O momento do agronegócio

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Cesar Machado / Agrostock

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O momento do

Agronegócio Um dos setores mais representativos da economia brasileira entra em uma nova e decisiva fase. Nesse jogo de interesses internacionais, barreiras ideológicas, ambientais e sanitárias, a opinião pública nacional vem sendo direcionada contra o próprio país. Se nas próximas duas décadas teremos a responsabilidade de alimentar o planeta, a pergunta que fica é: esse negócio estará nas mãos dos brasileiros? por Bruno Branco A conta é simples: atualmente, o agronegócio representa 24% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, 36% das exportações, 37% do emprego e o superávit da balança comercial. Esses números deverão crescer ainda mais até 2030, quando o consumo mundial apresentará um acréscimo de 34% de carne bovina, 47% de carne suína, 55% de carne de frango, 59% de açúcar, 19%

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Pe r f o r m a n c e

ÍDER - II Semestre 2011

de arroz, 29% de milho e 49% de soja, segundo as projeções da Organização Mundial para Agricultura e Alimentos (FAO). Este crescimento tem origem, sobretudo, na ascensão econômica dos países ditos em desenvolvimento – dentre os quais a China, que, com sua população bilionária, desempenha um papel preponderante. Portanto, a menos que o mundo pare de comer, é certo que

o Brasil aumentará sua participação no mercado mundial de produtos agropecuários. Algumas projeções, como a realizada recentemente pelo Instituto Ícone, referência em estudos sobre o agronegócio no País, apontam que a receita de exportação com esses produtos chegará, em 2030, pelo menos na casa dos 65 bilhões de dólares anuais – mais que o dobro da atual –, posicionando


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O momento do

Agronegócio Um dos setores mais representativos da economia brasileira entra em uma nova e decisiva fase. Nesse jogo de interesses internacionais, barreiras ideológicas, ambientais e sanitárias, a opinião pública nacional vem sendo direcionada contra o próprio país. Se nas próximas duas décadas teremos a responsabilidade de alimentar o planeta, a pergunta que fica é: esse negócio estará nas mãos dos brasileiros? por Bruno Branco A conta é simples: atualmente, o agronegócio representa 24% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, 36% das exportações, 37% do emprego e o superávit da balança comercial. Esses números deverão crescer ainda mais até 2030, quando o consumo mundial apresentará um acréscimo de 34% de carne bovina, 47% de carne suína, 55% de carne de frango, 59% de açúcar, 19%

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de arroz, 29% de milho e 49% de soja, segundo as projeções da Organização Mundial para Agricultura e Alimentos (FAO). Este crescimento tem origem, sobretudo, na ascensão econômica dos países ditos em desenvolvimento – dentre os quais a China, que, com sua população bilionária, desempenha um papel preponderante. Portanto, a menos que o mundo pare de comer, é certo que

o Brasil aumentará sua participação no mercado mundial de produtos agropecuários. Algumas projeções, como a realizada recentemente pelo Instituto Ícone, referência em estudos sobre o agronegócio no País, apontam que a receita de exportação com esses produtos chegará, em 2030, pelo menos na casa dos 65 bilhões de dólares anuais – mais que o dobro da atual –, posicionando


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O momento do

Agronegócio Um dos setores mais representativos da economia brasileira entra em uma nova e decisiva fase. Nesse jogo de interesses internacionais, barreiras ideológicas, ambientais e sanitárias, a opinião pública nacional vem sendo direcionada contra o próprio país. Se nas próximas duas décadas teremos a responsabilidade de alimentar o planeta, a pergunta que fica é: esse negócio estará nas mãos dos brasileiros? por Bruno Branco A conta é simples: atualmente, o agronegócio representa 24% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, 36% das exportações, 37% do emprego e o superávit da balança comercial. Esses números deverão crescer ainda mais até 2030, quando o consumo mundial apresentará um acréscimo de 34% de carne bovina, 47% de carne suína, 55% de carne de frango, 59% de açúcar, 19%

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de arroz, 29% de milho e 49% de soja, segundo as projeções da Organização Mundial para Agricultura e Alimentos (FAO). Este crescimento tem origem, sobretudo, na ascensão econômica dos países ditos em desenvolvimento – dentre os quais a China, que, com sua população bilionária, desempenha um papel preponderante. Portanto, a menos que o mundo pare de comer, é certo que

o Brasil aumentará sua participação no mercado mundial de produtos agropecuários. Algumas projeções, como a realizada recentemente pelo Instituto Ícone, referência em estudos sobre o agronegócio no País, apontam que a receita de exportação com esses produtos chegará, em 2030, pelo menos na casa dos 65 bilhões de dólares anuais – mais que o dobro da atual –, posicionando


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Com um rebanho superior a 205 milhões de cabeças de gado, segundo o IBGE, o Brasil é o maior exportador global de carne bovina

o Brasil como principal exportador mundial de produtos agropecuários, juntamente com os Estados Unidos. A participação do Brasil neste mercado, portanto, está aparentemente resolvida: com uma economia complementar à chinesa, tecnologia para fazer a agricultura tropical mais avançada do planeta e uma vocação empreendedora comprovada na agropecuária, o País intensificará seu protagonismo no agronegócio mundial. Resta definir, apenas, qual será a participação dos empresários brasileiros nesse pujante negócio. Deste ponto em diante, já não basta apenas a matemática. “O Brasil não é o único país capaz de atender com eficiência à crescente demanda mundial por alimentos, porém, é o que tem as melhores condições de fazê-lo. Mas, para se chegar lá, existem passagens determinantes a serem feitas”, afirma Ademar Silva Júnior, vice-presidente de finanças da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

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Corrida internacional pelo agronegócio Os recentes exemplos das gigantes JBS-Friboi e Marfrig chamam a atenção. De frigoríficos com atuação regional, elas tornaram-se, nos últimos cinco anos, as principais empresas produtoras de proteína animal do planeta, faturando juntas quase 70 bilhões de reais em 2010 contra pouco mais de 5 bilhões de reais em 2005, fornecendo matéria-prima para redes multinacionais como McDonald’s e Subway, e tomando o mercado de empresas estrangeiras estabelecidas há décadas. Apoiadas, primeiramente, no crescimento do consumo de carnes no Brasil, a partir da estabilização econômica do Plano Real e, mais tarde, no crescimento das exportações para os países árabes, Rússia e China, ambas as empresas atingiram porte suficiente para adquirir no exterior os maiores concorrentes internacionais, driblar o

protecionismo dos grandes mercados consumidores e assumir a liderança absoluta no segmento. Esta plataforma incubadora de gigantes, o Brasil, chama cada vez mais a atenção das multinacionais, que veem no país não só um renovado e atraente mercado produtor e consumidor: o Brasil é estratégico para evitar que exemplos como o da JBS-Friboi e da Marfrig se repitam em outros segmentos agropecuários. Exemplos dessa movimentação não faltam, como é o caso do mercado de sementes de grãos, dominado por empresas estrangeiras que, nos últimos anos, adquiriram participação e controle em 100% das fábricas nacionais. Em alguns casos, a marca da fábrica original é mantida, como na recente aquisição de parte da paranaense Sementes Guerra pela francesa Limagrain. Em outros, como o das empresas Agroceres e Agroeste, que pertencem hoje à Monsanto, o nome do novo controlador assume o destaque.

Há, portanto, uma corrida internacional para definir quem alimentará o planeta nas próximas décadas. E, como sempre, quem chegar primeiro levará vantagem. “Temos uma agricultura competente, mas precisamos, como nunca, aprender a ser competitivos. Para isso, é necessário mais entrosamento entre os diversos elos da cadeia produtiva: os bancos, as grandes trades, a indústria de transformação, o varejista e o produtor rural. O empresário do agronegócio não pode se preocupar apenas com o que ocorre da porteira para dentro. Precisa estar preparado para o jogo que tomou dimensões internacionais”, observa o vice-presidente da CNA.

