Portfólio Piatan Lube 2019

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Portfólio de práticas artísticos

Piatan Lube Espírito Santo- Brasil 2019


Monumentos de amor ao Rio Doce, 2018 EspĂ­rito Santo Brasil


















Aimores (MG), ResidĂŞncia artĂ­stica julho de2018









Mascarenhas, ResidĂŞncia artĂ­stica julho de2018















Monumentos de Amor ao Rio doce Arte socialmente engajada dedicada ao Rio doce – registro da primeira experiência realizada na mostra “Deslizes Monumentais e Sonhos Intranquilos. A Estética dos Crimes Ambientais no Antropoceno” realizada entre 7 de junho e 10 de julho de 2017, na Galeria de Arte e Pesquisa da UFES, em Vitória, ES. A Exposição foi uma realização do Grupo de Pesquisa DISSOA/ CNPq/UFES DISSOA, e do grupo ORGANON/ UFES.



Este projeto fora pensando em intervenções relacionais, colaborativas, em comunidades AFETADAS – comunidades ribeirinhas ao Rio Doce (Regência, Colatina, Linhares e Baixo Guandu). Consiste na reação de arte socialmente engajada diante da barbárie ecológica Crime ambiental realizado pela Samarco Mineração ao Rio Doce. A obra se instrumentaliza no diálogo sensitivo com o Rio, uma ponte geradora de amor, emanando força para seu renascimento. A ação é a construção de uma mandala de frutas frescas, doadas por agricultores de Piapitangui sendo este arranjo sagrado e purificador um convite|dispositivo de trocas – “TROCA- SE UMA FRUTA POR UMA CARTA DE AMOR AO RIO DOCE”... Gerar, promover, perfumar, construir, entrelaçar, aprofundar, mergulhar, transbordar, movimentar, guerrilhar, considerar, perguntar, trabalhar, conclamar, corrigir, reivindicar, renascer...são gestos da obra colaborativa - cartas de amor para o Rio Doce e para o seu povo. A eles serão enviadas estas cartas. Que elas sejam flores que nasçam em vossos corações e lidas - declamadas sobre as fortes fontes do guerreiro Doce - que sangra hoje pela Mineração. A mesma mineração, que consome 80 % da água potável de Minas Gerais, que destroem nascentes, comunidades inteiras, montanhas que guarneciam estórias ancestrais, são desgraçadamente transformadas em “Ferro. Uma borra de minério – Mancha nossa Vida e nosso Planeta- este modelo de uso dos recursos naturais tão raros ao todo. Abaixo a Mineração, corrosiva, destruidora, impune e ambiciosa que tentou matar nosso RIO Grande e Doce de águas vivas e formosas. Vamos a luta!!!! Fortemente armado!! com sementes, frutas e cartas de amor.

Piatan lube, Inverno de 2017


Cartas de amor ao rio doce- Galeria de Arte e Pesquisa da UFES-Vitรณria2017












Troca-se uma fruta por uma carta de amor ao Rio Doce











TABEBUIAS: COZINHAS EXPERIMENTAIS


Tabebuias – Cozinhas Experimentais Museu e cozinha - modos de resistência

Gabriela Canale* A cidade, como a conhecemos, é um modelo em colapso. Dragou os rios, cimentou a floresta, apartou comunidades, dividiu negros e brancos. A propósito do nome, Vitória é mais do que um exemplo dessas falências. Ela é uma espécie de “laboratório do neoliberalismo”, como define Rato - um dos seus artistas marginais mais geniais. Qual o papel do artista neste cenário? Do que e como existir em sua potência vital?Por mais de um ano o artista Piatan Lube vem gestando suas respostas. Em um intenso processo de investigar a cidade e a si mesmo, Piatan descobriu seu “modo de usar” a cidade, suas redes, suas paisagens, seus sabores, suas histórias. Em “Tabebuias – Cozinhas Experimentais” o artista quer resistir à vitória do apartheid entre humanos e natureza. Ele quer sobreviver ao cimento restituindo os laços primordiais que nos sustentam como espécie conectada à biosfera. Piatan critica o caos com a doçura de um doce de goiaba colhida no quintal. Esta é a potência do artista, celebrar a vida em sua sabedoria vegetal. E como toda celebração, a obra em questão é coletiva. Nos lembra os momentos de compartilhamento das boas colheitas, das festas em que se reparte a fartura da terra e ao mesmo tempo se agradece por seus frutos.As goiabeiras, pitangueiras, nos ensinam sobre a resistência. Brotam entre as frestas da cidade. Crescem, frutificam, se espalham. Afirmam o verde no cinza. Tornam orgânicos os dias de metal e pó preto.Tabebuias – Cozinhas Experimentais é um processo coletivo e constante. Iniciou com o mapeamento colaborativo das árvores frutíferas da capital, como um convite para que os moradores encontrassem suas frutas, reencontrassem suas raízes, olhassem para aquilo que floresce, vira polpa e fenece. Passou pela coleta dos frutos e pelo plantio de mudas. E para celebrar tudo isso, o artista convida todos a desfrutarem as cores, sabores e saberes das suas árvores frutíferas dentro do Museu. Assim, Piatan resignifica também este espaço sacralizado da arte, tornando-o lugar de comunhão, fluxo, (im)permanência. Nos mostra que museu é também cozinha – local de encontro. O artista dá lugar ao espectador atento, aquele que sabe reconhecer a grandiosidade sábia dos ciclos naturais. Lembra que tudo que existe morrerá (fardo quase invisível em um tempo em que tudo tende ao eternamente jovem ou descartável – cuja morte nos é escondida). Lembra que as formas foram e são sabiamente esculpidas pelo tempo em cada fruto que brota da terra. Pode olhar para as frutas com a mesma curiosidade que reconhece a tridimensionalidade da escultura. Pode reconhecer nos vermelhos e amarelos repletos de frutose a dimensão cromática da pintura. Na comunhão dos alimentos sugere um happening, uma performance coletiva, que nos lembra que a arte e o rito nasceram juntos. Nos sugere revisitar os nossos cânones – tão eurocêntricos, tão formalistas, tão fixados em gêneros. Nos faz encostar a vida na arte, nos presenteia com a delícia deste neologismo sábio: bioarte.Os resultados de “Tabebuias – Cozinhas Experimentais” seguem se fazendo e refazendo. Sem autoria, brotando em cada árvore plantada no processo; crescendo, livres de veneno e do agronegócio, nos galhos resilientes dos quintais, cozinhas, becos. 

