Hanifa Mezoui: uma trajetória de sucesso

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Uma trajetória vitoriosa: Hanifa Mezoui Nascida na Argélia, nação africana de maioria muçulmana, Hanifa Mezoui cresceu em família de origem árabe, mas sempre trilhou uma trajetória distinta das tradições de seu povo, sobretudo no que diz respeito à posição feminina. A base do seu caminho foi a educação: aos 26 anos, já era doutora em Linguística. Sua personalidade forte e o percurso exitoso em busca da independência a conduziram a cargos de destaque na Organização das Nações Unidas (ONU) e ao atual papel de liderança como presidente da Associação UNNGO-IRENE (Network de Organizações Não Governamentais das Nações Unidas). Suas atividades profissionais e intelectuais, nos últimos anos, voltam-se ao estudo e às ações em escala mundial, que contribuam para a aplicação efetiva dos Objetivos do Milênio (ODM) propostos pelas Nações Unidas por Clarissa Miranda Hanifa Mezoui nasceu na Argélia, de onde saiu aos 3 anos de idade para retornar aos 12, em 1962, ano em que foi oficializada a independência do país em relação à França. Ainda cedo e por já ter vivido em outros países, percebeu que não lhe agradavam as diferenças de tratamento entre homens e mulheres que eram marcantes na sociedade argelina da época e nem o destino tradicional das moças de família de origem árabe como a sua. “Desde muito jovem, eu sabia que precisava desempenhar o meu

melhor e ter liderança simplesmente para sair do destino para o qual me encaminhava”, conta com voz enfática a senhora ruiva de feições claras e traços marcantes que, em passagem por São Paulo, para ministrar um seminário sobre os ODM, concedeu entrevista exclusiva à Revista Performance Líder. Aprovada para bolsas de estudos no Canadá, Estados Unidos e França, aos 18 anos de idade, Hanifa conseguiu convencer seus pais de que poderia seguir a carreira acadêmica.

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“Desde muito jovem, eu sabia que precisava desempenhar o meu melhor e ter liderança simplesmente para sair do destino para o qual me encaminhava”

Hanifa Mezoui com Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU


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Encontrou na educação um caminho para a conquista da autonomia pessoal e profissional, percorrendo cada etapa para atingir o nível máximo de titulação. “Para mim, falhar não era uma possibilidade, porque significaria voltar para a realidade da qual eu escolhi sair”, relata. Na França, cursou graduação em Linguística Aplicada, mestrado em Literatura Francesa e doutorado em Linguística Francesa. Aos 26 anos, retornou à Argélia, onde buscou sua autonomia financeira através de diversos trabalhos como a docência e em uma rede de televisão. Uma nova mudança veio quando decidiu se casar com um sociólogo nigeriano residente em Nova Iorque, transferindo-se para os Estados Unidos. Essa escolha permitiu a superação das dificuldades impostas pela mentalidade da sua nação e representou um novo passo em direção à conquista de suas aspirações. Vivendo em um novo país, casada e com um filho pequeno, participou do processo de seleção do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e, seis meses depois, foi chamada para ocupar um cargo na área de Recursos Humanos da própria ONU. “Tive quatro meses para provar às Nações Unidas que eu era a melhor profissional que eles poderiam ter, e foi exatamente o que fiz”, conta. Admitida como colaboradora das Nações Unidas, Hanifa, sempre se colocando desafios, trabalhou em vários setores da instituição por cinco anos. A personalidade, juntamente com suas habilidades e conhecimentos, permitiu que fosse recrutada para visitar diversos países que ainda não tinham representação junto a ONU, galgando posições de destaque dentro da Organização e tornando-se uma das principais executivas da entidade. Resultado de seu trabalho e da inquietação pessoal, foi convidada para um desafio ainda maior: assumir como principal executiva e coordenadora do Setor das ONGs do Conselho Econômico e Social da ONU (ECOSOC). Em três anos, elevou de mil para três mil, o número de ONGs acreditadas junto a esse conselho das Nações Unidas. O desempenho de Hanifa, inédito entre os ocupantes anteriores do cargo, conseguiu, com a credibilidade conquistada, alterar a rotina de relacionamento de seu setor com as ONGs ao instaurar o monitoramento do trabalho realizado por elas. “Monitoramento era visto como algo ruim mas, para mim, significava: mostrem o que vocês podem fazer. Isso foi um grande avanço. Ninguém antes de mim tinha questionado às ONGs com caráter consultivo junto ao ECOSOC o que estavam fazendo. Fiz entender que elas tinham um papel a cumprir e, sabendo a especialidade de cada ONG, pude dizer qual setor da ONU elas deveriam procurar”,

