Uma nova escola para um novo país: ensino de línguas e literaturas em debate.

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FREDERICO JOSÉ MACHADO DA SILVA . ANGELA MENDONÇA . ERALDO BATISTA DA SILVA FILHO JOELMA GOMES DOS SANTOS . SUELANY RIBEIRO . VIVIANE GOMES . RÔMULO VARGAS . ANA CRISTINA FONSECA [organização]

Uma nova Escola para um novo país Ensino de Línguas e Literaturas em debate

Anais Eletrônicos XIII Encontro sobre o Ensino de Língua e Literatura

XIII

EELL Uma nova Escola para um novo país


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Frederico José Machado da Silva . Angela Mendonça . Eraldo Batista da Silva Filho Joelma Gomes dos Santos . Suelany Ribeiro . Viviane Gomes Rômulo Vargas . Ana Cristina Fonseca [organização]

Uma nova Escola para um novo país Ensino de Línguas e Literaturas em debate

Anais

Eletrônicos

XIII Encontro sobre o Ensino de Língua e Literatura

Pipa comunicação recife, 2018


Copyright 2018 © Frederico José Machado da Silva / Angela Mendonça Eraldo Batista da Silva Filho / Joelma Gomes dos Santos / Suelany Ribeiro Viviane Gomes / Rômulo Vargas / Ana Cristina Fonseca [Orgs.] É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa do autores e organizadores. Por se tratar de uma publicação do tipo ANAIS, a comissão organizadora do XIII EELL, isenta-se de qualquer responsabilidade autoral de conteúdo, ficando a carga do autor de cada artigo tal responsabilidade.

Marca e Identidade Visual do Evento Equipe Interna da FACHO

CaPa, Projeto Gráfico e DIAGRAMAçÃO Karla Vidal e Augusto Noronha. Pipa Comunicação (www.pipacomunica.com.br)

Revisão Os autores

Catalogação na publicação (CIP) Ficha catalográfica produzida pelo editor executivo Si383

SILVA, F. J. M. Uma nova escola para um novo país: ensino de línguas e literaturas em debate. Anais eletrônicos. XIII Encontro sobre o Ensino de Língua e Literatura / Frederico José Machado da Silva; Angela Mendonça; Eraldo Batista da Silva Filho; Joelma Gomes dos Santos; Suelany Ribeiro; Viviane Gomes; Rômulo Vargas; Ana Cristina Fonseca (orgs.). – Pipa Comunicação, 2018. 318p. : Il., Fig., Quadros. (e-book) 1ª ed. ISBN 978-85-66530-78-0 1. Língua. 2. Literatura. 3. Escola. 4. Anais. 5. XIII EELL. I. Título. 410 CDD 81 CDU c.pc:01/18ajns


Prefixo Editorial: 66530

Comissão Editorial Editores Executivos Augusto Noronha e Karla Vidal

Conselho Editorial Alex Sandro Gomes Angela Paiva Dionisio Carmi Ferraz Santos Cláudio Clécio Vidal Eufrausino Cláudio Pedrosa Leila Ribeiro Leonardo Pinheiro Mozdzenski Clecio dos Santos Bunzen Júnior Pedro Francisco Guedes do Nascimento Regina Lúcia Péret Dell’Isola Ubirajara de Lucena Pereira Wagner Rodrigues Silva Washington Ribeiro


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Ficha Técnica XIII Encontro sobre o Ensino de Língua e Literatura Uma nova escola para um novo país: ensino de Línguas e Literaturas em debate

Apoiadores Curso de Letras da Faculdade de Ciências Humanas de Olinda

Equipe de Organização Frederico José Machado da Silva –­­ Coordenador – (FACHO) Angela Mendonça – Coordenadora – (FACHO) Eraldo Batista da Silva Filho (FACHO) Joelma Gomes dos Santos (FACHO) Suelany Ribeiro (FACHO) Viviane Gomes (FACHO) Rômulo Vargas (FACHO) Ana Cristina Fonseca (FACHO)

Marca e Identidade Visual do Evento Equipe Interna da FACHO


Apresentação Mais uma vez realizamos a entrega ao público de uma edição dos Anais do já tradicional Encontro Sobre o Ensino da Língua e Literatura da Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (FACHO)1. É sempre um orgulho muito grande registrar no formato de Anais o maior evento do Curso de Letras de nossa IES. Na última edição (2015) ficamos satisfeitos com o resultado alcançado pelo formato e-book com centenas de acessos, uma prática que, além de ecológica, tem se mostrado bastante eficiente. O EELL, desde seu início, representa um espaço para os pesquisadores iniciantes apresentarem seus trabalhos. Muitos dos pesquisadores apresentam no EELL seu primeiro trabalho. O encontro representa um espaço vital para a discussão da educação em nosso estado. Fazemos votos para que durante os próximos anos o evento traga cada vez mais pessoas interessadas em discutir educação, literatura e língua.

A comissão Organizadora

1. Por se tratar de uma publicação do tipo ANAIS, a comissão organizadora isenta-se de qualquer responsabilidade autoral, seja de conteúdo ou de estrutura, ficando a cargo do autor de cada artigo tais responsabilidades.


Sumário 13 A GRADIÊNCIA DOS PREFIXOS CIS- E TRANS-: UMA

ANÁLISE EM CADERNOS COMERCIAIS E CULTURAIS DE JORNAIS BRASILEIROS NO ANO DE 2016 Anderson Souza Santos Ana Beatriz Freire de Almeida

25 A ORALIDADE NA SALA DE AULA ATRAVÉS DO LIVRO

DIDÁTICO: ARGUMENTAR É PRECISO Karla Michelly dos Santos Fabrício

39 ABORDAGENS DE LEITURAS NA PERSPECTIVA DO

LETRAMENTO VISUAL Anderson de Santana Lins

63 AMÉRICAS FRANCÓFONAS E POÉTICAS DA GUERRA EM

CHAMOISEAU E MOUAWAD Ariane da Mota

85 ANÁLISE DA FORMAÇÃO DO INDIVÍDUO EM MANHÃ

SUBMERSA DE VERGÍLIO FERREIRA Keroly Vitoria da Silva


95 LEITURA DE IMAGEM EM LIVRO DIDÁTICO: ANÁLISE DE

ATIVIDADE DO LIVRO “PARA VIVER JUNTOS: PORTUGUÊS, 9º ANO: ENSINO FUNDAMENTAL” Ziane Maria Florêncio de Santana

129 LEITURA E COMPREENSÃO TEXTUAL NOS LIVROS

DIDÁTICOS: O ESPAÇO E O TRATO COM A SUBJETIVIDADE NAS QUESTÕES DE INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS Rennan de Barros Correia

155 LEITURA E INTERPRETAÇÃO DE MEMES PARA AULA DE

LÍNGUA PORTUGUESA Fransuene Carla da Silva José Maria A. S. Junior

169 A LINGUÍSTICA HISTÓRICO-ANTROPOLÓGICA DE BENVENISTE Rômulo da Silva Vargas Rodrigues


187 MEDIAÇÃO DE LEITURA EM EDUCAÇÃO DE JOVENS E

ADULTOS – MODALIDADE A DISTÂNCIA: REGISTRO, AVALIAÇÃO E PERSPECTIVAS Djário Dias de Araújo Maria Eliana Cavalcante Matos Tânia Maria Vargas da Costa

207 O BRINCAR COMO FERRAMENTA DE APRENDIZAGEM PARA CRIANÇAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS Viviane Pereira de Souza

229 O TEXTO LITERÁRIO COMO RECURSO DIDÁTICO

MOTIVACIONAL E INTERCULTURAL PARA O ENSINO DE E/LE Rayane Maria da Silva Oliveira Edilza de Moura

249 PARA ATESTAR O ESTATUTO DE RAIZ DE CIS- E TRANS- NO

PORTUGUÊS BRASILEIRO: MAPEAMENTO DE BLOGUES DAS VERTENTES LGBT E FEMINISTA Eloísa Beatriz Gonçalves Sá Barreto Nathalia Maria Araújo


263 REPRESENTAÇÃO DA FORMAÇÃO DO INDIVÍDUO EM O

PRÉDIO, O TÉDIO E O MENINO CEGODE SANTIAGO NAZARIAN Gizele Eishila Silva de Andrade

277 SEQUÊNCIA DIDÁTICA NA EJA: REDESCOBRINDO A

CULTURA AFRICANA ATRAVÉS DE SUAS LENDAS Djário Dias de Araújo

291 SEQUÊNCIA DIDÁTICA PARA A PRODUÇÃO DE NOTÍCIA

ESPORTIVA ESCRITA EM TURMAS DA EJA: ASPECTO DA CONSTRUÇÃO DO LIDE Sérgio Claudino de Santana


Resumo Nosso trabalho objetiva verificar ocorrências dos afixos cis- e trans- como itens lexicais cujos significados sejam ligados a identidades sexuais. O corpus de análise são cadernos de jornais dominicais de 2016 voltados para a temática comercial e cultural de cada região brasileira. Baseando-nos nos pressupostos de Basilio (1974, 2003, 2006), observamos que os afixos cis- e trans- podem ser tomados como raízes, pelo seu estatuto lexical perceptível na composição de palavras, e como itens lexicais, quando usados de modo autônomo em sentenças. Isso demonstra o fenômeno da gradiência, postulado por Bybee (2010), ou seja, um processo de mudança da língua que envolve diferentes categorias da língua ou da gramática de maneira gradual. Dessa forma, a coexistência na língua de usos do cis- e trans- como prefixos e como raízes indica que essas unidades formais estariam migrando da categoria de afixos para a categoria de raízes no contexto que se refere a identidades sexuais. Palavras-chave: Morfologia; Jornais; Gradiência.


A GRADIÊNCIA DOS PREFIXOS CIS- E TRANS-: uma análise em cadernos comerciais e culturais de jornais brasileiros no ano de 2016 Anderson Souza Santos1 Ana Beatriz Freire de Almeida 2 Gláucia Renata Pereira do Nascimento (Orientadora)3

Introdução O léxico de uma língua está em constante modificação, dado o dinamismo existente nas relações sociais que se valem dele. Seja por meio de elementos estrangeiros ou da própria língua, palavras são criadas e incorporadas a contextos de fala específicos, os quais, por sua vez, legitimam esse processo. O aumento da frequência de uso das palavras recentemente criadas faz com que essas se disseminem para outros contextos e passem a ser usadas em diferentes ambientes discursivos. Atentos às mudanças emergentes no Português Brasileiro, analisaremos, neste trabalho, o processo de mudança de categoria identificado nos prefixos cis- e trans-, cujos significados são,

1. Graduando do curso de Letras-Português da UFPE e colaborador voluntário do NUCEPI (Núcleo de Estudos em Compreensão e Produção (Inter)Linguísticas). E-mail: anderson_souza7@yahoo.com 2. Graduanda do curso de Letras-Português da UFPE, bolsista do PET-Letras da mesma instituição e colaboradora voluntária do NUCEPI (Núcleo de Estudos em Compreensão e Produção (Inter)Linguísticas). E-mail: freirewp@gmail.com 3. Professora Adjunta de Língua Portuguesa do Depto. de Letras do Centro de Artes e Comunicação da UFPE e coordenadora da pesquisa intitulada ‘Lexicalização dos afixos cis- e trans-: uma análise em jornais diários das cinco regiões do Brasil e em blogues de vertentes LGBT e feministas’. E-mail: profa_glaucia@ yahoo.com.br 13


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respectivamente, “posição aquém” (BECHARA, 2009, p. 366) e “através de” (BECHARA, 2009, p. 368), que passam a assumir status de raízes no momento histórico atual. Tal processo de mudança não implica na exclusão da categoria de prefixo, mas no movimento de transição do cis e trans entre duas categorias: a categoria de prefixo e a categoria de raiz. Como raízes, o uso de cis e trans pode ser identificado tanto como item lexical, isto é, ocorrendo isolados em sentenças, quanto como constituintes de palavras compostas, apresentando cargas semânticas ligadas à identidade sexual. Esse uso de cis e trans como raízes já foi identificado numa pesquisa anterior, na qual analisamos jornais de três regiões do Brasil (ALMEIDA; SANTOS, no prelo). Na pesquisa citada, identificamos uma maior concentração do trans nos cadernos ligados à cultura e a anúncios classificados. Por isso, reforçando a importância de se analisar os jornais, uma vez que eles oferecem à população em geral ampla circulação de textos diversos, selecionamos, como corpus de análise, os cadernos de jornais dominicais do ano de 2016 voltados para a temática comercial e cultural, ampliando a pesquisa para outras regiões do Brasil. Foram selecionados cinco jornais, a saber: Folha de São Paulo (São Paulo), A Tarde (Bahia), Zero Hora (Rio Grande do Sul), Diário do Pará (Pará) e O Popular (Goiás). Dessa forma, concentramos nosso olhar para o processo de transição entre as categorias de prefixo e de raiz no corpus apresentado anteriormente.

MUDANÇAS LINGUÍSTICAS NO PORTUGUÊS BRASILEIRO De acordo com Basilio (2014), o léxico, devido ao seu estatuto de conjunto de palavras à disposição de determinada comunidade linguística, apresenta-se como um dos principais constituintes da língua, pois, através dele, podemos categorizar as entidades existentes que precisamos referir no

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discurso. Dessa forma, o léxico possibilita a construção de significado no âmbito linguístico. Ao defender a visão de que o léxico é altamente regular, Basilio (2014) argumenta que a língua apresenta processos para criação de novas palavras. Esses processos, por sua vez, utilizam elementos constituintes que têm o propósito de assegurar aos falantes uma maior agilidade na comunicação, devido ao reconhecimento desses elementos. Como a língua está em constante mudança, esses processos podem ser entendidos como uma espécie de “reciclagem”, uma vez que possibilitam a reutilização de elementos linguísticos já existentes, poupando a memória do falante. Dentre os processos que auxiliam o léxico no que se refere à criação de novas palavras, encontramos a composição e a derivação, os quais são destacadas por Basilio (2010) como os mais utilizados. A derivação consiste na adjunção de um afixo (prefixo ou sufixo) a uma base, como acontece na prefixação de desenterrar (prefixo des + base enterrar) e na sufixação de marinheiro (base marinh + sufixo eiro). Já a composição, diferentemente da derivação, consiste na junção de duas bases, como acontece em guarda-roupa e agricultura. Enquanto tipo de composição, Monteiro (2002) propõe a recomposição, a qual apresenta uma diferença específica. Na recomposição, o significado de uma parte de uma palavra passa a valer pelo significado todo, dando possibilidade a novas composições. Ou seja, numa palavra composta por dois elementos, um deles passa a assumir o significado dos dois. De acordo com Basilio (1974), esse elemento que assume o significado completo da palavra composta, possibilitando novas composições, pode ser considerado como uma raiz. Ao problematizar a definição do conceito de raiz, a autora defende independência dessa forma no enunciado para que haja o reconhecimento da raiz como item lexical. Nos exemplos apresentados por Basilio (1974, p. 93), contrapor e contracenar passam a ser consideradas como formas compostas, devido ao fato de se considerar o elemento contra

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como raiz e não como prefixo. Seguindo esse raciocínio, os prefixos cis- e trans- podem ser considerados como raízes quando estão fazendo referência à identidade sexual, funcionando como itens isolados ou como base para palavras compostas, como veremos na análise dos jornais. Verificando essa possibilidade de os prefixos cis- e trans- funcionarem como raízes ao assumirem a carga semântica de cissexual e transexual, respectivamente, deparamo-nos com outro conceito: o da gradiência. Gradiência, segundo Bybee (2016, p. 18), “se refere ao fato de que muitas categorias da língua ou da gramática são difíceis de serem distinguidas, geralmente porque a mudança ocorre no tempo de um modo gradual, movendo um elemento de uma categoria a outra ao longo de um contínuo”. Tal fenômeno revela a coexistência de um mesmo elemento transitando entre duas categorias. No caso desta pesquisa, que se propõe a identificar os elementos cis e trans nos jornais das cinco regiões do Brasil, identificamos no jornal Zero Hora, do Rio Grande do Sul, por exemplo, o fenômeno da gradiência, como apontam as imagens abaixo.

Imagem 1 - Zero Hora, 03/01/2016, PrOA, p. 2

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Imagem 2 - Zero Hora, 10/01/2016, Donna, p. 20

Se colocássemos essas duas palavras numa escala, poderíamos dizer que o “trans” de transporte está mais próximo da categoria prefixo, enquanto o “trans” de transexual está mais próximo da categoria raiz, uma vez que o “trans” de transexual apresenta indícios de mudança, servindo, inclusive, para possibilitar o fenômeno de recomposição. Dessa forma, além de funcionar como forma livre, também serve como base para novas palavras compostas. Analisar esse fenômeno nos jornais nos permite identificar, numa perspectiva macro, as mudanças linguísticas pelas quais o Português Brasileiro vem passando, especialmente porque podemos atestar a coexistência dessas palavras num contexto repleto de diversos gêneros textuais.

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ANÁLISE DOS JORNAIS Como citado anteriormente, essa pesquisa parte de outra realizada previamente na qual constatamos maior ocorrência de trans, tanto como item lexical quanto como base de composição de palavras, nos cadernos jornalísticos voltados à cultura e a anúncios classificados. Por isso, aqui, focamos na análise desses cadernos a fim de mostrar o processo de mudança linguística no português brasileiro. Ao total, foram 254 edições analisadas, sendo todas de domingos do ano de 2016. A escolha dos jornais foi baseada na seleção do mais popular do estado com maior número de pessoas por região. Da região Sudeste, temos o Folha de São Paulo (SP); Nordeste, A Tarde (BA); Sul, Zero Hora (RS); Norte, Diário do Pará (PA) e Centro-Oeste, O Popular (GO). Vale ressaltar que na pesquisa anterior, não encontramos cis, o que foi mudado nesta. No jornal Folha de São Paulo, dois cadernos são voltados para a temática aqui pesquisada, são eles: Ilustrada e Classificados. Nas edições desse jornal, foram encontradas 15 ocorrências de trans, sendo 2 nesta e 13 naquela. Vejamos nas imagens abaixo alguns exemplos da forma como apareceram.

Imagem 3 - Folha de São Paulo, 28/02/2016, Ilustrada, p. 2

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O texto da imagem 1 foi retirado de uma notícia sobre a Banda Uó, banda brasileira formada por três pessoas, sendo uma delas mulher transexual. Podemos observar na sequência: “como gays, lésbicas, trans e bissexuais”, que trans está mais para uma raiz do que para um prefixo, conforme a ideia de gradiência postulada por Bybee (2016). No A Tarde, foram identificadas 16 ocorrências de trans nos cadernos 2+, dedicado a assuntos culturais, e o Populares, voltado a anúncios. No primeiro, foram 15 ocorrências; no segundo, apenas 1. Vejamos, na imagem 2, a ocorrência do caderno voltado para anúncios.

Imagem 4 - A Tarde, 15/05/2016, Populares, p. 10

Trans, na imagem acima, funciona como um item lexical que qualifica “Nicolly”, assim como os itens que seguem o texto. Notamos que nesse trecho também não há o significado de prefixo definido pelas gramáticas normativas. 19


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No Zero Hora, quatro são os cadernos culturais: PrOA, Donna e TV Show. O de anúncios, Classificados. Trans teve 9 ocorrências, sendo 5 no Classificados e 4 no PrOA, caderno no qual cis apareceu 2 vezes. Foi o único jornal analisado em que houve ocorrência de cis como raiz. Vejamos na imagem abaixo suas ocorrências.

Imagem 5 - Zero Hora, 03/01/2016, PrOA, p. 2

Vemos a ocorrência de cisgênero tanto no título da definição da palavra quanto na definição de transgênero. Cis não funciona como um prefixo, como se o significado fosse “aquém do gênero”. O item, nessas palavras, assemelha-se ao que acontece com trans em transexual, ou seja, está num contexto de transição contínua, dando indícios de mudança da categoria de prefixo para a de raiz. O Diário do Pará teve o maior número de ocorrências de trans, foram 42 distribuídas em quatro cadernos, são eles Você, Tudo de Bom, Toda e Classificados.

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Imagem 5 - Diário do Pará, 10/07/2016, Você, p. 7

Na imagem 5, vemos a ocorrência de trans tanto como forma livre no enunciado - no título Trans na tela - como base para formação de palavra composta - em transexualidade. Em ambas as aparições, notamos que o significado não é relativo ao do prefixo. O jornal O Popular possui o caderno Magazine para assuntos culturais e Classificados para comerciais. No entanto, não houve nenhuma ocorrência, nem de cis nem de trans. No total, foram verificadas 81 ocorrências de trans como raiz e base de palavras compostas em quatro jornais dos cinco analisados. Apenas o jornal da região Centro-Oeste, O Popular, não apresentou ocorrências. Já cis apareceu apenas nos cadernos do jornal Zero Hora, da região Sul, apesar de o número de ocorrências ser apenas 2. O total de ocorrências pode ser visto no gráfico abaixo.

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Gráfico 1 - Resultado dos jornais analisados

CONCLUSÕES A análise aqui apresentada nos leva a verificar trans usado em duas categorias: como prefixo e como raiz. Devido ao levantamento realizando previamente, concentramos nosso olhar para os cadernos de cultura e de anúncios classificados. Essa constatação de que essas palavras aparecem mais nos cadernos de cultura e de anúncios classificados nos leva a inferir que ainda são poucos os espaços de participação expressiva de pessoas da comunidade LGBT. Consequentemente, suas práticas discursivas ficam limitadas a esses espaços na imprensa. Já no que diz respeito à baixa ocorrência de cis, acreditamos que se deva à hipótese de que esses indivíduos parecem não necessitar dessa referência em relação à sua identidade de gênero numa sociedade em que esse grupo não é discriminado.

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REFERÊNCIAS ALMEIDA, Ana Beatriz Freire de.; SANTOS, Anderson Souza. A lexicalização dos prefixos trans- e cis- em jornais brasileiros da região norte, nordeste e sudeste. In: Estudos linguísticos e literários: questões de pesquisa e ensino no Nordeste. Anais eletrônicos da Jornada Itinerante do Grupo de Estudos Linguísticos do Nordeste: edição Recife. Recife: Pipa Comunicação, 2017. BASILIO, Margarida. Formação e classes de palavras no português do Brasil. 3 ed. São Paulo: Contexto, 2014. ______. Segmentação e classificação dos morfes. In: Estudos de linguística e língua portuguesa I. Rio de Janeiro: Cadernos da PUC-Rio, 1974. p. 89-94. ______. Teoria Lexical. 7 ed. São Paulo: Editora Ática, 2000. BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37 ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2009. BYBEE, Joan. Língua, uso e cognição. São Paulo: Cortez, 2016. Tradução de Maria Angélica Furtado da Cunha. MONTEIRO, José Lemos. Morfologia portuguesa. 4 ed. Campinas: Pontes, 2002.

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Resumo Este estudo qualitativo objetiva refletir sobre as propostas de ensino da oralidade presentes nos livros didáticos de língua portuguesa do ensino fundamental de 6º a 9º ano. Para tanto, analisamos a coleção de livros didáticos mais adotada no país referente à edição atual do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Buscamos, nesses livros, a ocorrência de atividades com gêneros textuais orais, além de nos dedicarmos a analisar qualitativamente as atividades, sobretudo, dos gêneros orais públicos formais da ordem do argumentar, acreditando na importância do conhecimento deles para o exercício da cidadania e, consequentemente, como uma condição necessária à inclusão social. Para tal, debruçamo-nos sobre os estudos acerca dos gêneros textuais orais e o trato didático dado a eles no espaço escolar, além de estudos sobre argumentação. Os dados coletados foram analisados à luz da Análise de Conteúdo. Os resultados indicaram que há predominância de propostas de atividades restritas à promoção de situações de discussão e conversa, sustentando a ideia equivocada de que as atividades de fala em situações informais dão conta do ensino da oralidade. Esta pesquisa é relevante por apontar para a necessidade de um trabalho mais sistematizado com os gêneros orais formais nos contextos de ensino.. Palavras-chaves: Oralidade; Ensino; Argumentação; Livro didático.


A ORALIDADE NA SALA DE AULA ATRAVÉS DO LIVRO DIDÁTICO: Argumentar é preciso Karla Michelly dos Santos Fabrício1

INTRODUÇÃO Os Parâmetros Curriculares Nacionais, desde 1998, têm alertado para a formação de um sujeito capaz de utilizar a língua em diversos contextos de modo variado, para produzir diferentes efeitos de sentido, adequando seu texto às várias situações de interlocução oral e/ou escrita próprias de diferentes esferas sociais de interação, apontando que “toda educação comprometida com o exercício da cidadania precisa criar condições para que o aluno possa desenvolver sua competência discursiva” (BRASIL, 1998, p.23). Comungando com as ideias dos referenciais curriculares nacionais e nos apoiando nos princípios fundamentais da perspectiva sociointeracionista, enraizadas nos postulados bakhitinianos sobre a língua, bem como nos conceitos da linguística de texto e dos gêneros textuais, realizamos este trabalho, no qual focalizaremos, sobretudo, a interação por meio da fala, abrangendo estudos sobre os gêneros textuais orais e o trato didático dado a eles no espaço escolar realizados por Dolz e Schneuwly (2004), Marcuschi (2010), Leal e Gois (2012) entre outros. Para tanto, o presente trabalho teve como objeto de estudo a coleção de livros didáticos mais adotada no país para o ensino de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental de 6º a 9º ano, de acordo com dados do FNDE: a coleção Português, Linguagens dos autores Cereja e Magalhães (2015), que

1. Professora da Rede Estadual de Pernambuco. Aluna do PROFLETRAS (Mestrado Profissional em Letras) UFPE – Recife/PE. karlafabricio@hotmail.com 25


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compõe o PNLD (triênio 2017-2019), com o objetivo de verificar a ocorrência de atividades com gêneros textuais orais e analisar qualitativamente as atividades, tentando identificar a situação didática proposta aos gêneros apresentados. Para uma análise mais detalhada, observamos, sobretudo, as ocorrências dos gêneros orais públicos formais da ordem do argumentar, acreditando na importância da necessidade de se dar o direito de fala aos indivíduos em situação de aprendizagem, para que eles percebam que podem (e devem) exercitar suas potencialidades para a expressão de suas ideias e defesa de seus pontos de vista e, assim, garantir seus direitos de cidadania. (LEAL, GOIS, 2012, p.9)

Sabemos que a fala não é adquirida na escola, no entanto, o papel dessa instituição pode ser imprescindível para oportunizar a participação de diversos grupos sociais, principalmente os menos “prestigiados” socialmente, em situações em que a oralidade é necessária. Sendo assim, a preocupação em estudar a temática deu-se pela percepção de que há, no senso comum, a ideia equivocada de que as atividades de fala em situações informais dão conta do ensino da oralidade. Isso pode ser percebido através da frequência de atividades dessa natureza encontradas nos volumes da coleção dos livros didáticos analisados.

Fundamentação teórica Oralidade e Ensino “Sob o ponto de vista mais central da realidade humana, seria possível definir o homem como um ser que fala e não como um ser que escreve.”

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(MARCUSCHI, 2010, p.17). Compreendemos, através dessa fala de Marcuschi, que a língua falada predomina nas interações sociais humanas, entretanto isto não significa que a oralidade seja superior à escrita. Ambas são práticas e usos da língua que têm características próprias, mas não suficientemente opostas para caracterizar uma dicotomia. Portanto, a reflexão que pretendemos trazer neste estudo aponta para o trato que a escola tem dado à oralidade e à escrita, focando na primeira, pois se percebe que a cultura da escrita tem tido lugar privilegiado na sociedade grafocêntrica em que vivemos, predominando nos contextos de ensino. Sendo assim o ensino da oralidade tem sido relegado ou minimizado à situações de uso informal da língua. Os estudos realizados por Dolz e Schneuwly (2004) apontam para a necessidade do papel da escola de levar os alunos a ultrapassarem as formas de produção oral cotidianas para confrontá-las com outras formas mais institucionais, mediadas e parcialmente reguladas por restrições exteriores. Dessa forma, busca-se que o aluno seja um usuário competente da língua no exercício da cidadania, e é engano crer que apenas a interação dialogal que ocorre durante as aulas, por exemplo, dê conta das múltiplas exigências que os gêneros orais colocam, principalmente em instâncias públicas. Sobre isso os PCN apontam que as inúmeras situações sociais do exercício da cidadania que se colocam fora dos muros da escola: a busca de serviços, as tarefas profissionais, os encontros institucionalizados, a defesa de seus direitos e opiniões (...), nesses contextos os alunos serão avaliados (em outros termos, aceitos ou discriminados) à medida que forem capazes de responder a diferentes exigências de fala e de adequação às características próprias de diferentes gêneros do oral (...). Dessa forma, cabe à escola ensinar o aluno a utilizar a linguagem oral no planejamento e realização de apresentações públicas: realização de entrevistas, debates, seminários, apresentações teatrais etc. Trata-se de propor situações didáticas nas quais essas

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atividades façam sentido de fato, pois é descabido treinar um nível mais formal da fala, tomado como mais apropriado para todas as situações. A aprendizagem de procedimentos apropriados de fala e de escuta, em contextos públicos, dificilmente ocorrerá se a escola não tomar para si a tarefa de promovê-la. (BRASIL, 1998, p.25)

Partindo do princípio de que o ensino escolar da língua oral e de seu uso ocupa um lugar limitado e que, frequentemente, ela não é ensinada, a não ser incidentalmente, durante atividades diversas e pouco controladas, é que nos propomos a analisar seu trato nos livros didáticos, considerando que este se configura em um dos poucos recursos tecnológicos acessíveis aos alunos da maioria das escolas públicas. Quanto ao propósito deste estudo, não pretendemos aqui apontar a oralidade como um eixo autônomo de ensino, eliminando a possibilidade de relação com os outros eixos de ensino da língua. Ao contrário, acreditamos que, diante do que se vem postulando para se ensinar oralidade, inclusive nos PCN, e conforme nos propõe Marcuschi (2010), um trabalho atento no campo das atividades de retextualização2 em suas várias alternativas, pode ser uma boa prática pedagógica. Argumentar é preciso A argumentação, enquanto ato persuasivo, vem sendo estudada pelo homem desde a antiguidade, através da filosofia (Retórica Clássica), até os dias atuais, como objeto de estudo da linguística. Uma abordagem linguística

2. Termo apontado por Marcuschi para designar atividades, que podem ser rotineiras e que combinam as relações fala/escrita; fala/fala; escrita/fala; escrita/escrita como exemplo: entrevista oral  entrevista impressa; conferência  tradução simultânea; texto escrito / exposição oral; texto escrito  resumo escrito. 28


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de grande repercussão no estudo da argumentação é a semântica argumentativa, que tem como principal representante Oswald Ducrot, apontado por Ribeiro (2009) como teórico da enunciação que define a argumentação como um ato linguístico fundamental, um elemento estruturante do discurso. Considerando que a produção de argumentos no cotidiano depende dos usos que fazemos da linguagem, apontaremos neste estudo a argumentação no contexto das práticas sociais e o trabalho que a escola faz com ela. Dentro desse contexto, Ribeiro (2009) aponta que esse caráter interativo atribuído à linguagem pressupõe um movimento argumentativo, gerado pela necessidade que o homem tem de compartilhar suas ideias, de defender suas opiniões, nas mais diversas situações. Nesse sentido a fala argumentativa representa a língua em um contexto socialmente determinado, enfatizando-se as condições de produção, recepção e circulação do enunciado, o que significa dizer que a situação discursiva e o contexto de produção organizam e direcionam novas estratégias argumentativas por parte dos interlocutores, agente dessa interação social. (p. 37)

Portanto, a argumentação se materializa nas diversas práticas sociais, e essa interação social, apontada por Koch em Ribeiro (2009, p.37-38) “é marcada fundamentalmente pela argumentatividade, pois todo discurso representa uma ação verbal dotada de intencionalidade, tentando influir o comportamento do outro ou fazer com que ele compartilhe algumas de suas opiniões.” Assim, acreditamos na necessidade de um trabalho mais sistematizado na escola com relação à prática da argumentação, sobretudo com os gêneros orais públicos formais, como meio de promover a inclusão social.

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Metodologia Devido à natureza do nosso objeto de estudo, optamos pela pesquisa qualitativa de análise do conteúdo. Procedemos com os seguintes passos, categorizados por Bardin (2016, p.125): a) a pré-análise: fase de organização, na qual selecionamos o material de estudo que foi a coleção de livros didáticos de Língua Portuguesa para o ensino fundamental (3º e 4º ciclos) dos autores Cereja e Magalhães (2015), além da seleção e leitura do material de embasamento teórico; b) a exploração do material: a princípio procedemos com a observação dos livros, constatando a organização e as seções nas quais estavam divididos. Em seguida, quantificamos as ocorrências dos gêneros orais em geral e, de gêneros orais da ordem do argumentar, em cada um dos volumes, explorando página a página. Houve, no entanto, a necessidade de categorizar os gêneros orais encontrados e elaborar quadros para facilitar as análises; c) tratamento dos resultados obtidos e interpretação: de posse dos dados categorizados, procedeu-se às discussões e inferências à luz das teorias estudadas.

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Análises e discussão dos resultados O estudo em pauta envolveu a análise dos quatro volumes da coleção Português Linguagens dos autores William Cereja e Thereza Magalhães destinados aos anos finais do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano). Conforme já mencionado, a escolha da coleção se deu pelo fato de ser este o livro mais adotado no Brasil (observar gráfico na página seguinte), em especial na cidade de Surubim3 entre as escolas das redes municipal e estadual. Oito, das onze escolas públicas que ofertam a modalidade de ensino no município, adotaram a coleção no atual triênio do PNLD (2017-2019). Vale destacar que a coleção foi apontada por especialistas do país entre as melhores inscritas no programa, tendo recebido a menção aprovada com distinção, categoria usada na avaliação.

Dados do FNDE disponíveis no site: www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-didatico-dados-estatisticos Acesso em: 11/07/2017

3. Cidade onde a autora desde estudo atua como professora de Língua Portuguesa. 31


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Ao analisar os volumes da coleção, buscamos quantificar as atividades encontradas, classificando-as quanto às diferentes dimensões do trabalho com a oralidade, de modo a obter uma visão mais clara do que cada volume oferecia em termos de ensino da oralidade. Ou seja, buscamos mapear quais dimensões do ensino eram priorizadas, além de nos dedicarmos a analisar qualitativamente as atividades, tentando identificar quais habilidades estariam sendo contempladas pela coleção. A princípio, foram identificadas e computadas, em cada um dos livros, as propostas de ensino para o trabalho com a oralidade. Os dados podem ser vislumbrados no quadro 1. Quadro 1. Ocorrências de atividades que contemplam o eixo Oralidade. Livro / Volume

Ocorrência

6º Ano

16

7º Ano

17

8º Ano

17

9º Ano

15

Total/Coleção

65

32


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Como se pode observar, existe um equilíbrio na frequência das propostas de ensino da oralidade nos volumes da coleção. Em uma próxima etapa da pesquisa, buscamos distinguir as atividades em três (das quatro) dimensões que envolvem o desenvolvimento da linguagem oral, propostas por Leal, Brandão e Lima in Leal e Góis (2012, p.16), a saber: Oralização do texto escrito; Variação linguística e relações fala e escrita; Produção e compreensão de gêneros orais. A dimensão Valorização de textos de Tradição Oral não foi considerada, pois não encontramos ocorrência nos volumes analisados. Quadro 2. Total de atividades por dimensão do ensino da oralidade. 6º Ano

7º Ano

8º Ano

9º Ano

TOTAL

Dimensões contempladas

Oralização do texto escrito Variação Linguística e relação fala e escrita Produção e compreensão de gêneros orais TOTAL

Freq.

%

Freq.

%

Freq.

%

Freq.

%

Freq.

%

4

25

4

23,5

8

47

5

33,3

21

32

2

12,5

2

11,8

0

0

1

6,7

5

8

10

62,5

11

64,7

9

53

9

60

39

60

16

100

17

100

17

100

15

100

65

100

Nota: as porcentagens mostradas nesta tabela foram calculadas em relação ao total geral de atividades no eixo oralidade em cada volume.

É notória a predominância de propostas de ensino na categoria Produção e Compreensão de Gêneros Orais, atingindo uma média de 60% de ocorrência nos quatro volumes. Assim, nos debruçamos sobre esta constatação e para compreender melhor esses dados, houve a necessidade de elaborar mais um quadro, no qual dividimos em atividades que estimulam a produção dos

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gêneros primários e atividades que estimulam a compreensão e produção dos gêneros secundários4, como se pode observar no quadro abaixo. Quadro 3. Total de atividades considerando a dimensão: Produção e Compreensão de gêneros orais. 6º Ano

7º Ano

8º Ano

9º Ano

TOTAL

Dimensões contempladas Freq.

%

Freq.

%

Freq.

%

Freq.

%

Freq.

%

8

50

8

47

8

47

8

53

32

49

2

12,5

3

17,6

1

5,8

1

6,7

7

10,7

Atividades que estimulam a produção dos gêneros conversa/discussão (gêneros primários) Atividades que estimulam a compreensão e produção dos gêneros orais públicos formais (gêneros secundários)

Nota: as porcentagens mostradas nesta tabela foram calculadas em relação ao total geral de atividades no eixo oralidade em cada volume apresentado no Quadro 1.

Neste quadro podemos perceber mais claramente que há uma predominância no tratamento com os gêneros primários, ou seja, o uso da fala em contextos informais. Nessas seções analisadas percebemos a presença de atividades como: Converse com o seu colega sobre o tema.

4. Os termos gêneros primários e secundários foram tomados de Dolz e Schneuwly (2004) 34


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Quadro 4. Total de atividades considerando a dimensão: Produção e Compreensão de gêneros orais públicos formais. 6º Ano

Dimensões contempladas

Freq.

Atividades

Gênero

7º Ano Freq.

orais públicos formais (secundários)

Freq.

Gênero

em grupo

compreensão dos gêneros

Gênero

oral: discussão

histórias

estimulam a e produção

Freq.

