamos de mencionar algumas das principais mazelas enfrentadas pelas unidades de conservação. Isso porque a sabedoria histórica nos ensina que governos passam, o estado e o meio ambiente ficam.
I http://bit.ly/37Acw1a
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O Olhar Histórico Há algumas controvérsias quando se discute qual teria sido a primeira área protegida no mundo. Consensual, no entanto, é que a criação do Parque Nacional de Yellowstone (1º de março de 1872) é o grande marco contemporâneo das ações de delimitação de áreas protegidas. Houve uma importante conjunção de esforços para a instituição daquele parque nos Estados Unidos, localizado na região noroeste do estado do Wyoming, envolvendo pensadores, escritores e ativistas americanos. Nunca é de mais lembrar que os primeiros exploradores europeus que desembarcaram em nosso continente, abominavam nossas florestas por temerem ameaças que elas representavam (fruto, principalmente, de versões míticas que nutriam). Em meados do século XIX, o romantismo contribuiu para o surgimento de uma visão harmoniosa do homem com a natureza, além de uma apreciação estética das paisagens naturais. O divino passou a ser reconhecido na natureza bruta. Já no Brasil, os intelectuais racionalistas, influenciados pelo pensamento iluminista, iniciaram forte crítica à destruição da natureza, enfatizando o valor político e socioeconômico das florestasI. O próprio patriarca da independência, José Bonifácio de Andrada e Silva, sustentava que o uso equilibrado da riqueza natural brasileira era fundamental para vencer os vícios do passado colonial. Para os padrões da época, Andrada conhecia muito de “economia da natureza”, disciplina que mais tarde passou a ser chamada de ecologiaII. André Rebouças foi um dos precursores do ambientalismo brasileiro e, apenas quatro anos após a criação do pioneiro parque americano, sugeriu a criação de parques em Sete Quedas e na Ilha do Bananal. Defendia que a criação dos parques desenvolveria o turismo no país. Mais de seis décadas depois, o governo brasileiro cria o Parque Nacional de Itatiaia (14 de junho de 1937). Dois anos mais tarde, foram criados os parques nacionais do Iguaçu e da Serra dos Órgãos. Atualmente, segundo dados oficiais do Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUCIII), o Brasil conta com 2.376 unidades de conservação. Destes, I II III
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DEAN, Warren. A Ferro e Fogo: História e Devastação da Mata Atlântica Brasileira. São Paulo, Cia das Letras, 1996. PÁDUA, José Augusto. Um sopro de destruição: pensamento político e crítico no Brasil escravista (1786-1888). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2002 Cadastro atualizado em julho de 2019 (tabela consolidada nos anexos deste livro).
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296 são parques nacionais e estaduais. Em 2018, foram registrados cerca de 12 milhões de visitações apenas nas UCs federais, um crescimento de 6,15% em comparação com o ano anterior. Alguns pesquisadores argumentam que o número de UCs esteja ainda subestimado no CNUC, principalmente para as UCs municipais, já́ que muitas prefeituras não informam ao cadastro as UCs criadas e mantidas sob sua gestão.
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O Olhar Jurídico Nenhum governo presta favor algum ao implementar novas unidades de conservação e disponibilizar suporte às já existentes. Esta, aliás, é uma obrigação decursiva da Constituição Federal de 1988, além de uma série de leis, tratados e convenções internacionais das quais a República Federativa do Brasil é signatária. Tal previsão decorre do artigo 225 de nossa Carta Magna, conforme disposto no inciso III do § 1º, segundo o qual, cabe ao Poder Público a definição e a manutenção de áreas protegidas em todas as unidades da federação: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção. Neste sentido, o estabelecimento do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, por meio da Lei Federal nº 9.985/2000 foi um marco em nosso ordenamento jurídico para a materialização da previsão constitucional. No plano internacional, importa destacar a célebre Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), um tratado da ONU assinado por mais de 160 países e um dos mais importantes instrumentos internacionais relacionados à temática ambiental, que aconteceu por ocasião da ECO-92, a insigne Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que aconteceu no Rio de Janeiro em junho de 1992I. Dispõe o artigo 8° da supramencionada convenção que é dever dos países signatáriosII: a) Estabelecer um sistema de áreas protegidas ou áreas onde medidas especiais precisem ser tomadas para conservar a diversidade biológica; b) Desenvolver, se necessário, diretrizes para a seleção, estabelecimento e administração de áreas protegidas ou áreas onde medidas especiais precisem ser tomadas I Diversos outros diplomas legais internacionais se seguiram a ela, tais como: o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança; o Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e a Agricultura; as Diretrizes de Bonn; as Diretrizes para o Turismo Sustentável e a Biodiversidade; os Princípios de Addis Abeba para a Utilização Sustentável da Biodiversidade; as Diretrizes para a Prevenção, Controle e Erradicação das Espécies Exóticas Invasoras; e os Princípios e Diretrizes da Abordagem Ecossistêmica para a Gestão da Biodiversidade. II Para quem quiser se aprofundar sobre o tema, segue link com texto integral da Convenção sobre Diversidade Biológica: http://bit.ly/2rozurv
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para conservar a diversidade biológica; c) Regulamentar ou administrar recursos biológicos importantes para a conservação da diversidade biológica, dentro ou fora de áreas protegidas, a fim de assegurar sua conservação e utilização sustentável; d) Promover a proteção de ecossistemas, hábitats naturais e manutenção de populações viáveis de espécies em seu meio natural. Resta clara a obrigação da nação brasileira (em suas três esferas: união, estados e munícipios) de apoiar as unidades de conservação. Precisamos de uma população ambientalmente consciente e vigilante para cobrar dos governos ações em prol das UCs.