descreve ainda com orgulho dos bons resultados que essa inovação trouxe na época. O distinto percurso de mais de 28 anos nas Nações Unidas rendeu à Hanifa Mezoui a experiência necessária para exercer hoje a presidência da UN-NGO-IRENE, associação que tem o intuito de facilitar a comunicação entre ONGs e a ONU. Entre os principais temas dos quais a entidade se ocupa atualmente, está a defesa dos Oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (veja quadro), que são as diretrizes estabelecidas na Cúpula do Milênio das Nações Unidas para que se alcance uma situação melhor para a humanidade neste século. Passando por caminhos que nem sempre permitiam enxergar com clareza os destinos aos quais levariam, Hanifa sempre demonstrou uma personalidade marcante e resultados concretos nos projetos que empreendeu. “Eu nunca vi limitação em trabalho algum. Eu sempre tentei ver em todos os trabalhos que tive como eles poderiam ser mais responsáveis, como poderiam mostrar liderança. Ter coragem, lutar sempre... Você deve ser um guerreiro a todo o momento. Na vida você nunca deve desanimar. Eu sempre tive minhas lutas e sempre ganhei minhas batalhas, e isto nunca foi fácil”, diz.

“Manter uma economia aquecida, com taxa de crescimento equilibrada, é um primeiro desafio. É possível fazer isso fortalecendo o mercado interno e investindo em políticas sociais que permitam também aos mais pobres terem poder de consumo” Pe r f o r m a n c e

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Hanifa Mezoui em São Paulo, na sede da FOIL, mantenedora da Antonio Meneghetti Faculdade - AMF, onde ministrou conferência aos alunos do MBA dessa instituição, sobre o tema “Crises Planetárias: Soluções para os objetivos do Milênio propostos pela ONU”

Hanifa Mezoui já recebeu premiações e reconhecimentos das Nações Unidas, de organismos internacionais e de governos de diferentes países. A argeliana é atualmente também representante permanente para ONU e ECOSOC da Associação Internacional dos Conselhos Econômicos e Sociais e Instituições Similares (AICESIS), docente da prestigiosa instituição de ensino francesa Sciences Po e, em janeiro deste ano, ingressou no Instituto para Treinamento e Pesquisa das Nações Unidas (UNITAR), como associada especializa em Treinamento e Ensino dos ODM. Por que a senhora decidiu deixar a Chefia do Setor de ONGs do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU e assumir a UN-NGO-IRENE? Nos meus trabalhos, sempre fiz o melhor que podia ser feito, mas quando eu alcançava o melhor possível, ainda sabia que não era o suficiente. Sabia que o meu trabalho era bastante creditado pelas Nações Unidas. Eu fiz, eu mostrei! Mas o que faço depois? Agora que entendi, expliquei e transmiti o processo aos meus subordinados, eu vou para o próximo nível. Vou entender o que eles fazem. Vou buscar esse progresso e ajudá-los a entender melhor e incrementar essa relação com as Nações Unidas. E, pela primeira vez na história, as ONGs estão contribuindo para as Nações Unidas. Elas não estão apenas passando ao largo, ou apenas fazendo lobby. Elas estão realmente trazendo resultados para a ONU e fazendo a diferença.