“Segura o Brasil!” O clima de caça ao tesouro entre as multinacionais e o mercado financeiro é intensificado por algo impossível de ignorar: o fator China. Basta lembrar que a atual prosperidade do agronegócio e do mercado de commodities brasileiro tem como divisor de águas o aumento do consumo interno chinês, o que posicionou o país asiático primeiramente como uma enorme alternativa de consumo dos nossos produtos e, em seguida, como o principal destino das nossas exportações, em detrimento dos tradicionais mercados americano e europeu. “Desde meados dos anos 1990, a demanda da China por soja cresce anualmente a uma taxa muito maior do que todo o comércio do produto nos últimos 50 anos. Especialmente do ano 2000 para cá, o que se observa é que a demanda continua crescendo em ritmo forte, mas a produção acompanha o crescimento

em taxas menores, causando uma diminuição nos estoques. Em algum momento, isso se reflete nos preços, como está acontecendo agora”, afirma o economista André Nassar, diretor geral do Instituto Ícone. Como consequência, o aumento do preço internacional dos alimentos tornou economicamente interessante a produção agropecuária brasileira, que passou a remunerar o capital investido a taxas mais altas que outros mercados, em meio a um longo período de baixa nos juros pagos por títulos no exterior e pouca atratividade das bolsas internacionais. Isso vem possibilitando o superávit comercial e financiando o desenvolvimento econômico de inúmeras regiões brasileiras há quase duas décadas. Desse modo, as economias ditas desenvolvidas, que baseiam sua agricultura em políticas de subsídios, desestimulando a produção em outros países, passaram a enfrentar dificuldades em concorrer em um cenário internacional de alta demanda e menos encargos sociais. É aí que a matemática se torna cada vez mais política. “Nossos concorrentes ficam desesperados quando a gente entra. Então, há sempre um patrocínio no sentido de ‘segura o Brasil!’. O contexto atual cria condições para que o Brasil tenha um papel importante. Mas isso também implica que a gente reveja alguns conceitos e problemas de inspiração ideológica”, afirma Marcus Vinícius Pratini de Moraes, que já ocupou três ministérios brasileiros, dentre os quais o da Agricultura e Abastecimento (19992001), e atualmente preside o Comitê de Estratégia e Gestão Empresarial do grupo JBS-Friboi (leia a entrevista “O jogo internacional do agronegócio” com Pratini de Moraes, pág. 44). »

“O empresário do agronegócio não pode se preocupar apenas com o que ocorre da porteira para dentro. Precisa estar preparado para o jogo que tomou dimensões internacionais.”

© Valentyn75 | Dreamstime.com

Wenderson Araujo/CNA

“O Brasil não é o único país capaz de atender com eficiência à crescente demanda mundial por alimentos, porém é o que tem as melhores condições de fazê-lo. Mas, para se chegar lá, existem passagens determinantes a serem feitas.”

Com 1,97 milhões de toneladas exportadas em 2010, o Brasil domina 68% do comércio mundial de suco de laranja, segundo dados da CNA

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Com um rebanho superior a 205 milhões de cabeças de gado, segundo o IBGE, o Brasil é o maior exportador global de carne bovina

o Brasil como principal exportador mundial de produtos agropecuários, juntamente com os Estados Unidos. A participação do Brasil neste mercado, portanto, está aparentemente resolvida: com uma economia complementar à chinesa, tecnologia para fazer a agricultura tropical mais avançada do planeta e uma vocação empreendedora comprovada na agropecuária, o País intensificará seu protagonismo no agronegócio mundial. Resta definir, apenas, qual será a participação dos empresários brasileiros nesse pujante negócio. Deste ponto em diante, já não basta apenas a matemática. “O Brasil não é o único país capaz de atender com eficiência à crescente demanda mundial por alimentos, porém, é o que tem as melhores condições de fazê-lo. Mas, para se chegar lá, existem passagens determinantes a serem feitas”, afirma Ademar Silva Júnior, vice-presidente de finanças da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

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Corrida internacional pelo agronegócio Os recentes exemplos das gigantes JBS-Friboi e Marfrig chamam a atenção. De frigoríficos com atuação regional, elas tornaram-se, nos últimos cinco anos, as principais empresas produtoras de proteína animal do planeta, faturando juntas quase 70 bilhões de reais em 2010 contra pouco mais de 5 bilhões de reais em 2005, fornecendo matéria-prima para redes multinacionais como McDonald’s e Subway, e tomando o mercado de empresas estrangeiras estabelecidas há décadas. Apoiadas, primeiramente, no crescimento do consumo de carnes no Brasil, a partir da estabilização econômica do Plano Real e, mais tarde, no crescimento das exportações para os países árabes, Rússia e China, ambas as empresas atingiram porte suficiente para adquirir no exterior os maiores concorrentes internacionais, driblar o

protecionismo dos grandes mercados consumidores e assumir a liderança absoluta no segmento. Esta plataforma incubadora de gigantes, o Brasil, chama cada vez mais a atenção das multinacionais, que veem no país não só um renovado e atraente mercado produtor e consumidor: o Brasil é estratégico para evitar que exemplos como o da JBS-Friboi e da Marfrig se repitam em outros segmentos agropecuários. Exemplos dessa movimentação não faltam, como é o caso do mercado de sementes de grãos, dominado por empresas estrangeiras que, nos últimos anos, adquiriram participação e controle em 100% das fábricas nacionais. Em alguns casos, a marca da fábrica original é mantida, como na recente aquisição de parte da paranaense Sementes Guerra pela francesa Limagrain. Em outros, como o das empresas Agroceres e Agroeste, que pertencem hoje à Monsanto, o nome do novo controlador assume o destaque.

Há, portanto, uma corrida internacional para definir quem alimentará o planeta nas próximas décadas. E, como sempre, quem chegar primeiro levará vantagem. “Temos uma agricultura competente, mas precisamos, como nunca, aprender a ser competitivos. Para isso, é necessário mais entrosamento entre os diversos elos da cadeia produtiva: os bancos, as grandes trades, a indústria de transformação, o varejista e o produtor rural. O empresário do agronegócio não pode se preocupar apenas com o que ocorre da porteira para dentro. Precisa estar preparado para o jogo que tomou dimensões internacionais”, observa o vice-presidente da CNA.

“Segura o Brasil!” O clima de caça ao tesouro entre as multinacionais e o mercado financeiro é intensificado por algo impossível de ignorar: o fator China. Basta lembrar que a atual prosperidade do agronegócio e do mercado de commodities brasileiro tem como divisor de águas o aumento do consumo interno chinês, o que posicionou o país asiático primeiramente como uma enorme alternativa de consumo dos nossos produtos e, em seguida, como o principal destino das nossas exportações, em detrimento dos tradicionais mercados americano e europeu. “Desde meados dos anos 1990, a demanda da China por soja cresce anualmente a uma taxa muito maior do que todo o comércio do produto nos últimos 50 anos. Especialmente do ano 2000 para cá, o que se observa é que a demanda continua crescendo em ritmo forte, mas a produção acompanha o crescimento

em taxas menores, causando uma diminuição nos estoques. Em algum momento, isso se reflete nos preços, como está acontecendo agora”, afirma o economista André Nassar, diretor geral do Instituto Ícone. Como consequência, o aumento do preço internacional dos alimentos tornou economicamente interessante a produção agropecuária brasileira, que passou a remunerar o capital investido a taxas mais altas que outros mercados, em meio a um longo período de baixa nos juros pagos por títulos no exterior e pouca atratividade das bolsas internacionais. Isso vem possibilitando o superávit comercial e financiando o desenvolvimento econômico de inúmeras regiões brasileiras há quase duas décadas. Desse modo, as economias ditas desenvolvidas, que baseiam sua agricultura em políticas de subsídios, desestimulando a produção em outros países, passaram a enfrentar dificuldades em concorrer em um cenário internacional de alta demanda e menos encargos sociais. É aí que a matemática se torna cada vez mais política. “Nossos concorrentes ficam desesperados quando a gente entra. Então, há sempre um patrocínio no sentido de ‘segura o Brasil!’. O contexto atual cria condições para que o Brasil tenha um papel importante. Mas isso também implica que a gente reveja alguns conceitos e problemas de inspiração ideológica”, afirma Marcus Vinícius Pratini de Moraes, que já ocupou três ministérios brasileiros, dentre os quais o da Agricultura e Abastecimento (19992001), e atualmente preside o Comitê de Estratégia e Gestão Empresarial do grupo JBS-Friboi (leia a entrevista “O jogo internacional do agronegócio” com Pratini de Moraes, pág. 44). »

“O empresário do agronegócio não pode se preocupar apenas com o que ocorre da porteira para dentro. Precisa estar preparado para o jogo que tomou dimensões internacionais.”

© Valentyn75 | Dreamstime.com

Wenderson Araujo/CNA

“O Brasil não é o único país capaz de atender com eficiência à crescente demanda mundial por alimentos, porém é o que tem as melhores condições de fazê-lo. Mas, para se chegar lá, existem passagens determinantes a serem feitas.”

Com 1,97 milhões de toneladas exportadas em 2010, o Brasil domina 68% do comércio mundial de suco de laranja, segundo dados da CNA

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“Nossos concorrentes ficam desesperados quando a gente entra. Então, há sempre um patrocínio no sentido de 'segura o Brasil!'. Isso implica que a gente reveja alguns conceitos e problemas de inspiração ideológica.”

