8 minute read
49 Maria Clara Ramos Petrarca
VIDAS SECAS E A ESTÉTICA DA FOME
Maria Clara Ramos Petrarca
Advertisement
Brasil e o mapa mundial da fome
Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), no ano de 2014, o Brasil chegou a menos de 4 milhões de habitantes em segurança alimentar, saindo, então, do Mapa Mundial da Fome. Porém a partir do ano de 2015 a 2021, aproximadamente 15 milhões de brasileiros passaram fome, e, com a chegada da pandemia, causada pelo vírus da Covid-19 esses números apenas obtiveram a inclinação a aumentar, pois cerca de 15 milhões de brasileiros ficaram desempregados, conforme o registro feito pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Portanto, esse assunto é uma questão antiga que vem se intensificando na sociedade à medida que aumentam as desigualdades sociais. No que se refere à subnutrição, existem diversas manifestações, embates e lutas, tanto dos setores dominantes, quanto da classe subalterna em busca de soluções a esses problemas enfrentados. E se nós olharmos para o passado, em meados do século XIX ao século XX, dispuseram inúmeros confrontos sociais liderados pelas classes populares, que mesmo ao tentarem trazer uma solução aos mais necessitados, essas lutas eram classificadas como “ revoltas ” , pois a população não enxergava a realidade complexa que estava por trás destas manifestações.
Desta forma, que tipo de relação há entre esse tema e a obra de Graciliano Ramos? Vidas Secas nos traz a ambientação do sertão nordestino, cujas personagens principais são Fabiano, Sinhá Vitória (esposa de Fabiano), a cachorra Baleia e seus filhos que não possuem nome, sendo assim, são comumente chamados somente de “ menino mais velho ” e “ menino mais novo ” . E quando nós falamos sobre o contexto social e histórico do país na qual a obra foi escrita, existe uma forte questão política e geográfica que beneficiava os grandes latifundiários e fazendeiros, características estas encontradas no período da República Oligárquica.
Com isso, podemos concluir que a pobreza, medida pela renda escassa, alcança mais de um quarto da população brasileira e propaga-se por todas as regiões do país, angustiando, principalmente, as populações do Norte e Nordeste, e ainda mais particularmente, a população rural dessa última região. A desnutrição, com base no retardo do crescimento infantil, alcança cerca de 10% das crianças do país e se dissemina ao longo do território nacional de forma similar à pobreza, mesmo havendo diferenças regionais mais intensas.
Agora se recordava da viagem que tinha feito pelo sertão a cair de fome. As pernas dos meninos eram finas como bilros, Sinha Vitória tropicava debaixo do baú de trens. Na beira do rio haviam comido o papagaio, que não sabia falar. Necessidade. (RAMOS, p. 22)
Quando nós paramos para analisar o título da obra "vidas secas" e separamos ambas as palavras buscando metáforas e significação, percebemos que "secas" não é somente sobre a falta de água, mas quando não há alimento e existe uma precariedade cultural. A obra conta uma história sobre vidas que não são ficcionais, pois o sertão nordestino traz exatamente essa separação econômica, social e cultural.
Fabiano também não sabia falar. As vezes largava nomes arrevesados, por embromação. Via perfeitamente que tudo era besteira. Não podia arrumar o que tinha no interior. Se pudesse... Ah! Se pudesse, atacaria os soldados amarelos que espancam as criaturas inofensivas. (RAMOS, p. 22)
Pensando nisso, existem outros dois tópicos dentro de Vidas Secas que conversam com os assuntos sociais de países como o Brasil, Haiti, Venezuela, Cuba, etc. São eles:
A migração
Para contextualizar, a migração acontece no momento em que um grupo de pessoas se desloca pelo espaço geográfico buscando meios de sobrevivência. Sendo assim, uma das características mais marcantes na história de Vidas Secas é a migração da família de Fabiano e Sinhá Vitória, e por isso, muitas vezes na história, o autor utiliza a comparação das revoadas das aves de arribação, na qual esses são pássaros migratórios que vivem justamente no semiárido nordestino e acabam deixando esse espaço em períodos de seca. Em relação aos fatores listados anteriormente, o que mais motiva a migração é o fator ambiental, pois entre os anos 2000 a 2017, 27% da população do Nordeste foi obrigada a se deslocar, portanto, mesmo que estas sejam razões que cabem perfeitamente em vidas secas, normalmente não é a maior causa atualmente.
Vale ressaltar que existe uma diferença entre “ migrante ” ,
“imigrante ” e
“ emigrante ” , portanto, migrante é o movimento de uma pessoa, grupo ou animal de um local para outro. Imigrante é a entrada de uma pessoa em um país estrangeiro. E emigrante é a saída de uma pessoa de seu país de origem a fim de viver em um diferente. No caso da obra é "migração" porque a família de Fabiano e Sinhá Vitória estão, temporariamente, buscando um lar estável e saudável para viver. Quando pensamos em imigrantes, podemos usar os habitantes de Cuba ou Síria chegando de barco no Brasil, com a intenção de fugir da guerra ou da fome, em busca de sobrevivência.