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O ECOSOC optou por, em 2010, dedicar sua Reunião Anual Ministerial ao Objetivo de Desenvolvimento do Milênio de número 3, que fala sobre a autonomia das mulheres. Como a senhora vê as oportunidades no mundo de hoje para que uma mulher possa exercer papel de liderança? Hoje ainda é difícil falar em equidade de gêneros, apesar de que acabamos de comemorar os 15 anos da Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher [organizada pela ONU, na China, em

“Minha liberdade é a educação que procurei. Eu sempre fui a pessoa com melhor titulação em todos os cargos que disputei nas Nações Unidas. E ninguém vai tirar isso de mim”


Informações empresariais valem muito. 1995], na qual foi elaborada a Plataforma de Ação de Pequim, que trazia 12 pontos para aprimorar a vida das mulheres. O que vejo hoje não é tanto a luta na questão do gênero, mas é uma briga contra o destino. Ainda somos, em muitas culturas, os pilares da família, porque educamos os filhos e lideramos a casa. Mas os cuidados da casa não são um dom. A questão é ainda a forma como a sociedade lida com a estrutura da família. Nesse sentido, para a senhora, foi difícil exercer um papel de liderança? Tenho dois filhos e precisei explicar para eles e para o meu marido que o meu trabalho faz-me sentir feliz, orgulhosa de mim. Se meus filhos tiveram uma boa educação, é porque eu também pude auxiliar financeiramente. Quando falamos de uma mulher com uma cultura europeia, em geral, ela fará tudo o que quiser. Eu, tendo uma carreira e sendo de origem árabe, tenho de explicar cada movimento que faço. Por quê? Porque ao dar essa explicação, eu também me liberto. Minha liberdade é a educação que procurei. Eu sempre fui a pessoa com melhor titulação em todos os cargos que disputei nas Nações Unidas. E ninguém vai tirar isso de mim. Qual a sua visão do Brasil? Como o Brasil pode contribuir hoje para o bem-estar do homem neste planeta? Este país é um fenômeno. Com essa mistura incrível de raças, os brasileiros vivem em harmonia, tem um só idioma e, espero que continuem em paz. Acredito que os brasileiros são realmente em prol do desenvolvimento. O conceito de desenvolvimento e solidariedade e de como ter uma vida melhor é como uma parte ativa no cotidiano do brasileiro. É uma incrível população que pode dar exemplo para os países do mundo inteiro e especialmente aos da América Latina, aos países da África e da Ásia.

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Oito objetivos para melhorar o mundo Imagine uma realidade global em que não haja fome nem pobreza, todos tenham acesso ao ensino fundamental, homens e mulheres sejam tratados como iguais, mães e crianças não morram por doenças que poderiam ser prevenidas, não exista mais epidemia de HIV e malária, o meio ambiente seja preservado e todos os países estejam unidos em prol do desenvolvimento. Esse foi o cenário vislumbrado pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2000, em Nova York, quando se propôs a assinatura de um compromisso para atingir, até 2015, os 8 Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). O Brasil está entre os 191 países signatários da Declaração do Milênio e vem trabalhando para atingir os Objetivos nela firmados. Esse esforço de cooperação internacional está demonstrado no quarto Relatório Nacional de Acompanhamento dos ODM, documento publicado em abril deste ano e elaborado sob a coordenação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), da Secretaria Geral da Presidência da República e do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, com participação de 20 ministérios e supervisão da Casa Civil. O Relatório é o meio pelo qual o Governo expõe para a ONU e para a sociedade civil as iniciativas desenvolvidas e os resultados obtidos até

o momento para atingir os ODM. Segundo o diretor de Estudos e Políticas Sociais do IPEA, João Abrahão, os brasileiros têm realizado um trabalho significativo, com vitórias demonstradas nesse quarto Relatório. Porém, ainda existem melhorias a serem feitas. “O trabalho empresarial e governamental, mantendo a economia aquecida, com taxa de crescimento equilibrada, é

“O empresário ao atuar pelo desenvolvimento econômico, já está auxiliando. É preciso apostar no crescimento do país.” um primeiro desafio. É possível fazer isso fortalecendo o mercado interno e investindo em políticas sociais que permitam também aos mais pobres terem poder de consumo”, explica. O Relatório demonstra que o Brasil já atingiu, por exemplo, a meta de reduzir a pobreza extrema a um quarto e a fome pela metade até 2015. Se persistir na atual tendência de queda da mortalidade