Em 2011, a exportação da soja e seus derivados (farelo e óleo) deverá render 22,8 bilhões de dólares para o Brasil, segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), quatro vezes mais que em 2001

Jogando com a opinião pública Sem condições de competir com o Brasil em determinados segmentos, países como os EUA e os membros da União Europeia tradicionalmente estabelecem cotas e impostos sobre a importação de produtos agropecuários, visando preservar a produção interna e desestimular a ascensão econômica e política de novos atores. Quem paga por isso é o povo, que acaba sendo obrigado a pagar mais pelos produtos que consome. Entretanto, com o enorme avanço na produtividade alcançado pelo Brasil nos últimos anos, nem mesmo as altas tarifas são suficientes para deter a entrada de nossos produtos. A concorrência internacional 38

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recorre, então, às chamadas barreiras não tarifárias, como exigências sanitárias infundadas que, se cumpridas à risca, elevam demasiadamente o custo de produção e minam nossa competitividade no mercado externo. Além disso, patrocinam a propagação de informações com forte viés ideológico, sempre visando um argumento contra os produtos brasileiros. Exemplos dessa atuação podem ser vistos na forma como a grande mídia retrata a questão fundiária, a indígena, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), as ONGs internacionais como o Greenpeace e o WWF, ou o debate sobre o novo código florestal brasileiro. Já é comum encontrar notícias afirmando que a produção de soja no Brasil degrada a floresta amazônica. Há até projetos para linhas de financiamento público concedidas

apenas para o produtor rural brasileiro que detém uma certificação ambiental de ONGs internacionais acima de qualquer suspeita. E assim nasce mais um argumento para aumentar os custos de produção ou descartar a compra de nossos produtos. Mas as ideias não são, sozinhas, suficientes para prejudicar a posição do Brasil. Elas precisam contar com a conivência da opinião pública e com a cobertura superficial de veículos de comunicação para serem propagadas e agirem contra o próprio país. Encontram terreno fértil em uma população 80% urbana, com pouco ou nenhum conhecimento da realidade agropecuária brasileira. “Muita gente acaba se aliando a esses interesses externos, que são alguns dos patrocinadores, sobretudo do protecionismo sanitário e do


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“Nossos concorrentes ficam desesperados quando a gente entra. Então, há sempre um patrocínio no sentido de 'segura o Brasil!'. Isso implica que a gente reveja alguns conceitos e problemas de inspiração ideológica.”

Em 2011, a exportação da soja e seus derivados (farelo e óleo) deverá render 22,8 bilhões de dólares para o Brasil, segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), quatro vezes mais que em 2001

Jogando com a opinião pública Sem condições de competir com o Brasil em determinados segmentos, países como os EUA e os membros da União Europeia tradicionalmente estabelecem cotas e impostos sobre a importação de produtos agropecuários, visando preservar a produção interna e desestimular a ascensão econômica e política de novos atores. Quem paga por isso é o povo, que acaba sendo obrigado a pagar mais pelos produtos que consome. Entretanto, com o enorme avanço na produtividade alcançado pelo Brasil nos últimos anos, nem mesmo as altas tarifas são suficientes para deter a entrada de nossos produtos. A concorrência internacional 38

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recorre, então, às chamadas barreiras não tarifárias, como exigências sanitárias infundadas que, se cumpridas à risca, elevam demasiadamente o custo de produção e minam nossa competitividade no mercado externo. Além disso, patrocinam a propagação de informações com forte viés ideológico, sempre visando um argumento contra os produtos brasileiros. Exemplos dessa atuação podem ser vistos na forma como a grande mídia retrata a questão fundiária, a indígena, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), as ONGs internacionais como o Greenpeace e o WWF, ou o debate sobre o novo código florestal brasileiro. Já é comum encontrar notícias afirmando que a produção de soja no Brasil degrada a floresta amazônica. Há até projetos para linhas de financiamento público concedidas

apenas para o produtor rural brasileiro que detém uma certificação ambiental de ONGs internacionais acima de qualquer suspeita. E assim nasce mais um argumento para aumentar os custos de produção ou descartar a compra de nossos produtos. Mas as ideias não são, sozinhas, suficientes para prejudicar a posição do Brasil. Elas precisam contar com a conivência da opinião pública e com a cobertura superficial de veículos de comunicação para serem propagadas e agirem contra o próprio país. Encontram terreno fértil em uma população 80% urbana, com pouco ou nenhum conhecimento da realidade agropecuária brasileira. “Muita gente acaba se aliando a esses interesses externos, que são alguns dos patrocinadores, sobretudo do protecionismo sanitário e do


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“Criou-se no Brasil essa consciência do politicamente correto. Algumas pessoas entram nisso por boa-fé. Acham que estão lutando pela natureza, pela solidariedade, mas não sabem o que está por trás desse processo. Esse é o jogo da opinião pública. Há grupos midiaticamente muito bem constituídos, que sabem utilizar o politicamente correto.” O volume de produção das lavouras brasileiras cresceu 228% nos últimos 25 anos, enquanto a área plantada aumentou apenas 31%, segundo a CNA

protecionismo ambiental. Temos que mostrar a realidade primeiramente para o próprio povo brasileiro, que identifica hoje a agricultura como queima da Amazônia”, conclui Pratini de Moraes. O

filósofo

e

professor

da

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Denis Rosenfield, é ainda mais enfático. “Criou-se no Brasil essa consciência do politicamente correto. Algumas pessoas entram nisso por boa-fé. Acham que estão lutando pela natureza, pela solidariedade, mas não sabem o que está por trás desse processo. Esse é o jogo da opinião pública. Há grupos midiaticamente muito bem constituídos, que sabem utilizar

o

politicamente

correto”,

afirma Rosenfield. 40

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“Fazendas aqui, florestas lá”, será? Um exemplo daquilo que “está por trás” é retratado explicitamente pelo documento Farms here, forests there (Fazendas aqui, florestas lá), facilmente encontrado na internet. Trata-se de um estudo patrocinado pela Associação Nacional dos Fazendeiros dos Estados Unidos e pela ONG Avoid Deforestation Partners (Parceiros Contra o Desmatamento, em tradução livre). O documento traz sugestões de como aumentar a competitividade do agronegócio americano, em detrimento da agropecuária brasileira. “A forma como pretendem fazer isso é financiando ONGs ambientalistas,

para que no Brasil seja preservada a reserva legal, um instrumento da atual legislação. Mas por que não existe reserva legal nos EUA? Eles são o país que mais tem tirado vantagem dessa situação. Se é tão bom aqui, por que não é bom lá?”, questiona Rosenfield. O relator da nova proposta para o código florestal brasileiro na Câmara, deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB), chegou a escrever um artigo repudiando o documento. “A candura com que eles tratam do tema é comovedora. O estudo revela que na cabeça deles não passamos mesmo de um fundo de quintal que precisa ser preservado para que eles possam destruir o resto do mundo com a consciência tranquila e, principalmente, com o bolso cheio”, escreve o deputado.

Além da reserva ambiental, a função de outro tipo de território especial, a reserva indígena, não é consenso entre os especialistas, apesar de raramente ser contestada pela opinião pública. “A nossa agricultura é muito mais sustentável do que a agricultura tradicional das regiões temperadas. Ela tem mais capacidade de usar os biomas e seus recursos naturais sem degradá-los. O cerrado brasileiro é um exemplo, pois já foi uma das áreas mais degradadas do mundo pela natureza. O índio foi o primeiro a botar fogo no cerrado, para facilitar a caça. O problema é que se acostumou com isso e queimava-se 2,4 milhões de km² de mata todos os anos. Veio o agricultor brasileiro, a tecnologia, viram que não era assim que se manejava o solo que, embora ácido e pobre, poderia ser corrigido. Corrigimos e fizemos uma agricultura altamente competitiva, que está recuperando dia-a-dia esse bioma cerrado, hoje um dos mais potentes que nós temos”, explica Alysson Paulinelli, ex-ministro da agricultura (1974-79) e um dos pioneiros na criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) (leia a matéria “Inteligência e ciência verde-amarelas gerando soluções para a fome no mundo”, pág. 46). Para o professor Denis Rosenfield, ligar a questão indígena à doação de terras é um erro. “Os índios foram muito injustiçados na história nacional e, neste caso específico, existe uma obrigação de reparação do País em relação a eles. Mas o Brasil não vai resolver a questão indígena dando terras. Os índios precisam de integração à sociedade brasileira, serviços de saúde, escola, integração ao mercado de trabalho e que se diminua o preconceito em relação a eles. O problema indígena no Brasil é social, e não fundiário”, completa.

