Revista 'Catraieiros' - Ed. 03

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CATRAIEIROS PENSAR A AMAZÔNIA

REVISTA DO PET DE COMUNICAÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS DEZ 2021, ANO 3, 30 EDIÇÃO

COMÉRCIO NA AMAZÔNIA

Na labuta do dia a dia, estão os amazônidas com a esperança de um futuro melhor Revista do PET de Comunicação da Ufam

Fotografia: Nendra Sued

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Mazoniel ''Maza'' de Almeida, de 33 anos, é carregador de mercadorias da zona portuárias desde 2014. Nascido em Ananindeua, no interior do Pará, veio para a cidade de Manaus com apenas 12 anos de idade. Já na capital amazonense, decidiu largar os estudos logo cedo: trabalhou com pescado e, posteriormente, no Distrito Industrial. Na Feira da MM (Manaus Moderna) trabalha carregando hortaliças e peixes. ''Carrego de tudo. Tudo mesmo. Só não carrego gente porque não dá''.

A revista Catraieiros é uma publicação do Programa de Educação Tutorial – Comunicação Social (PETCom) da Universidade Federal do Amazonas

REDATORES: Beatriz Farias Caio Profiro Erika Rodrigues Fernando Lopes João Vitor Karlos Sena Nendra Sued Rayane Garcia Richard Meireles Victor Zidane

EDITORES: Erika Rodrigues João Vitor Nendra Sued

TUTORA: Professora Célia Carvalho REVISÃO DOS TEXTOS: Professora Célia Carvalho Professora Aline Lira REVISÃO GERAL: Professora Célia Carvalho

EDITOR GRÁFICO: Greice Vaz

PERIODICIDADE: Anual

Fotografia: Caio Porfiro

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Catraieiros

Revista do PET de Comunicação da Ufam

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s s e O õ t a g re Po

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egatão é um termo regional utilizado para nomear os comerciantes que vendem (verbo regatear, penchicar) produtos e mercadorias em um barco. Navegando pelas águas amazônicas, chegam em vários municípios e lugares para comercializar, seja castanha, farinha, arroz, feijão, mandioca, pão, dentre outros produtos. A troca é inerente ao ser humano e foi o que permitiu a humanidade chegar até os dias atuais. O comércio veio da troca. A oferta e a procura por mercadorias ou serviços são que permitem a existência do comércio. Com isso, o editorial intitulado “Os regatões” é um conceito que traduz o surgimento,

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a evolução e as variadas comercializações nos rios do Brasil, em especial da Amazônia. Sendo a Região Amazônica rica e berço de diversidades culturais e biológicas, o social e o cultural fundem-se ao econômico e, assim, geram renda das mais variadas formas para uma boa parcela de habitantes, muitas das vezes, sendo o “ganha-pão” de uma família. A economia da Região gira, principalmente, em torno do turismo, o que inclui festas regionais e festividades religiosas, uso de propriedades farmacêuticas de plantas, viagens intermunicipais, pontos comerciais, venda de produtos regionais, pesca e o comércio indígena.

Com uma cultura reconhecida em todo o país, o Amazonas apresenta diversos produtos que podem ser comercializados no Estado, em que muitos são trazidos por ribeirinhos para a capital Manaus, um dos principais pontos de vendas. Morando à beira do rio, esse pessoal pesca e colhe tanto para consumo próprio quanto para a comercialização; histórias do cotidiano quando estão atravessando os grandes rios é o que não falta. Manifestações culturais é outra característica do comércio no Norte, atraindo olhares de diversos estados, tendo como exemplos dessas festanças as comemorações realizadas em Santo Antônio de Revista do PET de Comunicação da Ufam

Borba, em homenagem ao santo padroeiro da cidade, e em Parintins, com os festejos para a Nossa Senhora do Carmo. Dessa forma, a 3ª. edição da revista Catraieiros navega pelas mãos dos leitores, oferecendo novos olhares e novas experiências observadas nas mais diversas formas de comércio existentes na Região. P.S. A revista trocou de nome, mas de nenhuma forma ela perdeu a sua essência. De “A Catraia” para “Catraeiros”, buscou-se nessa mudança privilegiar o ser humano, dando significância a quem transporta histórias e vidas em suas embarcações.

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Editorial

Editorial

Fotografia: Erika Rodrigues


08 DE ROCHA

A resistência do regatão na Amazônia tradicional

13 BUTIQUE AMAZÔNICA

Ampafoz intensifica o comércio regional O comércio eletrônico na Amazônia

20 BUIADO

As casas dos rios como forma de comércio Plantas medicinais: das antigas civilizações para o comércio local

“Da onde eu vim, pra onde eu vou”

50 Igarité no mundo

Matança indiscriminada do comércio de pele é antiga Os brilhantes das águas de Barcelos

58 Imaginário Amazônico

Fiado Só Amanhã (Re)Interpretando a prática do escambo

64 Além da fronteira

A importância do pescado para a economia Produzido no polo cultural do Amazonas: Made in Yandé

O comércio na Tríplice Fronteira: Brasil, Colômbia e Peru Turistando no coração da Amazônia As jóias mais belas feitas no Amazonas

34 Divina Demanda

77 Pechincha

28 Babita

Do sagrado ao profano: festejos de Nossa Senhora do Carmo e Santo Antônio de Borba movimentam a economia local Casas de umbanda e as lojas de artefatos religiosos O dom de benzer

Fotografia: Gleilson Medins

48 Cabôco Navegante

Comércio ambulante praticado nos rios

Fotografia: Nendra Sued


A resistência

do regatão na

Amazônia

tradicional Por: Caio Profiro

Na "idade das trevas", eles já batiam a aldrava da porta de seus fregueses, sempre oferecendo alimentos do dia a dia, como leguminosas, carnes e peixes frescos. Comerciantes astutos, compravam diretamente do 8

produtor rural por um preço menor e vendiam bem mais caro para os moradores dos centros urbanos da época — eles são os comerciantes camaleônicos presentes em boa parte da história humana recente — os regatões. Catraieiros

Tendo em vista a complexidade do assunto, a revista Catraieiros convidou o Professor Emérito, ex-reitor da UFAM e ex-tutor do PET Comunicação Social, o docente aposentado Walmir de Albuquerque Barbosa, para elucidar as dúvidas que se criaram em torno da figura do regatão. O professor Walmir, que também é jornalista, realizou na USP, na década de 1980, sua dissertação de mestrado centralizada na prática do regateio. Nesta entrevista concedida à Catraieiros, ele relata a importância dessa figura histórica que é o regatão. Revista do PET de Comunicação da Ufam

Catraieiros: Em que momento surgiu esse interesse pelos regatões? Professor Walmir Barbosa: Sempre me fascinou muito a história do Amazonas, sobretudo a história que não é contada, isto é: aquilo que está à margem da história, aquilo que está fora dessa história oficial ou oficiosa. Quando fui para a ECA, na USP, que é a Escola de Comunicação e Artes, tive que elaborar um projeto. Primeiro, se fosse classificado faria as demais provas para a seleção. Então, eu pensei em várias coisas que poderia realizar. Aí encontrei o regatão. Uma atividade que era, de certo modo, inovadora, porque ele ao mesmo tempo que construía essa rede, esse processo de comunicação, promovia a troca econômica e o próprio desenvolvimento regional. Então, é esse o arcabouço, essa ideia inicial, que fundamentou o meu projeto, isto é: o regatão como um elemento de comunicação entre duas civilizações, de dois processos civilizatórios diferenciados: aquele urbano, calcado no desenvolvimento econômico capitalista, e um tradicional, que está no interior isolado e que só tem contato com esse elemento que faz essa ligação entre um polo e outro, no caso, o regatão. Catraieiros: A “aristocracia” local prestigiava a figura dos regatões? Como se davam essas relações? Professor Walmir: Aí entra a história: apesar de ele ter todo esse 9

De Rocha

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Ilustração de Percy Lau dos regatões amazônicos

Do medievo à era dos descobrimentos, os regatões foram responsáveis pela integralização de pequenos grupos a insumos substanciais para a vida humana, principalmente recursos pouco existentes em lugares distantes da efervescência urbana europeia. E isso, de certa forma, não foi diferente nas terras ao norte da América do Sul, especialmente na Amazônia brasileira, que mesmo com a resistência dos comerciantes abastados, continuaram resilientes em seus propósitos. E isso se deve, em parte, ao fascínio que o regateio proporcionava aos compradores, cujas prateleiras dos batelões (embarcação comum na região amazônica usada pelos regatões) encantava os clientes, por comumente trazerem as novidades tecnológicas da época, como rádios, armas, munições, açúcar, sabão, perfumes, batons e guloseimas.


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papel, era rejeitado, isso porque entrava em confronto com a matriz econômica de exploração do trabalho vigorante na Amazônia, que era o sistema de barracão. Era o sistema de extrativismo ligado a um patrão, a um coronel de barranco, a um dono de seringal, que via no regatão um concorrente, já que ele penetrava na área onde ele mandava, negociava com aquelas famílias, que, de um certo modo, o ‘dono’ daquela região queria ter como clientela. Então, ele era mal visto na sociedade, pois os grandes proprietários constituíam a elite da região, por isso o enxergavam como um adversário dentro dessa estrutura política. Catraieiros: Como funcionava o comércio dos regatões? 10

Professor Walmir: O sistema de comércio que ele fazia não era de compra e venda. Era de troca, escambo, isto é: ele subsidiava a semente, como a juta ou a malva, onde ele levava os insumos para a pessoa produzir, e quando ela tinha a produção, fazia a entrega e realizava-se um acerto de contas. Esse acerto de contas, evidentemente, não era em dinheiro, ou seja, a pessoa recebia em mercadorias o que o regatão trazia de inovação, tecnologias etc. Catraieiros: Como o poder público enxergava os regatões? Professor Walmir: Eu tive esse mesmo insight que você coloca aí. Por que uma pessoa mal vista, que enfrentava uma série de obstáculos Catraieiros

Catraieiros: O senhor teve conhecimento de algum regatão que ascendeu comercialmente? Que passou a pertencer à ‘elite amazonense’? Professor Walmir: Quase todos os jotas: J. Ferragem, J.G. Araújo. O J.G. Araújo foi regatão no começo, por mais que não gostasse dessa associação, uma vez que essa profissão era mal vista pelos grandes comerciantes. Uma coisa muito curiosa que descobri a respeito dos regatões, após entrevistar alguns, é que ele mesmo nega essa origem: a primeira coisa que ele faz ao Revista do PET de Comunicação da Ufam

enriquecer é arrendar os barcos, alugar um ponto comercial na cidade e se intitular comerciante para não ser chamado de regatão. Catraieiros: Existia livre comércio na época? Professor Walmir: Não existia. O comércio estava ligado a uma elite local, por isso era difícil a vida do regatão. Ele não navegava nos grandes rios, navegava pelos furos, pelos pequenos igarapés, justamente para não encontrar os capangas dos coronéis de barranco. Era uma vida difícil. Catraieiros: Os regatões também negociavam com os indígenas? Havia essa relação? Professor Walmir: Era mais comum com os ribeirinhos, mas ocorria. No século XIX, já existiam muitas comunidades de ‘índios destribalizados’, e isso começa nos velhos aldeamentos jesuítas, que foram abandonados pelos beiradões. Eram índios que não assumiam a identidade, o que até hoje ainda é difícil. Muitos não se assumem como tal devido à forte descaracterização étnica que ocorreu na nossa Região. Catraieiros: Havia disputa por ponto de regateio? Os regatões estabeleceram relações amistosas entre si? Professor Walmir: Não. É claro que alguns eram rivais, mas mesmo assim era uma relação de respeito entre eles na divisão das áreas que 11

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Profess o

da natureza, que colocava todo o seu capital dentro de um pequeno embarco, se arriscava tanto? Bom, estamos diante de uma coisa importante: o valor da pesquisa. Fui analisar os documentos da legislação, e encontrei as várias tentativas que foram feitas para tentar acabar com o comércio de regateio. Quando os grandes comerciantes, no caso os coronéis de barranco, conseguiam fazer maioria na Assembleia Legislativa, sempre apareciam propostas de lei para extinguir com o comércio do regatão, taxando-os de ilegal. Descobri também outros apoiadores dos regatões, além da população ribeirinha, as casas aviadoras de Belém e Manaus. As casas aviadoras eram chamadas assim porque eram grandes importadores de máquinas, insumos, sementes, todas essas coisas. Ou seja, era outra elite apoiando esse comércio dos regatões.


Catraieiros: Na época da sua pesquisa, ainda existiam muitos regatões? Professor Walmir: Infelizmente, não. O auge do regateio foi no período da borracha, por volta de 1860. Os imigrantes vão chegando e assumindo o comércio seja na terra, ou nos rios, como no caso dos regatões. Nas primeiras levas eram nordestinos, turcos, judeus e espanhóis (em número muito menor). Catraieiros: Eram queridos pela população? Professor Walmir: Sim. Eles patrocinavam as festas dos padroeiros nas comunidades. Eles tinham que se fazer presentes. Eu, inclusive, viajei com um regatão que se vestia de frade durante alguns festejos da Igreja Católica. Festejos que, é claro, eram financiados pelo próprio.

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Catraieiros: Os regatões ainda existem?