9º Ano

Argumentação

Contação de

que

Gênero

8º Ano

Debate 2

3

Debate Deliberativo

Exposição

1

Seminário

1

regrado público

Oral Entrevista Oral

Embora o Manual do Professor da coleção mencione um trabalho com os gêneros discursivos orais formais públicos, não é isso que vemos na prática. E em se tratando dos gêneros orais da ordem do argumentar percebemos a ocorrência de apenas três propostas de atividades em toda a coleção.

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Considerações Finais Após analisar os dados coletados, confirma-se nossa hipótese de que as práticas escolares de oralidade pelo menos no que se refere às propostas dos livros didáticos em questão, restringem-se à promoção de situações de discussão e conversa, não ocorrendo um planejamento sobre as habilidades orais a serem desenvolvidas pelos alunos. No contexto atual de ensino, esperamos que o aluno seja um usuário competente da língua no exercício da cidadania e sujeito atuante no meio social em que vive. Portanto, é engano crer que apenas a interação dialogal que predomina nas propostas de atividades dos manuais didáticos analisados e que ocorrem durante as aulas deem conta das múltiplas exigências que os gêneros orais colocam, principalmente em situações públicas formais.

Referências BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Tradução de Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro. São Paulo: Edições 70, 2016. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. CEREJA, William R. & MAGALHÃES, Thereza C. Português linguagens. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2015. DOLZ, Joaquim & SCHENEUWLY, Bernard. Gêneros orais e escritos na escola. Tradução de Roxane Rojo e Glaís Cordeiro. Campinas: Mercado das Letras, 2004. FNDE. Programa Nacional do Livro Didático. Disponível em: <www.fnde.gov.br/ programas/livro-didatico/livro-didatico-dados-estatisticos> Acesso em: 11/07/2017 LEAL, Telma; GÓIS, Siane. A oralidade na escola: a investigação do trabalho docente como foco de reflexão. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.

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MARCUSCHI, Luiz A. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São Paulo. Cortez, 2010. RIBEIRO, Roziane Marinho. A construção da argumentação oral em contexto de ensino. São Paulo: Cortez, 2009.

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Resumo A linguagem humana é historicamente marcada por grandes transformações. Novas práticas sociocomunicativas têm surgido nas sociedades complexas contemporâneas. Os gêneros não estão imunes a tal fato. Com isso, novas práticas de letramento surgem e, portanto, são postas frente aos sujeitos falantes, diante dos avanços das chamadas Tecnologias da Informação e Comunicação – as TICs (ROJO e BARBOSA, 2015). A presente pesquisa objetiva elucidar novos caminhos pedagógicos no que diz respeito às práticas de leituras em aulas de Língua Materna à luz da Gramática do Desing Visual, proposta por KRESS e VANLEEUWEN (2006). Para isso, propõe-se aqui analisar um gênero digital inerente à Hipermodernidade: a Webnotícia, veiculada no Facebook, ligada à esfera jornalística da sociedade e inserida no ciberespaço, proporcionando, aos usuários da citada rede social, novas práticas comunicativas e interativas. Ao analisar tal gênero, observou-se que os autores das Webnotícias utilizam a língua em combinação com recursos semióticos para construir textos profundamente dotados de ideologias, embasadas política e socialmente. Dessa forma, acredita-se que tal perspectiva contribui significativamente para uma Educação fundamentada nos Múltiplos Letramentos, convergindo com a realidade dos alunos do 3º ano do Ensino Médio. Trata-se, portanto de uma pesquisa qualitativa, de natureza explicativa, que se vale de procedimentos bibliográficos por apresentar um arcabouço teórico que dá sustentação à análise, formado pelas contribuições dos supracitados autores e, também, pelas pesquisas de BARTON e LEE (2015), HALLIDAY e MATTHIESSEN (2004) e MARCUSCHI (2011). O Corpus foi formado por duas Webnotícias, coletadas no período de 14 e 15 de março de 2016, publicadas nas Fanpages oficiais de duas mídias sociais distintas que atuam no Brasil: O Globo e NE10. Os resultados das análises permitiram concluir que um olhar crítico diante dos textos analisados contribui para a compreensão de ideologias diante de um contexto político, bem como para a formação do leitor crítico. Palavras-chaves: Letramento Visual; Concepção de Leitura; Webnotícias.


ABORDAGENS DE LEITURAS NA PERSPECTIVA DO LETRAMENTO VISUAL Anderson de Santana Lins1

INTRODUÇÃO A história da linguagem humana é marcada por profundas transformações, motivadas pelo avanço tecnológico e científico. É mister, portanto, afirmar que, diante de tantas mudanças vivenciadas nas últimas décadas, novas práticas sociocomunicativas têm surgido nas sociedades complexas contemporâneas. A inserção das chamadas Tecnologias da Informação e Comunicação (doravante, TICs) no cotidiano dos sujeitos sociais, por exemplo, tem fomentado novas práticas de letramento. A sociedade contemporânea vive, de acordo com Oliveira (2011, p. 49), um “bombardeamento visual constante”. Isso implica dizer que os textos produzidos e consumidos pelos sujeitos possuem traços significativos de multimodalidade, incorporando diversos modos semióticos, tais como imagens, sons, cores, entre outros. Dessa forma, o Letramento Visual torna-se uma capacidade básica que deve ser desenvolvida/trabalhada em aulas de línguas. Sendo Assim, pensando nessa realidade, esta pesquisa pretende responder às seguintes indagações: a escola tem possibilitado ao aluno o contato com diferentes práticas de letramento? Para além disso, quais são as concepções

1. Professor de Língua Portuguesa da Rede Pública do Estado de Pernambuco, graduado em Letras (português/inglês) pela Universidade de Pernambuco (2016) e estudante da Pós-Graduação Lato Sensu em Língua Portuguesa e Ensino pela Faculdade de Ciências Humanas de Olinda. E-mail: anderson_linssan@ hotmail.com 39


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de leituras que subjazem as aulas de Língua Portuguesa? Elas fomentam o Letramento Visual? A escola tem considerado os diferentes usos sociais da linguagem ou mantém-se restrita aos signos verbais (orais e escritos)? Diante desses questionamentos, a presente pesquisa objetiva elucidar novos caminhos pedagógicos no que diz respeito às práticas de leituras em aulas de Língua Portuguesa à luz da Gramática do Desing Visual (doravante GDV), proposta por KRESS e VANLEEUWEN (1996), para isso, propõe-se aqui analisar um gênero digital inerente à hipermodernidade: a webnotícia, veiculada no Facebook, ligada à esfera jornalística da sociedade e inserida no ciberespaço, proporcionando, aos usuários da citada rede social, novas práticas comunicativas e interativas. O Corpus foi formado por duas webnotícias, coletadas no período de 14 e 15 de março de 2016, publicadas nas Fanpages oficiais de duas mídias sociais distintas que atuam no Brasil: O Globo e NE10. Os resultados das análises – que não são o foco deste artigo – permitiram concluir que um olhar crítico diante dos textos analisados contribui para a compreensão de ideologias diante de um contexto político, bem como para a formação do leitor crítico. Entendemos, portanto, que a Hipermodernidade (ROJO e BARBOSA, 2015) propõe desafios no âmbito da educação, sobretudo no tocante aos diferentes usos sociais da linguagem, proporcinados pelas TICs e, diante desse cenário, não seria democrático a Escola negar tal realidade. Faz-se necessário que os sujeitos sociais tenham contato com as diversas práticas de letramento, desenvolvendo uma consciência crítica. É papel do professor de Língua Portuguesa trabalhar com os textos multissemióticos, oportunizando o alunado, tornando-o letrado ao nível de exigência da contemporaneidade. O presente artigo divide-se em três capítulos onde, no primeiro, far-se-á considerações acerca do letramento visual, abordando conceitos pertinentes que se inter-relacionam, como multimodalidade, letramento, multiletramentos e GDV; no segundo, elucidamos algumas concepções de leitura que, 40


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historicamente, vem sendo utilizada pelo professor de língua portuguesa, propondo também uma nova perspectiva: a sociocultural, que converge com as propostas do letramento visual; e, por fim, sugerimos a leitura de um gênero digital, ancorado nos pressupostos que serão discutidos aqui, a fim de que a escola se aproxime da realidade ao qual o estudante está inegavelmente inserido.

LETRAMENTO VISUAL: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Desde a década de 80 que, aqui no Brasil, alguns estudos científicos da linguagem humana – sobretudo aqueles cuja preocupação está voltada para o ensino de línguas – têm sido moldados pela perspectiva do Letramento. Esse novo olhar diante dos fenômenos linguísticos ressignificou, portanto, a compreensão que se tinha, desde então, acerca da modalidade escrita da língua nos diferentes contextos sociais aos quais está inegavelmente ligada. Soares (2014, p. 18) afirma que, ao se tornar alfabetizado (ou seja, ao aprender a ler e a escrever), um indivíduo “altera seu estado ou condição em aspectos sociais, psíquicos, culturais, políticos, cognitivos, linguísticos e até mesmo econômicos”. Letramento é, então, a decorrência da apropriação da língua escrita por parte de um determinado sujeito ou comunidade. No entanto, as práticas contemporâneas de letramento já não se resumem ao texto escrito. Na verdade, nunca se resumiu ao signo verbal escrito, mas somente na segunda metade da década de 90 que o Grupo de Nova Londres propõe o conceito de Multiletramentos:

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Esses ‘novos escritos’ obviamente dão lugar aos novos gêneros discursivos, quase diariamente [...] E isso se dá porque hoje dispomos de novas tecnologias e ferramentas de ‘leitura-escrita’, que, convocando novos letramentos configuram os enunciados/textos em sua multissemiose [...] já não basta mais a leitura do texto verbal escrito – é preciso colocá-lo em relação com um conjunto de signos de outras modalidades de linguagem (imagem estática, imagem em movimento, som, fala) que o cercam, ou intercalam ou impregnam. Inclusive, esses textos multissemióticos extrapolam os limites dos ambientes digitais e invadiram hoje também os impressos. (ROJO, 2013, p. 20-21, grifos da autora).

A ampliação do conceito de “Letramento” se deve não só pelo avanço da maneira através da qual a sociedade age no mundo, mas também às mudanças sociocomunicativas pelas quais temos passado. É evidente que, ao longo da história, a comunicação humana é marcada por profundas modificações. Conforme ressalta Pimentel (2014, p. 34), num primeiro momento, a humanidade estava imersa nas sociedades orais – cujas situações sociodiscursivas eram materializadas exclusivamente por meio dos diálogos, dramatizações, músicas, entre outros gêneros orais; num segundo momento, a escrita proporcionou uma nova perspectiva, modificando, profundamente, a comunicação entre os atores sociais. É importante sublinhar que, através da escrita, novos gêneros surgiram – não necessariamente anulando os outros que preexistiam, mas incorporando-os, ressignificando-os. Além disso, outras duas grandes intervenções foram sentidas pelas sociedades escritas: a revolução da imprensa, no final do século XVIII; e a revolução eletrônica, impulsionada pelo pós-guerra, ainda na primeira metade do século XXI. Na contemporaneidade, os textos estão cada vez mais inseridos no ciberespaço e, com isso, fazendo surgir novas práticas sociomunicativas. Isso implica dizer que novos gêneros são (re)criados, novas exigências de letra-

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mento surgem, afinal, novas práticas de linguagens são colocadas frente aos avanços tecnológicos dos sujeitos falantes, modificando, consideravelmente, modo através do qual estes se relacionam com as chamadas Tecnologias da Informação e Comunicação: Operamos em culturas cada vez mais transpassadas por imagens visuais e outros recursos simbólicos (como o cor, por exemplo) que possuem uma variedade de intenções e efeitos programados e por isso todos os dias lecionamos o olhar para melhor compreender o mundo que nos rodeia [...]. Sendo assim, uma competência básica que o leitor deve possuir para a leitura e compreensão de tais textos é a do letramento visual (OLIVEIRA, 2011, p. 49, grifo meu).

Entender a necessidade de conceber o texto enquanto o resultado de combinações multissemióticas é considerar, também, que nós, atores sociais, precisamos estar aptos a agir num mundo circundado por textos imagéticos, ou seja, sermos capazes de ler, compreender e construir sentido a parir de textos multimodais. O conceito de Multimodalidade, apontado por muitos estudiosos como um traço inerente aos gêneros, foi elaborado a partir da perspectiva discursivo-semiótica que concebe os textos como uma totalidade dotada de um sentido resultante da combinação de vários recursos: signos visuais, verbais, sonoros, gestuais, entre outros (BALOCCO, 2005, p. 65). É desafiador compreender o texto sob tal ótico, pois o semioticista busca entender de que forma de que forma os recursos semióticos se arranjam para construir significados nos textos, traduzindo nossas relações e interações sociais: “Assim como o código semiótico da linguagem, o código das imagens também representa o mundo (...), constrói relações sociointeracionais, e constrói relações de significados a partir do papel desempenhado por seus elementos internos.” (ALMEIDA, 2009, p. 178) 43


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Logo, fica evidente que a Multimodalidade se ancora ao pressuposto de que todo e qualquer signo social, em combinação com a modalidade escrita ou oral da língua, isto é, signos verbais, possuem uma inegável carga e ideológica e não devem ser desprezados nas investigações acerca do funcionamento da linguagem humana. Essa concepção é o eixo norteador da chamada Gramática do Desing Visual (GDV), postulada por Kress e Van Leuween (2006) cujo norte é a linguagem não verbal. Para os autores, assim como os signos verbais, os visuais também exercem extrema importância para a construção de sentido dos textos, pois exteriorizam nossas culturas, ideias, valores, crenças e inter-relações: “(...) por isso a nossa “gramática” visual irá descrever a maneira em que as pessoas, lugares e coisas combinam em “enunciados” visuais de maior ou menor complexidade e extensão”(KRESS e VAN LEUWEEN, 2006 p. 3).2 A GDV é fruto das metafunções de Halliday e Mathinssen (2004): o sustentáculo da Linguística Sistêmico-Funcional. Para esses linguistas, quando utilizamos a língua, intencionamos traduzir nossa realidade de mundo externo e interno (ideacional); estabelecer relações com outros participantes evolvidos nos eventos discursivos (interpessoal); e, por fim, codificar a nossa mensagem (textual). Realizamos, portanto, três metafunções, simultaneamente, conforme os citados teóricos da escola de Sidney:

2. As traduções são de minha responsabilidade: “(...) so our visual ‘grammar’ will describe the way in which depicted people, places and things combine in visual ‘statements’ of greater or lesser complexity and extension”. 44


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Assim, ancorados na postulação hallidayana de que a linguagem se organiza em torno de uma função e que esta função pode ser claramente relacionada à organização do contexto, com a produção de significados ideacionais (fonte para a construção de conteúdo e usados para construir o campo da ação social), interpessoais (fonte para a interação e usados para negociar as relações sociais) e textuais (fonte para a organização textual e usados para desenvolver o modo de organização simbólica), é que Kress e van Leeuwen (1996, 2006) entendem que as imagens articulam-se em composições visuais também produzindo significados ideacionais, interpessoais e textuais. Assim como a linguagem verbal, as imagens atuam como forma de representação, negociação de identidades e relações sociais e como mensagem. (SANTOS, s/a, p. 4).

Em outras palavras, os teóricos funcionalistas reelaboraram as metafunções da Linguística Sistêmico-Funcional, aplicando-as ao campo do Letramento Visual. Concebem, portanto, os signos visuais a partir de três significados: representacional, interativo e composicional. A GDV evidencia que, tal qual a linguagem verbal, as metafunções agem concomitantemente no evento comunicativo. Tanto os significados representacionais quanto os interacionais e composicionais refletem nossa experiência social e cultural, bem como nossas ideologias e o modo através do qual interagimos com os demais (KRESS e VAN LEUWEEN 2006). Nesse viés, a GDV serve-nos como um indispensável arcabouço teórico, uma ferramenta útil capaz de fomentar o Letramento Visual. Por questões óbvias, este artigo não se apregoa às nomenclaturas teóricas propostas pela GDV, mas tece um breve resumo acerca dos principais pontos a fim de explicitar a riqueza que este arcabouço teórico pode proporcionar aos professores-pesquisadores que objetivam minimizar o desgaste histórico que tem sido a relação ensino-aprendizagem de língua portuguesa.

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De um modo geral, a função representacional está ligada aos participantes representados na imagem, conforme Kress e Van Leuween (2006, p. 45-47), e podem ser apresentados a partir de uma estrutura narrativa e/ou conceitual; ao passo que a função interativa estuda a relação entre produtor e espectador através de quatro mecanismos: contato, distância social, perspectiva e modalidade; e, por fim, a função composicional mostra as possibilidades de construções de sentidos por meio da união entre “os elementos representacionais e elementos interativos de uma imagem.” (SANTA ROSA JÚNIOR, 2010, p. 47). Esta função se baseia em três mecanismos: valor da informação, saliência e framing. A figura 01 sintetiza os conceitos básicos da GDV: SIGNIFICADOS DA GRAMÁTICA VISUAL 

Representacional

Interativo

Composicional

Narrativa:

Contato

Valor de informação

Distância Social

Saliência

Perspectiva

Framing

- Ação; - Reacional; -Verbal;

Figura 01: Conceitos da GDV, adaptado de Santos (s/a).

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A importância desses estudos para as abordagens pedagógicas em sala de aula é evidente, pois estamos inseridos numa sociedade hipermoderna. O ensino de língua portuguesa não deve desprezar as práticas discursivas no espaço digital onde os indivíduos lidam, cotidianamente, com textos multimodais que misturam diferentes signos sociais aos quais, vale lembrar, não são neutros. Eles trazem consigo uma expressiva carga ideológica: “assim, a imagem não é construída de modo inocente (...).” (VIERIRA, 2007, p. 19). É a partir de tais demandas sociais que surgem os múltiplos letramentos, abarcando o Letramento Visual, Letramento Digital, Letramento em Marketing, Letramento em Hipertexto, Letramentos em Jogos, entre outros aos quais subjazem às competências e habilidades que os indivíduos necessitam desenvolver com relação às tecnologias digitais (DUDNEY, HOCKLY e PERGRUM, 2016). Pensando nisso, retomemos os questionamentos feitos na Introdução deste artigo: a escola tem possibilitado ao aluno o contato com diferentes práticas de letramento? Além disso, quais são as concepções de leituras que subjazem as aulas de Língua Portuguesa? Elas fomentam o Letramento Visual? A escola tem considerado os diferentes usos sociais da linguagem ou mantém-se restrita aos signos verbais (orais e escritos)? Assim, é alinhada a esta corrente teórica e tais questionamentos que o presente artigo busca elucidar novos caminhos pedagógicos no que diz respeito às práticas de leituras em aulas de Língua Portuguesa, evidenciando que o Letramento Visual, assim como os múltiplos letramentos, não se restringe ao espaço escolar, mas ao mundo que nos rodeia, sendo, pois, uma questão de cidadania, oportunidade e democracia.

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CONCEPÇÕES DE LEITURA EM AULAS DE PORTUGUÊS: BREVE PANORAMA Que linguagem expressa melhor o que se quer dizer? Um mapa pode ser muito mais interessante para explicar um endereço a alguém, não é mesmo? (...) O que se escolhe dizer com palavras ou com fotos? O que se escolhe deixar subentendido? O que se escolhe narrar com palavras ou com desenhos? Que informações surgem na forma de números ou de gráficos? Que informações podem ser dadas como tabelas ou como infográficos? (RIBEIRO, 2016, p. 25-26).

O advento dos estudos linguísticos trouxe uma farta contribuição acerca da concepção de leitura. Sabe-se, por exemplo, que a leitura perpassa um caminho cognitivo, linguístico-discursivo e social. Esse fato já revela o grau de dificuldade que encontramos quando ensinamos a ler (ZACHARIAS, 2016). Assim, como toda tarefa complexa, o ensino de leitura demanda do professor muita pesquisa, preparo e esforço. E, tal qual o conceito de “Letramento” – discutido na seção anterior –, as novas exigências sociais, promovidas pela inserção de novas práticas de leitura e escrita de textos digitais/multissemióticos/multimodais (evidentes na epígrafe deste capítulo), nos impulsionou a (re)pensar acerca das concepções de leitura (e por que não dizer, também, as noções de texto?) em aulas de língua portuguesa. Os chamados hipertextos trouxeram essas novas formas de ler e escrever, porque encontramos neles a integração de diferentes linguagens, elementos que se distanciam daqueles que são usados no texto impresso e, não menos importante, por está diretamente ligado ao contexto digital (COSCARELLI e NOVAIS, 2010). Não é preciso um estudo aprofundado para inferir que a relação ensino-aprendizagem de línguas tem sido cada vez mais moldadas pela inserção de textos multimodais: desde os gêneros textuais abordados pelos livros didáticos 48


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até a incorporação de novos aparatos que auxiliam o trabalho do professor, tais como o notebook, o data-show, a lousa eletrônica, entre outros. Apesar disso, as aulas de português demonstram, ainda, um afastamento dessa realidade, uma resistência aos novos gêneros digitais e os motivos para que isso aconteça variam: a formação de professores cujo currículo, em sua grande maioria, ainda não tem disciplinas voltadas para os múltiplos letramentos e condições socioeconômicas que determinadas escolas, professores e alunos estão condicionados. Nesse contexto, é explícito que tais fatores resultam nos atrasos e arcaísmos que o ambiente escolar carrega no tocante ao ensino de leitura. Ao realizar um estudo de campo, Nunes (2016, p. 48) identifica duas concepções de leitura que, comumente, subjazem a prática pedagógica: a) a linguística, que centra o valor semântico do texto nas palavras, cabendo ao leitor apenas decodificar e buscar em sua bagagem lexical o sentido do texto, não havendo espaço para questões pragmático-discursivas; e, por fim, b) a psicolinguística, que passa a incorporar o leitor como agente importante no ato de ler, considerando as experiências vivenciadas por ele. Para a abordagem linguística, o significado é dado; para psicolinguística, construído. O autor diz que tais formar de conceber o ato de ler é importante na conjuntura escolar. Entretanto, a hipermodernidade tem exigido dos professores novos caminhos. Assim, Nunes (idem) propõe uma terceira concepção que busca dar conta dos desafios da contemporaneidade: a sociocultural. Em conformidade com a noção de que a leitura da palavra é precedida pela leitura do mundo (FREIRE, 1999), a perspectiva sociocultural inclui leitor, autor e discurso como elementos imprescindíveis e, portanto, não são independentes, pois o significado que um texto possui é condicionado por fatores sociais, culturais, ideológicos, políticos, históricos, econômicos, etc. Assim, o leitor precisa estar atento aos artifícios discursivos, conforme Nunes (ibidem). 49


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A figura 023 sintetiza o ponto de vista que defendemos: as aulas de português, ao trabalhar com o eixo da leitura, convergindo com a perspectiva sociointeracionista da linguagem – que traz à luz da ciência linguística a língua enquanto prática cultural – deve apresentar estas três concepções simultaneamente e não as utilizando separadamente.

Figura 02 Abordagens de leitura.

O leitor possui uma identidade, histórias, experiências (COSCARELLI, 2016), ou seja, decodificar e fazer inferências não são mais suficientes. Por isso, acreditamos que tal abordagem de leitura corrobora para a fomentação dos múltiplos letramentos. Coscarelli e Novais (2010, p. 36) dizem que: A leitura precisa ser entendida como um processo que envolve atividades com textos de diversas naturezas, em situações reais de comunicação. É preciso ler o texto verbal, mas é preciso também ler os elementos não verbais, o design, a diagramação, as cores, imagens, fontes, ícones, barras. É preciso muitas vezes integrar o som.

3. A figura é de autoria própria, embasada em Nunes (2016) 50


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Portanto, é latente ao espaço escolar proporcionar uma educação linguística multiletrada, pois o ato de ler garante autonomia aos sujeitos, desenvolvendo neles uma criticidade. Ler é situar-se no mundo, interagir com ele e, mais ainda, intervir nele. Noutras palavras, a possibilidade de uma leitura crítica é um direito dos alunos, um exercício de democracia e, portanto, um ato político. Quanto tempo ainda iremos perder, tentando ensinar regras morfossintáticas, deixando de explorar o texto e sua relação com as múltiplas linguagens?

LEITURA DO GÊNERO MIDIÁTICO WEBNOTÍCIA: FOMENTANDO O LETRAMENTO VISUAL NA ESCOLA Num país cuja ideologia que impera pertence a uma elite dominante, atrasada, arcaica, ecravocrata e profundamente conservadora, que e se vale dos mais diversos meios para fomentar o assujeitamento do indivíduo ante seus ideais, somente uma educação emancipatória, de qualidade, laica, que viabilize o protagonismo e dê voz às minorias discursivas, historicamente silenciadas, é capaz de transformar a realidade, ampliar horizontes, abrir novos caminhos. É preciso lembrar que “‘ser moderno’ é ser capaz de dialogar com a realidade, inserindo-se nela como sujeito criativo” (DEMO, 2004, p. 21), isto é, devemos preparar nossos alunos diante das exigências de letramento que têm surgido com as novas formas ler e escrever. O gênero textual proposto nesta pesquisa como objeto de leitura em aulas de português é a webnotícia, inserida numa rede social, o Facebook, um site de relacionamento no qual o usuário cria uma conta, gerando um perfil. Nele, podemos interagir com várias pessoas de qualquer lugar do mundo. Além disso, as empresas criam as Fanpages – comunidades virtuais –, destinadas à divulgação de seus produtos e ideias. Isso significa dizer

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que, no citado website, há práticas das mais variadas esferas da atividade: jurídica, religiosa, jornalística, artística, entre outras. Nessa perspectiva, entendemos as webnotícias como gêneros textuais digitais, pois estão inseridas em “condições sociais concretas” (ROJO, 2005, p. 200) e que, de acordo com Bezerman (1994 apud MARCUSCHI, 2011, p. 18), são intrínsecos ao cotidiano e, portanto, reconhecidos pelos sujeitos falantes. Além disso, é uma prática linguageira realizada no ciberespaço, sendo uma reconfiguração das notícias impressas, apresentando traços de multimodalidades mais sofisticados, combinando diversos recursos semióticos e hipertextuais, dando ao leitor maior autonomia. As webnotícias são postagens de Fanpages oficiais dos jornais que circulam numa dada região. São compostas por uma imagem que vem, quase sempre, em destaque no layout do citado gênero, acompanhadas de títulos e – nem sempre – de subtítulos. Os leitores podem reagir à publicação, compartilhá-la e/ou comentá-la e, se assim desejarem, são redirecionados ao corpo da notícia no site do próprio jornal – clicando nos hiperlinks. Para os fins desta pesquisa, foram selecionadas duas webnotícias, visando compreender de que forma os autores do referido gênero utilizam a língua em combinação com recursos semióticos para construir textos que retratam crise política que se instaurou no Brasil, buscando determinados efeitos e, evidenciando que o uso dos signos visuais não é neutro, mas dotado de significados carregados de ideologias, embasados política e socialmente. O corpus – duas webnotícias publicadas em março de 2016 – utilizado neste artigo sinaliza o momento crítico que o cenário político brasileiro se encontra desde as manifestações de junho de 2013 cujo objetivo inicial era protestar contra o aumento das tarifas de transporte coletivo, mas, rapidamente, absorveu outras reivindicações como, por exemplo, o fim da corrupção. A partir de então, as redes sociais têm sido bombardeadas com

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informações que impulsionaram os discursos contrários e a favor do governo da presidenta Dilma. O texto 01, logo abaixo, foi publicado no dia 14 de março, pelo O Globo, e permite-nos observar como a imagem representa o rosto de um ator, numa determinada perspectiva e ângulo. Na visão de Kress e Van Leuween (2006, p. 47-48), a estrutura dos signos visuais permite a construção de experiências dos participantes que estão representados na imagem, dependendo das relações espaciais entre tais elementos. É, portanto, a função representacional que cumpre tal finalidade. Chamamos atenção também para que não sejam desprezados os signos verbais, pois há uma inquestionável relação entre imagem e palavra. Afinal, a análise linguística é um eixo igualmente importante em aulas de língua materna.

Texto 01: Publicação d’O Globo.

A leitura do texto 01, em conjunto com o enunciado que o acompanha, aponta para a capacidade dos textos multimodais de reorganizar e reconstruir significados, conhecimentos e valores num determinado contexto. Propõe-se

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aqui que, ao trabalhar com tais textos, o professor adote uma abordagem de leitura considerando “o texto que se apresenta [...] ao modo semiótico de apresentação” (NUNES, 2016, p. 26). O texto 02, por sua vez, publicado pelo NE10, no dia 15 de março de 2016, revela, diferentemente do anterior, a presença de dois participantes que se relacionam entre si através das representações narrativas, fornecendo-nos uma esclarecedora compreensão acerca dos elementos textuais que compõem a totalidade que ora analisamos:

Texto 02: Publicação do NE10.

Uma leitura atenta do texto 02 permite-nos observar que a imagem fotográfica sugere que a presidenta Dilma executa a ação de pedir silêncio a Lula. Este, por sua vez, direciona seu olhar para um terceiro participante que não está visível. Não devemos ignorar as expressões faciais de ambos os participantes do texto em análise.

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Ressaltamos que as considerações feitas acima são apenas um recorte da teoria encontrada na GDV. O interesse deste artigo, reiteramos, é explicitar como este suporte teórico pode auxiliar a fomentação do letramento visual no espaço escolar, atrelado à perspectiva de leitura sociocultural. É, pois, com base no trabalho de Nunes (2016) que sugerimos o quadro a seguir: Quadro 01: Fomentação do Letramento Visual, adaptado de Nunes (2016).

SINTAXE VISUAL Função representacional

Função Interacional

Função Composicional

Os participantes da imagem

Há uma relação entre leitor e

Qual a relação entre a disposição

estão realizando ações sobre

objetos representados?

do participante retratado e o

outros participantes?

resto da imagem? Qual possível objetivo dessa disposição?

A linha do olhar do participante

Em qual ângulo foi capturado

Há conexão entre os elementos

afeta um objeto/participante?

o corpo do participante

da imagem?

representado? Com qual objetivo? Qual o intuito do foco a um

As cores utilizadas influenciam

objeto e não a outro?

na construção de significado do texto visual? Que cores foram realçadas e por qual motivo?

Há uma representação sendo

O particpante está em primeiro

construída? Qual o objetivo do

ou segundo plano? Com qual

produtor da imagem com tal

intenção?

difusão de representação?

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SEMÂNTICA VISUAL Que questões estão sendo mostradas na imagem? Como é a forma que a questão está sendo mostrada na imagem? É semelhante ou diferente de como você percebe essa questão no mundo? Por quê? O que pode essa imagem significar para alguém que vê-la/lê-la? Que informação foi incluída e que informação foi deixada de fora da imagem? A informação dos elementos imagéticos é factual/ manipulada? Quem é o público-alvo da imagem? Por que o autor escolheu tal imagem? Que atitudes são assumidas pelos representantes das imagens? Que experiências ou ponto de vista são assumidos? O que a imagem diz sobre nossa história? E a nossa sociedade? RELAÇÃO VERBOVISUAL A relação entre o verbal e o visual é de ancoragem, ou seja, o verbal apoia a imagem? A relação entre o verbal e o visual é de ilustração, ou seja, o imagem apoia o verbal? A relação entre o verbal e o visual é de retramissão, ou seja, o de igualdade?

O professor poderá criar grupos no Facebook, proprondo a leitura (e também a escrita, uma vez que a estrutura hipertextual do gênero escolhido permite tal prática) e discussão de webnotícias – e/ou outros gêneros que perfazem as redes sócias como, por exemplo, meme, GIFs, vídeos, entre outros –, previamente selecionados.

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O quadro de fomentação do letramento visual sugere o trabalho não apenas com a semântica do texto multimodal, mas também com a sintaxe da mesma, levando o aluno à reflexão de como o texto imagético é uma estrutura dotada de uma função e significados, dentro de contextos das práticas linguageiras. Assim, convergimos com o pensamento de Coscarelli e Novais (2016, p. 38) que asseguram: [...] os textos funcionam, não porque construímos todos o mesmo sentido, mas porque existem inúmeros elementos no texto que nos encaminham para direções semelhantes. A noção de gênero é importante, porque a escolha/identificação do gênero costuma nos dar muita informação sobre a função do texto, e assim dirigimos a construção de sentido para atender a essa finalidade do texto. (COSCARELLI e NOVAIS, 2010, p. 38)

Uma leitura crítica dos textos multimodais selecionados para esta pesquisa, somada à ferramenta de análise exposta acima, nos permite dizer que a combinação dos recursos sociossemióticos são impregnados de ideologias e nos mostra o quão mídia digital brasileira se vale de textos multimodais para exercer aquilo que Fonseca (2011, p. 41) chama de “aparelho ideológico” suficientemente capaz de “organizar interesses”. Trazer isso à luz das aulas de língua portuguesa é, pois, proporcionar uma formação pautada nos multiletramentos. É preciso levar em consideração, então, que pesquisas como esta devem ultrapassar os muros acadêmicos, minimizando os problemas decorrentes da relação ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa, quase sempre beligerante, respeitando as leis de Diretrizes Básicas(LDB 9394/96) e PCNs (2001), aos quais asseguram que a educação deve estar pautada numa formação de sujeitos sociais inseridos numa sociedade plural, tornando-os letrados ao nível de exigência da contemporaneidade. 57


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CONSIDERAÇÕES FINAIS O avanço da tecnologia nas sociedades contemporâneas é inegável, bem como sua consequente intervenção na comunicação humana. Esse fato permite que venham à tona novas práticas textuais-discursivas que, vale salientar, carecem de estudos científicos mais aprofundados. A teoria da Multimodalidade e os postulados da Gramática do Desing Visual servem de um importante arcabouço teórico para a análise de tais práticas. Sendo a leitura uma competência de inegável importância na formação do estudante –requisitada em avaliações externas como PISA (colocar a sigla), SAEB, ENEM e SAEPE – e a escola como o espaço onde devemos oportunizar (leia-se letrar) tais estudantes, é insustentável que nossas práticas pedagógicas deixem escapar as novas demandas sociais, as novas práticas de uso da linguagem que não se limitam ao texto escrito (NUNES, 2016). Portanto, entendemos que a combinação de tais recursos sociossemióticos não é utilizada com imparcialidade ou neutralidade, pelo contrário, assumem papéis significativos na construção de sentido do gênero em questão. Acreditamos que o uso de tais signos, dentro desse contexto político brasileiro, influencia a opinião dos sujeitos sociais, os interlocutores das manchetes virtuais. A ascensão dos gêneros digitais nos coloca ainda diante de um problema: precisamos de estudos pautados nos multiletramentos (visuais, sonoros, verbais e outros) para que possamos preparar sujeitos/atores sociais capazes não apenas de decodificar o bombardeamento multimodal que recebem cotidianamente, mas também torná-los letrados, de fato, ao nível posto pela hipermodernidade (ROJO e BARBOSA, 2015), levando em consideração as diversas práticas sociodiscursivas.

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Por isso, devemos considerar as redes sociais, assim como os gêneros produzidos por elas, nas investigações científicas acerca do funcionamento da linguagem como uma importante fonte de análise não só de aspectos linguísticos, mas também extralinguísticos, contribuindo, dessa forma, para ampliação dos diferentes letramentos dos sujeitos sociais.

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Resumo O trabalho se dedica a comparar literaturas das periferias francófonas da América: Martinica e Canadá, centrando-se nas obras “Écrire en Pays dominé”, de Patrick Chamoiseau (1997), e “Incendies”, de Wajdi Mouawad (2003). Destaca-se a presença de uma “poética da guerra” nos textos dos escritores, de modo que ambos, por estarem inseridos em subalternidades geográfica e culturalmente diferenciadas, irão imprimir em seus textos recortes particulares sobre as violências enfrentadas pelas periferias francófonas americanas. Desse modo, o trabalho, dialogando com os Estudos Culturais (Hall, 1998) e com as teorias pós-coloniais (SAID, 2003), se ocupa em discutir as particularidades da escrita de cada autor, apontando, igualmente, como suas produções se encontram no gesto único da utopia (CORDOVIOLA, 2001), recorrente na literatura do nosso continente. Palavras-chaves: Estudos pós-coloniais; Chamoiseau; Mouawad; Poéticas francófonas; América.


AMÉRICAS FRANCÓFONAS E POÉTICAS DA GUERRA EM CHAMOISEAU E MOUAWAD Ariane da Mota1

Gostaria, antes de tecer qualquer análise sobre as poéticas dos escritores em estudo, introduzir a discussão com o destaque da importância da noção de “utopia” para se pensar a América. Como ressalta Alfredo Cordoviola (2001), a Utopia é uma força que atravessa o imaginário do continente. Segue, a respeito, sua fala: Em primeiro lugar a utopia, palavra que condensa aspirações, projetos e fantasias que se multiplicam a partir dos primeiros encontros entre europeus e americanos. Utopia que favorece as diversas “visões do paraíso” dos viajantes como Colombo e Vespúcio, e que alavanca as experiências de cristianismo social promovidos pelos missionários. Utopia que não é mera transposição dos desejos clássicos de harmonia social sobre a superfície de uma geografia nova e propícia, mas um modo de compreensão, e também um modo de invenção, para observar e construir as realidades americanas. (2001, p.7).

De acordo com o Professor Titular da UFPE, a utopia é o motor original para se deslocar até a América, para a fundação das cidades americanas, para os povos americanos projetarem futuros e mantê-la como um “projeto inacabado”, isto é, a América se desdobra sempre para a sua reprojeção contínua através de seu imaginário predominantemente utópico.

