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Em busca da descoberta
O
físico alemão e criador da Teoria da Relatividade Geral, Albert Einstein, afirmou certa vez que “não são as respostas que movem o mundo, são as perguntas”. Sessenta anos após a sua morte, as descobertas de Einsten ainda são os pilares da física moderna e sua famosa frase continua sendo o motor da busca pelo conhecimento. E uma das principais premissas da Petrobras é a constante busca pela descoberta. Não apenas o descobrimento de um campo de petróleo, mas de novas maneiras de agir frente aos desafios. Nesse contexto, a edição 65 da Petrobras Magazine Global Connections mostra a união entre criatividade e esforço como o caminho para inovar e atingir resultados cada vez mais desafiadores. Contamos histórias de pessoas que pensam e agem de forma engenhosa, mostramos as novas relações entre o homem e a tecnologia e apresentamos os benefícios, avanços e revoluções que essas conquistas trazem para o mundo. Nessa edição, apresentamos pessoas que dão novos usos a conceitos e tecnologias para transformar o cotidiano. Entre elas, estão o sociólogo Domenico De Masi e o economista Michael Green, que falam sobre a importância entre equilíbrio econômico e qualidade de vida na seção Dialogues. Em Energy Geek, contamos como os conceitos subsea to somewhere e subsea to shore estão sendo utilizados para
levar equipamentos tradicionalmente presentes em plataformas para o fundo do mar. Na seção Frontiers, vamos ao Núcleo de Visualização e Colaboração da Petrobras, um dos mais modernos do mundo, para mostrar como a realidade virtual está levando os técnicos para dentro dos projetos e aumentando a segurança das operações. Em Over the Seas, contamos tudo sobre a pesquisa com corais que identificou uma substância capaz de combater superbactérias, como a KPC, que provoca infecções hospitalares. E mais: Ged Davis, diretor do Conselho Mundial de Energia, fala sobre os cenários energéticos que estão sendo previstos para o futuro; o matemático brasileiro Arthur Ávila, ganhador da Medalha Fields, conta um pouco da sua história; e Laís Abramo, diretora da OIT Brasil, destaca os desafios da mulher no mercado de trabalho. Apresentamos ainda a arte de OSGEMEOS, grafiteiros de sucesso internacional. Convidamos você a explorar também a revista na versão tablet e o site www.petrobras.com/magazine, com mais interatividade e galerias de fotos, vídeos e áudios inéditos. E fique atento: em breve traremos novidades, planejadas com o objetivo de ficarmos ainda mais próximos e conectados com você. Aguarde! Uma boa leitura, Equipe Petrobras Magazine Global Connections
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BACKSTAGE
Global Connections
dialogues #1
03
frontiers #1
dialogues #2
Nossos Entrevistados
over the seas #1
Conheça o sociólogo Domenico De Masi, o economista Michael Green, o engenheiro Luciano Reis e o biólogo Clóvis Castro, personagens desta edição que são movidos pelas perguntas e a busca pelo novo.
over the seas
#2
STAFF GERENTE EXECUTIVO DE COMUNICAÇÃO INSTITUCIONAL: Wilson Santarosa | GERENTE DE RELACIONAMENTO INSTITUCIONAL E MÍDIAS PROPRIETÁRIAS: Gilberto Puig Maldonado | GERENTE DE RELACIONAMENTO INTERNACIONAL: Patricia de Mello Dias | EDITORA E COORDENADORA: Estephani Beiler Zavarise | EDITOR: Carlos Aurélio Werneck de Miranda e Silva | EDITORA DE IMAGENS: Suzana Fuhrken Peixoto | ESTAGIÁRIAS: Rafaela da Rocha Costa e Isabella Leal Ignacio CONSELHO EDITORIAL ABASTECIMENTO: Gustavo Melione Abreu | ÁREA INTERNACIONAL: Raphael Dias de Souza | CENTRO DE PESQUISAS: Liza Ramalho Albuquerque | EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO: Douglas Hamilton Santos Lobo | ENGENHARIA, TECNOLOGIA E MATERIAIS: Ana Gabriela Spohr Josua | GÁS E ENERGIA: Sandra Vasconcellos Chaves | IMAGEM CORPORATIVA E MARCAS: Alexandre Henrique Pott |IMPRENSA: Paula de Oliveira Almada Moraes | MÍDIAS PROPRIETÁRIAS: Leonardo Bruno Bocks Avellar | PETROBRAS BIOCOMBUSTÍVEL: Valério Tito Gama | COMUNICAÇÃO E RELACIONAMENTO INTERNO: Patricia Alves do Rego Silva | RESPONSABILIDADE SOCIAL: Elizete Pompa Antunes Vazquez | RELACIONAMENTO COM INVESTIDORES: Orlando Costa Gonçalves Junior | SEGURANÇA, MEIO AMBIENTE, EFICIÊNCIA ENERGÉTICA E SAÚDE: Jose Carlos Coelho Cidade | PATROCÍNIO CULTURAL E ESPORTIVO: Fabio Jose Melo Malta REALIZAÇÃO PUBLISHER: Llorente & Cuenca | EDITOR: Anatricia Borges | JORNALISTA RESPONSÁVEL: Natalia Pacheco | PRODUTOR VERSÃO TABLET: Víctor Valverde | REVISÃO: Raquel Abrantes | TRADUÇÃO: Batata Comunicações | FOTOGRAFIA: Francisco de Souza | EDIÇÃO E COORDENAÇÃO DE ARTE: Yolanda Yebra | DESENHO, ILUSTRAÇÕES E ARTE DIGITAL DA FOTOGRAFIA: Tres Simple | INFOGRÁFICOS: Nicolás Diez, Sebastián D’Aiello e Pini Day | REPÓRTERES: Alexandre Gaspari e Gabriel Costa
A revista Petrobras Magazine Global Connections não é vendida. Para solicitar assinatura, informações e enviar cartas ou sugestões, entre em contato com a redação: Petrobras / Relacionamento Internacional Avenida República do Chile 65, sala 1902 - Rio de Janeiro - RJ CEP: 20031-912 Brasil E-mail: petromag@petrobras.com.br | Site: www.petrobras.com/magazine O conteúdo desta edição foi fechado em 28 de janeiro de 2015 A reprodução parcial ou total dos artigos desta publicação é autorizada mediante menção à fonte. Copyright 2014 por Petrobras. Afiliada à Associação Brasileira de Comunicação Empresarial
INDICE INDICE
índice 14. ALL OVER A próxima onda de inovação
6. DIALOGUES Ideias para o século XXI Domenico De Masi e Michael Green falam sobre equilíbrio econômico e qualidade de vida
Eventos debatem as principais questões do setor de óleo e gás
18. ENERGY GEEK Operação Remota Conceitos subsea to somewhere e subsea to shore levam equipamentos das plataformas para o fundo do mar
24. PRISMA Igualdade de gênero Uma questão de justiça social, direitos humanos e desenvolvimento sustentável Por Laís Abramo, diretora da OIT Brasil
26. OVER THE SEAS Cura que vem dos oceanos Pesquisa com corais típicos do Brasil identifica substância que combate superbactéria
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34. NEW DIMENSIONS Desafios globais da energia sustentável Ged Davis, do Conselho Mundial de Energia, fala sobre cenários futuros
38. FRONTIERS Em outra dimensão Realidade virtual leva técnicos das empresas para dentro dos projetos em campo
44. PROFILE Gênio Provável Arthur Ávila, o brasileiro que ganhou a Medalha Fields, o "Nobel" da matemática
48. ART BOOK Caleidoscópio em arte O estilo, a história e algumas obras de OSGEMEOS
55. BIG BANG Curiosidades Conheça algumas pesquisas que podem contribuir para a preservação do meio ambiente
DIALOGUES
IDEIAS PARA
O SÉCULO XXI O sociólogo italiano Domenico De Masi e o economista inglês Michael Green propõem a adoção de novos indicadores em contraposição ao PIB para medir o progresso ideal das nações, numa espécie de pacto entre o desenvolvimento e a felicidade humana. Em entrevista exclusiva à Petrobras Magazine Global Connections, eles falam sobre os caminhos e desafios para as sociedades do século XXI conciliarem o equilíbrio econômico e a qualidade de vida
E
m seu último livro Mappa Mundi - lançado no Brasil como O Futuro Chegou –, Domenico De Masi propõe a adoção do índice de Felicidade Interna Bruta (FIB) - criado na década de 70, no Butão - como uma alternativa para medir o grau de desenvolvimento dos países. O economista Michael Green, co-criador do Índice de Progresso Social, acredita
que o uso global do indicador que relaciona o desenvolvimento econômico ao social pode levar os países a uma espécie de competição em torno da redução de desigualdades. Nesta entrevista, ambos discorrem sobre as novas ideias que podem ajudar o planeta a avançar rumo a um desenvolvimento mais sustentável e justo.
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Fotos: Francisco de Souza
DIALOGUES
PMGC: Os senhores propõem, cada um à sua maneira, novas formas de mensurar o desenvolvimento social das nações. Como fazer isso? De Masi: Creio que se deva calcular tanto o PIB quanto o FIB. Os dois principais inimigos da felicidade são o consumismo e a competitividade. Atualmente, em todos os países ocidentais, a publicidade induz a necessidades alienantes, os bancos fazem empréstimos para permitir a aquisição desses produtos, as empresas produzem itens que substituem rapidamente aqueles já comprados. Essa corrida neurótica produz, de um lado, uma parcela rica sempre pouco numerosa e cada vez mais rica, e do outro lado uma massa de pobres sempre numerosa e cada vez mais pobre. Segundo a ONU, em 2000, quando éramos seis bilhões de pessoas no planeta, os ricos eram 20% e os pobres eram 80%. Em 2050, quando seremos 9,3 bilhões, os ricos serão 12% e os pobres serão 88%. Se isso realmente
“SE VOCÊ TEM UMA IDEIA VOLTADA PARA O LUCRO, É RELATIVAMENTE FÁCIL LEVÁ-LA A UMA ESCALA SIGNIFICATIVA. INOVAÇÕES SOCIAIS PASSAM POR MAIS DIFICULDADES” GREEN —
se comprovar, certamente teremos uma terceira guerra mundial. Green: Há três fatores imprescindíveis. O primeiro é: a população dispõe das necessidades básicas de sobrevivência - comida, água, abrigo e segurança? O segundo elemento é: as pessoas têm acesso às peças, aos ativos que permitirão que elas construam uma vida melhor, como educação básica, informação, infraestrutura de saúde e um ambiente sustentável? E a terceira dimensão é: cada indivíduo dispõe da possibilidade de preencher sua vida da forma que deseja sem obstáculos? As pessoas têm direitos, liberdade de escolha, vivem em uma sociedade tolerante e têm acesso a educação superior? Nós chegamos a essas definições por meio de literatura, bibliografias, junção de ideias e testes junto às pessoas, mas obviamente nem
todo mundo concorda com tudo isso, ou com uma definição de progresso social. Mas nós testamos essas definições com políticos, economistas, empresários, filósofos, pessoas nos pubs, e elas parecem ser suficientes para captar uma medida razoável do que torna uma sociedade boa e funcional de forma relativamente universal. A chave da definição do progresso social é que nós não temos PIB no modelo. O Índice de Desenvolvimento Humano da Organização das Nações Unidas (ONU), o Índice para uma Vida Melhor da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), todas essas iniciativas incluem PIB e outros indicadores econômicos e depois adicionam os indicadores sociais por cima disso. O que nós da ONG Progresso Social Imperativo fazemos é buscar analisar a relação entre desenvolvimento econômico e social.
