O despertar do dragão

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Maior cidade da China, Xangai tem mais de 18 milhões de habitantes

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O despertar do Dragão O movimento de rearticulação da política interna e a nova postura da China, abrindo-se para o mercado externo, têm causado impacto nas relações da economia mundial. À medida que o dragão acorda e assume novos hábitos de vida, o mundo se esforça para se adaptar às implicações decorrentes disso. Neste cenário, qual a atenção que o Brasil deve ter diante da nova dinâmica provocada pelo progressivo avanço chinês no mercado internacional? por Bruno Branco

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O despertar do Dragão O movimento de rearticulação da política interna e a nova postura da China, abrindo-se para o mercado externo, têm causado impacto nas relações da economia mundial. À medida que o dragão acorda e assume novos hábitos de vida, o mundo se esforça para se adaptar às implicações decorrentes disso. Neste cenário, qual a atenção que o Brasil deve ter diante da nova dinâmica provocada pelo progressivo avanço chinês no mercado internacional? por Bruno Branco

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por Mao Tsé-Tung da comunista República Popular da China. Famoso por ter unificado novamente o país e estabelecido um forte governo central, foi também durante os quase 30 anos de poder do “grande timoneiro” que a China mergulhou no período mais pobre da sua história e viu cerca de 30 milhões de chineses morrerem de fome sob a ditadura ideológica da Revolução Cultural.

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Em 1978, os cenários econômico e político eram bem diferentes dos atuais, e a história recente do país dava pistas de que os motivos remontavam a mais de um século atrás. Derrotada pela Inglaterra no século XIX, nas duas Guerras do Ópio, além de assistir à transformação de Hong Kong em colônia britânica, a China viu suas riquezas serem levadas para a Europa. Mais tarde, em 1900, o país

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A história oficial conta que entre os séculos I e XIX o Produto Interno Bruto (PIB) da China representava de 23% a 32% da riqueza total produzida no planeta. A partir da década de 1820, o milenar dragão iniciou um sono profundo, que atingiu seu ponto máximo em 1978, logo após a morte de Mao Tsé-Tung, quando a economia chinesa era 30 vezes menor do que a da Europa Ocidental.

Tradicional templo da China decorado para o Ano-Novo chinês

A Grande Muralha: mais de 6,5 mil km que atravessam o país

Zhouzhuang, a Veneza chinesa de mais de mil anos

Naquele ano, Deng Xiaoping, sucessor de Mao, tinha nas mãos um país arrasado pela miséria, humilhado por séculos de invasões e estagnado nos idealismos do comunismo, materializado na Revolução Cultural. Pai do chamado socialismo de livre mercado, foi Deng quem iniciou o projeto que hoje se consolida na forma da economia que move o progresso mundial e de um sistema político peculiar, ainda não inteiramente compreendido pelo Ocidente.

seria novamente invadido pela Inglaterra, França, Rússia, Japão e até mesmo pelos Estados Unidos, resultando em uma nação dominada colonialmente e enfraquecida pela fragmentação política. E enquanto o dragão dormia, os primeiros e turbulentos 50 anos do século XX trouxeram sucessivamente o fim do milenar regime imperial, a instituição de uma república capitalista, três décadas de guerra civil, mais uma invasão japonesa e, finalmente, em 1949, a proclamação

Esta foi a China herdada por Deng Xiaoping quando, em 1978, deu início ao plano de reabertura econômica e ao restabelecimento das relações diplomáticas com a comunidade internacional. A partir de então, adotando um socialismo com práticas “capitalistas” de Estado, o país manteve a mão de ferro do partido, mas passou pouco a pouco a relativizar algumas amarras ideológicas e a assumir um modelo político único, mais funcional à sua realidade.