1. Doutoranda em Teoria da Literatura pela UFPE e Mestre em Teoria da Literatura pela UFPE. E-mail: arianedamota@hotmail.com 63


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Em costura com a visão de Alfredo Cordoviola, trago aqui o pensamento da escritora e crítica literária Nélida Piñon, que, igualmente, na tentativa de mapear as “Matrizes da América” (2016), interpõe outra noção cara ao entendimento das vocações americanas. Trata-se do que ela chama de potência narrativa da América, ou seja, uma espécie de ímpeto discursivo fundador do continente mediante narrativas criadoras das identidades americanas. De acordo com ela, nossa condição de equiparação ao velho mundo nos impõe uma necessidade: a de imaginar, de criar nossa imagem via narrativa, a partir de referentes sincréticos, amalgamados, frutos de uma união multifacetada vinda de encontros, negociações e tensões culturais. Nas suas palavras: Nascidos nós, portanto, do abrasivo encontro entre supostos bárbaros e civilizados, de nossos interstícios soçobram elementos primevos de intensa fabulação, resultantes de civilizações autóctones americanas, da Península Ibérica, da densa África, das extensões asiáticas, das beiras do Mediterrâneo. Das culturas, enfim, que disseminadas pela terra, travaram a batalha entre a vida e a morte, enquanto teciam a policromia luminosa da poesia. Ancorados nesse continente, somos tantos e todos ao mesmo tempo. Polissêmicos e solitários, unos e fragmentados, um conjunto que confirma o caos do sangue e da memória. Uma amálgama de saberes e etnias que ao frequentarem o teatro humano, foram agraciadas pelas matrizes originárias das primeiras réstias de luz e sons produzidos, quem sabe, por um mundo ansioso por um modelo canônico a ser seguido. Por herança, pois, filiamo-nos ao universo impregnado de ficção, de pungentes narrativas, de versões incompatíveis entre si da realidade que nos espelha. (2016, p. 96).

É nessa atmosfera que, destaca a autora, se desenvolvem as escritas dos cronistas europeus do século XVI, a narrativa de povos autóctones, de vozes desse período como a do nobre inca Guamán Poma de Ayala, a do Padre

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Anchieta no Brasil colonial, consolidando o poder narrativo das Américas, nossa marca enquanto continente, que, na mesma lógica da utopia assinalada por Cordoviola, necessita se projetar para o universo da criação e recriação em ciclo incessante. Utopia e escrita, a partir dos dois pensadores em referência (Cordoviola e Piñon) entrecruzam-se na tessitura do imaginário cultural americano, constituindo-se a marca fonte das poéticas literárias desenvolvidas nas Américas de Sul a Norte. É revelador perceber que embora estejamos diante de pensadores da América do Sul (Argentina e Brasil), suas conjecturas estendem-se sem muitos obstáculos para as Antilhas e para o Quebec, como se o mapa das Américas pudesse ser lido sobre a mesma mesa de apoio: o motor utópico-narrativo, uma vez que lendo Chamoiseu, martiniquenho, e Mouawad, líbano-canadense, é notável que suas obras ensaiam coreografias erguidas sob essa mesma sonoridade. É o que se pretende demonstrar nas análises aqui propostas, buscando-se, portanto, apontar o encontro das Américas francófonas (Sul-Norte) nesse denominador comum, que é a utopia imbricada ao desejo da escrita. Gostaria de demonstrar nesta leitura, como os discursos de ambos os escritores estão marcados por um encontro com o imaginário da guerra, sendo este, em si, uma imagem refratada das relações de violência que se constroem no entendimento da composição dos povos e culturas americanas francófonas. Tal imaginário da guerra na obra dos escritores sustenta e é sustentado por uma poética da guerra, sobre a qual me ocupo nas análises textuais propostas adiante. Como objeto de análise, escolho as obras: Écrire en pays dominé (1997), de Chamoiseau, e Incendies (2013), de Wadji Mouawad. A primeira é considerada um discurso predominantemente de envergadura teórico-crítica sobre a escrita na Martinica, a segunda, particularmente, é lida como uma ficção teatral, e, de modo muito interessante e peculiar, arte e teoria invadem ambas

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indiscriminadamente, visto que na poética-imaginário da guerra aparente nos discursos desses escritores ligados a Américas francófonas diversas, antigos limites de gênero e temáticas são bombardeados.

UTOPIAS E POÉTICAS DA GUERRA EM CHAMOISEU E MOUAWAD As utopias dos dois escritores em estudo se movem a partir de um núcleo similar: a guerra. Entretanto, cada um, pela transculturação típica do território americano com que dialogam, Martinica e Quebec, irá imprimir na sua escrita as suas singularidades, as quais, em contrapartida, interagem por meio de uma poética semelhante: a da resistência, a da busca pela memória do passado, a que tende a jogar para fora (da América) seus desejos, seus olhares, a buscar para além do continente americano suas forças temáticas, estéticas e linguísticas. Enquanto Chamoiseau na sua escrita vai buscar o Diverso, o que ele chama de a Pedra mundo, que é em si a explosão da unidade da América, provocando um retorno à oralidade créole, ao praticar uma utilização-implosão da escrita em francês, Mouawad irá expandir o imaginário de sua escrita num retorno ao Oriente Médio, ao mundo árabe, aos conflitos e violência das guerras de lá ou mesmo a um plano geográfico-histórico que se quer deslocado de referências fixas. Assim, a utopia de suas escritas é ir além do centramento continental da América, é retornar às origens créole/ocidental e árabe, é redesenhar novos lugares, alteridades, a partir de suas bases transculturais que pedem essa busca, que lhes impõem esse desejo utópico.

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Patrick Chamoiseu: Écrire en Pays Dominé A utopia de Chamoiseu é a resistência à dominação francesa através de sua escrita. Em Écrire en pays dominé, ele apresenta os sentimentos, as falas as formas estéticas, cores, línguas, dessa prática escrita em um país dominado. A partir da obra, percebe-se que a escrita na periferia francófona (Martinica) por Chamoiseau é mosaicar o texto com toda a multiplicidade de elementos formadores desse lugar que resiste à unificação cultural e linguística pela dominação da França. Seu texto é formado pelo múltiplo total que é o país. Elen de Amorim Durando (2012), em sua dissertação de mestrado, ao traduzir Antan d’enfance, escreve um apanhado sobre a obra do autor martiniquenho e atesta justamente a sincronia entre a diversidade cultural da Martinica e a diversidade estética e linguística própria de sua escrita. Seria a escritura de Chamoiseau uma investida estética e ideológica, no diálogo com Glissant, pela busca de estampar as tensões e encontros entre América, Europa, África e Ásia vivenciados pela Martinica em suas relações de colonização, exploração econômica/ territorial e no processo de departamentalização pela França. Nessa conjuntura, seria seu texto um palco para enfrentamentos e acolhimentos entre o francês e o créole, entre a literatura ocidental e as contações orais de memória africana. Bebe o escritor em Glissant, na sua poética do diverso, na sua visitação à poética da terra e da geografia afetiva, plantando, também, com Delleuze, a força rizomática dos povos diversificados que montam o país, suas línguas, economias e culturas em sua escrita; elogia, nessa dança, coreografias combinadas, elogia a créolité, construindo, assim, uma obra mosaicada entre prosa crítica e poesia, pulverizada, por sua vez, por um comboio de vozes que vêm tanto de outras obras suas, quanto de inúmeros nomes americanos, africanos, europeus. Escrever em país dominado é, desse modo, unir o fragmentário num desejo de ofere-

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cer resistência à uniformização literária imposta pelo quadro da produção canônica do Ocidente. Essas características da obra são o que fazem de sua poética, como ele mesmo escolhe nomear, a poética do guerreiro. A seguir, seleciono e traduzo alguns dos trechos de Écrire en Pays Dominé que são elucidativos do desejo de Chamoiseau por uma poética do guerreiro, isto é, seu desejo de uma poética de resistência: Em torno de mim os livros adormecidos se despertavam, adormeciam, acordavam ainda, ao atordoo de questões e dúvidas. Eu estava consciente: a deflagração da obra de arte dispõe de um impacto sobre aqueles que a recebem impacto tão forte porque a obra empresta sua órbita a diferentes imaginários. Esse impacto lhe confere um poder potencial – do qual pode vencer um poder alienante, mas que pode igualmente bem sustentar um canto de liberdade. O escrever pode assim desagregar uma dominação, representar a energia corrente num sobressalto. Isso fundava um jogo de aliança entre minha escrita e minha resistência. E meu lugar era lá. (1997, p.300).

Na sua poética de resistência créole, Chamoiseu se autodenominou Marcador de falas, numa elogio à oralidade africana, defendendo mesmo a necessidade de um oraliture (oralitura, isto é, amálgama entre a oralidade e a escrita). Mas sua identidade de escritor logo se camaleoa e de marcador de falas ele se adapta ao clima de conflito cultural vivido no campo literário da periferia francófona na qual escreve, passando a se nomear como guerreiro, alçando a necessidade de uma poética do guerreiro:

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Eu não era mais um “marcador de falas”, nem mesmo um combatente: eu me tornava Guerreiro, com isso que essa palavra carrega de concórdia pacífica entre os impossíveis, os gestos resolvidos e de interrogação, de risos que duvidam e de ironia ritual, de ossatura e fluidez, de ludicidades e crenças, de um querer de carne terna contra o formol das múmias satisfeitas. Guerreiro do imaginário. (1997, p. 302- 303).

A imagem que representa o lugar figurativo da poética do Guerreiro é a Pedra mundo, uma metáfora da unidade fragmentária das culturas no contexto da Martinica. Na sua definição: Essas explosões do mundo formavam um orgânico, tecido em discordâncias, uma unidade turva, confusa de unicidade, aí onde o extremo do Diverso tendia a uma realidade grandiosa que ameaçava a si mesma, seus equilíbrios. Um Total longe de estabilidades a tendências fechadas do Todo e da Totalidade. Aquilo que os alquimistas, esses bruxos do complexo, gananciosos de todo o inatingível, teriam chamado: uma Pedra. A Pedra-mundo Pedra, porque já aí e ainda a construir. Pedra, porque fluida e incerta e de alta densidade. Pedra, porque em nós e em todo o entorno de nós, em valor e matéria. Pedra, porque da sombra e da luz, do consciente e do inconsciente, do caos dos contrários na Unidade para nosso inconcebível. Pedra, porque de consciência impulsionada até a inteligência de uma matéria primordial. Meu espírito tentava uma percepção aberta desse estranho total. O sentimento ativo das diferenças e dos impenetráveis em mim a abertura do Diverso. Uma harmonia nascida das desarmonias, uma medida fora de medidas, um fluxo de explosões difusas. As línguas, as literaturas, as oralituras, os cantos poéticos, baladas, romances, provérbios, queixas, rimas, adivinhas, meus contos de fadas, meus mitos íntimos e minhas histórias obscuras. (1997, p.313-314).

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Nessa atmosfera da Pedra Mundo, no país dominado, o escritor é um guerreiro; Chamoiseau é o guerreiro, o marcador de falas que vai pronunciar o que ele denomina uma estranha poética, definida nesses termos: Esse caos, em irrupção em cada local do mundo, se confronta ao Escrever, porque ele deporta as feridas, as amplifica ou as dissimula. Ele modifica as línguas e as visões. Ejecta os indivíduos de suas velhas tradições ou os força a elas (1997, p.315-316).

E mais adiante, completa: Escrever podia manejar aqui um colocar em alerta: esse paradoxo de diversidades acessíveis aos valores e sua homogeneização possível. Essa masmorra na abertura. Essa queda ligada ao impulso. Escrever podia construir esse risco em emoção. Conservar o sabor do Diverso demanda luz tecida na sombra, partilha e distância, do por ao alcance e do manter o inexplorável. Os glossários poderiam se abandonar ou se verem deturpados de poses de transparências. Os diálogos se asfixiarem sobre o impossível a dizer. Os capítulos se desfazerem sob os ritmos e os círculos. Alargar os abismos onde a narrativa explode. Enfrentar as vertigens onde os gêneros se misturam. Desafiar os travessões. Fazer explodir os tempos. Construir as histórias num desejo imaginante de todas as histórias possíveis. Instalar a Unidade na desordem da estrutura. (1997, p.317).

Enfim, compilando os sentidos de sua escrita: “Uma poética do conhecimento, sem dogma nem lei”. (1997, p.318). Assim, fica claro que a poética do guerreiro se constitui na agressão às totalidades unificadas, das totalidades sem fendas, sem aberturas, sem choques. Violentar o total uníssono é a tarefa do escritor no país dominado pela uniformização cultural imposta pelas relações com o Ocidente. A violência e a guerra, pois, estão na sua utopia como meio de decapitar a própria violação da diversidade operada 70


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pelas forças da colonização do imaginário e suas táticas dogmatizantes das identidades americanas. O próprio texto da obra Écrire en pays dominé é mosaicado, fraturado na sua estrutura, trazendo a mistura entre oral e escrito, francês e créole, crítica e poesia, estética e política. A obra formalmente é o modelo da própria poética do guerreiro, ao se tripartir na combinação de diferentes enunciações: 1) a voz crítica de Chamoiseu, que é o carro-chefe da obra; 2) citações de várias vozes da literatura e da filosofia, tanto periféricas quanto ocidentais, as quais o autor compila sob a combinação de palavras Sentimenthéque (uma biblioteca afetiva que ele guarda em sua memória leitora/escritora); 3) diálogos de Inventaire d’une melancolie, peça de sua autoria em que é protagonizada a fala de um “velho guerreiro”, cuja narrativa da experiência é contada pela voz de um interlocutor-aprendiz do seu contar, o qual critica mordazmente a globalização, a modernidade ocidental e sua imposição tecnológica que empurra o humano para a unificação cultural da vida prática diária recaída na solidão de aparelhos eletrônicos, na superficialidade, enfim, na violência operadas pelas máquinas das metrópoles. Seguem trechos de Inventaire d’une melancolie que entrecortam a obra: O velho guerreiro me deixa escutar: [...] Os satélites tendem a se organizar em rede. O cyber espaço se torna hiperespaço. Os povos subequipados encontraram assim (como se sepulta nas proximidades de uma teia de aranha) acesso direto ao rizoma colocado pelos países ricos. Essas redes visam à tecno-consciência. [...] Nós seremos então presos nesse córtex eletrônico que funcionam com as concepções, os valores e os pressupostos de sua programação... Tu vê por que eu tenho o olho desfigurado? (1997, p. 244).

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O velho guerreiro me deixa escutar: [...] Aquilo que eles chamam “comunicação” é um fluxo de sentido único à propaganda sutil, uma greve quase mitológica do teu imaginário, que instala a dominação do emissor. Isso não tem nada a ver com troca, com a relação enriquecedora [...]. Eu visitava o Elétro-mundo o mais geralmente povoado de uma extensão de solidões inchadas, submetidas ao padrão de valores dominantes. Lá, eu só encontrava a simples sub-relação: o Único me estendia a sua boca na hipnose falsamente interativa das telas... – Inventário de uma melancolia. (1997, p. 250)

Gostaria, a propósito, de concluir as observações sobre a poética da guerra em Écrire en pays dominé com um trecho de Sentimenthéque, o qual traz a voz do francês Michel Butor: “Quem fala? Muitos. Em diferentes locais. Em múltiplas maneiras”/ “Qui parle? Plusieurs. En différents endroits. En multiples manières” (apud CHAMOISEAU, 1997, p. 327). A fala ocidental de Butor escolhe o diverso e, assim, é escolhida por Chamoiseau para sua biblioteca sentimental oferecida às leitoras e leitores de Écrire en Pays dominé para bombardear sua própria voz antilhana, créole, pelo Diverso. Esses são os contornos da escrita no país dominado Martinica: o acordar para o Diverso. O diverso é, pois, a utopia da escrita de Chamoiseu, posto em prática pela poética do guerreiro no território Pedra-mundo. É esta a força e a beleza da violência da poética do guerreiro contra a violência das relações pós-coloniais na América francófona das Antilhas.

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Wajdi Mouawad: Incendies A poética da guerra em Mouawad pode ser lida em referência à guerra literal vivida pelos povos árabes e palestinos no Oriente Médio e à guerra metafórica pela qual passam os imigrantes árabes no Quebec para se reconhecerem no país de chegada e manterem a memória da pátria de origem, da qual se saiu justamente em busca de refúgio em razão dos conflitos locais. A peça Incendies (2003), seguida de Litoral (1999) e anterior a Forest (2010), que conjuntamente formam a da trilogia de título “Les sangues des promesses”, traz a história de uma família de imigrantes árabes que saíram de onde nasceram por razões ligadas à guerra e, em cadeia, a peculiaridades culturais da região. O texto teatral começa com a abertura do testamento de Nawal (mulher árabe que sai de seu país natal depois de ser prisioneira na guerra civil) por seu amigo e tabelião Hermile Lebel. A geografia da obra é abstrata. O autor não nomeia exatamente os lugares, mas nas referências pré-textuais disponíveis no volume ao leitor, sabe-se que a história remete à Guerra Civil do Líbano e que a família de Nawal está agora no Canadá, onde ela morreu. Para os filhos gêmeos, ela deixa seus pertences e indicações de suas últimas vontades: eles devem enterrá-la de um modo singular (nua, de bruços e sem epitáfio) e encontrar e entregar uma carta a seu pai e a seu irmão, ambos de existência ignorada por eles até o momento. Depois de alguma resistência e em tempos distintos da diegese, os irmãos viajam ao país natal da mãe para cumprir suas últimas vontades. Nesse retorno às origens, descobrem que ela foi militante do conflito civil, ao lado de uma grande amiga, Sawda, sendo presa por atirar com duas balas no chefe da milícia. Na cadeia, foi estuprada e violentada, mas não por um carrasco qualquer, pelo primeiro filho, do qual foi obrigada a abrir mão por pressões familiares, tendo-o procurado sofridamente por anos sem o encontrar até o momento da prisão (o que é 73


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uma ironia trágica do destino, como se estivéssemos diante de uma releitura do Édipo-Rei, de Sófocles). Os irmãos nesse retorno, então, descobrem que são filhos do incesto, do estupro de sua mãe pelo próprio irmão. As cartas citadas no testamento, assim, eram para serem entregues a mesma pessoa; pai e irmão eram um só. Nawal já longe do Oriente Médio, imigrante, ao descobrir a origem incestuosa dos gêmeos, se calou por 5 anos até a morte. Um enfermeiro do hospital onde se internou gravava uma fita enquanto ela ficava sozinha no quarto, a fim de registrar algo que ela viesse a falar. Ela nunca falou e ao final da história, seus filhos juntos escutam o silêncio da mãe. O cenário que se projeta no texto para essa escuta do silêncio materno é uma chuva torrencial, cuja sonoridade pode ser imaginada pela leitura do texto, que destaca nunca chover no país natal de Nawal. A peça é catártica e seu imaginário da guerra dialoga com a biografia do próprio Mouawad, podendo-se aqui citar a noção de “ponte entre a vida e a obra” desenvolvida pelo linguista francês Dominique Maingueneau em O contexto da obra literária (2001). Maingueneau, de um modo bem diverso dos críticos biográficos do século XIX, cuja falência da crítica já fora demonstrada por Leyla Perrone Moisés (1973), entende que, embora não ocorra de maneira direta tal qual um espelhamento, o percurso da vida do autor dialoga com o que ele chama de seus “ritos de escrita”. Citando sua teoria: Na realidade, a obra não está fora de seu contexto biográfico, não é o belo reflexo de elementos independentes. Da mesma forma que a literatura participa da sociedade que ela supostamente representa, a obra participa da vida do escritor. O que deve se levar em conta não é a obra fora da vida, nem a vida fora da obra, mas a sua difícil união. [...] Falaremos de bio/grafia, com uma barra que une e separa dois termos em relação instável. “Bio/grafia” que se percorre nos dois sentidos: da vida rumo à grafia ou da grafia rumo à vida. A existência do criador

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desenvolve-se em função da parte de si mesma constituída pela obra já terminada, em curso de remate ou a ser construída. Em compensação, porém, a obra alimenta-se dessa existência que ela já habita. O escritor só consegue passar para a sua obra uma experiência de vida minada pelo trabalho criativo, já obsedada pela obra. (2001, p.46).

Wajdi Mouawad nasceu no Líbano em 1968 e deixou o país com 10 anos junto com a família devastada pela guerra. Partiram para Paris, mas em 1983 se mudaram para o Canadá (Montreal). Assim que formado pela Escola de Teatro Nacional em 1991, deu início a uma carreira polivalente como ator, escritor, diretor e produtor. A produção de Incendies está, assim, marcada pelo mundo árabe, pelo desejo de revisitar a memória do país natal na utopia de viver pela escrita as dores trazidas com o conflito civil no Líbano que não puderam ser vividas em razão da imigração. Na culpa, é aí que reside o motor da sua poética da guerra no campo temático, isto é, no pacto entre vida e obra. Nessa perspectiva bio/gráfica é que, em seu posfácio à edição francesa de Incendies, do qual aqui pinço e traduzo alguns trechos, Charlotte Farcet faz uma leitura da peça. A atriz e crítica assinala que a escritura da obra é uma forma de o autor descobrir “uma parte da História de seu país e sua ignorância”/ “Wadji Mouawad découvre une partie de l’Histoire de son pays et son ignorance” (2013, p. 136); e que “Ele se sente culpado de não ter vivido a guerra”/ “longtemps il s’est senti coupable de n’avoir pas vécu la guerre” (2013, p.141). Continua Farcet: A guerra decidiu seu percurso. Por que ele fala e escreve em francês? Por que ele viveu no Quebec? Por que sua mãe foi enterrada na terra congelada de Montreal? Porque houve a guerra e deixaram o Líbano. [...] Assim, ele reconhece sua ligação a essa História. A guerra é desde muito tempo o laboratório de sua escritura. (2013, p.142).

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A escrita de Mouawad é, então, movida por sua utopia de passar, através do campo da ficção, pela guerra e registrar suas dores, sobretudo, as dores do estupro ordinariamente imposto às mulheres entre os bombardeios e incêndios. Uma utopia movida pelo movimento migratório, que é o sintoma da modernidade globalizada. A obra do Líbano-canadense se insere, desse modo, no quadro descrito por Edward Said em Reflexões sobre o Exílio e outros ensaios (2003). Diz o crítico: “A moderna cultura ocidental é, em larga medida, obras de exilados, emigrantes e refugiados” (2003, p. 46). E complementa: “nossa época, com a guerra moderna, o imperialismo e as ambições quase teleológicas de governantes totalitários é, com efeito, a era do refugiado, da pessoa deslocada, da imigração em massa” (2003, p. 47). No contexto de produção literária particular do Quebec, como demonstra Józef Kwarterko em seu ensaio Idéologies de l’identité et poétiques du “détour” dans les litttératures francofones du Québec et de la Caraibe, a literatura dos imigrantes adquire, então, sua significante representatividade, tornando-se um importante vetor para a passagem do nacionalismo essencialista do século XIX, marcantes nas periferias americanas, para a tematização da interculturalidade nas últimas décadas no sistema literário canadense. Um aspecto de Incendies que merece ser sublinhado é a já mencionada falta de exata referência geográfica e histórica aos lugares e períodos da guerra. Na peça, não se prende o significado da guerra a um referente local/ temporal no texto. Como um significante solto a ser (ou não) preenchido na leitura, é que a guerra se constrói na poética de Mouawad. A esse respeito, pontua também o posfácio de Charlote Farcet:

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As datas são ausentes do texto, e essa ausência, sem dúvida escolhida, é importante. Ela dá ao tempo um caráter ilusório, fluido; o tempo flui, mas por mergulhos e incursões na vida das personagens. As idades, épocas se entrecruzam, a linearidade desaparece. (2013, p. 156).

E complementa: “a história cai num tempo não histórico”/ “l’histoire tombe dans un temp non historique” (2013, p.157); “No coração da história, a História perde seus muros”/ “Au coeu de l’histoire, l’Histoire perd ses murs” (2013, p. 157). Assim, a mensagem aparente no texto é a de que guerra pode estar ou está em qualquer tempo/espaço, ainda que a língua árabe, a permear o texto, dê pistas de que aqueles personagens têm um país natal de cultura árabe, como o autor. Nessa lógica temporal fluida e caótica, como pode mesmo ser o tempo dos combates bélicos, a poética da guerra, assim, em Mouawad, implode os limites temporais e espacias da diegese. Tais contornos da poética da guerra na obra se verificam no trecho selecionado e arrolado adiante (dentre tantos outros que também atestariam a sua presença pela recorrência de confluências espaço-temporais ao longo de todo o texto). O excerto escolhido para ser comentado é o bloco que se compõe do ato 3 pertencente à primeira parte da peça, Incendie de Nawal. Nele, aparece a confluência tempo/espaço a ser apresentada no palco entre as cenas diferentes vividas pelos gêmeos filhos de Narwal: Jeanne e Simon (ela professora universitária de matemática a dialogar com seus alunos no espaço da sala de aula; ele, lutador de boxe a dialogar com seu treinador, Ralf, no espaço sala de treino). Segue, pois, o texto sem cortes: 3. Teoria dos gráficos e visão periférica Sala de aula onde Jeanne ensina. Retroprojetor. Jeanne liga o retroprojetor. Início da aula.

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JEANNE: Não posso dizer hoje quantos de vocês passarão pela provas que os aguardam. A matemática tal como vocês a conheceram até hoje teve como objetivo chegar a uma resposta estrita e definitiva partindo de problemas estritos e definitivos. A matemática na qual vocês estão se engajando seguindo este curso de introdução à teoria dos grafos é de natureza totalmente distinta, já que tratará de problemas insolúveis que levarão, vocês sempre, para outros problemas também insolúveis. As pessoas à sua volta vão ficar repetindo que isso que tanto perseguem é inútil. Sua maneira de falar vai mudar e, ainda mais profundamente, sua maneira de calar e de pensar. E é justamente isso que não será perdoado. Muitas vezes vocês serão acusados de estarem dilapidando a inteligência de vocês com exercícios teóricos absurdos, em vez de utilizá-la em prol da pesquisa contra a aids ou de um tratamento contra o câncer. Vocês não terão nenhum argumento para se defender, pois seus próprios argumentos são de uma complexidade teórica absolutamente exaustiva. Bem-vindos à matemática pura, quer dizer, ao país da solidão. Introdução à teoria dos grafos. Sala de treino. Simon e Ralph RALPH: Sabe por que você perdeu a última luta, Simon? E sabe por que vocês perdeu a penúltima luta? SIMON: Eu não estava em forma, só isso. RALPH: Não é assim que você vai conseguir se classificar. Coloca as luvas. JEANNE: Vamos pegar um polígono simples com cinco lados chamados A,B,C,D e E. Vamos chamar esse polígono de polígono K. Vamos imaginar agora que esse polígono representa a planta de uma casa onde viveu uma família. E que em cada canto dessa casa está postado um dos membros dessa família. Vamos substituir por um instante A,B,C,D e E pela avó, o pai, a mãe, o filho e a filha que vivem juntos no polígono K. Vamos fazer agora a pergunta pra saber quem, do ponto de vista que ocupa, pode ver quem. A avó vê o pai, a mãe e a filha. A mãe vê a avó, o pai, o filho e a filha. O filho vê a mãe e a irmã. Enfim, a irmã vê o irmão, a mãe e a avó.

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RALPH: Você não está olhando! Tá cego! Não está vendo o jogo de pernas do cara que está na tua frente! Você não está vendo a retranca dele... A gente chama isso de problema de visão periférica. SIMON: Ok! Tudo bem! JEANNE: A gente chama essa aplicação de aplicação teórica da família que vive no polígono K. RALPH: Vai se aquecer! JEANNE: Agora, vamos tirar as paredes de casa de traçar arcos unicamente entre os membros que se veem. O desenho ao qual chegamos é chamado de grafo de visibilidade do polígono K. RALPH: Você é o mais forte! JEANNE: Os grafos de visibilidade dos polígonos... RALPH: Nenhuma piedade pelo cara na tua frente! JEANNE: Enfim, os polígonos e sua natureza. RALPH: Se você ganhar, você vira profissional! JEANNE: O problema é o seguinte: para todo polígono simples, posso facilmente – como acabamos de demonstrar – traçar o se grafo de visibilidade e sua aplicação teórica. Agora como posso, partindo de uma aplicação teórica, esta aqui por exemplo, traçar o grafo de visibilidade e assim encontrar a forma do polígono correspondente? Qual é a forma da casa onde vivem os membros dessa família representada por essa aplicação? Tentem desenhar o polígono. Som de gongo. Simon parte logo pro ataque e boxeia as mãos de seu treinador. RALPH: Você não está aqui, não está concentrado! SIMON: Minha mãe morreu! RALPH: Pois então! A melhor maneira de superar isso é ganhando a tua próxima luta! Então levanta! E bate! Senão você não vai conseguir! JEANNE: vocês não vão conseguir. Toda a teoria dos grafos repousa essencialmente sobre esse problema por enquanto impossível de ser resolvido. Ora, é essa impossibilidade que é linda. Som de gongo do final do treino. (2013, p.34-37).

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Como é possível perceber, a confluência das cenas vividas em espaços diferentes entre irmão e irmã gêmeos, filhos do estupro e do incesto no quadro de uma guerra civil no Oriente Médio é uma maneira de a poética da guerra se fazer presente no corpo do texto, uma vez que o paralelismo dos dois-tempos/ambientes é construído numa velocidade gradativa como se as cenas estivessem se violentando mutuamente, se nocauteando numa luta de boxe. Mouawad viola a linearidade clássica do tempo/espaço no texto. Ademais, o discurso de Jeanne, como professora, parece assumir também um certo ar de violência em relação às supostas expectativas dos alunos quanto ao curso, é como um bombardeio nas suas vidas acadêmicas, antes afeitas a uma matemática menos problemática, conflituosa e mais pacífica. Seu tom enunciativo chega a ser um tanto agressivo, ameaçador, no plano pedagógico, pois a complexidade e a abstração da teoria dos gráficos são previstas por ela como possíveis frustrações aos estudantes, ao menos na sua visão de professora que parece subestimar as experiências passadas de seus alunos com a matemática. Contudo, sua atitude um tanto rude com os estudantes pode ser lida como um ataque impulsionado pela sua fragilidade e esfacelamento emocional, como se houvesse uma projeção da sua própria dificuldade de entender o polígono, uma vez que ela própria o associa à instituição da família, este plano que também, após as revelações do testamento de Nawal, sua mãe, se reconfigura em sua trajetória com as origens e certezas implodidas. Jeanne, então, projeta na prática profissional questões da sua matemática familiar, insolúveis à sua visão periférica; sua dor de filha atônita diante das insolubilidades familiares se espelha no seu discurso pedagógico, que transforma a matemática em encontro com a dor das revelações complexas. A complexidade familiar de Jeanne vem, é necessário reforçar, das origens desconhecidas, as quais ao longo da história são reveladas sem toque de leveza, mas com o peso e a complicação similar

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aos problemas de difícil resolução da matemática abstrata: ela e o irmão, ao viajarem em busca de suas memórias perdidas no Oriente Médio, descobrem que vêm do estupro e do incesto, de uma mãe que lutou na guerra no seu país natal. Os irmãos descobrem seus nomes originais de antes de chegarem à América, nomes árabes: Simon era Sarwane, Jeanne, Jannaane. E a descoberta da origem e da violência da guerra também se conflui como os tempos e espaços na obra. No que diz respeito ao diálogo entre Simon e Ralph, em pleno treino de box, a violência ao lutador vem de suas derrotas profissionais e familiares. A insensibilidade que deve ser própria do momento do combate faz o treinador utilizar a perda materna de Simon para estimulá-lo a ter foco profissional. Assim, no combate, na guerra, o afeto pelas figuras maternas está abaixo das conquistas bélicas e a dor do combatente precisa ser sublimada com a frieza de quem necessita ter foco na mecânica do combate. Assim é a poética da guerra em Incêndios; é violência por toda parte, mutilando os personagens em seus conflitos interiores, mutilando a linearidade formal clássica dos tempos e espaços na peça; e todo esse movimento se constrói com o autor protagonizando a figura feminina, a mãe, da qual irradiam e para a qual convergem feridas da guerra.

CONSIDERAÇÕES FINAIS É nessa confluência da diversidade tempo-espaço, no incêndio de uma unificação clássica da diegese, que a poética da guerra de Mouawad encontra a poética do guerreiro de Chamoiseu. Ambos os autores das Américas francófonas escolhem implodir as totalidades organizadas das identidades, sejam no campo das nacionalidades, das culturas, dos gêneros e dos elementos estéticos do fazer literário. A própria matemática abstrata da

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professora Jeanne, pela sua impossibilidade de fechamentos e resoluções simples, encontra a noção de Divers e de Pierre- monde, de Chamoiseau. A Pierre-monde é a Theorie des graphes. Essas duas constantes se encontram nas impossibilidades de, em se tratando da América, se apanhar concretamente o infinito de modo linear, tangível e demonstrável sem cálculos complexos resultantes do embaralhar de somas, subtrações e divisões no jogo com o Ocidente e as relações de globalização da modernidade. No conjunto das produções francófonas da América, a poética da guerra, então, está contida em Chamoiseu e Mouawad, mas de modos peculiares em função do que pertence ao contexto peculiar da Martinica e do que pertence ao quadro do Quebec e, sobretudo, das utopias bio/gráficas dos dois escritores.

REFERÊNCIAS CHAMOISEAU, Patrick. Anabiose sur la Pierre-Monde. In: Écrire en pays dominé. Paris: Gallimard, 1997. CORDOVIOLA, Alfredo. Prólogo. In: ______ (org.). Identidades Latino-americanas no século XX. Recife: Bagaço, 2001. ______. Espectros da geografia colonial: uma topologia da ocidentalização da América. Recife: EdUFPE, 2013. DURANDO, Elen de Amorim. Uma obra crioula em prisma: a tradução de Antan d’enfance, de Patrick Chamoiseau, 2012, 161F, Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. FARCET, Charlot. Postface. In: MOUAWAD, Wajdi. Incendies. Le sang des promesses/2. Paris: Babel, 2003. KWARTERKO, Józef. Idéologies de l’identité et poétiques du “détour” dans les litttératures francofones du Québec et de la Caraibe. In: ALMEIDA, Sandra Regina Goulart. Perspectivas transnacionais=Perspectives transnationales=Transnational perspectives. Belo Horizonte: ABECAN/ Faculdade de Letras/UFMG, 2005, p. 175-186.

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MAINGUENEAU, Dominique. O contexto da obra literária. São Paulo: Martins Fontes, 2001. MOUAWAD, Wajdi. Incendies. Le sang des promesses/2. Paris: Babel, 2003. ______. Incêndios. Rio de Janeiro: Cobogó, 2013. PIÑON, Nélida. As matrizes da América. In: As matrizes do fabulário íbero-americano. São Paulo: Edusp, 2013, p. 95-101. SAID, Edward. Reflexões sobre o exílio e outros ensaios. Trad. Pedro Maia Soares. São Paulo: Companhia das Letras 2003.

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Resumo O objetivo desse artigo é investigar o modo pelo qual a Literatura representa a formação do indivíduo através da análise de obras romanescas. Na literatura, narrativas que tratam da formação do personagem correspondem ao conceito de Bildungsroman, romances de aprendizado ou de educação. Nessa proposta foi escolhida a obra Manhã Submersa (1971) de Vergílio Ferreira, que conta um pouco a história de um jovem extremamente pobre que vai ao seminário com o desejo de uma vida melhor. Para essa análise, foram utilizadas como base conceitual as investigações teóricas de Freitag (1994), no que concerne a Bildung, de Bakhtin (2011), a respeito do Bildungsroman, e textos críticos dirigidos ao corpus deste estudo, além do paradigma do Romance de Formação que corresponde a Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister (2006). Nesse artigo será possível investigar o processo de formação do personagem através de análises das instâncias sociais. Palavras-chaves: Literatura de formação; Bildungsroman; Bakhtin; Freitag; Manhã submersa.


ANÁLISE DA FORMAÇÃO DO INDIVÍDUO EM “MANHÃ SUBMERSA” DE VERGÍLIO FERREIRA Keroly Vitoria da Silva1

INTRODUÇÃO Embora a temática do romance de formação seja bastante difundida nos estudos literários, é de surpreender a quase inexistência de trabalhos que se voltem à investigação da formação do indivíduo na literatura. O objetivo dessa pesquisa é investigar o modo pelo qual a Literatura representa a formação do indivíduo através da análise de obras romanescas. A formação do indivíduo se dá através da interação com diversos fatores que influenciam o desenvolvimento de sua personalidade: aspectos comportamentais, ideológicos e o contato com as instâncias sociais, como a igreja, a família, a escola e o meio em que se vive de uma maneira geral. Na literatura, temos o Bildungsroman que caracteriza a representação de formação do indivíduo em romances com o objetivo de apresentar um protagonista em sua jornada da infância à maturidade. Bakhtin (2000) nos fala sobre os múltiplos gêneros de romance, que contribui para construir uma ideia sobre o Romance de Formação. Baseado nos princípios que estruturam o herói principal monta uma classificação: o romance de viagens, romance de provas, romance biográfico (autobiográfico) e o romance de educação ou formação que reúne aspectos de todos esses romances. Ele traz o herói como um ponto móvel no espaço, em que o cenário e as circunstâncias influenciam em seu processo de evolução.

1. Keroly Vitoria da Silva - Bolsista PIBIC - IFPE E-mail: keroly.silva95@hotmail.com. 85


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Os deslocamentos no espaço possibilitam ao romancista mostrar e evidenciar a diversidade estática do mundo através do espaço e da sociedade (países, cidades, etnias, grupos sociais, condições específicas de vida. (BAKHTIN, 2000, p. 223)

Esse espaço em que se move o herói é um lugar histórico, ou seja, corresponde a uma dada comunidade em um tempo específico. Em Manhã Submersa, não é possível analisar com perfeição o espaço temporal, isso porque as mudanças de épocas são bastante repentinas. Neste estudo, o objetivo é analisar e também evidenciar um pouco os quesitos que a obra Manhã Submersa possa ter de um característico Romance de Formação, apesar de o fato do processo de formação estar incompleto, que é um quesito muito importante. Com isso, será possível compreender aspectos que exige o Bildugsroman para que uma obra seja considerada como tal. Nessa análise será representado através de temas, aspectos que podem possibilitar uma maior compreensão a respeito do processo de formação do protagonista António dos Santos Lopes.