Butique Amazônica

De Rocha

cada um trabalhava. Ou seja, eram relações estratégicas. Os regatões se organizavam internamente justamente por terem muitos inimigos, não é? O regatão era uma grande força política regional. Primeiro, porque eles buscavam esse tipo de proteção, entre si; segundo, porque eles terminavam sendo um aliado do grande comércio, das casas aviadoras, que tinham um grande prestígio político nas cidades; terceiro, porque eles tinham um grande prestígio nas comunidades ribeirinhas, o que lhes dava um certo capital político.

Professor Walmir: Ainda sim. A produção de juta ainda é relacionada ao regatão, por mais que a produção seja bem menor. O regatão é uma figura camaleônica. Catraieiros: Para finalizar a nossa entrevista, o que o senhor aprendeu pessoalmente com essas figuras e como comunicólogo? Professor Walmir: Ah! Primeiro, foi verificar que os poucos conhecimentos que eu tinha livrescos não se aproximavam da realidade que era. Que a pesquisa era fundamental para poder ir atrás disso, conhecer em profundidade essas pessoas. Segundo, que o regatão, que eu passo firmemente a querer provar isso, não era uma figura folclórica, mas uma figura histórica, inserida na história econômica-socialcultural da Amazônia. Por isso, ele é forte e não termina. E, depois, que ele é também, em função desse distanciamento da presença do Estado, a única possibilidade que as pessoas têm de entrar em contato com o processo civilizatório, que bem ou mal, era através do regatão, tanto dos benefícios quanto dos malefícios que ele traz. Também aprendi que o regatão executa a teoria das relações interpessoais, das relações públicas, da teoria da complexidade do sistema como se constitui. Por isso, ele (o regatão) é, sem dúvidas, uma figura com suas próprias teias. Catraieiros

Ampafoz

intensifica o comércio regional Por: Erika Rodrigues

A

çaí, andiroba, buriti, copaíba, jarina, murumuru, tucumã.... Algumas dessas plantas da Amazônia são ingredientes dos mais diversos produtos regionais e nacionais. Resultado dos ativos da biodiversidade amazônica, empresas brasileiras e internacionais já possuem em seu catálogo uma linha voltada para os produtos amazônicos. Da Amazônia sucedem produtos, cremes hidratantes, óleos Revista do PET de Comunicação da Ufam

corporais, perfumes, shampoo e condicionadores, joias, roupas e acessórios, que incluem ativos que são as apostas no mercado das multinacionais, como Natura e O Boticário, além das regionais, com os chamados e-commerce de produtos da Amazônia, que ganham cada vez mais espaço no mercado, como a Amazônia HUB. Na Amazônia, os ativos amazônicos têm alto potencial comercial. Uma 13


Ao falar em açaí, tem-se a produção do fruto coordenada pela Associação das Mulheres Produtoras Agroextrativistas da Foz do Rio Mazagão Velho (AMPAFOZ). A entidade com representatividade perante o INCRA, é composta por 120 associadas, fundada em 29 de junho de 2002, com a finalidade de engajar as mulheres ribeirinhas dessa localidade no meio social com ênfase para o protagonismo nas decisões sociais e no desenvolvimento socioeconômico. O trabalho é feito por meio do extrativismo e da agricultura local, cujas principais atividades econômicas são a pesca de camarões, a produção de açaí, a extração de óleos e a agricultura

Butique Amazônica

Butique Amazônica

riqueza em seus frutos, em suas plantas, em seus sabores. Entre os frutos mais procurados por indústrias dos mais diversos segmentos estão o açaí, o cupuaçu, o camu-camu e o guaraná em pó. E o líder na procura, de todos os produtos originais da Amazônia, é o açaí. A fruta é popular no Brasil e no mundo pelo seu grande potencial energético e pelas propriedades antioxidantes.

Rosilda Viana. Foto: Arquivo pessoal

familiar, sendo todas com o manejo voltado à sustentabilidade. Em entrevista com a presidente da Associação, Rosilda Viana, falamos sobre a comercialização, a produção e o manejo dos produtos extraídos pelas produtoras da AMPAFOZ. Logo, o produto de destaque na Associação é o açaí:

e armazenamos em viveiro, e por aqui ser próximo da capital, muitas pessoas ligam e encomendam os camarões para consumo. Ao invés deles comprarem na feira, preferem comprar diretamente com a gente, das pescadoras.”

Sobre a comercialização dos produtos da AMPAFOZ, Rosilda explica:

A respeito das dificuldades e dos problemas do comércio na região Norte, a representante da AMPAFOZ enfatiza falta de apoio por parte do poder público:

“Neste ano de 2021, nós estamos trabalhando direto com o atravessador por conta do preço, porque a gente muda a forma de comercializar para onde o valor está maior. Como este ano a saca foi baixa, não compensava vender para as fábricas. O atravessador compra e leva para a Macapá, já direto. Ou o próprio comprador lá de Macapá, os batedores de açaí, vêm buscar aqui para processar os frutos do açaí ou revender. Já o camarão, pescamos

Fotos: Arquivo Pessoal

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“Quanto à nossa produção, ela é extrativista e o nosso carrochefe é o açaí. O carro-chefe da comunidade. E depois vem a pesca artesanal do camarão e, em seguida, a agricultura familiar. As três economias presentes.”

Catraieiros

Revista do PET de Comunicação da Ufam

“Falta de apoio por parte do poder público, pois lutamos bastante para fortalecer o mercado do açaí, por exemplo. Por isso, que nós, da Associação das Mulheres, estamos nos organizando para montarmos uma cooperativa, isso porque por meio da cooperativa o leque de oportunidades é maior, é amplo. Estamos tentando uma parceria com uma fábrica para montarmos a cooperativa, não somente com o 15


Rosilda finaliza compartilhando uma notícia que irá beneficiar a produção da AMPAFOZ, em especial a produção do camarão: “Graças a Deus, concorremos este ano ao Programa de Produção Integrada de Alimentos (PPI), iniciativa do Governo do Estado, pelo Projeto Recria Camarão Regional, pois o nosso segundo carro-chefe é a pesca do camarão, e fomos contempladas com o convênio de

R$ 280 mil para apoio às mulheres pescadoras. Uma grande força.”

Butique Amazônica

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açaí, e, sim, com os outros produtos também por meio da agricultura familiar: o milho, a banana, o cacau, o cupuaçu. Uma cooperativa para expandirmos ainda mais as vendas dos nossos produtos.”

Seguindo, há muitas cooperativas espalhadas pela região Norte, contudo, ao entrar em contato com as demais, não obtivemos retorno e também muitas não utilizam os contatos que estão presentes nos sites. E por serem comunidades afastadas da capital do Amazonas, o contato é ainda mais difícil. O problema de contato não é o único que cerca as comunidades, a região Amazônica ainda enfrenta problemas de logística, de remuneração correta dos seus produtores, de divulgação.

O comércio eletrônico na amazônia

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oje, os produtos amazônicos chamam atenção na internet por meio do e-commerce.

Para aproximar a variedade de matérias-primas disponíveis, uma solução foi a criação de e-commerces (na tradução comércio eletrônico), para atribuir valor aos produtos das comunidades amazônicas e que ajuda na renda e na redução da distância entre produtores e consumidores. Em entrevista à revista Catraeiros, Matheus Pedroso, um dos fundadores, conta sobre o início da startup Amazônia HUB: “Conheci a minha sócia, Kaline Rossi, em 2017, engenheira florestal 16

também. Ela vinha trabalhando com associações e cooperativas do estado do Acre há muito tempo. A Kaline já tinha a ideia de um projeto para conectar essas associações e cooperativas com empresas, clientes e seguidores do estado de São Paulo e, assim, como eu já tinha afinidade com tecnologia e com os e-commerces, juntamos as duas experiências.” Matheus diz que o ponto inicial era solucionar o mercado de acesso dos produtos fora do estado do Amazonas. “Percebemos que tinha uma distância enorme. Não só na questão logística, mas também na questão da comunicação (para Catraieiros

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(produtos) ajudam na bioeconomia da Amazônia.” “Acreditamos que a única forma de conseguirmos preservar e conservar a Amazônia é por meio das atividades econômicas que

época lá no Acre, enquanto no Amapá é em outra época diferente. O desafio da distância, da logística é bem difícil e complicada, pois temos lugares que não têm acesso pela estrada, tem que ir de barco e, às vezes, não é toda semana que têm embarcações disponíveis. Mas, principalmente, é a questão do desenvolvimento dos produtos. De uma forma abrangente, é desde as embalagens, passando pelo Plano de Desenvolvimento Individual (PDI) e pela adequação desses produtos ao mercado consumidor. A diferença é grande. Por exemplo, uma empresa que está em São Paulo começa a vender um produto e rapidamente pode fazer alterações nele; enquanto que nos produtos amazônicos temos dificuldade na questão das embalagens e dos fretes.”

Produtos amazônicos no Amazônia HUB

dependem da floresta. E assim fomos desenvolvendo.” A respeito da relação com os produtores, o representante da startup Amazônia HUB diz: “A nossa relação com os produtores sempre foi muito próxima. Conhecer a marca, os processos e entender que esses produtos geram impacto positivo pra Amazônia.” Matheus completa com o processo de comercialização até a chegada ao consumidor: “Trazemos o produto para o site e levamos as mercadorias para serem armazenadas lá em São Paulo. Trabalhamos a comunicação, o 18

Matheus chama a atenção para a parte da comunicação, um complicado desafio: “Temos poucas empresas que conseguem realizar na região local uma comunicação efetiva, e estamos em um mercado competitivo, com outros estados do Brasil. Sem uma comunicação forte e com clareza do porquê dos produtos amazônicos serem os melhores perante outros no mercado, fica difícil a venda do que foi produzido.” Assim, contemplamos a riqueza da Amazônia e o êxito das plantas regionais em produtos e cosméticos, além da contribuição para geração de renda e a conservação da biodiversidade. Portanto, seja por meio das associações ou por comércio eletrônico, a comercialização dos produtos conecta o consumidor à floresta.

marketing digital, as redes sociais, os e-mails, trazendo, assim, um holofote para essas marcas para que elas tenham mais um canal de comunicação e de venda. O contato com o mercado” Na questão dos desafios do comércio fora da Amazônia, Matheus Pedroso enumera os principais: “Os principais desafios do comércio dos produtos da Amazônia são a sazonalidade, porque não temos produtos o ano inteiro. Na verdade, temos “várias Amazônias“. Por exemplo, a fruta buriti, temos a produção dela em uma certa Catraieiros

Produtos amazônicos no Amazônia HUB

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Butique Amazônica

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que serve? como que usa? de onde veio? é bom ou ruim?). Na parte comercial também, mostrar os benefícios, mostrar quem que é o produtor, onde e como eles produzem. Como que eles


Por: João Vitor e Karlos Sena

É muito comum encontrar flutuantes que vendem todo o tipo de produto, trazendo uma renda extra para a família

comércio, o flutuante serve como nossa moradia”. O flutuante de Márcia é um dos muitos que tem como sustento o comércio.

Foto: Arquivo pessoal

O

s rios que cortam a região Amazônica não carregam consigo apenas voadeiras, barcos, barcas ou quaisquer outros tipos de embarcações que transportam pessoas de um ponto a outro diariamente. Eles também carregam e sustentam modos de vida de pessoas que utilizam as águas como forma de subsistência,

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que anexam em suas moradias ribeirinhas um ponto comercial para ajudar no próprio sustento. Essa é a realidade de Márcia Farias, 33, habitante da cidade de Careiro da Várzea, um município que fica a duas horas da capital amazonense: “Eu criei o estabelecimento em conjunto com o meu marido há um ano. Além de Catraieiros

Geralmente, os espaços dos flutuantes não são tão extensos assim, isso porque se separa uma parte considerável da residência para que seja compreendida a área do comércio. O flutuante de Márcia, por exemplo, foi dividido em quatro cômodos distintos, sendo eles: o quarto que divide com seu cônjuge, a cozinha, a varanda. Mesmo não sendo tão grande assim, ela afirma que o pequeno espaço destinado à mercadoria tem garantido o mantimento de sua renda familiar.

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As dificuldades desse tipo de estabelecimento A forma como os clientes chegam a esses comércios depende muito de como vai estar a situação de momento, afinal, em Careiro da Várzea e em outras regiões, o volume do rio pode afetar a locomoção. Se estiver na vazante, a entrada por terra é mais acessível, porém, se estiver em período de cheia, a única opção restante é ir por meio de alguma embarcação. “Durante o período de cheia era muito mais fácil, já que eles podiam vir por todos os lados com o barco”. Normalmente, os moradores próximos vão fazer as compras em suas próprias canoas. 21

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AS CASAS DOS RIOS COMO FORMA DE COMÉRCIO


Além do problema da locomoção que parece bem evidente e exige

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um esforço enorme, os preços dos produtos não têm sido coisa fácil para os proprietários. “Tem vezes que o preço não está muito em conta”. Sendo assim, é difícil conseguir encontrar um preço que se encaixe na realidade ribeirinha ou de quem vive em flutuantes da região rural, já que esse tipo de comércio é muito importante para o abastecimento dos moradores dessas localidades.

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Mesmo não sendo todos, é muito comum encontrar um flutuante que seja um comércio, logo os itens escolhidos para venda são, em resumo, todos os artigos de uso rotineiro que a população em volta ou barcos atracados na região podem precisar em algum momento, como alimentos não perecíveis, ovos de galinha, salgadinhos, biscoitos e bolachas, produtos de higiene pessoal, garrafões de água, e por aí em diante.