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Herdando de Mao Tsé-Tung um governo forte e totalitário, a China buscou evitar qualquer ameaça de desintegração interna e de caos social que, por séculos, foram os principais empecilhos à sua estabilidade e ao seu crescimento. Sempre na contramão do que ocorria no Ocidente, o modelo político chinês divergia do idealismo democrático que se fortalecia com a falência do comunismo na União Soviética. Por isso mesmo, a ameaça de dissolução da União Soviética levou o perigo de desintegração interna também à China. Incentivados pelos acontecimentos no Leste Europeu, levantes estudantis pródemocracia surgiram em alguns pontos do país, tendo como culminância o conflito na Praça da Paz Celestial, ou Tiananmen, em 1989. Com a finalidade de preservar a integração do país e evitar uma nova guerra civil, o governo chinês enviou uma mensagem clara aos manifestantes: apesar da reforma econômica, não iria haver dúvidas em relação aos fundamentos do sistema político chinês. O tempo passou, a China se rearticulou e intensificou seu movimento de abertura em relação ao mercado externo. Enquanto o Ocidente buscava entender e classificar esse sistema político como stalinismo de mercado ou leninismo com características capitalistas, o país passou a registrar regularmente dois dígitos anuais de crescimento e taxas de desemprego inferiores a 4% nos centros urbanos, índices invejados pelas maiores democracias capitalistas. Ironicamente, na mesma época em que o dragão acordava, anunciava-se o “fim da história”, segundo expressão cunhada pelo cientista político nipoamericano Francis Fukuyama, que previu a supremacia absoluta e certa dos regimes ocidentais em todo o mundo. Mas foi

justamente nesta fase que se iniciou a grande virada da China contemporânea como potência econômica mundial. Deng Xiaoping morreu em 1997, sem assistir à reintegração de Hong Kong ao território chinês, vitória diplomática articulada

O TEMPO PASSOU, A CHINA SE REARTICULOU E INTENSIFICOU SEU MOVIMENTO DE ABERTURA EM RELAÇÃO AO MERCADO. ENQUANTO O OCIDENTE BUSCAVA ENTENDER E CLASSIFICAR ESSE SISTEMA POLÍTICO COMO STALINISMO DE MERCADO OU LENINISMO COM CARACTERÍSTICAS CAPITALISTAS, O PAÍS PASSOU A REGISTRAR REGULARMENTE DOIS DÍGITOS ANUAIS DE CRESCIMENTO.

por ele junto à Inglaterra, e sem ver o país ascender ao atual protagonismo econômico, ficando erroneamente lembrado no Ocidente sobretudo como o ditador que ordenou o massacre de estudantes na Praça da Paz Celestial.

O voo do Dragão Não é simples entender como um país de 1,4 bilhão de habitantes pôde dar um salto tão grande em menos de três gerações. De mero coadjuvante da ordem econômica mundial, a China é hoje a segunda maior economia do planeta, tendo ultrapassado em 2010 o Japão e registrado, no ano anterior, um PIB de 4,91 trilhões de dólares. A ascensão chinesa foi tão rápida e recente que ainda é comum associar o país ao comunismo, apesar do período de economia fechada ter representado menos de 40 anos de sua milenar tradição mercantil. A família de Huang Liang, 38 anos, é um exemplo vivo das transformações ocorridas nas três últimas décadas. Seus pais o enviaram ao Brasil, em 1989, em busca de oportunidades. Nascidos em Pequim, durante a Revolução Cultural, viveram boa parte de suas vidas no período mais pobre da China dos últimos 190 anos. “A vida era muito difícil, a comida, racionada. Lembro que, no café da manhã, tomávamos água com uma espécie de achocolatado, de péssima qualidade, e só. Frango era uma vez por mês, no máximo. Praticamente não havia carros na rua e só andávamos de bicicleta. Todos tinham o mesmo salário e morávamos nos hutongs, bairros de casas comuns, com banheiros comunitários, cedidas pelo governo. É inacreditável que isso tenha sido há menos de 30 anos. Hoje a China é outro país”, constata Huang. Durante a década de 1990, o crescimento econômico acelerou. As moradias comunitárias do centro de Pequim foram, em boa parte, demolidas e substituídas por modernos apartamentos e prédios comerciais. A irmã de Huang Liang, a professora de matemática Huang Yan, 40 anos, permaneceu em Pequim.