FAMÍLIA António era um menino de vida miserável e infeliz. O pai morreu ainda cedo, e mãe era muito pobre que trabalhava como empregada de Dona Estefânia, a qual será possível mais adiante caracteriza-la como a preceptora dele. ... começou a contar a minha história triste, que eu ouvia atentamente, porque, afinal, não a conhecia. O meu pai morrera, minha mãe era pobre, eu brincara na lama da minha condição – sim. (FERREIRA, 1971, p. 37)

É interessante observar, como as instâncias em que o indivíduo está inserido, podem influenciar na sua vida posteriormente. Por exemplo, o de86


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sejo de oferecer uma vida melhor à família foi um fator que influenciou na permanência de António no Seminário anos depois. A família é a primeira instituição social com a qual António tem contato, e a partir daí dá os primeiros passos para a criação de uma identidade.

SEMINÁRIO Uma outra instituição além da família a qual António tem contato é com o seminário. Lugar que vai contribuir muito para o seu processo de formação e até a construção da sua identidade. É para ele a princípio um refúgio da vida difícil, de fome e miséria, visto que era sua única oportunidade de estudar, poder comer direito, enfim mudar de vida. Se valendo dessas condições Dona Estefânia decide financiar os estudos do garoto afim exclusivamente de satisfazer seu ego com relação às ações feitas as vistas dos outros religiosos. A ida ao seminário - ao que faz parecer o romance, a ida acontece na época da pré-adolescência, isso representava uma possibilidade de ascensão de uma vida miserável a qual ele e sua família tinha a uma vida com qualidade para ele e para sua família. Porém esse pensamento de António não o acompanhou durante todo o período em que lá esteve. Ao chegar, enviado por Dona Estefânia, tinha esperança de que iria estudar, seguir no sacerdócio e dar uma alternativa à família, mas logo percebeu que não seria tão bom quanto imaginara. Era um ambiente de muitas privações e que não correspondia aos desejos que António depois foi descobrindo, o fazendo permanecer lá, apenas pelo motivo de sempre: a Família. Sentia-me abandonado pelo Céu e pelo Inferno, tão atolado de miséria que nem Deus nem o Demônio me suportavam. Sentia-me como nunca, num deserto mais vasto e mais ermo do que nas crises dos meus

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pecados. Assim, nem tinha coragem de pensar em qualquer solução extrema, como ficar ali para sempre, ou fugir, ou matar-me. (FERREIRA, 1971, p. 139)

A experiência dele na instituição se tornou perturbadora. O seminário representa o maior espaço de repressão para o personagem, sua estrutura é militar, cheio de regras, com o Regulamento extremamente rigoroso e repressivo, castigos físicos, e pretensão de domínio até mesmo do imaginário dos seminaristas. Assombrados por todos a repreender qualquer ato que pudesse lhes trazer o acesso ao entendimento de si, das mudanças e acontecimentos naturais da fase - a puberdade - que passavam. Não podiam sequer conversar além do limite do intervalo, e ainda assim não poderia ser uma conversa particular. Tudo isso, não era nada fácil para meninos da idade que António aparentava ter quando foi ao seminário. Mas eu tinha medo do que me estivesse esperando: a verdade da suspeita, ou sua mentira. Pesa-me sobretudo um pavor sem limites de uma cólera divina, eterna, assombrada de profecias. Assim se começou um jogo de perseguição entre mim e o meu demônio da carne. (FERREIRA, 1971, p. 106)

Assim, ao longo do tempo, a vontade de sair daquele ambiente hostil só crescia. Por vezes, António pensou em desistir, mas ao procurar Dona Estefânia e a mãe para falar a respeito, foi convencido por meio de conselhos opressores que seria melhor para todos (família) que ele continuasse, ignorando completamente a sua falta de vocação, seus desejos próprios e suas opiniões a respeito daquele lugar. Toda a pressão sofrida pelo menino, vinda de todos os lados, fez com que ele decidisse após alguns anos sair do seminário, e possivelmente por ser ainda adolescente/jovem, fez isso de forma impensada, impulsiva e agressiva, contra si mesmo, causando um sofrimento levando a automutilação através 88


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da explosão de um rojão. Isso mostra a tamanha repulsa que ele tinha daquele lugar e o quanto sofria com a situação de estar sempre entre as suas vontades e a vida de sua família, além das ordens de D. Estefânia.

PRECEPTORIA O preceptor é em resumo àquele que acompanha o indivíduo em sua trajetória influenciando diretamente seus passos. Freitag (1994), sobre a pedagogia da qualidade diz que o homem é nada mais que fruto de sua educação, sendo assim educado por outros homens que um dia também foram educados, gerando um ciclo. E essa figura de educador podemos entender também como preceptor, ou seja, alguém que contribuiu fortemente para que o indivíduo seja quem é. O contato direto e a influência na vida do personagem, António, fazem de Dona Estefânia uma beata rica e elitista, a personagem que representa a figura preceptora, como já dito anteriormente, foi quem o enviou para o seminário. Ela não é precisamente a figura educadora, mas é principalmente através dela que surgem os direcionamentos seguidos por ele. Para ela essa atitude representava a concretização de sua vaidade filantrópica: Em Manhã Submersa, a motivação de D. Estefânia – concretizar a vaidade de sua filantropia, ser bem vista aos olhos da comunidade religiosa de que faz parte – acaba por potencializar uma atmosfera de aflição e controle, uma vez que António já se sentia absorto no seminário. Em contraste ao ecletismo e liberdade de Ultima, D. Estefânia adota o medo e a culpa como efeitos pretendidos por sua pedagogia [...]. (FIGUEREDO, 2017, p. 108)

Assim sendo, ela buscou mantê-lo no seminário o quanto pôde. Quando por vezes quis deixar aquele lugar de opressão, mesmo sabendo não ter 89


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vocação, foi amedrontado, esta era sua pedagogia, ela buscava convencê-lo que o destino longe daquele espaço/convívio/educação seria seu fim. Situações que ficam perceptíveis no romance que a pressão, opressão e terror aos quais António estava sendo submetido o deixava assustado e perdido, são expostas, por exemplo, nos trechos em que relata não saber qual seu destino, se tinha realmente vocação ou se sairia do seminário, e os pensamentos relacionados aos desejos carnais que o atordoavam pois lhe foi dito ser um crime de grande proporção: Na realidade, eu não tinha um projeto para a vida. Não sabia se seria padre, não sabia se viria a sair do Seminário.” (FERREIRA, 1971, p.98) “Mas eu tinha medo do que me estivesse esperando: a verdade da suspeita, ou sua mentira. Pesa-me sobretudo um pavor sem limites de uma cólera divina, eterna, assombrada de profecias. Assim se começou um jogo de perseguição entre mim e o meu demônio da carne. (FERREIRA, 1971, p.106)

Essa influência foi tão forte a ponto de fazer com que o protagonista num ato impulsivo, causasse automutilação, pois como disse quis “provar àquela bruxa que a desprezava, que desprezava a morte, o suplício da minha carne.” (FERREIRA, 1971, p.171). Ato que o fez sair do seminário, não se sabe se por ter ficado mutilado ou por finalmente terem reconhecido sua falta de vocação (FERREIRA, 1971, p. 172). [...] as práticas sociais podem chegar a engendrar domínios de saber que não somente fazem aparecer novos objetos, novos conceitos, novas técnicas, mas também fazem nascer formas totalmente novas de sujeitos e de sujeitos de conhecimento. (FOUCAULT, 1996, p. 8)

As circunstâncias fizeram com que António conhecesse aspectos de si mesmo, seus desejos e vontades. O indivíduo corresponde ao que está mais 90


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presente em seu convívio: a pessoa, na figura de D. Estefânia; o lugar, como sendo o seminário e o ambiente rural; a situação, extrema pobreza.

CONCLUSÃO A teoria/ideia, defendida por alguns pensadores como Sartre e Marx, que se resume em “o homem é produto do meio” pode ser aqui utilizada para dar ênfase ao que tem sido proposto, de que o indivíduo atravessa ao longo do tempo um processo de formação da sua identidade, e sofre intercorrência de fatores internos e externos. Freitag (1994), sobre a Bildung, diz que ela pode representar a moldagem de um personagem segundo um ideal ou a construção do caráter de uma pessoa. Nesse romance, o ciclo da aprendizagem que caracteriza a Bildungsroman não é concluído. Após a saída do seminário no penúltimo capítulo, ocorre um salto para o presente de onde o narrador, António já adulto, faz essa revisão das memórias buscando possivelmente cicatrizar as feridas que ainda o importunam. Os anos de aprendizado de Wihelm Meister de Goethe, é considerado o paradigma do romance de formação, portanto a partir dele se observa semelhanças que possam caracterizar outro romance como sendo um Bildungsroman em maior ou menor proporção. Dezena de verbetes em enciclopédias literárias entendem o Bildungsroman como um gênero cuja obra modelar é Os anos de aprendizado de Wihelm Meister, associando-o ao Classicismo de Weimar, período no qual Goethe, ao lado de Schiller, reina soberbo como a figura emblemática. Todas as obras posteriormente consideradas como Bildungsromane, na Alemanha e fora dela, são mensuradas, sob a perspectiva de sua temática e composição estética, ante o paradigma constituído pelo romance de Goethe. Assim, há obras que são Bildungsromane em maior ou menor medida, dependendo de sua semelhança com Os anos de aprendizado de Wihelm Meister. (MAAS, 2000, p. 23) 91


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Manhã Submersa, por sua vez embora não seja uma obra do romance de formação, traz algumas características como, por exemplo, representar o personagem já adulto relembrando passagens de sua infância/adolescência, e sua respectiva influencia sobre seu estado atual no presente em que escreve o autor-narrador. Retomando a personagem infantil de um seu romance da fase anterior e fazendo-a reaparecer como protagonista adolescente de Manhã Submersa, Vergílio Ferreira realiza um romance de aprendizagem, ou de formação, na tradição alemã do bildungsroman, testemunhando a sua inserção na vida, questionando com ela os caminhos que lhe são impostos por uma engrenagem humana e social em que era a peça menor, acompanhando-a na sua revolta contra essa engrenagem determinista, no florescer da sua vontade e do seu pensamento até ao ato final de revolta e ruptura.” (PAIVA, 2007, p. 56) “(Falo agora à memória destes últimos vinte anos e pergunto-me que destino atravessou minha vida além desse pavor, que outra voz mensageira lhe clamou ao futuro além da voz de uma noite sem fim.) (FERREIRA, 1971, p. 14)

Não há uma conclusão do processo de formação de António, que é uma das exigências do Bildungsroman, para uma obra ser considerado um romance de formação. Tomando como paradigma Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister. Aqui neste quarto nu em que escrevo, relembro agora tudo com emoção. (p. 69) Dolorosamente, eu descobria a mulher, não no apelo do sonho, não no apelo da ternura final, mas apenas na avidez de dois punhos cerrados. (p. 172) Por isso eu me calo até a minha angústia, recolhido ao receio do meu sonho. Não sei o que será a nossa vida amanhã, nem sequer, ó dor, se

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terei coragem de lhe falar. Mas reconheço, no meu sangue em alvoroço, que um sinal de triunfo vem avançando com ela para mim, abrindo caminho desde o fundo do meu terror, atravessando o meu ódio, o meu desespero triste. (p. 174) (FERREIRA, 1971)

Deixando em aberto o seu futuro e sem trazer uma formação do personagem o livro se encerra com o narrador-protagonista dizendo que o conforta pensar num “apelo invencível de vida e de harmonia” que não morrera nele desde a noite que o cobriu, entendido como o momento inicial dessa trajetória, o ingresso no Seminário. Ele finda a obra deixando para livre interpretação do leitor o que se relaciona a seu futuro ou o resultado de sua formação, como se espera de um característico Bildungsroman, apenas fica nítido o impacto negativo desses momentos relembrados e uma faísca de paixão que se inicia na vida dele, porém afetada pelos traumas que tem com voltados às relações amorosas, tendo em vista que para ele durante bastante tempo foi imposta a ideia de que essas sensações relacionadas à “carne” constituíam um pecado terrível.

REFERÊNCIAS BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2000. FIGUEREDO, Thiago Camara. Ideais de formação em romances de tradição ocidental: o indivíduo e as instâncias sociais. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2017 FERREIRA, Vergílio. Manhã submersa. Porto: Europa-América, 1971. FREITAG, Barbara. O Indivíduo em formação. São Paulo: Cortez, 1994. GOETHE, J. W. Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister. Rio de Janeiro: 34, 2006. MAAS, Vilma. O cânone mínimo: o bildungsroman na história da literatura. São Paulo: UNESP, 1999.

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Resumo NĂŁo enviado.


LEITURA DE IMAGEM EM LIVRO DIDÁTICO: análise de atividade do livro “para viver juntos: português, 9º ano: ensino fundamental” Ziane Maria Florêncio de Santana1

INTRODUÇÃO A consciência libertária que a leitura possibilita ao indivíduo constitui cidadania, pois quando a dominamos abrimos um leque de possibilidades para que adquiramos conhecimentos das diferentes áreas do saber, desenvolvamos raciocínios, participemos efetivamente do contexto social como cidadãos e ampliemos a nossa visão do mundo, sobre o outro e nós mesmos. Para Solé (1998, p.22), o “leque de objetivos e finalidades que faz com que o leitor se situe perante um texto é amplo e variado: devanear, preencher um momento de lazer [...]; [...] seguir uma pauta ou instruções para realizar uma determinada atividade (cozinhar, conhecer as regras de um jogo) [...]”. Comungamos com a autora, já que entendemos que quem com proficiência sabe ler e selecionar o que deve ler pode se tornar, de modo mais efetivo, dono de sua própria história nas sociedades grafocêntricas e pode participar, mais ativamente, da construção de histórias coletivas. Ou seja, quanto mais se lê, maior a possibilidade de se escrever com mais qualidade, tendo em vista que o ato de escrever está intimamente ligado ao ato de ler.

1. A autora atua como docente, dos níveis fundamental e médio, na Prefeitura da Cidade do Recife (PCR) e na Secretaria de Educação de Pernambuco (SEDUC-PE). É Mestre em Linguística pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). (zianeassis@hotmail.com) 95


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Segundo os PCN (BRASIL,1997, p.40), o “trabalho com leitura tem como finalidade a formação de leitores competentes e, consequentemente, a formação de escritores, pois a possibilidade de produzir textos eficazes tem sua origem na prática de leitura, espaço de construção da intertextualidade e fonte de referências modalizadoras.” O excerto transcrito dos PCN (BRASIL,1997) nos faz compreender que o ato de ler, além de capacitar o leitor para que ele possa acessar informações, ampliar seu vocabulário e seus conhecimentos, contribui para o desenvolvimento de sua criticidade sobre diversas questões cotidianas, e o ajuda a produzir diversos tipos de texto. Desta feita, deve a escola habilitar o educando a ler de maneira proficiente desde cedo, tendo em vista que o ato de ler, além de ser determinante para o aprimoramento da escrita do cidadão, também é decisivo para a vivência adequada dele nas sociedades grafocêntricas. Por outro lado, a escola deve oferecer aos seus alunos não só a oportunidade de escrever e ler o código linguístico, mas também oportunizar a leitura de outros códigos, como por exemplo, o código imagético. Nesse sentido, o ensino de leitura que contempla diferentes linguagens – verbal e não verbal – é altamente relevante num mundo repleto de novas informações que se apresentam inclusive no livro didático de português (doravante LDP), de diferentes maneiras a todo momento. Em muitos casos, o que se percebe é que o sentido que pode ser construído a partir de um texto multimodal – mais de um modo de representação para se fazer significar – não está somente na palavra escrita, mas também em outros recursos semióticos como cores, gráficos, texturas, layout, por exemplo, em que o sentido pode estar numa relação indissociável entre palavra e imagem ou outro tipo de semiose. Sendo assim, diante do exposto até aqui e, percebendo a alta relevância em se ensinar o educando a ler imagens e estabelecer relação de sentido entre textos que envolvem mais de uma modalidade, decidimos, neste artigo, recorte da dissertação de mestrado intitulada Leitura de imagem em livros didáticos do 9º ano: ensino 96


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ou estratégia de motivação para leitura de outros textos?, apresentar a análise de uma atividade de pré-leitura de um exemplar do gênero imagético fotografia e a relação deste com os contos psicológicos presentes na seção de leitura do LDP Para viver juntos: português, 9º ano: ensino fundamental, adotado no ano letivo de início da pesquisa (2014), em escolas da rede estadual de Pernambuco, à luz dos pressupostos da GDV (Gramática do Design Visual), postulados por Kress e van Leeuwen (2006), enfocamos, na análise proposta , apenas aspectos que dizem respeito especificamente à metafunção Textual/Composicional. Salientamos ainda que para fundamentar a nossa pesquisa, no que concerne ao tema leitura, consultamos trabalhos de Kleiman (2002), Koch (2014) e Solé (1998. Sobre a leitura de imagens e de textos multimodais consultamos, além dos trabalhos de Kress; van Leeuwen (2006), Dionísio (2005), Marcuschi (2008), Rojo (2012, 2015, 2016) Santaella (2012,2014). Sobre livro didático, apoiamo-nos em Soares(2003), Barzotto; Aragute(2008), Lajolo (1996), dentre outros.

A LEITURA E A PRODUÇÃO DE SENTIDOS EM TEXTOS VISUAIS A capacidade de se fazer entender, seja por meio de textos não verbais ou por meio de textos verbais, orais ou escritos, é uma das formas de comunicação responsáveis pela aproximação entre as pessoas na sociedade, já que as imagens têm sido vetor da interação entre pessoas há muito tempo. Prova disso, são as deixadas nas cavernas pelos homens na Pré-história, forma de interagir num tempo em que não havia escrita. Para Santaella; Noth (1997, p.13): Imagens têm sido meios de expressão da cultura humana desde as pinturas pré-históricas das cavernas, milênios antes do aparecimento do registro da palavra pela escritura. Todavia enquanto a propagação da

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palavra humana começou a adquirir dimensões galácticas no século XV de Gutenberg, a galáxia imagética teria de esperar até o século XX para se desenvolver. Hoje, na idade vídeo e infográfica, nossa vida cotidiana – desde a publicidade televisiva ao café da manhã até as notícias no telejornal da meia noite – está permeada de mensagens visuais, de uma maneira tal que tem levado os apocalípticos da cultura ocidental a deplorar o declínio das mídias verbais.

Compreendemos o que dizem os autores sobre a leitura de textos visuais, uma vez que é impossível não perceber que nossos hábitos de leitura estão mudando há um bom tempo e, por isso, a sociedade contemporânea tem, cada vez mais, registrado fatos, ideias e outros eventos, não apenas por meio de palavras, mas também por meio de textos imagéticos, o que exige da escola novas estratégias de ensinar o leitor a ler e a compreender criticamente o mundo em que habita. Fazemos esta afirmação porque, durante muito tempo, a escola se limitou a alfabetizar o estudante, ensinando-o a ler e a escrever num processo em que a decodificação do código linguístico escrito era considerada como suficiente para a formação do leitor. Bastava que se dominasse o Sistema de Escrita Alfabética (SEA) para ser considerado letrado. Mas, de acordo com Kleiman (2005, p.18), o “letramento é complexo, muito mais do que uma habilidade (ou um conjunto de habilidades) ou uma competência do sujeito que lê. Envolve múltiplas capacidades e conhecimentos para mobilizar essas capacidades muitos dos quais não têm necessariamente relação com a leitura.” Entretanto, essa concepção de letramento, tal como tradicionalmente é compreendida, já não é mais suficiente para a leitura na atualidade, visto que as práticas sociais contemporâneas têm exposto, cada vez mais, as pessoas à leitura de textos que relacionam escrita, imagem, som, ou seja, diferentes semioses. Por esse motivo, é pertinente que, na atualidade, a escola trabalhe não mais o letramento e sim, os 98


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multiletramentos. Cremos que seja relevante ensinar o aluno a ler múltiplas linguagens. Segundo Dionísio (2014, p.40): A nossa história de indivíduo multiletrado começa com a nossa inserção neste universo em que o sistema linguístico é apenas um dos modos de constituição dos textos que materializam as nossas ações sociais. Um texto é um “evento construído numa orientação multissistemas, ou seja, envolve tanto aspectos linguísticos como não-linguísticos no seu processamento” (MARCUSCHI, 2008, p.80). Trazer para o espaço escolar uma diversidade de gêneros textuais em que ocorra uma combinação de recursos semióticos significa promover o desenvolvimento cognitivo de nossos aprendizes.

O que se depreender, com base na citação, é que urge trazer para a sala de aula, um trabalho efetivo com a multimodalidade textual para que se possa “chamar de leitor não apenas aquele que lê livros, mas também o que lê imagens” Santaella (2012, p.10). Comungamos com a semioticista Santaella porque segundo Ana Elisa Ribeiro (2016, p.43), autora do livro Textos multimodais: leitura e produção, geralmente, textos imagéticos são pouco trabalhados nas escolas e é comum que sejam percebidos apenas como “complemento” do texto escrito ou ilustração “em diálogo” com esse texto. O mesmo procedimento ocorre quando são usados nas aulas de língua materna gráficos, mapas e infográficos. Conforme a autora, a leitura das representações visuais “é fundamental não apenas para a obtenção de informações, mas também para que decisões mais conscientes possam ser tomadas” Ribeiro (2016, p. 45) pelo leitor. Sendo assim, acreditamos que ao ensinar o aluno a ler múltiplos códigos, nos diversos suportes que estão presentes socialmente, e não diferentemente nos LDP, ferramenta ainda muito presente no contexto escolar, permite-se que o educando adquira e desenvolva competências distintas de leitura que

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são indispensáveis para a formação do cidadão que fará leituras menos ingênuas e mais críticas sobre o mundo que vive e atua, o que pode contribuir para desmitificar diversos mecanismos de exclusão social. Mas afinal, imagem é para ver ou para ler? As imagens podem ser compreendidas e interpretadas de diferentes maneiras por indivíduos distintos. Ou seja, cada pessoa atribui-lhes sentidos de uma forma particular. Essas formas diferentes de compreensão e interpretação acontecem, tendo em vista os conhecimentos de mundo que cada um de nós possui e que são acionados no momento de atribuir sentidos a diferentes linguagens como as verbais e as não verbais. Porém essas formas distintas de compreensão e de interpretação por parte de diferentes pessoas, seja na leitura de uma imagem e mesmo de um texto literário, que é repleto de plurissignificação, não pode ser aleatória, porque, no objeto da leitura, há elementos que conduzem o leitor à construção da significação daquele objeto. Mesmo que essa construção se dê de maneiras diferentes, haverá pistas nos textos – verbais ou não verbais – que conduzirão os leitores a determinada significação. Uma imagem (desenho de naturezas diversas, fotografia, pintura artística, escultura, entre outros tipos), assim como a linguagem verbal, pode suscitar em nós reflexões sobre temas aos quais aludem, desde que consigamos compreender o que “dizem”. Por esse motivo, a escola, deve ensinar seus alunos a ler textos não verbais, sejam estes gêneros predominantemente imagéticos (ou visuais), sejam gêneros mais multimodais, tal como ensinamos a ler textos verbais. Entretanto, acreditamos que para que ampliemos essa concepção de que textos visuais são objeto de leitura seria pertinente que professores e autores de livros didáticos dessem mais importância à leitura de imagem nos processos de ensino. É relevante que se tenha mais infor100


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mações teóricas sobre as perspectivas que a imagem recebeu ao longo do tempo por diferentes áreas do conhecimento como é o caso da perspectiva da Semiótica Social a qual daremos enfoque neste trabalho, como mencionado anteriormente. Deste modo, respondendo já à pergunta que intitula esta seção, podemos dizer que imagem é para ver e para ler, uma vez que ela não serve apenas como objeto de observação ou de contemplação num dado gênero textual, mas também pode suscitar como objeto de leitura num processo interativo. Na seção a seguir, com base na Teoria da Semiótica Social, discorreremos sobre a relação interativa entre os modos semióticos da metafunção Textual/ Composicional em gêneros textuais.

A IMAGEM NA PERSPECTIVA DA SEMIÓTICA SOCIAL Os autores da Gramática do Design Visual, Gunther Kress e Theo van Leeuwen ([1996], 2006), apontam, nas páginas iniciais do livro, o contexto em que a Semiótica Social emergiu, como terceira escola semiótica, do final do século passado. Mas, afinal o que é Semiótica Social? Qual a tarefa do semioticista social? Para Dionísio (2014, p.47-48), a tarefa do linguista ou semioticista social é apresentar os sistemas de escolhas e as possibilidades do uso de diferentes modos. Baseada em um dos autores da GDV, van Leeuwen, que afirma que “não deveríamos perguntar o que é Semiótica, mas sim que tipo de atividade é a Semiótica, ou ainda, o que faz um semioticista.” A autora nos mostra as três propostas elencadas por ele sobre o fazer de um semioticista:

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(i) coletar, colecionar e catalogar sistematicamente, inclusive com suas histórias, os recursos semióticos; (ii) investigar como os recursos semióticos são usados em contextos institucionais, históricos, culturais específicos e como as pessoas falam sobre os recursos nestes contextos (ou seja, como planejam, ensinam, justificam, criticam etc.) e (iii) contribuir para descobrir e desenvolver novos recursos semióticos e novos usos dos recursos existentes. (DIONÍSIO, 2014, p.47-48)

O que se percebe, com base no excerto acima, é que o foco da Semiótica Social não tem como limite apenas o texto visual, e sim o processo interativo num dado gênero entre diferentes modos semióticos para produzir sentido. Assim, com a finalidade de que entendamos em que contexto histórico a Semiótica Social surgiu, os autores discorrem sobre o tema nas páginas iniciais da Gramática do Design Visual e sobre as outras escolas semióticas que os antecederam. Posteriormente, apontam-nos em quais pressupostos se embasaram para criar a Teoria da Semiótica Social. A Semiótica Social foi a terceira escola que se desenvolveu no final do século passado. Surgiu na Austrália, no final dos anos 1980, e teve como principal fundamento os pressupostos estabelecidos pela Linguística Crítica. Esta, por sua vez, assenta-se na proposta da Gramática-Sistêmico-Funcional (doravante GSF), de Michael Halliday, que busca sistematizar métodos adequados para análise e compreensão do sistema linguístico –, sendo a língua um dos modos semióticos que cumpre propósitos sociais – no qual elegemos nossas escolhas, em razão do contexto social em que estamos inseridos. Estes pressupostos linguísticos são empregados no processo de comunicação e representação. O autor da GSF enfatiza que a sua “Gramática vai além de regras formais de correção. É que ela é um meio de representar padrões de experiência que permite aos humanos construir quadros mentais da reali-

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dade, para dar sentido a experiências do que se passa ao seu redor e dentro deles.”2 (HALLIDAY,1985, p.101 apud KRESS; LEEUWEN, 2006, p. 2). Ao compreender a linguagem como um modo semiótico que tem propósitos sociais, Michael Halliday instituiu a noção de metafunção e as denominou: ideacional, interpessoal e textual – metafunções que são aplicáveis a todos os modos semióticos e não especificamente à fala e à escrita. Embasados, nas ideias de Halliday – que estiveram, originalmente voltadas para o sistema linguístico – os teóricos Gunther Kress; Theo van Leeuwen produziram a Gramática do Design Visual 3([1996]2006) que amplia para outros modos de comunicação o que antes se restringia ao sistema linguístico. Os autores da GDV nos dizem que essa gramática é diferente das outras, pois: [...]descreve um recurso social de um grupo particular, o seu conhecimento explícito e implícito sobre este recurso, e seus usos nas práticas desse grupo. Em segundo lugar [...] é uma gramática bastante geral, porque precisamos de um termo que possa abranger pintura a óleo, bem como layout de revista, bem como histórias em quadrinhos, bem como o diagrama científico.(KRESS; LEEUWEN, 2006, p. 3)4

2. Grammar goes beyond formal rules of correctness. It is a means of representing patterns of experience... It enables human beings to build amental pictures of reality, to make sense of their experience of what goes on around them and inside them. (HALLIDAY,1985, p.101 apud KRESS; LEEUWEN, 2006, P. 2). 3. Título original: Reading Images: The Grammar of Visual Design. 4. We might now ask, ‘What is our” visual grammar” a grammar of?’ First of all we wold say that it describe a social resource of a particular group, its explicit and implicit knowledge about this resource, and its uses in the practices of that group. Then, second, we would say that it is a quite general grammar, because we need a term that can encompass oil painting as well as magazine layout, the comic strip as well as the scientific diagram. (KRESS; LEEUWEN, 2006,P. 3). 103


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Percebemos, nas informações dos autores, que houve ampliação das ideias em relação aos conceitos pressupostos da GSF, já que os textos são construtos multimodais e que trazem em sua estrutura escolhas específicas de seus produtores. A gramática proposta por eles visa detalhar como se dão esses modos nos processos de comunicação – assim como fez Halliday, no sistema linguístico – para que possamos ler textos que trazem linguagens diferentes e misturam diferentes modos como palavras, imagens e outros recursos semióticos. Vejamos no esquema a seguir os aspectos que relacionam a GSF e a GDV:

Figura 1. Fonte: A gramática visual (FERNANDES; ALMEIDA, 2008 apud Dionísio, 2014)

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Desta forma, vemos que a GDV procura fornecer registros das estruturas composicionais que vêm se modificando em convenções na Semiótica Social, ao investigar como essas estruturas são empregadas por produtores contemporâneos que fazem uso de diversos modos semióticos que objetivam produzir sentidos. Além disso, é importante salientar que ao apresentar mais de uma modalidade semiótica, na produção de gêneros textuais, o que se percebe é que a predominância do código escrito tem diminuído significativamente nos últimos tempos e que a variedade de semioses – ilustrações, fotos, gráficos, aliados à cor, ao tipo de papel, à diagramação da página, dentre outras semioses – têm crescido consideravelmente. E por que a escolha desses modos é importante? Certamente, porque, quando se almeja comunicar alguma coisa a alguém, espera-se que esse alguém entenda o que queremos informar, logo fazemos uso de diferentes modos para que o nosso objetivo comunicacional seja alcançado. Sendo assim, podemos inferir que “[...]ser iletrado em linguagem visual denuncia vulnerabilidade social e baixo empowerment5 do sujeito” (VIEIRA, 2015, p.43). Ou seja, o letramento visual, no mundo contemporâneo, é decisivo, já que as formas de comunicação vêm mudando e os sujeitos têm feito escolhas específicas através dos modos comunicacionais. E essa seleção acontece porque, certamente, sabemos que apenas um modo semiótico não é capaz de alcançar o efeito esperado na produção do gênero textual desejado. Além disso, para que essa comunicação seja eficiente, deve-se levar em consideração não só as finalidades do produtor do texto, mas também as do nosso hipotético leitor.

5. Empowerment: (trad.) empoderamento s.m. ato, processo ou efeito de dar poder a alguém ou a um grupo, ou de alguém ou um grupo tomá-lo [ETM:ING.; Empowerment ‘dar poder a alguém’]. HOUAISS, Dicionário Conciso/ Instituto Antônio Houaiss, organizador; [editor responsável Mauro de Salles Villar]. – São Paulo: Moderna, 2011, p.340. 105


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As metafunções de acordo com a GDV As metafunções, para funcionar como um sistema completo de comunicação visual, como todos os modos semióticos, têm que servir a vários requisitos de representação e comunicação. Por isso, Kress; van Leeuwen ([1996] 2006) adotaram a noção teórica de ‘metafunção’ dos trabalhos de Michael Halliday para esta finalidade. As três metafunções são a ideacional, a interpessoal e a textual; elas servem também a todos os modos semióticos, e não especificamente à fala e à escrita. (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006, p.41-42). Salientamos que, em nossa análise nos deteremos em como se apresentam os pressupostos da metafunção Textual/Composicional de acordo com a GDV. A metafunção textual/composicional Esta metafunção é responsável pelos elementos visuais do texto na composição do todo imagético, por isso ela abrange a metafunção Ideacional/ Representacional, a metafunção Interpessoal/Interacional e a metafunção Textual/Composicional, gerando uma relação harmônica entre elementos do texto. A metafunção Textual/Composicional está subdividida em valor da informação, saliência e enquadramento. Para os autores da GDV: Qualquer modo semiótico tem que ter a capacidade de formar textos complexos com sinais que sejam coerentes tanto internamente quanto externamente, com o contexto em que foram produzidos. Aqui, também, a gramática visual faz com que uma série de recursos disponíveis como composição diferente, permitam a realização de diferentes significados textuais. (KRESS; LEEUWEN, 2006, p.43 )

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Percebemos que, a metafunção Textual/Composicional faz referência ao significado de representação e interação dos modos na imagem. Nela, três sistemas estão inter-relacionados, como já citados anteriormente: 1. O valor da informação - é a colocação de elementos participantes e sintagmas que se relacionam entre si e o espectador, dotando-os com valores informativos específicos, associados à zona da imagem: esquerda (dado/ algo que o interlocutor já conhece) e direita (novo/ algo ainda não conhecido do interlocutor), superior (ideal/ algo que poderia ser) e inferior (real/algo já conhecido do interlocutor), centro (núcleo da informação) e margem (elementos subordinados ao centro da imagem), já que as posições em que os elementos visuais se encontram são significativas. 2. A saliência - são os elementos participantes, bem como sintagmas de representação e interativos. Os elementos visuais, como o tamanho das imagens, são feitos para atrair a atenção do espectador em graus diferentes, realizado por fatores tais como: a colocação em primeiro ou segundo plano, o tamanho relativo, contraste e valor dos tons e das cores, os níveis de nitidez que são importantes para estabelecer hierarquia entre os elementos visuais etc. 3. A estrutura - é a presença ou ausência de dispositivos – framing –, que criam linhas divisórias ou linhas de estruturação e que são relevantes para conectar ou desconectar elementos da imagem. Essas linhas podem contribuir para que o leitor perceba o valor significativo delas como pertencentes ou não ao todo do texto.

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Depois de apresentarmos os três sistemas que se inter-relacionam na metafunção Textual/Composicional, procederemos à análise da atividade de pré-leitura do exemplar do gênero imagético fotografia e a relação temática deste com os contos psicológicos presentes na seção de leitura do LDP Para viver juntos: português, 9º ano: ensino fundamental e se as propostas para a leitura de imagens na atividades de pré-leitura favorece a compreensão leitora proficiente, por parte dos estudantes, do gêneros imagéticos apresentado no LDP para o ensino de leitura.

LEITURA DE IMAGEM EM SEÇÃO DE PRÉ-LEITURA EM LDP: resultado de uma análise A seção de pré-leitura do capítulo 1, em análise, do LDP supracitado, constitui-se de um exemplar do gênero imagético fotografia. Este exemplar é uma montagem (2007) do trabalho do artista plástico Vik Muniz6, brasileiro, radicado em Nova York, que procura, através de sua arte, fazer experimentos com materiais “inusitados e novas mídias”. Sua técnica busca, por meio de imagens icônicas, conferir a estes materiais – algodão, açúcar, chocolate e até lixo – novas significações.

6. “[...] Vik Muniz questiona e tenciona os limites da representação. Apropriando-se de matérias-primas como algodão, açúcar, chocolate, e até lixo, o artista meticulosamente compõe imagens icônicas e lhes repropõe significações. O objeto final de sua produção mais conhecida atualmente é a fotografia, mas sua obra já transitou pelo tridimensional, pelo desenho e até pela escultura”. (http://teoriaecriticadaartebrasileira. blogspot.com.br/. Acesso em: 05/11/2016). 108


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Figura 2. Fonte: MARCHETTI, Greta. Para viver juntos: português, 9º ano: ensino fundamental / Greta MARCHETTI, STRECKER, Heidi, CLETO, Mirella L. – 3 ed. –São Paulo: Edições SM, 2012, p.10-11.

Vemos que a imagem em análise, da atividade de pré-leitura (cópia cromogênica digital de 101,60cm x 135,90cm), é uma releitura do artista sobre a obra do pintor Pieter Bruegel7 (século XVI), Torre de Babel8, 1563, que se encontra exposta no Museu Kunsthistorisches, em Viena, Austrália. (MANUAL DO PROFESSOR, p. 22). Salientamos também que o título

7. Exemplar original da The Tower of Babel (1563), de Pieter Bruegel, obra exposta no Museu Kunsthistorisches, em Viena, Austrália. https://www.google.com/culturalinstitute/beta/asset. Acesso em: 24/12/16. 8. ba.bel s.f.1 confusão de línguas. 2 p.ext. confusão de vozes[...] 3 p. ext. movimentação barulhenta de pessoas; balbúrdia[...] [ETIM: top. bíblico Babel] (HOUAISS, 2011, p.106). 109


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original da obra de Muniz é: Gordian puzzle: the tower of Babel, after Pieter Bruegel (Quebra-cabeça górdio: a torre de Babel, sobre Pieter Bruguel). Enfatizamos isto, porque acreditamos que, para melhor compreender esta obra do artista brasileiro – e a relação desta com os contos psicológicos que vêm posteriormente na seção de leitura –, é importante que o leitor compreenda a expressão nó górdio9, presente no título e que pode significar “dificuldade em determinada questão”, “um assunto complicado”, “problema aparentemente sem solução”. É pertinente saber ainda que a expressão remete ao camponês Górdio, que: [...] se tornou rei da Frígia graças à profecia do oráculo: o futuro rei chegaria numa carroça. Após ser coroado, Górdio dedicou à divindade do oráculo a carroça, para isso amarrando-a com um nó, o “nó górdio”. Quem conseguisse desatá-lo conquistaria toda a Ásia. Ninguém o desatou. Mas Alexandre Magno, após fracassar nessa mesma tentativa, cortou-o com sua espada e depois disso espalhou seus domínios sobre a Ásia. (MANUAL DO PROFESSOR, p.22)

Sendo assim, com base na citação, acreditamos que o texto imagético de Muniz, proposto para a atividade de pré-leitura, que apresenta a imagem de peças de um quebra-cabeça, não encaixadas, e sim sobrepostas, que dão

9. Exemplar de um Nó górdio: http://entreasbrumasdamemoria.blogspot.com.br/2015/11/o-no-gordio. html. Acesso em: 04.01.17. 110


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forma à imagem da Torre de Babel10, vise estabelecer relação de sentido com os contos psicológicos que virão posteriormente, na atividade de leitura, já que as temáticas, apresentadas nos respectivos textos são aparentemente “problemas sem solução”, ou seja, essas temáticas seriam, metaforicamente, espécies de “nós górdios”. Assim, para construir a base da análise da seção de pré-leitura, procederemos à apreciação dessa fotografia, sob a ótica dos três princípios da metafunção composicional/textual na composição do todo imagético propostos pela GDV – valor da informação, saliência e estrutura. Na sequência, analisaremos também a relação desta com os textos da seção de leitura. Vejamos a imagem:

10. A Torre de Babel é um dos contos mais interessantes da história da humanidade. Segundo, a narrativa, a torre teria sido construída porque os homens queriam alcançar os deuses, entretanto estes não gostaram da soberba dos homens e a derrubaram. Acredita-se que a existência da Torre de Babel teria sido citada pela primeira vez no Antigo Testamento, no livro dos Gêneses. De acordo com este livro, a torre teria sido construída – entre os rios Tigres e Eufrates – pelos descendentes de Noé, num período em que só havia uma língua no mundo. Mas, ao perceber a soberba dos homens, em alcançar o mundo dos deuses, Deus ficou furioso e resolveu castigá-los causando uma grande ventania, derrubando a torre e espalhando-os sobre a Terra. Logo, os eles começaram a falar de diferentes formas, o que causou uma grande confusão, já que passaram a não se entenderem mais. Sendo assim, provavelmente, essa história mitológica tenha sido a forma que a humanidade encontrou, naquela época, para justificar a existência de tantas línguas no mundo. http://www.infoescola.com/civilizacao-da-babilonia/torre-debabel. Acesso em : 04.01.17. 111


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Figura 3. Fonte: MARCHETTI, Greta. Para viver juntos: português, 9º ano: ensino fundamental / Greta MARCHETTI, STRECKER, Heidi, CLETO, Mirella L. – 3.ed. –São Paulo: Edições SM, 2012, p.10.

