Revista 'A Catraia' - Ed. 02

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Fotografia: LUIZ F. Carvalho

A CATRAIA PENSAR A AMAZÔNIA REVISTA DO PET DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DEZ 2020 ANO 2, 20 EDIÇÃO

A liderança Indígena Benki Piyãko em conversa animada com um morador da região durante o Festival ATSÁ Puyanawa, na cidade de Mancio Lima, no Acre. Revista do PET de Comunicação da UFam


A Catraia é uma publicação do Programa de Educação Tutorial – Comunicação Social (PETCom) da Universidade Federal do Amazonas. REDATORES: Ana Carolina Leão Camila Barbosa Erika Rodrigues Gabriela Brasil Gabrielle Peixoto Lara Cristhine Liz Tereza Luan Tavares Nayandra Oliveira Nendra Sued Soraia Joffely

EDITORES: Gabriela Brasil e Luan Tavares SUB-EDITORA: Gabrielle Peixoto

TUTORA: Professora Célia Carvalho

REVISÃO DOS TEXTOS:

Arte, movimento Fotografia: LYANDRA Peres

Professoras: Aline Lira e Célia Carvalho

EDITORA GRÁFICO: Greice Vaz

PERIODICIDADE: Anual

e vida! A Catraia

Revista do PET de Comunicação da UFam


é

nosso Por: GABRIELA Brasil e LUAN Tavares

A

nossa riqueza amazônica sempre atraiu os olhares do mundo por nela existir uma multiplicidade de manifestações culturais, sociais e uma extensa biodiversidade presente na imensa Floresta Amazônica. Suas especificidades, características e histórias precisam ser elucidadas e ouvidas para que sua identidade se fortaleça e seja lembrada. Porém, é necessário ser explicitado que a floresta está sendo ameaçada, junto com outros biomas brasileiros, como o Pantanal, destruídos pelas queimadas e pelos desmatamentos por meio de afrouxamentos das leis e pelo desmantelamento de órgãos federais fiscalizadores. Não somente a fauna e a flora estão em risco, mas também os povos originários que habitam as florestas há milênios. O momento em que vivemos é decisivo para a preservação dessas áreas, tão importantes para a totalidade do ecossistema, para

os povos indígenas e populações tradicionais, para as pesquisas científicas e para o desenvolvimento do país. Nesse sentido, procurar o aprofundamento sobre as questões que envolvam a região Amazônica é fundamental para o enfrentamento dos problemas socioambientais. Assim, a edição deste ano de 2020 da revista A Catraia convida os leitores a conhecerem as diversas manifestações que constituem a Cultura Amazônica, desde apresentações de artistas locais, passando pela história, pela política e pela economia dessa Região, tão complexa e vasta, até a divulgação de pesquisas que exploram os elementos amazônicos. Mais do que nunca, é preciso conhecer e entender as dimensões existentes na Região, para que possamos enfrentar as dificuldades e os obstáculos que estão inflamando, principalmente, nossa riqueza natural. Sem dúvidas, O MANIFESTAR É NOSSO.

Fotografia: LYANDRA Peres

Revista do PET de Comunicação da UFam

Editorial

Editorial

Omanisfestar

Alegoria do Capricho no Festival de Parintins 2019.


8 Dois pra lá dois pra cá

"As faces da Amazônia"

11 Amazônia em Prece

Devoção no Círio de Nazaré

15 Cocares

Mulher indígena e artesã, sim senhor!

18 Polo Cultural

Parintins, a mística ilha bovina

22 Polo Cultural

Boi-Bumbá: A história escrita por nordestino, indígena e o caboclo amazonense

29 Conversa de Cumbuca

Pelas lentes de Caroline Lins

36 Pororoca Sonora

Nos embalos do Chapéu de Palha

39 Amazônia em Prece

A ancestralidade amazônida: uma odisseia pela Mitologia Tupi-Guarani

44 Amo do Norte (Crônica) Pelos olhos da minha vó, pelos olhos da minha mãe

46 Papo de Cabôco

Lendas: o legado coletivo e popular da Amazônia

51 Toró

A destruição da maior floresta tropical do mundo e as organizações que atuam em sua defesa

59 Papo de Cabôcos

As Amazonas: sociedade matriarcal que deu nome ao estado do Norte

62 Saia Rodada

Ciranda de Manacapuru: um bailado de paixão e identidade

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Cacique

O dever do tuxaua

Saia Rodada

Viva a cultura popular do Norte

Eldorado

Amazônia estrangeira: o legado de empresas internacionais em solo amazônico

71 Pororoca Sonora

Regionalidade Musical: Os diferentes ritmos amazônicos

Fotografia: NENDRA Sued


A Amazônia é um complexo social, cultural, histórico e ambiental que precisa ser mais bem conhecido e compreendido para que não venha a se esvair cada vez mais rápido diante dos interesses do grande capital. 2. Para o senhor, qual o papel da cultura na vida do amazônida?

ogueira

Wilson N

“AS FACES DA AMAZÔNIA” Por: CAMILA Barbosa

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iver na Amazônia é ser muitos ao mesmo tempo. E pensar a Amazônia é antes de tudo entender a relação entre o ser humano e a natureza. A complexidade que compõe a Região é fonte de muitos interesses e descobertas. As manifestações culturais dos amazônidas saltam aos olhos, encantam e atraem multidões, tornando-as interessantes objetos de estudos por pesquisadores e estudiosos de todo o mundo. Wilson Nogueira no livro Festas Amazônicas - Boi-Bumbá, Ciranda e Sairé aponta que “existem, portanto, uma Amazônia indígena, uma Amazônia lusitana 8

e uma Amazônia brasileira – ou um ‘lugar de passagem do mundo’, onde os velhos e os novos conflitos florescem com o mesmo vigor dos brotos das florestas que ainda resistem à expansão da economia extrativista predadora.” Amazônida de Parintins e autor de livros e teses sobre a Amazônia, sua cultura e seu povo, o jornalista e pesquisador Nogueira tem um profundo conhecimento sobre a Região. Para ele, a Região Amazônica e sua cultura precisam ser melhor entendidas em suas complexidades, grandezas e diferenças a fim de que perdurem em suas características e beneficiarem seus povos. A Catraia

As culturas devem ser compreendidas como o conjunto das atividades humanas, entre elas as artes, a religião, a filosofia, os saberes tradicionais e as ciências. Assim, a cultura é vida pulsante, dinâmica e, sobretudo, criativa. As culturas geram condições de identidades, de alteridade, de representações, de imaginários... São vários os papéis que se articulam entre si num determinado – e em determinados grupos sociais. Penso que se quisermos atribuir um papel a essa imaginada cultura Amazônica (num sentido hegemônico), esse seria o de reconhecê-la nas suas imensas e intensas diferenças culturais. 3. A comunicação moldou e molda a sociedade moderna e exerce grande influência na sociedade brasileira. Diante de tamanho poder, qual o papel da comunicação para a cultura amazônica? Se falarmos em termos de comunicação clássica, tem-se um papel extremamente limitado. A comunicação clássica é hegemônica, utilitarista, fragmentada e não dá conta da diversidade das culturas amazônicas. Essa Região possui mais de duzentos povos indígenas que falam em torno de 150 línguas. Na Pan-Amazônia, Revista do PET de Comunicação da Ufam

DOIS PRA LÁ DOIS PRA CÁ

DOIS PRA LÁ DOIS PRA CÁ

1. A Amazônia é plural, então, no seu entender, o que a caracteriza?

além das línguas indígenas da Amazônia brasileira, fala-se também português, inglês, francês, holandês e espanhol. Ainda praticamos uma comunicação de fora para dentro e, sendo assim, ela é excludente, preconceituosa, arrogante e colonizadora. Logo, precisamos de epistemologias/teorias/disciplinas e meios que incluam em seus propósitos, em seus fundamentos e pautas os conhecimentos de dentro – essa expressão deve ser entendia como as falas da Amazônia profunda. 4. As lendas e os mitos amazônicos têm um papel de destaque na vida dos amazônidas. Qual a importância deles para a identidade regional? Primeiro, não devemos entender as lendas a partir de uma concepção exótica, que é a visão do colonizador e do colonizado. Aquilo que nos ensinaram como lenda, como algo simplista, não real e marginalizado, principalmente nas escolas, está para além dessas interpretações apressadas. As lendas revelam, no contexto das comunidades nativas, tradicionais, modos de pensar e compreender a vida por meio de uma epistemologia diferente da das culturas hegemônicas, como aquelas guiadas pela razão ocidental ou ocidentalizante. As lendas servem para pensar e, também, orientar o ordinário e o extraordinário. O pensador Amazônico Paes Loureiro, autor do livro Cultura amazônica: uma poética do imaginário, enfatiza que as lendas amazônicas nada devem às lendas gregas em fundamento e complexidade cultural. O que nos falta, segundo ele, é aprofundá-las em transcrevê-las em sua profundidade filosófica. 9


AMAZÔNIA EM PRECE

DOIS PRA LÁ DOIS PRA CÁ

5. Os eventos de cunho religiosos cristãos, como o Círio de Nazaré, em Belém, têm grande adesão dos moradores locais, sendo que o cristianismo chegou à Região com os exploradores. O que explicaria a força que o cristianismo tem na região Amazônica?

as culturas capitalistas, porém, desde que esse diálogo seja de igual para igual, com respeito mútuo. E isso é o que não querem as culturas hegemônicas a partir de seus núcleos de poder. Reconhecer e respeitar as culturas em suas diferenças ainda é um grande desafio.

O cristianismo, para além de qualquer simplificação religiosa, também é poder político. Os sacerdotes e os filósofos cristãos estavam embarcados nas naus da colonização. Eles fizeram parte do kit de forças espirituais, econômicas, morais e materiais que sustentaram as invasões. A chamada “conquista” da Amazônia se estabelece, concomitantemente, com a “conquista” espiritual dos seus povos, que nada mais é do que a colonização do imaginário ameríndio.

7. Vista, recorrentemente, ainda hoje, como uma região inóspita e exótica, qual a importância de pensar a Amazônia a partir das manifestações culturais?

6. O tradicional é comumente apontado como empecilho para o desenvolvimento da Região. Há como conciliar esses dois pontos de forma a se tornarem complementares? Penso que é possível pensar o tradicional como sinônimo de resistência, principalmente porque a palavra desenvolvimento nos remete à ideia hegemônica do modo de produção capitalista sobre os demais modos de pensar, fazer e agir humanamente. O capitalismo se arvora a ser o único ente civilizatório e, assim, o resto da humanidade teria que se esforçar para alcançar os seus níveis de desenvolvimento, cujo exemplo máximo estaria na Europa.

As manifestações culturais são uma das janelas de leitura dos espaços onde elas ocorrem. Elas dão conta da vida pulsante, dos valores, das identidades, das religiosidades, da circulação de bens materiais e simbólicos. As festas dizem muito da criatividade e da espontaneidade dos seres humanos nas suas relações de solidariedade, generosidade e capacidade organizativa em torno de um objetivo comum. Mas essas questões só ficam mais visíveis por meio de uma exploração intelectual mais aguçada, sem pressa de conclusão ou definição acadêmica, porque se trata de um fenômeno que tem a marca da contemporaneidade.

Mas é interessante dizer, também, que o tradicional é dinâmico, paradoxal. É possível vislumbrar que as culturas tradicionais não se recusam a dialogar com 10

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“Tive contato quando casei e me mudei para Belém. Acompanhei, paguei promessa, e sim, participei daquela corda, que só com amor a Jesus e à Maria que conseguimos ir nessa corda.”

NO CÍRIO DE NAZARÉ Por: ERIKA Rodrigues

“A devoção à Virgem Santíssima de Nazaré afirma e reafirma, inegavelmente, os profundos sentimentos religiosos do povo paraense”. (Padre FlorencioDubois, 1953)

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elebrado todo segundo domingo de outubro, o Círio de Nazaré é a maior manifestação cristã do Brasil. Não é para menos, pois a cada ano cerca de 2 milhões de pessoas participam da procissão do Círio, percorrendo 5 quilômetros durante cinco horas. Para entendermos essa dedicação dos devotos, que participam do Círio anualmente desde 1793, voltaremos para o ano de 1700. Plácido, um caboclo, andava pelas mediações do igarapé Murucutu, em Belém, quando encontrou uma pequena estátua de Nossa Senhora de Nazaré entre as pedras. De acordo com a histórica local, a imagem retornou ao lugar achado por diversas circunstâncias, então Plácido decidiu erguer uma ermida no local. O local do achado é onde hoje se encontra a Basílica Santuário. 12

A imagem de Nossa Senhora de Nazaré constitui um elemento importante para a identificação regional, pois a devoção à santa nasceu a partir de manifestação popular, da pessoa simples,que pela sua fé tem a possibilidade de ver os aparecimentos milagrosos. Nessa perspectiva, o Círio de Nazaré orgulha a população paraense. O sentimento regional é ainda maior com os preparativos dos artesanatos, das comidas típicas e das lembranças do estado do Pará elaboradas para comercialização no decorrer da festividade. “Os jornais locais fazem edições especiais com cadernos inteiros dedicados exclusivamente ao evento e imprimem e distribuem pôsteres coloridos com aimagem de N. Sra. de Nazaré. Nestas edições são reproduzidas mensagensdo governador, do prefeito, do arcebispo A Catraia

AMAZÔNIA EM PRECE

AMAZÔNIA EM PRECE

DEVOÇÃO

Maria das Graças devota, 70 anos.

e de diversas associações, que aproveitam o momento para vincular sua imagem à festa. Toda a publicidadelocal gira em torno do acontecimento. O nome da santa e o fato de ser aqueleum dia especial são constantemente lembrados.Todos os que falam sobre o Círio dizem que o dia da procissão é ‘o maior dia dos paraenses’.” (AMARAL,1998, p. 251). A paraense Maria das Graças, 70 anos, compartilha um pouco da experiência do Círio de Nazaré, pois participa todo ano. Ela diz que seu primeiro contato com a religião católica foi quando ainda era criança, por meio dos seus pais, e hoje segue devota. “Sou Ministra de Eucaristia,chamamos de ministro extraordinário da sagrada comunhão. Comecei lá em Belém, mas vim para Santarém, então pedi autorização e Revista do PET de Comunicação da Ufam

continuo exercendo aqui na Igreja de São Francisco.” E o primeiro contato da Maria das Graças com o Círio de Nazaré foi em 1977. “Tive contato quando casei e me mudei para Belém. Acompanhei, paguei promessa, e sim, participei daquela corda1, que só com amor a Jesus e à Maria que conseguimos ir nessa corda.” Ao perguntarmos sobre como descreve a procissão, ela explica: “Não tem como descrever o Círio, ele é uma massa humana. Você tem que se programar e reprogramar para participar, não de tudo no mesmo dia, mas de alguns eventos. A cada ano eu me programava para participar um pouco do acontecimento.” Maria das Graças ressalta que: “O que me chama atenção no Círio de Nazaré 13


A respeito do sentimento de uma celebração da região Norte, Maria explica: “Sinto orgulho dessa celebração, eu consigo o máximo por meio da fé. Eu peço e agradeço. Então, o Círio de Nazaré é como se fosse nosso, aqui da região Norte. Posso dizer que é uma coisa minha, e sim,

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é uma massa humana, contudo, na ocasião, é um momento meu. A palavra que resume tudo é fé e perseverança.” O Círio de Nazaré importante tanto no Brasil quanto no mundo, sendo um dos eventos católicos mais esperados. Não há diferenças, e sim fé, devoção e união em torno de uma crença. E, em 2004, o Círio foi reconhecido como patrimônio cultural imaterial pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e, em dezembro de 2013, declarado Patrimônio Cultural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).

MULHER INDÍGENA E ARTESÃ, S

Corda: Um dos principais símbolos do Círio de Nazaré, é utilizada na Trasladação e na Procissão do Círio.

DUBOIS, Padre Florencio. A devoção à Virgem de Nazaré, em Belém do Pará. 1953. 2ª Edição. Revista e Augmentada. AMARAL, R. de C. de M. P. Festa à Brasileira: significados do festejar num país ‘que não é sério’. 1998. 380f. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Faculdade de Filosofia,Ciências e Letras - Universidade de São Paulo, São Paulo.

Manifestação religiosa católica do Círio de Nazaré em Belém do Pará.