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O Olhar Oficial Faremos uma breve síntese de tudo o que vimos. Não nos alongaremos, nem seremos sucintos demais, sob pena de, em busca do pragmatismo textual, deixarmos de compartilhar visões importantes captados por nossas retinas sedentas por aprendizados. Não seria apenas uma necessidade para se completar o projeto, mas, sobretudo, uma obrigação moral ouvir a voz oficial. Na derradeira etapa deste projeto, conversamos, em novembro de 2019, no primeiro andar do edifício Minas, na Cidade Administrativa Presidente Tancredo Neves (CAMG), com Antônio Augusto Melo Malard, diretor geral do IEF e Cláudio Vieira Castro, diretor de Unidades de Conservação. Com polidez e sem tergiversações, os dois agentes públicos nos receberam muito bem e responderam a todas os nossos questionamentos. Malard iniciou a conversa dizendo que é um desafio dar visibilidade aos parques. “Muitas pessoas vão conhecer um parque pela primeira vez no exterior”, ressaltou. Estruturar as unidades de conservação é um dos grandes objetivos do governo, além de trabalhar para a criação de novas UCs, ressalta o diretor geral. Destaca, no entanto, que é preciso ter cuidado para não se criar apenas unidades de papel. “No passado, muitas unidades foram criadas, em Minas Gerais e até mesmo no Brasil, apenas no papel, isto é, não possuem estrutura, corpo técnico, além de conflitos diversos – povos tradicionais, propriedades provadas”. O diretor reconhece, de todo modo, que é preciso ter mais unidades de conservação e destaca a importância de se trabalhar na recategorização de algumas UCs. O diretor de UCs, Cláudio Vieira, está trabalhando nesta questão. Os desafios históricos e, portanto, prioritários para o governo são: a regularização fundiária e os planos de manejo. O diretor geral nos relatou que o compromisso feito com o governador é de que até 2022 todas as unidades de conservação tenham plano de manejo (atualmente existem 94 unidades de conservação contendo 42 parques estaduais). Segundo Vieira, faltam 42 planos de manejo a serem elaborados (alguns já estão em execução) para o cumprimento da meta proposta. Malard reconhece que um dos problemas responsáveis pela baixa visitação aos parques mineiros é a má divulgação aliada à estrutura deficiente (sobretudo acessos). “Mas há alguns parques com estruturas excelentes
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como o Parque Estadual do Rio Doce que recebem cerca de 10 mil visitantes anualmente”. Tendo em vista essas questões, o governo estadual lançou, em abril de 2019, o programa PARC (Programa de Concessão de Parques Estaduais), coordenado pelo IEF, com a participação das secretarias de estado de: Infraestrutura e Mobilidade (SEINFRA), Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD) e Cultura e Turismo (SECULT). Ponderamos a respeito de iniciativas malsucedidas de governos anteriores sobre concessões de parques estaduais ao que Malard nos respondeu dizendo ser a primeira vez que há um programa consistente e não inciativas isoladas. O governo aposta muito neste projeto. “Não tem como dar errado. Estamos concedendo apenas a gestão da visitação. O comitê executivo, composto por representantes das secretarias de estado e IEF, fará a fiscalização do contrato. Vamos trabalhar no que é competência do IEF – definido no Decreto Estadual 47344/2018, que estabelece o Regulamento do órgãoI, enquanto o uso público fica sob gestão privada”. Algo que também nos preocupava dizia respeito à remuneração repassada ao estado e o modelo de concessão. Não nos parecia justa a definição de taxas comuns e pensávamos que o ideal seria a concessão por lotes e não parque a parque. Inquirimos: Quem vencer a concessão para o Parque Estadual do Ibitipoca (única unidade superavitária do IEF), por exemplo, pagará um percentual igual aos outros parques? Malard respondeu: “Cada unidade terá uma taxa de retorno específica. O estado não espera arrecadar, mas deixar de gastar, já que o maior custo hoje refere-se à visitação. Além disso, esperamos estruturar as unidades para receber visitantes – esse é o objetivo maior”. O diretor geral destacou também que a ideia da concessão por lotes está sendo estudada e a conclusão da primeira etapa do PARC, que será a Rota Lund (três unidades), está prevista para o primeiro semestre de 2020. Perguntamos sobre os atuais funcionários do IEF que possuem contrato em vigor nos parques. Ponderamos que as reiteradas demissões, além de prejudicarem o funcionamento dos parques, lesou muitas famílias mineiras. Malard ressaltou: “a inciativa privada vai querer funcionários que já conheçam o processo”. Além disso se proporá, no processo, a preferência pela comunidade do entorno das UCs, tanto nas contratações quanto nas prestações de serviços – estão estudando juridicamente como fazê-las. Cláudio Vieira pontuou que, com a concessão das 20 unidades de conservação previstas no PARC, haverá uma catalisação nas demais UCs. “Neste contexto, acredito que haverá uma gestão de mão de obra de aproveitamento nas demais UCs – já que a I
Íntegra do Decreto: http://bit.ly/33kro0m
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maioria não estará nas concessões”. Malard fez uma observação importante: “As empresas concessionárias precisam, estrategicamente, ter a seu lado a comunidade local da qual serão contratados os funcionários. O diretor de Unidades de Conservação enfatizou que no início deste ano sequer havia informações básicas confiáveis. “Malard nos determinou que conseguíssemos mapear as unidades de conservação, construindo uma base de dados segura”. Vieira destacou que foi elaborado um relatório completo de todas as unidades de conservação do estado com os dados mais importantes. “A partir deste retrato, passamos a traçar um cenário de onde podemos chegar e quais os recursos necessários. As unidades foram classificadas em cinco tipos – de acordo com o grau de consolidação (metodologia desenvolvida por necessidade, de acordo com o TTAC – Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta - da SamarcoII, notadamente nas cláusulas 181 e 182 do referido acordo judicialIII)”. Na ocasião, fizemos questão de agradecer a acolhida por parte dos técnicos, gerentes e funcionários do IEF e da Semad. Sem eles, este projeto estaria seriamente prejudicado ou mesmo impossibilitado de ser realizado. Foram milhares de quilômetros pelas estradas mineiras e centenas de trilhas percorridas dentro das UCs. A cada passo, a cada quilometro e a cada observação fomos apurando nosso olhar. Aliado à prática, as leituras foram fundamentais. Lemos quase todos os planos de manejo das UCs por onde passamos. Conhecemos ao menos en passant cada um dos planos das UCs listadas neste trabalho. Por sinal, alguns desses planos estão notadamente necessitando de atualizações, mas o planejamento do governo do estado de elaboração/atualização de todos eles até 2020 é um importante alento. Lemos também trabalhos acadêmicos, artigos e obras específicas sobre unidades de conservação, inclusive sobre manejo de trilhas. São muitos aspectos envolvidos numa trilha. Ao caminhante desapercebido, pode até parecer que é simples, mas aprendemos que se trata de um processo complexo e que necessita de estudos além de conhecimentos técnicos. Não nos ativemos às conversas oficiais com os gestores das unidades de conservação. Fomos além, ouvimos funcionários, visitantes, população dos arredores da UC, comerciantes, fazendeiros. A maioria desses relatos sequer constamos aqui, mas foram todos muitíssimo importantes para forjarmos nossos olhares acerca da realidade das unidades de conservação em cada canto desse estado.