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Construção civil, um dos motores da economia chinesa

Proprietária de dois carros japoneses e um apartamento, planeja comprar uma segunda propriedade este ano, para investimento. Além disso, pensa em enviar o filho Zhen Yuan, 14 anos, que já fala inglês, à Alemanha para realizar os

estudos universitários. “Há hoje muitas oportunidades na China. Os jovens precisam estar bem preparados para enfrentar o mercado de trabalho cada vez mais concorrido. Zhen Yuan deve estudar na Alemanha e retornar à China, para trabalhar ou quem sabe ter seu próprio negócio”, afirma ela. Em relação à política estatal e à falta de liberdades democráticas, Huang Liang não deixa dúvidas: “A maioria dos chineses não quer saber se podem votar ou não. O que importa é que saímos da pobreza extrema e estamos vendo que o país tem uma direção, está se desenvolvendo. O que importa para a maioria é dinheiro no bolso e comida na mesa”, diz.

É PRECISO ENTENDER COMO UM PAÍS DE 1,4 BILHÃO DE HABITANTES PÔDE DAR UM SALTO TÃO GRANDE EM MENOS DE TRÊS GERAÇÕES. DE MERO COADJUVANTE DA ORDEM ECONÔMICA MUNDIAL, A O projeto econômico CHINA É HOJE A SEGUNDA Para o historiador britânico Michael MAIOR ECONOMIA DO Cox, esta também era a postura da maioria PLANETA. dos governos e empresas que iniciaram 34

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negócios com a China, a partir da reabertura econômica. “Os formuladores das políticas ocidentais viram apenas oportunidades econômicas; e se eles não as agarrassem, seus competidores o fariam. Um vasto mercado chinês, envolvendo 1 bilhão de consumidores se erguia; [...] E não havia tempo a perder. Foram essas considerações, bastante materiais, em vez de preocupações democráticas sobre liberdade de expressão ou direitos humanos, que cada vez mais determinavam a atitude do Ocidente em relação à China”, escreveu. Mas se os demais países prescindiam de um projeto político e econômico profundo nas relações com a China, o projeto chinês com o restante do mundo estava claro. Detentor do maior mercado consumidor potencial do planeta, o país soube exigir as contrapartidas daqueles que se interessam em explorá-lo. Para a abertura de empresas em setores estratégicos, até hoje é exigida uma composição societária com chineses


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Distrito de negócios de Pequim, capital chinesa também conhecida como Beijing (bei = norte, jing = capital)

natos, e qualquer empreendimento de grande porte não sai do papel sem um projeto claro de transferência tecnológica. Isso vem ocorrendo em áreas produtivas como aeronáutica, transporte ferroviário e automobilístico, informática, indústria química, siderurgia, telecomunicações, nanotecnologia, setor têxtil e serviços. O país hoje domina boa parte das tecnologias de ponta e concentra, em seu próprio território, a sede produtiva de inúmeras empresas multinacionais. Mas a preferência das multinacionais pela China, a partir da década de 1980, não veio ao acaso. O Império do Meio, como também é conhecido, soube fazer no tempo certo as reformas necessárias para se tornar extremamente competitivo no cenário internacional. Com o fim do maoismo, Deng Xiaoping flexibilizou a 36

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legislação trabalhista e realizou reformas econômicas, entre as quais as quatro grandes modernizações: da agricultura, da indústria, do setor militar e da ciência e tecnologia, além de criar as cinco Zonas Econômicas Especiais (ZEE), territórios onde são oferecidas condições peculiares para a instalação de empresas privadas, atraindo grandes investimentos estrangeiros. Estão situadas em Shenzhen (ao lado de Hong Kong), Zhuhai (próximo a Macau), Shantou (na província de Cantão), Xiamen e Hian (uma ilha no sul do país). Com o sucesso das ZEEs, o modelo de abertura econômica passou a ser expandido para outras cidades e regiões. Como resultado, ainda nos anos de 1980, com mão de obra baratíssima, o que permitia baixo custo de produção, a China começou a espalhar pelo mundo