*Gabriela Canale é doutora em Literatura Comparada (USP) e professora de Artes Visuais na Universidade Federal da Integração Latino-americana.





Uso da ferramenta de pontos de referĂŞncia do mundo inteiro. Acessando dados reais das cidades com as imagens em 360 graus do Google Maps com Street View.








Tabebuias Plataforma Virtual 

Mapeamento, registro e demarcações das arvores frutíferas públicas da Ilha de Vitória.

Demarcação cartográfica

Estas intervenções vem para ajudar à construir uma nova era das artes, ligada a novas corpografias de nossa cidades, um espaço aberto para fetos, e, porque não, uma abundância de alimentos. Laranja, Jambo, Graviola, Acerola, Pitanga, Manga, Abacaxi, Carambola, Limão, Jabuticaba, e também Milho, Inhame, Couve, Abobora. Inúmeras cores e perfumes, são variadas as matériasprimas desta intervenção. Todas as árvores frutíferas mapeadas em espaços públicos constroem uma cartografia da autossustentabilidade, com planos de colheita junto das comunidades.

Do ponto de vista estético, contribui através das qualidades plásticas (cor, forma,sabor, textura) de cada parte visível de seus componentes; a vegetação guarnece e emoldura ruas e avenidas, contribui para reduzir o efeito agressivo das construções que dominam a paisagem urbana devido à sua capacidade de integrar os vários componentes do sistema.




Exposição modos de usar edital 15 SECULT-ES

O Museu de Arte do Espírito Santo (Maes), localizado em Vitória, vai receber a exposição 'Modos de usar', a mostra reúne o trabalho de seis artistas selecionados no Edital de Bolsa Ateliê da Secretaria de Estado da Cultura, além de 13 obras do acervo do Maes. A exposição ficará no museu até maio de 2015, com entrada gratuítacom a genial curadoria de Júlio Martins.






Escrita colaborativa na arquitetura do museu, salĂŁo nobre , Modos de Usar.














Oficinas de amor










Ligia Sancio, Tabebuias








Cozinha colaborativa



AQUARUM

Prêmio de Artes Plásticas Marcantonio Vilaça – 5ª Edição Galeria de Arte e Pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) 16 de julho a 30 de agosto de 2013





“Tudo vem da água” Fernando Pessoa Professor de Filosofia da Ufes

O coletivo Duodreno, formado pelos artistas Júlio Tigre e Piatan Lube, apresenta, na ex- posição Aquarum, a água como obra de arte. Ocupando a Galeria de Arte e Pesquisa da Ufes (GAP) como site specific, o duo perfura um poço semiartesiano, de dezesseis metros de profundidade, dentro da galeria, no qual ins- tala uma bomba manual, do tipo picota, para que o público possa interagir retirando água para beber. Ao abrir um poço de água dentro de uma galeria de arte, o Duodreno propõe com essa instalação pensar as características físicas e metafísicas da água: mostrar o sub- solo da arte, revelando o fundo da criação e a proveniência da vida. A obra começa com a perfuração do poço que, registrada em filme, é apresentada em uma tela de vídeo. O propósito de cavar o sub- solo de uma galeria de arte é tornar visível o oculto de seu subterrâneo, revelar o seu fundo original, descobrindo os mistérios de sua constituição. Por ser solvente universal e, assim, diluir o material orgânico da terra, a água quando se infiltra no subsolo trans- porta grande quantidade de sedimentos em seus lençóis freáticos. A deposição desses sedimentos formam diversas estruturas geo- lógicas, que compõem um registro da história da terra. Com a perfuração do poço dentro da GAP, o Duodreno propõe estudar a composi- ção desse território artístico, a fim de conhe- cer a sua história. De que é feito o fundo de uma galeria de arte? Quantas estórias estão infiltradas nes- te terreno? Quais são seus sedimentos, seus resíduos, sua composição? Como ler esses vestígios, compreender suas características e