Clima, petróleo e produção de alimentos Frequentemente ligado ao tema do desmatamento e da preservação ambiental está aquele que virou a menina dos olhos da imprensa dita científica nas duas últimas décadas: o aquecimento global. O governo federal anunciou investimentos de 200 milhões de reais, somente em 2011, para o Fundo Nacional de Mudanças Climáticas (FNMC), criado em 2009, com o objetivo de combater os efeitos do aquecimento global. Calcula-se que, com o início da exploração do petróleo na zona do pré-sal, os investimentos no FNMC possam chegar a 1 bilhão de reais ao ano. Isso porque 66% dos lucros produzidos pela atividade de exploração petrolífera devem ser destinados ao fundo. O problema é que não há consenso científico de que o aquecimento global, como alardeado nos últimos anos, seja sequer um fenômeno real. De fato, há evidências contrárias. “Todos os grandes indicadores climáticos apontam para um resfriamento global nos próximos 20 anos. Essa tendência vai contra a teoria do aquecimento global. Nossos estudos indicam claramente que não temos uma crise climática, e sim uma variabilidade climática natural. A perspectiva para os próximos 20 anos é que o clima volte a ser semelhante ao que era no período entre 1945 e 1975, com temperaturas médias menores, invernos rigorosos e uma frequência grande de geadas severas”, afirma o professor e pesquisador Luiz Molion, do Instituto de Ciências Atmosféricas da Universidade Federal de Alagoas, em Maceió. »

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Até 2030, o consumo mundial de milho crescerá 29%, de acordo com a FAO


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“Criou-se no Brasil essa consciência do politicamente correto. Algumas pessoas entram nisso por boa-fé. Acham que estão lutando pela natureza, pela solidariedade, mas não sabem o que está por trás desse processo. Esse é o jogo da opinião pública. Há grupos midiaticamente muito bem constituídos, que sabem utilizar o politicamente correto.” O volume de produção das lavouras brasileiras cresceu 228% nos últimos 25 anos, enquanto a área plantada aumentou apenas 31%, segundo a CNA

protecionismo ambiental. Temos que mostrar a realidade primeiramente para o próprio povo brasileiro, que identifica hoje a agricultura como queima da Amazônia”, conclui Pratini de Moraes. O

filósofo

e

professor

da

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Denis Rosenfield, é ainda mais enfático. “Criou-se no Brasil essa consciência do politicamente correto. Algumas pessoas entram nisso por boa-fé. Acham que estão lutando pela natureza, pela solidariedade, mas não sabem o que está por trás desse processo. Esse é o jogo da opinião pública. Há grupos midiaticamente muito bem constituídos, que sabem utilizar

o

politicamente

correto”,

afirma Rosenfield. 40

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“Fazendas aqui, florestas lá”, será? Um exemplo daquilo que “está por trás” é retratado explicitamente pelo documento Farms here, forests there (Fazendas aqui, florestas lá), facilmente encontrado na internet. Trata-se de um estudo patrocinado pela Associação Nacional dos Fazendeiros dos Estados Unidos e pela ONG Avoid Deforestation Partners (Parceiros Contra o Desmatamento, em tradução livre). O documento traz sugestões de como aumentar a competitividade do agronegócio americano, em detrimento da agropecuária brasileira. “A forma como pretendem fazer isso é financiando ONGs ambientalistas,

para que no Brasil seja preservada a reserva legal, um instrumento da atual legislação. Mas por que não existe reserva legal nos EUA? Eles são o país que mais tem tirado vantagem dessa situação. Se é tão bom aqui, por que não é bom lá?”, questiona Rosenfield. O relator da nova proposta para o código florestal brasileiro na Câmara, deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB), chegou a escrever um artigo repudiando o documento. “A candura com que eles tratam do tema é comovedora. O estudo revela que na cabeça deles não passamos mesmo de um fundo de quintal que precisa ser preservado para que eles possam destruir o resto do mundo com a consciência tranquila e, principalmente, com o bolso cheio”, escreve o deputado.

Além da reserva ambiental, a função de outro tipo de território especial, a reserva indígena, não é consenso entre os especialistas, apesar de raramente ser contestada pela opinião pública. “A nossa agricultura é muito mais sustentável do que a agricultura tradicional das regiões temperadas. Ela tem mais capacidade de usar os biomas e seus recursos naturais sem degradá-los. O cerrado brasileiro é um exemplo, pois já foi uma das áreas mais degradadas do mundo pela natureza. O índio foi o primeiro a botar fogo no cerrado, para facilitar a caça. O problema é que se acostumou com isso e queimava-se 2,4 milhões de km² de mata todos os anos. Veio o agricultor brasileiro, a tecnologia, viram que não era assim que se manejava o solo que, embora ácido e pobre, poderia ser corrigido. Corrigimos e fizemos uma agricultura altamente competitiva, que está recuperando dia-a-dia esse bioma cerrado, hoje um dos mais potentes que nós temos”, explica Alysson Paulinelli, ex-ministro da agricultura (1974-79) e um dos pioneiros na criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) (leia a matéria “Inteligência e ciência verde-amarelas gerando soluções para a fome no mundo”, pág. 46). Para o professor Denis Rosenfield, ligar a questão indígena à doação de terras é um erro. “Os índios foram muito injustiçados na história nacional e, neste caso específico, existe uma obrigação de reparação do País em relação a eles. Mas o Brasil não vai resolver a questão indígena dando terras. Os índios precisam de integração à sociedade brasileira, serviços de saúde, escola, integração ao mercado de trabalho e que se diminua o preconceito em relação a eles. O problema indígena no Brasil é social, e não fundiário”, completa.

Clima, petróleo e produção de alimentos Frequentemente ligado ao tema do desmatamento e da preservação ambiental está aquele que virou a menina dos olhos da imprensa dita científica nas duas últimas décadas: o aquecimento global. O governo federal anunciou investimentos de 200 milhões de reais, somente em 2011, para o Fundo Nacional de Mudanças Climáticas (FNMC), criado em 2009, com o objetivo de combater os efeitos do aquecimento global. Calcula-se que, com o início da exploração do petróleo na zona do pré-sal, os investimentos no FNMC possam chegar a 1 bilhão de reais ao ano. Isso porque 66% dos lucros produzidos pela atividade de exploração petrolífera devem ser destinados ao fundo. O problema é que não há consenso científico de que o aquecimento global, como alardeado nos últimos anos, seja sequer um fenômeno real. De fato, há evidências contrárias. “Todos os grandes indicadores climáticos apontam para um resfriamento global nos próximos 20 anos. Essa tendência vai contra a teoria do aquecimento global. Nossos estudos indicam claramente que não temos uma crise climática, e sim uma variabilidade climática natural. A perspectiva para os próximos 20 anos é que o clima volte a ser semelhante ao que era no período entre 1945 e 1975, com temperaturas médias menores, invernos rigorosos e uma frequência grande de geadas severas”, afirma o professor e pesquisador Luiz Molion, do Instituto de Ciências Atmosféricas da Universidade Federal de Alagoas, em Maceió. »

Cesar Machado / Agrostock

ES PECIA L

Até 2030, o consumo mundial de milho crescerá 29%, de acordo com a FAO


ES PECIA L

“O problema logístico, Produzir e entregar os entraves políticos e a O sucesso da agropecuária tarefa de conscientizar brasileira até aqui se deve ao o próprio povo dos empreendedorismo dos produtores e à perigos ideológicos são tecnologia desenvolvida pelos nossos Juntos, souberam domar as alguns dos desafios cientistas. dificuldades do clima e do território, atuais. O Brasil deve transformando-as em enormes vencê-los para conquistar vantagens competitivas. Entretanto, há um dever de casa ainda a ser a responsabilidade de feito: além de produzir, é necessário alimentar o planeta nas entregar a mercadoria. E nosso sistema logístico está à beira de um próximas décadas.” colapso. No caso da soja e do milho, Os impactos de um resfriamento climático são potencialmente devastadores para a agricultura, especialmente para os países situados fora da área tropical, como EUA, membros da União Europeia, Rússia e China. Com uma população mundial superior a 7 bilhões de habitantes, acrescida em média de 80 milhões de novas pessoas ao ano, qualquer redução na produtividade agropecuária pode significar preços altos e, em última instância, falta de alimentos. O papel da agricultura tropical nunca foi tão importante para o planeta. “Se prestarmos atenção, veremos que os últimos três invernos no hemisfério norte foram bastante intensos. Isso levará a um decréscimo da produção agrícola nos EUA em 2011. Lamento que, com essa histeria em torno do aquecimento global, os recursos para pesquisas tenham se concentrado em melhorar geneticamente plantas para suportar temperaturas maiores. Pouca gente tem se preocupado com exatamente o contrário”, constata Molion. 42