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PMGC: Como nasceram os conceitos do Índice de Competitividade Social, Índice de Progresso Social e índice de ‘Felicidade Interna Bruta’? De Masi: O mundo, e principalmente o Ocidente, atualmente está ajustado ao pensamento neoliberal que se baseia no pressuposto de que os recursos do planeta são infinitos, que o progresso será infinito, que o mercado competitivo regula automaticamente as relações de poder que se desenvolvem na sociedade, que os conflitos sociais são sempre prejudiciais, que os ricos são ricos porque merecem e que os pobres são pobres porque, por sua vez, eles merecem. Esse pensamento, que prevaleceu com Ronald Reagan e Margaret Thatcher, conquistou o mundo inteiro e criou um dano imenso sobre os planos econômico e social. Com base neste pensamento único, a economia domina a política, as finanças dominam a economia, e as agências de classificação de risco dominam as finanças. E o resultado mais perturbador
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“A ECONOMIA DOMINA A POLÍTICA, AS FINANÇAS DOMINAM A ECONOMIA E AS AGÊNCIAS DE CLASSIFICAÇÃO DE RISCO DOMINAM AS FINANÇAS” DE MASI — é que isso aumenta em todo o mundo o fosso entre ricos e pobres. As 85 pessoas mais ricas no mundo de hoje, segundo o ranking da revista “Forbes”, acumulam riqueza equivalente à de 3,5 bilhões de pobres. E isso leva ao suicídio do próprio capitalismo, porque a produção aumenta enquanto o consumo diminui. Em O Futuro Chegou, além do modelo
neoliberal, eu testei muitos outros, do indiano ao chinês, do japonês ao muçulmano, do socialista ao comunista. Cada um desses modelos tem aspectos positivos que devem ser executados e aspectos negativos que devem ser expulsos do novo modelo ideal, utópico, que poderá levar o mundo pós-industrial a emergir de sua atual crise.
DIALOGUES
DOMENICO DE MASI O sociólogo italiano Domenico De Masi se tornou globalmente conhecido em 2000, com o lançamento do livro “Ócio Criativo”, no qual defende um modelo baseado na simultaneidade entre o trabalho, estudo e lazer. Autor de diversos livros e publicações, lecionou como professor catedrático nas universidades de Nápoles e Roma e dirigiu por 22 anos a escola S3.Studium, de especialização em ciências organizacionais.
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MICHAEL GREEN Diretor executivo da ONG sem fins lucrativos Social Progress Imperative (Progresso Social Imperativo), o economista britânico Michael Green é co-autor, juntamente com Matthew Bishop, editor da revista The Economist, dos livros Philanthrocapitalism (Filantrocapitalismo) e The Road from Ruin: A New Capitalism for a Big Society (“A Estrada da Ruína: Um Novo Capitalismo para uma Grande Sociedade”, em tradução livre). Antes, Green atuou como oficial sênior do Departamento de Desenvolvimento Internacional do governo britânico.
DIALOGUES
“O BRASIL ESTÁ FAZENDO UM TRABALHO LIGEIRAMENTE ACIMA DA MÉDIA AO TRANSFORMAR PIB EM PROGRESSO SOCIAL” GREEN —
Green: Em 2009, Matthew Bishop e eu escrevemos um artigo chamado A Curva de Capital Para Um Mundo Melhor, onde dizíamos que, se você tem uma ideia voltada para o lucro, é relativamente fácil levá-la a uma escala significativa. Investidores, capital de risco, fundos de private equity, ofertas públicas de ações. Esse tipo de ideia pode sair do nada para uma escala grande muito rápido. Inovações sociais passam por consideravelmente mais dificuldades. E nós dissemos que há uma lacuna na curva de capital por causa do modo como essas inovações precisam saltar de ONGs para filantropos e governos. Esses saltos são difíceis. E nesse artigo nós mencionamos a ideia de um Índice de Competitividade Social, que foi onde nosso projeto começou, e que logo evoluiu para o Índice de Progresso Social. Algo que nós costumamos ressaltar é que há um elo bastante estreito entre progresso social e felicidade, mas ainda são duas coisas diferentes. É possível viver em uma sociedade que é feliz, mas
repleta de falhas. E é possível viver em uma sociedade perfeitamente funcional, mas infeliz. Então esses conceitos se sobrepõem, mas são diferentes. E o que estamos tentando medir é se uma sociedade é ‘boa’ e funcional. Filosoficamente, estamos seguindo a tradição aristotélica e buscando medir a eudemonia [termo referente ao bemestar derivado do grego “eu”, ou “bom”, e “daimōn”, ou “espírito”], enquanto a felicidade é um conceito de tradição utilitarista. PMGC: O que vocês pensam sobre o modelo de sociedade brasileiro? De Masi: O atual modelo do Brasil, baseado na paz e na redução de desigualdades, é uma via de salvação para o mundo inteiro. No Brasil, deve ser dada prioridade à luta simultânea contra a corrupção, a violência, o analfabetismo e as desigualdades sociais. Felizmente, o povo brasileiro tem conhecimento
destas quatro prioridades e as denuncia através de todas as ferramentas à sua disposição: internet, manifestações de rua, comportamento eleitoral. O Brasil apresenta alguns aspectos muito positivos, incluindo o casamento entre pessoas de diferentes raças, religiões ou do mesmo sexo; o índice baixo de conflito entre os vários grupos étnicos e raciais no país; a inegável diminuição da distância entre ricos e pobres, com uma classe média que no Ocidente está diminuindo, e no Brasil tem crescido; e a propensão para a paz. Enquanto, em 500 anos, a Europa deu origem a centenas de guerras, o Brasil teve uma única guerra, a do Paraguai. Não vai ser fácil, para os países neoliberais, aceitarem o modelo brasileiro, mas, cedo ou tarde, os desequilíbrios sociais crescentes não deixarão alternativa. Green: De acordo com os dados do Índice de Progresso Social, o Brasil está fazendo um trabalho ligeiramente acima da média ao transformar PIB
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“O ATUAL MODELO DO BRASIL, BASEADO NA PAZ E NA REDUÇÃO DE DESIGUALDADES, É UMA VIA DE SALVAÇÃO PARA O MUNDO INTEIRO” DE MASI —
em progresso social. Em geral, a América Latina tende a ter uma boa performance nesse sentido. Países considerados emergentes como a Índia, China e Rússia ainda não conseguiram o mesmo patamar de correspondência entre o desenvolvimento econômico e o progresso social, enquanto o Brasil
apresenta padrões na linha de países desenvolvidos. No entanto, há países na América do Sul e Central mais avançados que o Brasil na transformação de PIB em progresso social, particularmente o Uruguai e a Costa Rica.
Veja trechos da entrevista com Domenico De Masi na versão tablet e no site www.petrobras.com/ magazine
Utilizando o IPS e o FIB A primeira iniciativa de uso do Índice de Progresso Social (IPS) no Brasil ocorreu na Amazônia, por iniciativa do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Com o mesmo método estatístico do IPS global, o Índice da Amazônia adota indicadores que refletem a realidade social de 24 milhões de pessoas em 772 municípios, com dados públicos recentes e relevantes às especificidades da região. De acordo com o estudo, 98,5% dos municípios da Amazônia têm IPS inferior à média nacional. O levantamento não encontrou correlação entre progresso social e desmatamento. O índice de Felicidade Interna Bruta (FIB) foi criado no Butão, na década de 70, pelo então rei do país, Igme Wangchuck. Propõe medir a taxa de desenvolvimento de um país não só por seus avanços econômicos, mas também pelo bem-estar de sua população e pela forma como trata o meio ambiente, entre outros critérios, como estabilidade familiar e segurança. Foi adotado em 1972 pelo pequeno país budista em contraposição ao PIB. A partir daí, o governo do Butão orientou sua gestão publica por quatro premissas: desenvolvimento econômico sustentável e equitativo, preservação da cultura, conservação do meio ambiente e boa governança.
ALL OVER
A próxima onda
de inovação E xecutivos debateram as principais questões do setor de óleo e gás na 21ª edição do Congresso Mundial de Petróleo (World Petroleum Congress – WPC), maior evento global da indústria, realizado em junho em Moscou. O congresso, que ocorre a cada três anos, reúne ministros de estado e presidentes de empresas de mais de 80 países.