! R O H N IM, SE

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artesanato indígena é, há muito tempo, fonte de sobrevivência de inúmeras famílias indígenas que encontram por meio de tal feito uma renda sustentável e, muita das vezes, majoritária. Segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Amazonas concentra a maior população indígena do país. Com 168.680 pessoas, o território amazonense agrupa 20,6% do total dessa população indígena do Brasil. O artesanato da região Amazônica, no geral, faz bastante sucesso entre as etnias, sendo os principais consumidores desses artefatos, biojoias e ornamentos indígenas, os próprios índios, mais especificamente das etnias Pataxó, Bororo e Funil-ô, que utilizam peças como zarabatanas, máscaras de rituais e colares. Os artesanatos que são comercializados para o público geral são dos mais diversos, sendo vendidos em feiras de artesanatos, lojas,

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A Catraia

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reza Por: LIZ Te

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vare e LUAN Ta

instituições públicas e em aldeias indígenas. É comum encontrar fruteiras, cestos, abanos, colares, bolsas, luminárias e redes uma vez ou outra na casa de alguém. Porém a fonte de todo este trabalho, na maioria das vezes, não é recompensada na mesma medida que o esforço utilizado para produzir tal objeto. O artesanato permite não apenas a geração de renda no contexto de desenvolvimento no Estado, mas a promoção de autoafirmação e resistência à marginalização dos indígenas em políticas públicas e leis estaduais e federais. Segundo dados da ONU, em 2016, o Brasil tinha cerca de 38% de sua população indígena vivendo na pobreza. O relatório “A situação dos povos indígenas do mundo”, produzido pelo Secretariado do Fórum Permanente sobre Questões Indígenas das Nações Unidas, foi divulgado simultaneamente em conferências nas cidades Rio de Janeiro, Nova York, Bruxelas, Manila, Moscou e Bogotá. 15

COCARES

AMAZÔNIA EM PRECE

é a fé, a fé do povo católico. Por Jesus fazemos todo esse sacrifício, mesmo ele não querendo sacrifício de ninguém, mas não tem jeito. Não existe Círio sem a corda, lá é uma organização de fé”. E sobre as romarias, ela já teve a oportunidade de participar em um pouco de cada: “Acompanhei todas as romarias, menos a de moto-romaria e da procissão que vem de outras cidades”


Sendo um patrimônio cultural vivo, o artesanato promove: a relação do indígena com a natureza na coleta da matéria-prima, o que passa por rituais de pedido ou permissão por meio de oferendas, rezas e orações; a relação familiar e grupal, estimulando o convívio, o diálogo e a aprendizagem que integra diferentes gêneros e gerações; e a relação com os não-indígenas por meio da comercialização que viabiliza o contato e o encontro e da experiência de diálogo intercultural. A resistência, citada anteriormente, fazse realidade a partir da expressão de subjetividade dos artesãos por meio do exercício da inovação. O conhecimento e a criatividade trazidos pelo artesanato viabilizam transformações sociais por seu potencial comprador. Porém, não se trata apenas de explorar o potencial do artesanato indígena, visando exclusivamente à geração de renda num contexto de exploração na sociedade capitalista, trata-se de buscar, por meio deste, um meio de crítica e reflexão social acerca das condições das comunidades que o produzem. A extinta Secretaria de Economia Criativa do Ministério da Cultura (MinC) apontava o artesanato como um dos setores criativos na categoria de expressões culturais e ressaltava a necessidade de colaboração do Ministério com a Secretaria de Políticas para as Mulheres, para o fomento à produção e à distribuição do artesanato produzido por mulheres artesãs, e com o Ministério do Desenvolvimento, 16

Indústria e Comércio Exterior (MDIC) - hoje Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços - para a formação e a qualificação de profissionais atuantes em empreendimentos do artesanato e o fomento às organizações associativas e cooperativas do setor. Para que se possa entender melhor o contexto no qual o artesanato se realiza no território amazonense, e como este chega até o público geral, a revista A Catraia entrevistou Deolinda Freitas Prado, líder indígena e fundadora da Associação das Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro – AMARN.

O artesanato realizado pelas mulheres indígenas, conforme Clarice Tukano, tem como como principal matéria-prima a fibra de tucum retirada da folha da palmeira AstrocaryumChambiraBurret, espécie nativa amazônica que é manejada pelas artesãs de forma sustentável para a produção de porta-joias, cestos, potes, bolsas, brincos, colares, pulseiras, entre outros objetos. A Pedagoga acrescenta que otrabalho artístico é realizado em harmonia com a natureza, visto que a retirada da matéria prima da palmeira acontece uma vez a cada dois anos. Por conseguinte, Clarice explica que a produção do artesanato possui um tempo específico para o desenvolvimento de cada peça, assim, a Associação ao firmar uma parceria com uma empresa para a comercialização de seus artesanatos, esclarece os pontos relacionados ao tempo de produção.

Em face à pandemia do Coronavírus, a coordenadora conta que a produção de artesanato foi temporariamente interrompida, de março ajulho, tendo em vista a dificuldade de obtenção de matéria-prima e a impossibilidade de reunião das artesãs, neste período. Com esta problemática, a Associação por meio de campanhas virtuais obteve apoio de alguns de seus parceiros, dentre eles a Associação Zagaia, que ajudou na arrecadação de cestas básicas e alimentos para apoiar mais de 70 mulheres indígenas, que possuem no artesanato como sua única fonte de renda. Atualmente, consoante a entrevistada, as atividades da AMARN estão retornando de forma gradual, com algumas de suas artesãs indo à sede da Associação duas vezes na semana, e outras ainda em isolamento social, trabalhando por meio de demandas de seus parceiros. Dessa forma, a AMARN tenta se recuperar dos efeitos da pandemia, gerando um artesanato único e sustentável, com todas as medidas de proteção necessárias.

A Associação das Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro, AMARN, também chamada de NumiãKurá, que na língua Tukano significa "Grupo de Mulheres", nasceu em 1984 movida pelo intuito de promover oportunidades de geração de renda por meio do artesanato, qualidade de vida e formação sociopolítica para as mulheres indígenas que viviam em situação de isolamento. Clarice Tukano, pedagoga e coordenadora da AMARN, retrata o artesanato como uma arte transformadora na vida de mais de 70 mulheres indígenas associadas à AMARN. Tal forma de arte surgiu na vida das Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro, segundo Clarice, como uma forma de preservação de suas culturas, tendo em vista que estas já estavam inseridas no contexto urbano. Assim, pelo fato de muitas associadas trabalharem como domésticas, com uma baixa A Catraia

Diversos produtos feitos artesanalmente pela AMARN como cestos, potes brincos e joias.

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Travessia COCARES

COCARES

remuneração, o artesanato além de preservar as culturas destas, também proporciona uma importante complementação de renda para as mulheres indígenas.

Mulheres indígenas do Alto Rio Negro produzindo artesanato.


Parintins, A MÍSTICA ILHA BOVINA Por: NAYANDRA Oliveira

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onstruída ao longo dos séculos por diversos povos, como os Maué, Mundurucu, Parauenis, Parintim, Parintintim, Patuaruana, Paraviana, Sapopé, Tupinambarana, Tupinambá e Uapixana, Parintins é uma cidade que reverbera a preservação cultural. Terra de Monnan. Parintins é um arquipélago cercado pelas águas do rio Amazonas e seus afluentes, com um solo repleto de fertilidades e com belíssimas paisagens florestais. Sabe-se que a ilha dos Bumbás Garantido e Caprichoso, como é conhecida hoje em dia, foi primeiramente denominada por Francisco de Orellana, em navegação junto com o cronista Gaspar de Carvajal, de “Las Picotas”, pelo fato de terem visto várias cabeças de indígenas espetadas em lanças. Quando entregue para a rainha Maria I, de Portugal, em 1803, recebeu o nome de Vila Nova da Rainha, cuja direção foi confiada ao carmelita Frei José das Chagas. Em 1837, quando elevada à Freguesia, recebeu novamente o nome de Tupinambarana. Depois, elevada à categoria de município, seu nome foi mudado para Vila Bela da Imperatriz, em 1852, e quando elevada à categoria de cidade, em 1880, recebeu definitivamente o nome de Parintins, em homenagem aos Parintintim, indígenas que habitavam a Serra de Parintins. Localizada à margem direita do rio Amazonas, a 369 quilômetros de Manaus, em linha reta, e a 420 quilômetros por via fluvial, a ilha limita-se ao Norte com o Município de Nhamundá, ao Sul com o município de Barreirinha, ao Leste com o Estado do Pará e a Oeste com o município de Urucurituba, podendo ser acessada tanto por barcos e aviões. Segundo os dados atualizados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a cidade apresenta uma área territorial de 5.956,047 km², um índice populacional de 115.363 pessoas, uma densidade demográfica de Revista do PET de Comunicação da Ufam

17,14 habitantes por km² e um produto interno bruto (PIB) de R$ 9.593,89. Em relato, o parintinense Clóvis Brito, 57 anos, antigo comerciante local, comenta que: “Parintins é um lugar abençoado. Quem tem a chance de conhecer essa terra sempre vai querer voltar. Ela tem o feitiço de encantar e te prender”. E acrescenta: “o comércio da região é ótimo, mas o turismo é o que realmente faz a gente ganhar dinheiro. Aqui o povo é diferenciado, o nosso sangue é azul e vermelho”. É inegável, o quanto a “ilha paraíso” é fruto de uma cultura diversificada, mística e eufórica. A região apresenta peculiaridades enriquecedoras, além de possuir uma identidade popular, religiosa e folclórica que ao longo do tempo trouxe reconhecimentos internacionais para o município. Entre as características marcantes de Parintins, a divisão da cidade entre os torcedores do Boi Garantido e do Boi Caprichoso é a principal. São anos de tradição e paixão pelo festival, fator que faz com que o município viva destacado entre as cores vermelha e azul. Os bares, o comércio, as casas, as ruas e os quiosques são decorados conforme o boi predileto. “Aqui na minha casa somos loucos torcedores, a estrela é a nossa paixão. Perrechés só são bem-vindos depois da disputa”, diz a advogada Eliza de Carvalho, e continua: “Minha missão foi educar meus filhos para que eles pudessem investir nesse amor, investir em Parintins. Sinto-me realizada em vê-los trabalhando e lutando pelo crescimento da nossa ilha encantada”. Ademais, atualmente, a cidade de Parintins conta com um grande desenvolvimento comercial, principalmente na área da agropecuária, com destaque para a criação de bois e búfalos, sendo um dos municípios responsáveis por fomentar a economia do estado do Amazonas.

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POLO CULTURAL

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Muro do Bumbódromo representando as Lendas Regionais.


MULTIMÍDIAS

MULTIMÍDIAS

"O PETCOM desenvolve inumeros projetos nas mais diversas redes sociais. Quer descobrir um pouco mais sobre nós? Basta checar o QR Code a seguir:" Por: LUAN Tavares

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A HISTÓRIA ESCRITA POR NORDESTINO, INDÍGENA E O CABOCLO AMAZONENSE Por: SORAIA Joffely da Silva

Fotografias: LYANDRA Peres

“Nordestino sertanejo Que migrou para a Amazônia Foi soldado da borracha Guiado por luz de poronga Entalhou, desbravou, defumou Sustentou com suor o esplendor Seu legado cultural Já faz parte do meu boi” (Legado de Seringueiro – Boi Garantido)

Festival de Parintins – Boi garantido e Boi Caprichoso

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om a invenção dos automóveis, a produção de pneus foi extremamente demandada, ocasionando a exigência de mão-de-obra para a extração do látex. O tempo coincidido com a grande seca que assolava o Nordeste forçava os nordestinos seguirem rumo ao Norte. Por isso, compreende-se a história do Boi22

O Boi-Bumbá destaca-se como um dos maiores atos populares brasileiros e ganhou vida pelas periferias da Ilha Tupinambarana. São mais de 100 anos de rivalidade e festa, que a cada edição conquista mais admiradores para integrar o ambiente da espetacularização. A brincadeira do boi foi se ascendendo e ganhando simpatizantes parintinenses, adentrando nos quintais das casas e dos arraiais. As ruas de Parintins, nas primeiras décadas do século XX, eram lotadas de praticantes do boi à espera da apresentação em frente às suas casas, e as festas juninas eram as principais precursoras dessa brincadeira, que reuniam todos da cidade para um só propósito: festejar os bumbás.

Bumbá a partir da associação destes fatos com os componentes do folguedo (festas populares), atualmente presentes no ritual. O auge da borracha perdurou por pouco tempo. Assim, o desemprego dominou o Amazonas, impedindo a volta dos nordestinos para seus estados. Desamparados nos subúrbios das cidades, sua nova moradia compartilhada A Catraia

A maneira desafiadora que Caprichoso e Garantido exalavam em seus cortejos proporcionava uma adrenalina aos brincantes e artistas que participavam do folguedo. A partir desse sentimento nostálgico, nos anos de 1960, os Bois receberam a devida atenção de um grupo de jovens da Juventude Atlética Revista do PET de Comunicação da Ufam

Católica (JAC), que idealizaram o primeiro Festival Folclórico da cidade, de forma responsável e organizada. Em 1965, Parintins dava à luz ao primeiro Festival, que se iniciava no dia 12 de junho e finalizava no fim do mês, centralizando no meio da euforia folclórica todos os tipos, ritmos e bailados existentes na ilha. A organização do festival é assumida pela prefeitura de Parintins em 1980 e, em 28 de junho de 1988, inicia-se a singularidade da representação dos bois, ao inaugurarem o Bumbódromo. Dividido em azul e vermelho, o espaço é dedicado há 32 anos para as apresentações dos bois. Começava ali uma nova fase para o Caprichoso e o Garantido. Ao entrar nas noites do festival, o público se depara com os diversos itens que compõem e elevam o nível da arte folclórica. Esses itens são distribuídos em três blocos: A (comum/musical): Aresentador, Levantador de Toadas, Marujada de Guerra, Amo do Boi (entoa versos que exaltam o boi), toada (músicas), Galera e Organização do Conjunto Folclórico. B: Porta-Estandarte, Sinhazinha da Fazenda, Rainha do Folclore, Cunhã-Poranga, Boi-bumbá e Coreografia: e C: Ritual indígena, Tribos Indígenas, Tuxaua (chefe da tribo), Figura Típica Regional, Alegoria, Lenda Amazônica e Vaqueirada. Os itens estão à disposição dos noves jurados que fazem parte da comissão avaliativa. Em geral, os jurados detêm de conhecimento antropológico e folclórico para avaliarem e atribuírem notas aos itens. Com a atenção voltada para o popular e grandioso evento do Norte, houve então a primeira transmissão pelo canal Bandeirantes, no dia 27 de junho de 2008. Hoje a transmissão fica por conta da INova TV, com imagens da TV A Crítica, pois ambas pertencem à Rede Calderaro de Comunicação. Em decorrência da nacionalização da cultura popular amazônica, as discografias dos bois foram 23

POLO CULTURAL

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Boi-Bumbá:

com indígenas era construída dentro de cabanas cobertas de palhas. Foi a partir dessa junção que aconteceu a miscigenação cultural entre os nordestinos e os povos originários da Amazônia, surgindo assim o boi-bumbá, influenciado pela mistura cultural.


ressignificando a invenção regionalista e refletindo a identidade local em seu sagrado ambiente de difusão cultural.

O favoritismo pelos bois foi se popularizando visto que era notória a emanação do espetáculo e da expressão artística. Chegava a hora de enxergar a disputa corporal das reuniões de ruas tornando-se arte, pois era o momento da paixão folclórica florescer espetacularmente perante os olhos do Brasil e do mundo, manifestando técnica, beleza, ritualidade e costumes.

Em razão das práticas ribeirinhas e da cultura indígena, surge a então popular festa parintinense, que tem como tema a narrativa dos bois; narrativa essa que nasceu da lenda da Mãe Catirina e do Pai Francisco, um casal de escravos. Grávida, Catirina desejava comer língua de boi, o que levou seu companheiro a matar o melhor boi de seu patrão. Ao tentar salvar seu animal, o patrão chama um indígena com intenção de ressuscitá-lo. Com rituais do Pajé, o boi volta à vida e isso se torna motivo de festa.

Festival Folclórico de Parintins: a magia popular entre o VERMELHO apaixonante e o AZUL encantado: O Bumbódromo é um teatro a céu aberto, onde é permitido a realização da festa popular brasileira, com a presença do mito folclórico e seus elementos místicos e crendices representados pelas peças teatrais para a demonstração da cultura amazônica. O Festival Folclórico de Parintins bebe da fonte de autenticidade ao representar as tradições dos povos da Amazônia,

“Vem sinhazinha, pai Francisco e Catirina Todas as tribos na arena vêm dançando Porta-estandarte chega tremulando o pavilhão Cunhã-poranga dança e canta pro amor fluir”

(Brincando de Boi-Bumbá – Caprichoso) No final do mês de junho, Parintins tornase o maior polo turístico do Norte. Em constante divisão, a cidade se divide e deixa resplandecer as cores pertencentes a cada boi. É possível avistar do barco a dualidade do confronto existente, quando se depara com o reduto do Boi Caprichoso no bairro da Francesa, onde nasceu, e as ruas encarnadas da baixa do São José, fortaleza do Boi Garantido. A farra dos bois começou por elas e permanece viva até hoje. O maior festival folclórico do mundo, segundo o Google, ocorre durante três noites de puro espetáculo e atração folclórica, destinadas a entregar a perfeição do ideal artístico, da cultura indígena e de balançar o Bumbódromo e a cidade, pois a festa continua fora do curral de apresentação dos dois bois. As pessoas ao chegarem à cidade se encontram com os semelhantes em vestimentas e cocares. É perceptível o uso das camisas do Caprichoso em que o boi com sua temática azul se estampa, enquanto do

Garantido o boi se faz presente nas regatas e camisas da nação vermelha e branca.