Pe r f o r m a n c e

ÍDER - II Semestre 2011

por exemplo, 52% da produção está concentrada no território acima do paralelo 15°, que inclui as regiões norte, nordeste e boa parte da região centro-oeste. Entretanto, a mesma região tem apenas 16% da capacidade de escoamento portuário. Ou seja, a produção precisa, muitas vezes, percorrer uma imensa porção do território nacional para chegar ao porto mais próximo disponível. Como resultado, enquanto os produtores americanos e argentinos gastam entre 18 e 20 dólares para transportar cada tonelada de soja até o porto, o produtor brasileiro desembolsa, em média, 78 dólares. Ao chegar à plataforma, a carga encontra ainda despesas portuárias adicionais que são o dobro das incidentes na Argentina e nos EUA. Resolver este problema demandará cerca de 30 bilhões de dólares em investimentos no setor portuário até 2030, segundo estudo realizado pelo economista Luiz Antonio Fayet para a CNA. Para Fayet, o que impede esse investimento não é carência de recursos, e sim vontade política para

alterar um cenário de insegurança jurídico-institucional, criado pelo próprio governo brasileiro, que desestimula o investimento privado no setor. Isso ocorre desde que a lei que regulamenta a atividade portuária no Brasil foi alterada, determinando que os portos privativos sejam usados apenas para escoamento de carga própria, impedindo-os de prestar serviços a terceiros e beneficiando alguns poucos concessionários públicos com reserva de mercado. “Com essa mudança da lei através de um decreto de 2008, tivemos um recuo nos investimentos no setor portuário, porque ninguém vai investir 1 bilhão de reais sem ter segurança jurídica. A insegurança gerada desequilibrou todos os projetos que estavam em curso e que contavam com dinheiro da iniciativa privada. Esse decreto foi comprado por uma entidade dona de um cartel. Ele é ilegal e está sendo contestado pela CNA no Superior Tribunal Federal. Como pode sair um decreto desses, contra o interesse nacional?” pergunta Fayet, indignado. O problema logístico, os entraves políticos e a tarefa de conscientizar a própria população dos perigos ideológicos são alguns dos desafios atuais. O Brasil deve vencê-los para conquistar a responsabilidade de alimentar o planeta nas próximas décadas. Mas o fator determinante para o sucesso será nossa capacidade de cultivar mentes e inteligências empresariais continuamente aptas a inovar em um contexto sempre dinâmico, que a cada passagem atualiza a posição das peças no tabuleiro. Só assim o Brasil será grande nas mãos dos brasileiros.


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“O problema logístico, Produzir e entregar os entraves políticos e a O sucesso da agropecuária tarefa de conscientizar brasileira até aqui se deve ao o próprio povo dos empreendedorismo dos produtores e à perigos ideológicos são tecnologia desenvolvida pelos nossos Juntos, souberam domar as alguns dos desafios cientistas. dificuldades do clima e do território, atuais. O Brasil deve transformando-as em enormes vencê-los para conquistar vantagens competitivas. Entretanto, há um dever de casa ainda a ser a responsabilidade de feito: além de produzir, é necessário alimentar o planeta nas entregar a mercadoria. E nosso sistema logístico está à beira de um próximas décadas.” colapso. No caso da soja e do milho, Os impactos de um resfriamento climático são potencialmente devastadores para a agricultura, especialmente para os países situados fora da área tropical, como EUA, membros da União Europeia, Rússia e China. Com uma população mundial superior a 7 bilhões de habitantes, acrescida em média de 80 milhões de novas pessoas ao ano, qualquer redução na produtividade agropecuária pode significar preços altos e, em última instância, falta de alimentos. O papel da agricultura tropical nunca foi tão importante para o planeta. “Se prestarmos atenção, veremos que os últimos três invernos no hemisfério norte foram bastante intensos. Isso levará a um decréscimo da produção agrícola nos EUA em 2011. Lamento que, com essa histeria em torno do aquecimento global, os recursos para pesquisas tenham se concentrado em melhorar geneticamente plantas para suportar temperaturas maiores. Pouca gente tem se preocupado com exatamente o contrário”, constata Molion. 42

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por exemplo, 52% da produção está concentrada no território acima do paralelo 15°, que inclui as regiões norte, nordeste e boa parte da região centro-oeste. Entretanto, a mesma região tem apenas 16% da capacidade de escoamento portuário. Ou seja, a produção precisa, muitas vezes, percorrer uma imensa porção do território nacional para chegar ao porto mais próximo disponível. Como resultado, enquanto os produtores americanos e argentinos gastam entre 18 e 20 dólares para transportar cada tonelada de soja até o porto, o produtor brasileiro desembolsa, em média, 78 dólares. Ao chegar à plataforma, a carga encontra ainda despesas portuárias adicionais que são o dobro das incidentes na Argentina e nos EUA. Resolver este problema demandará cerca de 30 bilhões de dólares em investimentos no setor portuário até 2030, segundo estudo realizado pelo economista Luiz Antonio Fayet para a CNA. Para Fayet, o que impede esse investimento não é carência de recursos, e sim vontade política para

alterar um cenário de insegurança jurídico-institucional, criado pelo próprio governo brasileiro, que desestimula o investimento privado no setor. Isso ocorre desde que a lei que regulamenta a atividade portuária no Brasil foi alterada, determinando que os portos privativos sejam usados apenas para escoamento de carga própria, impedindo-os de prestar serviços a terceiros e beneficiando alguns poucos concessionários públicos com reserva de mercado. “Com essa mudança da lei através de um decreto de 2008, tivemos um recuo nos investimentos no setor portuário, porque ninguém vai investir 1 bilhão de reais sem ter segurança jurídica. A insegurança gerada desequilibrou todos os projetos que estavam em curso e que contavam com dinheiro da iniciativa privada. Esse decreto foi comprado por uma entidade dona de um cartel. Ele é ilegal e está sendo contestado pela CNA no Superior Tribunal Federal. Como pode sair um decreto desses, contra o interesse nacional?” pergunta Fayet, indignado. O problema logístico, os entraves políticos e a tarefa de conscientizar a própria população dos perigos ideológicos são alguns dos desafios atuais. O Brasil deve vencê-los para conquistar a responsabilidade de alimentar o planeta nas próximas décadas. Mas o fator determinante para o sucesso será nossa capacidade de cultivar mentes e inteligências empresariais continuamente aptas a inovar em um contexto sempre dinâmico, que a cada passagem atualiza a posição das peças no tabuleiro. Só assim o Brasil será grande nas mãos dos brasileiros.


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O jogo internacional do agronegócio

Divulgação

Ministro por três mandatos e atual presidente do Comitê de Estratégia e Gestão Empresarial do Grupo JBS-Friboi, Marcus Vinícius Pratini de Moraes sugere como o País deve se posicionar diante das novas regras do mercado mundial do agronegócio.

Pratini de Moraes já ocupou três ministérios, entre os quais o da Agricultura e Abastecimento (1999-2001)

“Todos os países que fazem a reforma agrária acabam grandes importadores de comida (...). É uma realidade triste. Faz-se a reforma agrária, usando a ideologia e, depois, tem que importar comida.” 44

Per formance

ÍDER II Semestre 2011

Por que o Brasil se destaca tanto na produção agropecuária? O Brasil tem terra, tem água, tem sol, tem tecnologia, o que hoje é muito importante, mas tem também outro ingrediente, que muitas vezes é esquecido: é o empreendedorismo. Temos empreendedores do campo, como, por exemplo, os gaúchos, que ocuparam todo o oeste do Brasil, do Paraná até Roraima, passando por Rondônia e Amazonas. Eles enfrentaram o desafio de sair das pequenas propriedades agrícolas, do minifúndio, que hoje caracteriza boa parte do Rio Grande do Sul. Formaram propriedades maiores e, junto com os empreendedores dos demais Estados, produzem hoje o que é, para muitos produtos e muitos setores, a mais moderna agricultura do mundo. Tanto que os níveis de produtividade do Brasil são hoje, para alguns produtos, melhores que os níveis de produtividade dos EUA, como no caso da soja. A existência desses cinco ingredientes é fundamental. Eu não vejo ainda na África, por exemplo, uma elite empresarial. E digo elite não no sentido financeiro, mas de treinamento intelectual. No curto prazo, não vejo condições de eles construírem propriedades agrícolas e, sobretudo, organizações de logística, de venda, de marketing. Isso é muito difícil. Veja quantos anos levamos aqui no Brasil! Então temos condições extremamente favoráveis. Mas podemos dizer que o jogo está ganho? Nunca, mas o Brasil tem a faca e o queijo na mão. O mundo precisa do Brasil para comer. E nós temos aquilo de que o mundo mais necessita, não é cebola, alho ou lagosta, o mundo precisa de arroz, feijão, soja, carne, ovo, lácteos, frango, carne de suíno etc. Mas nós precisamos nos organizar bem, apoiando, por exemplo, todos os instrumentos de pesquisa que existem, sem temor dos geneticamente modificados. Nós não