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Mas também há espaço para tentar trazer algum diferencial, como o dindin que a Márcia mesma produz com seu marido, que, segundo ela, é o maior sucesso de vendas entre os produtos disponíveis no estabelecimento. Mesmo no rio, o comércio de Márcia oferece uma gama de produtos.

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Por se localizarem em regiões menos favorecidas, a opção mais viável para reabastecer as mercadorias que os clientes levam é se transportar para as cidades mais próximas, por vezes até ultrapassando rios, onde será possível comprar tudo que é necessário para colocar o comércio em atividade novamente.


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em dúvida, uma das mais populares formas de comércio na região Amazônica está ligada ao uso de plantas e ervas medicinais. Essa prática é mais antiga do que se imagina e, com base em registros arqueológicos, sabe-se que as populações ao longo do tempo sempre utilizaram o que vinha da terra tanto para alimentação quanto para a cura, por instinto, desde a pré-história.

PLANTAS MEDICINAIS:

das antigas civilizações para o comércio local

O poder dessas ervas e plantas passou a ser estudado e reconhecido. Os orientais já sabiam a respeito das propriedades expansoras de consciência, aromáticas, dos óleos essenciais, remédios, porém o uso como medicamento dessas espécies está

diretamente associado a lendas e práticas ritualísticas dos povos. Na Amazônia, região com forte presença de lendas e rituais indígenas e berço de uma grande biodiversidade, esse comércio é muito presente, principalmente nos estados do Pará e Amazonas. Facilmente se encontra mel, xaropes, folhas, cascas de árvores, banhas de animais, pós e elixires à venda pelas ruas dos municípios, principalmente pelos interiores dos estados, onde há crenças muito fortes. A revista Catraieiros conversou com dois grandes vendedores regionais de ervas medicinais da Amazônia. A “Ponto das Ervas”, em Belém do Pará, e a “Farmaervas da Amazônia”, localizada no município de Maués, interior do Amazonas.

Por: Nendra Sued

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pessoal fazer aqueles “trabalhos” no interior usando argila, mastruz, mangarataia, andiroba etc. Faziam aquelas compressas para consertar os pés dos bois do meu pai. Eu via que o boi cicatrizava e ficava bom.

Flávia Íris Alcântara, 33 anos, vendedora. Trabalha no ramo há 11 anos. Produtos mais vendidos em sua loja: Babosa, Boldo, Verônica, Barbatimão, Óleo de Copaíba, Óleo de Andiroba, Judá, Alecrim, Alfazema e Erva Doce e Banha de Sucurijú.

Catraieiros: Como surgiu seu interesse pela área? Nhonhota: Eu comecei ainda novo a pesquisar. Foi uma época que eu fui e estudei fora. Sempre me dediquei à flora, às plantas e às ervas porque eu sentia que elas faziam bem.

Catraieiros: A senhora sente que desenvolve um papel importante em sua profissão?

Catraieiros: Alguma pessoa já desdenhou ou desacreditou do uso dessas plantas e ervas para a cura?

Flávia Íris: Em relação à cura das pessoas por meio dos produtos, eu considero sim; muito importante na área da saúde mental. Além disso, geramos um ciclo econômico para nossos colaboradores, já que esses produtos vêm de cultivos de regiões interioranas e assim geram renda.

Nhonhota: Em 1962, eu comecei a vender copaíba para algumas pessoas. Copaíba, andiroba... Algumas pessoas diziam: “Seu Nhonhota, o senhor ainda vai acabar envenenando alguém”.

Mas só que eu pesquisava para vender aquilo.

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PONTO das ERVAS

Catraieiros: Você possui alguma especialização na área? Nhonhota: Eu estudei Bioquímica, mas não deu certo. Meu pai trabalhava na Petrobrás e fiz um curso que hoje seria equivalente ao de farmacêutico, o de padioleiro. Aplicava injeções e fazia cirurgias no meio do mato, e como antibiótico na mata era mais difícil, eu usava coisas que ajudavam a cicatrizar os ferimentos de forma natural. Depois saí e comecei a trabalhar por conta própria e aí entrei mais ainda no campo da natureza. Catraieiros: Qual foi seu primeiro contato com o estudo prático das ervas?

FARMAERVAS da AMAZÔNIA

Nhonhota: Eu tive uma oportunidade há muitos anos quando acompnahei a doutora Ellen, da Nova Zelândia, a um centro de pesquisa. Ia com ela pelas matas pesquisando ucuuba, mirantã, laranjinha do mato, cáscara sagrada etc.

Raimundo José Evangelista, 79 anos, vendedor. Trabalha no ramo há 60 anos.

Catraieiros: Quando abriu seu negócio próprio?

Produtos mais vendidos em sua loja: Babosa, Boldo, Verônica, Barbatimão, Óleo de Copaíba, Óleo de Andiroba, Judá, Alecrim, Alfazema e Erva Doce e Banha de Sucurijú.

Nhonhota: Em 1958. Não tinha como hoje mercadoria com facilidade para trazer, aí vinham aqueles barcos do Pará. Só tinha um navio por mês que vinha em Maués. Nessa época comecei a trabalhar com comércio. Em 1965, me mudei para esse lugar onde trabalho até hoje.

Catraieiros: Há quanto tempo o senhor domina a venda de plantas medicinais? Nhonhota: Há 60 anos. Aliás, desde novo, quando eu estava bem adolescente ainda e que eu via o 26

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A importância do pescado para a economia Por: Caio Profiro e Richard Meireles

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egundo o Instituto Socioambiental (ISA), a pesca em conjunto com a produção de farinha de mandioca são os pilares econômicos da região Amazônica. Durante o período de estiagem, moradores das regiões de várzea sustentam suas famílias com o dinheiro proveniente

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da venda dos peixes. Além da importância econômica, o pescado também faz parte da base alimentar dos amazonenses. A síndrome de Haff, no ano de 2021, conhecida vulgarmente como ‘doença da urina preta’, prejudicou o consumo de peixe em algumas regiões do país, assim

como a venda do pescado nas feiras. A doença advém de uma toxina que pode ser encontrada em alguns peixes e crustáceos, que causa o quadro da rabdomiólise (destruição das fibras musculares do corpo humano). Os cientistas até o presente momento não sabem se a doença é causada Catraieiros

pelas condições de armazenamento do peixe ou pela alimentação do próprio animal. O feirante José Barroso, 57, que trabalha há quase 40 anos no ramo da pesca e venda, disse que a doença atrapalhou os negócios: ‘’O povo chega à feira, olha para os peixes, gosta e até pensa em levar, mas desiste quando lembra da doença da tevê. Às vezes a televisão ‘infla’ demais as pessoas com esses alardes’’, apontou o feirante. José é natural do município de Anori, mas veio com a família para a capital do Amazonas, Manaus, na década de 1980, para trabalhar no Distrito Industrial. Por não ter concluído o Revista do PET de Comunicação da Ufam

Na maioria das vezes, a evasão escolar leva as pessoas para a marginalidade ou para trabalhos que constituem a base da pirâmide econômica, como nos casos dos extratores da castanha-da-amazônia e de pescadores/ feirantes da região Amazônica. De acordo com um estudo do perfil socioeconômico dos pescadores brasileiros, de 2011, realizada pelos pesquisadores Luís Parente Maia (Instituto de Ciências do Mar da Universidade Federal do Ceará) e Carlos Alexandre Gomes de Alencar (Superintendência Federal de Pesca e Aquicultura no Estado do Ceará), a escolaridade dos pescadores é baixa: São 56.218 os analfabetos,

correspondendo a 8,1% do total dos 693.705 pescadores formalmente registrados no Brasil. No entanto, são 563.284 aqueles com o ensino fundamental, sendo que 75,51% destes possuem o ensino fundamental incompleto e 5,7% o ensino fundamental completo. Dos 69.763 pescadores registrados com ensino médio, 30.459 ainda não o concluíram, o que corresponde a 4,4% deles, e 39.214, ou seja, 6,6% já concluíram este nível de ensino. Ainda de acordo com os pesquisadores, apenas 0,65% dos pescadores registrados têm o ensino superior incompleto ou completo. Os feirantes, de certa forma, ainda contam com o apoio de associações/ cooperativas, o que não é o caso da maioria dos vendedores ambulantes de peixes e hortaliças. Ocasionalmente, durante a pesquisa realizada para essa matéria, encontramos na região portuária de Manaus com um desses vendedores, o Mário Aquino da Silva, 26, que trabalha com a venda de peixes nas proximidades do rio. Nessa entrevista à Catraieiros, Mário compartilhou conosco suas experiências de vendedor ambulante.

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ensino fundamental não conseguiu o sonhado emprego na zona industrial de Manaus. A situação de desemprego o levou a trabalhar como vendedor de peixes na feira do Porto da Ceasa, onde recebia os peixes na própria zona portuária e os levava para a sua banca, que hoje está localizada na feira da Manaus Moderna: “Não sabia o que fazer, amigo. Tinha dois filhos pequenos, não tinha estudo, mal sabia ler, então, ou era caçar emprego na feira ou era penar de fome. A vida do pobre é correr atrás!’’.


Mário: Nasci na Cidade de Deus, na Zona Leste. O meu pai faleceu quando eu tinha 17 anos, minha mãe estava desempregada, e eu mais meus irmãos fomos para rua vender água, picolé, trufa, essas coisas. Aí, nessas andanças, vim parar aqui na beira da MM (Manaus Moderna).

Catraieiros: Como você compra as mercadorias? Mário: Depende muito. Quando eu estou vendendo mais cheiroverde, compro de um vendedor; quando é a venda do peixe, vou para as beiradas negociar com o pessoal. Tudo é muito de mudança. Ultimamente, é mais interessante vender o cheiro-verde por causa dessa doença da urina. Catraieiros: Como você se imagina daqui a

um, cinco, dez anos? Pretende continuar como vendedor ambulante? Mário: Me imagino estabelecido, talvez com uma banca na feira. O cara que tem banca vive mais tranquilo. Não é revistado toda hora pelos policiais, que dizem que a gente tem droga nos bolsos. Já botei na minha cabeça que eu vou ser um dono de banca para eu poder proporcionar para os meus futuros filhos uma vida de barão (risadas).

Dois empreendedores do Yandé Muraki, da etnia Sateré-Mawé, Yuri Silva, um dos responsáveis pelo local, e Rosimara Michilis, artesã, compartilharam com a revista Catraieiros as suas vivências sobre o comércio de artesanato. Catraieiros: Como foi desenvolvida a ideia do Espaço do Centro do Empreendedor Indígena Yandé Muraki e desde quando existe esse projeto? Yuri Silva: A ideia desse espaço foi de um gestor, o Hamilton Gadelha, que viu a necessidade dos empreendedores em terem um lugar para comercializar os seus produtos, e resolveu fazer um projeto para que todos os artesãos viessem a expor seus produtos de

forma permanente. Ele fez o projeto, e foi muito bem aceito pelo governo do Estado, que fez uma parceria com a Fundação Estadual do Índio e aí gerou este espaço. O projeto Yandé Muraki vai fazer seis anos, mas os empreendedores indígenas já têm mais de 40 anos de trabalho com tudo relacionado à cultura indígena. Catraieiros: Como é realizada a seleção das pessoas que irão vender seus produtos nesse Espaço Centro do Empreendedor Índigena? Yuri Silva: O espaço foi liberado para 27 empreendedores indígenas, e para o camarada vender os produtos aqui neste espaço, que é dos indígenas, do empreendedor indígena, ele precisa ser

Produzido no Polo Cultural do Amazonas:

Made in Yandé Por: Fernando Lopes e Richard Meireles

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or meio de ações do governo do estado do Amazonas, em conjunto com a Fundação Estadual do Índio (FEI), foi possível a criação de um ambiente significativo para os empreendedores indígenas, o Espaço do Centro do Empreendedor Indígena Yandé Muraki. A falta de informação a respeito de como vivem os povos indígenas, atualmente, resultam em dificuldades para eles. Ainda há a necessidade de reafirmar o lugar do indígena na sociedade, e o Yandé Muraki simboliza uma dessas

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reafirmações, removendo a imagem estereotipada criada sobre esses povos. O espaço é localizado no Centro de Manaus, porém em uma área pouco turística e tida sem movimento de pessoas, o que dificulta que turistas e moradores de Manaus conheçam o local. Devido à cultura indígena ser um dos principais atrativos do estado Amazonas, um boa localização do espaço Yandé Muraki seria mais viável à visitação dos turistas e estimularia uma maior venda dos produtos. Catraieiros

Revista do PET de Comunicação da Ufam

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Catraieiros: Pode falar um pouco sobre você, Mário. O que lhe fez trabalhar na zona portuária?