Inicialmente, vemos que o texto imagético produzido pelo artista plástico apresenta como enfoque principal – valor da informação – a imagem da torre, que é relativamente central e ocupa verticalmente quase que o todo da fotografia – o que indica que ela é o núcleo da informação. Vemos, ainda, em algumas peças do quebra-cabeça (lado esquerdo/ base) uma figura humana (imagem confusa) com uma roupa amarela, além de partes do corpo de outras pessoas (podem ser cabeças, especificamente). Abaixo, mais uma vez, um recorte da imagem citada:

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Figura 4. Fonte: MARCHETTI, Greta. Para viver juntos: português, 9º ano: ensino fundamental / Greta MARCHETTI, STRECKER, Heidi, CLETO, Mirella L. – 3.ed. –São Paulo: Edições SM, 2012, p.10.

Vê-se que o leitor é levado a fazer especificamente esta leitura do texto, tendo em vista a sobreposição das partes do quebra-cabeça, que cria um caos visual, o que provavelmente pretende ser uma analogia à confusão das línguas do conto A Torre de Babel. Conforme postula a GDV, elementos de um texto imagético que aparecem na parte inferior (no caso, as pessoas) representam a realidade. Já os elementos imagéticos que aparecem na parte superior representam a idealização (no caso, topo da torre). Ou seja, as pessoas que estão na base da torre, algumas das quais destroçadas, representam a realidade. Parecem querer alcançar o topo, onde estariam os deuses (a idealização), que seria algo impossível. Quanto à saliência, é possível perceber a concretização desse princípio nos diferentes tamanhos dos elementos visuais. No texto em questão, temos a torre, imagem central (em tamanho maior), formada por peças de um 113


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quebra-cabeças (em tamanho menor). Essa organização visa atrair a atenção do espectador conforme os modos semióticos aparecem no todo do texto (em primeiro plano/ as peças do quebra-cabeça; e em segundo plano/ a torre). Há também os contrastes tonais e cores que estabelecem graus hierárquicos entre os elementos visuais. Neste texto, as cores das peças do quebra-cabeça são mais escuras (na base/mundo real) e apresentam tons mais claros (topo/ mundo ideal), estabelecendo hierarquia entre os elementos visuais. A escuridão, em geral, é algo não desejável. Já a claridade seria o desejável. Quanto à estrutura (framing), concretiza-se por meio da presença ou da ausência de elementos que criam linhas divisórias, pois servem para fazer a conexão ou desconexão de elementos visuais com o restante do texto. No caso deste (observemos as setas em destaque na imagem), percebe-se uma linha divisória entre o topo e a base do texto imagético, o que lhes configura valor significativo como pertencente ou não ao todo do texto. Vejamos, mais uma vez, o recorte da imagem:

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Figura 5. Fonte: MARCHETTI, Greta. Para viver juntos: português, 9º ano: ensino fundamental / Greta MARCHETTI, STRECKER, Heidi, CLETO, Mirella L. – 3.ed. –São Paulo: Edições SM, 2012, p.10.

Percebe-se que a fotografia que constitui essa atividade de pré-leitura está estruturada por meio de um jogo de oposições que confronta o real e o ideal (base e topo). Esse jogo é estabelecido, principalmente, pelos princípios da saliência e da estrutura, que envolvem as dimensões dos elementos gráficos (maiores e menores), tons de cores (mais claros e mais escuros), além da demarcação dos limites entre o real e o ideal por meio de linhas divisórias. Em relação à composição da atividade de pré-leitura, ela se organiza de modo a cumprir a metafunção Textual/Composicional proposta pela GDV, tendo em vista que os elementos que a compõem, como um todo, estão dispostos entre si dentro de um espaço, em termos de localização, nos sentidos esquerda/direita, topo/base, centro/margem o que, evidentemente, lhe confere significados específicos. Além disso, a leitura desse texto multimodal é orientada no eixo horizontal, da esquerda para a direita, fazendo 115


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com que o indivíduo o leia de uma forma específica, o que agrega valores pertencentes à cultura ocidental, já que o olhar do espectador é levado a observá-lo nessa direção. Compreender-se, ainda, que o texto imagético (a fotografia) apresenta-se de forma quase que centralizada – Valor da informação – entre as duas páginas da atividade apresentada no livro didático em análise. Logo, acima da página (topo), à esquerda (dado), vê-se o nome do gênero que será objeto de estudo nas atividades do eixo de leitura; à direita (novo) espaço em que aparecem informações novas, encontra-se a seção ‘O que você vai aprender’, cujo nome surge num espaço de fundo alaranjado, em que se apresentam, com letras em fontes diferentes (nas cores preto e branco), os assuntos que serão estudados na seção. Observemos novamente o texto da atividade proposta:

Figura 6. Fonte: MARCHETTI, Greta. Para viver juntos: português, 9º ano: ensino fundamental / Greta MARCHETTI, STRECKER, Heidi, CLETO, Mirella L. – 3.ed. –São Paulo: Edições SM, 2012, p.10. 116


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Quanto à saliência, é possível observar que há, registrado em letra de fonte maior, o número do capítulo. Nessa parte superior da página, as letras e o número se destacam do fundo vermelho por aparecerem em cores claras. A cor do fundo funciona como delimitador entre a parte que informa o nome do gênero e o número do capítulo, da parte em que aparece a atividade propriamente registrada sobre um fundo branco. Este projeto gráfico, aqui apresentado, define a funcionalidade de cada “bloco informativo” como o texto base, a explicitação dos tópicos que serão estudados e as questões propostas para a pré-leitura. Quanto à estrutura, de acordo com a GDV, a atividade apresenta linhas divisórias bem definidas, que denotam uma certa distinção entre os elementos que separam o gênero imagético do restante do texto. Essa organização se repete em todas as atividades de pré-leitura desse LDP, possivelmente para atender ao projeto gráfico deste, que concebe e vê relevância em contemplar novas modalidades que vão além dos limites do código verbal para ampliar a competência leitora dos estudantes. Este projeto gráfico, aqui apresentado, define a funcionalidade de cada “bloco informativo” como o texto base, a explicitação dos tópicos que serão estudados e as questões propostas para a pré-leitura. Já em relação à atividade propriamente dita, além do exemplar do gênero fotografia, que aparece à esquerda da página, a atividade apresenta 7(sete) questões (há questões de 1 a 5, sendo duas destas desdobradas em dois subitens, ‘a’ e ‘b’; por isso consideramos 7) organizadas à direita da página – registradas sobre fundo azul – que orientarão a análise, por parte dos estudantes, desse texto imagético. Do lado direito, espaço reservado a informações novas (inaugurais, não conhecidas), há perguntas que servirão para nortear uma conversa dirigida entre o professor e os estudantes na pré-leitura.

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Quanto ao caráter multimodal do layout e à disposição dos elementos que o compõem – recursos combinados que aparecem para atrair a atenção do leitor, como as cores, os ícones e o tamanho das letras – provavelmente, objetivam chamar a atenção para aquilo que o autor considera relevante para gerar significados e ampliar a compreensão do leitor. Tudo isso pode se dar através de arranjos desses elementos visuais e elementos linguísticos, como, por exemplo, o título Conto psicológico, que apresenta uma fonte diferente na cor branca e que está num fundo vermelho; o título da conversa dirigida Converse com os seus colegas, que aparece em letras brancas sobre um sombreado azul e que se destaca num fundo branco. Acreditamos que a intenção de quem produz esse tipo de layout seja captar a atenção de quem o lê, já que se cria hierarquia, grau de importância entre o que está sendo lido, uma vez que estes elementos – visuais e linguísticos – imbricados são fundamentais para o todo significativo do texto multimodal, em comparação aos demais textos, quando estritamente escritos. Das 7 (sete) questões apresentadas para nortear a análise da fotografia acima descrita e comentada, todas solicitam dos estudantes a observação da imagem. As questões 1 e 3 (1. “Qual é o material utilizado para compor a imagem ao lado?”; “3. Que sensações a sobreposição das peças de maneira irregular, resultando nessa imagem, pode causar no espectador?”) objetivam levar os estudantes a perceberem que a imagem é composta por peças desalinhadas de um quebra-cabeça e a refletir sobre possíveis sensações que a imagem pode provocar em quem a vê. Vemos que as questões propostas levam os estudantes a observar um importante aspecto na composição da obra. Essa estrutura fragmentada, proposta por Vik Muniz, no formato de um quebra-cabeças, faz alusão, provavelmente, ao conto Torre de Babel, tendo em vista que permite que se veja algo confuso. De acordo com a nota de roda pé nº18, “os homens começaram a falar de diferentes formas, o que causou uma grande confusão, já que passaram a não se entenderem mais”. 118


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Assim, a desconstrução e a desordem provocadas nos contos supracitados, nos capítulos 1 e 8 da seção de leitura, remetem-nos à leitura de imagem da pré-leitura. Esses aspectos são importantes e devem ser percebidos pelo leitor. Já a questão 2 (“Você sabe dizer o que a imagem representa?”) pode contribuir para o acionamento de conhecimentos prévios dos alunos. Porém, em 4 (“A fotografia ao lado é de uma montagem de 2007 do artista plástico brasileiro Vik Muniz, intitulada Gordian puzzle: the tower of Babel, after Pieter Brugel (Quebra-cabeça górdio: a torre de Babel, sobre Pieter Brugel), 4a) Você sabe o que é um nó górdio? E o que seria um quebra-cabeça górdio?”), temos uma questão bastante específica que, a nosso ver, questiona os alunos sobre uma expressão que, provavelmente, eles não conhecem, fato que, em princípio, poderia impossibilitar uma possível relação entre os textos das duas seções (de pré-leitura e de leitura). Entretanto, como se trata de um diálogo a ser estabelecido em aula, com a ajuda do professor, cremos que o docente tem uma grande oportunidade de ampliar a construção do conhecimento de seus alunos e levá-los ao sentido pretendido para resolução da questão de maneira significativa. Vemos que esta oportunidade, pode ser, na verdade, um dos motivos que fazem com que as autoras sugiram ao docente, no Manual do professor (p.22) que, antes de iniciar a compreensão textual, informe aos alunos quem foi Górdio, para que estes possam compreender o que é um “nó górdio”. Julgamos, ainda, que, se a expressão supramencionada aparece de modo isolado e questões que orientem o levantamento de hipóteses, isso pode ser insuficiente tanto para a compreensão da complexidade da questão, quanto para estabelecer relação de sentido com os textos que se seguem, uma vez que “nó górdio” serve para designar problemas que aparentemente parecem não ter solução, tema este que coincide com os temas dos contos psicológicos apresentados na seção de leitura. É importante salientar também que o tipo de questão proposta em 4a é considerado por Marcuschi (2008, p. 272) como questão subjetiva. Para esse 119


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estudioso, quanto a essas questões “[...] é bom ter presente que os alunos se sentem comprometidos com o paradigma da escola e às vezes dizem o que imaginam que vai agradar à professora.” Logo, diferentes respostas devem ser aceitas pelo professor porque as perguntas se apoiam em um critério de subjetividade, de opinião baseada em crenças pessoais. Em relação à questão 4b (Como é possível o observador “desvendar” a imagem?) e 5b (Quanto ao espaço observado na montagem, o que é possível observar?), a nosso ver, contribuem para que os estudantes leiam a imagem, o que é positivo, pois demonstra que a imagem é tratada como texto, mas possibilitam também diferentes respostas, que devem ser aceitas como corretas pelo professor, uma vez que, em se tratando de leitura de imagem ou mesmo de textos verbais, podem ocorrer diferentes percepções acerca de uma mesma obra. Para Marcuschi (2008, p.272), esses tipos de perguntas que possibilitam diferentes respostas, “exigem conhecimentos externos ao texto e só podem ser respondidas com base em conhecimentos enciclopédicos”. Ou seja, a interpretação vai depender muito do conhecimento prévio e da experiência cultural de cada leitor. Em relação à questão 5a (Você acha que o artista brasileiro, ao produzir uma obra muito semelhante à de cinco séculos atrás, conseguiu “driblar” o tempo?), consideramos que esta tem potencial para levar o estudante a compreender que ler pressupõe a interação entre sujeitos mediada pelo objeto da leitura. Dizemos isso porque essa questão leva o estudante a refletir sobre os possíveis objetivos do autor da obra, ou seja, chama a atenção para o fato de que o leitor não está sozinho nessa ação; ele está em interação com o produtor da obra. Embora haja a informação das autoras para o professor – em azul, no rodapé da página da atividade de pré-leitura – “[...] com esta atividade é possível levantar hipóteses, verificar conhecimentos prévios, antecipar características sobre o gênero a ser estudado no capítulo e instrumentalizar os

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alunos para a leitura de imagem [...]” (p.11), e no conjunto de questões haja itens que possibilitam predições e o acionamento de conhecimentos prévios, tal como as autoras informaram que haveria, o que se observa é que estas questões exploram pouco a constituição da imagem e, a nosso ver, podem, até colaborar para a compreensão dos recursos usados na construção dos sentidos no texto imagético, entretanto não o fazem de modo suficiente, ou seja, há aspectos para os quais a atividade poderia ter chamado a atenção dos estudantes (cores, localização de itens no espaço da imagem, por exemplo), o que poderiam ajudar os estudantes a conhecer, de maneira mais objetiva, que aspectos devem ser observados num processo de leitura de imagem. Por isso, acreditamos que a exploração mais efetiva da metafunção Textual/Composicional proposta pela GDV contribuiria mais para a compreensão do todo imagético. Entretanto, apesar de não haver uma exploração explícita desta metafunção, já se vislumbra uma forte tendência das autoras deste LDP para na abordagem, uma vez que, ao sistematizar algumas questões relacionadas à imagem – o que consideramos de grande importância para a compreensão leitora dos estudantes neste tipo de atividade –, levam o leitor a perceber a importância de alguns elementos constitutivos da imagem (questões 1 e 3), que, com a ajuda do professor, podem ser relacionados com os textos verbais da seção de leitura, o que, como já dissemos anteriormente, contribuir para a compreensão desses textos verbais. Vejamos uma análise breve dos contos supramencionados: Em ‘Restos de Carnaval’, o tempo interior da narradora rememora, por uma ótica nostálgica, os carnavais e dá ênfase ao único com fantasia de sua infância. Além disso, traz para o tempo presente um conflito vivido numa época em que a narradora teve a experiência dolorosa de estar entre a alegria do carnaval e a tristeza pela doença de sua mãe. Uma criança que se sente assustada, e ao mesmo tempo deslumbrada por esse universo de festa e

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fantasia, o que acarreta em uma carga emocional enorme para ela. Na época, ela desejava muito uma fantasia para brincar o carnaval e foi agraciada com uma fantasia de rosa, feita do papel crepom que restou da fantasia de uma amiga dela. Feliz com a fantasia, desencantou-se quando, já vestida de rosa, sua mãe piorou e ela teve que ir às pressas comprar remédio para a mãe numa farmácia, em meio aos confetes e serpentinas que enfeitavam as ruas. Assim, a narradora-personagem entra num conflito doloroso. Ou seja, ao mesmo tempo em que deseja muito participar ativamente da alegria da festa, acha-se impedida de vivenciá-la pela dor de sua mãe. E, quando consegue alcançar o que deseja, já não sente o mesmo ânimo de antes, quando tanto desejava uma fantasia de carnaval. Já em Eu estava ali deitado, Vilela induz o leitor a ler o conto no ritmo do fluxo de pensamento de Carlos, o protagonista da história. O que se percebe, também, é que o conto psicológico supracitado objetiva apresentar ao leitor um sentimento de tristeza que perpassa toda a narrativa, já que é uma desilusão amorosa a causa da amargura do protagonista. Abandonado pela amada, encontra-se o narrador-personagem sem ânimo para se levantar da cama onde está deitado e permanece quase imóvel, todavia o que contrasta com sua imobilidade física é o turbilhão de pensamentos e lembranças vividos com Míriam e que estão presentes em seu mundo interior. Ao mesmo tempo, percebe-se, ainda, que o Carlos ignora as próprias necessidades físicas, como almoçar, por exemplo, e busca fixar-se às percepções abstratas, ao observar os detalhes do mundo que o cerca, como: um vento que bate nas roseiras e entra pela sua janela, a lembrança da admiração que a sua amada sentia pelo fato dele ter zelo pelos próprios sapatos e passa a recordar, até mesmo, as fatalidades do mundo. Cremos que a relação entre o texto imagético Quebra-cabeça górdio: a torre de Babel, sobre Pieter Bruegel, da seção de pré-leitura e os textos da seção de leitura, Restos de Carnaval, de Lispector, e Eu estava ali deitado, de 122


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Luiz Vilela, dê-se pela impossibilidade da resolução de problemas e sensações vividas em tempos específicos pelos protagonistas desses contos, ou seja, espécies de “nós górdios”, como já dissemos anteriormente, uma vez que a nosso ver, a seção de pré-leitura e a seção de leitura, visam estabelecer relação temática entre si. Enquanto no texto de Muniz, o quebra-cabeça górdio representa um quebra-cabeça sem solução de montagem, dificultando desvendar a imagem da torre, os contos propostos para a seção de leitura discorrem também sobre a impossibilidade da resolução de problemas, ou de problemas sem solução. Ou seja, eles também apresentam, em suas temáticas, “nós górdios” que não foram “desatados” pelos respectivos narradores no tempo da ação, em suas respectivas épocas. Entretanto, para que aconteça a ligação entre a montagem de Muniz e os contos “Restos de Carnaval”, de Clarice Lispector, e “Eu estava ali deitado”, de Luiz Vilela, o estudo e a compreensão do exemplar do gênero imagético apresentado na seção de pré-leitura poderia contribuir para ampliar a compreensão desses gêneros textuais. Seria interessante, também, que houvesse um link mais evidente que pudesse conduzir o estudante a chegar a essa conclusão autonomamente, já que, considerando a forma de organização da seção de pré-leitura aqui descrita, provavelmente, um estudante teria dificuldade de chegar sozinho a essa compreensão sem a ajuda do professor. Por outro lado, é importante também que haja um número significativo de questões sistematizadas que orientem o docente – junto a seus alunos – a fazer uma reflexão sobre o tema e que estas questões possam conduzir o leitor a algum aspecto específico do gênero conto psicológico como já comentado por nós em outros momentos dessa análise, é preciso que o professor faça o link entre os textos propostos, já que julgamos insuficientes as informações propostas por este LDP. Isso fará, possivelmente, com que o professor leve o leitor a penetrar na atmosfera intimista dos contos, além de instigá-lo a 123


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compreender a importância do tempo e do espaço psicológicos tão presentes neste gênero textual. Assim, acreditamos que a opção pelo texto imagético e os contos tenha sido feita com o objetivo de ajudar os estudantes a ampliar a compreensão leitora e, também, levá-los a tentar “desatar os nós” que estão presentes a todo momento em nossas vidas, mas que se agigantam em fases como a infância e a adolescência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Os resultados da análise que realizamos indica que a atividade de pré-leitura, no LDP supramencionado, em alguma medida, motiva os alunos para a leitura dos textos da seção de leitura, entretanto contribui pouco para o ensino da leitura de imagens, uma vez que as atividades relacionadas a imagem nas seções de pré-leitura contemplam mais a motivação para a leitura de outros textos do que o ensino de leitura de imagem propriamente dito. Percebemos também que as atividades chamam a atenção dos estudantes para importantes aspectos dos gêneros imagéticos, no entanto não abordam suficientemente aspectos da metafunção Textual/Composicional descrita pela GDV, o que seria, a nosso ver, de alta relevância para a compreensão leitora daqueles, no mundo atual. Apesar disso, entendemos que há, na atividade proposta pelo LDP analisado, questões que têm potencial para contribuir para o desenvolvimento de competências para leituras menos ingênuas e mais críticas das imagens por parte dos estudantes. Cremos que tais questões podem ajudá-los a compreender que aspectos das imagens devem ser analisados, já que implicam possibilidades de construção de sentidos.

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Cremos ainda que, uma possível mudança nas aulas de língua materna, no que diz respeito ao ensino de gêneros multimodais pode começar na escolha dos LDP. Deve, pois, o docente atentar para aquele LD que contemple gêneros textuais que interessem e que motivem os estudantes a lerem e compreenderem textos que envolvem mais de uma semiose. Nesse sentido, os livros didáticos de português têm, em boa medida, melhorado muito nos últimos anos. Reiteramos que o exemplar analisado já expressa um avanço no que diz respeito a propostas de ensino de leitura de imagens. Com esse trabalho, as autoras desse LDP demonstram a consciência sobre a importância que essa ferramenta pedagógica – o livro didático – representa para o docente brasileiro, cuja rotina de trabalho o impossibilita, na maioria das vezes, de atuar em uma só escola, fato que também, muitas vezes, o impede de produzir seu próprio material didático. E é importante dizer que os professores acreditam em livros didáticos para poderem desempenhar suas atividades de ensino. Por isso, é bom saber que há autores cada vez mais comprometidos com as mudanças sociais e empenhados em produzir livros cada vez melhores.

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SITES CONSULTADOS Exemplar original da The Tower of Babel (1563), de Pieter Bruegel, obra exposta no Museu Kunsthistorisches, em Viena, Austrália. Disponível em < https://www. google.com/culturalinstitute/beta/asset. Acesso em: 24/12/16. Exemplar de um Nó górdio. Disponível em < http://entreasbrumasdamemoria. blogspot.com.br/2015/11/o-no-gordio.html. Acesso em: 04.01.17. Informações sobre Vik Muniz. Disponível em: <http://teoriaecriticadaartebrasileira. blogspot.com.br/. Acesso em: 05/11/2016).

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Resumo Esta pesquisa qualitativa tem como objetivo, tomando por base as questões subjetivas no quadro tipológico de Marcuschi (2008) e os conceitos da confluência da subjetividade e emoções na produção dos sentidos em Rouxel (2013), Jouve (2013) e Langlade (2013), mostrar, para além do que Marcuschi encontrou nas décadas de 80/90, como as questões subjetivas contribuem na construção dos sentidos do texto e na formação do sujeito leitor. Como corpus, analisamos as Português Linguagens (CEREJA, COCHAR 2015) e Singular & Plural (FIGUEIREDO, BALTHASAR, GOULART 2015) pelos critérios de serem as duas coleções mais escolhidas e distribuídas na rede pública nacional, segundo dados do FNDE, e por apresentarem propostas diferenciadas no trato com a interpretação de textos. Sem pretender esgotar as reflexões sobre a questão, mas estimulá-las, e sem produzir nenhum parâmetro de valoração com relação às coleções analisadas, salientamos aqui a evolução na compreensão das questões subjetivas não apenas como acessórias, mas como capazes de integrar mesmo a construção dos sentidos do texto. Palavras-chaves: Leitor; Subjetividade; Emoção; Compreensão; Identidade.


Leitura e compreensão textual nos livros didáticos: o espaço e o trato com a subjetividade nas questões de interpretação de textos Rennan de Barros Correia1

INTRODUÇÃO A história das sociedades humanas, desde suas origens, é fortemente marcada pela comunicação. Podemos afirmar que foi justamente ela (a comunicação) quem permitiu o elo necessário à sobrevivência mesmo da raça humana, interagindo como grupo num ambiente hostil. Esse processo de comunicação é longo, complexo e, grande parte dele, mediado pela palavra: falada, escrita, feita arte. A palavra moldou a história humana e foi moldada por ela. Moldou, à medida que possibilitou manter, como reservas culturais humanas, os conhecimentos das antigas gerações, já experimentados, para as gerações subsequentes, de forma que estas puderam se dedicar a experimentar outros expedientes, e assim, garantir todos os avanços (e retrocessos) que trouxeram a raça humana à contemporaneidade. E foi moldada por ela (pela história humana), quando formada por elementos simbólicos das culturas desenvolvidas nela, tendo, portanto, evolução concomitante. Chegando à realidade pós-moderna na qual nos encontramos, nunca, na história humana, se usou tanto as produções escritas para a comunicação. A utilização dos meios tecnológicos é mediada pela escrita, e a comunicação através deles também, criando sociedades gráficas. Simultânea ao

1. Aluno do PROFLETRAS (Mestrado Profissional em Letras) TURMA 4, UFPE: Recife. Professor da Rede Municipal de Educação de Caruaru-PE. E-mail: rennan_bc@hotmail.com. 129


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desenvolvimento tecnológico, a globalização abriu as fronteiras culturais do mundo nos expondo, como seres determinados socioculturalmente, a uma grande gama de possibilidades de ser, diante dessas múltiplas culturas parcialmente fundidas. Assim, nunca sentimos tanta vontade de nos expor, nunca sentimos tanta vontade de ter nossa voz ouvida, nunca imprimimos tanto sobre o mundo e as coisas do nosso aproximado ou equivocado ponto de vista, mediado por nossas emoções e subjetividade. O texto é, então, esse lugar de enunciação por excelência, instrumento portador de discursos. Com uma trama diferente da fala, com processo de elaboração próprio que permite o refazimento, a correção, a escolha de estratégias enunciativas para revelar, sugerir, esconder, o texto é um instrumento comunicativo que se põe à interpretação. Marcuschi (2008), Koch (2003, 2016), Koch e Elias (2015, 2017), Antunes (2010), adeptos da corrente sociointeracionista da língua, apresentam o texto como “opaco”, com seus sentidos revelados na interação entre os interlocutores (a saber escritor/leitor). No caso em particular do sujeito leitor, segundo os mesmos autores, ele utiliza-se das estratégias cognitiva, sociointeracionista e textual que lhe permitem sua participação (mediada pelas marcas deixadas pelo autor) nessa dinâmica dialógica de construção dos sentidos do texto. Nesse contexto, ler é um exercício que exige o aprimoramento de estratégias, o reconhecimento de gêneros textuais, a capacidade de fazer inferências. Talvez seja esse o maior desafio da escola brasileira na atualidade: estimular e aprimorar o exercício da leitura. O LD - livro didático ainda é o grande elemento norteador das práticas educativas na sala de aula país afora, às vezes o único. “Muito embora não seja o único material de que professores e alunos vão valer-se no processo de ensino e aprendizagem, ele pode ser decisivo para a qualidade do aprendizado resultante das atividades escolares.” (LAJOLO, 1996, p.4) 130


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Diante dessa prerrogativa, o PNLD (Programa Nacional do Livro Didático), tenta garantir a adequação do LD às diretrizes da educação nacional contidas nos PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais (1997). Além de garantir a distribuição dos LD em todo o território nacional, o PNLD também tem caráter avaliativo, submetendo os LD inscritos no edital a análise de critérios em eixos de leitura, escrita e oralidade. Marcuschi (2008) empreendeu uma pesquisa sobre a leitura nos LD como instrumento pedagógico, em especial as seções dedicadas à compreensão de textos, analisando várias coleções e propondo, ao final, um quadro reflexivo dos anos 1980-1990 ao qual nomeou: Tipologia das perguntas de compreensão em livros didáticos de língua portuguesa. Este quadro reflexivo construído por ele contém 9 tipos de perguntas, e servirá de base para esta pesquisa. Postulamos a leitura com participação da subjetividade e emoção na construção dos seus sentidos como elementos propulsores da promoção de formação de jovens leitores: da sala de aula para a vida. Diante deste postulado, sugerimos o acréscimo, às estratégias de leitura supracitadas, das estratégias subjetivas de construção de sentidos fundamentadas em Rouxel (2013), Jouve (2013) e Langlade (2013). Assim, analisamos, nos LD, as atividades de compreensão de textos em duas coleções, com propostas organizacionais diferentes: Português Linguagens (CEREJA 2015) e Singular e Plural (FIGUEIREDO, 2015). Ambas foram as mais distribuídas no território nacional. Da tipologia de perguntas sugerida por Marcuschi (2008), tomamos por base apenas a que ele categorizou pelo título: “Perguntas Subjetivas”, e quantificamos essas perguntas nas propostas didáticas das duas coleções, analisando os avanços no uso dessas perguntas subjetivas nas obras no tocante a produção de sentidos, em comparação com a pesquisa e quadro tipológico proposto pelo autor, e também analisando essas perguntas à luz 131


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das ideias da subjetividade e emoções na produção dos sentidos em Rouxel (2013) , Jouve (2013) e Langlande (2013).

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Tratar de questões relativas à interpretação de textos requer, antes de tudo, a compreensão do que seja um texto. De forma objetiva, Beaugrande afirma que “um texto é um evento comunicativo em que convergem ações linguísticas, sociais e cognitivas”(BEAUGRANDE, 1997 apud. MARCUSCHI, 2008, p.72). Nessa ideia de “evento comunicativo” temos evidenciada a necessidade de parceiros, coenunciadores, experimentando uma situação de comunicação. Koch (2016, p.30) vem endossar essa compreensão afirmando que um texto: se constitui enquanto tal no momento em que os parceiros de uma atividade comunicativa global, diante de uma manifestação linguística, pela atuação conjunta de uma complexa rede de fatores de ordem situacional, cognitiva, sociocultural e interacional, são capazes de construir, para ela, determinado sentido.

Tal como apontado aqui, o texto é reconhecido numa concepção interacional (dialógica) da língua, como lugar de interlocução de sujeitos ativos, coenunciadores. Os sentidos do texto são assim “construídos na interação texto-sujeitos, e não algo que preexista a essa interação”. (KOCH, 2003, p.17) A partir dessa perspectiva, é leitura é compreendida como:

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uma atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos, que se realiza com base nos elementos linguísticos presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas requer a mobilização de um vasto conjunto de saberes no interior do evento comunicativo. (KOCH; ELIAS, 2015, p.11)

Em consonância com esta linha de pensamento, temos a definição de leitura adotada pelos PCN (BRASIL 1998, p.69-70): A leitura é o processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de compreensão e interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a linguagem etc. Não se trata de extrair informação, decodificando letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de uma atividade que implica estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível proficiência. É o uso desses procedimentos que possibilita controlar o que vai sendo lido, permitindo tomar decisões diante de dificuldades de compreensão, avançar na busca de esclarecimentos, validar no texto suposições feitas.

Ainda seguindo essa lógica conceitual, Koch (2003, p.24) afirma que, para eficiência do processo comunicativo, se faz necessário que os conhecimentos dos interlocutores sejam, ao menos em parte, compartilhados. A essa ideia de conhecimentos prévios ao evento comunicativo ela chama de contexto sociocognitivo, definido como todos os “conhecimentos arquivados na memória dos actantes sociais e são mobilizados por ocasião do intercâmbio verbal”. A saber:

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• O conhecimento linguístico – compreensão acerca do código linguístico partilhado pelos interlocutores; • Conhecimento enciclopédico – também chamado de conhecimento de mundo – relativo às experiências temáticas acumuladas com a vivência sociocultural, capazes de dar sentido a experiências semelhantes. • Situacionalidade – conhecimento da situação comunicativa e suas regras. • Conhecimento superestrutural – reconhecimento dos tipos textuais. • Conhecimento estilístico – registro, variedades da língua e sua adequação às situações comunicativas. • Conhecimento de gêneros e intertextualidade – conhecimentos dos diversos gêneros e sua adequação às diversas práticas sociais e de outros textos que se inter-relacionam. Ainda segundo Koch (op.cit), a mobilização desses conhecimentos, para fins do processamento textual, se daria por meio de estratégias, aqui apresentadas em resumo: • Cognitivas – inferir, focalizar, selecionar relevâncias, etc. • Sociointeracionais – interação entre actantes permeada por regras sociais: preservação das faces, polidez, atenuação, etc. • Textuais – interação com marcas deixadas pelo produtor do texto na textualização (sinalizações, pistas). Trazer o sujeito leitor para o centro do “evento comunicativo” é dar-lhe voz, compreendido como a possibilidade de emancipar, por evocação da leitura, todas as suas construções de ordem simbólica e emocional. O 134


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texto afeta o leitor que lhe devolve, na parte que lhe cabe da construção dos sentidos, os seus afetos. Até aqui, em linhas gerais, os conhecimentos necessários ao processamento textual e as estratégias de acionamento desses conhecimentos nos permitem compreender o processo de leitura de qualquer tipo e gênero de forma geral. Contudo, há estudos e reflexões que ampliam essa implicação do leitor no processo de leitura. Nesse viés, Feres (2010, p.127) postula a necessidade do reconhecimento e adesão de uma competência extra às supracitadas: a competência fruitiva, por ela assim definida: Conjunto de práticas que o leitor deve dominar não só para perceber as sensações provocadas pelas estratégias analógicas articuladas na tessitura textual, como também para criar um “estado de aceitação favorável” a fim de deixar-se afetar interiormente pelo texto.

Essa competência fruitiva é, por vezes, relacionada apenas ao texto literário, mas Riolf (2008) escancara, amplia esse conceito, afirmando que a fruição está relacionada ao prazer da leitura, que não é obtido apenas nos textos literários, mas pode ser experimentado na leitura de qualquer texto, quando desprovido de eventuais demandas externas, como fichas de leitura e exercícios. Seria aquela leitura autônoma, escolhida, selecionada pelo sujeito leitor por gosto, por prazer, por fruição. Em se tratando da formação dos jovens leitores, tarefa exigente para os programas pedagógicos na escola brasileira hoje, acreditamos no estímulo a esse tipo leitura “persoalizada”, que implica nela o leitor, suas emoções e subjetividade, como motivadora do gosto pela leitura. Como diz Feres (2010, p. 126-127):

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Aderindo ao texto por meio das semelhanças que percebe entre sua vivência e as situações lidas, o leitor assume (em maior ou menor grau) como sua a experiência veiculada pelo texto, abrindo-se para o sentimento (ainda como ato de sentir) das Qualidades emanadas pelas analogias que constrói de acordo com seu olhar único para o mundo. (grifos do autor)

Langlade (2013), colabora com a discussão ao afirmar que o texto “vive das suas ressonâncias com as lembranças, as imagens mentais, as representações íntimas de si, dos outros, do mundo do leitor”. (p.31) Diante desses pressupostos, vale-nos ressaltar que uma atividade escolar, dedicada ao exercício das “competências leitoras” (se assim podemos chamar) por parte dos alunos (inevitavelmente atreladas ao seu gosto ou não gosto pela leitura) precisa passar também por seus marcadores subjetivos, entendidos por Langlade (2013, p.26) como “as reações que aparecem na consciência do leitor no decorrer da leitura”. A esses marcadores, nos exercícios de apropriação dos textos em atividades interpretativas, chamaremos questões subjetivas. Jouve (2013), ao tratar das inferências emocionais subjetivas no exercício da leitura, propõe que, o conhecimento de mundo (enciclopédico) precisa ser completado pelo conhecimento de si pelo leitor. Os planos afetivo e intelectual acessados no ato da leitura são afetados pela subjetividade do leitor, que atua, inclusive, na percepção das estruturas de coerência e coesão. Segundo ele, a subjetividade é implicada no processo de leitura (entendida como produção de sentidos) em dois vieses: a subjetividade necessária e a acidental. A subjetividade necessária seria aquela diretamente relacionada a participação do leitor na construção da obra, atuando nos espaços deixados pelo autor para a sua participação nesse jogo comunicativo. Por exemplo, ao mencionar um quarto no texto, o autor deixa uma brecha que é preenchida

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pelas representações subjetivas do leitor do que ele entende de quarto, emprestando ao quarto do texto cor, textura, iluminação e características da representação de quarto que ele construiu com suas experiências pessoais, cuja lembrança retorna espontaneamente na leitura. Essa subjetividade está ligada diretamente ao texto, é evocada por ele, que não lhe limita, mas sugere rumos. Esclarecendo a subjetividade acidental, ela diz: Se o leitor é, em certos momentos, conduzido pelo texto a se envolver pessoalmente na ficção, acontece-lhe igualmente colocar a subjetividade no lugar onde ela não estava prevista no texto. Às configurações necessariamente subjetivas se acrescentam configurações acidentalmente subjetivas. (JOUVE, 2013, p. 57)

Seguindo o raciocínio, Jouve (op.cit.) comenta que justamente a impressão dessa subjetividade acidental, que extrapola as solicitações do texto, arriscando inferências que não se justificam no texto, a grosso modo, é o que se denomina de leituras erradas. Entretanto, segundo ele, é justamente nesse extrapolar do texto, afastando-se dele, que o leitor revela mais de si, fazendo disso um exercício de produção da sua identidade. Talvez por isso tenha se evitado um olhar para o papel da subjetividade na prática da leitura, por acreditar-se a subjetividade como alheia, pessoal apenas, e não implicada no texto, como constituinte dos sentidos do texto. Marcuschi (2008) apresenta uma análise de exercícios de compreensão nos livros didáticos em circulação nas décadas de 1980/1990, quando analisou 25 livros do ensino fundamental, passando por todas as séries e computando exercícios num total de 2.360 questões. A partir dessa análise, ele produziu um quadro tipológico elencando as perguntas de interpretação em 9 categorias, que aqui apresentamos sem,

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contudo, fazer uma descrição detalhada: 1 - A cor do cavalo branco de napoleão; 2 – Cópias; 3 – Objetivas; 4 – Inferenciais; 5 – Globais; 6 – Subjetivas; 7 – Vale-tudo; 8 – Impossíveis; 9 – Metalinguísticas. Seguindo nessa busca, de promover um enfoque na leitura subjetiva como promotora de uma maior implicação do leitor na obra e promoção de um gosto pela leitura, fizemos um recorte analisando apenas as questões subjetivas. Segundo o quadro montado, elas correspondiam a 7,5% do total de questões analisadas. As questões subjetivas são descritas, nesse quadro, como “perguntas que têm a ver com o texto apenas de maneira superficial, sendo que a resposta fica por conta do aluno e não há como testá-la em sua validade. A justificativa tem caráter apenas externo”. (MARCUSCHI, 2008, p. 271). Diante da apresentação das questões subjetivas como alheias ao texto e a produção dos sentidos, analisamos as duas coleções mais distribuídas na rede pública brasileira no PNLD 2017, observando até que ponto essas questões subjetivas contidas nos exercícios de compreensão, diferente da noção apresentada na análise de Marcuschi, colaboram na produção dos sentidos do texto e da formação do jovem leitor.