Abertura da Rio Oil & Gas, realizada em setembro no Rio de Janeiro, que gerou uma expectativa de negócios de R$ 164 milhões para os 12 meses seguintes
O DESAFIO DOS 500 MIL BARRIS Em 2014, a Petrobras superou a marca dos 500 mil barris de petróleo produzidos por dia na camada pré-sal. Hoje, já são produzidos cerca de 700 mil barris por dia na província, que é composta por grandes acumulações de óleo leve e com alto valor comercial. No pré-sal, a evolução da produção é maior que a registrada em outras áreas similares no mundo, assim como a produção média por poço. EVOLUÇÃO DA PETROBRAS A produção no pré-sal também demonstra a evolução da empresa ao longo dos anos. Tempo e número de poços necessários para atingir a produção de 500 mil barris: Anos 0
5
10
15
20
25
30
35 31 anos
Petrobras (geral) (marca atingida em 1984)
4.108 poços produtores
500 mil barris por dia
Bacia de Campos (marca atingida em 1995)
21 anos 411 poços produtores
Pré-sal (marca atingida em 2014)
8 anos 25 poços produtores 0
500
1000
Poços produtores
BACIA DE SANTOS 1500
2000
2500
3000
3500
4000
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Foto: Agência Petrobras
BACIA DE CAMPOS
ALGUNS NÚMEROS DO PRÉ-SAL
ÁREA TOTAL
149 MIL KM²
o equivalente a quase três vezes e meia o estado do Rio de Janeiro
Em 2014, responde por cerca de
Em 2018, será responsável por
da produção
da produção (PNG 2014-18)
22% 52% da Petrobras no Brasil
Índice de sucesso exploratório
70% 100% Petrobras no Brasil
Petrobras no pré-sal da Bacia de Santos
RECORDE DIÁRIO DE PRODUÇÃO
713 MIL
BARRIS em 21/12/2014
34 POÇOS produtores
16 NA BACIA DE SANTOS 18 NA BACIA DE CAMPOS*
Plataformas em produção
12*
Até 2018, outras 18 unidades de produção entrarão em operação * Informações de dezembro de 2014. FONTE: Petrobras
ALL OVER
WPC ABORDOU AS INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS NA EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO EM FRONTEIRAS DESAFIADORAS — Um dos destaques foi a sessão especial “A próxima onda de inovação na exploração e produção de petróleo”, que discutiu as inovações tecnológicas recentes e futuras a fim de explorar e produzir óleo e gás em fronteiras cada vez mais desafiadoras. A gerente executiva da Petrobras para a área de Libra, Anelise Lara, participou do debate e usou como exemplo o caso do pré-sal brasileiro para falar de inovação no segmento upstream. Ressaltou que as tecnologias aplicadas, desde o imageamento dos reservatórios até a concepção das unidades de produção, foram fundamentais para o sucesso dos projetos e contribuíram para elevar em 10 vezes a produção nos últimos quatro anos e para redução dos custos.
O assessor da presidente da Petrobras para conteúdo local e coordenador executivo do Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (Prominp), Paulo Sergio Rodrigues Alonso, presidiu o fórum “Garantindo a segurança do fornecimento de equipamentos, materiais e infraestrutura de conteúdo local”. Paulo Alonso traçou um panorama das políticas de conteúdo local no mundo e ressaltou que estas não devem ser protecionistas, mas de incentivo. Entre os temas abordados por representantes da Petrobras, estiveram também “O papel da indústria na promoção do desenvolvimento”, os benefícios do uso de biocombustíveis para a redução das emissões de gases de efeito estufa e a participação das mulheres na indústria do petróleo, entre outros. Em 2014, também foi realizada a 17ª edição da Rio Oil & Gas, que ocorreu em setembro no Rio de Janeiro. Organizado pelo Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (IBP), o evento bateu recorde no volume de negócios e recebeu mais de 47 mil pessoas. A Rodada de Negócios gerou uma expectativa de negócios de R$ 164 milhões para os próximos 12 meses; durante dois dias, foram realizadas 828 reuniões com 176 fornecedores e 37 empresas âncora. A conferência contou também com a presença de 3.800 congressistas, vindos de 31 países.
Estreia na geração de energia solar Primeiro projeto da Petrobras na área de geração de energia solar, a Usina Fotovoltaica do Alto do Rodrigues, no estado do Rio Grande do Norte, já está em operação. Os primeiros testes foram realizados em maio e a operação começou em agosto de 2014. Com capacidade total de 1,1 MW, foram investidos R$ 21 milhões no projeto, abrangendo a implantação de dois laboratórios no Centro de Tecnologias do Gás e Energias Renováveis (CTGAS-ER), de seis estações de medição de radiação solar no país e diversas pesquisas sobre o assunto. O projeto tem como objetivos principais avaliar os impactos de uma central fotovoltaica na rede elétrica e levantar o custo real da energia gerada. Segundo o consultor da Petrobras José Carlos Gameiro Miragaya, a companhia está se qualificando cada vez mais para esse tipo de geração de energia. Uma outra unidade fotovoltaica foi construída também no Rio Grande do Norte, utilizando a tecnologia fotovoltaica concentrada, e está operando desde o fim de 2014 no CTGASER, em Natal.
Petrobras aumenta reservas provadas Em 31 de dezembro de 2014, as reservas provadas de óleo, condensado e gás natural da Petrobras atingiram 16,612 bilhões de barris de óleo equivalente (boe), um aumento de 0,3% em relação a 2013 (16,565 bilhões de boe), segundo o critério ANP/SPE (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis / Society of Petroleum Engineers). O balanço entre apropriações, vendas de ativos e devoluções de concessões resultou em um acréscimo de 0,943 bilhão de boe às reservas provadas, mais do que compensando a produção de 2014, que foi de 0,896 bilhão de boe. Como resultado, a Petrobras apresentou um Índice de Reposição de Reservas (IRR) de 105%. Pelo critério SEC (US Securities and Exchange Commission), as reservas provadas de óleo, condensado e gás natural da Petrobras atingiram 13,131 bilhões de boe, o que representa um aumento de 0,1% em relação a 2013 (13,123 bilhões de boe).
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O PROJETO TEM COMO OBJETIVOS AVALIAR OS IMPACTOS DE UMA CENTRAL FOTOVOLTAICA NA REDE ELÉTRICA E LEVANTAR O CUSTO REAL DA ENERGIA GERADA — Foto: Divulgação Petrobras
USINA FOTOVOLTAICA
COM 1,1 MW DE CAPACIDADE TOTAL
—
R$ 21 MILHÕES INVESTIDOS NO PROJETO
—
ENERGY GEEK
OPERAÇÃO REMOTA Conceitos subsea to somewhere e subsea to shore levam para o fundo do mar equipamentos tradicionalmente instalados em plataformas e facilitam a produção de petróleo e gás natural à distância
A
produção de petróleo e gás natural em alto mar é, quase invariavelmente, associada a uma plataforma. A ela estão ligados equipamentos que realizam desde a injeção de líquidos e gases para o aumento da vazão dos poços até a separação de óleo, gás natural e água produzidos.
Mas, e se fosse possível transferir para o fundo do mar, próximo aos poços de produção e de injeção, diversos equipamentos hoje instalados nas plataformas para realizar essas atividades? A partir dessa premissa, surgiram dois conceitos que vêm ocupando bastante as áreas de tecnologia das empresas do segmento de óleo e gás em todo o mundo: subsea to somewhere e subsea to shore.
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Foto: Roberto Rosa / Banco de Imagens Petrobras
ENERGY GEEK
A PETROBRAS JÁ VEM REALIZANDO TESTES NO BRASIL VISANDO O USO DO SUBSEA TO SOMEWHERE —
Foto: Geraldo Falcão / Banco de Imagens Petrobras
Após dois anos, técnicos da Petrobras estão verificando os primeiros resultados das tecnologias em uso
No subsea to somewhere, o primeiro benefício aparente é economizar espaço nas plataformas, com a transferência de equipamentos para o solo marinho. Mas a aplicação pode ter um alcance muito maior, evitando o uso de novas unidades para produzir petróleo e gás. Em novas descobertas, dependendo de seu tamanho e volume recuperável, as plantas de processamento e injeção seriam instaladas no fundo do mar. O
Surgem os conceitos No final dos 90 e início dos 2000, com a expansão da atividade petrolífera para águas cada vez mais profundas, a evolução na área de automação, o aumento da quantidade de campos maduros (áreas com grande tempo de atividade e que passaram a produzir mais água) e a descoberta de pequenas acumulações de óleo e gás em regiões próximas a plataformas já instaladas, a indústria começou a trabalhar com a possibilidade de evitar ou ao menos diminuir a necessidade de instalação de novas unidades de produção. Surgem, assim, os conceitos subsea to somewhere e subsea to shore, que incluem processamento de líquidos e gases, transmissão e distribuição de energia no fundo do mar, além de sistemas remotos de operação e monitoramento dessas atividades - processos hoje feitos nas plataformas instaladas nos campos.
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Foto: Steferson Faria / Banco de Imagens Petrobras
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Um dos benefícios do subsea to somewhere é economizar espaço nas plataformas
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Foto: Juarez Cavalcanti / Banco de Imagens Petrobras
A Petrobras quer ampliar a aplicação do subsea to somewhere até 2020
deste conceito evitaria a instalação de uma nova unidade de produção, com redução nos investimentos e custos operacionais associados.
volume tratado por esses equipamentos é transferido para uma unidade de produção em uma região mais afastada, em geral, em águas mais rasas. Já o subsea to shore é um conceito ainda mais radical: fazer todo o processamento dos hidrocarbonetos no fundo do mar, com a transferência dos volumes produzidos diretamente para a costa, sem o uso de uma plataforma. O uso
A Petrobras já vem realizando testes no Brasil visando o uso futuro do subsea to somewhere. Entre as inovações que estão sendo aplicadas atualmente, destaca-se a bomba multifásica submarina (BMS). Operando desde 2012, o bombeio multifásico submarino foi implantado no campo de Barracuda, na Bacia de Campos. Interligado ao poço produtor BR73 e à P-48, consiste em uma tecnologia
O BMS INSTALADO EM BARRACUDA JÁ ELEVOU A PRODUÇÃO DO CAMPO EM CERCA DE 6 MIL BARRIS DIÁRIOS —
de última geração que usa energia elétrica enviada pela unidade de produção para acionar a bomba, que é capaz de trabalhar com gás e líquido misturados em qualquer proporção, aumentando a produção de petróleo. O sistema já
No mundo Os projetos de Ormen Lange e Snohvit, campos de gás natural na Noruega, têm uma característica ainda incomum no cenário atual da indústria do petróleo: toda a produção das áreas, localizadas a cerca de 100 quilômetros da costa da Noruega, é escoada sem qualquer plataforma no caminho. São, até o momento, os únicos exemplos do conceito subsea to shore aplicados no mundo.