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o próprio produtor do produto. Aqui cada um tem uma loja e confecciona seu produto, produz a sua própria marca, o próprio artesanato, a própria marca da medicina indígena, o seu próprio tacacá. Os próprios empreendedores fazem seus próprios produtos. Se você for indígena e produz seu produto e é um empreendedor, a gente dá essa oportunidade de vir expor aqui nesse local. Todos os dias os empreendedores vêm para cá. Quando têm outras atividades fora do Espaço do Centro do Empreendedor Indígena Yandé Muraki, os empreendedores vão e realizam as suas exposições em outros lugares de Manaus, e em outros municípios também. 32

Catraieiros: Qual a importância desse espaço para os indígenas? Yuri Silva: É de grande importância. Isso aqui foi uma luta do movimento indígena de Manaus e ao redor da cidade, das associações indígenas, que até hoje lutam. O espaço é meio escondido, mas já é uma grande coisa para nós. Então, só temos a agradecer ao governo, à Fundação Estadual do Índio e aos produtores indígenas, que mandam seus produtos para vender. Hoje, temos 27 empreendedores indígenas, mas esse espaço recebe produtos de todas as etnias. Catraieiros: Os produtos vendidos aqui são produzidos/feitos por vocês ou por outras pessoas da tribo/etnia? Catraieiros

Rosimara: Aqui os produtos são feitos por vários artesãos, tanto que cada stand desse é de um dono, como o da associação de mulheres. São vários artesãos. Aqui é o meu, da minha irmã e da minha filha, mais adiante têm outras etnias. Aqui no meu, sou eu, minha irmã e minha filha que produzimos todo o material para a comercialização. Catraieiros: Quem são os principais compradores? Estrangeiros, moradores locais, turistas nacionais? Rosimara: Os principais compradores são os moradores daqui mesmo do Amazonas e os estrangeiros. Quando os estrangeiros vêm eles compram muito. Às vezes, eles são trazidos Revista do PET de Comunicação da Ufam

por guias e, outras vezes, eles vêm sozinho, principalmente os clientes antigos, e ainda trazem outros amigos. E assim vai. Catraieiros: A venda desses produtos tem sido satisfatória? O senhor achava que seria melhor ou pior? Como o senhor define? Rosimara: Eu achava que iria ser mais satisfatório, mas no momento não está saindo muito. O local também é meio escondido. É fora da rota turística, e durante a pandemia ainda ficou fechado. Mas acreditamos que irá melhorar.

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FESTEJOS DE NOSSA SENHORA DO CARMO E SANTO ANTÔNIO DE BORBA MOVIMENTAM A ECONOMIA LOCAL Por: Rayane Garcia

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fé religiosa é muito presente na cultura dos amazonenses. A devoção a deuses ou a santos norteia a vida de grande parcela da população que sob promessas e crenças expressa sua espiritualidade. No baixo Amazonas, especificamente em Parintins e em Borba, essas tradições são muito significativas e revelam as maiores festividades encontradas na região Norte. 34

Romaria das águas em 2012. Fotos: Kedson Silva e Yuri Pinheiro Catraieiros

Revista do PET de Comunicação da Ufam

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Do sagrado ao profano

Em Parintins, a romaria das águas leva muitos devotos a acompanhar o traslado da imagem de Nossa Senhora do Carmo em um andor de flores, ornamentado com artesanatos que remetem à fé católica da região. Fiéis adornam as ruas e as casas em homenagem à padroeira que irá passar pelas vias até chegar ao santuário da Catedral, onde seguirá com os ritos do evento dos dias 6 a 16 de julho.


Divina Demanda

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Andor da Santa saindo em procissão pela cidade de Parintins. Foto: Acervo A Critica.

Catedral de Nossa Senhora do Carmo e as barracas de ambulantes que fazem as vendas nos festejos da santa. Foto: Acervo da Catedral de Nossa Senhora do Carmo.

Praça da catedral de Nossa Senhora do Carmo durante os festejos a padroeira. Foto: Peta Cid

Parte da população cumpre essa tradição para viver a experiência de devoção, como conta a fisioterapeuta Rafaela Rodrigues. Ela, desde a infância, acompanha a procissão que percorre as ruas da ilha tupinambarana como gesto de devoção à padroeira da cidade. “Desde muito pequena a minha mãe e a minha família me levavam a participar da procissão, da missa de Nossa Senhora do Carmo. Para mim é uma tradição muito importante de encontro da minha religiosidade e dos devotos da Parintins”, revela Rafaela. 36

A Festa de Nossa Senhora do Carmo ocorre logo após o festival folclórico. A programação dos dez dias de festividade conta com missas e arraiais, onde acontecem shows, bingos, apresentações das bonecas vivas e vendas de diversos produtos. A atividade comercial no período festivo da padroeira de Parintins foi o objetivo dos primeiros arraiais realizados. O recurso financeiro gerado levou à construção da Catedral, que homenageia a santa. Muito semelhante com as comemorações na ilha Catraieiros

tupinambarana, a 373 km de distância de Parintins, no mês de junho, a princesa do Rio Madeira festeja Santo Antônio de Borba há mais de 20 anos. Santo Antônio é conhecido como o Santo casamenteiro e muitas superstições e promessas são ligadas às suas festividades. A devota do padroeiro, Luana Saraiva, relata que vê muitas pessoas pagando promessas que foram atendidas. "Os devotos mais assíduos todos os anos estão lá, pagando e fazendo novas promessas. É bonito ver a fé se Revista do PET de Comunicação da Ufam

manifestar dessa forma”, diz Luana. O deslocamento da população aos santuários e às igrejas não se limita apenas à experiência espiritual, mas também ao consumo de produtos e serviços. O turismo religioso é um segmento de grande movimentação econômica no país. Segundo o último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 90% dos residentes no Amazonas professam algum tipo de crença religiosa e as maiores festividades da região atraem cerca de 60 mil pessoas. 37


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Praça da catedral de Nossa Senhora do Carmo durante os festejos a padroeira. Foto: Yuri Pinheiro.

Devotos de Santo Antônio de Borba em procissão. Foto: Portal geografia da vida.

Praça de Santo Antônio de Borba durante as festividades. Foto: Autor desconhecido.

As duas atividades religiosas possuem em comum a importância econômica para a região e a característica da participação de ambulantes durante a programação. Muitos se deslocam de diversos municípios do Estado visando a maiores vendas. Essas atividades podem gerar dúvidas pela união entre o sagrado e o profano àqueles que chegam para conhecer as tradições locais. Mas o pároco da catedral de Nossa Senhora do Carmo, Dorival Nascimento, avalia como positiva a relação religiosa e comercial da festa. "Quanto à igreja vemos que essa 38

relação é muito positiva, porque a Festa do Carmo também não é só uma festa religiosa, mas também é uma festa cultural, social. A Festa Nacional do Carmo, em si, é uma uma soma de forças, tanto religiosas quanto sociais, de todos aqueles que participam das entidades e dos comerciantes com suas doações”, afirma o padre. Os devotos também explicam que não há contradição. Rafaela diz que, do seu ponto de vista, a geração de renda é fundamental para a cidade. “A igreja busca sempre o bem-estar de seus comunitários. Preocupase em proporcionar a integração Catraieiros

social e, para isso, busca recursos em suas festividades religiosas. Muito se questiona tais atitudes, mas elas são necessárias para a manutenção de custos, reparos e projetos desenvolvidos nas paróquias”, conta. Luana afirma que as festividades devem ser incentivadas na perspectiva econômica também. “Acredito que como todo festival, principalmente no interior do Estado, o fluxo de pessoas aumenta, impulsionando comércios, hotéis e qualquer entretenimento que houver na cidade. O festejo de Santo Antônio é a identidade de Borba, do Revista do PET de Comunicação da Ufam

rio Madeira afora. Isso atrai curiosos e, consequentemente, traz benefícios para a cidade nesse sentido”, conta. Em 2021, as atividades comerciais de todo o país foram impactadas devido à pandemia da Covid-19. Nos dois municípios os arraiais foram suspensos e a programação adaptada para o modelo híbrido. As igrejas tiveram um número reduzido de devotos nas missas, e os arraiais foram substituídos por shows on-line. Sem as vendas, as finanças das paróquias e dos comerciantes foram reduzidas. Os eventos que acontecem no Amazonas precisarão ser planejados 39


Matriz de Santo Antônio e fitas usadas para pagar promessas ao padroeiro. Foto: Charlin Castro.

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na perspectiva de reduzir os danos ocasionados pela pandemia. O pároco da catedral de Parintins acredita que seja fundamental que os investimentos de secretarias, prefeitura e governo do Estado estejam atuantes já que o turismo religioso se mostra eficaz para a economia local. "Futuramente, com o apoio, com a viabilidade de políticas públicas, também o turismo religioso, com certeza, irá incentivar ainda mais esse modelo de comércio em torno daquilo que é religioso em Parintins. Então, aguardamos aí mais incentivos, mais projetos que possam fomentar o turismo religioso na região Norte, especificamente, aqui na cidade de Parintins”, conclui. A expectativa é que com o avanço da vacinação a programação possa ser retomada nas duas cidades. Eventos testes estão sendo realizados para que a retomada das atividades comerciais seja inserida novamente no cotidiano amazonense.

Catraieiros

CASAS DE UMBANDA E AS LOJAS DE ARTEFATOS RELIGIOSOS

Divina Demanda

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Andor de Santo Antônio. Foto: Fernanda Alves.

Preto Velho e Preta Velha. Foto de Victor Zidane.

A Venda de Produtos

Religiosos

Umbandistas COMO FUNCIONAM AS LOJAS DE ARTEFATOS RELIGIOSOS DA UMBANDA E O QUE VENDEM? Por: Victor Zidane

A Umbanda é uma religião que prega três conceitos fundamentais: paz, amor e caridade. A palavra “umbanda” pertence ao vocabulário quimbundo, de Angola, e significa “arte de currar”. A religião foi fundada por Zé Fernandino de Moraes, em 1908, na cidade de Niterói. Revista do PET de Comunicação da Ufam

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Fachada da loja de artigos religiosos São Jorge. Foto de Victor Zidane.

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Umbanda é uma religião urbana com pouco mais de 100 anos, mas diferente de outras religiões, como o Candomblé, que faz seu terreiro “no meio do mato”, as Casas de Umbanda, em especial suas lojas, normalmente se localizam nas cidades, em lugares movimentados como avenidas, no meio de bairros e no centro da cidade, como em Manaus, onde ainda existem algumas das mais antigas e importantes lojas de Umbanda. As lojas de artefatos religiosos mais antigas de Manaus, como é o caso da Cabana São Jorge e a Rei do Atacado, que já estão há mais de 30 anos no mercado religioso, geralmente são negócios de família, que são passados de pai para filho (a), mantendo a loja sempre no meio familiar. Apesar de trabalharem nessa área, os donos e os funcionários não são necessariamente praticantes da Umbanda ou do Candomblé. 42

agora. As pessoas param na frente da loja e fazem discurso religioso. Às vezes, para um carro de luxo aí na frente da loja, desce um sujeito só para pegar o produto para outros. Muitos têm vergonha de entrar. Os próprios praticantes da Umbanda têm vergonha, por isso que os produtos são embalados, para esconder que são da Umbanda. Nem nas redes sociais as pessoas têm coragem de seguir a gente”. Segundo a Secretária de Promoção da Segurança e Direitos Humanos (SDH)), em um levantamento feito em 2015, as religiões Afro-brasileira são as que mais sofrem com a intolerância religiosa no Brasil, o que consequentemente afeta o negócio dos lojistas que vendem os artigos da Umbanda, Candomblé e outras religiões Afro-brasileiras.

Muitos são católicos que conhecem a mercadoria, sabem como usar e dar indicações e, assim, cria-se um ambiente de respeito e tolerância com todas as religiões no ambiente da loja. O PRECONCEITO QUE AS LOJAS SOFREM A clientela das lojas é grande e variada, desde evangélicos a umbandistas, católicos, até ciganos. Todos os produtos são organizados de acordo com a sua vertente religiosa para facilitar a logística dos funcionários e a procura dos clientes. Porém ainda existe muito preconceito e a falsa concepção das pessoas em relação ao mercado religioso. Um deles diz respeito a se acreditar que a maioria dos consumidores são homens e mulheres negros, pelo fato da religião possuir origens africanas, quando na verdade a maioria do público é formado por mulheres Catraieiros

Revista do PET de Comunicação da Ufam

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brancas, que não assumem publicamente que são praticantes. “Uma coisa que eu vejo muito na internet é que existe o mito de que a maioria dos nossos consumidores são negros, mas isso não é verdade. Tem bastante, mas a maior parte dos compradores é branca, ou melhor, são mulheres brancas. Mas elas não assumem no meio social. É tudo muito sigiloso”. É o que alega o lojista Odemar da loja Cabana São Jorge, localizada no Centro de Manaus. E ainda com relação ao preconceito, ele afirma: “Hoje em dia o preconceito é mais forte. Antigamente, a gente vendia muito, mas hoje a gente vê que o movimento caiu. O pessoal passa aqui na frente e xinga. Tempos atrás era muito mais tranquilo do que


ENTIDADES DA UMBANDA Malandros, Pomba-gira, Caboclo, Preto Velho, Preta Velha, Erês, Boiadeiros, Marinheiros/Marujos, Baianos. As cabeças de cera também são muito procuradas, pois são utilizadas para fazer trabalhos a Oxum (que representa a nossa Senhora Aparecida), seja por amor ou outros pedidos. Em especial, os banhos são os que mais vendem. Por serem elementos fundamentais em um tratamento espiritual umbandista, movimentam energias positivas e negativas em prol de um equilíbrio espiritual e físico. Os banhos se destacam por serem procurados por todas as pessoas, de várias religiões, desde umbandistas até católicos. Banhos de arranja dinheiro, arruma emprego, trazer de volta

Banhos e Orixás/ Foto de Victor Zidane.