conhecer seus nutrientes? Com esta instala- ção, além de reorganizar o espaço da galeria de arte com a exposição de seu subsolo, Júlio e Piatan querem contar a história da Univer- sidade Federal do Espírito Santo escondida na memória de sua terra para, assim, conhecer o saber que tem no sabor de suas águas: “A ação proposta é acessar o imaginário através desta perfuração, buscando no subsolo esta memó- ria da cidade e brindando este encontro com a ingestão desta água”. * Em oceanos, mares, fontes, rios, lagos e lago- as, a água cobre 70% da superfície da terra, sendo a fonte geradora e nutriente de tudo o que é vivo. A água é o princípio da vida, o seu alimento elementar; ela é a mãe de todo ser vivo, a matrix mundi. Como seu princípio elementar, a água não só é a origem da vida, mas também a sua provedora, o que possibili- ta a sua manutenção; ela promove a geração e regeneração do que é vivo. Em seus ciclos hidrológicos, a água alimenta, hidrata, limpa e purifica o homem e o mundo em uma per- manente renovação da vida. Seja para saciar a sede e hidratar, seja para cozinhar os ali- mentos, digerir ou transportar seus nutrien- tes pelas correntes sanguíneas do organismo, seja na regulação da temperatura pelo suor ou na expulsão das toxinas pela urina, seja para limpar o corpo ou purificar a alma, seja para lavar o céu ou irrigar a terra, a água é a seiva da vida. Por essa característica de ser princípio gera- dor de vida, em todas as religiões, de todas as épocas e regiões, a água sempre foi associada ao feminino – aqua femina –, sendo sacrali- zada como deusa da fertilidade. Para os ve- das é chamada de mâtrimâh, “a mais mater- na”. Na mitologia Celta, Sulis é a deusa das nascentes. Em diversas religiões asiáticas, a água é símbolo da fertilidade, da pureza, da sabedoria, de graça e virtude, elemento da regeneração corporal e espiritual. No Hindu-


ísmo, o Rio Ganges é personificado como uma deusa, sendo a ablução em suas águas um ri- tual de purificação da vida. Na mitologia ioru- bá, Iemanjá é a rainha das águas salgadas, a senhora do mar, é o próprio mar divinizado; representa a beleza, a família, a maternidade e o amor, sendo considerada como mãe de to- dos Orixás. Já a sua filha com Oxalá, Oxum é a deusa das águas doces, senhora dos rios e das cachoeiras. Oxum rege o ventre das mulheres, controlando sua fecundidade; por isso, é es- sencialmente o Orixá das mulheres, quem preside a menstruação, a gravidez e o parto. Como Orixá da maternidade, Oxum ama as crianças e protege a vida com suas curas. Oxum que me cura com água fresca Sem gota de sangue Dona do oculto, a que sabe e cala No puro frescor de sua morada Oh! Minha mãe, rainha dos rios Água que faz crescer as crianças Dona da brisa de lagos Corpo divino sem osso nem sangue1 A mitologia grega possui diversas divindades da água, todas associadas à fecundidade e à geração. Ponto é a primeira, que surge como força primal das águas e é personificado como o mar primitivo. Ponto nasceu de Gaia por partenogênese, e teve com ela várias divindades marinhas como Fórcis, Ceto, Taumante, Eurí- bia, Proteu e Nereu. Nereu, que vivia no fundo do mar, casouse com Dóris, filha do titã Ocea- no, com quem teve cinquenta filhas, as Nerei- das. Por sua vez, Oceano, filho de Urano e de Gaia, casou-se com a sua irmã Tétis, que gerou três mil ninfas, as chamadas Oceânidas. Posei- don, filho de Cronos e de Reia, com a derroca- da do reinado de seu pai, tornou-se o senhor dos mares. Não podemos esquecer Afrodite que, gerada pelo esperma de Urano nas águas do mar, é a deusa do amor e do prazer sexual, o divino arquétipo da graça feminina; nem das sereias, ninfas e musas que encantam os ho- mens com a delícia de seus cantos.

1. Louvação a Oxum

E, por fim, o mais adorado pelas mulheres, Dioniso, o deus da vida. Sua manifestação se dava com o jorrar de fontes de água e vinho, leite e mel. Com a sua chegada, as mulheres deixavam suas casas para, em procissões, subirem as montanhas a fim de celebrar o deus, comungando, em rituais extáticos, a embriagues de sua loucura. Por essa loucura (mania) divina, as mulheres que cultuavam Dioniso eram chamadas de ménades. Como afirma um dos maiores estudiosos dos deuses gregos, Walter Otto, em seu livro sobre Dioni- so: “No elemento da água, do qual emanam os espíritos da feminilidade com toda a ma- gia da beleza, da maternidade, da música, da profecia e da morte, encontramos a origem das mulheres dionisíacas, de modo que, em última instância, representam a imagem da feminilidade primigênia do mundo”. * Pela fecundidade de sua umidade, a água constitui o elemento feminino da criação: a aqua femina é matrix mundi. Nela a vida prolifera de diferentes modos, constituindo múltiplos organismos biológicos e diversas simbologias religiosas. Considerando esses dois horizontes da compreensão da água, o físico e o metafísico, o coletivo Duodreno ocupa a GAP para servir a água de seu poço para o público beber. Com esse gesto simples de doação e cordialidade, Júlio e Piatan nos convidam a degustar a memória geológica da terra, saboreando na água a história de seus componentes minerais, bem como a experi- mentar atavicamente a característica simbó- lica, arquetípica, da fecundidade feminina. Laureada com a quinta edição do Prêmio Marcantônio Vilaça da Funarte, a instalação Aquarum, concebida e realizada pelo coletivo Duodreno, ao apresentar a água como obra de arte, recorda a primeira frase da história da filosofia, proferida pelo antigo grego Tales de Mileto, lembrando que “tudo vem da água”.