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A TRANSFERÊNCIA DE ALGUNS EQUIPAMENTOS INSTALADOS NAS PLATAFORMAS PARA O FUNDO DO MAR SEGUE O CONCEITO “TOOL BOX” — Foto: Geraldo Falcão / Banco de Imagens Petrobras
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elevou a produção do campo em cerca de 6 mil barris diários. Os sistemas de bombeio submarino convencionais têm limitações para a proporção gás/líquido, não sendo, portanto, indicados para qualquer campo de petróleo com gás associado – característica comum nos reservatórios offshore do Brasil. Além de elevar a produção, o uso do BMS é capaz de aumentar o fator de recuperação (produtividade) do reservatório e de viabilizar a produção em poços mais distantes da plataforma. DESAFIOS Com o BMS e outras tecnologias de processamento e bombeamento, o objetivo da Petrobras é ampliar o conhecimento sobre as novas tecnologias relacionadas ao subsea to somewhere, permitindo sua aplicação em maior escala até 2020. Os grandes desafios dessa aplicação envolvem a garantia de fornecimento de energia elétrica para o funcionamento dos equipamentos no fundo do mar e a necessidade de instalação de bombas capazes de elevar a pressão dos fluidos, sobretudo dos líquidos, para sua transferência para o continente. A transferência, para o fundo do mar, de determinados equipamentos instalados nas unidades de produção segue o conceito do “Tool Box”, que é, literalmente, criar uma “caixa de ferramentas” que possibilitem produzir campos com diversas características diferentes, através da aplicação de combinações variadas de cada uma destas “ferramentas”. Após dois anos de instalação, os técnicos da Petrobras estão verificando os primeiros resultados das tecnologias em aplicação. Sobre a separação submarina gás-líquido, a Petrobras já dispõe de equipamentos capazes de efetuá-la, como o VASPS – Vertical Annular Separation and Pumping System. No entanto, é necessário o bombeio para que o líquido separado chegue à plataforma – daí a importância das bombas submarinas.
O bombeio multifásico submarino foi implantado no campo de Barracuda, na Bacia de Campos, interligado à plataforma P-48
PRISMA
Igualdade de Gênero Por Laís Abramo —
Uma questão de justiça social, direitos humanos e desenvolvimento sustentável
E Foto: Rodrigo de Oliveira
PERFIL Socióloga, mestre e doutora em Sociologia na Universidade de São Paulo, Laís Abramo é diretora do escritório da OIT no Brasil. Foi coordenadora da Comissão de “Movimientos Laborales” do Conselho Latinoamericano de Sociologia (CLACSO) e Especialista Sênior da OIT em temas de gênero para a América Latina de 1999 a 2005, tendo assumido suas funções atuais em maio de 2005.
m relatório recentemente divulgado1, baseado em pesquisa realizada em 108 países, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) afirma que a crescente participação laboral das mulheres tem sido o principal motor do crescimento e da competitividade no âmbito mundial. No entanto, continuam existindo barreiras à incorporação mais igualitária das mulheres no mundo do trabalho, que se manifestam, entre outros fatores, nas desigualdades de rendimentos e possibilidades de acesso a cargos de direção das empresas, apesar da sua escolaridade ser em média superior à dos homens.
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a gestação, parto e amamentação, tais como licença e salário maternidade e estabilidade temporária. A Convenção 103 foi ratificada pelo Brasil em 1965. A Convenção n. 100 sobre Igualdade de Remuneração para Trabalho de Igual Valor, de 1951, foi ratificada pelo Brasil em 1957. A Convenção n. 111, sobre discriminação em matéria de emprego e ocupação (de 1958, ratificada pelo Brasil em 1965), é o primeiro instrumento internacional sobre a discriminação, definida como qualquer distinção, exclusão ou preferência baseada em motivos de raça, cor, sexo, religião, opinião política, nacionalidade ou origem social que tenha como efeito anular ou alterar a igualdade de oportunidades e de tratamento no emprego. A Convenção n. 156 sobre Trabalhadores com Responsabilidades Familiares (de 1981, e ainda não ratificada pelo Brasil), por sua vez, complementa a Convenção 111, estabelecendo que nenhum trabalhador/a deve ser discriminado no emprego devido às suas responsabilidades familiares.
Para a OIT, a igualdade de gênero é uma questão de direitos humanos e condição essencial a uma democracia efetiva. É também um tema de justiça social, diminuição da pobreza e desenvolvimento social e econômico. Por sua vez, a discriminação de gênero não é apenas um atentado aos direitos humanos e aos direitos fundamentais no trabalho. Representa também um grande custo para as empresas e a sociedade, pois provoca um desperdício de recursos, talentos e potencialidades humanas.
As normas internacionais do trabalho adotadas pela OIT são instrumentos importantes para o combate à discriminação e a promoção da igualdade no mundo do trabalho. Todas elas se aplicam, indistintamente, a homens e mulheres, mas existem algumas que têm especial importância para a igualdade de gênero. As convenções de proteção à maternidade (Convenção n. 03, de 1919, revisada em 1952, dando origem à Convenção 103, revisada por sua vez em 2000, dando origem à Convenção n. 183) definem elementos fundamentais de proteção da mulher contra a discriminação durante
Finalmente, destaca-se a importância da Convenção n. 189 sobre Trabalho Decente para as trabalhadores/as domésticas, de 2011, e que tampouco foi ratificada pelo Brasil, dirigida a assegurar condições de trabalho decente para uma categoria importantíssima da força de trabalho feminina. O Brasil tem avançado significativamente nos últimos anos na promoção da igualdade de gênero, tanto no âmbito das políticas públicas, quanto na negociação coletiva e nas ações voluntárias das empresas. Diagnosticar as desigualdades que persistem é fundamental para identificar as práticas discriminatórias que as causam e que devem ser eliminadas, e para promover políticas de igualdade de oportunidades e tratamento no ambiente de trabalho. 1- ILO, 2015, Women in Business and Management: Gaining Momentum, Genebra.
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Cura
que vem dos
oceanos Pesquisa em recifes brasileiros identifica substância do coral orelha-de-elefante capaz de contra-atacar a KPC, superbactéria que provoca infecções hospitalares
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as 600 mil espécies de corais encontradas no mundo, 41 estão no litoral do Brasil. Seres fixos e vulneráveis, os corais funcionam como sentinelas dos mares, protegendo a costa das ondas e erosões e abrigando a segunda maior biodiversidade do planeta, comparada apenas à das florestas tropicais. Neste surpreendente mundo marinho, eles lutam pela sobrevivência na disputa por alimentos, espaço e abrigos, numa espécie de guerra química rica na liberação de proteínas de defesa no fundo dos oceanos.
Esta produção de substâncias químicas potentes que ajudam a determinar quais espécies são vitoriosas e quais são deixadas para trás no caminho evolutivo tornou-se, nos últimos dez anos, um dos alvos das pesquisas científicas para a cura de doenças oriundas de bactérias, vírus e fungos. E é nos recifes de corais brasileiros, que se estendem por 3.000 quilômetros da costa, concentrando-se no litoral nordeste do país, que pode estar a cura para as infecções hospitalares que acometem pacientes com pneumonia e doenças gastrointestinais causadas pela superbactéria Klebsiella pneumoniae carbapenemase (KPC).
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Os recifes de coral se tornaram alvos de pesquisas científicas para produção de fármacos que combatam bactérias, vírus e fungos
Foto: Divulgação Coral Vivo
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AS ESPÉCIES DE CORAIS FORAM SELECIONADAS EM FUNÇÃO DE SEUS MECANISMOS QUÍMICOS DE DEFESA MUITO APURADOS —
A pesquisa, liderada pela área de bioquímica da Universidade Católica de Brasília (UCB) em parceria com os biólogos do projeto Coral Vivo, acende uma luz no estudo sobre o uso das substâncias de defesa produzidas pelas espécies dos recifais de corais brasileiros para a cura de doenças. O orelha-deelefante (cientificamente conhecido como Phyllogorgia dilatata), espécie em extinção encontrada apenas nos recifais do Atlântico Sul, possui, em seu sistema de defesa, uma biomolécula que poderá agir em contra-ataque à KPC. Embora ainda existam poucas pesquisas no ambiente marinho relacionadas à produção de fármacos no Brasil, o estudo da UCB começou em 2009 com a coleta de amostras de corais em
Arraial d’Ajuda, no litoral sul do estado da Bahia. Além do orelha-de-elefante, foram colhidos materiais dos corais Palythoa caribaeorum (conhecido como baba-de-boi), Plexaurella grandiflora (gorgônia marrom), Carijoa riisei (telesto branco), Muriceopsis sulphurea (gorgônia amarela) e Neospongodes atlântica (coral mole), todos com poderosas propriedades de autodefesa. “A seleção dos corais foi feita em função das suas características, já que sobrevivem à alta competitividade marinha. Nossa primeira triagem destas espécies foi determinada pelos mecanismos químicos de defesa muito apurados”, explica Clóvis Castro, coordenador do projeto Coral Vivo e um dos desbravadores da vida marinha na costa brasileira.
Viveiros do projeto Coral Vivo no Eco Parque, em Arraial d’Ajuda, na Bahia, onde acontece desova anual de espécies
Foto: Francisco de Souza
À esquerda, Clóvis Castro, fundador do projeto Coral Vivo, com a equipe de biólogos que atuam na conservação da biodiversidade marinha brasileira
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Foto: Francisco de Souza
De olho vivo nos corais brasileiros O Coral Vivo faz parte da Rede Biomar (Rede de Projetos de Biodiversidade Marinha) e é patrocinado pela Petrobras por meio do Programa Petrobras Socioambiental. O projeto atua na conservação de recifes de coral e ambientes coralíneos no Brasil, por meio da geração de conhecimento, da disseminação de informações, da educação ambiental, da sensibilização e articulação da sociedade e da colaboração para elaboração e execução de políticas públicas. Criado pelos biólogos Clovis Castro e Débora Pires, o Coral Vivo nasceu no Museu Nacional da UFRJ. Eles decidiram estudar os processos de estruturação, formação e renovação dos recifes brasileiros. Após toda a pesquisa avançar, em 2003 o Coral Vivo se tornou um projeto e obteve o apoio financeiro do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA). Em 2006, passou a receber também o patrocínio da Petrobras. Em seus dois primeiros anos, o Coral Vivo estabeleceu marcos históricos no conhecimento da biologia e da ecologia de corais recifais endêmicos do Brasil - como a definição de períodos específicos da desova anual de espécies e a obtenção de milhares de filhotes de corais resultantes de fecundações in vitro. Além das pesquisas in loco, o Coral Vivo também conta com uma rede de tanques para prever a reação dos corais diante das mudanças climáticas do mar. O mesocosmo, como é chamado, é o primeiro sistema a possuir ligação permanente com o ambiente natural para estudos relacionados às variações marinhas do Brasil, e o terceiro no mundo. Os outros mesocosmos ficam na Austrália e no México. Nos tanques que recebem a água do mar natural, são feitas simulações de variação de temperatura e acidez para medir as possíveis alterações fisiológicas nos seres que habitam os recifes de coral do Atlântico Sul. Os estudos são realizados em 16 tanques, que funcionam como viveiros e vão sofrendo as alterações pesquisadas.