Caprichoso em sua essência azulada. “Eu sou...Sou Caprichoso até morrer Minhas cores preferidas são azul e branco. De azul da cor do céu E de branco, cor da paz Transparente igual ao véu tenaz.” (Meu Amor é Caprichoso) Euforia, brilho e equilíbrio do boi azul. O Caprichoso passa para os torcedores a harmonia de ser um bumbá eletrizante, que por onde se encontra carrega o êxito de ser amado por uma enxurrada de fãs loucos e apaixonados que se deslocam por horas para lhes ver ascender. O azul está no encantar das bandeiras, nas tintas das paredes das casas, no dois pra dois pra cá das coreografias, das toadas fervorosas.

Alegoria do Festival de Parintins 2019. Fotografia: LYANDRA Peres

Bumbódromoonde ocorre o tradicional Festival Folclórico de Parintins.

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Fotografia: BÁRBARA Fernandes da Costa A Catraia

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gravadas e comercializadas para todo o país, intensificando ainda mais essa expressão folclórica por todo o Brasil.


Boi Garantindo agitando o Bumbódromo.

O Caprichoso foi criado pelas mãos dos irmãos Cid, em 20 de outubro de 1913. Os Cid queriam pagar uma promessa a São João Batista com a intenção de fazer uma brincadeira em troca, logo, após chegarem à cidade de Parintins. Com o passar dos anos, a responsabilidade do boi foi transitando de mão em mão até ser assumido por Luiz Pereira, o último dono.

A origem do boi vermelho e branco surgiu do imaginário de uma criança. Lindolfo Monteverde já brincava com o folguedo aos 12 anos de idade, no ano de 1913. Após sete anos, em 1920, adoecera, e bem como os irmãos Cid do boi azulado, fizera uma promessa a São João, que foi atribuído a ele a cura. No terreiro de sua casa, em época junina, atingido então a maioridade, ele realiza a primeira parte de sua promessa. Logo, é finalmente levantada a primeira toada e o Garantido se faz presente pela primeira vez para a contemplação do povo. Para a diretoria é datado como oficial a criação do boi no dia 13 de junho de 1913, já que a genialidade de Lindolfo sobre o folguedo surgiu aos 12 anos.

A diretoria do boi Caprichoso é organizada em cargos administrativos, inspecionando atividades, e uma administração voltada à organização de afazares. Há outras fiscalizações legitimadas pela diretoria, com cargos direcionados ao monitoramento da marujada, ao pessoal, ao curral e aos demais itens que compõem o festival. O boi de pano estrela é guerreiro e constrói sua história pelas mãos dos torcedores e dos administradores que se dedicam inteiramente à elevação artística e cultural. As emoções azuis se deram para alguns torcedores desde a infância, que foi o caso da estudante de jornalismo Raissa Eme, que todos os dias se enamora pela sua paixão azulada.

“Desde criança eu brinco boi no caprichoso, eu sou azul, amo esse boi vitorioso. Assim como diz a música, minha história de amor com o Boi Bumbá Caprichoso não é de agora. Minha família tem a tradição de acompanhar o Festival de Parintins há anos, e sempre houve a preocupação de influenciar as crianças a escolherem seu boi. Eu amo torcer pra esse touro negro, não tem melhor. Eu te amo Caprichoso”. 26

Garantido é popular, é cultura, é manifesto social e possui em suas letras o canto da resistência. Conhecido como o boi do povão, o boi de pano avermelhado tem o privilégio de pulsar no coração de milhares de torcedores. Recheados de paixão encarnada, os perrechés se entregam a uma peregrinação rumo ao encontro do boi mais encarnado da ilha. Ele é o maior vencedor do festival, tendo em sua prateleira 32º títulos.

Fotografia: LYANDRA Peres

O Boi Caprichoso habita espaço nos maiores sentimentos da nação azulada, cravando por meio de seus versos e composições as suas raízes indígenas e amazônica.Harmoniza amor e devoção por um espetáculo que traz muito além da figura do Caprichoso, mas que ressignifica e reverbera as origens e a cultura de um povo destinado à valorização dos princípios originários dos seus ancestrais e geradores culturais. É o boi do centenário!

A Catraia

Fotografia: LYANDRA Peres

Garantido, o boi que encarna a paixão avermelhada “Nação guerreira Paixão vermelha A força do povo A garra de novo Sou Garantido e o rei daqui sou eu” (Paixão de Coração) Revista do PET de Comunicação da Ufam

Atualmente, o departamento administrativo do Boi Garantido é situado na parte da frente do seu curral. A área fica localizada na estrada Odovaldo Novo, na orla de Parintins, sendo identificada como Cidade Garantido. A organização obtida pelo encarnado se difere do contrário, pois sua diretoria é organizada por cargos administrativos, tendo como sustento do modelo os cargos de presidência, comissão de arte, assessoria de imprensa e o conselho fiscal, além de vários outros segmentos na diretoria. Nascido na parte mais baixa da ilha, Garantido é sinônimo de amor ardente, em que o vermelho de seu pano é destacado nos olhares loucamente apaixonados de seus torcedores, que se debruçam no pavilhão vermelho e branco hasteado na Cidade do Garantido. O abraço realizado 27

POLO CULTURAL

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Figurinista do Boi Caprichoso no Festival de Parintins.


“Garantido boi-bumbá é a gente conhecer de onde nós viemos, pois é daqui, é o maior festival folclórico do mundo, então eu nunca pensei que pudesse chorar, vibrar, por folclore. O Garantido tem letras muito críticas, que não só exalta a beleza da nossa terra, mas que traz a gente pra um contexto que muitas pessoas querem destruir. Garantido é isso! Garantido eu sou!”. A estudante presencia o festival desde 2017 e se sente honrada em vivenciar tal experiência, principalmente em assistir ao seu encarnado.

Nas últimas edições de 2017 e 2018, o Boi Caprichoso tornou-se bicampeão do Festival Folclórico de Parintins, com nota de 1257,9 pontos somada pelos jurados para o boi azul contra 1255,5 para o vermelho em 2017 e em 2018, 1259 pontos somados para a nação azulada contra 1255 para a nação avermelhada. Enquanto em 2019, a vitória foi concedida ao Garantido, que possuindo 1258 pontos contra 1257 do contrário, obtia seu 32º título.

CONVERSA DE CUMBUCA

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por cada torcedor ao se envolver com o boi do coração no começo do descobrimento de sua torcida por ele, hoje, é visto como resultado de orgulho e pertencimento, uma vez que sua ação artística agrega sentido à vida. Essa situação é vivenciada por Vitória Freire, estudante de jornalismo, ao avistar o boi na arena e ouvir seus cantos de entonação e posicionamento político.

Portanto, o Festival Folclórico é sobre a dedicação das nações azul e vermelha para com o seu boi. É o ritmo, é a dança, é o prazer de cantar em uma só língua, ou seja, a língua dos enfeitiçados pelos apoteóticos Garantido e Caprichoso, sendo a entrega ao conhecimento e à aprendizagem, mas, acima de tudo, é sobre a história do nosso povo, acerca da cultura indígena e da nossa terra. Vai além da competição, pois é a lembrança das nossas raízes, que é coberta pela vivência na cidade, porém, continua viva e deve ser manifestada como as origens que edificam nosso pilar social. É a nossa renovação cultural!

Integrantes do boi Garantido acompanhando a Toada.

PELAS LENTES DE

CAROLINE LINS Por: LARA Cristhine e SORAIA Joffely

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A Catraia

Revista do PET de Comunicação da Ufam

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Catraia: As lentes retratam a presença da cultura amazonense e o quanto ela a estimula a criar e a registrar em sua fotografia o local de onde veio e os elementos culturais e regionais. Não é isso, Caroline? Caroline: Eu fiz algumas fotos inspiradas em Jaci, a deusa Tupi, que foram expostas no Palácio da Justiça. Uso elementos da nossa cultura em minhas obras, remetendo sempre à nossa região, presentes em minhas redes sociais, em minhas fotos. Para onde quer que eu vá, eu sempre lembro das minhas raízes. Eu gosto de agregar componentes que remetam ao que nós temos; gosto de fazer fotos em lugares da cidade, usando modelos de fora para mostrar a eles o que nós temos no nosso Estado. Então, eu sempre bato nessa tecla, principalmente nas redes sociais, por conta da visibilidade que eu tenho. Sempre tento abrir discussões para que as pessoas comecem a voltar os olhares para a nossa região, para os artistas locais.

A Catraia:: A artista explica acerca do espaço urbano da cidade como local de fotos e suas ideias fotográficas para o uso desse ambiente.

U

ma boa conversa de cumbuca é aquela que nos leva a lugares incríveis. E essa nos trouxe ao mundo da fotografia, narrada pelos olhos da cunhatã Dalva Caroline Soares Lins, que nos possibilitou enxergar seu propósito como idealizadora de sonhos por meio da captação da beleza do ser humano, da natureza e de elementos 30

que cercam a sociedade e o mundo, através de uma lente enquadrada em uma câmera. Na entrevistaà revista A Catraia, a fotógrafa apresenta suas dificuldades e vitórias, além de relatar tudo sobre o seu processo criativo e suas inspirações. Então, sai da frente que atrás vem gente, e aqui vem conteúdo em forma de um ensaio fotográfico. A Catraia

Caroline: Eu gosto muito de observar as minhas cores, os padrões que temos na arquitetura urbana, de sentir o lugar, a vibração daquele ensaio, o que quero passar com aquilo, como eu posso transformar em algo esteticamente agradável. Eu gosto de encaixar as cores nas minhas fotos, analisar as linhas que temos da cidade e como as luzes influenciam no modo como a gente ver as coisas. Então, eu sempre pego essas bases como referência pra fazer as minhas fotos e tentar guiar o olhar das pessoas. Assim eu vou criando-as e vou tendo ideias durante o ensaio, para trazer um sentido interessante para o público que está enxergando as fotografias.

A Catraia:: E sobre as produções culturais da região Amazônica, Caroline? Revista do PET de Comunicação da Ufam

Caroline: Acredito que as pessoas estão começando a sair um pouco da caixa. Creio que nós temos sim um déficit no consumo da cultural da Amazônia, mas acho que aos poucos os artistas estão mais se unindo e trazendo conteúdos perspicazes e que agregam valor à cultura amazonense. Então, eu acho que estamos começando a caminhar, além de termos uma gama enorme de coisas que podemos explorar, principalmente voltada à nossa cultura, às nossas raízes. Nós possuímos uma carga de história e de cultura, pelas quais as pessoas deveriam olhar mais e valorizar.

2ª. Sessão: Onde tem mestre, têm discípulos A Catraia:: A fotógrafa relata ter muitas influências femininas no universo artístico, como Tai Artmann, Lua Morales, Marina Chizhova, além de sempre buscar inspiração em arte e cinema, como a releitura da pintura O Nascimento de Vênus (Sandro Boticelli) e o ensaio inspirado nos feitiços de Harry Potter. Caroline também revela que esses processos são muito pessoais. Caroline: Ambas as fotografias citadas foram autorretratos. E esse projeto é muito importante para mim porque eu comecei a me observar de modo diferente ao tentar me inserir no trabalho em que eu fazia. Tinha problemas de autoestima, então, resolvi trabalhar nesse projeto para me olhar de maneira mais gentil e, a partir disso, deixei-me levar.

A Catraia:: Além disso, ela nos detalha como é o seu processo criativo e quais são as etapas necessárias para obter um bom resultado. Vamos saber como? Caroline: Esse processo tem muito a ver em eu estar em um lugar onde me sinta segura, mais confortável; em um momento que eu me sinta inspirada. Além disso, há todo um planejamento, pois mesmo muito antes de eu iniciar as fotografias, eu penso em como irei fazê-las, de como vou tornar aquilo mais 31

CONVERSA DE CUMBUCA

CONVERSA DE CUMBUCA

1ª. Sessão: Filho de peixe, peixinho é


3ª. Sessão: Rapadura é doce, mas não é mole não A Catraia: Sobre as dificuldades encontradas na sua caminhada, Caroline mostra um lado sensível ao relatar ter sofrido preconceitos e assédios na sua área de atuação, principalmente pelo fato de ser uma mulher amazonense. Caroline: Pelo fato de eu ser mulher, infelizmente, já fui muito assediada durante a realização dos meus trabalhos ao longo desses 7 anos atuando no ramo da fotografia. O

machismo nesse meio é muito forte e presente. Já houve também comentários xenofóbicos que tive que ouvir durante minha careira, mas nunca deixei isso me abalar. As pessoas têm uma ideia errônea de que não temos coisas evoluídas qaquino Norte, que nem no Sul e no Sudeste, mas nós possuímos muita coisa boa de qualidade na Região. O fato de eu ser artista do Norte e estar conseguindo um espaço, dando mais visibilidade a outros artistas e falando sobre isso, já é um passo para tentar desconstruir isso.

CONVERSA DE CUMBUCA

CONVERSA DE CUMBUCA

acessível para mim. Tento encaixar com coisas que tenho na minha casa. Mas também não gosto muito de estar sob pressão nesses momentos. Felizmente, já aprendi a lidar com isso, pois é inevitável nesse trabalho, sendo que as minhas melhores ideias são espontâneas.

A Catraia: A fotógrafa também fala sobre o mercado não ser fácil, uma vez que para se destacar o profissional sempre precisa criar coisas novas, trazer novidades, principalmente no ambiente da internet, que é um espaço diferente e que exige muito esforço. Mas vale tudo pela fotografia perfeita. Modelo em sessão de fotografia com Caroline Lins

Fotógrafa Caroline Lins e o Youtuber Felipe Castanhari em sessão de fotografia.

4ª. Sessão: Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura A Catraia: Caroline também compartilha sobre a experiência de sair do anonimato e se tornar uma fotógrafa conhecida. Caroline: Acho que percebi que estava ficando conhecida quando eu comecei a ter contato com pessoas mais influentes, como o Felipe Castanhari e a Bruna Vieira. São essas pessoas que eu acompanho há muito tempo e que começaram a me notar, a admirar o trabalho que eu executo, coisa que eu nunca pensei que iria acontecer. Tem também a galera da internet, bastante conhecida, que começou a me acompanhar também, e isso foi crescendo, principalmente no Twitter.

A Catraia: A fotógrafa usou de suas habilidades, criatividade e talento ao fotografar grandes nomes do mundo da internet. Como isso aconteceu?

fotografia, assim como eu. Ele é extremamente criativo. Naquele dia, nós fotografamos durante muito tempo, do período da tarde até a noite. Foi muito gratificante trabalhar com alguém que eu admiro bastante, mas também foi legal ver o lado normal dessas pessoas.

A Catraia: Dessa forma, Caroline cria espaços para que outros fotógrafos possam ser reconhecidos assim como ela. Não é mesmo? Caroline: O Primeiros Passos na Fotografia é um projeto que eu queria fazer faz tempo. É uma realização pessoal, sendo que eu estou extremamente feliz com esse curso, pois sempre tive vontade de compartilhar o meu conhecimento com pessoas, agregando valor ao que elas produzem. Eu sempre estou dando dicas para todo mundo nas redes sociais. Quero ser útil de alguma forma, então, considero o curso como um sonho realizado. Estou muito feliz em estar participando desse projeto.

Caroline: Foi uma experiência muito interessante, pois o Felipe gosta muito de 32

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MULTIMÍDIAS

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"Tá de bubuia? Que tal curtir uma Playlist com as principais músicas da região Norte?" Por: LARA Cristhine

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thine

A Cris

R Por: LA

POROROCA SONORA

POROROCA SONORA

a h l a P e d u é p a h C o d s o l a b m e s no

A Catraia: Voltando aos momentos iniciais da carreira, como surgiu o duo e quais foram as suas principais inspirações? Giovanna: Surgimos em março de 2019, na primeira vez em que marcamos de tocar juntos, após aquele dia, já saímos de lá como Chapéu de Palha. Gravamos no mesmo dia pelo celular a música do Helder com o nome de ‘Dias’. Postei no meu SoundCloud, plataforma para compartilhar sons autorais, e as pessoas gostaram muito. Desde lá não paramos. A minha inspiração era o Rubel e músicas focadas em autoconhecimento/esotérica. Eu queria juntar um pessoal que se conectasse musicalmente e fazer um algo bem coração. O modo como o Rubel conduzia a música, atraia-me muito para o que eu queria fazer da minha sonoridade. Na época, eu chamei vários amigos, mas nunca deu certo. Com o Helder, mesmo não nos conhecendo, combinamos de tocar violão, e eu perguntei se ele queria entrar para uma banda chamada Chapéu de Palha, que ele posteriormente aceitou. Antes, havia aceito por brincadiera pois ele não sabia que era sério. Mas cá estamos. A Catraia: Sabemos que existem incontáveis desafios para artistas no nosso país. Para vocês, qual a maior dificuldade em trabalhar com música na região Norte? Helder: No começo, acho que a distância e a dificuldade de acessar o restante do país, principalmente o Sudeste, que é o centro do comércio musical no Brasil, foram as principais barreiras, mas agora as portas têm se aberto bastante pra nós. Giovanna: Além do que o Helder disse, para mim rola bastante descredibilidade da música como trabalho. Como por exemplo, um cachê baixo não condizente e convites para tocar em troca de divulgação, que não têm basicamente retorno algum. É um tanto desanimador quando você tem noção do esforço e da dedicação do seu trabalho.