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relacionamentos destruídos e prosperidade são muito procurados, pois eles são bem acessíveis, com um descarrego completo ficando entre 6 a 13 reais. É claro que cada um tem seus próprios motivos para fazer pedidos às entidades. Algumas pessoas, por exemplo, querem somente agradecer aos orixás, outras querem fazer amarrações, mas também existem àquelas que procuram para pedir coisas ruins e desejar o mal aos outros, apesar da Umbanda não apoiar esse tipo de atitude. A Suzie da Silva da Casa de Umbanda Dona Mariana, localizada na avenida Timbiras, Cidade Nova, diz que:

“As benzedeiras são consideradas como uma cientista popular a qual possui características próprias de curar, unindo o misticismo da religião junto aos conhecimentos da medicina popular” (CALHEIROS, 2017 apud OLIVEIRA, 1985).

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OS BANHOS E AS FIGURAS RELIGIOSAS Atualmente, o que mais se vende nessas lojas são incensos, velas, imagens dos orixás e das entidades que se manifestam na Umbanda.

“Aqui vende muito de tudo, e vem todo tipo de gente, mas vem muita gente pedir coisa boa e coisa má também. A gente nem pergunta, só vende”. Existe também uma dinâmica bem prática entre os lojistas e os clientes de primeira viagem. Normalmente, as pais/mães de santos, que são os sacerdotes que dirigem os ritos e comandam as casas de Umbanda, escrevem uma lista com os materiais que devem ser comprados para a realização dos trabalhos ou amarrações. E quando o cliente chega com a lista, o lojista já sabe exatamente que tipo de banho, vela e outros produtos e materiais indicar. Infelizmente, as lojas vêm sofrendo cada vez mais com o preconceito, seja ocasionando queda nas vendas ou uma certa ignorância das pessoas com a relação ao trabalho dessas lojas. O que é um grande prejuízo para o mercado de artefatos religiosos em Manaus, que já foi muito rico, em uma época em que as pessoas pareciam ser mais tolerantes e respeitosas com a religião alheia. Catraieiros

Por: Erika Rodrigues

O DOM DE BENZER

O trabalho das benzadeiras Revista do PET de Comunicação da Ufam

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o dom, para o outro e, assim, é apadrinhado por ele ou ela. O conhecimento botânico também é repassado. Existem duas plantas medicinais bem comuns usadas na prática, que são a arruda (Ruta graveolens L.) e o pau-de-incenso (Tetradenia riparia (Hochst.) Codd), pois curam os males e limpam o ambiente. As plantas utilizadas pela benzedeira, de forma associada ou não, são aplicados, em maioria, em estado natural, principalmente na forma de chás, sumos, xaropes. (GOMES; PORTUGAL; PINTO, 2017). Para compreendermos melhor o trabalho das benzedeiras, entrevistamos a I.: “As pessoas me procuram para melhorar do quebrante. O quebrante é um tipo de mau olhado, quando você admira muito uma criança. Eu não utilizo ervas. Rezo com uma folhinha de piãoroxo, e vou passando da cabeça aos pés da pessoa.” Para a produção deste conteúdo, apurou-se em estudos e artigos a respeito das rezadeiras e constatouse que elas não cobram pelas curas ou pelos serviços prestados, assim como a I., que não cobra pela reza realizada. No entanto, a maioria

dos pacientes oferece uma ajuda, seja em forma de lembrança ou agrado para a rezadeira. A prática da reza está presente em diversas regiões do Brasil, e no Amazonas não é diferente. Entrevistamos a Claudia Evangelista e a Lilyanne Rodrigues, mulheres que levaram seus filhos ainda bebês à

rezadeira para curar o quebrante. A seguir o depoimento delas: Claudia conta que levava bastante seus dois filhos, Erika e Rafael: “Ainda bebês, eles pegavam quebrantes diversas vezes. Muito mau-olhado neles, por isso choravam bastante. Então, a rezadeira curava e protegia meus filhos desses males, afastando todo o mal. A rezadeira era a mesma senhora para ambos, porque na época morávamos próximo à residência dela.” Lilyanne conta que já levou três vezes seu filho Arthur à rezadeira. “Na primeira vez que levei, foi porque ele (Arthur) tremia e se assustava muito; ele tinha 3 meses. Fui à rezadeira e a senhora diagnosticou quebrante e desmentidora, então, ela rezou no meu bebê com folha de pião roxo e massageou-o com óleo ungido. Voltou já um pouco melhor. Mas tive que levar três vezes para o mesmo ritual para poder quebrar o quebrante, porque são três orações. Então, nas vezes que fui, ele já voltava bem melhor, já curado.”

AS DOENÇAS CURADAS PELAS REZADEIRAS Essas são as principais doenças em que a concepção e o diagnóstico são definidos pelas próprias rezadeiras:

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prática da benzeção surge no período colonial no Brasil, a partir do século XVII. Ela teria vindo da Europa, sendo prática comum desde a Idade Média. As bezendeiras têm como atividade a reza, na qual são realizadas as preces junto a gestos e o uso de algumas plantas ou ervas, num ritual que tem o objetivo em proporcionar a cura e o bem-estar da pessoa doente. As rezadeiras, benzedeiras ou até mesmo curandeiras são mulheres que realizam as benzeduras em busca de curar o indivíduo doente de alguma enfermidade. Para executar essa prática, elas acionam conhecimentos do catolicismo popular, fazendo uso de “súplicas” e “rezas”, que têm o objetivo de restabelecer o equilíbrio material ou físico e espiritual das pessoas que buscam a sua ajuda. É interessante perceber que a prática da reza é bastante realizada por mulheres, porém, também existem homens que realizam essa atividade (SANTOS, 2009). O processo realizado pelas bezendeiras é passado de um membro da família, que possui


viagem mais marcante que eu fiz com ela foi para Santo Antônio de Borba, quando tinha uns 9 ou 10 anos. Lembro que eram umas seis pessoas em um camarote com duas camas, e quando o sol estava se pondo e começou a esquentar, minha avó tirou um colchão e colocou na proa do barco para a gente pegar um “ventinho”, mas acabamos cochilando boa parte da noite. Nós “moramos” nesse barco por uns dois dias, enquanto visitávamos o festival da cidade. Fui à igreja e até hoje tenho uma foto que me traz recordações bem precisas dessa viagem. Outra fotografia que tenho no mesmo álbum é dos meus pais, com uns 20 e poucos anos, em frente à estátua do santo, na Basílica de Borba. Minha mãe me conta que eu já estava ali na barriga dela. Teria sido essa a minha primeira viagem? Durante as viagens, para quem não tem condições de ir em um camarote ou suíte dos barcos, não se tem muito o que fazer. Tu podes levar um livro ou os fones para ouvir música, mas a rede atada por uma boca de lobo parece que te convida a deitar e a observar: as pessoas, o movimento, o rio, o céu, as paisagens, as aves voando, os barquinhos que ultrapassam a gente, o vendedor de alguma comunidade que atraca de manhã cedo para vender seu queijo, as igrejinhas, os animais e as casas de madeiras bem coloridas ao longo

Por: Nendra Sued

"Da onde eu vim, pra onde eu vou"

do caminho.... Mas a pergunta que eu me faço sempre é: “Para onde estão indo aquelas pessoas? Ou de onde elas vêm?”. Muitas vezes, o destino da viagem é o mesmo, mas talvez não o destino final para todo mundo. Tenho amigos que fizeram o mesmo trajeto, para sair do interior e não voltar mais. Tenho conhecidos que pegaram o barco e, logo depois, um avião, e estão espalhados pelo Brasil e até fora dele. Faz dois anos que eu vim de lá para a capital para estudar e trabalhar, mas também já vim por motivos de saúde, para fazer processo seletivo para a faculdade e só por lazer mesmo, assim como já fui em Itacoatiara, por exemplo. Incrível como o que pode ser uma simples viagem para nós, pode ser o ganha-pão de quem trabalha nesse meio, desde os carregadores e os vendedores de passagem até os vendedores ambulantes que te oferecem sanduíche meia-noite em uma vara no Porto de Itacoatiara (parte da rota Maués-Manaus). No ano de 2021, a passagem de barco da minha cidade para a capital chegou ao valor de 150 reais. Um absurdo para quem só quer passear. Além de barco, já viajei de lancha, de rabeta... Já fui ao “interior do interior”. Em ilhas onde famílias nos servem comidas regionais à beira da praia...Tantos lugares que carregam tantas histórias e tantas formas de sobrevivência.

HISTÓRIAS DE NAVEGADORES DURANTE O COTIDIANO SOBRE COISAS QUE ACONTECERAM NO SOBE E DESCE DOS RIOS 48

Catraieiros

Revista do PET de Comunicação da Ufam

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Cabôco navegante

Cabôco navegante

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u sempre gostei muito de viajar, embora nunca tenha saído do Amazonas. Sou filha de Maués, Terra do Guaraná, e passei boa parte da minha vida lá, mas a verdade é que eu vivo indo e vindo, não paro quieta. Minha avó, quando era viva, extremamente religiosa, gostava de levar os netos para conhecerem as festividades católicas dos municípios do interior.


história da Amazônia é marcada pelo ciclo da borracha. Sendo centro das atividades econômicas, a extração do látex, que ocorreu intensamente por 50 anos, proporcionou ao Amazonas grandes transformações e avanços. Apesar disso, a comercialização dos demais recursos, ainda que comentada com menor frequência, possui tanta importância para a economia amazônica quanto. Um dos elementos naturais explorados são as peles de animais silvestres. Desde o início do século XVI, a exploração dos continentes proporcionou aos europeus a oportunidade de capturar animais, coletar plantas e demais componentes naturais das terras encontradas durante suas expedições. Essas capturas eram utilizadas como comprovante das viagens a terras desconhecidas, e rapidamente

Igarité no mundo

Igarité no mundo

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Comércio de peles em Manaus, 1950. Foto: IBGE.

MATANÇA

indiscriminada do comércio de pele é antiga Por: Beatriz Farias

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Anúncio de compra de couros e peles. Fonte: Revista da Associação Comercial do Amazonas.

Comércio de peles em Manaus, 1950. Foto: IBGE.

chamou atenção de todos. Animais silvestres eram exportados para virarem atrações ou eram vendidos para serem domesticados, dando a seus compradores status de poder e riqueza. Portanto, a caça da fauna brasileira, que até então era somente capturada por indígenas como base de subsistência, tornouse desenfreada por parte de exploradores europeus visando apenas o lucro. Essa prática, mais tarde, foi adotada também por muitos nativos que passaram a viver da caça e troca e/ou venda de animais e suas peles a europeus. O comércio de peles de animais silvestres movimentou, entre 1953 a 1970, 22.050 toneladas exportadas. Peles de caititu, onças, veado, capivaras, cobras, lagartos e demais animais são identificados (sendo a de répteis a mais valorizadas) e utilizados na confecção de artigos como bolsas, casacos, sapatos, cintos, patronas, chapéus, capas de armas, entre outros. Além disso, a venda sazonal de penas e plumas de aves exóticas eram atrativos de vestuários femininos. A mercadoria era direcionada a mercados de luxo da 52

Igarité no mundo

Igarité no mundo

Fonte: Wikimedia Commons

Europa, Japão e América do Norte. Em decorrência do comércio de peles, milhares de espécies foram abatidas e extintas, o que alarmou autoridades. O início do debate acerca da conservação sobre a caça comercial para extração de peles na Amazônia deu seus primeiros passos em 1960 por meio da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN). Anos depois, em 1973, países assinaram a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Silvestres Ameaçadas de Extinção (CITES), documento que prévia maior normatização do comércio mundial da fauna e da flora. Após anos de tentativas, a comercialização de pele de animais de fauna é proibida no Amazonas, órgãos como o Ibama auxiliam na fiscalização. Apesar de pouca investigação e debate acerca do tema, a Era das Peles na Amazônia teve um grande impacto na economia amazonense e na fauna da região. Catraieiros

OS BRILHANTES DAS ÁGUAS DE

BARCELOS Por: Erika Rodrigues

Conheça a comercialização de peixes ornamentais e a sua cadeia produtiva

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principal centro fornecedor de peixes ornamentais é a cidade de Barcelos (localizada a 399 quilômetros a noroeste de Manaus) e o cardinal é a espécie mais importante, pois representa 80% de todo o volume comercializado. Sobre as espécies mais populares, estão o cardinal tetra e o acará-disco. O cardinal é um peixe ornamental muito cobiçado, representando mais de 80% do total de peixes exportados a cada ano, devido ao colorido ventral, azul e vermelho. O cardinal prefere as margens dos igarapés, nos remansos, locais de pouca ou nenhuma correnteza e baixa concentração de oxigênio. Já o acará-disco (Symphysodon spp.) é um peixe endêmico, que se desenvolveu numa região restrita, no caso a Bacia Amazônica. E a pesca de acará-disco se dá nos lagos, com a utilização de dois apetrechos de pesca: rapiché (puçá) e rede-de-cerco.