seus produtos – sobretudo brinquedos, calçados e têxteis –, inicialmente com uma estratégia só de baixo preço. Menos de duas décadas depois, as exportações chinesas, mais sofisticadas, já incluíam aparelhos celulares, DVDs players, televisores e motocicletas. Hoje, empresas como Lenovo (informática), Huawei (telecomunicações), Chery (automóveis) e Sany (equipamentos e maquinários pesados) não só exportam o que há de mais moderno, mas se instalam ao redor do mundo, inclusive no Brasil, buscando fugir do protecionismo alfandegário e atingir maior competitividade nos novos mercados. Entre os projetos de alta tecnologia que a China espera vender este ano ao exterior, está a construção do trem-bala, que ligará o Rio de Janeiro a Campinas, passando por São Paulo. A tecnologia, desenvolvida na Alemanha, foi transferida aos chineses em 2002, durante a construção do trem-bala de Shanghai e agora virou produto chinês. Hoje, um terço do PIB da China tem origem nas vendas ao exterior. O país ocupa a primeira posição no ranking mundial de exportações, sendo responsável por 9,6% de tudo que foi exportado no planeta em 2009. A cifra de vendas diárias hoje é superior à soma de todas as exportações de 1978, ano que marca a retomada do país em direção ao crescimento econômico.

O interesse pelo Brasil Para manter toda essa produção, a China consome anualmente bilhões de dólares em insumos provenientes dos mais diversos países. Do Brasil, o minério de ferro, o petróleo, a celulose e a soja são os principais produtos. E é por isso que as empresas e o governo chinês,


donos das maiores reservas monetárias internacionais que ultrapassam os 2,65 trilhões de dólares, estão entre os investidores mais agressivos do mundo. Em 2010, a China deve tornar-se o maior investidor estrangeiro no Brasil, injetando cerca de 12 bilhões de dólares no país. Sem surpresa, o capital chinês concentrase sobretudo nas áreas da mineração, siderurgia, energia e agricultura, matéria-prima necessária para manter em funcionamento o novo motor da economia mundial e alimentar uma população equivalente a cerca de 23% do total de habitantes da Terra. Assim como o restante do mundo, em troca, o Brasil compra da China grandes quantidades de produtos químicos derivados de petróleo, máquinas, aparelhos elétricos e mecânicos, equipamentos para telefonia, produtos têxteis, calçados e vestuário, itens de valor agregado superior ao dos que vendemos para os chineses. O resultado é um déficit na balança comercial brasileira que, no seu ponto mais crítico nos últimos anos, atingiu 3,6 bilhões de dólares. Daí ouvirse que as economias brasileira e chinesa são “complementares”. Em 2009, a China ultrapassou os EUA como principal destino das exportações brasileiras e, em 2010, estima-se que tenha absorvido entre 11% e 12% das vendas do Brasil ao exterior. Uma circunstância sem dúvida estimulante a ambas as economias no curto prazo, mas que precisa ser estudada a fundo para que o desenvolvimento do Brasil não fique restrito a uma relação de dependência, repetindo o que se vivenciou ao longo da segunda metade do século XX, na relação com nações economicamente mais desenvolvidas, como os Estados Unidos e alguns países da Europa. Para ilustrar com um exemplo recente, no auge da última crise financeira nos

Estados Unidos, as exportações chinesas totais iniciaram um movimento de queda e chegaram a recuar 17,5% em um único mês, na comparação com o ano anterior. A China passou, então, a buscar novos mercados para despejar seus estoques. Como resultado, o setor calçadista brasileiro demitiu 40 mil pessoas no último trimestre de 2008. A participação chinesa no mercado nacional chegou a 30% e o volume de importações da China cresceu 35% apenas em janeiro de 2009. Para

O SEU PROJETO COM O RESTANTE DO MUNDO ESTAVA CLARO. DETENTORA DO POTENCIAL MAIOR MERCADO CONSUMIDOR DO PLANETA, A CHINA SOUBE EXIGIR SUAS CONTRAPARTIDAS DAQUELES QUE SE INTERESSARAM EM EXPLORÁ-LO.

além dos efeitos da crise, as exportações brasileiras ao exterior também foram afetadas nos últimos anos. Um estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo revelou que o Brasil, entre 2004 e 2009, perdeu para aquele país 12,6 bilhões de dólares em exportações a seus três principais mercados: os EUA, a Argentina e a União Europeia. Em abril de 2010, durante a visita do presidente Hu Jintao a Brasília, os presidentes dos dois países assinaram