A Pororoca é um fenômeno natural caracterizado por grandes ondas formadas a partir do encontro das águas do mar com as águas do rio. Mas a nossa pororoca é um pouco diferente. Aqui as ondas são cheias de sons, ritmos e batidas da região Amazônica, transmitindo muito mais que melodias, mas cultura, arte e paixão. No embalo dessas ondas, a revista A Catraia entrevistou Giovanna e Helder, do duo Chapéu de Palha, para falar sobre as suas origens, sucessos e inspirações, e sobre essa pororoca sonora que encontramos na Amazônia. Vem com a gente nessa onda! 36

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A Catraia: Certamente vocês já viveram diversos acontecimentos incríveis enquanto banda. Então, qual o momento mais feliz que vocês tiveram desde o início do Chapéu de Palha? Giovanna: O lançamento do nosso EP "Eu" foi um marco para mim, afinal ter a nossa música disponível nas principais plataformas digitais, em que qualquer um pode ter acesso, foi um momento único. Foi incrível, também, ter nosso trabalho pronto, reunido com todo cuidado e de um jeito que eu nunca imaginei ser possível. Porque a música, originalmente, foi pensada com um violão e uma voz, e foi lindo ver os lugares em que ela chegou com a produção e a visão do Judah. Helder: Os melhores momentos foram quando chamaram a gente para abrir o show do Vanguart e no lançamento do nosso primeiro show pós EP, quando as pessoas cantaram junto conosco as Revista do PET de Comunicação da Ufam

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nossas músicas. A Catraia: É bastante importante manter sempre uma originalidade no ramo da música e a região Norte é rica quando falamos nesse tema. Vocês inserem ritmos regionais em suas músicas? Giovanna: O que eu gosto de explorar nas minhas músicas é a "paisagem sonora", ou seja, riff e ritmos que tenham a intenção de soar como um pássaro ou uma floresta. Mas acredito que nosso estilo tende mais para a musicalidade brasileira, como um todo, do que, especificamente, o regionalismo. A Catraia: Por último, qual mensagem vocês gostariam de deixar para aqueles que trabalham com música na Região? Helder: Façam com amor e com persistência, não meçam valor para investir no trabalho de vocês. É difícil mesmo e nada acontece do dia para noite, mas se estiverem certos do que vocês querem, façam por onde, tenho certeza de que conseguirão transpor as dificuldades da Região e as oportunidades cada vez mais surgirão. Giovanna: Divulguem seu trabalho, não tenham vergonha. Mostrem para os seus amigos, para sua família, para o motorista do Uber. Deixe as pessoas conhecerem e valorizem o seu trabalho, sem arrogância. Abracem as oportunidades. Sejam gratos a quem os apoiam. Depositem a sua fé e o seu amor na música que vocês estão fazendo. Giovanna e Helder do Duo Amazonense Chapéu de Palha

A ancestralidade amazônida: uma odisseia pela MItologia tupi-guarani Por: LUAN Tavares

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urante o ensino médio, você certamente precisou estudar, nem que fosse brevemente, um pouco sobre as tão reverenciadas mitologias gregas e romanas, ao se preparar para os processos seletivos que dão acesso às universidades em todo o país. Deuses

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mitológicos, como Zeus, Poseidon, Atena e Afrodite, da mitologia grega, e Apolo, Baco, Juno e Vênus, da mitologia romana, são alguns exemplos de deuses que provavelmente já foram mencionados no seu colégio, cotidiano ou na cultura pop em geral. Sem precisar ir tão longe, os povos 39


Dentre estas semelhanças, destacase a religiosidade indígena que, assim como as gregas e romana, baseia-se em mitologias. Entre os povos indígenas do Brasil existem diversas mitologias, como as dos povos Ianomâmis, com o Xamanismo, e os Caiapós, com o Animismo. Mas além dessas mitologias, tão rica e interessante quanto, tem-se a mitologia brasileira dos povos Tupi-Guarani. Segundo Fernando Almeida, no artigo Evidência Arqueológicas para a Origem dos Tupi-Guarani no Leste da Amazônia, o termo Tupi-Guarani define uma das dez famílias linguísticas do tronco Tupi. Os tupis são os índios que falam, ou falavam, línguas pertencentes a esse tronco até a chegada dos portugueses. Eles viviam majoritariamente na Amazônia, principalmente na parte baixa do Rio Amazonas. A partir daí, espalharam-se por uma grande faixa do território brasileiro, em especial a parte do litoral. Os Tupi-Guarani tornaram-se conhecidos historicamente por terem sido os primeiros a fazer contato com os europeus, no que seria o início do período colonial. Voltando para a mitologia Tupi-Guarani, ela era baseada em um conjunto de mitos sobre seres espirituais, variando também entre crença em entidades que habitavam o mundo material. Os povos indígenas explicavam e transmitiam às suas gerações o que viam, sobretudo 40

os fenômenos naturais, como o surgimento do Sol, o nascimento de suas crianças e o movimento dos rios, por meio de um conjunto de narrativas sobre deuses e espíritos da floresta. As crenças religiosas e as superstições tinham um importante papel na cultura indígena, em especial a Tupi-Guarani. Se não fosse o advento do homem nessas diversas crenças e costumes indígenas, que já existiam antes da chegada dos portugueses, certamente haveriam mais estudos sobre o tema no seu dia-a-dia.

AMAZÔNIA EM PRECE

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indígenas, apesar de pertencerem a grupos com diferenças de comportamento e cultura, têm elementos comuns que consolidam uma rede de costumes nativos como um todo.

Com ilustrações de Vinícius Gadelha, confira abaixo a história por trás das principais entidades da mitologia TupiGuarani: Aqui temos o criador do Universo e Deus do Clima, o nosso Zeus da Amazônia, que se manifesta por meio do trovão. Ele criou a matéria a partir de duas almas, uma negativa e outra positiva. Então, desceu na região do monte Areguá, no atual Paraguai, e criou tudo que existe hoje. Segundo a mitologia, foi Tupã o responsável pela transmissão do conhecimento sobre as propriedades curativas das plantas para os pajés. Sendo Deus do Sol e filho do deus maior Tupã, foi ele quem ajudou Tupã a criar todos os seres vivos. Ele é por muitas vezes compreendido, assim como o Sol nos processos biológicos, como aquele que dá a vida e traz a claridade para todos. Em serviço de comparação com os outros desses conhecidos popularmente, Guaraci poderia ser associado com o deus greco-romano Apolo, o hindu Brahma e com o egípcio Osíris. A Catraia

Jaci é a deusa da noite e da Lua. Algumas lendas a apontam como esposa de Tupã e também dizem que ela o ajudou na criação do Universo e dos homens. Jaci foi responsável por trazer a beleza para a Terra recémcriada. Ela é também a protetora dos amantes, das plantas e dos animais. Mitologicamente, Jaci é identificada com Diana, dos romanos, Chandra dos hindus e, Ísis dos egípcios.

Anhangá é uma entidade das trevas que ronda as florestas e consegue assumir a forma de vários animais da selva. Sua aparição para os tupisguaranis é considerada um mal presságio. Porém, é ele também que protege os animais da caça desenfreada, preservando o equilíbrio da natureza. Além disso, ele é uma figura presente na mitologia de diversos Revista do PET de Comunicação da Ufam

povos originários do Brasil, tais como os Tupinambá, Mawé e, claro, os Tupi.

Ceuci é a Deusa das lavouras, responsável pela proteção das colheitas. A lenda conta que Tupã a transformou na constelação de Plêiades, e quando ela aparece no céu os indígenas sabem que é a época ideal para a colheita. Talvez uma das mais conhecidas, devido aos apelos pop e comercial criado em torno dela, seja a Iara, a protetora de todas as formas de vida aquáticas. Quando Tupã fez os rios, lagos e mares, criou Iara para protegê-los. Em grande parte das narrativas, ela aparece como uma sereia de cabelos verdes que vive no rio Amazonas. Em outras, como um espírito protetor presente em cada rio. 41


AMAZÔNIA EM PRECE

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Esses são apenas alguns das mais diversas figuras que podemos encontrar na Mitologia Tupi-Guarani. Além das apresentadas nas imagens, temos

também Angra, Anhum, Jurupari, Ticê, Sumê, Xandoré, Arapé, Catú, Polo etc. Como a família linguística tupi-guarani é uma das mais importantes da América

GLOSSÁRIO Açaí: fruta que chora. Akaîu: caju. Ananas: abacaxi. Araraúna: arara preta. Araruama: terra dos papagaios. Araúna: ave preta. Angûera: espírito. Anhangüera: diabo velho. Antã: forte, ágil, esperto. Arassary: variedade de tucano. Atauúba: flecha incendiária. Aupaba: terra de origem. Baquara: sabedor de coisas. Caá: mato, folha. Capororoca: de mato barulhento. Ceci: mãe. Caetê: de mato virgem ou verdadeiro. 42

Coaraci: o sol. Embauba: de árvore oca. Ibitinga: terra branca. Itapitanga: pedras vermelhas. Jacu: espécies de aves vegetarianas silvestres. Jamé: oculto, misterioso, segredo. Japira: mel. Jaguaruna: de onça preta. Jetica: batata-doce. Kamaiurá: lua. Garopaba: lagoa da canoa. Guaraní: guerreiro, lutador. Guaratinguetá: reunião de pássaros brancos. Maracanã: de casca grossa e rija. Nhanduti: de teia de aranha. Quiriri: vem de silêncio, sossego. A Catraia

do Sul, sendo uma delas até o Guarani, um dos idiomas oficiais do Paraguai, a sua presença na literatura brasileira também se faz bastante presente.

Confira a seguir o poema Tupi-Guarani, de autoria de Marcos Ramos:

TUPI-GUARANI: Sou um elemento vivo, Irmão da Terra, filho de Ceci... Tupã, fez me aqui um nativo, Desta terra Tupi-Guarani... Formada por Itapetinga e caá, Capororoca e Coaraci... Iluminada por Kamaiurá, E repleta de jacui... Onde se esconde o assary, Dentro do maracanã de embaúba... Onde o vento quebra o Quiriri, E renova a vida de minha Atauúba... Revista do PET de Comunicação da Ufam

Sou Tupi, sou Guarani, Caçador, e protetor dos angûeras... Sou antã, e da cor do açaí, Baquara e Anhanguera... Sou de Araruama e Ibitinga, Onde há Guaratinguetás e Araúnas Aguapés e remansos de restingas, Ferozes Jaguaruna e mansas araraunas... Aqui tem Ananas, Akaîu e caetés, Japira, Jetica e Garopaba... E guarda no nhanduti o Jamé, Dizendo que o Brasil é meu Aupaba...

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Cinco dias de festa, com procissões, folia, carimbó, rituais, disputa dos botos. Uma manifestação cultural com 300 anos. O ritual dos botos rivais em torno do encanto, da morte e da ressureição dos personagens, com exaltação para a lenda amazônica e as tribos indígenas. Comemoração até o amanhecer.

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mo ouvir histórias. Como não amar?! Viagem gratuita por outras experiências, realidades e universos. Minhas favoritas são as da minha mãe. Dona Claudia sempre tem alguma na ponta da língua. Na maioria das vezes, conta para aconselhar. Adolescentes têm a fase do cachorro doido, palavras dela. Vê se pode, eu é que não vou duvidar de conselho de mãe. E, ainda hoje, ela relembra uma história que, em seu dizer, só quem passa por ela para realmente sentir o perigo. A emoção ao ouvir é a mesma desde a primeira vez. Sério! Peço para ouvir de novo. Ela anima-se. Eu me arrepio. Cara, como é louco. Digo. Vamos lá.

Pelos olhos da minha vó, pelos olhos da minha mãe

Minha mãe iniciou. Sua vó dizia o quão lindo era o Festival de Sairé. Magia, alegria, danças, músicas e, o principal, os dois botos, o Tucuxi e o Cor-de-Rosa, que surgem das águas de Alter do Chão. Sedução, encantamento, beleza. Digo que lembrei da lenda amazônica. Tia Jeca falava muito da lenda do boto. “Cuidado nas festas, não fiquem muito perto da água. Se virem um homem todo de branco, com cheiro de pitiú, fiquem longe”. Então, minha mãe foi ao festival

Foi na manhã seguinte, zanzando ainda na praia de Alter do Chão, que Claudia decidiu se molhar. Na companhia de duas amigas, avisou para elas para onde iria. Ao adentrar nas águas do rio Tapajós, banhou-se lembrando de sua realização: conheceu o Festival de Sairé. Da sua terrinha. Passou uns minutos, ouviu um barulho. Atrás dela havia mais companhia. Logo, lembrou-se da lenda. O boto! “Virei e vi o que já imaginava. Dois botos com os olhos submersos na água. Na minha cabeça só lembrava da lenda, aquela que escutei mais de mil vezes. O conselho da tia Jeca. Corri dificuldade por causa do peso da água, mas tinha pressa. Não olhei mais para trás. Consegui sair. Nunca corri tanto na minha vida, minha filha!” Ela finaliza a história mais uma vez e eu mais ainda fascinada pela história, pelo Festival e pelos botos. Ah, os botos! Como eu queria ver um de perto. Minha mãe alegre diz: “Você vai conhecer, quero te levar para o Festival. Assistir tudo e se encantar, como eu me encantei”. Mas por enquanto, conheço pelos olhos dela.

Por: ERIKA Rodrigues

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A Catraia

Revista do PET de Comunicação da Ufam

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AMO DO NORTE (CRÔNICA)

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animada para conhecer, agora pelos seus olhos, não mais pelos de minha vó.


O LEGADO COLETIVO E POPULAR DA AMAZÔNIA

Por: CAMILA Barbosa

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ibeirinho é a denominação de um dos povos tradicionais da Amazônia. Ser ribeirinho é ser nascido e criado às margens dos rios. O caboco, como é conhecido no interior, tem sua vida essencialmente ligada à natureza, seus mistérios e suas riquezas. Mesmo com a chegada das tecnologias que colocam o caboco em contato com o mundo inteiro, viver no interior da Amazônia é se adaptar ao que a natureza dá e permite. Da natureza vem as fontes de subsistência, o lazer e as histórias que caracterizam essa Região e seus habitantes. E na Amazônia o que não falta são histórias. Em cada beira de rio, em cada canoa que sobe e desce o curso d`água, em cada vila no meio da floresta, no centro da cidade grande sempre há uma boa história de arrepiar a espinha ao ser ouvida. As lendas são histórias com características fantásticas e fantasiosas

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A Catraia

misturadas com elementos e situações da realidade. Para explicar os acontecimentos, que fugiam à compreensão imediata e estava além dos saberes do cotidiano, surgiram histórias que são passadas de geração em geração há muito tempo e que retratam alguns comportamentos dessa população. As lendas amazônicas são uma forma de transmitir conhecimentos, e outrora serviam como mediadora da relação homem-natureza, impondo limites de exploração da floresta e dos rios tanto para o ribeirinho quanto para o indígena. Revista do PET de Comunicação da Ufam

Essa mediação da relação entre os seres humanos e a natureza se torna importante no interior da região Amazônica pelo fato de que a sobrevivência humana em meio à floresta depende de sua capacidade de viver em harmonia com a natureza e de retirar o suficiente sem depredá-la. Os seres míticos que habitam a porção desconhecida da floresta por muito tempo eram os principais guardiões da fauna e da flora da Região, mantendoas intocadas. A vida no interior “é uma vida de muita proximidade com a natureza de muito 47

PAPO DE CABÔCO

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Lendas


Sarah é neta de indígenas, e mesmo morando em Manaus tem conhecimento proximidade com a vida ribeirinha. Suas férias escolares passadas em Itacoatiara, durante sua infância e começo de adolescência, e a origem da família lhe renderam uma forte conexão com a natureza e com as lendas amazônicas. Muito por meio das histórias de família que seus parentes mais velhos contam e recontam. 48

Sarah mesmo já se tornou personagem de causos do interior que lhe marcaram. E não é difícil encontrar algum caboco que tenha experiências com os personagens lendários amazônicos para narrar, pois o ribeirinho tem uma relação intrínseca com a mata e o rio, e as lendas fazem parte de suas histórias. Na beira do rio sempre tem algum compadre que já caiu nos feitiços do Curupira ou saiu “com mais de mil” com medo do Mapinguari, ou já deixou um trago para o Matinta Pereira na porta de casa.

povo” e das localidades onde ocorrem. Entre os ribeirinhos essas histórias não são conhecidas como lendas, pois elas fazem parte de suas vidas. Aconteceram com eles, como relata Sarah, que teve sua primeira experiência com as personagens lendárias ainda na infância. Ela destaca que em uma de suas férias, aos 6 anos de idade, estava com a avó, mãe, irmão e primos conhecendo seus parentes mais velhos do interior. “A maioria deles morava em flutuantes, mas agora moram em áreas mais urbanizadas, pela idade já muito avançada. Numa das paradas, estávamos numa área com uma prainha e minha avó nos levou para brincar. Depois de algum tempo brincando, lá pelas 11h, acredito eu, uma rabeta vinha vindo com um senhor de uns 50 anos, branco, vestido de branco, de chapéu e bem bonito até, apesar de bem queimado de sol, vindo na nossa direção. Ele chega e oferece mangas

Essas histórias fazem parte da herança familiar e acabam por se tornar uma importante forma de conhecer as características locais. Por mais que os personagens das principais lendas Amazônicas sejam comuns, cada estado da Região tem sua própria versão do personagem e da narrativa. As lendas são tão diversas quanto a fauna e a flora, como ressalta Sarah, “são conhecimentos muito antigo do A Catraia

Revista do PET de comunicação da Ufam

para as crianças, e nós aceitamos. Ele fala para a minha vó que o sítio dele está cheio da fruta, mas não tem para quem vender ou dar, e como ele não queria que as frutas estragassem, então veio descendo o paraná (braço de Rio) vendo se achava para quem dar. Então, ele disse que se nós quiséssemos, podíamos ir todos ao sítio dele, que estava cheio de várias outras árvores frutíferas que nós também podíamos comer, e que tinha piscina para brincar. Eu e meus primos nos empolgamos, mas minha avó não gostou nada da história. Mandou o homem embora e disse que nós não iríamos a lugar algum e que já estavámos indo embora. Depois dele ir embora, fomos perguntar por que ela não quis ir para o sítio do homem de branco. Ela falou que ele era o boto e o que ele queria era nos levar para o fundo do rio. Entre os meus primos, a piada interna é que era só um senhorzinho dando em cima da vovó e ela teve vergonha. Nunca saberemos.” Os mais velhos conhecedores dos causos de onde vivem atribuem esse tipo de intervenção ao boto tucuxi, que é brincalhão e gosta de pregar peças nos ribeirinhos que utilizam os rios para se locomoverem e realizar suas

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respeito, de muita harmonia com o ambiente ao seu redor, entendendo os seus ciclos e sabendo que você faz parte deles. É uma vida dura, mas completa, na minha visão”, destaca Sarah Farias, ilustradora e quadrinista.