Fonte: https://pt.wikipedia.org/

PESCA A pesca, seja de forma artesanal ou familiar, é realizada principalmente à noite, quando o piabeiro ou piabeira, denominação dada aos pescadores artesanais de peixes ornamentais, utiliza uma lanterna para focar e iluminar os cardumes na água e capturá-los individualmente. A rede-de-cerco é utilizada para capturar maior número de peixes que se encontra agrupado entre ramos e troncos submersos, em pescarias diurnas. São os piabeiros que fazem todo o trabalho e, na maioria das vezes, não ganham o essencial para sobreviver. Passam grande parte do tempo com água até os joelhos (as pescas dos peixes ornamentais ocorrem mais no período noturno), os pés enroscando em galhos e plantas, tentando evitar ataques de predadores, como as jararacas. Os pescadores utilizam pequenos barcos (11 a 14 metros), com motor de centro e canoas, que variam, de 2 a 10 metros, utilizando apetrechos para a captura de peixes ornamentais, que variam de acordo

com a época de cheia e vazante, área de pesca e as espécies. Os aparelhos são confeccionados pelos próprios pescadores, em que os mais utilizados são o rapiché, a puçá e o cacuri. Já na pesca dos acarádisco são feitos atratores de pesca: a escolhedeira e tanque-rede. COMERCIALIZAÇÃO “O mercado global de peixes ornamentais cruzou os US$ 4,2 bilhões em 2017. E deverá crescer, entre 2019 e 2024, com uma CAGR (taxa de crescimento anual composta) de mais de 7,85%, em termos de valor. A previsão é que alcance cerca de US$ 6,2 bilhões até 2024.” Os dados são da techsciresearch.com. Na cidade de Barcelos, que é o maior exportador do Brasil, a população estimada em 30 mil pessoas, das quais um quarto vive da pesca ornamental, logo, é considerada uma das atividades extrativistas que gera emprego e renda para a população ribeirinha. Assim, a pesca ornamental

Imagens: A cadeia produtiva de peixes ornamentais no estado do Amazonas. Revista Ibero Americana de Ciências Ambientais, vol. 12, n 2, p. 186-202, 2021.

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Igarité no mundo

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eixe ornamental, ou peixe de aquário, é a designação dada em aquariofilia - prática de criar peixes, plantas e outros organismos aquáticos em aquários - às espécies de peixes que são selecionadas pela riqueza das suas cores e formas, e pela facilidade de manutenção em cativeiro. Assim, partimos do início da comercialização de peixes ornamentais na Amazônia, pois o comércio de peixes ornamentais no Brasil teve início com as espécies de água doce da região Amazônica. Por volta da década de 1950, o pesquisador Axelrodi, em sua primeira viagem ao Brasil, à procura da espécie de peixe ornamental acará-disco, no Rio Negro, descobriu a cardinal tetra, então, montou uma operação envolvendo 50 pescadores, na cidade de Barcelos, para a pesca do peixe. Mas por que na cidade de Barcelos? Segundo dados, o


permanece até os dias atuais pela enorme riqueza de espécies presentes na região Amazônica. Os principais compradores são Alemanha, Áustria, Canadá, Espanha e Japão. Atualmente, o valor pago ao pescador por milheiro é entre R$12,00 a R$16,00, e o valor unitário do cardial é em torno de US$5.00 (R$24,95). Contudo, o valor pago ao pescador ainda é baixo diante do enorme trabalho realizado durante a pesca e dos valores recebidos para cada envolvido no conjunto de etapas consecutivas ao longo da produção dos peixes ornamentais. Segundo Ferreira et al. (2020), que traz os valores unitários da espécie cardinal tetra por cada um presente na cadeia produtiva em Barcelos, o pescador ganha por volta de R$0,15 centavos por indivíduo. Intermediários e exportadores ganham R$0,25 e R$0,10 centavos, respectivamente. Já importadores, atacadistas e varejistas ganham R$5,00, R$14,00 e R$20,00 por unidade, mutuamente, o que representam um ganho muito superior ao recebido pelos piabeiros. Já os valores do acará-disco são pagos ou por unidade ou 56

“embolada” (preço unitário para cada exemplar que possui um lote de peixes). Variam entre R$0,80 a R$1,70 para o pescador. O preço dessa espécie varia de acordo com seu tamanho, integridade física e cor. Hoje, o acará-disco chega a custar até US$50.00 (R$249,50) em sites de lojas internacionais de aquário. QUEM COMPRA? QUEM VENDE? O atravessador, ou patrão, é o mediador na hora da compra, da produção de peixes ornamentais dos pescadores e revenda para os exportadores. Segundo Ferreira et al. (2020), cerca de 80% dos pescadores vendem a sua produção a um intermediário (patrão) que por sua vez revende às empresas de exportação e importação. O patrão paga os custos de transporte dos peixes e, então, os pescadores entregam a produção para a contagem, ocorrendo a avaliação dos peixes ornamentais. Depois, são levados para os pequenos viveiros, onde são alimentados para a viagem de barco até a cidade de Manaus, cuja duração é de aproximadamente 30 horas. Catraieiros

alimentação e química da água. Chegamos ao atacado e ao varejo dos peixes ornamentais. O atacadista compra os peixes do importador, sendo ele responsável pela colocação do produto junto ao varejo e ao varejista, sendo ele que oferece o peixe para o consumidor final. As lojas de varejo do tipo petshop são as mais antigas; na hora da compra gera aquários de pequeno porte e insumos. Em Manaus, são encontradas lojas de aquários/petshops que vendem peixes ornamentais em pequenas quantidades, como, por exemplo o betta (Betta splendens), o kinguio (Carassiues auratus), o platys (Xiphophorus maculatus), o molinésia (Poecilia sphenops). Portanto, as práticas de manejo aplicadas na pesca ornamental têm que ser realizadas de forma correta, gerando segurança, garantia e boa qualidade para o mercado consumidor. Assim, a preservação das espécies pescadas e o reforço na atividade socioeconômica da Região geram uma renovação no mercado a fim de não deixar findar uma atividade que se constitui em uma das maiores rendas para o estado do Amazonas.

Fonte: Divulgação/Site Amazonas Atual

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Igarité no mundo Cadeia produtiva de peixes ornamentais Fonte: Vanessa Ferreira, 2015.

Seguindo, o exportador é uma empresa física e seu objetivo é garantir uma variedade de espécies para a demanda nacional e internacional, no qual o comércio internacional é o que sustenta a atividade de pesca ornamental. O meio de transporte utilizado pelos exportadores é o aéreo, sendo o mais indicado para transportar animais vivos. Os peixes são colocados em sacos plásticos com água e enriquecido com oxigênio e posicionados em caixas de isopor, nas quais possuem os rótulos com o endereço de seu destino, e embarcados no setor de cargas pressurizadas já no aeroporto. Após o embarque, chegamos aos importadores. O importador é o agente que recebe os peixes ornamentais de exportadores de todo o mundo. Todavia, o custo de frete da importação dos peixes cai na conta do importador, que atua também como exportador e transportador. Os peixes são levados para um ambiente com baixa luminosidade e com as caixas de isopor são abertas para não gerar estresse para as espécies. Os peixes ornamentais são separados e colocados em quarentena, preparadas para novos ciclos de


Os costumes intactos em meio à tecnologia

Por: Fernando Lopes e Karlos Sena

Diante de tanta modernidade, uma prática antiga segue viva

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s vastas diferenças sociais e econômicas no Amazonas tornam o fiado um dos meios de venda mais comuns nos comércios de bairro do Estado, sendo praticado com mais intensidade nas zonas da cidade com a população de renda baixa, ou simplesmente para quem não detém em mãos um cartão de crédito para pagar parcelado suas próprias compras. Essa prática é baseada totalmente na confiança que o comerciante possui com o seu freguês, podendo ser uma relação familiar, de vizinhança, de amizade, dentre outras. 58

como mercadinhos e restaurantes populares, até hotéis na parte central da cidade, é possível encontrar diversas formas de sátira do fiado, como frases e desenhos feitos à mão. São placas que são fáceis de serem encontradas, todas contendo frases cômicas envolvendo o fiado, satirizando com eventos que jamais acontecerão, como a que sempre indicará a liberação do fiado para o dia seguinte, e como ela permanecerá intacta o dia seguinte em si nunca chega, ou a que destaca o benefício da compra fiada para maiores de 80 anos acompanhados dos pais, sendo que é muito difícil chegar à essa idade com os pais ainda vivos. Ainda que tragam essas formas de humor em seus estabelecimentos, os proprietários costumam vender fiado para determinadas pessoas de seu conhecimento. Diante da pandemia da COVID-19, os empresários tiveram que se adaptar aos novos meios sociais, e para esses microempreendedores de bairro a situação foi mais difícil ainda por não possuírem um

maior aparato financeiro. Vender fiado não se tornou apenas uma necessidade dos clientes, como também dos próprios vendedores para manter seus negócios em meio à uma crise sanitária e econômica. Dentre os milhares de comerciantes que vendem fiado, duas microempresárias compartilharam as suas diferentes experiências nesse ramo de vendas, a começar pelas consequências, já que a confiança é difícil de ser garantida. Leandra Santiago, de 23 anos, trabalha vendendo roupas, bolsas e sapatos em sua loja on-line e explicou que a transação não é uma via de mão dupla:

“As consequências são o prejuízo, tanto material quanto de trabalho e tempo investido. Porque não é apenas uma venda, tem a entrega do produto, a embalagem, o tempo que você divulga o produto.

As formas que os comerciantes encontram para vender os seus produtos e serviços fazem com que o fiado continue presente e forte no cotidiano de muitas pessoas. Mesmo em meio a tantas formas de pagamentos que a tecnologia tem a oferecer, a prática do fiado está enraizada como uma forma de cultura comercial, ainda mais para as pessoas que não possuem os requisitos necessários para adquirir outras formas de pagamento, como um cartão de crédito, por exemplo. A prática faz parte do dia a dia. Desde os comércios de bairros, Catraieiros

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Imaginário Amazônico

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Imagem: https://i.pinimg.com/originals/fd/06/ bb/fd06bb8e42eb06959c69e99d2c7eeacc.png


A O D N A T E R P R E T N I O ) B M (RE A C S E O D A C I T Á PR

Nesse contexto, o que não pode acontecer de jeito nenhum é esquecer o nome do cliente devedor. Ele precisa estar registrado em qualquer lugar que seja. “Minhas anotações são feitas no meu celular pelo bloco de notas, porque está sempre em mãos, e eu tenho como anotar tudo sem perder nada”. Porém, engana-se quem acredita que pode chegar em um estabelecimento totalmente novo para tentar levar algo consigo na base da lábia. Até porque, em um acordo do tipo, apalavrado, tudo se resume à confiança. É o que Silvana Rodrigues, que trabalha em casa vendendo roupas e perfumes, acredita veemente. Aliás, ela costuma usar de três pré-requisitos para definir quem pode ou não comprar fiado em sua loja:

“A pessoa precisa comprovar que tem um emprego; a pessoa precisa comprovar que mantém uma casa com seu próprio dinheiro; e não pode ser uma compra que envolva muitos produtos”. Para Silvana, a pessoa que é um bom cliente normalmente fica com poucas coisas. Parece uma ótima filosofia, não? Os problemas podem começar a surgir mesmo quando o pagamento não é cumprido na data agendada, pois se torna uma situação inconveniente para as partes envolvidas. Em tempos mais antigos, era mais comum que a pessoa recebesse em sua casa uma visita cobrando constantemente o 60

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E acaba sendo em vão quando o cliente não honra seu compromisso’’.

pagamento do produto. Porém, hoje em dia, é muito mais prático tentar solucionar esse problema com uma cobrança por mensagem de texto, ou até mesmo um telefonema, ainda que a cobrança presencial seja mais eficiente em certos casos. E se tratando de tecnologia, com a transferência instantânea por PIX, o depósito do pagamento também pode ser realizado com mais facilidade, então, nesse caso, pode-se afirmar que ambos saíram beneficiadas.

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A PERMUTA MUDOU AS SOCIEDADES E MUDOU COM AS SOCIEDADES Por: Karlos Sena

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lapidada para o que conhecemos hoje em dia. Até porque, em determinado momento na própria Idade Antiga, viu-se como imprescindível a existência de uma moeda de troca propriamente dita, capaz de abarcar outras transações financeiras que surgiriam a partir da complexidade das sociedades e das relações de trabalho. No contexto brasileiro, a prática do escambo sempre foi recorrente entre muitas etnias indígenas do período histórico. Para falar a verdade, isso ainda é uma realidade em muitas comunidades, não sendo nenhum fato novo. Dito isso, porém, não há

PERÍODOS DA HISTÓRIA SOBRE O ESCAMBO

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Catraieiros A Catraia

como não mencionar a participação do escambo no período colonial, já que o mesmo foi testemunha das transações desiguais entre nativo e colonizador, sendo que o último visava apenas a extração de matéria-prima da região enquanto se desfazia de seus bens supérfluos. A FEIRA DO TROCA Olga D’arc Pimentel, que vive na comunidade Nossa Senhora do Livramento, na zona rural da capital amazonense, adotou a prática do escambo na Oka Gabriel Gentil, onde todo último sábado de cada mês ela realiza a chamada Feira do Troca, uma atividade para que membros da comunidade e visitantes que ali estejam levem seus próprios objetos para trocar entre si. “Faz parte dos resgates das tradições indígenas que fazemos. O escambo é chamado por alguns povos indígenas de "Regatão", que ainda existe em algumas regiões: um recreio (embarcação grande) sai de Manaus com produtos industrializados e troca por orgânicos (farinha, peixes, frutos etc). Vejo a Feira como resgate da decência, ou seja, dizendo não ao comércio do sentimento humano. Troca-se o que não necessita por aquilo que se precisa”, diz Olga. “Em novembro, a Feira da Troca faz 6 anos, contando com o ano passado, que por causa da pandemia não funcionou”, completa Olga, que é nascida em Goiás, mas mora em Manaus desde 2002, e decidiu por conta própria se exilar na Amazônia em 2006.