podemos ter medo do avanço. Não podemos fazer como fizeram com Galileu, que só recentemente teve seus livros liberados pela Igreja, ou como outros ainda, que foram queimados, acusados de feitiçaria. Temos que ter os olhos abertos e temos que buscar a inovação. O segredo do mundo moderno, em todos os campos, é inovar, e inovar mais rápido do que os outros. Ganhar em produtividade. Ou seja, temos que vencer as barreiras ideológicas se quisermos ir adiante? A atual conjuntura internacional e os cinco fatores que eu mencionei criam as condições para que o Brasil tenha um papel importante. Mas isso também faz com que a gente reveja alguns conceitos que andaram muito em moda. Eu tenho uma visão muito crítica em relação aos problemas de inspiração ideológica. Um deles é a reforma agrária. Todos os países que fazem a reforma acabam grandes importadores de comida. A Venezuela é um caso, fez a reforma e hoje importa 75% do que come. Em Cuba, a mesma coisa. Fez uma reforma agrária e hoje importa 80% do que come. Eles não conseguem nem produzir para eles mesmos. Quer dizer, a ideologia do Fidel é uma, mas, na prática, a realidade é outra. Outro caso interessante é o México. Fez uma reforma agrária na década de 1930, a pau e ferro. Hoje, é um dos maiores importadores de proteína vegetal do mundo. Importa milho, farelo de soja e soja em grão dos Estados Unidos. Por conta do protecionismo, o Brasil não consegue vender no México. O México é o maior importador de produtos lácteos do mundo. Não consegue produzir nem leite para sua população. Por isso, a ideia de você distribuir terra, sem critérios, sem que as pessoas sejam lavradores, sem que tenham experiência, sem que tenham como vender sua produção, é uma realidade triste. Faz-se a reforma agrária, usando a ideologia, e depois tem que importar comida.

Atualmente, convivemos com o protecionismo não tarifário, que impede ou restringe a entrada de produtos brasileiros em muitos mercados. Como devemos lidar com isso? Vou dizer o que fiz quando era ministro da Agricultura. Um dia, o Chile, invocando problemas sanitários, suspendeu a importação de frango e suíno do Brasil. Mas nós também comprávamos salmão, comprávamos vinho, entre outras coisas do Chile. Mandei proibir os caminhões deles de entrarem no País. Chamei nossos veterinários para encontrar os argumentos. Foi muito simples. Por exemplo, a coloração do salmão chileno é dada por um aditivo, que se chama astaxantina, e um fixador. Os EUA já haviam proibido essa substância, com alegação de que era cancerígena. Então, notificamos o Chile de que não compraríamos mais seu salmão. Informamos também que, como havia suspeita de febre aftosa, tínhamos que evitar os agentes portadores mecânicos, e barrar a entrada de flores, cereais etc. Mas e o vinho? Como a rolha de cortiça produz muito fungo, precisaríamos examinar para impedir a entrada de fungos exóticos, através de uma análise de risco. O código internacional sanitário permite a qualquer momento invocar a execução de uma análise de risco para determinado produto. Mas isso pode levar de seis meses a um ano. E assim fechei também o mercado brasileiro aos produtos chilenos. Deu uma confusão enorme. Naturalmente, pedi autorização ao presidente Fernando Henrique, que me disse: “Vai em frente, mas não diz que eu te autorizei”. No dia seguinte, depois do meio-dia, liga o presidente do Chile, Ricardo Lagos, para mim. “Sr. ministro, houve um erro! Não podemos ficar sem os produtos de vocês e vocês, sem os nossos! Vamos consertar isso!” Resumindo, ele deixou nossos produtos entrarem. Mas no Brasil, ultimamente, com esse estilo de ser bonzinho aqui e ali, até a Petrobras foi ferrada na Bolívia. Não houve um troca-troca. Nem precisa ser um troca-troca escandaloso. Mas os americanos, os europeus fazem isso todo dia. Nós temos que fazer também. Precisamos de uma postura mais enérgica em defesa do mercado interno brasileiro.


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O jogo internacional do agronegócio

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Ministro por três mandatos e atual presidente do Comitê de Estratégia e Gestão Empresarial do Grupo JBS-Friboi, Marcus Vinícius Pratini de Moraes sugere como o País deve se posicionar diante das novas regras do mercado mundial do agronegócio.

Pratini de Moraes já ocupou três ministérios, entre os quais o da Agricultura e Abastecimento (1999-2001)

“Todos os países que fazem a reforma agrária acabam grandes importadores de comida (...). É uma realidade triste. Faz-se a reforma agrária, usando a ideologia e, depois, tem que importar comida.” 44

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Por que o Brasil se destaca tanto na produção agropecuária? O Brasil tem terra, tem água, tem sol, tem tecnologia, o que hoje é muito importante, mas tem também outro ingrediente, que muitas vezes é esquecido: é o empreendedorismo. Temos empreendedores do campo, como, por exemplo, os gaúchos, que ocuparam todo o oeste do Brasil, do Paraná até Roraima, passando por Rondônia e Amazonas. Eles enfrentaram o desafio de sair das pequenas propriedades agrícolas, do minifúndio, que hoje caracteriza boa parte do Rio Grande do Sul. Formaram propriedades maiores e, junto com os empreendedores dos demais Estados, produzem hoje o que é, para muitos produtos e muitos setores, a mais moderna agricultura do mundo. Tanto que os níveis de produtividade do Brasil são hoje, para alguns produtos, melhores que os níveis de produtividade dos EUA, como no caso da soja. A existência desses cinco ingredientes é fundamental. Eu não vejo ainda na África, por exemplo, uma elite empresarial. E digo elite não no sentido financeiro, mas de treinamento intelectual. No curto prazo, não vejo condições de eles construírem propriedades agrícolas e, sobretudo, organizações de logística, de venda, de marketing. Isso é muito difícil. Veja quantos anos levamos aqui no Brasil! Então temos condições extremamente favoráveis. Mas podemos dizer que o jogo está ganho? Nunca, mas o Brasil tem a faca e o queijo na mão. O mundo precisa do Brasil para comer. E nós temos aquilo de que o mundo mais necessita, não é cebola, alho ou lagosta, o mundo precisa de arroz, feijão, soja, carne, ovo, lácteos, frango, carne de suíno etc. Mas nós precisamos nos organizar bem, apoiando, por exemplo, todos os instrumentos de pesquisa que existem, sem temor dos geneticamente modificados. Nós não

podemos ter medo do avanço. Não podemos fazer como fizeram com Galileu, que só recentemente teve seus livros liberados pela Igreja, ou como outros ainda, que foram queimados, acusados de feitiçaria. Temos que ter os olhos abertos e temos que buscar a inovação. O segredo do mundo moderno, em todos os campos, é inovar, e inovar mais rápido do que os outros. Ganhar em produtividade. Ou seja, temos que vencer as barreiras ideológicas se quisermos ir adiante? A atual conjuntura internacional e os cinco fatores que eu mencionei criam as condições para que o Brasil tenha um papel importante. Mas isso também faz com que a gente reveja alguns conceitos que andaram muito em moda. Eu tenho uma visão muito crítica em relação aos problemas de inspiração ideológica. Um deles é a reforma agrária. Todos os países que fazem a reforma acabam grandes importadores de comida. A Venezuela é um caso, fez a reforma e hoje importa 75% do que come. Em Cuba, a mesma coisa. Fez uma reforma agrária e hoje importa 80% do que come. Eles não conseguem nem produzir para eles mesmos. Quer dizer, a ideologia do Fidel é uma, mas, na prática, a realidade é outra. Outro caso interessante é o México. Fez uma reforma agrária na década de 1930, a pau e ferro. Hoje, é um dos maiores importadores de proteína vegetal do mundo. Importa milho, farelo de soja e soja em grão dos Estados Unidos. Por conta do protecionismo, o Brasil não consegue vender no México. O México é o maior importador de produtos lácteos do mundo. Não consegue produzir nem leite para sua população. Por isso, a ideia de você distribuir terra, sem critérios, sem que as pessoas sejam lavradores, sem que tenham experiência, sem que tenham como vender sua produção, é uma realidade triste. Faz-se a reforma agrária, usando a ideologia, e depois tem que importar comida.