II III
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Íntegra do TTAC: http://bit.ly/2QPAtM3 Uma das notas técnicas elaboradas referentes a esta matéria: http://bit.ly/2KQTb2c
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O Olhar Estatístico Dentre as dezenas de leituras técnicas que fizemos para subsidiar este trabalho (ressaltando, uma vez mais, que não se trata de um olhar acadêmico, mas, essencialmente, vivencial), o livro “Quanto vale o verde: a importância econômica das unidades de conservação brasileiras” foi fundamental para nos dar a dimensão inestimável da temática com a qual estávamos lidando. Organizado pelos competentíssimos Carlos Eduardo Frickmann Young e Rodrigo Medeiros, a publicação é indispensável para quem quiser compreender a realidade das UCs no Brasil. Muitas das estatísticas que forjaram nosso olhar vieram desta publicação (várias delas estão compartilhadas nesta seção). • As unidades de conservação brasileiras estão elencadas em 12 categorias, distribuídas por todos os biomas do Brasil, cobrindo aproximadamente 20% do território nacional. A título de comparação: Bolívia, Venezuela e Colômbia (cerca de 40% do território coberto por áreas protegidas); Alemanha (38%), Grécia (35%) e Bulgária (34%). • Desconsiderando a Amazônia, o Brasil possui cerca de 5% apenas de áreas protegidas. Esse percentual é comparável a países como: Afeganistão, Iraque, Haiti, Líbia e Barbados. • A partir de 2015, ocorreu uma redução drástica de recursos destinados às UCs. Essa queda também se deu em termos relativos, indicando que a severidade dos cortes orçamentárias atingiu a gestão ambiental com mais intensidade do que a média dos demais setores da gestão pública federal. • As UCs da Amazônia legal respondem pela maior parte da produção madeireira do país. • Um estudo ousado, considerando a abrangência em escala mundial e a carência de informações básicas sobre a visitação em áreas protegidas, estimou que, globalmente, cerca de 8 bilhões de pessoas visitam as áreas protegidas anualmente. Esse fluxo seria responsável por aproximadamente US$ 250 bilhões de receitas internas e US$ 600 bilhões de gastos diretos nos países. • As unidades de conservação federais receberam 12,4 milhões de visitas em 2018. Apenas o Parque Nacional da Tijuca (RJ) recebeu 2,6 milhões de visitantes e o
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Parque Nacional do Iguaçu (PR) 1,89 milhão. • Estima-se que foram gerados 43 mil empregos, R$ 1 bilhão em renda, R$ 1,5 bilhão em valor agregado e R$ 4,1 milhões em vendas. O setor de hospedagem registrou a maior contribuição direta, com R$ 267 milhões em vendas diretas, seguido pelo setor de alimentação com R$ 241 milhões. • Considerando as unidades de conservação estadual (apenas 18,6% do total divulgam dados de visitação). Somadas às UCs federais a visitação é estimada em cerca de 17 milhões de visitantes. • O número de visitantes nos Parques Nacionais da Tijuca (RJ) e do Iguaçu (PR) aumentou em quase 50% de 2009 para 2016, sendo os parques nacionais mais visitados do Brasil. • O crescimento da visitação em UCs aumenta o potencial econômico induzido. Com poucas exceções, as UCs poderiam receber uma quantidade superior de visitantes sem comprometer os objetivos de conservação da biodiversidade. Um crescimento de 20% na visitação significaria um incremento de 3,4 milhões de visitantes anuais e um impacto econômico entre 500 milhões e 1,2 bilhões de reais, com uma geração entre 15 mil e 42 mil de postos de trabalho. • As UCs no Brasil influenciam a captação de cerca de 36,7 m3/s de água ou 1,16 bilhões de metros cúbicos de água por ano para a criação de animais. Com um preço médio de R$ 0,12 por metro cúbico captado, o valor da água captada para uso animal que é sensível à presença de UCs no Brasil é da ordem de 136,4 milhões de reais anualmente. • Estima-se que as UCs brasileiras evitam a perda de 644 milhões de toneladas de solo anualmente (erosão evitada). • Nas condições simuladas neste estudo, a influência das UCs brasileiras pode alcançar anualmente cerca de 60 bilhões de reais, incluindo os principais usos consuntivos de água, a geração de hidroeletricidade e custos de mitigação do assoreamento de cursos d’água. • ICMS Ecológico: Em Minas Gerais o ICMS-E foi instituído em 1995 pela chamada Lei Robin Hood (Número 12.040). Essa lei foi alterada com vistas à ampliação dos parâmetros ambientais, sendo a última versão instituída em 2009 pela Lei N° 18.030. Na ocasião, foi definido que 1,1% da cota-parte do ICMS deve ser transferida aos municípios de acordo com critérios ambientais, sendo que 45,45% desse montante é distribuído considerando-se as áreas de proteção ambiental. • Um elemento inovador deste estudo foi estimar a contribuição das UCs para a atividade pesqueira. O valor potencial em todas UCs passíveis de extração a ser
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alcançado é R$ 86,5 milhões para o peixe, R$ 55,2 milhões para a camarão e de R$ 24,8 milhões para o caranguejo, totalizando em R$ 167,5 milhões de pescado. Essa produção real pode ser incrementada, tanto em volume quanto em receita, caso políticas adequadas sejam implementadas. • O valor monetário do estoque de carbono conservado foi estimado em R$ 130,3 Bilhões, correspondendo a fluxos anuais de benefício por conservação entre R$ 3,9 a R$ 7,8 bilhões, mesmo usando valores bastante conservadores para monetizar a tonelada de CO2e (US$ 3,8, ou R$ 12,4 por tCO2e). Esses resultados mostram a importância do estabelecimento de esquemas de pagamento por emissões evitadas por desmatamento e degradação florestal (REDD+) que beneficie investimentos em unidades de conservação, visto sua enorme contribuição para o tema. • A análise efetuada calculou a parcela de ICMS-E efetivamente relacionada à presença de UCs no território dos municípios de treze estados brasileiros. Esse valor foi estimado em R$ 776 milhões para o ano de 2015, o que corresponde a 44% do fluxo total de ICMS-E transferido nesses estados. • Finalmente, a título de conclusão, o estudo demonstra que investir em conservação apresenta uma elevada relação benefício-custo e investir na melhoria e ampliação das UCs é uma forma de obter retornos econômicos e sociais bastante superiores aos valores alocados. Portanto, mais do que uma agenda ambiental, deveria ser considerada uma agenda prioritária para o desenvolvimento, desenvolvimento econômico e social do país.