METODOLOGIA Para dar cabo do nosso objetivo de analisar a contrubuição das questões subjetivas nos exercícios de interpretação, à luz das ideias da subjetividade e emoções na produção dos sentidos em Rouxel (2013), Jouve (2013) e Langlade (2013), para além do que encontrou Marcuschi (2008) em análise das mesmas questões nas décadas de 80/90, desenvolvemos uma pesquisa qualitativa. Minayo (2002, p. 21-22) define pesquisa qualitativa como processo que “trabalha com o universo de significados, [...] o que corresponde a um espaço

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mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis”. Para a análise dos dados, nos utilizamos da análise do conteúdo segundo Bardin (2006). Para a autora (p. 42), a análise de conteúdo consiste em: um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando a obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.

A análise de conteúdo, assim, configura-se num conjunto de técnicas de análise de comunicações que tem como objetivo enriquecer a leitura dos dados coletados através de uma análise crítica do sentido delas, inferindo sobre suas significações explícitas ou implícitas. É ainda Bardin quem sugere etapas a serem seguidas no processo de análise do conteúdo: a pré-análise; a exploração do material; o tratamento dos resultados: a inferência e a interpretação. Na etapa de pré-análise, como já citado, escolhemos as coleções Português Linguagens (CEREJA, COCHAR 2015) e Singular & Plural (FIGUEIREDO, BALTHASAR, GOULART 2015) por dois critérios nos quais ambas se encaixam: o primeiro, de serem as duas coleções mais escolhidas e distribuídas na rede pública nacional, segundo dados do FNDE2; o segundo, por apresentarem, em sua estrutura, trato diferente com a interpretação textual, um tendo as seções de interpretação e compreensão dissolvidas entre as seções de estudo da língua e outro com uma seção inteira dedicada à leitura e interpretação (caderno de práticas de literatura).

2. http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-didatico-dados-estatisticos 139


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Nossa análise (cumprindo a etapa de exploração do material) se restringe a estes recortes: na coleção Português Linguagens, às seções intituladas Compreensão e Interpretação (todas as presentes nos livros de 6º ao 9º anos) e, na coleção Singular e Plural, à seção intitulada Caderno de práticas de literatura (também os cadernos dos livros de 6º ao 9º anos). O recorte foi feito para se produzir uma análise comparativa em relação ao quadro proposto por Marcuschi (2008), intitulado Tipologia das perguntas de interpretação em livros didáticos de língua Portuguesa anos 19801990. Como já citado, este quadro tipológico apresenta 9 tipos de questões, sendo as questões denominadas subjetivas as que interessam a esta análise em específico. Cumpridas essas etapas, apresentamos abaixo os dados obtidos e analisados à luz do referencial teórico selecionado, como resultado da etapa inferência a interpretação.

Apresentação e análise dos dados Marcuschi (2008), debruçado sobre as questões de interpretação nos livros didáticos em circulação nas décadas de 1980/1990, produziu um quadro tipológico elencando as perguntas de interpretação em 9 categorias, a saber: 1 - A cor do cavalo branco de napoleão; 2 – cópias; 3 – Objetivas; 4 – inferenciais; 5 – Globais; 6 – Subjetivas; 7 – Vale-tudo; 8 – Impossíveis; 9 – Metalinguísticas. Para nós, entretanto, serão tomadas para efeito de análise as questões tipografadas como subjetivas. Abaixo, um fragmento do quadro tipológico, com explicitação do tipo e exemplos referentes às questões subjetivas conforme Marcuschi (2008):

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Quadro 1. Tipologia das perguntas de compreensão em livros didáticos de língua portuguesa nos anos 1980-19090. TIPOS DE PERGUNTAS

EXPLICITAÇÃO DOS TIPOS

EXEMPLOS

6. subjetivas

Estas P (perguntas) em geral têm a ver com

Qual a sua opinião sobre...?

o texto apenas de maneira superficial,

Justifique.

sendo que a R (resposta) fica por conta

O que você acha do...? Justifique.

do aluno e não há como testá-la em sua

Do seu ponto de vista, a atitude do

validade. A justificativa tem um caráter

menino diante da velha senhora foi

apenas externo.

correta?

Fonte: MARCUSCHI (2008, P.271).

A partir dessa definição, selecionamos as questões subjetivas nas coleções “Português Linguagens” e “Singular & Plural” e apresentamos, a seguir e nesta ordem, os dados coletados seguidos das consequentes análises. A coleção Português Linguagens repete a mesma estrutura nos livros dos quatro anos do ensino fundamental (3º e 4º ciclos) com 8 seções fixas de compreensão e interpretação em cada volume. Abaixo, apresentamos um quadro com a quantidade de questões subjetivas encontradas em cada conjunto de 8 seções de interpretação de textos. Quadro 2. Questões subjetivas distribuídas por série na coleção Linguagens. SÉRIES

SEÇÕES DE INTERPRETAÇÃO

Nº QUESTÕES SUBJETIVAS

6º ANO

8

6

7º ANO

8

2

8º ANO

8

2

9º ANO

8

5

Fonte: elaboração do próprio autor.

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Numa primeira análise, observa-se que a quantidade de questões subjetivas é inferior à uma questão por seção. Isso sugere não fazer parte da proposta dessa coleção uma interpretação com base na subjetividade como elemento produtor de sentidos como aqui sugerimos. As questões de interpretação presentes das seções analisadas têm por base o texto em si. As perguntas subjetivas aparecem pontualmente, e em número reduzido, produzindo, ou não, relações de sentido no texto. Mesmo sem oferecermos acesso aos textos analisados, por conta do espaço, apresentamos aqui algumas dessas questões, acreditando ser possível, pela proposição que fazem, analisar que a subjetividade está sendo requerida direta ou indiretamente com relação a produção de sentidos dos textos. Vejamos alguns exemplos: Ex 1: Na sua opinião, por que, diante da ameaça de que, se continuasse a se comportar mal, iam dar o passarinho, o menino resolveu soltar a ave? (6º ano, p.79) Ex 2: Na sua opinião, as crianças tinham realmente a intenção de preservar as listas? Por quê? (6º ano, p.101)

Nas duas questões tomadas como exemplo, temos a evocação de opiniões de forma a completar os sentidos do texto, numa proposta de diálogo direto entre os interlocutores: “autor-leitor” como sugerem os teóricos de uma análise textual sociointeracionista (MARCUSCHI 2008, KOCH 2003 e outros). Temos ainda referenciada o que Jouve (2013) chama subjetividade necessária, como aquelas interpelações subjetivas que incidem diretamente sobre o texto, sendo mesmo necessárias à sua produção de sentidos. Nos fragmentos seguintes, temos questões subjetivas destinadas ao que arriscamos chamar de questões genéricas. Não menos importantes que as

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questões que incidem diretamente sobre o texto, essas questões produzem pontes de análise reflexiva a partir do próprio ponto de vista, promovendo relações e ampliações conceituais, com potencial para facilitar leituras de outros textos e leituras da própria realidade do sujeito leitor: Ex 3: Na sua opinião, essas funções (cerebrais) são importantes na vida escolar? Por quê? (8º ano, p.99) Ex 4: E você, o que acha? Acha que os jovens são cruéis com os seus pais? (9º ano, p. 132)

Ainda em uma segunda análise, essas questões parecem contemplar a descrição das questões subjetivas no quadro tipológico de Marcuschi (2008, p.271): “Estas P (perguntas) em geral têm a ver com o texto apenas de maneira superficial”. Seria algo como usar o texto apenas como pano de fundo para uma interpelação de questões pessoais. Por outro lado, esse tipo de convocação a uma tomada de consciência de si a partir do texto pode parecer evasiva mas, como vimos em Jouve (2013) e Langlade (2013), não é menos útil à motivação da formação de leitores reais. Seguindo esse raciocínio conceitual, analisemos os fragmentos seguintes: Ex 5: O texto prendeu sua atenção? Você ficou motivado a ler o livro de que ele faz parte ou outras histórias do autor? (7º ano, p.219) Ex 6: E você, também teve um professor, especial, que marcou sua vida? Se sim, conte para os amigos. (9º ano, p.109)

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Estas questões, diferentes das anteriores imediatamente citadas, não produzem uma reflexão de um fato ou contexto a partir do texto, elas evocam sensações (motivação) e memórias “também teve um professor, especial, que marcou sua vida?”. Assim, viram o jogo interacional: o interlocutor leitor não produz reflexões sobre o texto apenas, mas também sobre si, o que faz da leitura de qualquer texto também uma leitura não apenas subjetiva, mas da subjetividade que se desdobra sobre ele. Para concluir este quadro de fragmentos, analisemos ainda este: Ex 7: O que você acha que o pesquisador diria? [...] O que você diria? (9º ano, p.31)

Em questões como estas, o dialogismo interacional de produção de sentidos autor-leitor como coenunciadores é levado ao extremo, quase como uma meta-análise do próprio processo. O leitor é convocado a se inserir diretamente no processo de criação, criando uma outra possibilidade de organização do texto como personagem (o que você diria?) e como autor/ produtor (o que acha que o pesquisador diria?). Tal processo metodológico afasta a leitura que trata o texto como objeto a ser analisado de modo imparcial, materializando-a e refletindo sobre ela, mesmo que indiretamente, em suas condições de produção, encarnando (se é que assim podemos arriscar dizer) o texto na materialidade pessoal, social, histórica e cultural dos seus leitores. É fato que aqui acabamos por ressaltar, em cada pergunta, o seu potencial, como questão subjetiva, segundo a ideia que postulamos: a leitura subjetiva e as emoções como produtoras de sentido e estimulantes na formação dos jovens leitores. Contudo, voltando nosso olhar para a pesquisa de referência sugerida por Marcuschi (2008), acreditamos que, nessa coleção (Português Linguagens), pela quantidade irrisória de questões subjetivas 144


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(não chegando à média de uma por seção de interpretação), que a ideia das emoções e subjetividade na produção de sentidos e fomentadora do interesse pela leitura não faz parte das linhas didáticas e metodológicas seguidas por seus autores. Suas propostas parecem estar ainda muito próximas das que nortearam a produção de livros didáticos nos anos 1980-1990, sem que as questões subjetivas tenham seu sentido valorizado como elemento constituinte dos sentidos dos textos. Seguimos com a análise da coleção Singular & Plural. Como já salientado, essa coleção segue uma proposta diferente das demais, com seus livros seccionados em três partes: caderno de leitura e produção, caderno de práticas de literatura e caderno de estudos da língua e linguagem. A priori, esta proposta de segmentação pode gerar críticas por, aparentemente, separar as reflexões da língua de sua unidade de sentido: os textos. Sobre isso, asseveram os PCN (BRASIL, 1998, p.23): Não é possível tomar como unidades básicas do processo de ensino as que decorrem de uma análise de estratos letras/fonemas, sílabas, palavras, sintagmas, frases que, descontextualizados, são normalmente tomados como exemplos de estudo gramatical e pouco têm a ver com a competência discursiva. Dentro desse marco, a unidade básica do ensino só pode ser o texto.

Nessa coleção, optamos por analisar as questões de interpretação no Caderno de Práticas de Literatura, seguindo o que parece ser a proposta da obra, que é dar aos textos literários um espaço com um trato próprio (BRASIL, 1998, p. 27) que “envolve o exercício de reconhecimento de singularidades e propriedades que matizam um tipo particular de uso da linguagem”, e por acreditarmos no papel singular da subjetividade e das emoções na análise e produção de sentidos nos textos literários.

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Analisemos um quadro geral apresentando as quantidades de questões subjetivas por série dentro do caderno de práticas literárias: Quadro 3. Questões subjetivas distribuidas por série na Singular & Plural. SÉRIES

Nº QUESTÕES SUBJETIVAS

6º ANO

51

7º ANO

23

8º ANO

26

9º ANO

9

Fonte: Elaboração do próprio autor.

Em uma primeira análise, se observarmos a questão quantitativa, a coleção Singular & Plural ultrapassa a primeira coleção estudada, fato que pode sugerir, como linha orientadora na produção da coleção, um maior grau de reconhecimento do papel das emoções e subjetividade na produção dos sentidos do texto e promoção do gosto pela leitura entre os jovens leitores. Retomando nossa análise com exemplos extraídos das obras, em todos os volumes da coleção se repete o duplo questionamento (com as devidas variações): Ex 8: Que sentimentos e sensações a leitura dele provocou: alegria, tristeza, saudade? Ex 9: Que imagens vieram à cabeça de vocês enquanto o liam? (6º ano, p.161)

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Essa proposta de comunicação das emoções e sensações se repete na interpretação de textos em vários momentos. Jouve (2013) afirma que cada um projeta um pouco de si na leitura, o que inclui emoções e imagens, que as palavras fazem surgir diretamente das experiências passadas dos leitores, de forma que a relação com a leitura não promove apenas sair de si, mas também um retorno a si. Esse retorno é inferido nas respostas dadas às questões subjetivas, e compõe o que ele chama de subjetividade acidental. Temos também, nessa busca pelo gosto no processo de leitura e produção de sentidos, o aparentemente infrutífero “gostou? Não gostou?”: Ex 10: O que você sentiu lendo esse conto? Do que mais gostou e do que menos gostou nele? Por quê? (8º ano, p.168)

Esse tipo de pergunta promove uma reflexão no jovem leitor, afora a necessidade de ler textos diversos em uma sociedade de relações mediadas pelas linguagens escritas, de se permitir descobrir que tipos de texto mais gosta de ler, sendo esse reconhecimento fundamental para sua formação de leitor. Embora aparentemente sem relação com o texto, por querer que o leitor explicite sua subjetividade em forma de gostos, esses gostos incidem sobre o texto na análise de suas partes e nos sentidos que foram construídos a partir delas. Observemos também esses exemplos: Ex 11: Como você imagina o figurino de Ciro e Cora? Que roupas usariam? Como eles seriam? Como seriam os sapatos? Ex 12: Como seriam os cabelos? Teria algum enfeite? Haveria maquiagem? Como ela seria? (6º ano, p.170)

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Essas questões intentam averiguar as construções pessoais (subjetivas) feitas pelo leitor. Sobre isso, Langlade (2013) afirma que, tomando por base o texto como algo inacabado, ele só passa a existir de fato quando o leitor lhe empresta elementos do seu universo pessoal: cenários, paisagens, traços físicos e de personalidade dos personagens (...), e que é justamente essa participação que determina a adesão do leitor à obra. A produção de sentidos, no ato da leitura, é um processo individual, posto ser praticada por um indivíduo, mas também coletiva, pela quantidade de elementos imagéticos presentes nessas representações que são aprendidas socialmente. A explicitação desses elementos de sentido com base subjetiva acaba por, também, estimular a construção da identidade pessoal e comunitária, fundamentais ao exercício da cidadania pretendida pela promoção da leitura. Continuemos: Ex 13: Para você, o que mais essa descrição lembra? (8º ano, p.149) Ex 14: E você, o que acha, porque ele estaria se sentindo assim? (8º ano, p.150)

Questões como essas se justificam na prerrogativa de que “o texto vive de suas ressonâncias com as lembranças, as imagens mentais, as representações íntimas do ser, dos outros, do mundo do leitor”, diz Langlade (2013, p.31). Sigamos nossa análise com mais um exemplo: Ex15: Com qual personagem da peça você se identificou mais? Por quê? (6º ano, p.169)

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Para refletir questões como essas, temos o que diz Jouve (2013) afirma que os mecanismos socioculturais de identificação não são inteiramente regulados pelo texto nem unicamente sobre base afetiva; os leitores, unindo esses mecanismos numa relação dual, lançam olhar sobre as personagens tentando definir sua própria identidade. Por fim, é absolutamente factível encontramos também questões onde as emoções são usadas para refletir condições de produção do texto: Ex 16: Em sua opinião, o que faz com que, apesar das explicações lógicas cabíveis, o conto cause sensações como medo e espanto? (8º ano, p.160)

Como pudemos observar, as questões de teor subjetivo nessa coleção apresentam uma relação direta com nossa proposta norteadora em Rouxel (2013), Jouve (2013) e Langlade (2013): da confluência da subjetividade e emoções na produção dos sentidos, de identificação do leitor com o processo de leitura pelo seu reconhecimento nela, das coisas e relações do seu mundo real num processo de afastamento e retorno a si. Contudo, analisando os seus pressupostos teórico-metodológicos que nortearam a produção da coleção (presentes nos livros do professor), não encontramos nenhuma referência direta aos teóricos que aqui adotamos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Parece inequívoco, e há consenso entre todos os teóricos que analisamos, que a leitura é um processo dialógico com duas bases: o interlocutor/ autor, inscrito no texto, que o projeta em marcadores textuais com fins específicos (mas não completos); e o interlocutor/leitor, que vem e preenche os espaços do texto com suas experiências prévias, conhecimentos sobre o códico linguístico, suas emoções, lembranças, desejos, projeções... Neste estudo, tomamos por base a pesquisa de Marcuschi (2008) que gerou a tipologia das perguntas de compreensão em livros didáticos de língua portuguesa. De um total de nove tipos, selecionamos apenas a que define um perfil para as perguntas subjetivas. Ele constatou que as questões subjetivas, nos livros didáticos em circulação nas décadas de 1980/1990, tocavam apenas a superfície do texto, sem uma relação direta com a produção de sentidos. À definição sugerida por Marcuschi, contrapomos um norte teórico, em Rouxel (2013), Jouve (2013) e Langlade (2013), que considera a subjetividade e as emoções como elementos constituintes da produção de sentido e fomentadoras do gosto pela leitura, diante do postulado de que esse foco subjetivo pode ser uma estimulante à formação do jovem leitor por esse processo mesmo de identificação que possibilita. Das duas coleções estudadas (por critérios de maior distribuição), para efeito de análise de dados, encontramos dois perfis bem diferentes: O primeiro, da coleção Português Linguagens, parece bem mais próximo da realidade apresentada nas décadas de 80/90 na pesquisa de referência, com uma quantidade bem pequena de questões que evocam a subjetividade; no entanto, é possível perceber uma certa evolução, ainda

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em comparação à pesquisa base, na qualidade dessas questões no tocante à sua relação direta com a produção dos sentidos do texto. O segundo, da coleção Singular e Plural, apresenta, ao mesmo tempo, uma relação de diferenciação e semelhança com relação à pesquisa referência: com uma quantidade bem expressiva de questões subjetivas, voltadas para a construção dos sentidos do texto, o que revela uma relação de valoração desse tipo de questão, se difere da tipologia e pesquisa desenhada por Marcuschi (2008); por outro lado, aproxima-se desta tipologia ao apresentar uma quantidade outra, também expressiva, de questões subjetivas não inseridas diretamente na textualidade das obras, mas focadas na recepção do leitor. Recepção essa sobre a qual lançamos olhar teórico elucidando sua importância, tanto no processo de formação da identidade como na produção dos sentidos que completam e dão significado aos textos. Ao final dessa análise, observamos a evolução das questões subjetivas desde a tipologia de Marcuschi (2208), que reflete uma realidade da educação e dos livros didáticos no Brasil nas décadas de 1980 e 1990, com relação às obras editadas em 2015. Assim, constatamos que há, sim, uma evolução na compreensão das questões subjetivas não apenas como acessórias, mas como portadoras de capacidade de integrar mesmo a construção dos sentidos do texto. Os tratos com as questões subjetivas nas coleções são bem díspares, isso é um fato. No entanto, sendo essas as duas coleções mais distribuídas no território nacional, selecionadas pelos professores (sem aqui entrarmos na problematização dos investimentos das editoras em publicidade e persuasão nessa seleção), e acreditando que essa seleção possa ter sido feita também por professores reais, em práticas docentes reais, com vistas a objetivos pedagógicos pessoais e/ou institucionais, a opção por obras tão distintas parece demonstrar, em se tratando da escolha da segunda coleção (a saber

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Singular e Plural) uma maior inserção das questões subjetivas no trato com a busca dos sentidos dos textos. Essa aposta, segundo o que acreditamos, pode ter impacto significativo no perfil dos jovens leitores, da escola para o cotidiano, capazes de reconhecer elementos textuais, inferências e implícitos, mas também de se reconhecer no lido, questionando a si mesmos e a realidade nessa busca por autoafirmação, autonomia leitora e leitura por prazer e fruição.

REFERÊNCIAS ANTUNES, Irandé. Análise de textos: fundamentos e práticas. São Paulo: Parábola Editorial, 2010. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Desvendando os segredos do texto. 2 ed. São Paulo: Cortez. 2003. ______. O texto e a construção dos sentidos. 9 ed. São Paulo: Contexto, 2016. KOCH, Ingedore V. e ELIAS, Vanda M. Ler e compreender os sentidos do texto. 3 ed. São Paulo: Contexto, 2015. ______. Ler e escrever: estratégias de produção textual. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2017. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. Lajolo, Marisa. Livro didático: um (quase) manual de usuário. Em Aberto, Brasília, ano 16, n. 69, jan./mar. 1996. LANGLADE, Gérard. O sujeito leitor, autor da singularidade da obra. In: ROUXEL, Annie; LANGLADE, Gérard; REZENDE, Neide Luzia de (org.). Leitura subjetiva e ensino de literatura. São Paulo: Alameda, 2013. JOUVE, Vincent. A leitura como retorno a si: sobre o interesse pedagógico das leituras subjetivas. In: ROUXEL, Annie; LANGLADE, Gérard; REZENDE, Neide Luzia de (org.). Leitura subjetiva e ensino de literatura. São Paulo: Alameda, 2013. 152


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ROUXEL, Annie. Autobiografia do leitor e identidade literária. In: ROUXEL, Annie; LANGLADE, Gérard; REZENDE, Neide Luzia de (org.). Leitura subjetiva e ensino de literatura. São Paulo: Alameda, 2013.

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Resumo Os memes possuem veiculação diversificada na internet, principalmente nas redes sociais. Estão em constante atualização de informação e conteúdo e atingem boa parte dos usuários das redes. Sendo em sua grande maioria adolescentes em fase escolar os que mais têm alcance a esse tipo de código linguístico. Tendo em vista que a interpretação de texto e imagem precisa ser contextualizada para além do que lhe é explícito, pode-se levar para sala de aula memes que possuam imagens e situações que explorem o conhecimento que o aluno possui sobre o mundo e explore a informatividade que o código lhe passa através do humor. Será investigado os contextos situacionais de publicação do meme, a relação entre o texto e a imagem selecionados para constituí-lo. Também serão analisadas as possibilidades de interpretação e contextualização disponíveis através da linguagem que o meme possui e o público ao qual é destinado. Segundo Colomer & Camps (2002) hoje em nossa cultura vivemos a valorização da imagem, mas isso não significa que a comunicação escrita foi abandonada. O que há é uma ampliação e diversificação dos códigos. Por isso, os diferentes códigos estão à disposição do emissor para ser produzido de acordo com os variados contextos de enunciação. Palavras-chaves: Leitura; Interpretação de texto; Interpretação de memes; Textualidade.


LEITURA E INTERPRETAÇÃO DE MEMES PARA AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA Fransuene Carla da Silva1 José Maria A. S. Junior2

INTRODUÇÃO Pode-se utilizar para a interpretação de memes, os critérios de interpretação de textos. Utiliza-se os aspectos semântico, formal e pragmático para a aplicação desses fatores nos memes em questão. Os memes foram retirados de páginas de humor do facebook. Cada página aborda uma temática diferente e cada uma possui um público distinto. É importante que o professor mantenha-se atualizado com as novas linguagens e novas tecnologias, levando para sala de aula algo que seja do conhecimento do aluno e o qual ele mantém contato frequente, no caso, os memes cumprem esse papel. Esse é um trabalho descritivo realizado a partir de meios bibliográficos.

Aspectos da textualidade Para Costa Val (2002, p. 3) texto pode ser definido como uma unidade sociocognitiva, semântica e formal. É capaz de cumprir uma função identificável no ato comunicativo. Para isso há uma série de fatores que contribuem para a construção do sentido, tais como os pragmáticos, como as intenções do produtor , a aceitabilidade do recebedor e o contexto sociocultural da

1. Estudante do curso de Letras da Universidade de Pernambuco. E-mail: fransuenecarla@gmail.com. 2. Professor Mestre da Universidade de Pernambuco. E-mail: jaguiarsarinho@yahoo.com.br. 155


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produção do discurso; semântico, para ser compreendido, o texto precisa ser entendido como um todo significativo, fator esse atribuído à coerência; e por fim o fator formal, constituído pelos elementos linguísticos, que são percebidos como um todo coeso. Beaugrande e Dressler (1983) pontuam a coerência e a coesão como dois dos fatores da textualidade, que podem ser definidos como uma série de características que tornam que um texto seja um texto e não um amontoado de palavras ou frases sem sentido ou desconexas. A coerência é responsável pelo sentido do texto, seus aspectos lógicos, semânticos e cognitivos. Costa Val (2002, p. 6) ainda diz que os interlocutores precisam partilhar do mesmo conhecimento, assim, para que um discurso seja aceito como coerente, o recebedor precisará ter o conhecimento compatível com o qual o discurso foi configurado. Ou seja, o sentido do discurso é construído pelo produtor e também pelo recebedor com sua capacidade de interpretação. Para Marcuschi (2008) existe uma interação entre os interlocutores no ato interacional para a construção semântica do texto. Ele ainda diz que “sem situacionalidade e inserção cultural, não há como interpretar o texto”. (MARCUSCHI, 2008, p. 87). A coesão é a maneira como os conceitos se manifestam linguisticamente na superfície do texto construído pelos mecanismos gramaticais, tais como os pronomes anafóricos, as concordâncias, etc. E lexicais, como a reiteração e substituição. Há ainda os fatores pragmáticos da textualidade. A intencionalidade está relacionada à capacidade o produtor do discurso em construí-lo de forma coesa e coerente para atingir seu objetivo na comunicação. A aceitabilidade é a expectativa do recebedor tem de que o texto seja coeso, coerente e relevante. Produtor e recebedor estabelecem uma interação. Para que o recebedor aceite e compreenda o seu discurso, o produtor lança recursos para alcançar a aceitabilidade. Já o recebedor se esforça e

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contribui a construção e compreensão do sentido do discurso assim como foi pretendido pelo produtor. A situacionalidade é a adequação do texto ao contexto sociocomunicativo. O contexto determina seu sentido na sua produção e recepção. O produtor conta com o conhecimento que o recebedor possui para não precisar explicitar determinadas informações, pois o recebedor deverá ser capaz de pressupor e inferir. Na informatividade um discurso cujo assunto é de conhecimento do recebedor torna-se mais interessante, por tanto, mais informativo. Já num discurso totalmente novo, torna seu entendimento mais trabalhoso. É necessário equilíbrio entre o dado e o novo. Um texto advém de outros textos, assim, a intertextualidade depende do conhecimento de outros textos. Assim, sua compreensão está relacionada ao texto o qual retoma.

Análise dos memes Os memes a seguir foram retirados de uma página sobre vídeo games, Game + gamers. Da página de humor sobre o jogo World of Warcraft, Noobzando. Da página de política Jovens de esquerda. E da página de humor Gifs pra galera de humanas, que aborda diversos assuntos, principalmente da atualidade. Todas as imagens foram encontradas no Facebook. É importante ressaltar que o meme possui uma cofiguração reconhecível. Para cumprir a sua função de meme ele precisa ser compreendido e aceito como um meme. Mesmo que para alguém um meme sobre um determinado político não tenha tanta graça, ele consegue reconhecer o gênero. Por isso o meme possui um público ao qual é destinado e para eles o humor terá efeito. Pois, para um texto ser um texto eu preciso aceitá-lo como tal, se não

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o compreendo não cumpre seu papel comunicativo. Por isso, Os aspectos pragmáticos serão colocados para a interpretação.

Figura 1: Bar do Sasuke. Fonte: Página Game + gamers no facebook.

Intencionalidade: O público gosta de animação japonesa que provavelmente já assistiu o anime Naruto, pois é muito popular; Aceitabilidade: O recebedor já assistiu o anime e lembrará que Sasuke é um dos seus personagens principais; Situacionalidade: Relação entre a vila ninja onde vivem os parsonagens e o nome do restaurante; Informatividade: É preciso saber que o Sasuke morava numa vila e a traiu, sendo assim, há uma associação entre traíra o peixe e o adjetivo. Intertextualidade: Sem o conhecimento prévio sobre o anime não se pode compreender o meme. 158


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Figura 2: Warcraft. Fonte: Página Noobzando do Facebook.

Intencionalidade: O público é gamer e mais especificamente o que joga World of Warcraft. Sendo assim conhecem os personagens, sua linguagem e o que suas vestimentas representam; Aceitabilidade: O recebedor, que é jogador irá lembrar que essa roupa é usada em nível baixo, por iniciantes, mas a armadura do último quadro nos mostra que o nível dele é mais alto; Situacionalidade: A página é destinada a quem joga esse jogo, que conseguirá reconhecer o acontecimento, pois nele é possível jogar on-line com seu amigo dentro de um mundo de fantasia, onde é comum que essa situação ocorra; Informatividade: O personagem percebe que o amigo não ficou apenas 5 minutos jogando sem ele, subindo muito rápido de nível; Intertextualidade: Relação dos quadros com o que acontece com muitos amigos que jogam simultaneamente esse jogo. 159


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Figura 3: Guardar bolo na geladeira. Fonte: Página Gifs pra galera de humanas do Facebook.

Intencionalidade: Causar humor através do motivo e da cena que ela causa; Aceitabilidade: O recebedor deverá ter vivenciado a situação de alguém comer algo que ele guarda para depois na geladeira; Situacionalidade: Provavelmente a pessoa da imagem mora com outras pessoas. Isso impossibilita que o bolo permaneça na geladeira sem que alguém o coma antes dele; Informatividade: É preciso ficar de guarda para garantir que ninguém irá comer o seu bolo.

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Figura 4: Bolsonaro condenado. Fonte: Página Jovens de esquerda do facebook.

Intencionalidade: O recebedor dessa mensagem é o público de esquerda política ou que não apoia o Bolsonaro; Aceitabilidade: O recebedor conhece o deputado Jair Bolsonaro e pode associar o provérbio com a imagem do mesmo dormindo; Situacionalidade: O meme foi veiculado no facebook assim que o deputado foi condenado, tendo maior relevância naquele período; Informatividade: Precisa-se saber que o deputado foi condenado por apologia ao estupro pela também deputada Maria do Rosário.

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Figura 5: Divertida mente. Fonte: Página Gifs pra galera de humanas do Facebook.

Intencionalidade: Causar humor através do sentimento gerado no segundo quadro, onde o recebedor deverá se identificar; Aceitabilidade: O recebedor deverá ter assistido ao filme Divertida mente para reconhecer a cena; Situacionalidade: A relação entre a fala de um dos personagens, o trecho do filme mostrado no primeiro quadro e o choro causado no segundo quadro; Informatividade: O filme, mesmo sendo divertido, possui um trecho muito triste; Intertextualidade: Lembrar da fala do personagem e relaciona-lo com as imagens.

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Figura 6: Vamo Féchá? Fonte: Página Gifs pra galera de humanas do facebook.

Intencionalidade: Humor através do jogo de palavras Aceitabilidade: Conseguir decifrar o texto Situacionalidade: Saber que “Vamo fecha” vem do vídeo viral das “Rolezeiras”; Informatividade: Entender o significado de “crush”. Produzir o texto “Vamo Fecha” Intertextualidade: É preciso conhecer o meme ao qual esse faz referência.

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Figura 7: Barrada no Enem. Fonte: Página Gifs pra galera de humanas do facebook

Intencionalidade: Humor gerado com a montagem com o Trump, o chapéu e o texto da porta; Aceitabilidade: Ter conhecimento dos acontecimentos políticos e sobre os atrasos no Enem; Situacionalidade: Meme veiculado durante o período de provas do Enem e a eleição do Trump nos EUA; Informatividade: Saber que o Presidente Donald Trump possui a proposta de criar um muro entre a fronteira dos Estados Unidos e o México.

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Figura 8: Fila do Subway. Fonte: Página Gifs pra galera de humanas do facebook.

Intencionalidade: Mostrar a pressão de quem faz um pedido numa lanchonete da rede Subway; Aceitabilidade: O recebedor precisa já ter tido a experiência de comprar nessa lanchonete para entender o diálogo; Situacionalidade: Diálogo entre um atendente de uma rede de lanchonetes e o consumidor que monta o seu sanduíche no balcão; Informatividade: Mostrar como é tensa a situação demonstrada, causando muito desconforto no consumidor, pois fica confuso e com pessoas esperando que acabe as escolhas; Intertextualidade: Conhecer como funciona o atendimento no Subway, pois lá os procedimentos são semelhantes ao utilizado no meme. 165


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CONSIDERAÇÕES FINAIS Tendo em vista que para a interpretação de texto e imagem precisam ser contextualizadas para além do que lhe é explicito, pode-se levar para sala de aula memes que possuam situações que explorem o conhecimento de mundo que o aluno possui e amplie a informatividade que esse gênero lhe passa através do humor. Podemos investigar os contextos situacionais de publicação do meme, a relação entre o texto e a imagem selecionados para constituí-los. Assim, como podemos interpreta-los de acordo com a linguagem disponível para o público ao qual é direcionado. Pudemos perceber como relação entre produtor e recebedor influencia no contexto do meme. Para garantir efeito de humor ele pode variar a linguagem que é adaptada especificamente para o público que ele quer que entenda a mensagem.

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REFERÊNCIAS ANTUNES, Irandé. Análise de textos: fundamentos e práticas. São Paulo: Ed. Parábola, 2010. COLOMER, T. & CAMPS, A. Ensinar a ler, ensinar a compreender. Porto Alegre: Ed. Artmed. 2002. Game + game. Disponível em <https://www.facebook.com/gamesmaisgamers/> acesso em Set. 2017. Gifs pra galera de humanas. Disponível em <https://www.facebook.com/ gifsgalerahumanas/> acesso em Set. 2017. Jovens de esquerda. Disponível em <https://www.facebook.com/jovensdeesquerda/> acesso em Set. 2017. Noobzando. Disponível em <https://www.facebook.com.br/noobzandos/> acesso em Set. 2017. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. 2 ed. São Paulo: Ed. Parábola, 2008. VAL, Maria da Graça Costa. Redação e textualidade. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2004.

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Resumo A historiografia linguística da obra de Émile Benveniste revelou alguns ensaios cuja metodologia complexa possibilita o levantamento histórico cultural do povo que se serve de determinado léxico. Benveniste se serviu do método histórico comparatista combinado à análise semântica de determinados elementos lexicais e métodos próprios da filologia para compor uma metodologia que viabiliza uma linguística histórico-antropológica. Em um conjunto de ensaios classificados pelo autor como “léxico e cultura”, são tratadas questões como o fenômeno da blasfemia e da eufemia que, segundo o linguista, resultam na formação das interjeições; problemas relacionados à civilidade, civismo e civilização; assim como, à diversidade dos modelos de organização de cidades; entre outros problemas. Tudo isso partindo dessa metodologia de análise linguística a qual chamamos aqui de “linguística histórico-antropológica”. Palavras-chaves: Benveniste; Historiografia-linguística; Léxico; Cultura.