Uma nova hidrografia Aquarum sapientorum

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Júlio Tigre Artista Na agua doada, perdura a fonte. Na fonte perdura todo o conjunto das pedras e todo o adormecimento obscuro da terra, que recebe chuva e orvalho do céu. Na agua da fonte, perduram as núpcias de céu e terra.2 O título desta proposta surge a partir de uma constatação um quanto óbvia: estamos mer- gulhados numa substância universal que está presente em todo elemento e meio existente neste planeta em que vivemos, seja interna ou externamente. É uma constatação natural ainda que acreditemos em estados sólidos da matéria, o fato é que a ausência desse elemento agua, matéria viva, nos reporta a aniquilação. Minha memória está constituída de parte dessa experiência, nascemos mer- gulhados nesse meio dentro da placenta de nossas mães. Quando recebemos o batismo inaugural não podemos evitar o pranto ao dar com as dores e com o estranhamento de ter o pulmão pela primeira vez preenchido de ar. Depois de adaptados, voltamos um dia a ex- perimentar num mergulho a impossibilidade de respirar debaixo d’água. Aprendemos a di- nâmica do fluido e nos deslocamos agarrando com as mãos este elemento mais denso que o ar. É também com as mãos em forma de concha que colhemos uma porção fresca e trans- parente de uma nascente e matamos nossa sede, esta outra memoria é que me faz pen- sar num encontro, um lugar para onde con- vergem energias e pessoas buscando vida. A fonte que um dia matou a minha sede é também fonte de poesia e comunhão, essas águas cristalinas já percorreram raízes, chei- raram as profundezas, passaram pelos mais

recônditos e inimagináveis interiores, saindo de corpos e leitos, terras e pedras, penetran- do noutros corpos, perpassando a todos e estabelecendo um fluxo continuo de energia proporcionando trocas de sentidos diversos. A memória presente na água de sua pregnân- cia, daquilo que se impõe ao nosso espírito e de sua viagem pelos sistemas acaba por nos unir a tudo, fazendo de nós uma pequenina parte deste universo. Aquarum se insere no espaço expositivo como um gesto simples mas preciso, sua dimensão se dá na reverberação deste gesto que pro- põe à participação coletiva transformar este espaço de exibição em espaço de ações e vi- vências. O contato com este subterrâneo se dá através deste elemento universal, que nos une, que nos forma e transforma – uma metá- fora para o reconhecimento desses territórios interiores. Ao perfurar o solo revolvemos um passado, ali estão os vestígios de uma outra ocupação, seus dejetos, matéria orgânica em eterna decomposição, a massa opaca e obscu- ra, e nos surpreendemos por encontrar nela um elemento cristalino, como um diamante em seu garimpo, em meio a lama surge uma água transparente como um intocável espíri- to da terra. O que caracteriza nossa experiência na cons- trução de um lugar é o encontro de duas na- turezas, interligadas, nos colocando como parte do sistema. Aquarum propõe mais do que romper mecanicamente os limites do es- paço expositivo de uma galeria, o encontro de águas interiores, os variáveis setenta por cento de nossa constituição física, com a fon- te que faz parte do manancial desse planeta e suas memórias. Uma memória ancestral per- meando a nossa existência. Elemento essencial à vida no planeta, a água é elemento constituinte de nossa história. Tam- bém nos tornamos fontes, água que retorna ao seu ciclo quando abandonamos este mundo, in- cluídos na construção de uma nova hidrografia.

1. Expressão alquímica presentena obra de Carl Gust av Jung. 2. HEIDEGGER, Martin. A coisa. In_______ . Ensaios e conferências.. Ed. Vozes: Petrópolis, 3˚ Edição, p.150. 2006.


Ao perfurar nas coordenadas S20˚16.675’, O40˚18.159’ retirando sua camada superficial de concreto encontramos um solo instável formado por uma profunda e quase homogê- nea camada de areia. Dos vinte e cinco metros perfurados, somente dezesseis ficaram. De- pois das infrutíferas tentativas de construir uma parede resistente, foi nesta profundi- dade de dezesseis metros que encontramos a água, não aquela que almejávamos como um cristal na escuridão da terra, mas uma água surrada, densa, contaminada pela função e consumo humano, uma água usada, literal- mente carregada de cultura, tanto bacteriana como pelos vestígios do que foi o seu empre- go anterior. Para torná-la compatível com a proposta ela teve que sofrer uma série de intervenções, primeiro ser fervida até uma temperatura de 100º para liberar completamente a amônia contida nela como também para eliminar pre- sença de bactérias não resistentes. Depois ela foi destilada até se transformar numa substância incolor e inodora totalmente inócua, mas ainda água, esvaziada de sua função pri- mordial de matar a sede, ela provoca a sede, uma sede que não satisfaz nossas necessida- des físicas, mas sim a sede de conhecimento e transformação. A água, tornou-se, essencial- mente, uma página branca que retira de nós os minerais que um dia ela nos ofereceu. De forma inversa nós a remineralizamos, devol- vendo a dádiva obtida quando a ingerimos de forma simbólica. Ela agora estará conosco, um fazendo parte do outro, numa troca de experiências e de estados plenos de signifi- cados.