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O Olhar Holístico Concluímos este livro com esta seção, um despretensioso olhar sobre o todo, uma espécie de mirada do alto de uma grande serra mineira, apreciando a vista do entardecer, sem preocupações temporais. A inspiração inicial para inscrevermos nosso projeto no edital da FVHD este ano foi a situação dos parques mineiros. Sobre isso, devemos dizer, categoricamente, que o PARC é uma iniciativa que, se executada tal qual concebida, pode ser bastante interessante e impulsionar o ecoturismo nas 20 unidades de conservação mineiras definidas no escopo – além de centrar os esforços estatais para a preservação e a conservação. Se a situação das UCs de Minas Gerais, nos dias que correm, beira à debilidade, isso não pode ser atribuído ao atual governo do estado. Pelo contrário, o que se vê é a tentativa governamental de enfrentar as dificuldades estruturais com um programa ousado de concessões públicas. Vale destacar que o papel do estado não pode ser tão somente o de fiscalizar o uso público concedido, mas participar ativamente da gestão, monitorando os indicadores, os impactos da visitação e, principalmente, envidando esforços na preservação e conservação das demais unidades. É evidente que o particular espera auferir vantajosos lucros pelo serviço realizado – a fim de compensar os altos investimentos iniciais – isso é plenamente justo, mas é preciso um acompanhamento criterioso por parte do governo estadual, pois o meio ambiente não deve ser tratado como mercadoria. É de vidas que estamos falando. A Frente Parlamentar em Defesa das Unidades de Conservação de Minas Gerais, implementada na data do lançamento deste livro, 28 de novembro de 2019, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, capitaneada pelo Partido Verde, possui um papel relevantíssimo na fiscalização do PARC e no apoio às 94 UCs atualmente existentes em nosso estado, bem como no fomento de novas unidades de conservação pelo território mineiro. Definitivamente, o apoio do Legislativo é capaz de fazer a diferença na consolidação de nossas unidades de conservação, melhorando, assim, a qualidade de vida de todos os mineiros. Como o nome desta derradeira seção é “O Olhar Holístico”, é necessário inserir as unidades de conservação num contexto maior: a ecologia, a defesa da vida em sua
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multiplicidade e o cuidado com o nosso planeta. Vivemos tempos muito complexos de inconsequente negacionismo climático, de quebra de acordos e apoios que o Brasil possuía com órgãos e governos internacionais, como o Fundo Amazônia, de aumento recorde do desmatamento, impulsionado por incêndios criminosos. Em menos de um ano, foram extintas: a Secretaria de Mudanças Climáticas e Florestas do MMA (Ministério do Meio Ambiente) e a Subsecretaria Geral de Meio Ambiente, Energia e Ciência e Tecnologia do Ministério das Relações Exteriores. Houve ainda as transferências do SFB (Serviço Florestal Brasileiro) do MMA para o Ministério da Agricultura e da ANA (Agência Nacional de Águas) do MMA para o Ministério do Desenvolvimento Regional. O Conama teve sua representatividade lesada com a drástica redução de 96 para apenas 23 conselheiros. Há ainda a substituição de técnicos da área ambiental por militares na diretoria e chefias regionais do ICMBio e o tratamento dado aos 27 superintendentes estaduais do Ibama. Não bastasse tudo isso, o insistente discurso do presidente da República contra o trabalho de agentes do Ibama e do ICMBio, descredibilizando programas de instituições de pesquisa ambiental e sistemas de monitoramento de florestas do Inpe, inibe a fiscalização e incentiva ações antiambientais (para nos valermos de um respeitoso eufemismo). Esses tempos, todavia, não podem nos desanimar. Pelo contrário, é na dificuldade que a defesa do meio ambiente se mostra ainda mais necessária. Um dos documentos que nos impele a seguir pela senda do ambientalismo é a brilhante encíclica Laudato Si, publicada em 24 de maio de 2015, pelo iluminado Papa Francisco. No documento, o pontífice convoca a humanidade a cuidar da casa comum (o planeta Terra) adotando uma indispensável atitude ecologicamente integral diante da vida. A vivência da ecologia integral precisa se dar em todos os âmbitos da vida, até mesmo nas ações do dia a dia. De nada vale fazer longas postagens nas redes sociais em defesa da Amazônia e continuar a consumir irresponsavelmente, a usar desregradamente o plástico, gastar água desnecessariamente, desperdiçar alimentos, desrespeitar os outros seres vivos, utilizar apenas transporte particular, dentre outras atitudes antiecológicas. Há uma verdadeira dimensão ética nesta temática. Não devemos assumir uma postura ecológica apenas como um ato responsável socialmente, mas como um compromisso existencial, um ato de amor, ético, que nos engrandece como seres humanos à medida que engrandece o mundo do qual também somos parte.