“Seu Tomás fugira também, com a seca, a bolandeira estava parada. E ele, Fabiano, era como a bolandeira. ” (RAMOS, p. 09)
“Chegara naquele estado, com a família morrendo de fome, comendo raízes. Caíra no fim do pátio, debaixo de um juazeiro, depois tomara conta da casa deserta. Ele, a mulher e os filhos tinham-se habituado à camarinha escura, pareciam ratos - e a lembrança dos sofrimentos passados esmorecera. ” (RAMOS, p. 11)
Apesar de um dos fatores da migração ser por causa da seca, o assunto principal da obra não é a seca, e sim, a fome. Pensando nisso, a migração pode ser caracterizada em possíveis quatro etapas que conversam com a obra e a sociedade em contexto mundial:
Fatores econômicos - é sobre a busca por oportunidades de trabalho; Fatores sociais - é sobre a busca por melhores condições de vida; Fatores culturais - é sobre a busca por identificação social; Fatores ambientais - é sobre a busca por locais que não inviabilizam a vida humana no geral.
Ambos os casos servem como exemplo dentro da obra e quando observamos a humanidade de forma social, econômica e geográfica.
E quando mencionamos os imigrantes, o Brasil acolhe cerca de 22,5 milhões de refugiados e a maior parte deles é proveniente de países como a Síria (2.554 refugiados), Angola (1.477 refugiados), Colômbia (1.141 refugiados), República Democrática do Congo (1.089 refugiados), Palestina (421 refugiados) e Líbano (391 refugiados).
A escassez da água
A vegetação básica que existe no sertão é a caatinga, na qual apresenta grande variedade de formações, todas adaptadas à prolongada estação de seca. As temperaturas variam de 23 e 27 °C e a pluviosidade fica entre 2.000 e 3.000 milímetros. Levando em consideração os valores médios anuais das chuvas, geralmente estas podem ocorrer em somente um mês ou se distribuem de forma irregular entre 3 a 5 meses, geralmente no período entre abril a julho.
No começo do texto foi apresentado que o ponto crucial da história da obra não era a seca, porém quando pensamos em plantação, é necessário levar em consideração a necessidade de água, pois, não há como desfrutar da produtividade agrícola quando não há água o suficiente para que isso aconteça. Sendo assim, foi registrado no ano de 2016, no Piauí umas das maiores secas Gráfico da porcentagem de refugiados
já observadas, diminuindo cerca de 30% o número de cabras e ovelhas do estado, uma vez com a seca em excesso, os açudes extinguiram-se. Por causa disso, os moradores dessa região se reuniram com a intenção de furar um poço artesiano, e mesmo essa ocasião não acontecendo pela primeira vez, os agricultores precisaram desembolsar cerca de R$10.000 para furar o terreno.
Considerações finais
Sendo assim, para finalizar o texto, nós podemos tirar como conclusão o fato de que as diferenças identificadas na evolução da pobreza, da desnutrição e da fome confirmam a natureza diversa desses problemas, e, portanto, podemos afirmar que por trás das águas cristalinas presentes nas praias onde quase toda a população brasileira idolatra, existe uma lacuna preenchida pela escuridão e que assim como em Vidas Secas existem outras inúmeras obras e demais indivíduos que sofrem com esse tipo de problemática a qual, como dito anteriormente, alcança mais de um quarto da população brasileira, mas, ainda assim, podemos interpretar e retirar da obra de Graciliano Ramos a identificação da existência de uma esperança em suas personagens, sendo assim, pode ser possível, ainda hoje, a permanência da fé, em muitas pessoas, de que dias melhores virão.
Referências:
As causas da migração forçada no Brasil entre 2000 e 2017. Instituto Igarapé: pensa, conecta, transforma. Disponível em: <Observatório de Migrações Forçadas (igarape.org.br)> . Acesso em: 05 Out 2022.
Brasil volta ao Mapa Mundial da Fome. Jornal da Band, 2021. Disponível em: <Brasil volta ao mapa mundial da fome | Band (uol.com.br)> . Acesso em: 05 Out 2022.
NICOLAU, Analice. Brasil no mapa da fome: Conheça o Movimento Circular e como ele pode ajudar a evitar o desperdício de comida. Jornal de Brasília, 22 Jun 2022. Disponível em: <Brasil no mapa da fome: Conheça o Movimento Circular e como ele pode ajudar a evitar o desperdício de comida - Jornal de Brasília (jornaldebrasilia.com.br)> Acesso em 05 Out 2022.
RAMOS, Graciliano. Vidas secas. São Paulo: Record, 2019.
Relatório indica que Brasil saiu do Mapa Mundial da Fome em 2014. GOV, 16 Out 2014. Disponível em: <Relatório indica que Brasil saiu do Mapa Mundial da Fome em 2014 — Português (Brasil) (www.gov.br)> . Acesso em: 05 Out 2022.