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or definição, o escambo compreende a prática milenar de se trocar bens entre indivíduos sem que haja a necessidade de usar qualquer tipo de moeda que seja para isso. É objeto por objeto; coisa por coisa. Na verdade, o que entendemos como moeda eram as próprias trocas e, sendo condizente com o que a história tem a dizer, a prática do escambo como comércio se populariza em um período da Idade Antiga onde a importância do papel-moeda não era tão relevante quanto nos dias atuais; a economia em si ainda estava começando a ser

“Saudações da floresta”,

destaca Olga, ao finalizar a entrevista.

E NO MUNDO VIRTUAL? A filosofia de Olga, além de resgatar raízes indígenas, também parece ter como objetivo destoar do cenário urbano contemporâneo, onde as pessoas que já possuem em mãos os instrumentos necessários para mediar as transações financeiras os utilizam, em sua maioria, para consumir cada vez mais coisas que não precisam. Nesse contexto, o escambo também renasce na atualidade, mas, dessa vez, como forma de se desapegar do que não faz mais sentido manter em casa e reutilizar esses bens entre indivíduos por meio de um consumo colaborativo. A internet propiciou um contato mais dinâmico para que essas mesmas pessoas pudessem se organizar entre si para realizar suas permutas. Sites brasileiros, como “Xcambo” e “Descola Aí”, seguiram a onda do estrangeiro “FreeCycle” para popularizar movimentos do tipo em nosso país e até chegaram a fazer um bom sucesso alguns anos atrás, mas caíram em desuso ao ponto de deixarem de existir. O e-commerce evoluiu e a passada de bastão parece ter sido feita para as redes sociais, especialmente o Facebook, onde é possível encontrar inúmeros grupos destinados somente para a troca de objetos entre os usuários, sendo que essa presença forte não é tendência somente no feed do manauara, como em toda parte do país e do mundo.

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Além da Fronteira

Além da Fronteira

Venda é feita em

O município de Tabatinga. Fotografia: Gabriel Porto.

portunhol O comércio na Tríplice Fronteira: Brasil, Colômbia e Peru Por: Beatriz Farias

NÃO IMPORTA A NACIONALIDADE DA MOEDA Localizado a 1.106 km da capital amazonense, no extremo ocidental da Amazônia brasileira, o município de Tabatinga possui relação singular com os países sul-americanos Colômbia e Peru. Criada em 1983, Tabatinga é cidade gêmea de Letícia, capital

do departamento de Amazonas, na Colômbia, sendo também divisa com a cidade de Santa Rosa do Yavarí, no Peru. A tríplice fronteira amazônica, união dos três países, é um fenômeno que desperta a curiosidade, sobretudo pela particularidade das relações comerciais fronteiriças.

Tríplice Fronteira vista por meio de satélite. Destacado em amarelo está a divisa Tabatinga-Letícia e em vermelho Tabatinga-Santa Rosa. Fotografia: Google Maps.

TABATINGA O município de Tabatinga provém do povoado São Francisco Xavier de Tabatinga, fundado, na primeira metade do século 18, por Fernando da Costa Ataíde Teives. Com objetivo de assegurar a proteção dos limites territoriais do Brasil, foram estabelecidos postos de guarda, militares e fiscais na divisa com a Colômbia e o Peru. A partir da instalação das forças na região, surgiram-se vilarejos. Contudo, por muitos anos, o povoado de São Francisco Xavier de Tabatinga não possuiu autonomia, pertencendo ao município de São Paulo de Olivença (até 1898) e, posteriormente, Benjamin Constant (de 1898 a 1981), sendo fundado oficialmente somente em 1983. Quando declarada independente, Tabatinga reunia 17 mil habitantes, aumentando para 52 mil, 30 anos depois. Hoje, estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam Tabatinga como o

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município mais populoso do Alto Solimões, acumulando mais de 71 mil habitantes. Os dados indicam um crescimento populacional de 317%. A população de Tabatinga descende, em sua maioria, da miscigenação entre colombianos, brasileiros, peruanos e indígenas, especialmente os da etnia Ticuna. A presença de imigrantes na cidade, que recebe missionários católicos desde sua criação, também é considerável. Atualmente, o município recebe militares, bancários, médicos e demais profissionais que costumam exercer suas atividades durante certo período na região. Com área total de três 225,064 km², Tabatinga é banhada pelos rios Solimões, Içá, Japurá e seus afluentes. A TRÍPLICE FRONTEIRA Denomina-se Tríplice Fronteira o encontro fronteiriço entre Brasil, Peru e Colômbia. A ligação de Tabatinga com a cidade de Letícia é territorial, ocorrendo por meio de uma

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pelo Sebrae, o Comércio é a atividade empresarial predominante (79%), seguido por Serviços (19,30%) e Indústria (1,20%). Segundo relatório da ALCMS, alguns dos aspectos positivos da economia na Tríplice Fronteira são: • Intensa relação comercial com Letícia e Santa Rosa. • Desenvolvimento do serviço de fornecimento de energia elétrica. Potencial Turístico. • Presença de Instituições de ensino superior e técnico: Ifam, UEA e Cetam. Como aspectos negativos pode-se citar:

conurbação. Com a cidade Peruana de Santa Rosa do Yavarí, o município amazonense encontra-se por meio de uma fronteira úmida. Além de compartilhar o mesmo território, Tabatinga, Letícia e Santa Rosa do Yavarí são interdependentes em diversos outros aspectos. A combinação dá resultado a uma dinâmica única, que é refletida na cultura, política e economia local.

• Falta de infraestrutura viária. • Má qualidade do sistema de telecomunicação e internet. • Desconhecimento dos incentivos da Área de Livre Comércio. • Nível incipiente de industrialização. • Carência de formalidade nas interações comerciais entre as cidades fronteiriças.

O comércio na Tríplice Fronteira é intenso. A diferença de moeda não é empecilho na hora das compras, sendo aceito como forma de pagamento tanto o Peso colombiano quanto o Real brasileiro. Um aspecto de destaque é a culinária regional, com diversas opções de bares e restaurantes típicos da Colômbia, Brasil e Peru. Outro traço, e talvez o mais marcante das fronteiras desses países, é a possibilidade em adquirir produtos importados e/ou réplicas por valores bem abaixo dos disponíveis no mercado brasileiro. Alguns dos artigos mais vendidos são: sapatos, acessórios, bebidas e cigarros, perfumes e guloseimas em geral. A venda informal de gasolina também já faz parte do cotidiano da divisa Brasil-Colômbia-Peru. Falando o característico “Portunhol”, vendedores ambulantes instalados em "banquinhas" vendem, em garrafas PET, quantidades variadas de gasolina vindas do Peru para motociclistas e motoristas de veículos alternativos como os “Tuk-Tuk”. Em entrevista à Catraieiros, o tabatinguense João Carlos Souza, 26, conta detalhes sobre a prática de comércio informal de gasolina. “A venda de gasolina é uma prática bastante curiosa mesmo, porque

têm brasileiros que só abastecem em Letícia, outros em Tabatinga, e ainda há aqueles que preferem a gasolina peruana”, revela o balconista. Por outro lado, o turista Gabriel Porto ao visitar Tabatinga e Letícia ficou impressionado com a fluidez entre os idiomas utilizados na fronteira. “Na fronteira, o idioma falado varia. Alguns colombianos misturam português e espanhol; outros falam o espanhol de maneira mais lenta (o que facilita a compreensão). É comum, também, tanto brasileiros quanto colombianos serem fluentes em ambas as línguas, era o caso da recepcionista do hotel em que me hospedei”. À vista disso, é notório que as diversidades que cada região do Amazonas possui deixa todos encantados. Com 62 municípios, o estado não se restringe somente à variedade em seus aspectos culturais e históricos, mas revela-se multifacetado economicamente. Divisa Tabatinga e Letícia. Fotografia: Gabriel Porto.

COMÉRCIO Longe das grandes capitais e possuindo características econômicas distintas, as fronteiras são locais propícios a uma maior flexibilidade econômica, com intervenções pontuais no comércio e transporte de mercadorias. Em Letícia, o turismo e a culinária possuem maior destaque. Já em Tabatinga, grande parte da população tem suas atividades voltadas a trabalhos na prefeitura municipal, indústria, exército e agropecuária. Todavia, de acordo com Censo Empresarial realizado

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Rua comercial em Letícia na Colômbia. No centro da via é visto um Tuk Tuk, veículo bastante utilizado na cidade. Fotografia: Gabriel Porto.

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Bandeiras do Brasil, Colômbia e Peru em Tabatinga. Fotografia: Gabriel Porto.


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Amazônia é um dos cartões postais que não se pode deixar de visitar nesse Brasil continental, o Estado do Amazonas é um dos melhores destinos, por isso é um dos mais procurados pelos turistas de todo o planeta que desejam conhecer essa rica imensidão verde. As belezas da natureza fazem com que o ecoturismo seja a principal forma de turismo no Estado, o que atrai milhares de pessoas interessadas nas mais diferentes formas de lazer, o que não falta na Região Amazônica.

Turistando no coração da Amazônia Por: Fernando Lopes

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O dever de cuidar e preservar a Amazônia é o que a torna tão especial para os amazonenses, que enxergam o turismo como uma forma de conciliar o amor e o cuidado pela floresta com o seu sustento econômico. As agências de viagem e os prestadores de serviço desse ramo de negócio possuem diversas rotas turísticas, desde passeios aos prédios arquitetônicos e históricos de Manaus até às belas e volumosas cachoeiras de Presidente Figueiredo. Os estadunidenses são os estrangeiros que mais visitam o Amazonas, seguidos dos alemães, franceses, ingleses e japoneses. Eles possuem mais interesse em conhecer essa Amazônia selvagem, e embarcam nessas

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jornadas que adentram a natureza mais bruta. O período de início de ano, principalmente o mês de janeiro, é quando se tem mais visitas de turistas no estado. Apesar das chuvas mais intensas, mas com um clima mais ameno, em comparação aos restantes do ano, torna-se um atrativo para quem não está acostumado com as altas temperaturas da época.

Os principais pontos visitados pelos turistas que vêm ao Amazonas são: O Teatro Amazonas, o Mercado Municipal Adolpho Lisboa, o Centro Histórico de Manaus, as cachoeiras de Presidente Figueiredo o encontro das águas do Rio Negro e Solimões, trilhas em meio à Floresta Amazônica, visitação aos botos, às comunidades ribeirinhas e indígenas. A turismóloga Keila Berquet afirma que Floresta Amazônica por si só já é um atrativo para os turistas, mas explica que as agências de turismo ainda participam

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A atendente de turismo Larissa Amaral, de 24 anos, que trabalha em uma agência de turismo localizada em dos shopping centers de Manaus, conta que o cruzeiro Grand Amazon é um

de Manaus. Com a pandemia, os protocolos sanitários tiveram que ser cumpridos para a segurança de todos. Trata-se de uma parceria entre as agências e os moradores, ou seja, há acordos entre eles sobre as visitas, que proporcionam a exibição da cultura local, a venda de artesanatos e lembranças confeccionadas pelos próprios comunitários, sendo uma forma de gerar economia para ambas as partes. Os próprios moradores dessas comunidades, formados ou com conhecimento em turismo,

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dos passeios mais procurados pelos turistas internacionais, que apreciam as praias de água doce, os hotéis de selva e o contato com os botos, e por isso não é tão fácil conseguir realizar esse inesquecível passeio sem um agendamento prévio. As visitações e os passeios em comunidades ribeirinhas e indígenas também possuem alta demanda, principalmente àquelas mais próximas

atuam como intermediadores; Eles normalmente trabalham nas agências como guia turístico. No caso dos indígenas são visitadas as suas moradias, em que os turistas participam da apresentação de alguns rituais próprios de cada etnia. As principais atividades na oca receptiva são: venda de artesanatos, oferecimento de formigas assadas, participação em rituais, com o recebimento de um nome indígena, em que o turista precisa desembolsar uma quantia para participar.

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Devido ao grande número de turistas estrangeiros, as formas de pagamento variam de acordo com as normas de cada empresa. Grande parte aceita o pagamento em cartões de créditos e boletos. Já em relação ao dinheiro vivo, algumas agências aceitam moedas de outros países, como o Dólar americano (US$) e o Euro (€), podendo ser válido especificamente para alguns determinados pacotes de viagem. Outras agências aceitam

apenas o Real (R$), e indicam as melhores casas de câmbio, onde os turistas podem realizar a troca de moeda pelo dinheiro brasileiro.

dominar outros idiomas, como o espanhol e o francês pode alavancar a carreira na área. Mesmo atuando nesse ramo, os cursos para a melhor especialização do profissional não deixam de ser necessários e são cada vez mais procurados para atender as constantes mudanças do mercado. A experiência da Keila Berquet no turismo no Amazonas demonstra a versatilidade necessária para ser turismólogo: “Fui me aperfeiçoando na área, fiz a faculdade, depois o curso de guia. Agora criamos uma cooperativa

e, assim, pretendo continuar na área. Apesar de todos os pesares, eu não pretendo deixar o turismo, pois não há nada mais gratificante do que você trabalhar com o que gosta”.