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É momento de repensarmos esse sistema que marginaliza bilhões de seres humanos, extingue milhões de espécies, explora para produzir e produz lixo em excesso e desigualdades intoleráveis. “A humanidade tem o direito inalienável de herdar um planeta sadio”, disse o inspirador Leonardo Boff em recente colóquio no Tribunal de Contas de Minas Gerais. Na ocasião, o teólogo evidenciou que a sustentabilidade é hoje um dos temas mais ideológicos e significa a capacidade que temos de permitir que todos os seres da natureza possam persistir, reproduzir e estar abertos para o futuro. E através deles as demandas humanas também possam ser atendidas. Não se trata de alarmismo, a situação é mais grave do que se pensa. Este ano, o planeta Terra atingiu a sua sobrecarga (o ponto máximo de uso de recursos naturais que poderiam ser renovados sem ônus ao meio ambiente) no dia 29 de julho - três dias antes que em 2018. Foi o ponto mais crítico da série histórica medida desde 1970 (estimativa da Global Footprint Network)I. Outra notícia aterradora no fechamento deste livro: a Organização Meteorológica Mundial (OMM), órgão das Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou um relatório, no dia 25 de novembro, demonstrando que a concentração dos principais gases do efeito estufa na atmosfera alcançou um recorde em 2018II. A concentração de dióxido de carbono (CO2) atingiu 407,8 partes por milhão (ppm) em 2018 – ante 405,5 partes por milhão em 2017. Desde 1990, os efeitos do aquecimento climático aumentaram 43% por causa de gases de efeito estufa. O professor Petteri Taalas, secretário-geral OMM, destacou que: “deve-se recordar que a última vez que a Terra registrou uma concentração de CO2 comparável a esta foi entre 3 e 5 milhões de anos atrás. Na época, a temperatura era de 2 a 3 °C mais quente e o nível do mar era entre 10 e 20 metros superior ao atual”. A lição nos parece simples: ou cuidamos uns dos outros, e juntos, de nosso planeta ou caminharemos, a largas passadas, rumo à extinção. De acordo com o sociólogo ambientalista Enrique Leff, precisamos adotar uma ética ambiental que não seja apenas a da conservação, mas sim, a ética da alteridade, deixar o individualismo e construir um mundo de alteridades. Em outras palavras, pode-se dizer: é impossível pensar na construção de uma I http://bit.ly/2sjnpo3 II http://bit.ly/2rtd08Y
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sociedade com integridade ecológica, justiça social e econômica, democracia, não violência e paz (pressupostos da Carta da Terra)III sem adotarmos a ética da alteridade. A ciência, a tecnologia e a inovação, aliadas à ética da alteridade e ao diálogo multicultural podem nos impulsionar a buscar caminhos em direção à ecologia integral e a uma nova cultura alicerçada num humanismo capaz de nos fazer compreender cada ser vivo como único, inviolável e interligado a nós mesmos, ao planeta e ao universo dos quais somos parte.
É um olhar de esperança e um chamado à ação.
III http://bit.ly/33j9laM
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Anexos Tabela consolidada das Unidades de Conservação Fonte: CNUC/MMA - www.mma.gov.br/cadastro_uc Atualizada em: 01/07/2019
N° 30 5 74 9 31 149
Área (Km²) 72.088 115.314 268.207 2.984 42.664 501.258
N° 59 33 222 52 27 393
Esfera Estadual Área (Km²) 47.506 962 95.384 3.180 13.523 160.554
N° 5 21 172 13 8 219
Municipal Área (Km²) 40 161 814 205 51 1.270
N° 94 59 468 74 66 761
Área (Km²) 119.634 116.437 364.405 6.369 56.238 663.083
N° 67 66 2 0 37 13 670 855
Área (Km²) 178.159 135.087 1.026 0 897.220 341 4.885 1.216.717
N° 41 29 32 0 198 30 281 611
Área (Km²) 135.864 19.511 111.250 0 341.670 628 944 609.866
N° 0 0 5 0 127 15 2 149
Área (Km²) 0 0 171 0 59.293 199 0 59.663
N° 108 95 39 0 362 58 953 1615
Área (Km²) 314.023 154.599 112.447 0 1.298.183 1.167 5.829 1.886.247
1004 1004
1.717.976 1.712.051
1004 1004
770.420 763.821
368 368
60.933 60.854
2376 2376
2.549.330 2.502.092
Tipo / Categoria
Federal
Proteção Integral Estação Ecológica Monumento Natural Parque Nacional / Estadual / Municipal Refúgio de Vida Silvestre Reserva Biológica Total Proteção Integral Uso Sustentável Floresta Nacional / Estadual / Municipal Reserva Extrativista Reserva de Desenvolvimento Sustentável Reserva de Fauna Área de Proteção Ambiental Área de Relevante Interesse Ecológico RPPN Total Uso Sustentável Total Geral Área Considerando Sobreposição Mapeada
TOTAL
Obs1: Quando a UC que não tem informação georefenciada disponível é utilizada a área do ato legal para o cálculo de área. Obs2: Os dados do CNUC estão em constante atualização. Ao utiliza-los sempre citar a data. Notas de Versão: 70 novas UCs, 60 alterações maiores que 10ha, 3 extinções para criação do Parque Estadual das Trilhas na Paraíba(PE ARATU, PE JACARAPÉ, PE TRILHAS DOS CINCO RIOS), incremento de 2.525km² descontadas as sobreposições. Os órgãos gestores estaduais de MG e RO fizeram vários ajustes nos shapefiles de suas UCs.