logo de Renascente 3: meu filho, numa manhã de domingo, ao levar aquele copo d’água con- tra a luz do sol e, de forma brincalhona, falou deste ciclo, desta passagem do tempo sobre as coisas, das possibilidades, de estar naque- le momento fazendo a comunhão com o mun- do... essa água que já foi fonte, seiva, urina e nuvens agora vai ser eu! Naquele momento aquele copo d’água era muito mais do que matar a sede, ele se transformou num brinde à vida. Numa água para além do trivial, um alimento para além do material, uma ponte entre matéria e espirito. A água recebeu esta incumbência. Em Aquarum, ela está à espera, ela está sedenta para retornar ao seu ciclo, para voltar à vida. Ao ingeri-la, você participa desse processo, revitalizando-a e devolven- do-a ao mundo através de seu corpo.

Essa água estéril é oferecida como um meio, um rito de comunhão, ela é esvaziada de seus atributos para receber outros numa união com o divino, com os ciclos dos elementos que a transformam em uma substância car- regada de memória. Sempre retorno àquela história contada no texto que fiz para o catá-

3. TIGRE, Júlio. Renascente - A memória da água. In______ . Catálogo da 3ª Edição do Programa de Residência Artística Mas que arte cabe numa cidade?, da Secretaria de Estado da Cultura do Espíriro Santo, Vitória. 2012.




Esta água que corre aqui é a voz da voz da voz do meu bisavô Piatan Lube Artista

Acessar o imaginário planetário por meio da perfu- ração do solo, buscar a memória das coisas do mun- do no subsolo e, ao mesmo tempo, brindar, em um estado de comunhão, esse encontro com a ingestão da água retirada do poço: esse éo processo ritualísti- co de criação de Aquarum. Ao desfrutar da água e de seus significados, o público experimenta um campo de vivências a partir dos lençóis que estão sob a Gale- ria de Arte e Pesquisa da Ufes (GAP). Trata-se de uma água/memória, água/arte, água/conceito, água/ fenômeno, água/mundo para ser bebida dentro do espaço expositivo de modo a negociar com a institucionalização desse lugar por meio de sua poética. Éa fonte de vida na fonte das artes. Em meus anseios primeiros de aspirações poéticas com a água, ela portava, de maneira mais latente, uma função escultórica, desenhou os vales, ageogra- fia deste planeta. Mãe que, em direção ao mar, abriu-se em caminhos significantes. Oterritório ideológico de meus trabalhos de arte é nos seus ventres, site orientado deste trabalho, transfigurada no olhar ver- tical para além dos limites visíveis, tencionando e pro- blematizando os limites da galeria de arte enquanto tradicional espaço expositivo e acionando água como fonte de encontros eexperiências com lugar da arte.

Aágua é o elemento com o poder do movimento e portador da vitalidade dos seres, transpõe tempos, lugares e estados físicos. A água éo ciclo de fertilida- de do mundo. Suas qualidades físicas lhe conferem a capacidade de adaptar-se facilmente à materialida- de do território no qual está inserida, absorvendoo, refletindo-o, multiplicando-o: a água capta o lugar. Uma das tensões poéticas presentes em Aquarum re- laciona-se com a propriedade de reflexão molecular da água, ou seja, sua capacidade de transmitir infor- mações do território do qual ela passa. Ao abrir uma fonte de água dentro da GAP, damos continuidade ao movimento cíclico desse elemento in site, aqui apre- sentado como obra de arte que, ao ser ingerida pelos visitantes da instalação expositiva usando seus mo- vimentos e corpos, promove um encontro de águas. O poço semiartesiano, cavado no subsolo, revela a memória do território – que foi codificada por ações do tempo na matéria e que pôde ser acessada pelos visitantes durante a exposição. Extraído por meio do bombeamento manual e ingerido pelos frequen- tadores da intervenção, esse conteúdo mnemônico converte-se no líquido da sabedoria-obra. Com Aquarum oportunizamos um novo contato en- tre a arte e o espectador, tratase de uma radical in- tegração ritualística, inscrita por meio da disponibi- lização desse elemento sagrado para o público – aqui constituído enquanto receptáculo e símbolo vivo de uma nova arte. Assim, a obra não se finda com uma intervenção física, ela ganha continuidade e ampliação de sig- nificado após a ingestão da água servida no espaço expositivo. Por meio desse rito de comunhão entre afetos, Aquarum possibilitou a vivência de uma nova orientação entre obra, espaço expositivo e especta- dor.

A água ancestral toca a memória planetária e é ofe- recida para a comunhão entre o homem e o planeta através de uma obra de arte. Aqui temos uma nova orientação: capturar a memória do mundo extraí-la, fazê-la percorrer novos circuitos, submetê–la a filtragens e servi-la como espírito do lugar. O olhar de origem é quem faz aflorar este tipo de obra. Vascu- lhamos as entranhas da galeria de arte, o seu subterrâneo, e ativamos ali sua força vital – na gênese do território da arte.

A intervenção buscou construir uma ponte entre a realidade interior e exterior, entre o racional e irra- cional, entre a mente e a não mente, entre forma e a ausência de forma. Aquarum atende ao anseio de tornar possível, de dar visibilidade ao invisível, de trazer à superfície as problemáticas existenciais por meio de uma inundação de memórias do lugar e de nós mesmos.