As histórias propagadas pelos cabocos ganham perenidade nas rodas de conversa entre vizinhos, nos fins de tarde em família após um dia de trabalho no roçado; contar histórias para os ribeirinhos é uma forma de reunião. É frequente a mistura de lendas com histórias de visagem e com as vidas dos próprios cabocos, e se tornam causos.


Experiências como a de Sarah alimentam o caráter pedagógico das lendas, sobretudo para as crianças: é melhor não falar e muito menos aceitar convites de estranhos, senão corre o risco de virar encantado. “São conhecimentos muito antigos do povo daqui. Mesmo que muito já seja romantizado, há sabedoria ali. Há um porquê. É o que nos sobrou de identidade, já que nossos povos originais foram tão massacrados que tão pouco sabemos sobre eles. A exemplo da minha família, nem sei de que tribo eu descendo. Mas sei das lendas, sei das plantas, sei do preparo do peixe, dos chás. Nisso eu me apego como herança e identidade”, afirma Sarah. Encantados são pessoas que foram levadas para as

profundezas do rio por seres que vivem lá, como o boto. Eles são parte importante da vivência coletiva dos amazônidas com o sobrenatural e rendem muitas e boas histórias de cabocos. O boto vermelho, que tem a fama de perverso, 50

“Eu já tinha meus 13 anos e estava numa dessas visitas aos parentes no interior. Os meninos do grupo queriam pescar, eu ouvi a conversa e falei que queria ir também. Acordaríamos todos às 3 da manhã para nos arrumarmos e irmos. Chegamos à beira, pegamos o casquinho e remamos mais para a parte funda, onde ficamos quietinhos esperando. Algum tempo de espera e TUM! Uma batida no casquinho. Depois de novo, TUM, e outra vez, TUM! Um dos primos que morava lá falou que era um boto, mas que eles não faziam isso a não ser que tivesse algo de errado, ou que tivessem fome e sentissem que temos peixe (e nós não tínhamos ainda). Esse mesmo primo falou: só faltava tu estares menstruada. Eu ri e disse que estava sim. Ele quis me bater de tanta raiva que ele ficou, mas se segurou. Ele me xingou de tudo que pode e mandou todo mundo remar de volta. O bicho ainda bateu mais duas vezes no casquinho, mas parou. Segundo meu primo, o boto sentiu mulher no barco pelo cheiro da menstruação e iria virar o casquinho se não tivéssemos vindo embora. Mais uma lição aprendida: evitar barcos quando estiveres menstruada”. E assim se vai construindo a mitologia popular da Amazônia. As histórias que o povo transmite entre si e os conhecimentos que nascem da experiência são algumas das grandes riquezas da Região. A convivência com a floresta e os rios faz do ribeirinho um povo único e cheio de riquezas. A Catraia

A destruição da maior floresta tropical do mundo e as organizações que atuam em sua defesa

Por: ANA Carolina Leão e GABRIELA Brasil

Embora a revista A Catraia tenha eleito o tema manifestações culturais para a discussão desta edição, ela não poderia se furtar em abordar um assunto extremamente relevante para o nosso País: a questão do desmatamento e das queimadas na Amazônia. Pedimos licença, caro leitor, para tratarmos dessa situação em nossas páginas, trazendo dados importantes e a atuação das organizações não governamentais nesses biomas essenciais para todo o planeta. Revista do PET de Comunicação da Ufam

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é o mais temido dos encantados. Ele, segundo os mais velhos, já levou muita gente para o fundo do rio. A segunda experiência de Sarah com o boto foi na adolescência:

Imagem: G1.com

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atividades cotidianas. Reconhecer as traquinagens do boto é mais fácil para os mais velhos, pois eles já ouviram relatos parecidos de seus pais e avós.


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O desmatamento e as queimadas na Amazônia

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pós mudanças decretadas pelo governo federal em relação à quase suspensão das multas por desmatamento ilegal na Amazônia e modificações quanto às fiscalizações, ocorreu um salto no número de desmatamentos na Região a partir do mês de maio de 2019. Desde então, os números tomaram proporções alarmantes. Nos meses de janeiro e fevereiro de 2020 houve um crescimento no desmatamento na Amazônia de 51%. Já em agosto, os alertas de desmatamento aumentaram 68% em comparação ao mesmo período do ano passado, sendo o pior mês de agosto nos últimos 10 anos, de acordo com o monitoramento apontado pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (IMAZON). Somente nesse mês, foram detectados pelo Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do instituto cerca de 1.499 km2 com sinais de desmatamento, sendo o Pará, pela quinta vez consecutiva, o estado com os maiores casos de desmatamento da Região. Os números são próximos dos alertas

Organizações que atuam em defesa da Amazônia

Em relação às queimadas na Amazônia, as primeiras duas semanas de setembro tiveram mais casos do que o mês de setembro inteiro do ano passado. Os dados foram registrados pelo programa Queimadas do INPE, em que a média desse mês é de 1.400 queimadas por dia. Juntamente com o mês de agosto, é o período em que ocorreram mais casos de queimadas por ser uma época de seca no bioma amazônico. Com isso, os desmatadores aproveitam para queimar a vegetação que foi derrubada anteriormente. O número de queimadas nesses 14 dias de setembro também superou os anos de 2016, 2013, e também os anos de 1998 e 1999. O alto número de queimadas também despertou atenção pelo fato de que foi decretado em 16 de julho, no Diário Oficial, a proibição dessa ação por 120 dias tanto no Bioma Amazônico quanto no Pantanal.

Fonte: Deter/ Terra Brasilis/ Inpe/ MCTIC

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detectados pelo Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE), que contabilizou em torno de 1.359 km2 de áreas desmatadas.

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om a aceleração do aumento do número de desmatamentos e queimadas na região Amazônica é de grande importância as ações de grupos sociais e organizações para a proteção desse bioma. Esses grupos desempenham desde campanhas de conscientização sobre a importância do meio ambiente, denúncias contra crimes ambientais e sociais até a defesa e implementação de áreas de preservação florestal, além de apoiarem as populações tradicionais.

ECAM A Equipe de Conservação da Amazônia (ECAM) é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público(OSCIP) que objetiva a proteção biocultural da Amazônia e das populações que nela habitam. Assim, tem como interesse desenvolver junto com os povos da floresta políticas e ações que possam garantir o equilíbrio socioambiental. Sua fundação ocorreu em 2002 e no ano seguinte foi reconhecida como OSCIP. A ECAM possui uma equipe com amplo conhecimento multidisciplinar e com experiência em implementar projetos com a população local nas áreas de gestão integrada e manuseio dos recursos naturais, combinando o saber cientifico com o saber popular. A instituição acredita que a conservação do meio ambiente vai muito além de combater queimadas, extração de madeira ilegal e a caça e pesca predatória. Ela também se preocupa com o fortalecimento dos atores e das comunidades locais, pois são os verdadeiros conhecedores dos desafios e das soluções para a região Amazônica. A Revista do PET de Comunicação da Ufam

ECAM atua há mais de 15 anos em projetos ambientais e sociais, nos quais, são: PECUÁRIA SUSTENTÁVEL: o projeto visa a um diálogo com os pecuaristas do Baixo Amazonas (Prainha, Monte Alegre e Santarém), procurando fornecer alternativas que sejam mais produtivas e, ao mesmo tempo, que melhorem a vida humana e animal. Também objetiva práticas de recuperação de áreas degradadas e a preservação dos mananciais. O projeto é uma forma de realizar a produção pecuária de forma que aumente a produtividade em áreas (hectares) menores, como também aumente a autoestima dos pecuaristas, sendo um ganho socioambiental. PROJETO UNI: a Amazônia é a maior floresta do mundo, porém mais de 20% de sua área já foi desmatada. Estudos indicam que caso se perca mais 5% da floresta ocorrerá o processo de desertificação. Sendo assim, o projeto tem como objetivos auxiliar, dar voz e fortalecer os principais conhecedores da Floresta Amazônica, as comunidades tradicionais, ajudando-as para que elas possam preservar o bioma. 53


no segmento, por lançar estudos pioneiros a respeito da sustentabilidade socioambiental e econômica da floresta e das comunidades locais que vivem nessa região. Para a Amigos da Terra, o momento atual em relação ao meio ambiente é de grande pessimismo.

“Diante do atual Governo, estamos vivendo um enorme retrocesso quando o assunto é o meio ambiente. Os números das queimadas estão ai para provar. Em setembro, a Amazônia teve 60% mais focos que no mesmo mês de 2019, fechando como o segundo pior setembro da década. As organizações que lutam pelo meio ambiente estão, sim, cada vez mais ativas e, se não fosse por isso, a situação seria pior. Infelizmente, as expectativas para o futuro do meio ambiente não são das melhores.” Assim, em defesa da Amazônia, a organização possui quatro projetos ativos no momento: CADEIAS AGROPECUÁRIAS: são pesquisas relacionadas às cadeias da agropecuária bovina, desenvolvidas desde 2007. O estudo aprofundado tem como objetivo compreender e analisar, juntamente com as empresas, a sociedade civil e os produtores, essas cadeias para a criação de estratégias de controle do desmatamento e para o desenvolvimento de critérios sociais.

Fonte: site do Fundo Amazônia

AMIGOS DA TERRA A organização Amigos da Terra - Amazônia Brasileira é uma OSCIP reconhecida pelo Ministério da Justiça, sendo sua sede localizada em São Paulo. Foi fundada em 1994 por Roberto Smeraldi e, desde então, vem atuando por mais de 25 anos pela redução do desmatamento na Floresta Amazônica, como também pela promoção de alternativas mais viáveis a serem adotadas. A organização se consolidou na luta pela preservação da Amazônia como uma líder 54

MANEJO SUSTENTÁVEL: promove o manejo da madeira, sendo diferente do desmatamento autorizado, que apesar de ser legal, não se preocupa com as condições sustentáveis do uso da floresta. Por meio do manejo, a floresta fica de pé, pois há a reposição da madeira retirada. Hoje, a Amigos da Terra atua no conselho FSC Internacional, organização responsável por difundir o manejo sustentável em diversos países. ERASMUS+ EM DEFESA DO PATRIMÔNIO CULTURAL: projeto criado com o intuito de exaltar a importância do patrimônio cultural nas zonas rurais. A Amigos da Terra entrou A Catraia

no programa em 2019, organizado pela Câmara do Comércio e Indústria Italiana para Espanha. São estimulados o intercâmbio cultural e as atividades de formação como formas de fortalecer a importância histórica e a identidade das comunidades rurais. DIÁLOGOS E INFORMAÇÕES: o site Amazônia faz parte de um projeto de análise e monitoramento das políticas públicas na Amazônia, realizado pela ONG Amigos da Terra. Com a finalidade de ser uma plataforma informativa e de referência a respeito da Amazônia, o Amazônia.org.com constitui um extenso material produzido tanto por jornais em parceria com a Amigos da Terra quanto pela própria organização. O site, atualizado diariamente, busca levar ao público notícias recentes sobre o que está acontecendo como na Região Amazônica, com informações em níveis nacional e internacional.

“Voltado para a problemática de que a cidade é a segunda menos arborizada do Brasil, a organização surgiu de um grupo de amigos com vontade de transformar essa realidade em Manaus. Nossa missão é criar áreas verdes para a cidade de Manaus, principalmente nas periferias.” Seus objetivos são: levar educação ambiental para as pessoas; fomentar a participação popular, o setor público e o privado em ações ambientais; criação de áreas verdes; promover ações socioambientais. O principal projeto do Mudar Mais é a plantação de mudas na cidade. Assim, atuam em eventos como a virada sustentável ou ações independentes, que têm como objetivo integrar a população manauara à causa ambiental.

IGARAPÉS LIMPOS MUDAR MAIS Com foco na criação e na preservação de áreas verdes na cidade, o projeto Mudar Mais, sem fins lucrativos, surgiu em Manaus por meio do projeto Global Goals, que promoveu, em 2018, a elaboração de projetos de impacto com foco nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Organização das Nações Unidas (ONU). Inicialmente, as ações eram voltadas para a capital amazonense por ser uma das cidades menos arborizadas do país. Conforme a organização foi crescendo e ganhando alcance nas redes socais, decidiram expandir o projeto para outros municípios. Hoje, atuam na organização 22 pessoas, entre elas, Kayra Jordana, co-fundadora e representante de makerting e comunicação do Mudar Mais, que reitera a má posição de Manaus na listas das cidades com áreas verdes e a iniciativa do grupo para mudar essa situação.

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O projeto Igarapés Limpos surgiu em 2018, quando um grupo de amigos inconformado com a poluição que crescia na orla do porto de Manaus começou a se unir para realizar mutirões de limpeza na área. Eles tinham o costume de tirar fotos do antes e do depois e postar nas redes sociais, que despertavam a atenção das pessoas. Assim, o número de voluntários e de ações passou a crescer cada vez mais. Em entrevista com Maria Clara Chixaro, coordenadora de Comunicação do projeto, perguntamos como ela iniciou o seu envolvimento com a causa ambiental. Ela nos disse que foi influenciada por postagens de voluntários de limpeza dos igarapés nas redes sociais e começou a frequentar esses mutirões.

“Nos mutirões, eu percebia que poderia utilizar meu conhecimento da área de comunicação, ou seja, tudo o que aprendi no curso de Relações Públicas da UFAM para auxiliar o projeto. Comecei dando dicas pontuais para o trabalho nas redes sociais, e hoje sou coordenadora de comunicação do projeto.” 55

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PROJETO COM O FUNDO AMAZÔNIA: a ECAM foi beneficiária de colaboração financeiro do Fundo Amazônia no projeto "Capacitar para Conservar" que trazia benefícios aos comunitários da Região ou as Unidades de Conservação (UCs) e seus gestores ambientais. O projeto ofertou seis cursos de Guarda-Parques e dois Máster, certificando 128 e aperfeiçoando 38 novos Guardaparques, respectivamente, com um total de 166 indivíduos. Com essas capacitações são formados grupos articulados que trabalham pela conservação da floresta, fortalecendo a gestão das áreas protegidas na região do Amapá.


MULTIMÍDIAS

MULTIMÍDIAS

"Sem florestas, não há cultura, não haverá histórias, não se terá moradia, e logo não há Amazônia" Por: CAMILA Barbosa

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Fora as ações de educação ambiental, que têm como objetivo sensibilizar a população em relação ao lixo gerado na cidade de Manaus e a sua destinação final, eles participam de manifestações organizadas públicas contrárias a ações e políticas públicas que possam apresentar ameaças à região Amazônica, e também são membros do Conselho Ambiental da Assembleia Legislativa do Amazonas, como destaca Maria Clara:

“No conselho podemos olhar de perto o trabalho realizado pelos nossos deputados e

O principal objetivo dos Igarapés Limpos é reverter a poluição dos rios e dos igarapés do município de Manaus e se tornar referência em soluções ambientais no país.