Foto: Divulgação Coral Vivo
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A SUPERBACTÉRIA KPC A Klebsiella pneumoniae carbapenemase (KPC) é uma superbactéria oportunista do trato gastrointestinal, causadora de infecções hospitalares que atingem principalmente os pulmões. Se manifesta quando a pessoa está com o sistema imunossupressor enfraquecido. A KPC acomete mais
de 2 milhões de pessoas por ano, podendo levar à morte
4. AFETA PRINCIPALMENTE OS PULMÕES
O QUE É É considerada uma superbactéria devido à sua alta resistência aos antibióticos
MEDICAMENTOS
PULMÂO
3. KPC RESISTENTES AOS MEDICAMENTOS 2. A ENZIMA CARBAPENEMASE É ENCONTRADA NA KPC E EM OUTRAS BACTÉRIAS
1. BACTÉRIA KLEBSIELLA PNEUMONIAE
OS EFEITOS NO CORPO HUMANO
A DESCOBERTA
Além da pneumonia, pode causar outros tipos de infecções, como urinárias e em feridas cirúrgicas, que podem evoluir para um quadro de infecção generalizada e morte
Foi identificada pela primeira vez nos Estados Unidos, em 1996, depois de ter sofrido uma mutação genética
Algumas bactérias klebsiella sofrem mutações
Seu DNA modificado confere resistência
FONTE: Organização Mundial da Saúde
A bactéria (KPC) sobrevive e se reproduz
Substância da KPC que anula o antibiótico
Os antibióticos são administrados A bactéria sem a enzima morre
Foto da bactéria: NIAID
O PRÓXIMO PASSO É CONCLUIR SE A PROTEÍNA DE DEFESA É PRÓPRIA DO CORAL OU DE UMA BACTÉRIA QUE VIVE ASSOCIADA A ELE — A INVESTIGAÇÃO A etapa posterior da pesquisa, liderada pelas biólogas Simoni Campos Dias e Loiane Alves de Lima, ocorreu no laboratório de Pós-Graduação em Ciências Genômicas e Biotecnologia da UCB, em parceria com o Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) - que faz parte da Rede de Pesquisas Coral Vivo, patrocinada pelo Programa Petrobras Socioambiental, da Petrobras, e pelo Arraial d’Ajuda Eco Parque. Os pedaços dos corais recolhidos foram triturados e passaram por um processo de purificação até o isolamento da proteína de defesa de cada espécie. Posteriormente, foram realizados testes in vitro com essas biomoléculas em contato com sete bactérias disponíveis no laboratório da universidade: S. aureus, Streptococcus pyogenes, K. pneumoniae, E. coli, P. mirabilis, Shigella flexineri e Salmonella typhimurium. E, após 12 horas de contato, a substância de defesa do orelha-deelefante dizimou toda a população da KPC. “Percebemos já nos primeiros testes que a substância da gorgônia tinha um potencial maior do que as dos outros corais no combate à KPC. Essa proteína pode ser uma candidata promissora à criação de um novo antibiótico para atuar contra bactérias resistentes”, afirma Loiane.
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Já nos primeiros testes, foi percebido que a substância de defesa do orelha-de-elefante tinha um potencial maior do que as dos outros corais
A pesquisa deu base à tese de mestrado de Loiane, Identification of a Novel Antimicrobial Peptide from Brazilian Coast Coral Phyllogorgia dilatat (Identificação de um novo Antimicrobial Peptidico da costa brasileira - Coral Phyllogorgia dilatat), publicada na revista cientifica “Protein & Peptide Letters”, da Bentham Science, editora líder na área de química medicinal global. Segundo a bióloga Simoni Campos, que orientou o estudo, há relatos de investigações com moléculas extraídas de animais marinhos, como corais
A pesquisa foi realizada pelas biólogas Simoni Campos Dias e Loiane Alves de Lima, da Universidade Católica de Brasília
Foto: Francisco de Souza
Foto: Thinkstock
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O ANTÍDOTO NO ORELHA-DE-ELEFANTE No coral orelha-de-elefante, encontrado somente no litoral brasileiro, pode estar a principal substância para o desenvolvimento de um antibiótico que combata com eficácia a KPC. Atol das Rocas
Foto: Divulgação Coral Vivo
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Fernando de Noronha
BRASIL
CORAL ORELHA-DE-ELEFANTE
PROCESSO DE OBTENÇÃO DA PROTEÍNA DE DEFESA 1. COLETA Pedaços de corais são coletados do mar e armazenados. No laboratório, o material é triturado até a formação do extrato bruto MOLÉCULAS ORGÁNICAS
SUPERBACTÉRIA KPC PROTEÍNAS
2. FILTRAGEM Após a trituração, o extrato é filtrado para separar as substâncias que serão pesquisadas
3. ISOLAMENTO DA PROTEÍNA As substâncias recebem um tratamento com sulfato de amônio para separar as proteínas de defesa
4. TESTE IN VITRO A molécula de defesa é colocada em contato com a cultura de bactéria numa placa de bioensaio. Após 12 horas do teste in vitro, a KPC foi exterminada pelas proteínas de defesa do coral
5. SEQUENCIAMENTO DE PROTEÍNAS
6. ISOLAMENTO E CLONAGEM
7. PRODUÇÃO DO MEDICAMENTO
Desvenda-se a estrutura e funções das proteínas e seus processos celulares, para as próximas etapas no desenvolvimento de um novo medicamento
Para o isolamento de uma pequena molécula de DNA recombinante (auto-replicante), viável a clonagem, os pesquisadores irão coletar mais material genético do coral para a codificação completa da sequência da proteína de defesa, que viabilize material para a fabricação de um medicamento
A partir da clonagem do vetor principal genético, é possível desenvolver o medicamento para combater as infecções oriundas da KPC
FONTE: Universidade Católica de Brasília
Os corais lutam pela sobrevivência na disputa por alimentos, espaço e abrigo numa espécie de guerra química rica na liberação de proteínas de defesa
e esponjas, para combate a outros tipos de bactérias no mundo, mas ainda não há nenhuma investigação sobre a KPC. “Esse é o primeiro estudo investigativo da KPC. Constatamos também que as substâncias do orelhade-elefante conseguem ainda controlar o crescimento do Staphylococcus aureus, causador de doenças da pele, como o impetigo, e da Shigella flexneri, geradora da disenteria, também consideradas bactérias atuantes nas infecções adquiridas em ambiente hospitalar”, explica Simoni. O próximo passo da pesquisa é concluir se a proteína de defesa é própria do
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Marca da cédula de R$100 O coral orelha-de-elefante (Phyllogorgia dilatata) está desenhado na atual cédula de R$100, a de maior valor no Brasil. Os coordenadores do Projeto Coral Vivo, Clovis Castro e Débora Pires, indicaram ao Banco Central e à Casa da Moeda o coral e outras espécies marinhas desenhadas na nota. O novo design faz parte da segunda família de cédulas do Real, que começou a ser atualizada em 2010 e possui espécies genuinamente brasileiras como marca.
coral ou se é de uma bactéria que vive associada a ele. “A simbiose é uma relação mutuamente vantajosa, na qual dois ou mais organismos diferentes são beneficiados pela associação entre eles. Por esse motivo, ainda não conseguimos definir se a substância é realmente do coral ou de algum organismo que vive associado a ele”, explica a bióloga. Uma nova seleção de gorgônias para concluir a sequência da proteína de defesa está prevista para breve, já que apenas metade foi identificada na primeira fase. “Também serão realizados novos testes com vírus e fungos para avaliar melhor o potencial de combate dessa substância. Além do orelha-deelefante, serão coletados outros tipos de corais, ouriços e esponjas”, diz Loiane. UM NOVO MEDICAMENTO A produção de um remédio contra a KPC exige ainda um longo caminho,
já que essas biomoléculas são encontradas em quantidades extremamente reduzidas no coral, limitando o desenvolvimento rápido da pesquisa. Loiane afirma que o estudo somente terá aplicação no organismo humano após a proteína ser totalmente sequenciada – método que permite descobrir as estruturas e funções de proteínas em organismos vivos para a compreensão dos processos celulares -, isolada e depois clonada. “Após longo processamento do fármaco descoberto, o composto será clonado para que seja possível produzir o princípio ativo em grande quantidade. Assim, o medicamento poderá ser fabricado”, ressalta Simoni. “Todo esse processo pode levar cerca de dez anos porque serão necessários mais estudos, pesquisas e testes no organismo humano, além da aprovação dos órgãos competentes”, conclui.
Veja vídeo das biólogas da Universidade Católica de Brasília sobre a pesquisa na versão tablet e no site www.petrobras.com/ magazine Ouça trechos da entrevista com Simoni Campos Dias, da UCB, na versão tablet e no site www.petrobras.com/ magazine Veja imagens dos corais do Recife de Fora, em Arraial d’Ajuda, e conheça o projeto Coral Vivo na versão tablet e no site www.petrobras.com/ magazine
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Desafios globais
da energia sustentável
Diretor da área de Projeção de Cenários do Conselho Mundial de Energia, Ged Davis tem papel estratégico na discussão global sobre os futuros cenários de energia. E é otimista. Davis acredita que é possível conciliar o desenvolvimento com a preservação do meio ambiente, e aponta alguns caminhos para atingirmos o acesso universal à energia
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e Londres, o economista concedeu uma entrevista exclusiva à Petrobras Magazine Global Connections, em que discorre sobre a reconfiguração urbana das cidades, a mudança de cultura no uso da energia e os desafios do setor para o desenvolvimento econômico sustentável.
PMGC: É possível reconfigurar o cenário energético, tornando-o mais sustentável? Davis: Por cinco anos, até 2012, fui co-presidente do Global Energy Assessment (grupo de especialistas formado pelo International Institute
for Applied Systems Analysis - Instituto Internacional para a Análise de Sistemas Aplicados - para desenvolver projeções sobre o cenário energético mundial). Esse trabalho envolveu cerca de 300 pesquisadores de todo o planeta com o objetivo de examinar o que precisamos fazer para atingir o que víamos como um mundo sustentável. Também forneceu os requisitos para conseguirmos alcançar o acesso universal à energia dentro de 20 anos, bem como exemplos de trajetórias plausíveis para que o sistema energético mundial mantenha as mudanças climáticas dentro das restrições de dois graus Celsius do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas). Entretanto, precisamos considerar que o sistema energético em si tem um movimento
lento, com muita inércia. Mas o que nós podemos mudar é o modo como enxergamos o que importa no mundo da energia, e novos modos de pensar levam a novos direcionamentos em termos de políticas, preços e investimentos. Eu acredito que nós tenhamos as ferramentas para criar um mundo sustentável, a questão a que devemos responder é se isso é realmente o que queremos e se estamos preparados para pagar por ele.