Água mínima

Nelson Lucero Professor de Psicologia da Ufes

Um poço semiartesiano foi perfurado no inte- rior de uma galeria de arte. Como autores, os artistas Júlio Tigre e Piatan Lube. Chegando aos 16 metros a água brotou. Absolutamente contaminada. Reprovada em todos os testes. Mas foi purificada. Decantada, fervida, centrifugada, filtrada, novamente filtrada e, finalmente, teve sua potência de aplacar sedes resgatada. Durante a abertura da exposição, fiquei olhando e pensando: o que é tudo isso? O que querem essas pessoas perfurando a galeria e drenando a água escondida no solo? Escondi- da sob o solo da produção universitária, sob a superfície que abriga uma profusão criativa de experiências e pensamentos, mas que tem em seu interior água contaminada. Tratava-se de um contágio criativo de experiências e de pensamentos, uma contaminação de águas e terras. Que experiência era aquela que estava acontecendo? A que remetia aque- la intervenção? Em um primeiro momento, acessando uma certa camada da experiência, podemos fazer uma leitura simbólica, metafórica: a purifica- ção da água como ideal de purificação (leitura ascética), a carência de água doce e potável no planeta (leitura ecológica), que pode se unir a uma leitura política sobre o manejo dos mananciais e outras tantas questões seme- lhantes que circulam. Mas, de alguma forma, havia mais ali. Não só uma denúncia moral, política, social ou eco- lógica. Não estava diante do negativo que precisava ser purificado. Estava diante de uma produção propositiva. De alguma forma,

a água no corpo dos artistas pedia passagem. Um desejo-água havia se intensificado. Um devir-água da arte. A água sempre serviu ao homem. Água ser- vente. Sempre retirada da terra, utilizada e devolvida suja. Água servida. Água solvente primordial, aliada da arte e da técnica. Então comecei a perceber o algo mais. O acontecimento Aquarum ficou ressoando em mim como uma ação de produção (des)cria- tiva. Quando bebi dessa água fiquei conta- giado - não contaminado. E contagiado, fui percebendo que a água agora estava fazendo o caminho inverso. Uma involução. Involução entendida não como volta, mas como um avançar, uma produção. Uma pro- dução (des)criativa que não adicionava, mas que retirava algo. Retirava, diminuía, excluía, não acrescentava nada e daí vinha a potência da intervenção. Afirmar sem precisar negar! A água cinza-esverdeada, extraída do poço, ia sendo despigmentada, afinada na trans- parência até ser água só. Uma água que não se quer tinta, que não se quer continente. Perturbações redutoras para produzir somen- te água. Água mínima. Uma metamorfose ao simples. Ação tecnopoiética de intervenção nos fluxos para anular a cor, o sabor, as formas densas e, no final, produzir transparên- cia. Anulação da forma e afirmação do fluxo. Com o fim da intervenção, só as marcas do contágio com a afirmação da arte deverão permanecer, quando tudo tiver se evaporado.


Os Ciclos Sagrados

Gabriela Canale Artista, educadora e curadora Um dia eu vou pro céu viajar, até me precipitar e me reinserir na cadeia alimentar... Um dia eu vou evaporar

Aurélia Hubner Quando recebi o convite para transformar o trabalho Aquarum em palavra, soube ime- diatamente que não poderiam ser palavras quaisquer. Sabia que mais do que um texto, seria preciso viver um ciclo completo para poder traduzir a obra de Júlio Tigre e Piatan Lube. Comecei me tornando líquida. Aos poucos me fiz inteira água. Escorri pelo ralo do banheiro. Me refiz com copos de água vindos do filtro de acrílico. Caminhei sobre a espuma que arre- benta sobre a areia e o minério. E, muito mais do que tudo, fui inteira água dentro da chuva fina. Ainda em estado líquido descobri que as sa- bedorias da água são inclassificáveis. Ino- dora, insipida e incolor, nos ensinaram na escola. Mas Piatan e Tigre vão além, eles nos ensinam que a água é sagrada. Mas que tipo de sagrado? Daquele que respei- ta o valor e os tempos profundo das coisas. Pois saber que a água é sagrada é respeitar seus ciclos. E são os ciclos e o respeito aos seus tempos que Aquarum revela: para beber é preciso filtrar, para filtrar é preciso encontrar, para encontrar é preciso perfurar.

Para permitir que os ciclos se transformassem em experiência para os participantes de sua obra, os artistas transformaram a galeria em lugar de trabalho. Trabalho no sentido mais amplo do termo (de Karl Marx a William Rei- ch). Usando tecnologia, tempo e desejo, a água sob a galeria veio à tona. Trouxe consi- go tudo que com ela se podia misturar. O que chamamos de resíduos se integraram à água e subiram para que pudéssemos vê-los e bebê-los. A galeria se tornou, por meio do trabalho, lu- gar do sagrado – espaço em que se reconhece o intangível das coisas. Saber ser água é o maior dos aprendizados de Aquarum já que estamos, todos nós, imersos em um gigante Aquarum. Um Aquarum solar, rodopiante, vivo – um lugar em crise. Estamos em tempos de repensar o sagrado das coisas, antes que as outras ideias de tra- balho (de Henry Ford a Steve Jobs) nos façam esquecer o sagrado dos ciclos naturais. Enfim, Aquarum nos lembra que podemos trabalhar juntos para a clareza das coisas. E celebrar estando juntos. Sendo, bebendo e compartilhando ÁGUA – o grande ciclo de que somos parte.