um plano de ação conjunta para diversificação do comércio. No entanto, ainda não foram constatados efeitos práticos significativos. “O Brasil precisa aumentar o valor agregado de suas vendas. O setor aeronáutico pode ajudar a tornar nossas trocas mais equilibradas. O empresariado brasileiro também tem o desafio de ser mais arrojado na conquista do consumidor chinês”, declarou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na prática, porém, será muito difícil competir com as grandes multinacionais chinesas enquanto nossas políticas trabalhista, fiscal, tributária e previdenciária não forem igualmente competitivas. Comparese, por exemplo, as responsabilidades trabalhistas de um empresário chinês com as de um empresário brasileiro. O somatório desses aspectos resulta em uma menor competitividade brasileira no cenário internacional em relação à China. Atualmente, o Brasil aparece no 38º lugar entre as economias avaliadas pelo Índice de Competitividade Mundial, divulgado pelo World Economic Forum (WEF), que no país atua em parceria com o Movimento Brasil Competitivo (MBC) e a Fundação Dom Cabral (ver artigo “A competitividade e o desenvolvimento do país” nesta edição). A China, por sua vez, ocupa a 18ª posição e encabeça o ranking entre os países do BRIC – Brasil, Rússia, Índia e China –, ainda que o índice considere Hong Kong (2ª posição) e Taiwan (8ª posição) separadamente, sendo que ambos figuram entre os 10 primeiros lugares. Por essas razões, o 7º Congresso Internacional Brasil Competitivo, organizado em 2009 pelo MBC, teve como tema a Gestão Pública. Em 2010, o presidente fundador do movimento, Dr. Jorge Gerdau Johannpeter, abriu a 8ª edição do congresso ressaltando

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Brasil competitivo em relação à China”. Além disso, existe uma assimetria de salários nos dois países e custos associados a emprego. Neste sentido, de acordo com o índice Big Mac calculado pela revista britânica The Economist, que compara mundialmente os preços do sanduíche Big Mac, a moeda chinesa, o yuan, está subvalorizada em 41%, enquanto o real está com 42% de sobrevalorização.

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que, para o Brasil continuar crescendo, será necessário vencer obstáculos como as reformas trabalhista e tributária, a burocracia pública e o atraso na educação. “É preciso criar gente competitiva e gerar competência de governança. Um dos grandes desafios na gestão pública é acabar com a ideia do improviso. O Brasil precisa ter uma atitude política e uma consciência inovadora”, declarou Gerdau.

bilhões, isto tudo sob a guarida da desvantagem cambial. A verdade é que, se há alguns anos os chineses olhavam para o Brasil apenas como mais um destino para seus produtos serem vendidos nas lojinhas de R$ 1,99 que se multiplicaram de norte a sul do país, hoje, como a economia que mais cresce no mundo, eles querem mais. Querem oportunidades de grandes

AS EMPRESAS E O GOVERNO CHINÊS, DONOS DAS MAIORES RESERVAS MONETÁRIAS INTERNACIONAIS QUE ULTRAPASSAM OS 2,65 TRILHÕES DE DÓLARES, ESTÃO ENTRE OS INVESTIDORES MAIS AGRESSIVOS DO MUNDO.

Hong Kong, que já foi uma colônia britânica, voltou a pertencer à China em 1997, incrementando a economia do país

O outro lado da moeda Diante do movimento da balança comercial entre os dois países, existem alguns aspectos a serem considerados. Segundo o ex-presidente do Banco Central brasileiro, o economista Gustavo Franco, “o problema maior é que não há taxa de câmbio real contra o dólar que faça o 38

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Por outro lado, a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (ABIEE) diz que os chineses provocam desindustrialização no Brasil. Preocupada, a organização entende que a invasão de produtos vindos da China é descontrolada e que em 2010 o déficit da balança comercial de produtos eletroeletrônicos teria somado U$ 25

investimentos. Querem se instalar aqui para explorar portos, usinas de energia, minas de ferro, poços de petróleo e ter lucros condizentes com isso e com o novo posto de maior investidor estrangeiro no Brasil. Que o diga Eike Batista, que está às voltas com os parceiros de sua petrolífera. Os chineses também ambicionam