Voluntários em ação de limpeza da orla do porto de Manaus

O grupo vê as políticas do Ministério do Meio Ambiente em relação à Amazônia como desastrosas, em que considera como sendo uma clara política anti-ambientalista. Seus integrantes não concordam com as ações ambientais do governo atual e, principalmente, do trabalho realizado pelo Ministério do Meio Ambiente, na figura do seu ministro, o qual já mostrou somente estar interessado em passar a "boiada" nas regiões Amazônica e Cerrado.

“Ser ambientalista é ser ativista, não é momento de se manter calado diante de tanto retrocesso.”

Voluntário em uma das ações de educação ambiental na Associação Pequeno Nazareno

também realizar propostas de leis que protejam a região Amazônica e seu povo. Sabemos que apenas ações pontuais, como catar lixo no igarapé, não são suficientes. É necessário fazer nossa parte como cidadão e fiscalizar nossos governantes. Precisamos de políticas públicas para defender a nossa Região.” Atualmente, o projeto conta com uma média de 200 voluntários assíduos nas ações e oito representantes no Conselho Administrativo. Está sendo programada a abertura de um edital em breve para novas vagas no conselho.

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Além de atuar em mutirões de limpeza em igarapés e orlas da cidade, o grupo também realiza ações de educação ambiental, como palestras, oficinas de brinquedos com material reutilizado, separação do lixo, compostagem de lixo orgânico, horta doméstica, criação de lixeiras comunitárias e culinária sustentável.

O projeto enxerga o cenário atual do meio ambiente regional e nacional alarmante.

As Amazonas: sociedade matriarcal que deu nome ao estado do Norte Por: NENDRA Sued

“Percebemos que o governo além de ter “deixado de mão” vários projetos e organizações engajadas na causa ambiental parece estar fazendo força contrária aos nossos esforços. Fora isso, os vários órgãos públicos responsáveis pela fiscalização ambiental no país que estão sendo sucateados. E sem contar nos crimes cometidos contra povos indígenas, que para mim, é o ponto mais grave. A bancada ruralista ganhou. Enquanto o agronegócio cresce, a mata diminui, queima”.

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História Quando a expedição de Orellana chegou, por engano, à região que hoje é o estado Amazonas, deparou-se com um grupo formado inteiramente por mulheres. Ao serem atacados por elas, acreditavam que eram as Amazonas, do mito grego, e usaram o mesmo termo para nomear o rio e o estado. Gaspar de Carvajal, que viajava com Orellana, relatou em crônicas o descobrimento do Amazonas e o

encontro com as icamiabas. “Nós mesmos vimos essas mulheres lutando como líderes femininas na linha de frente de todos os índios. As mulheres são muito claras e altas e usam cabelos compridos que trançam e enrolam em torno de suas cabeças. Elas são muito fortes e ficam completamente nuas, mas suas partes púbicas estão cobertas. Com arcos e flechas na mão fazem tanta guerra como dez índios”, afirma ele em Relación del nuevo descubrimiento del famoso Rio Grande de las Amazonas.

Etimologias As icamiabas ou iacamiabas, que tem como tradução “a que não tem seio” ou “sem marido”, eram lideradas pela rainha Conori. As índias,também conhecidas como cunhã puiaras,ou counipuiaras,(grandes senhoras), costumavam mergulhar em um rio chamado Iaci-uaruá, o espelho da lua. Das profundezas do rio retiravam um barro verde e dele moldavam um talismã, o muiraquitã.

A lenda

Representação da Conori, rainha das Icamiabas e de um homem seduzido por elas em noite de festa. Após a noite de amor, as guerreiras mergulhavam no lago Espelho da Lua, moldavam e lhe entregavam o Muiraquitã.

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Rebeca Vilhena, cabocla de descendência mura, conta que no coração da Floresta Amazônica existia uma sociedade formada apenas por mulheres que caçavam, pescavam, faziam artesanato, fabricavam armas e lutavam bravamente. Eram mulheres fortes e independentes que uma vez por ano realizavam uma festa dedicada à Lua, o Ritual das Pedras Verdes. Nessa festa, que durava dias, elas recebiam os guacaris, índios da aldeia mais próxima. Os homens acabavam presos pelas mulheres que tinham o intuito de acasalar e Revista do PET de Comunicação da Ufam

procriar. Quando a festa acabava e as cunhãs acreditavam estar grávidas, mergulhavam no rio, o Espelho da Lua, e traziam a matéria-prima verde, que era moldada em formato de algum animal que endurecia fora da água, criando o chamado muiraquitã. O muiraquitã verde em formato de sapo era símbolo de fertilidade. “Depois que engravidavam e realizavam o parto. Descobrindo que era curumim (garoto), elas entregavam para os guacaris criarem em sua tribo. Se fosse cunhatã (garota), permaneciam com elas para serem treinadas e se tornarem bravas guerreiras”, continua ela.

O Muiraquitã Acreditava-se que o amuleto moldado pelas counipuiaras era de pedra jade, mas atualmente se sabe que são de amazonita, uma variedade de feldspato de coloração verde existente nas formas de sapo, tartarugas e rãs, trazendo sorte, felicidade e proteção contra doenças para os que acreditam.

Matriarcado e independência feminina “Eu vejo nas Amazonas uma independência feminina, pois elas possuem consciência das capacidades que têm; é um sentimento de fortificação e liberdade. Essa formação matriarcal é algo muito comum para mim, porque sempre vi em minha família a representação da minha vó e a minha mãe. Além disso, é uma construção muito presente ainda em diversas comunidades indígenas”, destaca Rebeca. 61

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á uma lenda amazônica da cidade de Nhamundá que explica a origem do nome do estado do Amazonas e de um dos maiores rios do mundo, explorados pelo espanhol Francisco de Orellana, em 1542. A história fala sobre uma sociedade composta apenas por mulheres, as icamiabas. “Valentes, guerreiras, belas, seminuas”, como são retratadas na toada “Conori”, do Boi Caprichoso.


SAIA RODADA

SAIA RODADA

Ciranda de Manacapuru: um bailado de paixão e identidade Por: CAMILA Barbosa

A Ciranda de Manacapuru é uma das principais manifestações culturais amazonense. A dança de ritmo acelerado e empolgante apaixona manacapuruenses e turistas.

Apresentação de ciranda no tablado do Riachuelo, o primeiro palco da ciranda em Manacapuru (Foto: Manacá Antigamente

Monumento na principal avenida da cidade em homenagem às cirandas. (Reprodução/Internet)

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duas horas de Manaus, a Princesinha do Solimões mostra toda a sua beleza para o mundo nos passos ritmados e frenéticos dos cirandeiros. Agosto é a época mais esperada pelo manacapuruense, pois é o mês do Festival de Ciranda de Manacapuru, e a cidade passa a respirar ciranda em todos os seus bairros. Nas cores vermelho, azul e branco, da Guerreiros Mura, vermelho, dourado e branco, da Tradicional, e lilás e branco, da Flor Matizada, a cidade se enfeita completamente. As cirandas Tradicional, Guerreiros Mura e Flor Matizada protagonizam o Festival de Manacapuru. Originária de Portugal, a ciranda percorreu um longo caminho e seu bailado passou por inúmeras transformações até se

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estabelecer na cidade, em 1980, e se tornar a sua principal manifestação cultural. Natural de Tefé, o professor José Silvestre é o principal responsável de ter levado a ciranda para a Princesinha do Solimões. A ciranda chegou no Amazonas por Tefé, trazida por imigrantes nordestinos que se estabeleceram na cidade, onde a família do professor José Silvestre era envolvida com a dança. Já morador de Manaus, ele aceitou o convite do então diretor do Colégio Estadual Sólon de Lucena para ensinar danças folclóricas para seus alunos; a ciranda, após várias tentativas, foi a dança que ganhou a adesão dos estudantes. Após a dança de roda se espalhar por outras escolas da capital, ela foi levada para o interior novamente, em que dessa vez o bailado se se 63


com o apoio da prefeitura da cidade. Desde então, a importância da dança para a cidade só cresceu, sendo uma significativa fonte de renda e de expressão de identidade local. Magal Pinheiro, presidente da ciranda Tradicional, imputa a consolidação da ciranda em Manacapuru a uma “paixão verdadeira pela dança, pela história e pelos personagens. Aqui foi diferente, houve essa paixão à primeira vista, como as pessoas falam. O povo manacapuruense teve essa paixão de imediato e a abraçou de uma forma bem diferente, como não aconteceu em Tefé e em Manaus”.

estabeleceu nos pés e nos passos frenéticos de Manacapuru. A professora Perpétuo Socorro, influenciada por Silvestre, introduziu a dança na Escola Estadual Nossa Senhora de Nazaré, em Manacapuru, no início da década de 1980, local em que montou um cordão para uma apresentação infantil. Logo, foi ganhando mais adeptos, época em que foi criado o Grêmio Recreativo Folclórico Ciranda Flor Matizada, nome escolhido em homenagem à cidade. Após o sucesso do cordão folclórico da Escola Nossa Senhora de Nazaré, a professora Teresinha Fernandes criou o cordão folclórico da Escola Estadual José Seffair, em 1985, iniciando a disputa das cirandas das escolas, que ocorria no dia do aniversário da cidade, 16 de julho, na Praça do Riachuelo, dando origem, também, à Associação Folclórica dos Bairros – Tradicional. Em 1993, já com o sucesso das duas agremiações, Flor Matizada e Tradicional, e após divergências entre brincantes da Ciranda do Seffair, cirandeiros dissidentes da Tradicional aceitaram o convite do diretor da Escola 64

Estadual José Mota, Renato Teles, para criarem a ciranda da escola. E o Grupo Recreativo e Folclórico Guerreiros Mura entrou na roda. Renato é hoje presidente da agremiação que ajudou a criar e atribui o sucesso da ciranda em Manacapuru à lacuna cultural preenchida por ela e à rivalidade entre as agremiações. “A identificação se deu quando foram formados três grupos. Nós tínhamos pessoas que gostavam muito de ciranda, então, começou uma rivalidade, e como Manacapuru não tinha nada que a identificasse culturalmente, então a ciranda tornouse o centro das atenções. Do primeiro para o segundo ano, considerou-se como um sucesso, pois conseguiu-se levar praticamente toda a população de Manacapuru para assistir o festival de cirandas.” Em 1996, já com a ampla adesão dos manacapuruenses, as cirandas migram das escolas em que surgiram e passam a ser identificadas pelo bairro nos quais se instalaram. Em 1997, foi realizado o primeiro Festival Folclórico de Cirandas de Manacapuru A Catraia

Gaspar Fernandes, filho de Teresinha Fernandes, que foi quem puxou os primeiros passos de ciranda da Tradicional e o colocou no caminho da ciranda, é ex-presidente da Flor Matizada e atual diretor cultural, e diz, por sua vez, que o que estabeleceu a ciranda na cidade foi a sua capacidade de evoluir e de agregar novos elementos. “Posso dizer que não foi amor à primeira vista. Ao chegar à Manacapuru em 1980, trazida pelo professor José Silvestre e professora Socorro, a Ciranda chamou atenção simplesmente por ser novidade”. Para ele, as novidades – como tema e alegorias, que foram incorporadas à ciranda e a fizeram deixar de ser uma dança de roda para entreter crianças foi o que “arrebatou o público definitivamente, pois a cada versão, tudo seria novidade”. Ele completa ainda que “o gosto pelo encantamento do povo manacapuruense garantiu sua plena identificação com a Ciranda.” A IDENTIDADE NO RITMO DO BAILADO “A ciranda, hoje em dia, faz parte do que eu sou”, expressa Iago Castilho, integrante da Ciranda Tradicional, Revista do PET de Comunicação da Ufam

sendo essa uma declaração comum entre os cirandeiros quando se referem às suas agremiações. Outra situação comum é a paixão ir além da arquibancada, como relata Iago:“Comecei como torcedor, já fui da torcida e contribuí de várias formas dentro da organização. Em 2018, fui âncora de um programa de rádio sobre as três cirandas”. Iago relata que a sensação de levar a sua agremiação à arena “é indescritível”, e que a emoção só pode ser entendida plenamente quando vivenciada. Renato Teles também teve sua vida transformada pela ciranda a ponto de dedicar-se totalmente a ela. “Além de ser professor, eu tinha um escritório de contabilidade e comércios, mas resolvi encerrar essas atividades para me dedicar o ano todo à ciranda. Ver o povo, principalmente do bairro da Liberdade (reduto da Guerreiros Mura), ter uma identidade que afrontava as outras e sermos os maiores vencedores do festival até hoje mexeu muito comigo, fazendo com que eu me dedicasse inteiramente a cuidar da ciranda e do festival. E fui mudando, juntamente com minha equipe, a cara da festa da ciranda.” O bailado ritmado de Manacapuru mexe com manacapuruenses e turistas. Keroly Castro, que mora em Manaus e torce pela ciranda Tradicional, diz que a apresentação “é algo que toca na alma. É um momento único e você se sente privilegiada de estar ali vendo as histórias, ouvindo os cantos, então, é muito bom”. Gaspar Fernandes ressalta a importância da Ciranda em organizar apresentação ao longo do ano por construir uma rede de emoções compartilhadas. “É necessário considerar que ciranda não ocorre só num dia por ano, no 65

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Apresentação da Ciranda Tradicional em 2019 no Festival de Cirandas de Manacapuru, a agremiação é a atual campeã do festival.


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Cordão de Cirandeiros da Flor Matizada durante apresentação na Live das Cirandas.

Cordão de cirandeiros da Ciranda Guerreiros Mura em apresentação na Live das Cirandas realizada em agosto de 2020.

Festival. Para se chegar ao Festival é indispensável foco em exaustivos ensaios que duram em torno de sete meses. É na construção da ciranda que se vive ciranda. E viver ciranda é o mesmo que partilhar espaços, emoções, talentos e companheirismo em busca do objetivo comum. O convívio no espaço cirandeiro é mágico e amplamente afeto à inclusão. Os laços formados neste espaço são definitivos. Temos aí gerações e gerações de cirandeiros que desfrutam da satisfação de partilhar calor humano a qualquer tempo.” A preparação para o festival, realizado em agosto, começa meses antes para que tudo esteja completamente afinado no cirandódromo do Parque do Ingá. A apresentação dura cerca de três horas, quando os principais itens de cada ciranda evoluem para os jurados. O cordão de cirandeiros, que mantém o ritmo da evolução da dança, faz o festival pulsar. É o coração da ciranda, o que o transforma no item mais importante da apresentação. O cordão desenvolve o tema, o bailado e introduz outros itens e 66

personagens marcantes da ciranda, como seu Manelinho, a porta cores, o carão e a cirandeira bela. “O cordão de cirandeiros foi o primeiro item a ser criado, ou seja, era, então, preciso selecionar os brincantes nas escolas,ensinar e ensaiar. Então, ele se tornou uma peça principal para a apresentação. É ele que faz todo o desenvolvimento do tema, conduz a apresentação geral, que mostra tudo”, explica Wanderson Sounier, cirandeiro e coreógrafo. A dedicação de todos os envolvidos no Festival de Cirandas é intensa e longa. Os ensaios começam a aproximadamente oito meses antes da apresentação e duram cerca de quatro horas durante seis dias da semana, o que exige muita dedicação dos cirandeiros, especialmente dos integrantes do cordão. “A gente ensaia de janeiro até o penúltimo dia do mês de agosto. É muito desgastante porque são muitas músicas e coreografias. Temos que aprender todas as formações e as coreografias de todas as músicas que são passadas. Então, A CATRAIA

a gente se prepara fisicamente e psicologicamente, porque dançar duas horas e meia sem parar não é para qualquer um”, relata Wanderson. Magal Pinheiro expressa que a ciranda é a sua segunda família e que colocar a apresentação na arena do cirandódromo não tem preço. “É uma sensação muito boa, principalmente para a gente que é envolvido, acompanha o passo a passo da montagem de uma apresentação, do tema, do ensaio, do trabalho alegórico, do conjunto todo. Mais prazeroso ainda é a gente ver o nosso trabalho acontecer no dia do Festival”. “MINHA CIRANDA É A MELHOR” Nas rodas de conversa sobre ciranda não é raro declarar a frase: “Minha ciranda é a melhor!”. Essa afirmação é dita cheia de orgulho pelo torcedor, independente de qual seja a agremiação destino de seu amor. A rivalidade saudável se alimenta dos argumentos de cada um que se dedica demais para fazer valer essa Revista do PET de Comunicação da Ufam

declaração. Cada agremiação tem sua particularidade por mais que a ciranda seja a mesma. “Paixão verdadeira e sem limites! Isso define a Flor Matizada”, afirma categoricamente o diretor cultural da agremiação, Gaspar Fernandes. “A pioneira das cirandas de Manacapuru é retratada como a ciranda mais amada do Brasil. É um traço marcante da nossa realidade. Temos a Torcida mais apaixonada do Festival. Não importa o tempo, ela sempre estará lá marcando presença e entregando uma energia que invade a arena e contagia a apresentação. A Flor Matizada é uma ciranda movida à paixão incondicional! Isso nos diferencia das demais!”, completa. Magal Pinheiro aponta que a tradição é o que torna a sua ciranda diferente. “É a tradição a essência da ciranda, ou seja, a personagem que a Tradicional sempre leva consigo. São as coisas tradicionais mesmo; a raiz que diferencia a ciranda Tradicional da outras duas rivais, além do bailado que aqui é diferente”. Renato Teles credita às pessoas 67


O BAILADO DA PAIXÃO Fazer parte do cordão é um sonho de criança para os cirandeiros, como conta Franscisca Ricarda, ex-integrante do cordão da ciranda Flor Matizada:. “Desde que me entendo por gente sou (Flor) Matizada. Comecei no cordão aos seis anos de idade.” O cirandear é ensinado desde cedo, muitas vezes, passado de pais para filhos ou de irmãos mais velhos para os mais novos, no cordão de cirandeiros mirim, o que faz com que os brincantes tenham uma profunda conexão com a agremiação em que dançam, como relata Francisca: “Sempre tive o desejo de dançar na Flor Matizada. Nunca fiz parte de outra agremiação e nem tenho desejo. A Matizada me trouxe momentos incríveis que dinheiro nenhum é capaz de pagar. Fazer parte da maior manifestação cultural da minha cidade não tem preço.” Nenhuma agremiação tem um bailado igual ao da outra. Cada ciranda apresenta um tipo diferente na dança da ciranda. O bailado dos cirandeiros da Guerreiros Mura é mais compacto e completo, em que se utiliza mais a expressão. O bailado da Flor Matizada se desenvolve de forma mais delicada, fazendo com que os cirandeiros dancem com as pernas mais fechadas.