A LINGUÍSTICA HISTÓRICO-ANTROPOLÓGICA DE BENVENISTE Rômulo da Silva Vargas Rodrigues1

INTRODUÇÃO A partir de pesquisa em que se gerou a historiografia-linguística dos dois volumes de Problèmes de linguistique générale, de Émile Benveniste, em qual se observaram sob a metodologia historiográfico-linguística, os conceitos das ciências linguísticas tratados naquela obra, foi possível perceber dentre as metodologias de Benveniste, a técnica aqui chamada de linguística histórico-antropológica. No artigo que se segue, essa metodologia de Benveniste é relevada. A ligação do linguista com a antropologia é claramente declarada por ele, e todos que se debruçam sobre seu trabalho logo se defrontam com esse fato. O linguista chegou a assinar junto com antropólogos renomados, como Claude Lévi-Strauss (1908-2009), a revista de antropologia L’Homme. Isso não aconteceu por acaso, conforme se demonstrou na pesquisa mencionada, Benveniste estava em busca de uma linguística geral da linguagem e não apenas uma linguística geral das línguas, como estava proposto desde 1916 (RODRIGUES, 2016). A Historiografia-Linguística consiste em área de pesquisa cujo foco é a história da linguística contada a partir da teoria linguística. O método da historiografia-linguística é semelhante ao da historiografia geral, partindo do levantamento dos conceitos elencados nas obras pesquisadas. A partir

1. Professor Pesquisador membro do grupo IMAGO (https://imago.letras.ufg.br). Professor da Faculdade de Ciências Humanas de Olinda – FACHO. Doutor em Letras e Linguística pela UFG. E-mail: linguabrasileira@hotmail.com 169


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desse levantamento da imanência das obras é possível fazer o levantamento da origem das ideias encontradas, ou sua ascendência; assim como, da descendência desses conceitos ao longo da história, mapeando a influência dos autores na epistemologia das ciências. Neste artigo se trata apenas de um pequeno aspecto da obra de Benveniste, que pode ser considerado bastante importante para compreensão de questões relevantes da cultura. A obra de Benveniste foi composta por uma grande quantidade de ensaios, organizados pelo autor em seis partes e publicados sob o título de Problèmes de linguistique générale I e II. A partir da observação de uma dessas partes, especificamente a Sexta Parte, “Lexique et culture”, que reúne ensaios em que o linguista tratou de aspectos da cultura que se podem notar claramente na linguagem. Através da linguística histórica comparativa, o linguista fez uma demonstração da relação entre o ser humano, a cultura, a sociedade e a linguagem, e como essa última é capaz de interpretar os primeiros. Para Benveniste, a linguagem guarda ao longo da história, no vocabulário das línguas, as características das relações sociais. Benveniste demonstrou, por exemplo, como os valores da chamada “civilização” se desenvolveram ao longo da história e ainda se encontram entre as culturas de origem indo-europeias. O léxico de uma língua é, portanto, a narrativa histórica primordial, onde a língua reserva, na polissemia das palavras, os valores sociais, políticos, morais etc. daquela sociedade. Através do método histórico comparativo é possível reconstituir os percursos do desenvolvimento dessas características, tanto dentro de uma sociedade, como nas suas relações com outras, pelos empréstimos entre línguas, pela convivência dos povos. Esse uso do método histórico comparativo é peculiar de Benveniste, porque ele estava em busca do ser humano, das ligações linguísticas que há entre pessoas e povos, de como a linguagem constitui indivíduos, povos, sociedades, culturas.

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O método classificado No desenvolvimento deste artigo, o método chamado aqui de linguística histórico-antropológica vai sendo apresentado assim como pode ser visto nos ensaios de Benveniste. Ele recorreu à aspectos do método filológico, ao buscar na literatura o significado conceitual palavras cujo valor cultural atravessou os séculos, indo de uma língua, uma cultura e um povo a outra língua, cultura e povo. Recorreu igualmente a aspectos do método comparativo, percorrendo as diversas culturas e línguas, comparando os aspectos que levantava a partir da análise da literatura. Recorreu aos aspectos da semântica para constituir os significados desses termos ao longo da história dos povos. E, finalmente, faz uma análise antropológica ao demonstrar como esses termos apresentam variações semânticas em culturas distintas, mantendo, entretanto, uma ligação histórico-cultural com sua origem. No ensaio “Euphémismes anciens et modernes”, Benveniste fez uma análise semântica de caráter histórico a partir dos termos gregos ευφημεΐν [eufemein], ευφημία [eufemia] e ευφημισμός [eufemismós]. Sua análise semântica abrange de maneira ampla a cultura dos povos relacionados às línguas analisadas. Além dos termos gregos, analisou também termos latinos, franceses, berberes, iranianos, afegãos, védicos e germânicos, todos relacionados a eufemismos. O linguista estava em busca do significado cultural do eufemismo entre esses povos. Basicamente, o que Benveniste demonstrou é que os eufemismos têm uma espécie de função religiosa, ou supersticiosa (ele usou o termo “religieuses”), diminuindo a carga negativa de vários termos com o intuito de preservar a boa fortuna ou boa sorte, além disso, auferindo, verbalmente, uma boa expectação em relação à morte, ou ao dia etc. Seria interessante

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constituir um paralelo entre esse estudo de Benveniste e os hábitos verbais da atualidade. Benveniste criticou uma confusão nos estudos a esse respeito entre os valores linguísticos e os significados das palavras: Dans l’exégèse de ces mots il s’est introduit une confusion entre les valeurs de « langue » et celles de « parole » (au sens saussurien). Les acceptions religieuses, avec toutes leurs résonances, leurs associations, leurs interférences, relèvent de la « parole ». Mais ces acceptions ne se déterminent qu’à partir d’une valeur purement linguistique. Dans l’étude du vocabulaire cultuel, comme de tous les vocabulaires spéciaux, il faut bien séparer les deux aspects du problème si l’on veut comprendre de nature des actions qui s’y croisent (BENVENISTE, 1966, p. 308-309).2

Essa preocupação que, como se vê nesse ensaio, aparece desde o início na pesquisa de Benveniste, é a mesma que vai levá-lo a separar significado de sentido e, assim, na década de 1960, quase 20 anos depois deste ensaio, a estabelecer uma diferença entre o nível semiótico e o nível semântico da análise. Inspirado pela tese Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas, do sociólogo Mauss3, Benveniste resolveu falar sobre o dom e a troca pelo prisma da linguagem. Em “Don et échange dans le voca-

2. “Na exegese dessas palavras introduziu-se uma confusão entre os valores de “língua” e os de “palavra” (no sentido saussuriano). As acepções religiosas, com todas as suas ressonâncias, as suas associações, as suas interferências, dependem da “palavra”. Essas acepções, porém, só se determinam a partir de um valor puramente linguístico. No estudo do vocabulário cultual, como de todos os vocabulários especiais, é preciso realmente separar os dois aspectos do problema para compreender a natureza das ações que aí se cruzam. (BENVENISTE, 2005, p. 340-341). 3. Marcel Mauss (1872/1950) foi um sociólogo e antropólogo francês, sobrinho de Émile Durkheim, estudioso das religiões, foi um importante ícone dos estudos etnográficos. 172


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bulaire indo-européen”, debruçou-se sobre análises históricas e semânticas de várias formas do indo-europeu para o verbo “dar”, a raiz *dō-4 confrontada ao hitita dā-, cujo significado se divide entre “dar” e “tomar”. Em seguida, observando a forma indo-europeia específica para “dom”, todas retiradas da raiz *dō-, nota que, no grego, há cinco formas distintas, todas traduzidas como “dom, presente”: δώς, δόσις, δῶρον, δωρεά, δωτίνη. Benveniste vai analisar a semântica de cada uma nos autores helênicos. Dessa forma, encontra δώς : dar, em oposição a “tomar”; δόσις : ato efetivo de dar, passível de realização em “dom” como recompensa pela audácia; δῶρον: dom da generosidade, reconhecimento ou homenagem incorporado no objeto oferecido; δωρεά : ideia abstrata do dom gratuito, o presente gratuito; δωτίνη : oferta obrigatória concedida a um chefe como honra ou a um hóspede como obrigação. Benveniste asseverou que não basta o significado imediato apreendido semanticamente das palavras em uso, é preciso buscar os termos que a elas se associam, as ideias que elas carregam e que são, de alguma maneira, distintas dos sentidos que possam ser imediatamente identificados. Por conseguinte, associa a ideia de hospitalidade à palavra “dom”. Sua análise da hospitalidade parte do latim hostis e encontra a palavra em vários casos e termos, dando conta do sentido de hospitalidade para a antiga cultura latina, antes de que o império fosse modificando as relações dos cidadãos romanos, tornando-os mais civis e menos dispostos a partilhar com os estrangeiros. Os estrangeiros, nessa mudança, tiveram seu status quo modificado de amigos para estrangeiros e, posteriormente, para inimigos. Nas antigas culturas latina, germânica e eslava, a noção de hospitalidade era compreendida como uma prestação compulsória, compreendida na tro-

4. A presença do asterisco indica uma forma reconstituída de indo-europeu a partir das várias línguas conhecidas indo-europeias, uma forma prototípica, portanto. 173


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ca de dons. Entre as palavras da família de hostis encontra-se hostia, que não representa qualquer sacrifício, mas, especificamente, o daquela vítima oferecida para aplacar a cólera dos deuses. Em seguida, Benveniste analisou a palavra latina munus, cujo significado nos escritores é “função, ofício; obrigação; tarefa; favor; representação pública, jogo de gladiadores”. O que Benveniste concluiu sobre munus é que se trata do tipo de relação em que o estado cria a communis, isto é, o princípio da vida em comunidade: a troca de favores. A partir da análise da raiz em sânscrito, Benveniste chegou ao fundamento religioso da vida em comunidade, do estabelecimento cósmico do ordenamento da vida dos homens fundamentada em direitos e obrigações. A comunidade romana se estabelece num jogo de reciprocidade, onde o homem recebe os melhores dons do estado ou comunidade e retribui com seus melhores bens ou serviços, tornando a vida em comunidade compensadora a todos. Semelhante, mas com conceito distinto, é o termo latino daps, “banquete sagrado”, onde a noção de despesa pecuniária aparece ligada à uma espécie de aquisição de um dom, mas aqui, o significado não é público nem comum, embora se realize através de uma festividade dispendiosa para a comunidade, seu sentido é muito mais religioso, pois a festa é oferecida a uma divindade que se encarregará de retribuir com um dom. Benveniste retomou, dessa maneira, a Mauss, com o termo potlatch. Usado para designar as festas dos ameríndios estudados por Mauss, que Benveniste associava com as várias culturas indo-europeias que estabelecem, à semelhança daquelas sociedades tribais, o potlatch como forma de alcançar dons. Potlatch é a festa de alimento farto, o banquete de festividade e significa, literalmente, “alimentar, consumir”. Finalmente, Benveniste encarou, na questão dos dons, o problema da “troca”. A troca na cultura indo-europeia está diretamente relacionada à

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noção de valor. As noções dos termos indo-europeus antigos permanecem ainda na sincronia atual das línguas indo-europeias e aparecem nesses termos relacionados, valor, oferta, preço, salário. As culturas de origem indo-europeia subjazem carregadas desses aspectos que vêm da época em que era natural exercer posse e controle material do corpo das pessoas, fossem filhos, prisioneiros, servos ou escravos. La « valeur » se caractérise, dans son expression ancienne, comme une « valeur d’échange », au sens le plus matériel. C’est la valeur d’échange que possède un corps humain qu’on livre pour un certain prix. Cette « valeur » prend son sens pour qui dispose légalement d’un être humain, que ce soit une fille à marier ou surtout un prisonnier à vendre. On entrevoit par-là l’origine très concrète, sur une partie au moins du domaine indo-européen, d’une notion liée à certaines institutions, dans une société fondée sur l’esclavage (BENVENISTE, 1966, p. 326).5

Dessa maneira, ainda que em seu estilo sutil, Benveniste teceu sua crítica à sociedade patriarcal que ainda subsiste nas nossas línguas e culturas. “La notion de “rythme” dans son expression linguistique” é um ensaio em que Benveniste ofereceu um exemplo de como a língua constitui o ser humano, ao analisar a palavra “ritmo”. Afirmou que a noção de ritmo presente e generalizada no mundo ocidental, como a ideia de intervalos de tempo, vai formar no ser humano a noção de intervalos de repetições do comportamento humano, individual e coletivo, assim como de fenômenos naturais.

5. “O “valor” caracteriza-se, na sua expressão antiga, como um “valor de troca”, no sentido mais material. É o valor de troca que possui um corpo humano que se dá por um certo preço. Esse “valor” assume o seu sentido para quem dispõe legalmente de um ser humano, quer seja uma filha para se casar ou, sobretudo, um prisioneiro para vender. Por aí se entrevê a origem muito concreta, numa parte ao menos do domínio indo-europeu, de uma noção ligada a certas instituições, numa sociedade fundada sobre a escravidão.” (BENVENISTE, 2005, p. 360). 175


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Essa tese de que a linguagem forma o ser humano está presente em toda a obra de Benveniste e se constitui em um dos pilares de suas teorias. Benveniste afirmou que a palavra ritmo chegou às línguas indo-europeias modernas vindo do grego ρυθμός através do latim. Criticou a visão comparatista que diz que a palavra viria da raiz ρεĩν, “fluir”, e que designa o movimento das ondas do mar. Segundo Benveniste, essa interpretação repousa sobre a imprecisão e não pode ser conferida nos textos, ainda que se possa relacionar etimologicamente as duas palavras gregas. Assim, Benveniste vai buscar as ocorrências da palavra na literatura e na filosofia. Os filósofos usam a palavra ρυθμός para se referir a aspectos dos alfabetos antigos. Seriam três os aspectos: a forma, σχῆμα; a ordem, τάζις; e a posição, θέσις. Além dos alfabetos, a ideia de ritmo como forma é utilizada para falar do conhecimento, das crenças, da sabedoria. Essa acepção antiga da palavra vai se manter até o século VII, como forma do caráter ou do humor. Uma vez definido o significado de ρυθμός como “forma”, Benveniste volta à etimologia de sua raiz em ρεĩν, “fluir”. A relação de ρυθμός com ρεĩν, segundo Benveniste, pode ser constatada nas palavras derivadas que indicam uma relação de desenrolar de uma ação, logo, levando o linguista a concluir que, o que levou ao equívoco dos comparatistas foi o sentido de “maneira particular de fluir” que se encontra na semântica da família de palavras derivadas de ρυθμός. Assim, Benveniste encontrou o caminho pelo qual o significado moderno da palavra ritmo se deu. Platão é que teria dado a essa palavra o sentido mais próximo do seu sentido moderno ao atribuir-lhe conceitos de medida numérica, metro e movimento. Seria a partir daí que a noção de ritmo chegaria realmente a seu sentido moderno que, segundo o linguista, permite a metáfora do ritmo das ondas.

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Em “Problèmes sémantiques de la reconstruction”, Benveniste tratou dos problemas da reconstrução linguística no âmbito do sentido. É, portanto, um trabalho teórico do comparatismo, que inclui suas preocupações com o sentido. Benveniste reclamava da ausência de rigor, por absoluta falta de definições quanto aos princípios da significação, o que não ocorre quando se trata da reconstrução morfológica ou fonética, campos nos quais se dispunham de um corpo preciso de regras. No campo do sentido, por outro lado, só se podia contar com a verossimilhança, que deveria ser guiada pelo “bom senso” do linguista que se dedicasse a fazer a reconstrução. Dessa maneira, Benveniste não se dispôs a desenvolver essas regras, mas, tão somente, a elencar uma série de problemas práticos encontrados pelo reconstrutor linguístico. Em “Civilisation: contribuition à l’histoire du mot”, Benveniste fez uma valiosa historiografia da palavra “civilização”, buscando especialmente a conceituação da palavra nos seus primórdios. Benveniste demonstrou que o conceito dessa palavra, como ela é ainda hoje compreendida, está ligado a questões inicialmente da fé. Acreditava-se que a fé, ou a religião cristã, seria a base do desenvolvimento dos seres humanos, levando à obediência às leis. Mas o linguista demonstra que, apesar desse conceito de que a fé está na base da evolução, a própria questão da evolução humana é que seria a base da palavra civilização. Portanto, o conceito mais importante da palavra civilização estaria relacionado ao problema do desenvolvimento, da evolução do ser humano do bárbaro para o civilizado, com o civilizado se opondo ao bárbaro. Teria surgido primeiro como civilisation, no francês, e no inglês, civilization, como um decalque da palavra francesa.

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Os conceitos que Benveniste elencou, que são de Hume6, Smith7 e Boswell8, estão todos ligados à questão da propriedade privada e do reconhecimento do estado como regulador dos direitos à liberdade de expressão e propriedade. Quando busca pela etimologia, Benveniste indicou que a palavra civilização remete à tramitação de um processo da esfera criminal para a esfera civil nos tribunais franceses. Civilização era o nome com que se chamava à essa mudança de instância processual no mundo jurídico. Nesse sentido se oporia à “criminalização”, mas apenas no aspecto jurídico. Contudo, Benveniste concluiu que a palavra civilisation, no francês, está diretamente ligada à questão de um estado que protege a propriedade privada e garante, com isso, as liberdades individuais. A evolução histórica do termo acompanha, como demonstrou, o surgimento dos estados democráticos de direito, isto é, o ordenamento jurídico que coloca o direito dos indivíduos nas mãos do Estado, que exercitará a regulação dos direitos e obrigações de seus concidadãos. Em “Deux modèles linguistiques de la cité”, de 1970, Benveniste analisou a origem dos termos civis e pólis, para designar cidade. Num elaborado trabalho de semântica, historiografia e linguística diacrônica, teceu os caminhos que indicam os significados atribuídos a essas duas palavras e seus derivados em línguas indo-europeias. Os valores que encontrou e descreveu indicam a questão da polidez nas relações sociais. Assim também, encontrou termos como cidadão e político, em seu desenvolvimento. Ao ler esses tra-

6. David Hume (1711-1776) foi um filósofo, historiador e ensaísta britânico, tornou-se conhecido pelo empirismo radical e o ceticismo filosófico. 7. Adam Smith (1723-1790) foi um filósofo e economista britânico nascido na Escócia, está ligado ao pensamento da individualidade, do interesse próprio, das liberdades do indivíduo e do mercado livre. 8. James Boswell (1740-1795), foi um advogado e biógrafo escocês, um dos maiores diaristas do século XVIII. 178


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ços, conforme Benveniste os vai desenvolvendo, é difícil não relacionar com a questão da palavra “civilização”, e observar o projeto eurocêntrico sendo tecido desde a antiguidade, levando quase todo o restante do mundo a ter na Europa seu modelo de desenvolvimento, inclusive científico. Nas análises de Benveniste sobre léxico e cultura, buscava, através da história das palavras, compreender o conceito que as sociedades têm ou tiveram de seus termos. Para Benveniste, os aspectos culturais da sociedade sempre se refletem sobre o vocabulário das línguas. Em “La blasphémie et l’euphémie”, buscou esclarecer as duas forças opostas que compõem uma categoria de expressão à qual chamou “imprecação”, a blasfemia e a eufemia. Benveniste estava, também, constituindo em linguística novas categorias a partir de sua nomeação e descrição, por isso, utiliza os neologismos blasphémie e euphémie. Benveniste entendia a blasfemia (neologismo correspondente em português)9 como um processo de fala que se constitui pelo rompimento da interdição bíblica de dizer o nome de deus. Mas alerta para o fato de que essa interdição, que, em princípio, deveria banir a palavra do seio da sociedade, ao contrário, ocupa-se de mantê-la apenas para manter sua interdição, de forma que, o que se interdita é que se a pronuncie. Essa proibição é acompanhada de severas sanções. Para compreender essa interdição, Benveniste apelou à análise que Freud fez do tabu. Para Freud, segundo Benveniste, o tabu se caracteriza por uma proibição muito antiga, imposta por uma autoridade externa, que se dirige aos desejos mais profundos dos homens. Se um homem obedece ao tabu, tem em relação a ele uma posição ambígua. Por isso,

9. Ingedore Koch, uma das tradutoras da versão brasileira das obras de Benveniste, esclareceu que “blasfemia” seria o termo correspondente a blasphémie, enquanto “eufemia” corresponde a “euphémie”, contudo, blasfemia é neologismo também em português, mas eufemia já não é e tem, em português, o mesmo sentido atribuído a euphémie por Benveniste. 179


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Benveniste disse que o tabu em relação ao nome de deus se dá porque tudo que se tem dele é seu nome, sendo assim, só se pode atingi-lo pronunciando seu nome. Benveniste chamou a atenção de que, fora do culto, o juramento é a ação verbal em que se deve pronunciar o nome de deus, assim como na blasfemia. Para ele, a imprecação, ou blasfemia, é também um juramento, contudo, um juramento de ultraje. A conclusão de Benveniste é a de que a blasfemia é equivalente a uma interjeição. As interjeições, é preciso dizer, assim como Benveniste disse, não é uma forma linguística completa, pois tem significante, mas não tem significado, o que leva Benveniste a afirmar que a palavra de blasfemia não é comunicativa, mas, apenas, expressiva. Trata-se, portanto, de pronunciar nomes santos, sagrados, apenas para descarregar uma emoção por alguma circunstância. Essa dada circunstância pode levar ainda a um achincalhamento do nome divino, como dizer seu oponente. Na cultura brasileira, o emprego da palavra “desgraça” sofre intensamente desse tabu, o que lhe eleva o valor, isto é, será dita somente em circunstância muitíssimo negativa e, mesmo assim, a pessoa que a declara ainda sofrerá reprimenda. Por fim, a eufemia age na atenuação da blasfemia. Benveniste a classifica em três casos: a substituição do nome divino por algum outro nome inocente; a mutilação do vocábulo divino por aférese final; e o emprego de alguma forma nonsense no lugar do nome da divindade. Assim, a eufemia anula o efeito da blasfemia, mas permite sua alusão. “Comment s’est formée une différenciation lexicale en français” é um ensaio diacrônico que partiu de um problema de sincronia, a semelhança entre os termos franceses amenuiser (reduzir; emagrecer, enfraquecer; entalhar) e menuiser (artesão que trabalha a madeira). Benveniste questionava se esses dois termos estabeleciam entre si alguma relação ou, como indica o sentido, não haveria nenhuma. Como alertou Benveniste, este não é um estudo histórico tradicional, mas trata-se de observar a evolução linguística em 180


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sincronias distintas. Sempre que se tratam de signos, o campo é sincrônico, afirmava. Ao recuar ao francês antigo, a diferença já se encontra, embora de outra maneira. Benveniste concluiu ser necessário recuar ao latim e descrever o dado de base que é o adjetivo minutus (diminuído, enfraquecido > particípio passivo de minuo “diminuir”) e a relação desse com seus derivados em busca dos traços distintivos da noção e, por conseguinte, construir um modelo com que se irá comparar as relações do francês. Assim, sem economizar em análises, Benveniste se aprofundou na constituição do modelo. Através dessa construção, Benveniste concluiu que não há nenhuma relação entre os dois termos, a não ser a consonância. As relações que se estabelecem no francês moderno são reconstruções modernas da língua. A história dos termos segue caminhos bastante distintos ao longo das línguas (grego, latim, francês antigo e francês moderno) e não se estabeleceram por via da diacrônica. Benveniste considerava que estudos como esse demonstram a vida mutável dos signos no seio dos sistemas linguísticos e entendia que tais estudos deveriam ser feitos sistematicamente. No ensaio “Diffusion d’un terme de culture: latin orarium”, Benveniste tratou de empréstimos linguísticos, línguas e fronteiras linguísticas sob a perspectiva histórica, demonstrando como o vocabulário das línguas são influenciados pela convivência de aspectos culturais. Numa exposição bastante completa, percorreu os caminhos de empréstimos realizados pelo termo grego σουδάριον que apareceu na Vulgata como latim sudarium, de fato percorre um longo caminho para reaparecer novamente no latim. Primeiramente, apareceu no latim como orarium, no sentido de lenço para enxugar o suor do rosto. Com o tempo, adquiriu sentido de pano para envolver a cabeça dos mortos, produziu o francês suaire, somente no dalmático manteve o sentido original de “lenço”, sudar. Em seguida, devido a inúmeras traduções bíblicas, foi se modificando, até retornar ao latim como a forma clássica sudarium, sendo que a forma mais popular, orarium, desapareceu 181


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do latim e foi tomada de empréstimo pelo grego que tratou de difundi-la, assim, ela reapareceu no siríaco ’ōrārā “estola”, entre outros idiomas. No latim, orarium fui substituído por seu sentido próprio de sudarium desde a Vulgata, depois, por stola. Os empréstimos estrangeiros, contudo, preservam o testemunho de sua existência. Uma das preocupações que Benveniste apresentou em mais de um de seus ensaios é justamente com os termos técnicos. “Genèse du terme ‘scientifique’” fala da importância dos termos técnicos para as ciências. A constituição de uma terminologia se confunde com a história da ciência e com a própria ciência, afirmava Benveniste. A existência de uma ciência depende de que ela especifique seu objeto pela denominação, seja esse objeto uma ordem de fenômenos, um novo domínio ou uma nova relação entre dados determinados. Também o aparelhamento mental depende desse inventário de termos, assim como o próprio desenvolvimento de uma ciência fica registrado nos termos essenciais que se sucedem à medida que a ciência se desenvolve. Além das denominações novas, inventadas a todo instante, conforme a necessidade, nas mais diversas áreas, há também os termos instrutivos, que designam algum novo conceito depreendido teoricamente (civilização, evolução, informação). Benveniste chamou a atenção, dentre esses termos, para o adjetivo “scientifique” [científico]. Benveniste observou o fato desse adjetivo ter seguido uma linha de construção diferente do usual, que resultaria, não em scientifique, mas em sciential ou mesmo scientiaire. Scientifique significa “que faz ciência”, “que serve para produzir ciência”, ao invés de significar “de ciência”, “próprio da ciência”. Além disso, scientifique vem do latim tardio scientificus, criado no século VI por Boécio para traduzir Aristóteles numa passagem em que utilizou a palavra grega para “ciência”: επιστήμην; e “da ciência”: επιστήονικοι. Por fim, Benveniste apenas reconheceu que o termo scientifique foi preferido nas línguas modernas ao termo sciential, muito embora, esse fosse mais apro182


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priado que aquele. Seja como for, scientifique é atualmente um instrumento conceitual relevante ao lado de science. Benveniste atestou nesses ensaios sobre o léxico e a cultura a importância do estudo histórico comparativo dos vocabulários, pois a história lexical preserva o pensamento político e cultural das sociedades. É possível, através desses estudos, promover o estudo comparativo das instituições, compreendendo bem o desempenho, o comportamento e os valores das sociedades.

Conclusão Muito se pode depreender do trabalho de Benveniste. Seu método de linguística histórico-antropológica, por se constituir em uma síntese de outras metodologias, oferece a possibilidade de uma leitura histórica de aspectos léxico-culturais que podem responder tanto a questões linguísticas, como a questões culturais. É certo que seu interesse esteve focado em demonstrar o aspecto ontológico da linguagem na formação do ser humano, de qualquer maneira, seu trabalho é capaz de apontar em praticamente todas as direções das ciências da linguagem e de outras ciências que estudem o ser humano de algum ponto de vista. Sobre a linguagem é possível observar em seu ensaio acerca dos eufemismos algo sobre a origem das interjeições. É curioso como as interjeições têm frequentemente origem na religião ou no calão, duas origens culturais aparentemente antagônicas. Ao discutir a origem dos eufemismos antigos, Benveniste demonstra como esse fenômeno está intimamente relacionado com aspectos místicos da cultura, tais como as superstições, as bênçãos e as maldições. Bendizer e maldizer são apenas os dois lados do pensamento mítico presente em várias culturas. Do ponto de vista linguístico-histórico-antropológico, dizer algum nome de deus, como “virgem Maria” ou “Jesus” equivale a bendizer ou abençoar uma situação qualquer; assim como, dizer 183


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uma palavra de calão quando, por exemplo, a pessoa se machuca, equivale, por outro lado, a maldizer ou amaldiçoar aquela situação, para que não se repita. Nas análises sobre os termos civis e hostis, respectivamente “cidadão” e “estrangeiro”, Benveniste tece uma longa análise acerca do desenvolvimento histórico dos valores da cidadania que se podem encontrar nas culturas do Ocidente. É interessante anotar que a palavra latina para “estrangeiro” se desenvolveu em português para hostil e hostilidade, apontando para uma visão cultural acerca dos que não são concidadãos. Toda essa visão remete a mais questões históricas: na Antiguidade, os estrangeiros eram tomados em princípio por perigosos, o que levava os concidadãos, quase sempre ligados por alguma espécie de consanguinidade, já que aqueles povos estavam historicamente próximos da organização política como nações tribais, a renegar o convívio com os estrangeiros. Esse comportamento social se pode notar aumentando ou diminuindo nas sociedades ocidentais, porém, sempre presentes. Na esteira do pensamento sobre a política ocidental, Benveniste analisa o surgimento da palavra “civilisation” no francês moderno. As conclusões a que ele pode chegar apontam para a construção dos estados nacionais baseados nas relações de troca entre os concidadãos e o estado instituído para regular todas as relações internas e eternas. Dessa forma, Benveniste demonstra as bases da democracia moderna, das modernas relações de emprego e salário, que vão constituir os alicerces do estado moderno. Através dessa metodologia encontrada em Benveniste é possível usar a linguagem para compreender as relações culturais da organização humana. As sociedades não se afastam muito daquilo que falam. Assim, é tanto possível conhecer e compreender a realidade de uma sociedade, quanto propor por via do discurso, da cultura, das artes e da literatura, portanto, a transformação social. 184


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REFERÊNCIAS BENVENISTE, E et al. Problèmes du langage. Paris: Gallimard, 1967. BENVENISTE, E. O homem na linguagem. Lisboa: Vega, 1992. ______. Problemas de linguística geral I. 5ª ed. Campinas: Pontes, 2005. ______. Problemas de linguística geral II. Campinas: Pontes, 1989. ______. Problèmes de linguistique générale II. Paris: Gallimard, 1974. ______. Problèmes de linguistique générale. Paris: Gallimard, 1966. KOCH, I. G. V. Argumentação e linguagem. São Paulo: Cortez, 2006. MAUSS, M. Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2003. RODRIGUES, R. S. V. A constituição dos conceitos de língua e linguagem em Saussure e Benveniste numa perspectiva historiográfica cronológica. Dissertação (Mestrado em Linguística) - Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Letras, 2007. RODRIGUES, R. S. V. Historiografia-linguística de Émile Benveniste. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Letras (FL), Programa de PósGraduação em Letras e Linguística, Goiânia, 2016.

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Resumo O presente relato de experiência levanta questões sobre a mediação de leitura de diversos gêneros textuais feita por professores/as, em suas salas de aula de EJA, oriundas de 46 municípios do total de 185 existentes em Pernambuco, participantes de uma formação continuada a distancia, realizada na UFPE, utilizando uma ferramenta “online” e enfrentando os limites e possibilidades do uso dessa ferramenta pelas secretarias de educação e também por eles/as mesmos/as, desenvolvida a partir de agosto de 2015 e concluída em 28/02/2016. Essa reflexão pode vir a servir de instrumento de apoio e incentivo a novas políticas públicas que incluam projetos mais avançados de “Mediação de Leitura em Educação de Jovens e Adultos – modalidade a distancia” por instituições educacionais. Palavras-chaves: Mediação; Leitura; Política online; EJA.


MEDIAÇÃO DE LEITURA EM EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS – MODALIDADE A DISTÂNCIA: registro, avaliação e perspectivas Djário Dias de Araújo1 Maria Eliana Cavalcante Matos2 Tânia Maria Vargas da Costa 3

INTRODUÇÃO O Projeto Mediação de leitura em Educação de Jovens e Adultos – Modalidade a distancia nasceu da necessidade do NUPEP/MEC/SECADI em implantar uma política de formação de professores para desencadear ações que resultasse na formação de mestres para ampliar a cultura de leitores entre professores da EJA e de seus respectivos estudantes. Este projeto de formação de professores contou com a inscrição de 175 profissionais de educação, com atuação em classes de educação de jovens e adultos, dos sistemas públicos municipais de ensino de Pernambuco. Ele problematizou, ao longo da formação, questões de ensino da leitura, induzindo mudanças para que fossem criadas melhores práticas pedagógicas aliadas à

1. Professor de Língua Portuguesa, Mestre em Educação, atua na rede pública de Recife e em faculdades privadas. E-mail: djariodias@hotmail.com 2. Professora da Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (FACHO), Especialista em Leitura e Escrita (Sorbonne/Paris V), Mestre em Psicologia Cognitiva (UFPE), Doutora em Educação (UFPE). E-mail: eli. matos29@gmail.com) 3. Professora aposentada do Departamento de Psicologia e Orientação Educacionais do Centro de Educação (CE/UFPE). Mestre em Psicologia cognitiva. Desenvolve atividades nas áreas de Desenvolvimento Humano, Psicopedagogia e Arteterapia. E-mail: taniavargas2000@yahoo.com.br 187


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institucionalização de melhores condições de trabalho dos professores, alimentando assim a prática da leitura entre professores e de seus estudantes da Educação de Jovens e Adultos. Aprendemos a fazer a gestão de um projeto que atendeu a professores de 46 municípios do total de 185 existentes em Pernambuco, mediante uma ferramenta “online” e enfrentando os limites do uso dessa ferramenta pelas secretarias de educação e também pelos próprios professores. A superação das dificuldades encontradas foi o aprendizado em parceria, não só entre o Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação de Jovens e Adultos e Educação Popular, Infância e Juventude (NUPEP)/Ministério de Educação (MEC)/Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão(SECADI) e as secretarias de educação municipal, mas especialmente entre os membros da equipe gestora e entre todos os participantes do curso com esta equipe. O “Projeto Mediação de Leitura em Educação de Jovens e Adultos – modalidade a distancia” investiu na prática da gestão coletiva, fosse ela entre os membros da equipe, construída pelos professores formadores e tutores, fosse também entre a coordenação gestora do NUPEP/ MEC/SECADI.

DESENVOLVIMENTO DA EXPERIÊNCIA DOCENTE Princípios da proposta pedagógica A proposta pedagógica foi organizada em 06 módulos com atividades sequenciadas. Cada módulo se caracterizou por um conjunto de objetivos de aprendizagens articulados com os conteúdos contemplados nessas atividades. Ao longo do curso, as mesmas foram sendo reelaborados, em função das aprendizagens dos professores e dos seus níveis de conhecimentos, descritas nos objetivos de aprendizagem. 188


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A implementação do Projeto se deu em 05 etapas: 01) divulgação entre as secretarias municipais de educação e na União Nacional dos Dirigentes Municipais da Educação (UNDIME/PE); 02) adesão de professores e de suas respectivas secretarias municipais de educação; 03) planejamento do projeto a partir do Plano de Trabalho Anual (PTA); 04) organização do trabalho pedagógico com o grupo de formadores e formador da plataforma online; 05) e, por fim, a execução do projeto por meio do acompanhamento online e das aulas presenciais no inicio de cada módulo. A etapa 03 teve início com a sistematização da fundamentação teórico-metodológica que embasou os módulos presentes no material elaborado pela equipe da UFPE/NUPEP/MEC/SECADI. Além disso, reuniões semanais foram feitas para desenvolver os módulos e as atividades que foram apresentados na primeira aula presencial e postados na plataforma online. Os módulos com as temáticas das sequências didáticas Os módulos 01A e 01B ministrados pelos professores Djário Dias de Araújo e Andréa Galvão Moretti ficaram planejado com as seguintes abordagens: Módulo 01A

Tema do módulo: expectativas relacionadas às práticas de leitura

De acordo com Moretti (2013), a leitura foi considerada por muito tempo como uma atividade apenas perceptual, centrada no processamento gráfico. Atualmente, a literatura resgata que os fatores afetivos e cognitivos responsáveis pela compreensão e produção de mensagens acham-se presentes nos três componentes que englobam o processo de leitura no contexto de sala de aula: leitor, texto/contexto da sala de aula e professor. Sobre a importância da leitura, Freire (2008, p.11), já ressaltava que: “A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente”.

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Módulo 01B

Tema do módulo: convivendo com Clarice em sala de aula

Neste módulo convivemos um pouco com o universo de Clarice Lispector que não se descrevia como uma escritora apenas, mas uma “sentidora”. Talvez seja por isso que buscava atingir as regiões mais profundas das mentes das personagens. Diante disto, observamos que predomina o tempo psicológico em suas obras, visto que o narrador segue o fluxo do pensamento e o monólogo interior das personagens. É uma literatura única, envolvente, emocionante. É uma literatura que estimula a imaginação, a criatividade e isso é essencial para o deleite, pois “O homem é um ser a imaginar” (BACHELARD, 2006, p. 78).

Comentário pedagógico 1 - Seguimos uma progressão que possibilitou aos participantes do curso uma reflexão sobre os fundamentos teórico-metodológicos que permeiam o processo de ensino-aprendizagem de leitura em sala de aula. O módulo 01A, sobre as expectativas relacionadas às práticas de leitura introduziu alguns conceitos básicos tomados como princípios de todo este curso. No prosseguimento, com o módulo 01B, os participantes puderam se deleitar com as leituras da grande escritora Clarice Lispector e resgatar alguns debates feitos no módulo 01A. Módulo 02

Tema do módulo: A leitura diária de textos literários

De forma geral, qual é a função da literatura? Bem, o grande Horácio, que foi um poeta e filósofo, já dizia que a literatura tem uma função bem nobre: deleitar, ensinando-nos a ser melhores, mais sábios, mais cultos. Mas na escola, o trabalho pedagógico com a literatura preserva seu objetivo maior que é o prazer, o deleite. Neste módulo, refletimos sobre a importância do texto literário em sala de aula, considerando seu objetivo maior, que é o despertar para a leitura, o prazer. É fundamental desenvolver atividades com o texto literário em sala de aula, pois este texto está relacionado “[...] à ancestral procura de sentido para a vida, quanto se prende à infatigável capacidade realizadora do homem, que inclui a auto-realização através da linguagem” (LUCAS, 1989, p.14).

Comentário pedagógico 2 - O professor Djário Dias de Araújo resgatou a importância dos textos literários em sala de aula, não só nas aulas de português, como normalmente acontece, mas numa perspectiva interdisciplinar. Professores de diferentes componentes curriculares tiveram a oportunidade

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de refletir sobre a importância dos textos da esfera literária no cenário escolar. Todos se deleitaram com os textos e atividades de nossa sala virtual. Módulo 03

Tema do módulo: experiência da leitura em Reggio Emília

Na cidade italiana de Reggio Emília há trabalhos infantis em todos os recantos da cidade. É possível ver crianças nos parques e nas praças em rodas de leitura, com pais e/ou professores. Esse pacto pela educação dos pequenos entre escola e família nasceu após a Segunda Guerra Mundial, quando um grupo de pais resolveu erguer a escola na cidade devastada, como narra o livro “As cem linguagens da Criança: a abordagem de Reggio Emília na educação da primeira infância”. Porto Alegre: Artmed, 1999.