terras para produzir comida e levar para alimentar centenas de milhões de bocas em seu país. Notícia que interessa aos produtores-exportadores de soja brasileiros que sonham em poder alimentar o apetite do dragão, mas que deve ser bem analisada. “Existe uma questão que estamos percebendo e que deve preocupar os brasileiros, é a compra de terras pelo governo chinês. Os chineses já compraram muita terra na África, mas ainda pouca no Brasil. É um debate que vamos ter que fazer”, afirma Alexandre Mendonça de Barros, especialista em agronegócio da FIESP e professor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas. A presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a senadora Kátia Abreu (DEM-TO), considera positiva a chegada dos investimentos chineses na agricultura brasileira. “A China é uma presença no mundo que veio para ficar e devemos nos acostumar a ela. Se as regras da livre concorrência forem devidamente aplicadas pelo Estado, os produtores brasileiros não têm o que temer. A verdade é que os produtos agrícolas brasileiros enfrentam barreiras artificiais em quase todos os mercados. De certa maneira, alguma internacionalização do nosso campo pode ser positiva, pois teremos mais parceiros para enfrentar esses obstáculos políticos”, avalia. No Salão Internacional do Automóvel de São Paulo de 2010, 20% das marcas de carros presentes no evento eram chinesas. Só a Chery investirá 400 milhões de dólares numa fábrica em Jacareí, interior do Estado de São Paulo, e planeja produzir 50 mil carros por ano a partir de 2013. Esse não será o único caso e, portanto, as tradicionais marcas, aos poucos, também estão vendo-se diante da competitividade dos chineses. Observadores deste movimento econômico alertam para a intenção destes investidores de exportar para a própria China o que será produzido aqui. Dizem que é necessário estabelecer estratégias inteligentes para esta nova lógica do novo capitalismo estatal chinês, que se expande e surpreende o mundo com um crescimento de mais de dois dígitos, para o qual nem ele mesmo estava preparado.


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A China faz seu caminho O embaixador no Brasil, Qiu Xiaoqi, explica à Performance Líder como a ascensão econômica de seu país está fundamentada em um modelo peculiar, desenvolvido sob medida para a realidade chinesa. “Dragão Adormecido” é a expressão utilizada para descrever a China de algumas décadas atrás. O que fez o dragão acordar? O motivo é muito claro. Chegamos à conclusão que, para construir o socialismo num país como a China, deveríamos liberar a produtividade. O socialismo existe para desenvolver a produtividade. Se num país não se pode desenvolver a produtividade e a economia, então o sistema político não tem vitalidade. Essa conclusão foi importante para

o processo de reforma e abertura. Passados 30 anos, podemos ver com clareza que era o caminho correto para a realidade chinesa. Tínhamos uma base econômica relativamente atrasada e, se não avançássemos por este caminho, não poderíamos alcançar os objetivos de desenvolver a economia, elevar a produtividade, melhorar o nível de vida do povo e modernizar o país. Agora, estamos muito seguros de que este caminho corresponde à realidade da China. Construímos uma base econômica muito sólida para a industrialização do país. É claro que, ao mesmo tempo, cometemos alguns erros graves, como a Revolução Cultural, que durou dez anos. Mas tudo isso levou a China a um processo de profundas transformações econômicas, políticas e sociais. A economia da China multiplicouse por várias vezes nos últimos 30 anos. Há pouco tempo, tornou-se a segunda economia mais potente do planeta.

Divulgação

O senhor referiu-se à Revolução Cultural do governo de Mao-Tsé Tung como um grave erro. Embora polêmico, quais foram as principais contribuições e as consequências daquele governo para a China contemporânea?

Qiu Xiaoqi: embaixador da China no Brasil

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Para responder a essa pergunta, eu precisaria de alguns dias! Mas, em resumo, posso dizer que o presidente Mao-Tsé Tung foi um grande líder do povo chinês. Tanto em época de guerra [Mao liderou o Partido Comunista Chinês durante a longa Guerra Civil e enfrentou a invasão japonesa na década de 1930], quanto na época da construção socialista, Mao deixou muitas contribuições históricas à China. Ele levantou o povo chinês, contribuiu para a conquista da independência do país, para a libertação do seu povo e para sua posição internacional. Durante seu governo, a China ergueuse como um país independente, forte e soberano. Nosso povo libertou-se das opressões imperialistas e conquistou sua liberdade, sua independência.