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Na Tradicional ele é mais frenético, conhecido por Bailado 360, em que o cirandeiro gira o corpo por completo enquanto dança. “A ciranda teve uma mudança em seu bailado, isso porque até 1999 usava-se o bailado corrido. Quando os cirandeiros bailavam eles saiam para um lado e para o outro. Já nos anos 2000, as cirandas mudaram o ritmo das músicas, em que começaram a usar coreografias mais dançadas e trocaram o bailado corrido pelo bailado parado, quando os cirandeiros bailam as pernas e as trançam em forma de X”, explica Sounier. Para Magal, o bailado em 360 dos cirandeiros da ciranda Tradicional é o que a torna diferente das rivais na arena. “Só os cirandeiros da Tradicional sabem fazer”, afirma. Em 23 anos de festival, a Guerreiros Mura é a maior campeã, com 12 títulos, seguida da Flor Matizada, com dez, e da Tradicional, atual campeã, com cinco. Em 2020, devido à pandemia causada pelo Covid-19, as agremiações não realizaram o Festival de Cirandas, mas para não deixar os torcedores e entusiastas saudosos, foi realizada “A live das Cirandas”, em que as agremiações se apresentaram, respeitando as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Renato Teles mostra-se otimista quanto ao futuro da ciranda ao expressar que “nós estamos retomando o crescimento da ciranda. A gente espera que assim que passe essa pandemia a gente cresça e se torne o maior festival folclórico do amazonas”.

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que compõem a Guerreiros Mura o diferencial da ciranda. “O que nos fez ser o que somos foi a equipe que tínhamos: pessoas empenhadas, honestas, que se dedicavam inteiramente à ciranda. Então, isso é uma parte importante para a gente.”

ITENS DA CIRANDA A ciranda amazônica, como ficou conhecida a dança de Tefé, introduziu no imaginário cirandeiro personagens que não existiam na dança europeia. Seu Manelinho, Constância, carão, Seu Honorato, caçador e Dona Benta são os Itens Tradicionais da ciranda e ligam-na à sua história, caracterizando-a como uma dança amazônica, sendo itens obrigatórios na apresentação. Outros itens importantes são: o Apresentador, que conduz a narrativa do tema- apresentação pela agremiação na arena; a Cirandeira-Bela, a cirandeira mais bonita do cordão, ligada à personagem Constância, cheia de encantos; e a Porta-Cores, que carrega o estandarte com as cores da agremiação. O Cordão de Entrada é um cordão de cirandeiros que faz a introdução da agremiação na arena do Parque do Ingá, apresentando o tema com um bailado cheio de coreografias. É diferente do Cordão Principal, que desenvolve o tema e permanece no cirandódromo durante toda a apresentação. A participação da torcida organizada é de fundamental importância durante a apresentação e ajuda no desenvolvimento do tema, tanto que a melhor torcida durante o festival ganha o troféu de “Melhor Galera”. PARQUE DO INGÁ Todo grande espetáculo precisa de um palco para brilhar. O palco oficial da ciranda de Manacapuru é o Complexo Cultural Parque do Ingá, construído em 1998 para abrigar o Festival.A estrutura tem capacidade para cerca de 20 mil pessoas e foi idealizado para abrigar a disputa das cirandas que ocorria na praça da cidade. No Cirandódromo cada agremiação tem seu espaço delimitado e nas noites de apresentação os torcedores não ocupam o espaço da rival. “nem cum nojo”, como diz o caboclo.

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BRINCANTES: cerca de 350 cirandeiros

CANTADOR DE CIRANDADAS: Ericson Mendonça.

FUNDAÇÃO: 1980.

APRESENTADOR: Ivan Oliveira.

PRESIDENTE: Vanessa Mendonça.

CONSTÂNCIA: Izaelle Mayse Noguchi (item especial, não concorre a notas).

CIRANDEIRA BELA: Camila Marques.

Os diferentes ritmos amazônicos

SÍMBOLO: Flor.

PORTA CORES: Fernanda Saboia.

TORCIDA: FAMA.

PRINCESA CIRANDEIRA: Giovanna Maddy.

CORES: Lilás e branco.

A REGIONALIDADE MUSICAL Por: ANA CAROLINA Leão

FICHA TÉCNICA - CIRANDA: Associação Folclórica dos Bairros – Tradicional BRINCANTES: entre 280 e 320 pessoas

Bruno Souza.

FUNDAÇÃO: 1985.

CONSTÂNCIA: Meire Matos (item especial, não concorre a notas).

PRESIDENTE: Magal Pinheiro.

APRESENTADOR: Fabiano Neves.

CIRANDEIRA BELA: Maylin Menezes.

SÍMBOLO: Coroa.

PORTA CORES: Vanessa Costa.

TORCIDA: TOT (Torcida Organizada da Tradicional)

PRINCESA CIRANDEIRA: Ana Petit.

CORES: Vermelho, dourado e branco.

CANTADOR DE CIRANDADAS: FICHA TÉCNICA - CIRANDA: Grupo Recreativo e Folclórico Guerreiros Mura BRINCANTES: cerca de 500 pessoas

CANTADOR DE CIRANDADAS: Gamaniel Pinheiro.

FUNDAÇÃO: 1993.

APRESENTADOR: Adauto Jr.

PRESIDENTE: Renato Teles.

CONSTÂNCIA: Eduarda Telles (item especial, não concorre a notas).

CIRANDEIRA BELA: Jessica Alencar.

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PORTA CORES: Sabrina Salles.

SÍMBOLO: Cocar indígena.

PRINCESA CIRANDEIRA: Paula Araújo.

CORES: Vermelho, Azul e Branco

TORCIDA: Nação Guerreirense

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FICHA TÉCNICA - CIRANDA: Grêmio Recreativo Folclórico Ciranda Flor Matizada


A região Amazônica, por estar situada no Norte do país, local de habitat indígena, com etnias variadas, recebe influência cultural, hábitos e tradições desses povos, que fazem parte até hoje do cotidiano dos nortistas. A música regional possui como características o uso de instrumentos originais indígenas e de uma linguagem típica dos habitantes desta Região.

MÚSICA DE BEIRADÃO Beiradão é como são conhecidas as áreas de barranco na beira dos rios, localizadas no interior da Amazônia. O termo música de beiradão ficou muito conhecido por meio de radialistas, que na década de 1980 anunciavam as festas que iriam acontecer em determinada margem do rio. As músicas tocadas eram canções populares brasileiras com um toque da regionalidade amazônica, utilizando-se para isso instrumentos musicais como saxofone, guitarra ou acordeão. O principal objetivoda música de beiradão é ser um estilo para ser dançado, conhecido como música de festa, fazendo as pessoas levantarem das suas cadeiras e dançarem pelo salão no decorrer da noite, ou do dia mesmo. Essas festas eram anuais, esperadas durante o decorrer do ano pelas comunidades. Os músicos eram levados

Instrumentistas reunidos para tocar uma música do beiradão.

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Imagem: Portal do Holanda

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Brasil possui uma grande diversidade em todos os seus aspectos, e o cultural não seria diferente. A música brasileira tem sua singularidade em cada canto do país, apresentando uma variedade de ritmos e danças por região. O samba é o estilo musical mais popular da nação brasileira, conhecido por estrangeiros como um dos estilos de música que mais define o país, porém, existe uma grande quantidade de ritmos além dele.

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de Manaus, que já chegavam tocando e animando a comunidade do beiradão, que soltava fogos de artifício e parava para recebê-los. Os ritmos tocados nas comemorações iam desde o carimbó, passando pelo brega e pelas músicas de Teixeira de Manaus, os clássicos sons da região Norte, até chegar ao tradicional samba e pagode, ritmos conhecidos em todo Brasil. No documentário "A Poética dos Beiradões", produzido por Cauxi Produções, pode-se conhecer um pouco mais sobre os Beiradões, por meio de relatos e entrevistas dos músicos que participaram deste movimento. Esse documentário mostra a produção fonográfica desses compositores amazonenses ao longo das beiradas do rio Amazonas, onde instituíram um saber musical em experimentações e troca de saberes culturais. Além deles, participaram também espectadores do show, que expuseram os conhecimentos que adquiriram com a experiência vivida no ápice do movimento. CARIMBÓ O carimbó é um ritmo musical que vem da Ilha do Marajó, localizada na região do Baixo Amazonas, no estado do Pará. Vicente Salles (1969) diz que a Revista do PET de Comunicação da Ufam

referência mais antiga sobre o carimbó possivelmente consta na obra de Vicente Chermont de Miranda, intitulada Glossário Paraense. “CARIMBÓ. s.m. – Atabaque, tambor, provavelmente de origem africana. É feito de um tronco, internamente escavado, de cerca de um metro de comprimento e de 30 centímetros de diâmetro; sobre uma das aberturas se aplica um couro descabelado de veado, bem entesado. Senta-se o tocador sobre o tronco, e bate em cadência com um ritmo especial, tendo por baquetas as próprias mãos. Usa-se o carimbó na dança denominada batuque, importada da África pelos negros cativos”. (Miranda, 1968:20). Assim, o nome origina o ritmo, que se refere ao instrumento. Ele tem origem da junção entre as culturas indígena, africana e ibérica. São poucos os registros históricos existentes sobre a formação dessa manifestação e sua trajetória. Salles e Salles (1969) agrupam as referências bibliográficas ao carimbó, referido como samba de roda do Marajó, baião típico de Marajó ou dança popular muito divulgada na ilha de Marajó. Os carimbozeiros são conhecidos por terem múltiplas funções dentro na manifestação cultural: podem ser compositores, instrumentistas, dançarinos e cantadores. 73


C Grupo de pessoas dançando o ritmo tradicional do carimbó.

O carimbó tradicional, ou carimbó de raiz, é produzido principalmente pela população dos interiores do Estado, que vivem mais distante da lógica comercial. Já o carimbó urbano “resultou do processo de popularização do carimbó na capital paraense a partir da década de 1970, em um contexto de modernização estética e difusão do seu ritmo através dos meios de comunicação de massa regionais”, expõe Guerreiro do Amaral, em 2003. É importante lembrar que o processo de modernização do ritmo significou a sua introdução em uma lógica de

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competitividade, ganância e lucro, tornando assim o carimbó popular por todo Brasil, sendo assim um dos maiores representantes da identidade cultural do Pará.

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Imagem: Alessandra Serrão/Comus

O dever do tuxaua Por: GABRIELLE Peixote

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ara promover o pleno acesso à cultura existem diversos projetos, editais, prêmios, convênios, bolsas, intercâmbios culturais e isenções fiscais criados pelo governo. Dentre esses, é possível destacar o Programa Nacional de Apoio à Cultura (PRONAC), implementado pela Lei Rouanet (Lei 8.313, de 1991), cujo objetivo é o de captar e direcionar recursos para o setor cultural. O Pronac auxilia no livre acesso às fontes da cultura, bem como estimula a produção e a difusão da cultura e de bens culturais de valor universal, formadores e informadores de conhecimento, cultura e memória.

A música quando tocada pode ser dançada em roda ou em pares, no carimbó urbano, quando apresentado possui coreografias e figurinos específicos. Já no carimbó raiz, normalmente quem dança é o público que assiste, e não possui coreografias e figurinos específicos, embora a saia seja algo comum.

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interior do estado do Amazonas e para a valorização da cultura local. CONHEÇA OUTROS FESTIVAIS DE ARTE E CULTURA DO AMAZONAS No Amazonas o ano inteiro é marcado por festivais culturais, como o Carnaval, o Festival de Ópera, o Festival de Cirandas, o Festival Internacional do Jazz e o BoiBumbá de Parintins, que proporcionam a preservação da cultura local por meio de representações artísticas que exaltam valores, crenças e costumes amazonenses, tanto da capital quanto do interior, sob a influência e ascaracterísticas do povo local.

Lei de Incentivo

Para participar da Lei do Incentivo do Pronac é preciso submeter o projeto de uma ideia à análise da Secretaria Especial da Cultura do Ministério da Cidadania (SECULT), ou seja, é necessário ser um produtor cultural, artista ou instituição, como um museu ou teatro, que planeja fazer um evento cultural, um festival, uma exposição, uma feira de livros, entre outros. Para tornar a sua ideia mais atrativa para patrocinadores, um produtor cultural, por exemplo, pode submetê-la à análise da SECULT, receber a chancela da Lei de Incentivo à Cultura e captar recursos junto a apoiadores (pessoas físicas e empresas), oferecendo a eles a oportunidade de deduzir o valor do apoio do Imposto de Renda. O Festival de Parintins, por exemplo, está amparado por tal lei de incentivo, assim podendo receber até R$ 6 milhões de reais em apoio. Além de tal amparo, este festival recebe patrocínio de empresas como a Coca-Cola, o que contribui, principalmente, para o desenvolvimento socioeconômico do 76

CARNAVAL O Governo do Estado, em parceria com os órgãos públicos estaduais, municipais e privados, organiza a programação do carnaval, que envolve os concursos de fantasias adulto e infantil, o bailinho de carnaval, o shopping do Turuti, o apoio às Bandas carnavalescas, o carnaval dos municípios, o Carnaboi, com as toadas dos bumbás Garantido e Caprichoso e o desfile das escolas de samba do grupo de acesso C,B, A e as do grupo Especial que são atualmente: Primos da Ilha, Andanças de Ciganos, Vitória Régia, Vila da Barra, Reino Unido da Liberdade, Unidos do Alvorada, A Grande Família e Mocidade Independente Aparecida. FESTIVAL AMAZONAS DE ÓPERA O Festival Amazonas de Ópera (FAO), criado em 1997, tornou-se um evento de destaque nacional e internacional por conta da qualidade técnica de suas vozes, sons, figurinos e cenografias. Contribui para consolidar o Programa de Música Erudita e Artes do Amazonas, incluindo o Estado no circuito dos espetáculos líricos. A programação do FAO envolve os A CATRAIA

Teatros, os Centros Culturais, os Centros de Convivência e as Praças Públicas, na capital e no interior do Estado. Em 2020, ocorreu uma edição especial do FAO, por conta da pandemia do Covid-19 inteiramente online,com óperas, concertos, recitais, master classes, mesasredondas e vídeos educacionais com compositores e intérpretes brasileiros. Acesse os destaques do Festival no sitehttp://fao.teatroamazonas.com. br/#home. FESTIVAL AMAZONAS DE DANÇA O Festival Amazonas de Dança é uma parceria do Governo do Amazonas com a Associação de Profissionais de Dança do Amazonas (APRODAM). A finalidade do festival é contemplar as diferentes leituras da dança contemporânea, valorizando as atividades que exibem a autenticidade da expressão dos artistas da capital e do interior do estado. Em 2019, o festival apresentou a sua nona edição e estreou o Balé Jovem Cláudio Santoro, sendo que a apresentação “Carnaval dos Animais”, da coreógrafa Adriana Góes, foi destaque na programação, juntamente com o espetáculo “Mithus”, baseado na obra literáriaShe, de Roberts A. Johnson. FESTIVAL DE JAZZ O Festival Amazonas de Jazz apresenta, desde 2006, manifestações de jazz contemporâneo, com composições brasileiras, americanas e caribenhas. O objetivo do festival é incluir a capital no roteiro dos grandes festivais internacionais do gênero. Alguns destaques do festival, ao longo de 14 anos, foram a Spock Frevo Orquestra, o Rei do Mambo, o Eddie Palmierio, os compositores Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti, Gonzalo Rubalcaba, Naná Vasconcelos, Paquito d’Rivera, Louis Hayes e a artista Revista do PET de Comunicação da Ufam

amazonense Karine Aguiar.Veja mais sobre o Festival Amazonense de Jazz em https:// www.festivalamazonasjazz.com.br/ FESTIVAL AMAZONAS DE MÚSICA Em uma parceria do Governo do Amazonas e o Fórum Permanente da Música no Amazonas, o Festival Amazonas de Música, criado em 2010, objetiva difundir a música brasileira produzida no Estado e evidenciar o artista amazonense. A programação do festival inclui oficinas, workshops, shows musicais, momento de homenagens e mostras competitivas com premiação para a melhor música, 10, 20, e 30 lugares, melhor intérprete, melhor letra e voto popular. Em 2020, a décima edição do festival ocorreu de forma online por conta da pandemia do Covid-19 e contou com a participação de artistas do Estado e de todo o Brasil. FESTIVAL DE TEATRO DA AMAZÔNIA Compilando espetáculos adultos e infantis, o festival criado em 2006 é realizado pela Federação de Teatro do Amazonas (Fetam) e tem apoio do Governo do Amazonas, por meio da Secretaria de Estado de Cultura (SEC). A programação inclui mostras competitivas, seminários, oficinas e convivências. A 140 edição do festival ocorreu esse ano em outubro e seguiu com a missão de valorizar e difundir as produções teatrais locais e nacionais, com foco no intercâmbio, atividades pedagógicas, encontros setoriais, debates e lançamentos de livros. Como o governo auxiliou os movimentos culturais no período de pandemia? Em face à pandemia do Covid-19, eventos culturais foram suspensos e, por conseguinte, artistas e colaboradores da área ficaram com a maioria de suas 77