Unidades de Conservação por Bioma Fonte: CNUC/MMA - www.mma.gov.br/cadastro_uc Atualizada em: 01/07/2019 Área total do bioma (km²)
Tipo / Categoria Proteção Integral (PI)
Amazônia
Caatinga
Cerrado
Mata Atlântica
Pampa
Pantanal
Área Continental
4.199.073
828.080
2.040.285
1.118.224
175.955
151.331
8.512.979
3.642.439
Amazônia
Caatinga
Cerrado
Mata Atlântica
Pampa
Pantanal
Área Continental
Área Marinha*
N°
Área (Km²)
%
N°
Área(km2)
%
N°
Área(km2)
%
N°
Área(km2)
%
N°
Área(km2)
N°
Área(km2)
N°
Área(km2)
Estação Ecológica
17
106.967
2,5%
6
1.389
0,2%
26
9.185
0,5%
44
1.506
0,1%
1
319
0,2%
1
116
0,1%
94
119.482
1,4%
8
152
0,0%
Monumento Natural
0
0
0,0%
8
595
0,1%
15
376
0,0%
32
590
0,1%
1
0
0,0%
1
3
0,0%
56
1.563
0,0%
8
114.873
3,2%
Parque
55
268.953
6,4%
1,4%
2,5%
287
23.534
2,1%
10
5
4.285
2,8%
460
359.682
4,2%
52
4.723
709
%
0,4%
%
Área Marinha*
%
N°
Área(km2)
%
29
11.245
88
50.957
Refúgio de Vida Silvestre
5
114
0,0%
9
1.831
0,2%
6
2.463
0,1%
49
1.014
0,1%
2
89
0,1%
0
0
0,0%
70
5.510
0,1%
7
860
0,0%
Reserva Biológica
14
52.897
1,3%
2
70
0,0%
7
120
0,0%
37
2.483
0,2%
4
106
0,1%
0
0
0,0%
64
55.676
0,7%
8
562
0,0% 3,3%
Total PI
91
428.932
10,2%
54
15.128
1,8%
142
63.101
3,1%
449
29.126
2,6%
18
1.223
0,7%
7
4.403
2,9%
744
541.913
6,4%
83
121.170
Uso Sustentável (US)
N°
Área (Km²)
%
N°
Área (Km²)
%
N°
Área (Km²)
%
N°
Área (Km²)
%
N°
Área (Km²)
%
N°
Área (Km²)
%
N°
Área(km2)
%
N°
Área (Km²)
0,1%
%
Floresta
60
312.562
7,4%
6
542
0,1%
11
557
0,0%
33
362
0,0%
0
0
0,0%
0
0
0,0%
108
314.023
3,7%
0
0
0,0%
Reserva Extrativista
76
144.767
3,4%
3
23
0,0%
7
1.152
0,1%
12
700
0,1%
0
0
0,0%
0
0
0,0%
95
146.642
1,7%
23
7.956
0,2%
39
Reserva de Desenvolvimento Sustentável
111.088
2,6%
101
0,0%
687
0,0%
525
0,0%
0
0
0,0%
0
0
0,0%
112.401
1,3%
Reserva de Fauna
0
0
0,0%
0
0
0,0%
0
0
0,0%
0
0
0,0%
0
0
0,0%
0
0
0,0%
0
0
0,0%
0
0
0,0%
Área de Proteção Ambiental
40
204.011
4,9%
38
58.617
7,1%
86
110.930
5,4%
221
85.150
7,6%
4
4.443
2,5%
1
60
0,0%
357
463.211
5,4%
74
834.972
22,9%
Área de Relevante Interesse Ecológico
6
446
0,0%
5
126
0,0%
20
113
0,0%
26
474
0,0%
0
0
0,0%
0
0
0,0%
57
1.159
0,0%
6
8
0,0%
RPPN
55
466
0,0%
94
491
0,1%
170
1.180
0,1%
609
1.173
0,1%
11
31
0,0%
17
2.487
1,6%
952
5.827
0,1%
4
2
0,0%
Total US
260
773.340
18,4%
147
59.901
7,2%
296
114.618
5,6%
915
88.383
7,9%
15
4.474
2,5%
18
2.547
1,7%
1.608
1.043.264
12,3%
111
842.983
23,1%
Total PI e US
351
1.202.272
28,6%
201
75.029
9,1%
438
177.719
8,7%
1.364
117.509
10,5%
33
5.696
3,2%
25
6.950
4,6%
2.352
1.585.176
18,6%
194
964.153
26,5%
Área de UC considerando sobreposições¹
23
1
Amazônia
Caatinga
2
14
Mata Atlântica
Cerrado
Pampa
Pantanal
Área Continental
45
0,0%
Área Marinha*
%
Área (Km²)
%
Área (Km²)
%
Área (Km²)
%
Área (Km²)
%
Proteção Integral (PI)
412.764
9,83%
14.118
1,70%
58.588
2,87%
21.896
1,96%
1.055
0,60%
4.403
2,91%
512.825
6,02%
121.000
3,32%
Uso Sustentável (US)
751.327
17,89%
58.352
7,05%
106.969
5,24%
77.712
6,95%
4.306
2,45%
2.547
1,68%
1.001.213
11,76%
839.906
23,06%
Área (Km²)
%
Área (Km²)
Área (Km²)
4
%
Área (Km²)
%
Sobreposição PI e US
14.279
0,34%
1.010
0,12%
4.461
0,22%
7.062
0,63%
168
0,10%
0
0,00%
26.980
0,32%
169
0,00%
Total de UC no bioma
1.178.370
28,06%
73.481
8,87%
170.017
8,33%
106.670
9,54%
5.529
3,14%
6.950
4,59%
1.541.017
18,10%
961.075
26,39%
¹ As áreas de sobreposição consideradas foram obtidas a partir dos arquivos com dados espaciais cadastrados e validados no CNUC * Área Marinha corresponde ao Mar Territorial mais a Zona Econômica Exclusiva (ZEE) Obs1: A UC que não tem informação georefenciada disponível é utilizada a área do ato legal para o cálculo de área. Obs2: Os dados do CNUC estão em constante atualização. Ao utiliza-los sempre citar a data. Obs3: Área do Bioma foi obtida de IBGE, 2004 com um ajuste considerando o limite dos municípios (BCIM-IBGE, 2016) como linha de costa Obs3: Não somar o número de UCs de biomas diferentes, pois há casos onde uma UC abrange mais de um bioma. Notas de Versão: 70 novas UCs, 60 alterações maiores que 10ha, 3 extinções para criação do Parque Estadual das Trilhas na Paraíba(PE ARATU, PE JACARAPÉ, PE TRILHAS DOS CINCO RIOS), incremento de 2.525km² descontadas as sobreposições. Os órgãos gestores estaduais de MG e RO fizeram vários ajustes nos shapefiles de suas UCs.