PMGC: Quais são as principais prioridades e desafios no rumo do desenvolvimento sustentável? Davis: Desde 1850, o sistema energético mundial tem se tornado, de forma
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O economista fez parte do grupo de especialistas formado para desenvolver projeções sobre o cenário energético mundial
lenta e relativamente consistente, mais eficiente. E uma questão nesse sistema tem sido a descarbonização, que se reflete essencialmente no movimento da madeira para o carvão, a introdução do petróleo, depois a introdução do gás natural e agora, em alguns países, o desenvolvimento energético nuclear, eólico e solar. Acredito que, na maior parte dos cenários, essa tendência vai continuar. Porém, de acordo com dados históricos, a evolução da eficiência e da descarbonização pode ser vagarosa
“ACREDITO QUE NÓS TENHAMOS FERRAMENTAS PARA CRIAR UM MUNDO SUSTENTÁVEL, A QUESTÃO É SE ISSO É O QUE QUEREMOS” — demais para alcançarmos as metas atuais de sustentabilidade. Nós também trabalhamos com cenários mais radicais, focados na necessidade de uma transição energética fundamental. No Global Energy Assessment analisamos cerca de 40 futuros possíveis em que as
metas do IPCC poderiam ser alcançadas. Mas isso agora parece cada vez mais difícil de conseguir na prática. Com os atuais compromissos governamentais, estamos no caminho para um aumento de 3,5 a 4 graus Celsius. No lado mais radical, há cenários emergindo agora,
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“HÁ CENÁRIOS EMERGINDO QUE CONSIDERAM A RECONFIGURAÇÃO DE CIDADES E DESENVOLVIMENTOS URBANOS MAIS SUSTENTÁVEIS” — e sendo seriamente examinados, que consideram a possibilidade de um crescimento rápido no uso de veículos elétricos, a reconfiguração de cidades e desenvolvimentos urbanos cada vez mais sustentáveis. Isso provavelmente implicaria em melhorias rápidas na eficiência energética, o que tem sido difícil de conseguir, mas há pessoas começando a explorar futuros mais radicais.
PMGC: Como conseguir, de forma viável, essa reconfiguração urbana em um contexto de cidades marcadas pelo crescimento não controlado? Davis: Muito pode ser feito de baixo para cima. Sempre há modelos positivos. Essas questões têm vida longa, não são fáceis de mudar, e são ainda mais complicadas quando o financiamento é limitado. Mas isso não impediu que diversos
desenvolvimentos acontecessem. Entre as cidades com mais recursos, Londres é um exemplo. Você não reconfigura a cidade inteira, mas partes da cidade. E quando as pessoas investem nessas áreas, elas viram modelos. O Oriente Médio tem exemplos bem únicos, são modelos de transformação. E você tem companhias privadas desenvolvendo bases de experimentação. Podem ser novos veículos elétricos, ou novas casas inteligentes. Há um grande escopo de experimentação em novos edifícios. Mas precisamos tomar cuidado. Sempre há um limite no quanto as pessoas estão preparadas para gastar em energia. São grandes desafios, e não devemos subestimá-los, mas vivemos em um mundo que está se movendo rumo a uma maior organização. E o maior desafio é levarmos esses novos exemplos da linha de frente até as autoridades políticas, e mostrá-los de formas economicamente viáveis que possam ser trabalhadas.
Regra dos Sete Ged Davis desenvolveu o que chama de “regra dos sete”. “Quando você diz que trabalha com perspectivas para 2020 ou 2050, as pessoas ficam muito animadas em saber o resultado final”, diz ele, “mas geralmente a verdade é que, quando você trabalha visando 2030, você não resolve tudo hoje e espera 15 anos para ver se acertou. Você volta e revisa a previsão em alguns anos.” A regra dos sete diz que, ao trabalharmos em uma análise com um horizonte de tempo de 20 anos, devemos dividir esse número por sete e reconsiderarmos o trabalho em cerca de três anos. De forma semelhante, ao trabalharmos com um horizonte de 50 anos, provavelmente será necessário revisar o trabalho dentro de sete ou oito anos.
PMGC: O senhor mencionou que podemos estar no caminho para o acesso universal à energia em 20 anos. Realmente isso é viável? Davis: O Global Energy Assessment estudou como poderíamos alcançar isso, e estimou a necessidade de uma despesa mundial em torno de US$ 40 bilhões por ano ao longo de 15 anos. O trabalho foi financiado em grande parte pelas Nações Unidas e estabeleceu a organização Energia Sustentável Para Todos, que trabalha com essa meta. A questão-chave, é claro, é conseguir os US$ 40 bilhões por ano. De certa forma, isso é uma parte relativamente pequena dos investimentos globais em energia. Nós investimos em torno de US$ 1,2 trilhão anualmente. Então, se quisermos fazê-lo, poderíamos. Realisticamente, se examinarmos os cenários do Conselho Mundial de Energia, não teremos acesso universal mesmo em 2050. Ainda enxergamos algo entre 400 a 800 milhões de pessoas sem acesso à energia, talvez até um bilhão, em um mundo que continue crescendo no ritmo atual em termos de população. Mas não esqueçamos que alguns países já avançaram consideravelmente nessas questões. PMGC: Como o senhor vê os efeitos da exploração do pré-sal no curto e médio prazo? Davis: A existência de maiores recursos petrolíferos do que havíamos considerado abre a possibilidade de desenvolvimento substancial, não sem custos e desafios, da produção brasileira. O desenvolvimento muito rápido de recursos é sempre um desafio para a administração econômica de um país. Os novos avanços, o dinheiro, as novas exportações, tudo isso tende a inclinar a balança em uma direção orientada para esses recursos. O Brasil precisa considerar essas questões. Em parte, isso tem a ver com o ritmo de desenvolvimento, e essa é uma questão com a qual qualquer governo terá que lidar com muito cuidado ao longo das próximas décadas. A Petrobras é um player significativo, e imagino que o será por um longo tempo, especialmente no contexto do pré-sal. Mas ela também tem todo o escopo de desafios de um player global.
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“SÃO GRANDES DESAFIOS, MAS VIVEMOS EM UM MUNDO QUE ESTÁ SE MOVENDO RUMO A UMA MAIOR ORGANIZAÇÃO” — PMGC: Como podemos realizar o salto rumo a um modelo econômico global mais sustentável sem prejudicar o desenvolvimento? Davis: Nós tivemos grandes mudanças nas tecnologias que usamos ao longo de cem anos, com imenso potencial para o desenvolvimento de equipamentos mais eficientes, e eventualmente novas opções energéticas. Nos últimos 20 anos, tivemos consideráveis mudanças em nossos valores em relação ao meio ambiente. Temos uma geração emergente muito inventiva e instruída que tem uma boa chance de lidar com essas questões de forma bem sucedida. Mas, sejamos claros, nós precisamos de ambos: queremos um mundo que seja tão próspero e tão limpo para nossos netos quanto o que nós herdamos, e, esperamos, ainda melhor. Eu acredito que as duas coisas são possíveis. Se vamos seguir adiante, vamos precisar de uma regulação mais dura e eficiente em alguns países. Talvez precisemos de incentivos de mercado. Talvez precisemos de mercados de carbono, como existem em certos países, para encorajar as pessoas a levar mais a sério as mudanças climáticas. Precisamos de mais trabalho na proteção da Amazônia. É essa coletividade de ações que vai nos fornecer a capacidade de lidar com essas questões.
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EM OUTRA
DIMENSÃO Realidade virtual leva técnicos das empresas para dentro dos projetos em campo, em uma experiência tridimensional que gera economia e aumenta a segurança das operações reais
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o filme Virtuality (2009), do diretor Peter Berg, uma nave com uma comunidade humana parte em uma viagem de dez anos ao espaço, tendo como principal ferramenta para recordar a vida terrena um computador de simulação da realidade. Embora estejamos na era dos jogos e TVs em 3D cada vez mais sofisticados, a primeira tentativa de projetar uma realidade artificial partiu da indústria aeronáutica, em 1950, com o desenvolvimento de simuladores de voo pela Força Aérea Americana, sendo seguida pela área de entretenimento nas décadas seguintes.
Foto: Francisco de Souza
Desde os primeiros simuladores, a evolução da tecnologia de realidade virtual vem se aperfeiçoando, alcançando um grande desenvolvimento não só para aplicativos de diversão, mas especialmente para os segmentos industriais. Os chamados serious games já são utilizados em setores tão diversos como os de educação, defesa e o de óleo e gás, que dependem de alta tecnologia e movimentam milhões de dólares em pesquisa e desenvolvimento. Há setores nos quais a simulação de uma situação representa, além de significativa economia, o aumento da segurança com a projeção de hipóteses em situações de risco.
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DIMENSÕES REAIS “Na Petrobras, as simulações em 3D tornaram-se cruciais para antecipar possíveis problemas, verificar não conformidades e treinar pessoas para operar equipamentos”, explica Luciano Pereira dos Reis, consultor da Gerência de Tecnologia de Otimização de Operações e Logística da Petrobras e um dos responsáveis pelo Núcleo de Visualização e Colaboração (NVC), localizado no Centro de Pesquisas da companhia (Cenpes). Desde 2010, quando a Petrobras inaugurou o NVC, a simulação de situações em ambientes reais passou a permitir que os técnicos e especialistas interajam virtualmente com plataformas, dutos, refinarias e usinas fotovoltaicas, entre outros
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Foto: Geraldo Falcão / Banco de Imagens Petrobras
OS CHAMADOS SERIOUS GAMES JÁ SÃO UTILIZADOS EM SETORES TÃO DIVERSOS COMO OS DE EDUCAÇÃO, DEFESA E ÓLEO E GÁS — As simulações em 3D tornaram-se cruciais para antecipar possíveis problemas, verificar não conformidades e treinar pessoas para operar equipamentos equipamentos e unidades, além de estruturas da área de geociências, como reservatórios de petróleo e gás, e de ambientas naturais, como leitos de rios e áreas costeiras. No NVC, técnicos e especialistas podem, assim, viver a experiência de estar dentro de um projeto em dimensões reais. É possível, por exemplo, estar em uma das plataformas instaladas no campo de Albacora Leste, na Bacia de Campos, visitando cada área da unidade de produção; descer pelos risers até o fundo do mar e ficar ao lado de árvores de natal molhadas e manifolds; e ainda entrar nos poços do campo e chegar a seus reservatórios. Da mesma forma, conta Luciano, pode-se caminhar pelo Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), ainda em construção, visualizando dutos, válvulas, tanques e verificando a integridade de equipamentos e procedimentos de segurança, como as rotas de fuga estabelecidas para casos de emergência.