Atualmente, convivemos com o protecionismo não tarifário, que impede ou restringe a entrada de produtos brasileiros em muitos mercados. Como devemos lidar com isso? Vou dizer o que fiz quando era ministro da Agricultura. Um dia, o Chile, invocando problemas sanitários, suspendeu a importação de frango e suíno do Brasil. Mas nós também comprávamos salmão, comprávamos vinho, entre outras coisas do Chile. Mandei proibir os caminhões deles de entrarem no País. Chamei nossos veterinários para encontrar os argumentos. Foi muito simples. Por exemplo, a coloração do salmão chileno é dada por um aditivo, que se chama astaxantina, e um fixador. Os EUA já haviam proibido essa substância, com alegação de que era cancerígena. Então, notificamos o Chile de que não compraríamos mais seu salmão. Informamos também que, como havia suspeita de febre aftosa, tínhamos que evitar os agentes portadores mecânicos, e barrar a entrada de flores, cereais etc. Mas e o vinho? Como a rolha de cortiça produz muito fungo, precisaríamos examinar para impedir a entrada de fungos exóticos, através de uma análise de risco. O código internacional sanitário permite a qualquer momento invocar a execução de uma análise de risco para determinado produto. Mas isso pode levar de seis meses a um ano. E assim fechei também o mercado brasileiro aos produtos chilenos. Deu uma confusão enorme. Naturalmente, pedi autorização ao presidente Fernando Henrique, que me disse: “Vai em frente, mas não diz que eu te autorizei”. No dia seguinte, depois do meio-dia, liga o presidente do Chile, Ricardo Lagos, para mim. “Sr. ministro, houve um erro! Não podemos ficar sem os produtos de vocês e vocês, sem os nossos! Vamos consertar isso!” Resumindo, ele deixou nossos produtos entrarem. Mas no Brasil, ultimamente, com esse estilo de ser bonzinho aqui e ali, até a Petrobras foi ferrada na Bolívia. Não houve um troca-troca. Nem precisa ser um troca-troca escandaloso. Mas os americanos, os europeus fazem isso todo dia. Nós temos que fazer também. Precisamos de uma postura mais enérgica em defesa do mercado interno brasileiro.


Embrapa

E SPE C I A L

EMBRAPA Inteligência e ciência verde-amarelas gerando soluções para a fome no mundo Mais de 500 anos se passaram desde que a célebre carta escrita por Pero Vaz de Caminha anunciava que, no Brasil, “em se plantando, tudo dá”. Mas se isso hoje é uma realidade, deve-se mais ao desenvolvimento próprio da tecnologia agropecuária tropical mais avançada do planeta do que às condições naturais do nosso território. por Bruno Branco

Domar o solo e o clima do cerrado, transformando-o em potência agrícola, foi um dos maiores feitos da Embrapa. As pesquisas e descobertas sobre fixação do nitrogênio na soja, entre outras técnicas desenvolvidas pela empresa, ajudaram o Brasil a atingir, em clima tropical, solos ácidos e pobres, o maior índice de produtividade mundial em soja, uma planta típica de climas mais amenos.

Poucos brasileiros fazem ideia da importância que a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) tem para o País, do seu reconhecimento mundial como um centro de competência científica aplicada e da influência que exerce em nossa vida

cotidiana. Há cerca de 40 anos, o Brasil era um dos maiores importadores de alimentos do mundo, pagando caro por produtos básicos provenientes dos EUA, da União Europeia, da Argentina, entre outros. Instituída em 1973, foram necessárias menos de duas décadas

para que a tecnologia produzida pela empresa estatal ajudasse o País a mudar essa realidade. Mais do que o posto atingido pelo Brasil de segundo maior exportador mundial de produtos agropecuários, a Embrapa, ao propiciar a evolução técnica necessária, foi decisiva

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Embrapa

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EMBRAPA Inteligência e ciência verde-amarelas gerando soluções para a fome no mundo Mais de 500 anos se passaram desde que a célebre carta escrita por Pero Vaz de Caminha anunciava que, no Brasil, “em se plantando, tudo dá”. Mas se isso hoje é uma realidade, deve-se mais ao desenvolvimento próprio da tecnologia agropecuária tropical mais avançada do planeta do que às condições naturais do nosso território. por Bruno Branco

Domar o solo e o clima do cerrado, transformando-o em potência agrícola, foi um dos maiores feitos da Embrapa. As pesquisas e descobertas sobre fixação do nitrogênio na soja, entre outras técnicas desenvolvidas pela empresa, ajudaram o Brasil a atingir, em clima tropical, solos ácidos e pobres, o maior índice de produtividade mundial em soja, uma planta típica de climas mais amenos.

Poucos brasileiros fazem ideia da importância que a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) tem para o País, do seu reconhecimento mundial como um centro de competência científica aplicada e da influência que exerce em nossa vida

cotidiana. Há cerca de 40 anos, o Brasil era um dos maiores importadores de alimentos do mundo, pagando caro por produtos básicos provenientes dos EUA, da União Europeia, da Argentina, entre outros. Instituída em 1973, foram necessárias menos de duas décadas

para que a tecnologia produzida pela empresa estatal ajudasse o País a mudar essa realidade. Mais do que o posto atingido pelo Brasil de segundo maior exportador mundial de produtos agropecuários, a Embrapa, ao propiciar a evolução técnica necessária, foi decisiva

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Ao longo das últimas décadas, a Embrapa constituiu-se como um grande centro de competência científica aplicada

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este número não passa de 19,8%, ou seja, o gasto foi reduzido a 58,4% do que as famílias dispendiam com a alimentação anteriormente. Em outras palavras, tornou-se possível que as famílias tivessem mais e melhor alimento disponível por quase a metade do que era gasto, e a renda excedente foi transferida para outros setores da economia, ajudando na construção de um melhor padrão de vida para a população. “No início da década de 1970, os preços dos alimentos subiam a uma taxa muito alta no Brasil, havia muita insatisfação e até ameaças de rebelião popular nas cidades. O País havia acumulado uma enorme dívida externa com o modelo de industrialização. O então ministro Delfim Neto e as pessoas que orientavam o modelo de desenvolvimento econômico descobriram que a solução para esses problemas estava em desenvolver a nossa agricultura”, lembra Eliseu Roberto de Andrade Alves, segundo presidente da Embrapa (1979-1984). Essa descoberta acabou resultando em um dos maiores e mais ambiciosos programas de pesquisa agropecuária já implantados no mundo pelo homem. “O agronegócio brasileiro surgiu quando nós passamos a confiar na inteligência brasileira, quando passamos a desenvolver ciência e tecnologia e realizar inovações para os biomas brasileiros. As coisas então mudaram muito rapidamente. Se os europeus levaram 4 mil anos para chegar onde estão hoje, nós fizemos isso em menos de 20 anos”, conta Alysson Paulinelli, ex-ministro da Agricultura (19741979) e um dos pioneiros na criação da Embrapa. As inovações mencionadas pelo

ex-ministro Paulinelli dizem respeito, sobretudo, à agricultura das regiões centro-oeste, norte e nordeste. Tendo boa parte do território situado na zona tropical, área de biomas exóticos, com solos ácidos e pobres, poucos Estados brasileiros puderam aproveitar a tecnologia agropecuária desenvolvida e aperfeiçoada nos séculos anteriores pelos países da zona temperada. Isso ajuda a explicar também o relativo atraso econômico dessas regiões em relação aos Estados do Sul e do Sudeste do País. Com enorme desvantagem em relação aos EUA, Canadá, Argentina, Austrália, Nova Zelândia e África do Sul, a maior parte do Brasil teve que correr atrás de seu próprio desenvolvimento. Isso foi alcançado através de numerosos e aprofundados estudos dos biomas nacionais, que conduziram a inovações técnicas feitas sob medida para as diferentes realidades do território, como o plantio direto sobre palha, a integração lavoura-pecuária-floresta e a fixação do nitrogênio na soja. “O maior serviço prestado ao Brasil e ao mundo pela Embrapa nas últimas décadas foi ter possibilitado a tropicalização da agricultura. Antes da Embrapa importávamos tudo, desde arroz e feijão até carne e leite. Ao tropicalizar a agricultura a Embrapa ajudou a garantir a segurança e a soberania alimentares do País”, avalia o atual presidente da empresa e engenheiro agrônomo Pedro Antônio Arraes Pereira. A senadora Kátia Abreu atribui às tecnologias desenvolvidas pela Embrapa o aumento na produtividade das lavouras brasileiras, no período de 1976 a 2011. “No ano de criação da entidade, o rendimento médio das lavouras atingia a marca de cerca de