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A maioria dos profissionais atuantes na área possuem formação em turismo, como o técnico e o bacharelado, mas mesmo quando não possuem especialização em turismo, eles têm conhecimento. É um requisito ter pelo menos inglês intermediário e

A paixão por trabalhar com pessoas e de exibir as inúmeras belezas naturais locais para o mundo todo tornam o trabalho desses profissionais tão importante e necessário para o desenvolvimento econômico e sustentável da Amazônia.

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de feiras de turismo, fam-trip, encontros, que ajudam na divulgação do turismo no estado do Amazonas, porém para ela as mídias digitais acabam sendo o meio mais vantajoso para atrair os turistas para o Estado.


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ma das formas mais alternativas e sustentáveis de venda é o biocomercio, que faz proveito da biodiversidade em um contexto de conservação produtiva. Os profissionais do Biocomércio vinculam o uso comercial de recursos naturais com o cuidado e a conservação do meio ambiente, com projetos de desenvolvimento que utilizam de matérias primas e serviços derivados da fauna e da flora. Países da América do Sul, que desfrutam de uma rica e extensa biodiversidade, como o Brasil, Equador, Bolívia e Peru, desenvolvem um grande mercado na área de produção e venda nesse ramo de comercialização, sobretudo com as biojoias, que fornece uma pluralidade de joalherias, brincos, pingentes, colares, pulseiras, anéis, braceletes, feitas totalmente à base de matéria-prima orgânica. O mais interessante sobre as biojoias é a sua produção totalmente artesanal, sempre com o objetivo de criar estilos criativos, mas sem prejudicar o planeta, sem a utilização de químicos

ou produtos artificiais. Outro atrativo são os seus modelos únicos, pois cada joia tem o seu próprio designer. As artesãs fazem um trabalho fenomenal em modelar cada uma das peças de forma diferenciada, assim cada cliente pode adquirir um artefato único, por isso é muito difícil encontrar duas joias iguais, o que também faz parte do charme das biojoias. MATERIAIS USADOS POR ARTESÃOS DA ÁREA Sementes, fibras, fios, algodão, penas, minerais, conchas, encerados, couros, cristais, cascas, flores secas, cipós, resina cristal e a resina epóxi. Podem utilizar qualquer tipo de madeira, velha ou nova, mas para valorizar o produto, muitos artesãos utilizam madeiras nobres. Ou seja, uma madeira rara, de alta qualidade e durabilidade, como Jacarandá, Maçaranduba, Peroba rosa, Braúna. Alguns artesãos ainda optam por revestir suas joias com ouro e prata; a variedade de materiais e combinações é gigantesca.

Biojoia inspirada na ave Guará. Foto: Instagram da Amazônia & Cia Biojoias.

O Biocomercio e a produção das Biojoias Conheça a beleza e o trabalho das artesãs que produzem as joias mais lindas apenas com materias orgânicos. Por: Victor Zidane

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Madeira maçaranduba utilizada para confecção de Biojoias. Foto: site da madeireira São Francisco, https:// www.madeireirasaofranciscoce.com.br/produtos/coberta/linhas.

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As joias mais belas feitas no Amazonas


Daiele Brito, artesãs e dona da loja Oca Biojoias/ Foto: redes sociais, Facebook.

BAIXO CUSTO EM MATERIAL A maioria dos artesãos se atém a utilizar matéria-prima regional, extraída da própria Amazônia. Eles procuram sempre reciclar o que já foi usado, por exemplo, madeira das vigas de uma casa antiga, que apesar de estarem superficialmente feias, por dentro estão fortes, bonitas e prontas para serem usadas novamente em um anel, uma pulseira ou um colar, além do cuidado para que todo esse material orgânico não apodreça, crie fungos e bactérias com o tempo. AMADAS PELOS TURISTAS Por ter um aspecto visual considerado “exótico” para estrangeiros, a maioria das biojoias chamam atenção em especial de turistas, que ficam maravilhados com um produto regional feito com as riquezas da Amazônia. “Noventa porcento dos meus clientes são de fora, ou seja, são pessoas que estão de passagem por Manaus e acham bonita o quanto a nossa cultura é incrível; valorizam muito e compram”. É o que relata a dona da Oca Biojoias, Daiele Brito, que já está nesse ramo há mais de sete anos.

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Essa combinação de cores e peças atraem mais os olhos de quem é de fora, como celebridades e famosos. E até mesmo a realeza mundial: a rainha Silvia, da Suécia, e o príncipe Charles, da família real Britânica, e sua esposa, foram presenteados com biojoias quando visitaram Manaus em 2009. Com relação ao público de Manaus, ela ainda diz que: “Infelizmente, com os manauaras eu tenho essa dificuldade. As pessoas que são daqui mesmo têm uma certa dificuldade de gostar do que é da nossa terra. Apesar que tem um grupo seleto, entre o pessoal de humanas, da galera que mexe com meio ambiente, como engenheiros florestal, biólogos, e a turma da cultura e da arte que gostam muito desse tipo de produto”. Países como Estados Unidos, Alemanha e China são os maiores compradores dos acessórios de moda e pedras preciosas brasileiras. Enquanto isso no Brasil, as vendas para outros estados são uma grande parte do lucro deste mercado. Não à toa, que em épocas festivas e fim do ano, quando a cidade tem uma maior

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Biojoia feita com resina. Foto de Débora Rodrigues Prado.

concentração de turistas, as vendas são maiores. A divulgação por meio de redes sociais e a comercialização online contribuem para a visibilização dos artefatos para o resto do Brasil, criando uma grande demanda externa dos estados do Sul e Sudeste. MAS POR QUE ENTRAR NO MERCADO DAS BIOJOIAS? Uma boa alternativa de renda extra No caso de mulheres artesãs, muitas delas não focam somente na

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Por usar muito da matéria-prima, muitos materiais não precisam ser comprados, sendo possível coletar e reutilizar a maioria deles. Entre algumas peças e alguns utensílios que precisam ser comprados, estão a resina epóxi por exemplo, a mais utilizada e recomentada na produção de biojoias, e custa 100 reais o quilo. Para fazer um colar simples, precisaria de apenas dez gramas. Vendendo dois colares desses por 60 reais já se consegue pelo menos pagar o valor da resina. Não precisa comprar nenhuma máquina elétrica ou equipamentos do tipo, bastando somente lixas para fazer o polimento, e a madeira não precisa ser nova, pode reutilizar madeira velha. E, assim, por ter um custo muito baixo, as mais simples das jóias vendidas podem gerar uma alta lucratividade. ESTÁ NA MODA Cada vez mais as biojoias têm se popularizado tanto pela sua beleza natural quanto pelo valor de venda, que é muito abaixo de uma bijuteria convencional.

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produção de biojoias. Elas trabalham na produção de outros produtos artesanais, mas fazem suas biojoias como uma garantia de renda extra ou atuam como assistentes fazendo produtos para vender no quiosque de outros artesãos. Algumas fazem apenas como um hobby, enquanto mantêm seus trabalhos permanentes; criam somente para vender em feiras de artesanato ou eventos regionais. Uma biojoia bonita, porém, simples custa em média 60 reais, mas uma mais complexa pode chegar a 150 reais.


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Além da Fronteira Fonte: adaptado de IBMG.

POSSIBILIDADES ILIMITADAS DE PRODUÇÃO É um trabalho que requer muita criatividade, podendo se fazer o que quiser com os materiais à disposição. Pode-se fazer qualquer imagem que vier à cabeça, inventar e renovar, inspirando-se em animais, plantas, paisagens, ou criar peças feitas para combinar com roupas especificas, além de poder atender os desejos pessoais dos clientes, fazendo o que eles desejarem. UMA VENDA PRÁTICA E LOCAL Por serem acessíveis, possivelmente vão vender muito rápido. Não precisa procurar por clientes, pois apenas

vendendo na região, bairro ou rua em que mora, provavelmente já vão ter pessoas dispostas a comprar. Pode começar também vendendo para amigos e familiares, e economizar com fretes e distribuição. É claro que o mercado das biojoias não conseguiu escapar das consequências da pandemia da Covid-19. Muitos quiosques tiveram que fechar por longos períodos e outros ainda não voltaram a funcionar. Diante dessa crise, vendas on-line foram um grande desafogo, principalmente pelo Instagram. Os artesãos que fazem quase tudo por conta própria conseguiram divulgar seu trabalho e expandir as vendas para todo o Brasil.

As vendas que cruzam o Amazonas COMÉRCIO AMBULANTE PRATICADO NOS RIOS

Ambulantes, flutuantes e regatões: uma influência histórica para os ribeirinhos e o Amazonas Por: Victor Zidane

Barco M Gomes I, cheio de passageiros e mercadorias. Foto de Manoel Gomes.

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estivas que levam para o comércio de lá e encomendas”.

O transporte fluvial no Amazonas é muito importante. Para viajarmos por entre os municípios e rios a única maneira é por meio de barcos, canos, lanchas, navios e balsas. Essas viagens, que vão desde o rio Negro até o Solimões levando e trazendo pessoas, criam nesse meio uma espécie de comércio ambulante entre os viajantes e os ribeirinhos que vivem às margens dos rios. Uma forma não só de proporcionar acessibilidade para quem mora distante das cidades ou municípios, como também fortalece a economia da Região, gerando empregos, produção, vendas e comércio.

A importância da viabilidade do transporte fluvial na Região é o custo benefício, visto que o valor pago é bem mais barato. Uma passagem de barco custa em torno de 120 a 150 reais, sendo possível transportar também mercadorias e produtos, e, normalmente, sem cobrarem nada por isso, apenas a passagem, além da alimentação gratuita servida na embarcação.

O senhor Elson da Silva, que trabalhou durante sete anos cruzando os rios do Amazonas de município em município, compartilha um pouco sobre o comércio e o transporte de mercadorias. “O comércio é muito bom, a mercadoria é boa, e os ribeirinhos utilizam muito. O nosso Estado é cheio de municípios, e para chegar nesses municípios tem que ser através de barco... Balsa! Quem vive do transporte de balsa ganha muito dinheiro. Tem cara que só vive disso aí. Transportar mercadoria dá muito dinheiro. Levar uma moto dá 300 reais a 400. É muito bom. Para quem tem barco dá para o cara negociar e viver bem. Eles vivem disso: passageiros,

OS COMÉRCIOS FLUTUANTES Uma outra forma de comércio ambulante que alimenta esse segmento está na economia fluvial, que são os mercados em cima do rio. Os flutuantes funcionam como mercadinhos mesmo, e são abastecidos com produtos, alimentos, ferramentas, água potável, gás de cozinha, peças, e tudo o que for necessário para o dia a dia dos ribeirinhos ou dos viajantes que estão apenas de passagem. Construídos com o mesmo material das casas flutuantes, geralmente ficam em torno de 600 metros dos municípios, mas também podem ficar mais isolados. Em regiões afastadas, rio adentro, esses flutuantes comerciais são um benefício para as embarcações que fazem viagens mais longas. Esses comerciantes contribuem ainda mais para economia da Região ao

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TRANSPORTE DE MERCADORIAS PELOS RIOS

Regatão - Ilustração de Percy Lau.

comprarem peneiras, utilizadas na produção de farinha, e paneiros, feitos artesanalmente pelos ribeirinhos e comunidades, e as revendendo para produtores de farinha e agricultores. A CONTROVÉRSIA DO REGATÃO Percorrendo os rios da Amazônia, em pequenos barcos ou mesmo canoas, havia a figura do regatão, que se ocupava do comércio. Eram homens aventureiros que enchiam seus barcos de mercadorias e subiam os rios comercializando e vendendo os seus produtos à população do interior. Em troca, eles recebiam produtos nativos valorizados na cidade, como borracha, material têxtil, peles de animais. Durante a “Subida”, que é como eles chamam o ato de vender os produtos a prazo, eles entregavam as suas mercadorias com esperança que na “Baixada” (cobrança) os ribeirinhos pudessem pagar. Eles davam um prazo de um mês a 40 dias. Como muitos ribeirinhos não podiam fazer suas compras nas cidades, criou-se uma dependência entre eles. No século XIX, milhares de regatões viajavam de uma ponta a outra da Amazônia. Apesar de serem a única fonte de alimento para população ribeirinha, eram figuras controversas. Em um projeto de pesquisa sobre O regatão e a resistência cabocla na

Regatão fonte expedição Foz do Breu.

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Amazônia tradicional, do geografo David G McGrath, da universidade de Havard, são apontas as contradições que existiam com relação aos regatões. Ainda no século XVIII, com a chegada dos sistemas de aviamento, a ligação entre seringalistas e casas aviadoras, o regatão passou a funcionar clandestinamente, comercializando à noite, visando a escapar da vigilância dos proprietários dos seringais. Procurando sempre obter o maior lucro possível, eles barateavam o preço da mercadoria comprada junto ao seringueiro. Mesmo que o valor negociado com o regatão ser um pouco inferior ao que era pago pelo seringalista pela sua borracha, o seringueiro recorria ao comércio clandestino do regatão como uma forma de resistência, visando a suprir necessidades nunca atendidas pelos patrões do seringal. Apesar de suas atitudes questionáveis, o regatão foi uma forte influência para a economia e a sociedade amazônica, ajudando a construir, manter, e, depois, desmanchar todo o sistema mercantil que prevalecia em toda região. Porém, no início do século XX, a modernidade chegou, diminuindo drasticamente a presença dos regatões. Os que remanesceram ainda tentam trabalhar em conjunto com as populações ribeirinhas mais carentes, entretanto, enfrentam as dificuldades de um negócio à beira da extinção. 79


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