E quanto a Deng Xiaoping, como é lembrado e qual o legado deixado à China? A maior herança do Sr. Deng Xiaoping ao povo chinês foi a política de reforma e abertura. É um processo que até hoje não terminou. Essa política de abertura e de reforma irá acompanhar o povo chinês durante todo o processo de modernização do país. A reforma não atinge somente a economia, mas também a política e a cultura. É uma reforma completa e integral.

O senhor diz que a reforma não é somente econômica, mas também política e cultural. Entretanto, é senso comum que a abertura política não acompanhou o passo da abertura econômica na China. Por quê? Ao mesmo tempo que levamos a cabo a reforma econômica, também temos levado a cabo uma reforma política. É o que temos feito nos últimos 30 anos. Qualquer pessoa que conheça esse período histórico da China chegará à conclusão de que a reforma é completa, integral e inclui a economia e a política. Hoje, o povo chinês está desfrutando de direitos mais amplos, direitos que não tinha no passado. Mas gostaria de dizer que a reforma política da China não está terminada. Estamos concluindo-a passo a passo, pouco a pouco, e de acordo com a realidade do país.

O Prêmio Nobel da Paz de 2010 foi concedido ao ativista político Liu Xiaobo, presente na Praça da Paz Celestial em 1989 e atualmente preso na China. O vencedor, no ano anterior, foi o presidente americano Barack Obama. Muitos afirmam que o Prêmio Nobel está sofrendo uma excessiva politização. Como o governo chinês vê o prêmio deste ano? Nós nos opomos energicamente à outorga do prêmio a esse criminoso. Todos sabem que Liu Xiaobo é um criminoso condenado de acordo com as leis da China. É um criminoso que subverteu a segurança


e a estabilidade do país. Por isso, a outorga desse prêmio a Liu é uma intervenção política muito aberta, muito grosseira nos assuntos internos, com o objetivo de desestabilizar a China. No mundo ocidental, um punhado de pessoas não quer ver o desenvolvimento da China. Não quer ver sua estabilidade política. Não quer que no mundo haja um país que corre por seus próprios caminhos. A China é um país que está emergindo; então, querem avançar sobre ela usando todos os meios. Esta outorga é apenas mais um passo nessa direção, nada mais. É uma politização desse assunto. Mas não logrará seu objetivo. A China avançará apesar dessas intervenções grosseiras em seus assuntos internos. Fracassarão eles.

Empresas chinesas estão interessadas em participar da construção do trem-bala brasileiro, uma obra estimada em R$ 20 bilhões. Essa tecnologia é recente até mesmo na China. Como os chineses aprenderam tão rapidamente uma tecnologia tão complexa? Realmente, hoje a China é o país mais importante em trens de alta velocidade. Nos últimos seis anos, construímos 7 mil quilômetros de linhas férreas para trens de alta velocidade. Somos o país com a maior linha férrea de trens de alta velocidade do mundo. Inovamos, inventamos, combinamos uma série de tecnologias de ponta nesse campo. Hoje, as principais cidades da China já estão unidas por trens de alta velocidade. [...] Dominamos a tecnologia de todos os passos da construção, do projeto ao desenho, passando pela fabricação, equipamentos necessários, até a construção da própria linha. Depois, a operação e a administração. É todo um processo que requer uma série de experiências. Portanto, posso assegurar 100% que, hoje, nenhum país do mundo tem tecnologia tão avançada e tão integral como a China. Por isso, temos interesse em participar da licitação do trem de alta velocidade que unirá o Rio de Janeiro a São Paulo. Ademais, a cooperação com a China tem uma vantagem muito grande, que é a eficiência da construção. Em tão curto tempo, de agora até 2016, ano em que serão realizados os Jogos Olímpicos no Rio, penso que nenhum país poderá concluir os cerca de 500 quilômetros de linha de alta velocidade. Somente a China.

Existe uma política de transferência de tecnologia para que a China possa aprender tão rapidamente? No começo, o desenvolvimento e a construção do trem de alta velocidade consistem em duas etapas. Primeiro, na importação de algumas tecnologias necessárias. Compramos toda a propriedade intelectual. Depois a combinamos com nossa própria tecnologia para melhorá-la com nossa inovação e tornála uma tecnologia completamente própria. Esse é o caminho que a China escolheu. Até 2013, teremos 12 mil quilômetros de linhas de trens de alta velocidade.


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