EXPOSIÇÃO

GALERIA DE ARTE E PESQUISA DA UFES (GAP)

ARTISTAS Piatan Lube Júlio Tigre

COORDENAÇÃO Marcos Martins

PRODUÇÃO Duodreno TEXTOCRÍTICO Fernando Pessoa ÁUDIOVISUAL Alexandre Barcelos FOTOGRAFIA Alexandre Barcelos Francisco Neto ASSESSORIA DE IMPRENSA e REVISÃO DE TEXTO Paulo Gois Bastos

DESIGN GRÁFICO Vinicius Guimarães

Distribuição gratuita, proibida a venda

EXECUÇÃO

MONITORIA Ercilia Stanciany e Stanley Oliveira ASSISTENTES Cacá Miled e Wellington Pereira

ARTE-EDUCAÇÃO COORDENAÇÃO Mara Perpétua MONITORIA Tiago Folador

AGRADECIMENTOS professor Kleber Perini Frizzera engenheiro Carlos Augusto C. N. Da Gama bioquimico Antonio Sergio da Silva professora Maria Regina Rodrigues

APOIO

REALIZAÇÃO

Este projeto foi contemplado com o Prêmio de Artes Plásticas Marcantonio Vilaça – 5 edição - 2012




Com o título “Caminhos de Afeto”, Piatan Lübe encerra a quinta intinerância do Projeto Baustelle em Vila Pavão. O trabalho do artista busca a memória da imigração alemã e pomerana através de uma demarcação afetiva e olfativa do traçado original da cidade. Esse traçado original ou uma sugestão deste traçado descoberto por mapas antigos da região será refeito com a plantação de mudas de um arbusto cujas flores exalam um aroma muito perfumado, a dama da noite, ressignificando esse território de chegada de famílias alemãs e pomeranas na região. O plantio é colaborativo em comunhão com os anciões da cidade, guardiões da memória da intervenção artística no monumento imaterial criado na migração deste povo.


Foram plantadas 80 (oitenta) mudas de รกrvores, alo logo de 18 km.










Esboço: Júlio Tigre



Esboço da proposição EntreSaudades e Guerrilhas 2011






No 5º mês de residência a proposta de ação teve suas rotas transfiguradas com a negativa do dono do terreno, Morro do Elói, para com a implantação da floresta comunitária. Essa negativa colocou em xeque outra parte da proposição, abertura da Fonte (poço semi-artesiano) no site expositivo do projeto interpôs-se um problema, pois esta irrigaria a referida intervenção escrita na paisagem, sendo parte integrante da proposta inicial. Tal ato gerou um impasse na ação do artista que quedouse em silêncio, na angústia criadora frente ao acaso dos processos de criação.


A obra buscou novos dispositivos territoriais dentro de suas constituintes e|ou matéria origem (plantas e água). O senhor Delson Gava, morador de Piapitangui, minha comunidade, escutando atentamente minhas estórias sobre o projeto, sugere que água já esta na paisagem. Começa-se ai uma busca, partindo dele, às nascentes projetadas para as imediações da Galeria de Viana. Lugares oferendados pela própria comunidade. A mensagem elementar do artista, naquela altura, já estava demarcada nos boatos da cidade. Muitas pessoas procuravam-me na galeria para sugerir seus territórios. .



RENASCENTE, um lugar antropológico onde novos territórios conceituais são conduzidos ao artista, que se (RE)inventa em direção às vozes da cidade na construção da nova gramatura sensível da obra.
















Pode-se perceber que ao perder-se o controle sobre o processo de produção da obra diante das negativas (a não autorização dos territórios para a intervenção) nasceram outras formas de recepção, fundamentadas nas relações não institucionais e centradas na posposição real das artes contemporâneas (comunicabilidade com o sensível). O modelo centralizado no conceito artista como autor(uno) apresentou-se superado, pela realidade, os mutirões introduziram um novo elemento para continuidade da construção do trabalho – a colaboração.













Nascente 001: Delson Gava, Sarà Gava, Narciso Gava, Maura Gava, Marcos Ruas, Gilmar Oliveira (Gil), Patrício Santos, Jonas Lube, Zé Luiz Oliveira Silva, Herbert Luiz, Piatan , Luiz Carlos Ferreira, Mariana Valten, Priscila Meneses, Amanda Meneses, Robinho Meneses, Gabriela Rossi

Nascente 002: Renata Lírio, Marcos Ruas, Patrício Santos, Luiz Carlos Ferreira, Renato Pombal ,Leandro Freire, Gabriela Rossi.

Nascente 003: Família Gallina, Renato Pombal, Leandro Freire, Fernado Fepas, Marcos Ruas, Renata Lírio, Lucio Zambo, Gaspar Calacuta, Gilmar Oliveira (Gil) , Piatan , Sr.José Biririca, Wagner Santana Barros (Javali), Jonas, Luiz Carlos Ferreira.