UM PASSEIO NO NVC Ao entrar no NVC, os visitantes se deparam com vários laboratórios e salas, onde se destacam o sistema de visualização semi-imersivo, o sistema de ultra-alta resolução e a Cave. As salas reproduzem imagens tridimensionais, com áudio e vídeo, e utilizam sistemas cooperativos, que permitem que diversos usuários participem da atividade desenvolvida. Entre os equipamentos estão a luva digital, óculos, capacete de imersão, monitor e outros dispositivos, como controles de jogo, que auxiliam na imersão. As estruturas têm objetivo semelhante – permitir a interação entre usuários e equipamentos em um ambiente de realidade virtual, em três dimensões. Entretanto, cada uma apresenta características específicas, conforme o tipo de aplicação desejado. A sala de visualização semi-imersiva possui uma imensa tela frontal, com resolução ultra HD (quatro vezes full HD), de sete metros de largura e quase três metros de altura, além de uma tela no chão, de largura idêntica e comprimento de 1,5 metro. “Essas dimensões permitem que a experiência 3D seja vivida por cerca de 20 técnicos de uma
só vez, às vezes de diferentes áreas, e isso amplia as observações e as trocas de ideias sobre o projeto que está sendo visualizado”, conta Luciano. Anexo à sala de visualização semiimersiva, há outra sala que possui o chamado sistema de ultra-alta resolução - com uma única tela de vidro de imagem contínua, sem bordas e de altíssima resolução (com mais de 40 milhões de pixels – o equivalente a aproximadamente 20 telas full HD - gerados por seis projetores ultra HD). Esse ambiente permite desde a visualização de imagens de satélite (usadas nas áreas de exploração e meio ambiente) até a de imagens de microscopia ou tomografias, como as utilizadas para análise de rochas. Também possibilita a visualização de vários documentos ou janelas simultâneas, em alta resolução, o que pode ajudar na análise de cenários de simulação de reservatórios, por exemplo. Já a Cave projeta imagens em cinco telas – uma frontal, duas laterais, uma no chão e uma no teto. Isso permite uma maior interação do usuário com o ambiente, sobretudo porque os óculos utilizados para a visualização em 3D têm sistema de tracking, que coloca a pessoa
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A Cave projeta imagens em cinco telas - uma frontal, duas laterais, uma no chão e uma no teto -, permitindo uma maior interação do usuário com o ambiente
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As salas reproduzem imagens tridimensionais, com áudio e vídeo, e utilizam sistemas cooperativos
Foto: Geraldo Falcão / Banco de Imagens Petrobras
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NO NVC, TÉCNICOS E ESPECIALISTAS PODEM VIVER A EXPERIÊNCIA DE ESTAR DENTRO DE UM PROJETO EM DIMENSÕES REAIS — na localização espacial exata referente à estrutura real do equipamento projetado. Contudo, a “caverna” tem dimensões menores – cerca de 6 metros quadrados por tela –, reduzindo, assim, a quantidade de pessoas a interagir no ambiente virtual. “Na Cave, o campo de visão do usuário é totalmente tomado pela imagem”, explica Luciano. Os três ambientes precisam de softwares potentes para que o processo de interação na realidade virtual seja possível. Segundo o consultor da Petrobras, já existem no mercado várias ferramentas que permitem essa ação, sobretudo na área de engenharia. Entretanto, um dos desafios da indústria do petróleo como um todo é
criar softwares que integrem todos os segmentos, criando, assim, um ambiente em que diferentes áreas de uma empresa possam atuar simultaneamente na visualização de estruturas. VIRTUALIDADE CUSTOMIZADA A Petrobras encomendou, em 2007, ao Instituto Tecgraf de Desenvolvimento de Software Técnico-Científico da Pontifícia Universidade Católica (PUCRio), o desenvolvimento de softwares específicos para as salas de visualização previstas para as novas instalações do Cenpes. “Na área de engenharia, existem projetos de construção de plataformas. Em geociências, há projetos de análise de reservatórios bastante específicos. Mas não havia nada que desse uma visão global de tudo, porque são universos completamente diferentes. Além disso, são muitos dados, há o desafio do
próprio tamanho dessas informações. Por isso, o software já foi todo pensado para rodar nessas instalações”, lembra Alberto Raposo, professor do Departamento de Informática da PUCRio e gerente do Grupo de Realidade Virtual e Aumentada do Tecgraf. Da demanda, surgiu o Sistema de Visualização em E&P – SiViEP –, um dos principais softwares elaborados especificamente para a Petrobras. “No caso do SiVIEP, tínhamos o requisito de visualizar numa mesma cena os modelos das diferentes áreas, algo que não existia no mercado. Com ele, a ideia é fazer a visualização integrada de todo o sistema de produção, juntando reservatório com a parte de engenharia. O software funciona em estéreo, com dispositivo de interação em 3D, que não é a interação convencional mouse-teclado. Não é para ficar sentado, mas sim ficar em pé, imerso no modelo, podendo interagir de maneira gestual, mais natural”, reforça Luciano. Contudo, para permitir seu uso mais disseminado, em qualquer ambiente de trabalho, pode ser usado também em modo “desktop”, com uma interface convencional, com mouse e teclado. Com o software, cria-se uma realidade virtual na qual o usuário “passeia” na unidade de produção, visualizando equipamentos em dimensão real. A partir daí, é possível ainda um “mergulho” no fundo do mar, com a interação com equipamentos subsea, como árvores de natal, risers e manifolds. E o usuário pode ainda ir mais fundo, “entrando” nos poços e chegando aos reservatórios. O SiViEP, porém, não é a única ferramenta desenvolvida na parceria entre a Petrobras e o Tecgraf. Há programas na área de engenharia e de robótica coordenados pelo analista Ismael Humberto dos Santos, da mesma gerência -, para possível substituição de pessoas
Foto: Francisco de Souza
Para o consultor Luciano Pereira dos Reis, o grande desafio é desenvolver técnicas de visualização e equipamentos com capacidade de processamento cada vez maior
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A sala de visualização semi-imersiva permite que a experiência 3D seja vivida por cerca de 20 técnicos de uma só vez, ampliando as observações e a troca de ideias
Foto: Francisco de Souza
A SIMULAÇÃO DE UMA SITUAÇÃO REPRESENTA, ALÉM DE SIGNIFICATIVA ECONOMIA, O AUMENTO DA SEGURANÇA COM A PROJEÇÃO DE SITUAÇÕES DE RISCO — em plataformas, entre outras ações, e também para a operação otimizada de veículos remotos submarinos (ROVs). Um dos desenvolvimentos quase concluídos envolve o treinamento de pessoal para operação de usinas fotovoltaicas. CAMINHO SEM VOLTA Luciano e Raposo concordam que a integração entre as áreas na realidade virtual é um caminho sem volta. O grande desafio será desenvolver técnicas de visualização e equipamentos com capacidade de processamento cada vez maior, pelo aumento exponencial das informações obtidas.
No caso do pré-sal brasileiro, será preciso adaptar as ferramentas atuais para o processamento de dados como, por exemplo, a sísmica 4D que será realizada no campo de Lula, na Bacia de Santos. “Os softwares já desenvolvidos podem ser utilizados para o pré-sal. A dificuldade do pré-sal é seu tamanho”, reforça o professor da PUC-Rio. No Cenpes, uma equipe dedicada da área de tecnologia de informações cuida da constante evolução da infraestrutura do NVC, além de apoiar a operação dos diversos ambientes. Processar mais, entretanto, não significa aumentar de tamanho. Como lembra Luciano, há alguns
anos a visualização em realidade virtual exigia equipamentos de grande porte, com custo de até US$ 1 milhão. Hoje, porém, os materiais estão cada vez mais compactos, embora mais velozes – e mais baratos. “Capacetes de realidade virtual já existem há muito tempo, mas eles eram caros, com resolução baixa e tempo de resposta mais lento, além de ser um sistema para uso mais individual. Mas, nos últimos anos, isso mudou, há equipamentos com performance excelente e custo baixíssimo, cerca de US$ 300, US$ 400, enquanto antigamente custavam US$ 10 mil, US$ 20 mil cada óculos. Isso, sem dúvida, vai popularizar ainda mais a ideia de realidade virtual”, prevê o consultor da Petrobras.
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Gênio provável Blaise Pascal, um dos maiores estudiosos da Teoria das Probabilidades, não teria dúvidas em apontar que Arthur Ávila ganharia um dia a Medalha Fields, o Nobel da Matemática. Premiado em 2014, o matemático brasileiro é um fenômeno na matéria. Venceu inúmeras olimpíadas de matemática desde os doze anos e, atualmente, é o diretor de pesquisa do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), no Brasil, e do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França – além de uma inspiração para inúmeros jovens brasileiros Foto: ©CNRS Photothèque / Sébastien Ruat
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“PARA TER UM BOM DESEMPENHO É NECESSÁRIO TER IMAGINAÇÃO, TENTAR ENTRAR NO PROBLEMA” —
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a matemática, um sistema dinâmico tem como característica evoluir com o tempo. Há sistemas ditados por leis simples e regulares, nos quais o comportamento a longo prazo é fácil de ser descrito, mas quando novos fatores são incluídos na equação, mesmo os sistemas regidos por leis bem simples podem adotar comportamentos muito complexos e resultar em conclusões inesperadas. Foi por esse estudo que o matemático brasileiro Artur Ávila recebeu, em 2014, a Medalha Fields – o maior reconhecimento na área – e é considerado hoje um dos pesquisadores mais respeitados do mundo no campo da pesquisa dos sistemas dinâmicos. Para ele, tudo começou aos doze anos, com o convite de um professor para participar das Olimpíadas de Matemática. Sem ainda imaginar que profissão seguir, a experiência repetida inúmeras vezes em outras edições do concurso o levou a definir sua vocação. Hoje, aos 35 anos, Ávila divide seu tempo entre o Brasil, onde dirige o Impa - organização social supervisionada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação -, e a França, à frente do Centro Nacional de Pesquisa Científica, ficando cerca de seis meses por ano em cada país. Essa perspectiva de futuro talvez surpreendesse o aluno dedicado do tradicional Colégio de São Bento, no Rio de Janeiro, que estudava além do conteúdo dado em sala, mas sem
A Medalha Fields é considerada a maior honraria que um matemático pode receber
ainda ter conhecimento de que a matemática poderia ser uma profissão. Em 1992, aos 13 anos, por convite do professor Fabiano Pinheiro, Ávila decidiu participar, pela primeira vez e sem preparação, da Olimpíada Brasileira de Matemática (OBM). “Quando comecei a participar das Olimpíadas, não tinha noção do que era uma profissão, encarava a disciplina apenas como um meio de aprender”, conta. Nessa competição, Ávila conseguiu a medalha de bronze – mas não sem algum esforço. “Eram dois dias de prova, cada uma com três questões. Tínhamos bastante tempo para refletir sobre cada uma delas, mas não era óbvio, de maneira nenhuma, como você resolveria cada uma. E eu não entendia nada. Por um lado, ter contato com essa prova foi difícil para mim, mas isso também me mostrou uma coisa interessante: que para ter um bom desempenho era necessário ter imaginação e entrar, de fato, no problema”, lembra. No ano seguinte, já consciente do que o esperava, Ávila obteve o primeiro prêmio na OBM. Era o início da trajetória que o levaria à conquista da Medalha Fields, condecoração mais importante já alcançada por um matemático brasileiro. Algo muito distante para o menino que ingressou no mestrado do Impa em 1995, aos 16 anos, quando ainda cursava o Ensino Médio, realizando as tarefas escolares em paralelo ao desenvolvimento científico na matemática.