102
PARQUES DE MINAS OLHARES GERAIS
Arrecadação e Número de visitantes – Parques de Minas RELAÇÃO DE ARRECADAÇÃO DA VISITAÇÃO NAS UCS - 2011 A 2017 PE Ibitipoca
2011
2012
R$ 535.245,00
R$ 650.715,00
2013
2014
R$ 664.037,00
2015
2016
R$ 1.190.443,00
R$ 1.546.398,88 R$ 1.519.391,08
2017
2018
Total
R$ 1.728.655,53
R$ 1.907.542,77
R$ 9.742.428,26
MNE Peter Lund
R$ 0,00
R$ 0,00
R$ 482.052,00
R$ 546.974,50
R$ 770.977,77
R$ 592.122,18
R$ 618.103,59
R$ 620.183,94
R$ 3.630.413,98
PE Sumidouro
R$ 0,00
R$ 84.685,00
R$ 289.780,00
R$ 333.542,50
R$ 379.025,79
R$ 323.797,50
R$ 191.925,00
R$ 1.846.436,17
MNE Gruta Rei do Mato
R$ 0,00
R$ 0,00
R$ 37.094,00
R$ 225.147,50
R$ 173.538,65
R$ 168.254,37
R$ 243.680,38 R$ 146.667,00
R$ 212.412,50
R$ 963.114,02
PE Rio Doce
R$ 65.306,00
R$ 95.608,00
R$ 80.516,00
R$ 129.260,00
R$ 138.990,51
R$ 88.060,00
R$ 72.855,83
R$ 63.091,96
R$ 733.688,30
PE Rio Preto
R$ 6.815,00
R$ 5.960,00
R$ 36.785,00
R$ 52.435,00
R$ 86.698,05
R$ 79.802,28
R$ 57.323,00
R$ 145.460,00
R$ 471.278,33
PE Itacolomi
R$ 16.728,00
R$ 1.910,00
R$ 5.760,00
R$ 10.754,00
R$ 37.475,00
R$ 47.826,50
R$ 21.175,00
R$ 103.209,00
R$ 244.837,50
PE Lapa Grande
R$ 0,00
R$ 0,00
R$ 0,00
R$ 19.967,50
R$ 26.222,50
R$ 13.127,50
R$ 23.495,00
R$ 85.092,50
PE Nova Baden
R$ 1.892,00
R$ 3.997,50
R$ 6.620,50
R$ 8.679,00
R$ 8.955,50
R$ 12.084,00
R$ 2.280,00 R$ 8.334,50
R$ 9.059,70
R$ 59.622,70
PE Mata do Limoeiro
R$ 0,00
R$ 0,00
R$ 0,00
R$ 0,00
R$ 0,00
R$ 0,00
R$ 0,00
R$ 12.680,10
R$ 12.680,10
R$ 1.602.644,50
R$ 2.517.203,00
R$ 2.899.074,83
R$ 3.289.059,97
R$ 17.789.591,86
Total
R$ 625.986,00 R$ 842.875,50
R$ 3.168.282,65 R$ 2.844.465,41
OBS: PE Serra do Brigadeiro não possui cobrança para visitação
R$2.500.000,00
2011
R$2.000.000,00
2012 2013
R$1.500.000,00
2014 2015 2016
R$1.000.000,00
2017
2018 R$500.000,00
R$0,00
PE Ibitipoca MNE Peter Lund
PE MNE Gruta PE Rio Doce PE Rio Preto PE Itacolomi Sumidouro Rei do Mato
PE Lapa Grande
PE Nova Baden
PE Mata do Limoeiro
ARRECADAÇÃO ANUAL DAS UCs AO LONGO DOS ANOS - 2011 A 2018
R$4.000.000,00
R$3.468.639,21 R$3.063.060,16
R$3.500.000,00 R$2.740.312,50
R$3.000.000,00
R$3.165.317,97
R$3.087.381,69
R$2.500.000,00 R$1.734.339,00
R$2.000.000,00 R$1.500.000,00 R$1.000.000,00 R$500.000,00
R$0,00
R$952.363,00 R$718.738,00
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018
FUNDAÇÃO VERDE HERBERT DANIEL
103
Visitação ANUAL NAS UCs
2011
2012
2013
PE Ibitipoca MN Peter Lund PE Sumidouro PE Limoeiro PE Itacolomi
49.911 48.275 17.638 0
0
576
8.175
3.133
6.234
MN Rei do Mato
27.893
28.474
PE Rio Doce
24.974
PE Rio Preto
962 4.756
PE Brigadeiro PE Lapa Grande
2017
13.288
21.419
9.635
9.083
82.741
16.401
19.599
18.321
19.642
180.499
24.281
15.408
18.223
17.391
13.707
7.642
9.139
130.765
2.007 4.930
5.692 8.020
6.965 9.299
8.953
7.602
5.915
7.088
45.184
8.686
7.226
3.981
5.894
52.792
8.008
9.631
7.037
3.323
6.457
34.456
3.793 253.177
4.227 279.189
6.312 279.792
3.614 234.395
2.805 219.563
28.778 1.867.721
3.016 210.124
Visitação anual das UC's Estaduais - 2011 a 2018
Número de Visitantes
300.000
250.000
200.000
150.000
100.000
50.000
0 Número de visitantes
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018
185.452
206.029
210.124
253.177
279.189
279.792
234.395
219.563
PARQUES DE MINAS OLHARES GERAIS
PE Nova Baden
PE Lapa Grande
PE Brigadeiro
PE Rio Preto
PE Rio Doce
MN Rei do Mato
PE Itacolomi
PE Sumidouro
MN Peter Lund
PE Ibitipoca
PE Limoeiro
50.000
0
104
Total
23.483
2.143 206.029
86.410 42.013 26.793 4.239
619.792 386.516 251.474 54.724
26.686
0
104.657 44.684 27.412 5.211
2018
6.824
79.720 51.733 33.355
Visitação das UC's Estaduais - 2018
100.000
Número de visitantes
2016
11.774
0
2.868 185.452
2015
88.837 46.583 34.158 27.312
0
PE Nova Baden Total
60.169 50.968 33.355
2014
95.294 54.423 40.333 10.562
54.794 47.837 38.430
Tabela com os prazos para consolidação de cada Projeto do PARC.