1 tonelada por hectare. Na última safra, 2010/2011, essa produtividade atingiu, segundo números oficiais, 3,28 toneladas por hectare, repercutindo diretamente no volume de produção, que cresceu 228% em 25 anos, enquanto que a área plantada aumentou apenas 31% no mesmo período”, lembra. Mas os novos tempos exigirão também adaptações no papel que a empresa vem desempenhando. Sem deixar de lado o pilar das melhorias tecnológicas, desenvolvidas para atender às necessidades da cadeia de produção rural, assuntos como o código florestal, a sustentabilidade agrícola e as mudanças climáticas são fundamentais para garantir a continuidade da evolução e devem ganhar peso na pauta de prioridades nos próximos anos, contribuindo cientificamente com o debate político e com o desenvolvimento de uma agricultura ainda mais precisa. “O código florestal brasileiro foi planejado por meia dúzia de ONGs dentro de escritórios refrigerados, na base do ‘achismo’. Eu sou contra o achismo. O Brasil perdeu 500 anos achando que Caminha tinha razão quando escreveu em sua carta ‘em se plantando, tudo dá’. Não existe isso. Nossa legislação ambiental precisa ser construída através de conhecimento científico e não de achismo”, avalia Paulinelli. Em 2050, quando a população mundial atingir os 9 bilhões de habitantes, conforme previsão da ONU (Organização das Nações Unidas), o planeta nunca terá precisado tanto do Brasil e da Embrapa. Mirando-se nos exemplos de nosso passado, está nas mãos dos brasileiros de hoje produzir a ciência de amanhã para conduzir o País à realização de seu próprio potencial.

“Antes da Embrapa importávamos tudo, desde arroz e feijão até carne e leite. Ao tropicalizar a agricultura a Embrapa ajudou a garantir a segurança e a soberania alimentares do País.” Numerosos e aprofundados estudos sobre os biomas nacionais permitiram à Embrapa desenvolver soluções técnicas sob medida para o nosso clima tropical Divulgação MAPA

“O agronegócio brasileiro surgiu quando nós passamos a confiar na inteligência brasileira, quando passamos a desenvolver ciência e tecnologia e realizar inovações para os biomas brasileiros.”

na conquista da segurança alimentar nacional, garantindo o conhecimento e a superação de empecilhos científicos, que contribuíram decisivamente para que produtores e empreendedores rurais disponibilizassem à população brasileira alimentos entre os mais baratos do planeta. No caminho para esse feito, tornou-se, além de produtora de ciência, exportadora de tecnologia em agricultura tropical, área em que é reconhecida internacionalmente como líder absoluta. Em 1975, as despesas com alimentação comprometiam em média 33,9% da renda familiar nacional, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Hoje,

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Ao longo das últimas décadas, a Embrapa constituiu-se como um grande centro de competência científica aplicada

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este número não passa de 19,8%, ou seja, o gasto foi reduzido a 58,4% do que as famílias dispendiam com a alimentação anteriormente. Em outras palavras, tornou-se possível que as famílias tivessem mais e melhor alimento disponível por quase a metade do que era gasto, e a renda excedente foi transferida para outros setores da economia, ajudando na construção de um melhor padrão de vida para a população. “No início da década de 1970, os preços dos alimentos subiam a uma taxa muito alta no Brasil, havia muita insatisfação e até ameaças de rebelião popular nas cidades. O País havia acumulado uma enorme dívida externa com o modelo de industrialização. O então ministro Delfim Neto e as pessoas que orientavam o modelo de desenvolvimento econômico descobriram que a solução para esses problemas estava em desenvolver a nossa agricultura”, lembra Eliseu Roberto de Andrade Alves, segundo presidente da Embrapa (1979-1984). Essa descoberta acabou resultando em um dos maiores e mais ambiciosos programas de pesquisa agropecuária já implantados no mundo pelo homem. “O agronegócio brasileiro surgiu quando nós passamos a confiar na inteligência brasileira, quando passamos a desenvolver ciência e tecnologia e realizar inovações para os biomas brasileiros. As coisas então mudaram muito rapidamente. Se os europeus levaram 4 mil anos para chegar onde estão hoje, nós fizemos isso em menos de 20 anos”, conta Alysson Paulinelli, ex-ministro da Agricultura (19741979) e um dos pioneiros na criação da Embrapa. As inovações mencionadas pelo

ex-ministro Paulinelli dizem respeito, sobretudo, à agricultura das regiões centro-oeste, norte e nordeste. Tendo boa parte do território situado na zona tropical, área de biomas exóticos, com solos ácidos e pobres, poucos Estados brasileiros puderam aproveitar a tecnologia agropecuária desenvolvida e aperfeiçoada nos séculos anteriores pelos países da zona temperada. Isso ajuda a explicar também o relativo atraso econômico dessas regiões em relação aos Estados do Sul e do Sudeste do País. Com enorme desvantagem em relação aos EUA, Canadá, Argentina, Austrália, Nova Zelândia e África do Sul, a maior parte do Brasil teve que correr atrás de seu próprio desenvolvimento. Isso foi alcançado através de numerosos e aprofundados estudos dos biomas nacionais, que conduziram a inovações técnicas feitas sob medida para as diferentes realidades do território, como o plantio direto sobre palha, a integração lavoura-pecuária-floresta e a fixação do nitrogênio na soja. “O maior serviço prestado ao Brasil e ao mundo pela Embrapa nas últimas décadas foi ter possibilitado a tropicalização da agricultura. Antes da Embrapa importávamos tudo, desde arroz e feijão até carne e leite. Ao tropicalizar a agricultura a Embrapa ajudou a garantir a segurança e a soberania alimentares do País”, avalia o atual presidente da empresa e engenheiro agrônomo Pedro Antônio Arraes Pereira. A senadora Kátia Abreu atribui às tecnologias desenvolvidas pela Embrapa o aumento na produtividade das lavouras brasileiras, no período de 1976 a 2011. “No ano de criação da entidade, o rendimento médio das lavouras atingia a marca de cerca de

1 tonelada por hectare. Na última safra, 2010/2011, essa produtividade atingiu, segundo números oficiais, 3,28 toneladas por hectare, repercutindo diretamente no volume de produção, que cresceu 228% em 25 anos, enquanto que a área plantada aumentou apenas 31% no mesmo período”, lembra. Mas os novos tempos exigirão também adaptações no papel que a empresa vem desempenhando. Sem deixar de lado o pilar das melhorias tecnológicas, desenvolvidas para atender às necessidades da cadeia de produção rural, assuntos como o código florestal, a sustentabilidade agrícola e as mudanças climáticas são fundamentais para garantir a continuidade da evolução e devem ganhar peso na pauta de prioridades nos próximos anos, contribuindo cientificamente com o debate político e com o desenvolvimento de uma agricultura ainda mais precisa. “O código florestal brasileiro foi planejado por meia dúzia de ONGs dentro de escritórios refrigerados, na base do ‘achismo’. Eu sou contra o achismo. O Brasil perdeu 500 anos achando que Caminha tinha razão quando escreveu em sua carta ‘em se plantando, tudo dá’. Não existe isso. Nossa legislação ambiental precisa ser construída através de conhecimento científico e não de achismo”, avalia Paulinelli. Em 2050, quando a população mundial atingir os 9 bilhões de habitantes, conforme previsão da ONU (Organização das Nações Unidas), o planeta nunca terá precisado tanto do Brasil e da Embrapa. Mirando-se nos exemplos de nosso passado, está nas mãos dos brasileiros de hoje produzir a ciência de amanhã para conduzir o País à realização de seu próprio potencial.

“Antes da Embrapa importávamos tudo, desde arroz e feijão até carne e leite. Ao tropicalizar a agricultura a Embrapa ajudou a garantir a segurança e a soberania alimentares do País.” Numerosos e aprofundados estudos sobre os biomas nacionais permitiram à Embrapa desenvolver soluções técnicas sob medida para o nosso clima tropical Divulgação MAPA

“O agronegócio brasileiro surgiu quando nós passamos a confiar na inteligência brasileira, quando passamos a desenvolver ciência e tecnologia e realizar inovações para os biomas brasileiros.”

na conquista da segurança alimentar nacional, garantindo o conhecimento e a superação de empecilhos científicos, que contribuíram decisivamente para que produtores e empreendedores rurais disponibilizassem à população brasileira alimentos entre os mais baratos do planeta. No caminho para esse feito, tornou-se, além de produtora de ciência, exportadora de tecnologia em agricultura tropical, área em que é reconhecida internacionalmente como líder absoluta. Em 1975, as despesas com alimentação comprometiam em média 33,9% da renda familiar nacional, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Hoje,

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