8 Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), propostos em 2000 pela ONU

infantil, o país atingirá as metas previstas pela ONU nesse ponto também antes do prazo. Há duas conquistas em relação ao meio ambiente: foi facilitado o acesso à água potável nos espaços urbanos e estamos próximos de atingir a eliminação do consumo de gases de “clorofluorcarbono” (CFC). Entre os problemas sociais que ainda se precisa enfrentar, estão viabilizar o acesso de toda população à educação primária e ao saneamento básico, empreender mais esforços pela sustentabilidade ambiental e lutar pela igualdade entre homens e mulheres. O estudo indica, ainda, que é preciso lutar para que essas melhorias cheguem a todas as regiões do país, sejam urbanas ou rurais. João Abrahão, diretor do IPEA, salienta como o empresariado brasileiro pode contribuir para os ODM. “O empresário ao atuar pelo desenvolvimento econômico já está auxiliando. É preciso apostar no crescimento do país. Gerar empregos formais, atuar no mercado com preocupação sócioambiental e apoiar a educação de seus colaboradores são compromissos com o país”, diz. O Relatório Nacional de Acompanhamento dos ODM está disponível, na íntegra, pelo portal do IPEA: www.ipea.gov.br/sites/000/2/ pdf/100416_odmrelatorio.pdf


Acreditar

Quando se fala em crise internacional, é bom perceber que há lugares no mundo em que se começa a ter uma vida decente para todos, em que há empregos para a população, preocupação com as pessoas jovens, as minorias, os mais velhos; e saber que, ainda assim, esse país pode progredir! Se vocês têm algum segredo, por favor, passem ele a nós. Falando em Objetivos do Desenvolvimento do Milênio, como a senhora vê a atuação brasileira em relação a essas metas? O que considero incrível é que é possível encontrar aqui inovações em termos de alta tecnologia, iniciativas de preservação do meio ambiente e técnicas de ponta no combate às doenças. A Agenda 21, por exemplo, nasceu no Rio de Janeiro. O Brasil é extremamente reconhecido pelos esforços que faz pelo meio ambiente e também por movimentos de mobilização da sociedade civil. É, por essência, um país de sociedade civil organizada. Acredito que é por isso que aqui se pode aplicar os ODM com facilidade. A senhora visitou, no final de 2009, o projeto brasileiro Recanto Maestro desenvolvido no Rio Grande do Sul e que foi tema de uma reportagem divulgada na terceira edição da revista Performance Líder. Esse projeto foi apresentado, em 2007, na mostra do terceiro setor da Feira Anual Ministerial do ECOSOC e reconhecido, ali, como uma iniciativa que contribui para os ODM. Qual a sua visão desse empreendimento? Quando eu conheci o Recanto Maestro disse que se tratava de um projeto Vila do Milênio, algo que nós da ONU estamos fazendo agora. E Recanto Maestro já faz isto há 25 anos: respeito ao meio ambiente, geração de empregos, promoção da arte, respeito à cultura e às pessoas locais... Tudo o que é feito no Recanto Maestro é um aplicação dos Objetivos do Milênio. Acredito que o grande aspecto desse projeto é o de respeitar as pessoas e a cultura do local, é formar tecnicamente a população da região e garantir que tenham autonomia. São aplicados nele todos os princípios dos ODM, mais a ética e o valor humanista. É uma experiência destinada ao sucesso, até porque tem também parceria com as autoridades locais, com o setor privado e com a ONU.

faz bem. Não acreditar no Brasil tem sido mais fácil do que acreditar. A crença é estigmatizada. A descrença, incensada. A descrença, aparentemente, tem sempre os melhores dados. A audiência da descrença é grande e facilmente influenciável. Desacreditar é fashion.

Acreditar é politicamente incorreto. A crença é minoritária e piegas. Acreditar no Brasil é coisa de ingênuos, mal-informados e patriotas (ora, patriotas!). Mas, digamos que o mundo também acredite no Brasil? Então, o mundo vai mesmo terminar em 2012, será a previsão de quem não acredita no nosso país.

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Acreditar no Brasil faz bem.


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