Tabela com as 20 unidades de conservação que possuem potencial para a concessão - Unidades de Conservação Estaduais contempladas no PARC.
FUNDAÇÃO VERDE HERBERT DANIEL
105
Referências CARVALHO, I. S. H. DE. A “pecuária geraizeira” e a conservação da biodiversidade no cerrado do Norte de Minas. Sustentabilidade em Debate, Brasília. v. 5, n. 3, p. 19–36, set/dez 2014. NOGUEIRA, M. C. R. Gerais a dentro e a fora: identidade e territorialidade entre Geraizeiros do Norte de Minas Gerais. Tese de Doutorado - Brasília: Universidade de Brasília, fevereiro de 2009. MARTINS FILHO, A. A economia política do café com leite: 1900-1930, Belo Horizonte: UFMF, 1981. MICELI, Sérgio. Intelectuais à brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p.347 Parques e reservas: patrimônio nas Minas Gerais / organização e coordenação de Lucca Cultura & Tecnologia; textos de Iêda Ferreira. Belo Horizonte: Lucca Cultura & Tecnologia, 2016. Tabarelli, M., Pinto, L. P., Silva, J. M., Hirota, M. M. and Bedê, L. C. 2005. Desafios e oportunidades para conservação da biodiversidade na Mata Atlântica brasileira. Megadiversidade 1(1): 132–138. Fundação Biodiversitas. 2005. Biodiversidade em Minas Gerais: Um Atlas para Sua Conservação. Belo Horizonte, Minas Gerais. YOUNG, C. E. F et alii, 2015. Valoração de Unidades de Conservação: benefícios econômicos e sociais gerados pelas Reservas Particulares de Patrimônio Natural da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. Curitiba, Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. YOUNG, C. E. F. et al, 2017. Custos e benefícios da implementação de um mercado de Cota de Reserva Ambiental (CRA) no Brasil. Anais do XII Encontro Nacional da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica. Uberlândia, MG. YOUNG, C.E.F; JUNIOR, M. A; SOUSA, F. H.; DA COSTA, L. A.N; MENDES, M. P.
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PARQUES DE MINAS OLHARES GERAIS
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Abreviaturas ANA – Agência Nacional de Águas APA – Área de Proteção Ambiental CONAMA – Conselho Estadual do Meio Ambiente CDB – Convenção sobre Diversidade Biológica FVHD – Fundação Verde Herbert Daniel Ibama – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade IEF – Instituto Estadual de Florestas Inpe – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais MONA – Monumento Natural MONAERM – Monumento Natural Gruta Rei do Mato MGS – Minas Gerais Administração e Serviços S.A. MMA – Ministério do Meio Ambiente PARC – Programa de Concessão de Parques Estaduais PEB – Parque Estadual do Biribiri PEIB – Parque Estadual do Ibitipoca PEI – Parque Estadual do Itacolomi PELG – Parque Estadual da Lapa Grande PEML – Parque Estadual da Mata do Limoeiro PENB – Parque Estadual Nova Baden PERD – Parque Estadual do Rio Doce PERP – Parque Estadual do Rio Preto PESB – Parque Estadual da Serra do Brigadeiro PESP – Parque Estadual da Serra do Papagaio PESC – Parque Estadual da Serra do Cabral PESRM – Parque Estadual da Serra do Rola Moça PES - Parque Estadual do Sumidouro SFB – Serviço Florestal Brasileiro) SEMAD – Secretaria de Meio Ambiente UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura UC – Unidade de Conservação UCs – Unidades de Conservação
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SOBRE O AUTOR Alisson Diego Batista Moraes, 34, advogado e Secretário de Mobilização do Diretório Estadual do Partido Verde. Possui MBA em Gestão de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e bacharelado em Filosofia pela UFMG. Foi prefeito de Itaguara-MG entre 2009 e 2016, Secretário de Planejamento e Governo de Itaúna-MG (2017-2019) e Diretor de Assuntos Jurídicos da Assemae (Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento). www.alissondiego.com.br alissondiegobatista@yahoo.com.br @alissondiegobatista
As unidades de conservação mineiras nos cativaram, somos agora, portanto, responsáveis solidariamente por elas.
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