“QUANDO COMECEI A PARTICIPAR DAS OLIMPÍADAS, NÃO TINHA NOÇÃO DO QUE ERA UMA PROFISSÃO, ENCARAVA A MATEMÁTICA APENAS COMO UM MEIO DE APRENDER” —
Olimpíadas A primeira Olimpíada Brasileira de Matemática (OBM) foi organizada em 1979 pela Sociedade Brasileira de Matemática (SBM). Hoje, em conjunto com as Olimpíadas de Matemática das Escolas Públicas – realização do Impa que em 2014 comemorou 10 anos –, é a atividade que seleciona os estudantes para representar o Brasil nas diversas competições internacionais da disciplina, como a própria Olimpíada Internacional de Matemática, a Olimpíada do Cone Sul e a Ibero-Americana.
Foto: Cortesia da International Mathematical Union
Em 2014, cerca de 18 milhões de estudantes se inscreveram nas Olimpíadas de Matemática das Escolas Públicas. “Há estudantes premiados nas cidades mais recônditas, comprovando que o talento matemático está distribuído de forma bastante uniforme pelo Brasil. O aumento da participação brasileira ao longo dos anos e as boas colocações do país no ranking têm sido fundamentais para o desenvolvimento didático da disciplina nas escolas públicas”, afirma o diretor-geral do Impa, César Camacho.
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O desafio dos dez martinis Em 1980, o físico e matemático americano Barry Simon prometeu pagar dez doses da bebida favorita de James Bond a quem explicasse o comportamento das ferramentas matemáticas conhecidas como Operadores de Schrödinger. Em 2005, em parceria com a matemática russa Svetlana Jitomirskaya, Ávila solucionou o problema. Ao contrário do que reza a lenda, no entanto, não houve martinis comemorativos. “Há questões matemáticas que ficam em aberto por muito tempo, e algumas delas se tornam folclóricas. Nesse caso, o pessoal achou que chamaria mais atenção com esse nome em referência aos 10 martinis, mas esse não é o objetivo de ninguém que trabalhe com uma questão dessas. Dez martinis é muito pouco para o esforço envolvido. Trabalhos anteriores já haviam avançado significativamente na direção da solução, mas eu e a minha co-autora resolvemos juntos o problema. Mas não sou particularmente atraído por martinis”, arremata o matemático de 35 anos.
“Ainda que o Instituto ofereça essa flexibilidade, no meu caso não foi tão simples. Fiquei sabendo que o matemático Carlos Gustavo Moreira, o Gugu, pesquisador do Impa e membro da comissão brasileira das Olimpíadas de Matemática, tinha realizado seus estudos de mestrado no Impa ao mesmo tempo em que cursava o Ensino Médio. Cheguei um pouco atrasado nisso e não fui muito incentivado porque havia perdido as datas. Mas o que aconteceu foi que, naquele ano, eu fiz várias olimpíadas, a principal delas a Olimpíada Internacional de Matemática, na qual recebi a medalha de ouro. Foi um resultado melhor do que eu esperava e, ao voltar, passei pelo Impa e me foi oferecida uma bolsa de iniciação científica”, conta Ávila.
Foto: ©CNRS Photothèque / Sébastien Ruat
Sobre o prêmio Fields, após o exaustivo processo desde a nomeação inicial, mantida em segredo, até a cerimônia de premiação, Ávila o encara como um desafio superado e prefere focar no que ainda está por vir em sua pesquisa. “Quando soube que havia recebido o prêmio, fiquei aliviado, pois a pressão sobre os candidatos potenciais é grande e acaba nos tirando um pouco do foco na pesquisa que estamos conduzindo. Com o resultado, só senti alívio e vontade de retornar ao meu objeto de estudo”, conclui, com simplicidade, o matemático.
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Caleidoscópio
em arte
O surrealismo urbano que transporta o real ao imaginário na obra contemporânea de OSGEMEOS combina cores e multidimensionalidades que conquistaram o mundo
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m imenso mural de 360 graus, com seis gigantescos silos, se estende por 2 mil metros quadrados e 20 de altura na Bienal de Vancouver, no Canadá. A obra pública, já tida como a mais icônica do país, é a primeira incursão dos gêmeos grafiteiros brasileiros Otávio e Gustavo Pandolfo na Granville Island, em Vancouver. Convidados a participar
de uma das mais importantes exposições urbanas de arte contemporânea da América do Norte, OSGEMEOS, como são conhecidos, instigam os visitantes da bienal a um diálogo entre os mundos bidimensional e tridimensional pela imponente obra de sua série Giants - intervenções artísticas de grandes proporções já realizadas na Grécia, nos EUA, na Holanda e no Brasil.
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Foto: Divulgação Bienal de Vancouver
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Os irmãos Otávio e Gustavo Pandolfo criaram um mural de 20 metros de altura e 360 graus para uma das mais importantes exposições urbanas, a Bienal de Vancouver
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Foto: Eduardo Ortega
“PARA NÓS, A ÁGUA AGE COMO UMA VEIA, SIMBOLIZANDO A VIDA, E ESTÁ SEMPRE MUITO PRESENTE EM NOSSA ARTE” OSGEMEOS —
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Foto: Eduardo Ortega
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Foto: Eduardo Ortega
Foto: Bienal de Vancouver
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Influenciados pela cultura hip hop dos anos 80, os irmãos nascidos na cidade de Cambuci, no interior de São Paulo, e formados em desenho de comunicação pela Escola Técnica Estadual Carlos de Campos, ganharam com grafites os muros das ruas do bairro onde moravam, institucionalizando a dupla OSGEMEOS e tornando-se rapidamente uma das referências mais importantes da cena urbana paulistana e do estilo brasileiro de grafitar.
1. “Meus pés estão flutuando” (My Feet are Floating), 2013 2. “Casou pra ver como é” (Got Married to Check How it is), 2013 3. “De lá pra cá”, 2013 4. “Retrato” (Portrait), 2013 5. Detalhe do painel produzido para a Bienal de Vancouver
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Inspirados em vários ícones da arte contemporânea, como Slava Polunin (Rússia), Roger Waters (Reino Unido), Aryz (Espanha), Blu (Itália) e Barry McGee (Estados Unidos), a dupla desenvolveu múltiplas técnicas e suportes que convivem simultânea ou alternadamente: do desenho para o grafite e os murais, da pintura para as imagens cinéticas, esculturas e instalações. Suas obras intervêm nas cidades como um caleidoscópio de imagens
Foto: Divulgação GOL Linhas Aéreas Inteligentes
de origens diversas, com elementos surreais que se sobrepõem em múltiplas dimensões ressaltadas e coloridas. Eles usam linguagens visuais combinadas, o improviso e uma visão lúdica para criar obras que os levaram a alçar voo pelo mundo, com mostras individuais e coletivas em museus e galerias de países como Cuba, Chile,
Estados Unidos, Itália, Espanha, Inglaterra, Alemanha, Lituânia e Japão. Em 2014, OSGEMEOS promoveram a exposição A Ópera da Lua no Galpão Fortes Vilaça, em São Paulo. A mostra com 30 pinturas, três esculturas e uma
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O boeing da Gol pintado pelos gêmeos foi o avião de deslocamento da seleção brasileira durante a Copa do Mundo de 2014
A OBRA DOS IRMÃOS REQUER DEIXAR QUE A RAZÃO DÊ LUGAR AO IMAGINÁRIO. É EMBARCAR NUMA EXPERIÊNCIA QUE EXCEDE A VISUAL —
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Fotos: Divulgação Bienal de Vancouver
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3. 1, 2 e 3. Os silos multicoloridos da Giants canadense contrastam com a paisagem cinzenta do distrito industrial de Granville 4. OSGEMEOS em produção no atelier 4.
videoinstalação 3D levou um ano para ser concebida e recebeu mais de 60 mil visitantes em dois meses. Pela primeira vez na trajetória dos irmãos, sua arte foi apresentada em um ambiente imersivo, com narrativas poéticas, irônicas e críticas, com muitos detalhes na construção das imagens, principal característica de sua expressão artística. Viajar na obra dos irmãos requer deixar que a razão dê lugar ao imaginário. É perceber suas sutilezas e embarcar numa experiência que excede a visual: “sentir antes para entender depois”,
costumam dizer. Suas linguagens visuais combinadas estão em castelos, prédios, túneis, trens e até mesmo em um avião Boeing 737-800. Em 2014, a dupla realizou o desejo de pintar a aeronave que transportou a seleção brasileira de futebol durante a Copa do Mundo, no Brasil. Na Bienal de Vancouver de 2014, a obra dos Gêmeos dá continuidade à sua série Giants. Os silos multicoloridos da Giants canadense contrastam com a paisagem cinzenta comum do distrito industrial de Granville, em False Creek, península
Foto: OSGEMEOS
localizada no centro de Vancouver. Refletidos no espelho d’água, os silos destacam um outro elemento da obra dos gêmeos. Para eles, “a água age como uma veia, simbolizando a vida, e está sempre muito presente em nossa arte”, dizem.
Veja vídeos de OSGEMEOS em produção na versão tablet e no site www.petrobras.com/ magazine