Nascente 004: Família Troncoso Nascimento, Luiz Otávio, Gilçia Nascimentos, J Silva(Jotinha )Marcos Ruas, Wagner Santana Barros Javali, Luan, Cláudio Da hora, Eugênio da Hora, Marcos Pia, Luiz Carlos Ferreira, Escola Pluridoçente Luiz Lube, (Piapitangui) Professora Guiomar , Tiago Folador, Vera Lucia Gouveia.


Aquรกriuum inferior: A fonte negada


Caminho das รกguas 2008 รก 2010




Rubi Maya- 2010 Vitoria ES No presente oportunidade de proposta sobre o “caminho das águas” é redimensionada a abarcar tanto a capital de Vitória como de Florianópolis. Cria-se uma inter-relação que joga com duas realidades similares, porém singulares. Nas linhas deste dispositivo, vemos como possibilidade de produção de agenciamentos dos mais diversos. Este além de comunicarem um contorno de ilha que pouco se assemelha a dos anos atrás coloca em questão a invenção de outras cartografias sobre as cidades. Esta percebida num sentido macro por um contexto da fluidez das águas que perderam seu lugar nos últimos anos e micro pelos diversos encontros que foram se constituindo ao longo da sua constituição de pintura-linha-território. Ativação de falas emudecidas pelo tempo. Temos uma nova orientação: captura demarcada a ser explorada, percorrida, sentida, narrada. Afetos que ganharam passagem. Nosso lugar de habitante sedentário perde lugar para a retomada do nomadismo. Percorrer esta linha é partir em busca de saber sobre o mar, a cidade, o tempo, sobre tudo aquilo que estamos deixando de ser. “A fluidez é provavelmente o fenômeno mais característico dos líquidos” e é desta forma que somos acionados a estes espaços... Caminhantes a seguir por uma cidade que se desmancha sobre si mesma, flui e vive. “E quando falo em fluidez, penso não apenas na fluidez mecânica, ou seja, nos deslocamentos”, mas nas inúmeras possibilidades de dissolução que remetem a outras vias de acesso as ideias de transformações e mudanças na forma de operar com a vida. (JÚNIOR 2006, p. 159). Trazendo a Arte para nossa história aos saltos as turbulências, a que nos remeteria hoje uma criação artística que urge pelas ruas, pela diversidade, pelos encontros e que sai em busca dos possíveis? A que estas experimentações em constante processo disparam em nossas vidas? Caminho das Águas convoca justamente formas outras de pensar nossas posses sobre mundo. Há como disparador, sobretudo a invenção de uma nova cartografia. Dizemos então, de uma linha que não cabe mais em sua horizontalidade, mas que justamente pelo vento que faz soprar, faz formar ondas que vão de encontro ao jogo de forças que habitam a cidade, sua população e sua memória. Sua ação se desloca por variações, ora se encontra na restauração do sentido histórico e patrimonial, ora faz arrancar gritos legítimos de um mar furioso que teve seus espaços invadidos. Ecos de Iemanjá. Somos então forçados a pensar, que os habitantes da cidade são também como os “humanos demasiado humanos” , espíritos livres, que habitam em total inter-relação com a terra, o mar, as pedras, o céu, os morros, as casas, os prédios e todas as possíveis “coisas” que formam nossas composições de convívio. Sendo assim, como viver junto?


Aguinaldo Farias Bienal do Mar Vitória 2008 Com Caminho das águas, Piatan Lube dá à memória a forma discreta de uma linha contínua de um azul-claro bem vive pintada sobre o chão, com trinta centímetros de largura: os limites originais da cidade, as beiras naturais da terra e do mar. Quem hoje sabe disso? Pergunta o artista. Aterramos o mar com a mesma inevitabilidade com que sepultamos nossos heróis, nossos traidores, nossos antepassados mais anônimos, enfim, as vozes e feitos daqueles que nos precederam, tenham sido eles dignos ou não, pouco importa. Recobrimos o território, ampliamos o nosso chão, aproveitamos a docilidade dos mangues e braços internos de mar para transformálos em calhas funcionais, sem ao menos extrair a lição de que tudo isso serviu a propósitos mutáveis como o tempo, como nós mesmos. Andamos por nossa cidade sem a consciência das outras cidades que jazem adormecidas debaixo dela. Ignoramos todo o enorme trabalho despendido, toda a carga de desejos que animou todas essas modificações sem que com isso percebamos que estamos nos condenando a sermos igualmente descartados.











Capela Santa Luzia Edificada no século XVI, na Cidade Alta, em pedra e cal de ostra sobre rocha, possui traços arquitetônicos em estilo colonial, e frontão e altar barrocos. É a Igreja mais antiga da cidade e foi a capela particular da fazenda de Duarte Lemos. Segundo consta, Lemos teria mandado construí-la em suas terras para incentivar a devoção e aprimorar a educação de seus familiares e escravos. Além da capela, a fazenda estaria constituída de uma residência, um engenho de açúcar e um quitungo para fazer farinha; um conjunto expressivo, se considerada a brevidade da estadia de Duarte Lemos na capitania, já que em 1550 ele retorna à Bahia, de onde viera. Assim percebo o espaço fisico que transborda de memoria afetiva , um espaço fisicamente posicionado a ponto de ver estática ali no alto da cidade alta toda a transformação da cidade hoje abriga a prospecção e os diálogos possíveis sobre memória ilha e obra.






Clipping: Projeto Caminho das รกguas




Piatanlube@gmail.com


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