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No esquema a seguir é possível compreender os mecanismos ativos do Pronac, o Incentivo Fiscal e o Fundo Nacional da Cultura (FNC):


O crédito emergencial é direcionado para os estados, os municípios e o Distrito Federal, destinados à manutenção de espaços culturais eao pagamento de três parcelas de uma renda emergencial a trabalhadores do setor que tiveram suas atividades interrompidas. CRITÉRIOS PARA O RECEBIMENTO DO BENEFÍCIO Conforme a Lei Aldir Blanc, entendese como trabalhador e trabalhadora da cultura as pessoas que participam da cadeia produtiva dos segmentos artísticos e culturais, “incluídos artistas, contadores de histórias, produtores, técnicos, curadores, oficineiros e professores de escolas de arte e capoeira”. Assim, para ter direito ao benefício, o profissional do setor artístico terá de comprovar atuação na área nos últimos 24 meses; e não poderá ter emprego formal. Outra exigência é não ser titular de benefício previdenciário ou assistencial e nem estar recebendo seguro-desemprego ou qualquer renda de programa de transferência de renda federal, com exceção do Bolsa Família. Além disso, é preciso comprovar renda familiar mensal per capita de até meio salário-mínimo ou renda familiar mensal total de até três salários-mínimos, o que for maior.

AMAZONAS E A LEI ALDIR BLANC A Lei Aldir Blanc é uma homenagem ao escritor e compositor carioca de mesmo nome, falecido em maio de 2020, em decorrência de complicações causadas pelo Covid-19. A produtora cultural Mariah Brandt, membro da equipe de fiscalização da aplicação da lei, conta que o Governo do Estado tem direito a R$ 38.145.611,98 do repasse e a Secretaria de Estado de Cultura do Amazonas (SEC) é a responsável pela distribuição desse valor. “A SEC recebeu o dinheiro e dividiu entre ela, os municípios e a Fundação Municipal de Turismo, Cultura e EventosManauscult. Por parte da SEC, o dinheiro irá para o auxílio emergencial, pago em três parcelas de r$600,00 para os trabalhadores da área de cultura, um edital premiado e para os centros culturais da cidade”. Mariah ressalta que todas as frentes da Lei Aldir Blanc funcionam em caráter emergencial no Amazonas. Dessa forma, é aconselhado que apenas as pessoas que realmente tenham a necessidade solicitem o auxílio benefício. Na região Norte, bem como em todo o Brasil, as manifestações culturais são um importante meio de compreender a cultura de um povo, sendo uma herança herdada em família e em sociedade. A cultura reflete a forma como as pessoas observam o mundo, suas crenças, seus hábitos e seus costumes, por isso é um significativo fator de transformação social. Cabe ao governo, em suas três esferas, federal, estadual e municipal, tal qual o cacique de uma aldeia, administrar, organizar e promover cultura à população, de forma justa e representativa para todos os povos que habitam essa nação.

Para ter direito ao benefício, a pessoa não pode ter recebido, no ano de 2018, rendimentos tributáveis acima de R$ 28.559,70; e nem ser beneficiário do auxílio emergencial pago pelo Governo Federal. 78

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atividades remuneradas suspensas. Tendo em vista tal problemática, em junho de 2020, o decreto de Lei Aldir Blanc, que destina 3 Bilhões de crédito emergencial para o setor da cultura, foi aprovado pelo Senado e após dois meses regulamentado pelo Governo Federal.

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ultura popular é entendida como a manifestação de elementos e tradições culturais transmitidos por meio da linguagem oral em um determinado local, o que engloba o folclore, o artesanato, as danças, as festas e as diversas manifestações artísticas. É definida como democrática, já que não se restringe a círculos acadêmicos e dinâmica, pois o criador é também o próprio consumidor.

Revista do PET de Comunicação da Ufam

r a l op pu do Norte Por: NEN

DRA S ued

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A FOLCLORIDADE DO NORTE Na região Norte do Brasil, a cultura popular é fruto da grande miscigenação que se faz presente nos estados do Acre, Amazonas, Amapá, Roraima, Pará, Rondônia e Tocantins. O povo nortista possui raízes indígenas e africanas fortes, além de descendência portuguesa e de migrantes de outras regiões do país. O folclore do Norte gira em torno das

lendas amazônicas e das tradições culturais passadas de geração em geração, caracterizando uma verdadeira herança cultural incomparável. Há uma grande diversidade de danças e rituais que geralmente são apresentados em festas regionais, como no Festival de Parintins, no Amazonas,e na Congada, em Tocantins. Música e dança são as manifestações que mais se destacam no Norte. Coreografias de forte presença acompanhadas de ritmos singulares e figurinos detalhados fazem da dança um verdadeiro espetáculo. DANÇAS TÍPICAS DAS BANDAS DE CÁ Entre as danças típicas da Região, estão o carimbó, a toada, a marujada, o marabaixo, o parixara e a sússia, que receberam influências de outros povos.

TOADA Toada, um estilo de dança originado no Amazonas, é fortemente disseminado pelo Festival de Parintins. Por ter fortes elementos indígenas, as coreografias são precisas, envolvendo uma certa técnica e a coordenação dos dançarinos. É geralmente dançada em grupo e não apenas a sincronia é evidenciada, mas também a entrega do corpo à música para que os passos remetam aos rituais realizados pelos povos nativos da região e às lendas, muitas vezes retratadas nas canções. As roupas podem ser simples, com camisas

Detalhes da vestimenta de Carimbó feminina.

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CARIMBÓ O carimbó, dança típica do nordeste do Pará, foi trazido para o Brasil pelos escravos africanos e incorporado às tradições locais, com influências indígenas e europeias. Mas também é dançado nos outros recantos do Norte, como na cidade de Maués. O termo origina do tupi curimbó e resulta da junção de curi, que significa “pau”, e mbó, traduzido como “furado”. Curimbó é uma espécie de tambor feito com o tronco oco de uma árvore, sendo o principal instrumento musical usado nesse ritmo. Os trajes se destacam bastante. As mulheres usam saias coloridas, rodadas e volumosas, o que dá um efeito visual interessante à coreografia. Além disso, utilizam colares e braceletes e flores nos cabelos. Os homens, geralmente, usam apenas uma calça simples e chapéu de palha, o que remete aos trabalhadores regionais.

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estampadas com os bois bumbás e shorts brancos ou com trajes típicos, dependendo da apresentação, mas sempre mantendo a utilização de adereços indígenas. MARUJADA Marujada é uma das danças típicas acreanas. Chegou ao Brasil por meio dos portugueses, durante o processo de colonização. Em terras brasileiras, passou por modificações e adaptações culturais que a tornam bem diferente do fandango, como é chamada em Portugal. A dança retrata as descobertas marítimas e a vida dos marinheiros em alto mar. Como manifestação cultural, ela retrata a dolorosa viagem dos marujos nos navios negreiros, fazendo um resgaste da situação dos africanos escravizados durante a travessia no oceano Atlântico. Em solo brasileiro eles não poderiam pregar a sua religião, ficando sujeitos à dominação da religião católica, encontrando na dança um modo de preservarem a sua história. MARABAIXO O Marabaixo, patrimônio cultural do estado do Amapá, é uma manifestação artística de influência africana. Os passos representam os negros escravizados arrastando correntes e bolas de ferro, simbolizando o sofrimento e a dor da escravidão. A origem do nome possui várias versões e a mais conhecida conta que os negros escravizados costumavam cantar “mar acima, mar abaixo”, durante a viagem pelo Atlântico.

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SAIA RODADA

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O FOLCLORE Na grafia original, folkore – folk (povo), lore (conhecimento, saber) – foi um termo criado em 1846 pelo escritor britânico William John Thoms para substituir o que na época era chamado de antiguidades populares e literatura popular, assim passando a definir o saber tradicional preservado pela transmissão oral entre camponeses(CATENACCI, 2001, p.).


Saias de cores vivas e estampadas são usadas pelas mulheres, que carregam uma toalha no pescoço para enxugar o suor, o que acaba se tornando parte do traje típico. PARIXARA A dança parixara, do estado de Roraima, reúne elementos musicais e corporais como forma de agradecimento à natureza. Faz parte de um ritual indígena que cultua a colheita e a caça. Os trajes são saias de palha para as mulheres e homens, cocares coloridos feitos com penas e enfeites artesanais no corpo pintado.

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SÚSSIA Sússia, suça ou súçia, é uma dança típica do estado de Tocantins que remete às comunidades quilombolas. Era praticada nas horas de descanso e se caracteriza por uma espécie de bailado em que homens e mulheres dançam em círculos. As roupas da dança são geralmente brancas, mulheres de saia rodada e os homens de calça comprida e camisa. Os dançarinos se movem alternando movimentos rápidos e lentos, de fora para dentro da roda.

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Ama z ô n ia e stra n g e ir a : o legado de empresas internacionais em solo amazônico Por: CAMILA Barbosa

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Amazônia, pela sua grandiosidade, tem os olhos do mundo voltados para si desde que os exploradores chegaram aqui no século XVI, em busca de ouro e outras riquezas minerais. Diante da sua imensidão desconhecida, os estrangeiros foram criando múltiplas visões sobre a região: o paraíso perdido, o inferno verde, uma fonte de riqueza inesgotável que precisava de homens de visão e coragem para explorar seu potencial ou um lugar selvagem a ser temido.

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Dançarinos de Carimbó na Ponta da Maresia, em Maués


Vista como uma região que precisa ser integrada ao resto do país e do mundo,

a Amazônia sofre com os impactos da exploração legal e ilegal, desordenada e incentivada pelo governo nacional, por meio de incentivos fiscais. A lenda do Eldorado, que motivou inúmeras expedições de europeus, alimentando a fantasia e o sonho deles em relação à região, era protagonizada por uma cidade perdidano meio da floresta, construída com ouro puro. Essa promessa de riqueza ilimitada, foi o que motivou o enfrentamento da Região apesar de todo o temor do desconhecido. Embora a cidade perdida feita de ouro nunca tenha sido encontrada, a promessa de grandes fortunas e lucros que atraem pessoas e empresas de todo o país e do mundo

para a Região se mantiveram. Os eldorados modernos que enchem os olhos de empresários e aventureiros são o Polo Industrial de Manaus (PIM), a mineração e o extrativismo de espécies vegetais raras. A criação da Fordlância No período da borracha, iniciou-se a exploração intensa das riquezas naturais amazônicas por empresas internacionais. Henry Ford idealizou a cidade conhecida como Fordlândia, localizada no Pará, em uma área comprada pelo empresário norteamericano, em 1927, quase do tamanho do estado de Sergipe, sendo

ainda hoje um dos grandes exemplos da atuação de empresas internacionais na Amazônia nos séculos anteriores. Implantada durante o período da borracha, a cidade foi feita de acordo como o modo de vida americano para trabalhadores ribeirinhos e nordestinos que extraiam borracha. Era dotada de calçamento, iluminação elétrica, hidrantes, escola e posto de saúde. Comandada como uma cidade estadunidense, ela não tinha nenhuma ligação com a região em que fora implantada, a não ser os lavradores e a borracha, motivo de sua existência. Da comida às leis, Fordlândia era uma cidade americana em solo brasileiro. Quando desativada pela Ford, insatisfeita com o baixo lucro da cidade e inúmeros problemas, os ribeirinhos ficaram com o ônus do empreendimento, largados a própria sorte sem nenhum tipo assistência. Fordlândia, hoje considerada uma cidade fantasma, apesar de abrigar cerca de 16 mil moradores, é um exemplo de como a Amazônia e seu povo é vista por estrangeiros e suas empresas: uma fonte de lucro que deve ser explorada sem respeitar suas particularidades, costumes e hábitos, onde não há lei e o mais forte é quem manda. A internacionalização da Amazônia A pesquisadora e professora da Universidade do Pará, Violeta Loureiro, em artigo publicado, defende que “a Amazônia foi sempre mais rentável e, por isso, mais útil economicamente à Metrópole no passado e hoje à Federação, do que elas o tem sido para a região”.

Garimpo em Terra Indígena Yanomami em Rorraima. (Foto de Chico Batata/Greenpeace/2019).

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olonizada por causa da sua possível oferta de minerais e riquezas intermináveis, a região Amazônica, desde então, sofre influência da atuação de empreendimentos internacionais sobre si, seja na forma de expedições de oficiais de países europeus, empreendimentos de aventureiros em busca da sorte ou da atuação de conglomerados empresariais multinacionais. Ao longo de sua história as marcas deixadas por empresas internacionais não são poucas e são bastantes visíveis no meio ambiente, especialmente.


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A professora Violeta argumenta ainda que a região “tem sido, permanentemente, um lugar de exploração, abuso e extração de riquezas em favor de outras regiões e outros povos. Mesmo nos últimos trinta anos, quando grandes investimentos foram feitos em infraestrutura, estes visaram possibilitar a exploração de riquezas em favor da Federação”. Não importa quanto de lucro a Amazônia produza, o que fica aqui é quase nada comparado ao que sai. A internacionalização da Amazônia é citada recorrentemente na mídia e por políticos como uma ameaça à soberania nacional na Região por governos de outros países. Porém, a Amazônia já é internacionalizada há muito tempo, talvez seja desde que os indígenas deixaram de ser os únicos que navegam em seus rios. Para constatar, as empresas que mais obtém lucros provindos da Amazônia são estrangeiras. Outra marca recorrente nas cidades e vilas amazônicas é a poluição causada por empresas de exploração de minérios, em sua maioria multinacionais. Violando completamente leis, meio ambiente, povo, características regionais etc., grandes conglomerados estrangeiros exploram minérios como ouro, bauxita e manganês do solo amazônico de forma predatória. Causam poluição nos rios com produtos tóxicos, promovem o desmatamento, mudam totalmente a vida de ribeirinhos e indígenas que dependem da natureza para seus sustentos. Quando essas empresas terminam de explorar uma região, abandonam uma montanha de problemas e levam algumas outras de lucro. Os rios, sinônimos de vida, na Amazônia, carregam quantidades alarmantes 86

Mineração Carajás (Foto: Daniel Beltra/Greenpeace).

de metais pesados prejudiciais à saúde devido à política predatória de extração de minérios, como o mercúrio encontrado em níveis acima do permitido em vários rios do estado do Pará e de outros estados do Norte, resultado do descaso de inúmeros crimes ambientais. Porém, por mais que investimentos nas cidades em que essas empresas se instalam sejam previstos nos projetos de implantação, na realidade não são feitos ou são de forma insuficiente. O PIM, que abriga cerca de 600 empresas, sendo a maioria delas multinacionais, apesar da importância econômica para Manaus A CATRAIA

não trouxe toda a infraestrutura e todo o desenvolvimento imaginado para a cidade. Tornou-a dependente dele somente. Qual o legado deixado por essas empresas a longo a prazo? Que Manaus ficará pós PIM? Quando as jazidas de minérios se esgotarem, que Amazônia teremos? São questões que podem parecer absurdas, mas que precisam ser ponderadas, pois, hoje legados benéficos das multinacionais atuantes na Amazônia que poderão ficar são poucos e difíceis de serem apontados.

a economia de Manaus, maior metrópole da região Norte, sem o PIM e o milhares de empregos que ela gera. No entanto, desde muito tempo a riqueza produzida na Amazônia é principalmente para exportação, ficando muito pouco ou quase nada. Aquilo que fica é praticamente inacessível para a maioria da população. A Amazônia sofre para gerar riqueza. Mas para quem é produzida essa riqueza arrancada da floresta? Para os amazônidas, certamente não é.

A presença de empresas estrangeiras na Amazônia traz benefícios e desenvolvimento, sendo difícil imaginar Revista do PET de Comunicação da Ufam

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