Comentário pedagógico 3 - Os participantes tiveram a oportunidade de conhecer uma experiência pedagógica vivenciada na cidade italiana de Reggio Emília. Durante as leituras e debates, puderam refletir sobre as contribuições dessa experiência e como ela poderia se adaptar à realidade brasileira para os jovens e adultos. Este importante módulo foi ministrado pela formadora Sulamita Lima Pereira. Módulo 04

Tema do módulo: a leitura consolidando os diversos letramentos

A prática inadequada de leitura em sala de aula, não só tem comprometido a produção oral do educando, como também sua compreensão ao ler enunciados de questões. Por isso é tão importante uma prática de leitura contextualizada, buscando os vários significados das palavras; relacionando-as também aos gêneros textuais em que foram escritas (KÖCHE, V. S.; MARINELLO, A. F. : 2015). Nesse módulo foi explorado como essa ação didática pode ampliar o letramento dos alunos, especialmente no contexto da EJA. Vale ressaltar, que entendemos letramento como “[...] um conjunto de práticas sociais que usam a escrita, como sistema simbólico e como tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos” (KLEIMAN, 2008, p. 18).

Comentário pedagógico 4 - A teorização sobre a importância de ampliar o letramento dos estudantes, tendo a leitura como princípio básico foi a meta do módulo 04, também ministrado por Sulamita Lima Pereira. A formadora, numa perspectiva sociointeracionista, debateu sobre o letramento numa ação interdisciplinar, resgatando sempre a teoria e a prática. 191


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Módulo 05

Tema do módulo: Como formar alunos leitores

A escola, bem como a família, tem um importante papel na formação de leitores. A família realiza esta experiência de modo informal, sem nenhuma sistematização. É para ser assim mesmo. A escola tem a responsabilidade de formar estudantes leitores, tenham eles alguma formação leitora adquirida em casa ou quase nenhuma. Ao fazer a experiência de conviver com os escritos, os estudantes vão descobrindo suas “letras” e o que está escondido nelas, ou seja, o sentido do texto e a sua finalidade conforme seja seu contexto discursivo. Refletir sobre os diferentes contextos discursivos do gênero textual certamente é tarefa que a escola pode fazer com muita maestria e boa sistematização. A formação de leitores críticos na escola é essencial, pois a “ leitura é, fundamentalmente, ao processo político. Aqueles que formam leitores – alfabetizadores, professores, bibliotecários – desempenham um papel político que poderá estar ou não comprometido com a transformação social (LAJOLO, 1996, p.28).

Comentário pedagógico 5 - Como formar alunos leitores? É um questionamento histórico feito por docentes do mundo inteiro. Neste módulo, ministrando por Andréa Galvão Moretti, os participantes do curso tiveram a oportunidade de debater sobre a importância da articulação família e escola no desenvolvimento da competência leitora dos estudantes. Módulo 06

Tema do módulo: a organização de uma rotina de leitura

Neste módulo refletimos sobre os princípios pedagógicos de uma rotina, bem como a importância do planejamento educacional e os planos de ensino, observando a necessidade de uma rotina desses dispositivos didáticos. Como sabemos, o planejamento está presente em quase todas as ações humanas, pois ele norteia a realização das atividades. Portanto, o mesmo é essencial em diferentes setores da vida social, tornando-se imprescindível também na atividade docente. FERREIRA, A. T. B.; ALBUQUERQUE, B. C. E. As rotinas da escola e da sala de aula: as referências para a organização do trabalho do professor alfabetizador. IN: MEC/SEB/DAGE. Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. Brasília, 2006.

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Comentário pedagógico 6 - O termo “rotina” no senso comum é sinônimo de algo repetitivo, algo habitual que é feito todos os dias sem muita reflexão, quase no automático. Mas como se configura a rotina pedagógica? Que princípios devem nortear este tipo de rotina? Foram questionamentos desta natureza que orientaram os debates do módulo 06, que foi ministrado pelo formador Djário Dias de Araújo. Resumindo, como foi observado nesta breve caracterização dos módulos, a progressão, aqui entendida como algo espiralar proporcionou aos participantes do curso uma reflexão sistemática sobre a leitura no contexto da EJA, articulando com suas práticas de sala de aula. Tendo por princípio básico que todo professor é professor de leitura, já que este eixo perpassa todos os componentes curriculares, docentes de diversas áreas (matemática, história, geografia, português) tiveram a oportunidade de refletir sobre como potencializar ou aperfeiçoar as atividades de leitura, visando a formação leitora dos estudantes da EJA. Orientação à elaboração de um projeto de leitura As vivências através dos encontros presenciais trouxeram uma esfera dialógica entre os recursos já disponibilizados na plataforma digital e a realidade de cada docente, ação que resultou em ótimos projetos de mediação. Flávia Tereza de Oliveira Costa (Tutora Cursista)

A orientação feita pela professora Tânia Maria Vargas da Costa com vistas à elaboração de um projeto de leitura pelos participantes permeou o trabalho pedagógico desenvolvido nos seis módulos realizados. Nesse sentido, desde o módulo 01A, nos encontros presenciais, os professores formadores também utilizaram projetos diversos como recurso indutor na

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exemplificação de diferentes aspectos da mediação de leitura relativos ao tema específico de que estavam tratando naquele módulo. Nos intervalos entre esses encontros, novos subsídios eram postados na plataforma online para que os cursistas pudessem continuar seus estudos. Em paralelo e em consonância com a equipe, a formadora Tânia Vargas Costa apresentou, no terceiro encontro presencial, uma proposta aos cursistas para que se organizassem em grupos com o objetivo de elaborar, ao longo do semestre, um pequeno projeto em mediação de leitura para EJA a ser apresentado no último encontro presencial, como trabalho de conclusão do curso (TCC). Assim, teriam oportunidade de agregar aos seus conhecimentos anteriores as novas descobertas advindas do curso que estavam fazendo. Feita a consulta e aprovada a proposta, a cada encontro presencial um tempo foi destinado para realização dessas atividades permitindo a cada equipe discutir as concepções de projeto presentes nas suas escolas e caminhar na escolha de seu tema. Ao mesmo tempo, subsídios teóricos foram oferecidos para estudo, no sentido de que o grupo pudesse se apropriar do conceito de Projeto Didático de acordo com o referencial do curso. Tal assunto veio a ser focalizado pelos professores formadores no módulo 06. Ao longo do curso, a formação criou um espaço para questionamento dos professores em formação, dando oportunidades para que práticas e respostas aos problemas já construídas em suas salas de aulas fossem compartilhadas e enriquecidas. As aulas presenciais, introduziram cada um dos módulos, mobilizaram reflexões sobre os conhecimentos prévios dos participantes, bem como orientaram para a elaboração das atividades a serem realizadas e, em seguida, postadas na plataforma online. O recurso online (plataforma) foi amplamente apresentado no início e ao longo do curso, de modo a que os professores puderam dialogar com essa importante ferramenta tecnológica. Outro recurso formativo proposto foi utilizado desde o início do curso e assumiu duas funções importantes 194


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ao longo deste: a) uma de caráter individual, que consistiu na orientação e incentivo à conclusões das atividades pertinentes à cada módulo, de modo a garantir o percurso da formação leitora ao longo do curso; b) a segunda função foi de caráter avaliativo, que consistiu na elaboração de um projeto de leitura apresentados pela equipe no último módulo. O material de apoio A equipe dos formadores elaborou e selecionou um conjunto de textos e atividades para o desenvolvimento de cada módulo estudado, acrescidas de orientação específica para a elaboração dos projetos pelos cursistas que eram explorados presencialmente e também postados na plataforma online. Os atores e os espaços de formação Criou-se na plataforma online um espaço de formação que funcionou como rede no sentido de que diferentes atores (formadores, professores, coordenadores, tutores e visitantes de forma geral) engajados no projeto puderam atuar de forma coordenada e autônoma, ligados por esse canal de interação, promovendo aprendizagens de todos os envolvidos. Os atores educacionais responsáveis pela implantação e desenvolvimento do Projeto foram os seguintes: • Dra. Zélia Porto, representante do NUPEP e professora do Centro de Educação da UFPE, viabilizou a proposta pedagógica, bem como acompanhou o processo de implantação do Projeto.

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• O Coordenador geral, Dr. Professor Marcelo Sabatine, professor do Centro de Educação da UFPE, foi responsável por garantir as condições materiais e institucionais (certificação inclusive) necessárias ao desenvolvimento do Projeto, assim como organizar e coordenar o planejamento e operacionalização do projeto online. • A Coordenadora Pedagógica, Dra. Maria Eliana Cavalcante Matos, professora aposentada da Universidade Federal de Pernambuco, e atualmente, professora da Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (FACHO), atuou diretamente com os formadores, apoiando, orientando e revisando os planejamentos dos módulos e sequências didáticas. • Como mencionados anteriormente, os Formadores (Mestre Andréa Galvão Moretti, Doutorando Djário Dias de Araújo, Especialista Sulamita Pereira e Mestre Tânia Vargas da Costa) produziram materiais de apoio, ministraram as formações presenciais e acompanharam o progresso dos cursistas via online. Os Tutores tiveram a função de apoiar as ações da coordenação pedagógica, dos formadores e de atuar junto aos professores cursistas na plataforma. As tutoras, também cursistas, se organizaram em dois grupos, elaboraram e apresentaram previamente seus projetos ao grande grupo gerando mais uma oportunidade de discussão e estímulo no processo de elaboração desses trabalhos. Foram elas: Flavia Teresa de Oliveira Costa, Roseane Maria da Silva, Karina Suelem de Araújo Souza e Marta Gonçalves de Oliveira. Posteriormente se agregou ao projeto como tutora, Elisabeth Donisete de Góis Sena, que fez link entre a Coordenação e o NUPEP.

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Os espaços de formação Os espaços de formação aconteceram em nível local (aula presencial no início de cada módulo no Centro de Educação da UFPE) e em nível online (no uso da plataforma online). Aproximação entre os atores: fluxo de comunicação - Esse projeto teve certa complexidade e extensão, precisando organizar alguns canais de comunicação ágeis e eficientes para alimentar o processo formativo de todos os envolvidos, tendo em vista, que muitos cursistas não estavam familiarizados com o acesso a esse ciberespaço educacional. Por isso, foi necessário pensar em ferramentas online que possibilitasse uma relação dialógica (BAKHTIN, 1992), potencializando uma atuação compartilhada e articulada em esses novos internautas distribuídos nos vários municípios. Além do acompanhamento presencial, existiu uma sistemática de comunicação e orientação entre as coordenações, os professores formadores, os tutores, os cursistas e o NUPEP, mediante uma tutora. Os meios utilizados foram os mais variados: produção escrita, telefone, internet e plataforma online. Foram elaboradas planilhas, visando registrar dados quantitativos a respeito da presença dos professores cursistas aos encontros presenciais, ficha de adesão, ficha de frequência, bem como quadro de acompanhamento à elaboração dos projeto de leitura.

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AVALIAÇÃO Atendimento Como foi visto, o “Projeto Mediação de Leitura em Educação de Jovens e Adultos – modalidade a distancia” em sua abrangência estadual atingiu cerca de 46 municípios do total de 185 existente em Pernambuco. Esse dado aponta que o Projeto democratizou o acesso a conhecimento atualizado em leitura e produção de texto para aproximadamente 24,1% dos municípios pernambucanos. Participaram do Projeto cerca de 175 professores . O perfil dos professores cursistas é marcado por sua atuação em sala de ensino da EJA. Gestão do Projeto: a importância do coletivo A avaliação da gestão foi fundamental para subsidiar uma reflexão que aponte para a continuidade da formação de profissionais da EJA em leitura e formação de textos. Analisar o desenho da proposta do Projeto, o papel dos atores envolvidos e suas impressões sobre a gestão contribuíram para visualizar os avanços e as dificuldades enfrentadas no desenrolar da formação. O respeito à autonomia, como princípio de gestão e organização do Projeto, marcou todas as etapas de seu desenvolvimento. Cada Secretaria de Educação pôde definir com inteira liberdade os critérios para seleção dos professores cursistas de seu município. As Coordenações estavam focadas no recrutamento de um maior numero possível de participantes, objetivando a maior amplitude de sua democratização. Também em decorrência dessa flexibilidade e da natureza online do Projeto, o ingresso no curso tornou-se bastante diversificada, variando de 198


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município a município. Alguns professores iniciaram o curso no primeiro módulo, outros foram se integrando no decorrer dos outros, recuperando online, por vezes, as atividades dos módulos já vivenciados. Em alguns municípios houve uma articulação com a UNDIME e em outros, entre o NUPEP e as secretarias. O NUPEP, as Coordenações, os formadores e a equipe de tutores tiveram um papel fundamental na implantação e desenvolvimento do Projeto, administrando pedagogicamente essa diversidade de atendimento, evitando a todo custo, o “fantasma” da evasão que ronda projetos como esse, considerando que, ao longo de muitas dessas formações se observa um “abandono à própria sorte” do professor por seu município. O processo de implantação do projeto Reconhece-se, que é preciso mais investimento para dar conta de gerenciar um Projeto como este, marcado pela complexidade e flexibilidade no atendimento e pelos diferentes contextos municipais. O saldo positivo é que os professores cursistas sonham com a continuidade desta formação e reivindicam o recebimento de bolsas durante o processo de formação continuada para uma eventual próxima etapa. Os módulos, o cronograma e os projetos didáticos O tempo e os módulos planejados seguiram uma organização impar. Não apenas o tempo foi suficiente, nem os módulos foram demais. Essa consonância fez com que muitas situações formativas propostas nesses módulos não fossem prejudicadas e nem a formação foi descaracterizada, pois havia uma progressão temática que possibilitava o encadeamento e aprofundamento teórico-metodológico e isso envolveu fortemente os cursistas.

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No tocante, aos projetos didáticos, como trabalho final dos cursistas, a orientação fornecida gerou 13 grupos e a produção de 13 projetos de leitura que foram apresentados no dia 28 de fevereiro, último dia da formação. Elenco dos Projetos Mediadores de Leitura em EJA Projeto Didático 1-A utilização do filme - Narradores de Javé - como estratégia para a aprendizagem de narrar, ler e escrever histórias.

Autores Roseane Silva, Karine Souza, Flávia Costa.

2-Gêneros textuais oriundos do mercado de

Maria Inês Rocha, Claudeci Silva e

trabalho.

Fabiana Lima

3- Leitura, escrita e reescrita na EJA: autores

Ana Lima, Ana Paula Tenório

de suas próprias histórias.

Josenilda Felix, Karine Siqueira

4- O olhar lúdico na EJA

Joana DÁrc Dias, Jocicleide Silva, Maria da Penha Silva e Nilton Dias.

Município

Recife

Timbaúba e Ferreiro

Garanhuns

Limoeiro

Paloma e Ana Santos, Aracely Silva, 5-Água: fonte de vida

Itailza Melo, Lenilda Silva, Valnice

Toritama

Ferreira 6 – Vida e obra de Ariano Suassuna: sua importância na cultura brasileira

Ana Paula Firmino, Crislane Oliveira, Edleusa Matos, Rejane Leandro,

Toritama

Wanúzia Oliveira Adiel Melo, Aline Dias, Ednaldo Nascimento, Edna Silva, Luciana

7- Descobrindo o universo da leitura

Silva, Aparecida Campos, Jacilene

Limoeiro

Oliveira, Luiza Simões, Roseane Laurentino. 8- Formando leitores: descobrindo poetas

9 – Poesias Afro-Brasileiras

Maria das Dores Silva, Loraine Silva, Lenilda Silva Aliny Stephane, Laelcia Valedão, Lyvia Gabrielle

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Nazaré da Mata

Camaragibe


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10- Formando leitores para a prática social 11-O mundo através dos olhos da leitura 12- A leitura com os gêneros textuais: charge, tiras e caricatura

Adenilde Souza, Jaciene Araújo

Itapissuma

Joselma Lima, Maria Verônica

Taquaritinga do

Corrêa

Norte

Marta Oliveira, Mércia Holanda

Recife

13 - Língua estrangeira: socializando

Walesca Cavalcane, Priscila

conhecimentos e leitura

Bernardino

Recife

O encerramento culminou com depoimentos positivos dos cursistas e a solicitação de muitos para sua continuidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Fatores que influenciaram a implantação e implementação do projeto O elenco de fatores facilitadores para a implantação do Projeto é variado, em função dos contextos locais. Vale ressaltar, porém, o seguinte: A articulação entre MEC/SECADI/NUPEP, UNDIME e Secretarias de Educação desempenha um papel fundamental na implantação, pois quando cada um desse entes institucionais compreende a relevância do Projeto para os professores e seus respectivos estudantes, mais eles otimizam as condições para sua efetivação.

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Desenvolvimento do Projeto: comunicação e fluxo O Projeto trouxe estratégias para agilizar o funcionamento do curso e o de sua gestão com o uso da internet. Essa forma de comunicação pressupõe uma nova cultura que implica não apenas o domínio da tecnologia (uso da plataforma online), mas o acesso e o hábito de se comunicar por mensagens e compartilhar atividades escolares em tempo real. Apesar dessas dificuldades, as equipes de coordenação, de formadores e de tutores sempre buscaram resolver esses desafios, procurando as melhores e possíveis soluções. Todavia, mesmo com esses entraves, foram criadas estratégias que impulsionaram o acesso e a rapidez na efetivação da comunicação e do próprio curso. Potencialidade dos espaços de formação Do ponto de vista da gestão, as reuniões locais entre formadores e as comunicações online constituíram a essência dos espaços de formação onde se discutia as estratégias de formação, as atividades dos módulos e a seleção do material de apoio. As aulas presenciais, outro espaço de formação, eram compartilhadas por todos os participantes das equipes de coordenação, de formadores e equipe de tutores. Mas a plataforma online foi o espaço essencial da formação.

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Alcance dos objetivos do Projeto Impacto institucional a) A cultura da formação continuada online entre professores da EJA foi bem aceita, apesar das dificuldades já apontadas. b) Sugere-se o fortalecimento entre o MEC/SECADI/NUPEP, UNDIME e Secretarias de Educação, objetivando a superação da cultura da descontinuidades de projetos de formação em leitura. c) É preciso intensificar um programa de formação de leitores de professores da EJA em condições viáveis de execução mediante bolsa de estudo. Impacto pedagógico a) Valorizar e propor o uso da leitura e da escrita de gêneros textuais diversos como um instrumento de desenvolvimento profissional; b) Valorizar o trabalho coletivo mediante atividades de projetos de leitura na prática cotidiana; c) Possibilitar a vivência de processos ativos de aprendizagem em ambiente online. d) Familiarizar os docentes com a linguagem virtual, próprias dos ciberespaços Perspectivas O Projeto de Mediação de Leitura em Educação de Jovens e Adultos – modalidade a distancia do NUPEP/MEC/SECADI não foi um curso isolado, mas um processo de formação de profissionais de sala de aula. O curso, tan203


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to no ambiente virtual, como nos momentos presenciais que introduziram os módulos foram baseados na reflexão sobre a prática pedagógica, sobre a ação cotidiana dos professores da EJA. Com base na importância da reflexão sobre a ação, como também sobre uma teorização que realmente faça sentido para o professor, Gardner, (2002 p. 135) enfatiza que “é na prática refletida, na (ação- reflexão) que este conhecimento se produz, na inseparabilidade entre teoria e prática”. É preciso ver a escola como um espaço de produção de conhecimento, não só na perspectiva enciclopédica, mais relacionada ao ensino-aprendizagem de conteúdos específicos, todavia como um lugar de metaformação, um espaço ímpar em que o educador possa refletir sobre os saberes da ação. Foi baseado nesses princípios que o curso de Mediação de Leitura em Educação de Jovens e Adultos se ancorou. Refletindo ainda no horizonte da perspectiva, ressalta-se que, 4 meses após o encerramento do curso, as tutoras, Flavia Tereza de Oliveira Costa, Karina Suelen e Roseane Maria da Silva inscreveram o projeto Leitores e Escritores da própria Vida no Encontro de Educação ocorrido na Faculdade Frassinetti de Recife (FAFIRE) em junho de 2015. O projeto foi aceito na modalidade comunicação e o grupo convidou a professora Tânia Maria Vargas Costa para assistir a apresentação. Na ocasião mencionaram a relevância para sua formação docente a atuação como cursistas e tutoras no âmbito do “Projeto Mediação em Leitura para EJA – Modalidade a distancia”. Os avanços alcançados são escadas relevantes para projetos como estes não terem seu percurso interrompido. Conclui-se, então, que os objetivos dessa concepção de formação precisam continuar sendo trabalhados mediante a implantação de outros Projetos de Mediação de Leitura para aprofundar as experiências em leitura dos professores da Educação de Jovens e Adultos.

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REFERÊNCIAS BACHELARD, Gaston. A poética do devaneio. 2 ed. Tradução de Antonio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 2006. BAKHTIN, M. M. A estética da criação verbal. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. FERREIRA, A. T. B.; ALBUQUERQUE, B. C. E. As rotinas da escola e da sala de aula: as referências para a organização do trabalho do professor alfabetizador. In: MEC/ SEB/DAGE. Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. Brasília, 2006. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: três artigos que se completam. 49 ed. São Paulo: Cortez, 2008. GARDNER, Howard. Estruturas da mente: a teoria das inteligências múltiplas. Porto Alegre: Artes Médicas, 2003. KLEIMAN, Angela B. Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na escola. In: KLEIMAN, Angela B. (org.). Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado das Letras, 2008. P. 15-61. KÕCHE, Vanilda Salton; MARINELLO, Adriane Fogali. Gêneros textuais: práticas de leitura, escrita e análise linguística. Petrópolis: Vozes, 2015. LAJOLO, Marisa. A formação do leitor no Brasil. São Paulo: Ática, 1996. LUCAS, F. Crepúsculo dos símbolos: reflexões sobre o livro no Brasil. Campinas: Pontes, 1989. MORETTI, A. C. G. Sim professora, mas como é que eu começo a alfabetizar? Uma questão de organização de uma prática para alfabetizar letrando? Revista Travessia, Olinda, Ano XV, n. 1. P. 258-283, dez, 2013.

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Resumo O estudo investigou o brincar de crianças com necessidades especiais em uma escola municipal, tendo como objetivos: a) identificar os jogos e brinquedos disponíveis e mais utilizados a partir da frequência de uso; b) descrever como as atividades eram realizadas com os brinquedos e c) analisar a concepção sobre o brincar e seu significado atribuído por uma professora que respondeu a um questionário e participou de uma entrevista, instrumentos metodológicos esses referenciados em SILVA (2003) e BROUGÈRE (1998), enos estudos sobre as origens do brincar na educação especial, os jogos na educação e no desenvolvimento infantil fundamentados em KISHIMOTO(2000) e BARDIN (2011) e que produziu a seguinte conclusão: faz-se necessário um olhar mais criativo para o brincar enquanto meio de apropriação cultural, na qual as crianças especiais, seus brinquedos e suas brincadeiras devem ser respeitadas segundo seu meio social e seus interesses de aprendiz. Palavras-chaves: Brincar; Jogos; Necessidade especial; Criança; Educação infantil.


O BRINCAR COMO FERRAMENTA DE APRENDIZAGEM PARA CRIANÇAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS1 Viviane Pereira de Souza 2

INTRODUÇÃO O presente estudo de caso pretendeu investigar o brincar de crianças com necessidades especiais em uma escola da rede municipal de ensino. Participou do estudo uma professora de educação especial, de uma escola municipal da cidade de Abreu e Lima. Foi utilizado um questionário check-list para identificar a disponibilidade e a frequência de uso dos recursos lúdicos. Em seguida, foi realizada uma entrevista semi estruturada para verificar como esses recursos eram utilizados e identificar a concepção e importância do brincar para a professora. A parte teórica teve como referência BARDIN (2011), BROUGÈRE (1998), KISHIMOTO (2000), que representam as origens da prática lúdica na educação especial, pois desenvolveram métodos e técnicas utilizando-se de jogos nas suas várias acepções, aplicando-os às crianças com necessidades especiais. A pesquisa fundamenta-se, também, nos trabalhos sobre jogos na educação e no desenvolvimento infantil tendo como referência teórica VYGOTSKI, LURIA e LEONTIEV (1998 )e na perspectiva sociocultural representada por BROUGÈRE (1998).

1. Este artigo é resultante do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) do Curso de Pedagogia (2017) de Josefa Aline da Silva Alves, Viviane Pereira e Wênia K. Falcão sob a orientação das Dra. Maria Eliana Cavalcante Matos e Ana Maria Maranhão. 2. Viviane Pereira de Souza é graduada em Pedagogia pela Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (FACHO) em 2017. E-mail: viviane-92@live.com 207


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A tese de doutorado realizada por SILVA, em 2003, na USP, em Campinas/SP inspirou a metodologia utilizada e as categorias de análise de nossos resultados.A discussão dos dados nos permitiureflexões relevantes sobre a brincadeira na prática educacional com crianças com necessidades especiais no contexto da escola regular.

DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA O brincar como prática pedagógica para crianças com necessidades especiais na educação infantil Acreditamos que o brincar como prática pedagógica para criança com necessidades especiais na educação infantil é de extrema importância para o aprendizado e desenvolvimento humano. A brincadeira é prazerosa para toda criança e integra os alunos com necessidades educativas especiais no contexto escolar, tornando o ambiente escolar saudável e divertido, propício para a inclusão. É importante que a criança descubra e construa por si mesma os significados por meio de jogos e brincadeiras. O educador deve proporcionar um ambiente acolhedor, objetos e recursos que ofereçam situações desafiadoras, estimulando a criatividade e a descoberta de acordo com a necessidade de cada criança. Para a criança a importância do brincar se dá justamente pelo fato de que o brincar estar relacionado à aprendizagem e ao desenvolvimento de uma maneira geral, e é de extrema importância o educador ter acesso as certas prática pedagógica até mesmo por questões de escolha mesmo, sendo essa uma forma onde a própria criança pode escolher o tipo de brinquedo que ela mesma quer brincar.

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As escolhas e os acessos a este meio são bem mais simples para as crianças com necessidades especiais e essa adaptação é a melhor forma de se trabalhar com essas crianças. É importante ressaltar que essa é uma novidadeque estar acontecendo na escola, emnosso país, pois ver essas crianças com necessitas especiais frequetando as escolas regulares, ondeaté pouco tempo, essas crianças deveriam apenas frequentar as escolas especificas para elas, ou seja, escolas apropriadas para crianças com necessidades especiais. Todavia, a partir de 1996, a Lei de Diretrizes Bases da Educação Nacional/96 passa a determinar para crianças com necessidades educacionais o atendimento educacional especializado, preferencialmente, na rede regular de ensino. “O princípio fundamental das escolas inclusivas consiste em que todos os alunos aprendem juntos, sempre que possível, independentemente das dificuldades e das diferenças que apresentem”(DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994, p.11). Todavia, essas crianças necessariamente precisam de um acompanhamento especial, pois elas não aprendem da mesma forma que as outras crianças. E é justamente para essas crianças que é necessário que haja determinadas mudanças e adaptações e, para isso, é preciso ter um olhar diferenciado. É o brinquedo, em sua singeleza, capaz de prover de recursos para a vida das crianças que se transformam em cidadãs e necessitam de um processamento mais ordenado para seu desenvolvimento. A realidade áspera do mundo dos adultos deve ser macia para o universo infantil. Vygotski, Luria e Leontiev (1998) entendem que as atividades lúdicas não se ligam unicamente ao prazer, pois a imaginação e as regras são características que servem para definir a brincadeira, mesmo que a lógica estabelecida pela situação do jogo não seja formal. O brinquedo apresenta a propriedade de construir o mundo, permitindo sua expressão quando há dificuldade em 209


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verbalizar suas dificuldades. Sua escolha é motivada por processos e desejos íntimos, pelos seus problemas e ansiedades. É brincando que a criança aprende que, quando perde no jogo, o mundo não se acaba. Vygotski (1984) e Zapparol (2012) afirmam que é fundamental evidenciar as potencialidades destes sujeitos e não a reabilitação dos defeitos, pois este aluno deve ser estimulado a explorar o mundo, a interagir com o outro, a expor sua opinião e desejos, pois as atividades lúdicas oferecem grandes oportunidades para isso. De acordo com Oliveira (2000), o brincar não é apenas uma atividade de recreação, mas também uma prática que desenvolve integralmente a criança, pois é no brincar que a criança se comunica consigo mesma e com o mundo, ou seja, seu desenvolvimento acontece por meio de trocas recíprocas que se estabelecem durante toda sua vida. Assim, é pelo brincar que a criança desenvolve capacidades como a atenção, a memória, a imitação, a imaginação, ou seja, suas funções psicológicas superiores, características tipicamente humanas que diferenciam o homem dos animais, além do desenvolvimento de áreas da personalidade como afetividade, motricidade, inteligência, sociabilidade e criatividade. Para Zapparoli (2012, p. 21), “[...] no brincar, a criança interage com o meio e, muitas vezes, com o outro. Nesse sentido, aprende como ser e agir no mundo”. O Brincar como ferramenta de aprendizagem para crianças com necessidades especiais na educação infantil. Toda criança tem o direito de brincar e é neste brincar que o aprendizado se favorece, oportunizando seu desenvolvimento em todos os aspectos, ou seja, cognitivo, afetivo, motor e social. O brincar tem muita importância na educação infantil, principalmente, no aspecto cognitivo possibilitando a criança, criatividade, com o propósito de desenvolver suas habilidades. 210


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A atividade lúdica é imprescindível, tanto para uma criança sem necessidades especiais, quanto para uma criança portadora de necessidades especiais, pois a brincadeira é algo sociável, fazendo com que as crianças se integrem umas com as outras, independentes de limitações. Por meio da brincadeira, a criança se expressa com maior facilidade, em ouvir, aceitar e discordar de opiniões e divide sua alegria em está brincando e iniciar uma liderança, e ser liderada, aprendendo a respeitar regras, expandindo seu relacionamento social e afetivo, respeitando a si mesmo e ao outro. Sendo assim, o ato de brincar contribui não apenas para o desenvolvimento da criança, como também a auxilia em lidar com seus limites, aprenderem regras e a ensinando a conviver com os outros, respeitando e aceitando as pessoas que são diferentes independentes de ter ou não, alguma deficiência. A criança brinca daquilo que vive. Se ela está em um ambiente que tenha objetos ao seu redor, ela criará possibilidades onde incluirá esses objetos. Por outro lado, quando não se tem esses elementos concretos, ela cria uma situação imaginária, criando sua própria brincadeira, como por exemplo, brincar de ser motorista envolvendo ônibus e passageiros, um pedaço de madeira torna-se boneco, definindo então a atividade por meio do significado do brinquedo. Há quem diga que a criança com necessidades especiais não brinca, a brincadeira é apenas um passatempo, porém toda criança brinca, seja ela portadora de alguma necessidade especial ou não, auxiliando em seu desenvolvimento, mostrando que não é simplesmente uma atividade recreativa, onde não terá aproveitamento algum, pelo contrário, tem uma grande influência para o desenvolvimento cognitivo e comportamental da criança. O lúdico é uma ferramenta necessária para se trabalhar aspectos culturais e sociais e facilitar um melhor ensino/aprendizagem, a brincadeira, 211


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as danças, as atividades artísticas, promovem a viabilização do exercício corporal vinculados a psicomotricidade. Podemos ver então a partir de todo o exposto, a contribuição e a importância do brincar para a Educação Infantil. No próprio Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI, 1998, p. 63) são colocados como objetivos desta modalidade de ensino:brincar, expressando emoções, sentimentos, pensamentos, desejos e necessidades; utilizar as diferentes linguagens (corporal, musical, plástica, oral e escrita) ajustadas às diferentes intenções e situações de comunicação, de forma a compreender e ser compreendido; expressar suas ideias, sentimentos, necessidades e desejos e avançar no seu processo de construção de significados, enriquecendo cada vez mais sua capacidade expressiva; conhecer algumas manifestações culturais, demonstrando atitudes de interesse, respeito e participação frente a elas e valorizando a diversidade. Por isso, não devemos ignorar a brincadeira como ferramenta de aprendizagem e pensarmos como uma recreação apenas; é muito mais que isso, pois cada brincadeira tem seu objetivo e quando bem praticada atende as necessidades de cada criança. O brincar contribui para ambas as partes, tanto para o educador quanto para o educando, envolvendo a família também, onde juntos podem aprender a superar limites e se surpreender diante as suas capacidades. O jogo, aqui compreendido como o ato de envolver-se no brincar, possibilita à criança exercitar-se no domínio do simbolismo, ou seja, adentrar em mundos que se encontram apenas no seu imaginário. “O jogo e a brincadeira permitem ao aluno criar, imaginar, fazer de conta, funciona como laboratório de aprendizagem, permitem ao aluno experimentar, medir, utilizar, equivocar-se e fundamentalmente aprender” (VYGOTSKI, LURIA e LEONTIEV,1998, p.23).

212


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Metodologia Os passos para a construção do nosso estudo foram os seguintes: a) Delimitar o problema de pesquisa no caso de um caso; b) Limitar o caso a uma unidade individual; c) Estruturar os instrumentos de coleta de dados, orientado pela delimitação do tempo e espaço que caracterizam essa abordagem de pesquisa; d) Coleta de dados; e) Analisar os dados, relacionando-os ao referencial teórico escolhido; f) Construir o relatório final com as conclusões. Amostra Uma professora de Educação Infantil e Especial de uma escola municipal da cidade de Abreu e Lima/PE, que atua com crianças surdas e com outras necessidades especiais. A mesma é pedagoga e possui habilidades especificas em educação especial. Resultados Organizamos o conjunto das informações coletadas em dois momentos: No 1º momento serão apresentados os resultados obtidos através do questionário, sobre (a) os materiais disponíveis na escola regular e especial e (b) sua frequência de uso. Conjuntamente, serão utilizados alguns dados coletados por meio da entrevista com a professora, relativo ao (c) uso dos jogos e dos brinquedos descritos no questionário, tendo em vista que algumas questões da entrevista solicitavam exemplos de utilização destes materiais. Daí, ser importante cruzar os dados. 213


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No 2º momento, serão apresentados e discutidos os resultados da entrevista, relativo ao tema abordado e sintetizado, como por exemplo: (d) a importância do brincar na escola, a opinião e os valores atribuídos aos jogos, brinquedos e brincadeiras das crianças surdas e das crianças com necessidades especiais. 1º momento: o questionário O questionário foi organizado com as seguintes categorias: 1) Brinquedo de encaixe e construção; 2) Materiais para fantasia e dramatizações; 3) Jogos de regras; 4) Materiais para atividades diversas, como tintas e colas; 5) Materiais audiovisuais e de informática. Os itens mais citados em cada categoria foram agrupados em ordem crescente para melhor observação.Na primeira coluna da tabela 1, estão relacionados os brinquedos de encaixe e construção mais citado pela professora; na segunda coluna, está a disponibilidade desses materiais que foram relativas à frequência de uso por semana; abaixo de cada tabela, está o Comentário Analítico da Pesquisadora sobre os dados da tabela e a fala da professora. A fala da professora registrada durante a entrevista foi colocada em itálico.

214


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Tabela 1: Disponibilidade e frequência de uso de brinquedos de encaixe e construção. Itens mais citados

Frequência de uso Disponíveis

1 a 2 dias na

4 a 5 dias na

Todos os

Uso

semana

semana

dias

eventual

Encaixes

Sim

2 vezes

-

-

-

Quebra-cabeças

Sim

2 vezes

-

-

-

Sim

2 vezes

-

-

-

Caixas com outras formas geométricas

Comentário Analítico da Pesquisadora: Encaixe, quebra-cabeça, caixas com formas geométricas são brinquedos que parece ser os preferidos pela professora, por estar relacionada à aprendizagem de conteúdos e ao treino da coordenação motora, como se pode ver na fala a seguir da professora respondendo a entrevista: “... A sala é bem espaçosa, nossas atividades diárias inclui os com jogos e dramatizações”; ... “os materiais são guardados dentro do armário”; ... “os materiais são selecionados de acordo com a proposta pedagógica referida na disciplina”.

215


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Tabela 2: Disponibilidade e frequência de uso de brinquedos de materiais para fantasias e dramatizações. Itens mais citados

Frequência de uso Disponíveis

1 a 2 dias na

4 a 5 dias na

Todos os

Uso

semana

semana

dias

eventual

Tecidos e retalhos

Sim

-

3 vezes

-

-

Acessórios

Sim

2 vezes

-

-

-

Cenários

Sim

-

3 vezes

-

-

Roupas de fantasias

Sim

2 vezes

-

-

-

Comentário Analítico da Pesquisadora: De modo geral, estes materiais estão disponíveis na escola e são mais utilizados pela professora, pois estimula a percepção visual e motora das crianças. “... trabalhamos muitas estórias,dai o uso de tecidos, acessórios são indispensáveis...”

Em outro lado é possível observar o uso da fantasia para estimular a expressão corporal das crianças. “... Fantasia para dramatização sempre traz vida para a estória e eles adoram...”

216


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Tabela 3: Disponibilidade e frequência de uso de jogos de regras. Itens mais citados

Frequência de uso

Disponíveis

Jogos de localizações

1 a 2 dias na

4 a 5 dias na

Todos os

Uso

semana

semana

dias

eventual

Sim

-

5 vezes

-

-

Sim

-

5 vezes

-

-

Jogos de forma palavras

Sim

-

5 vezes

-

-

Jogos sensoriais

Sim

-

5 vezes

-

-

Sim

-

5 vezes

-

-

Jogos de reconhecer profissões

Jogos de relações e memória

Comentário Analítico da Pesquisadora:Estes jogos são bastante utilizados pela professora, pois existe uma necessidade de repetir as atividades para que as crianças consigam compreender melhor os jogos.

217


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Tabela 4: Disponibilidade e frequência de uso de materiais para atividades diversas.

Itens mais citados

Frequência de uso 1 a 2 dias

4 a 5 dias

Todos os

Uso

na semana

na semana

dias

eventual

Sim

-

5 vezes

-

-

Sim

-

5 vezes

-

-

Conjuntos de lápis

Sim

-

3 vezes

-

-

Dobraduras

Sim

2 vezes

-

-

-

Recortes e colagens

Sim

2 vezes

-

-

-

Conjuntos de lápis

Sim

-

5 vezes

-

-

Colas

Sim

2 vezes

-

-

-

Livros de estórias

Sim

2 vezes

-

Sim

-

Disponíveis

Giz de cera Papéis de diferentes tipos e cores

Comentário Analítico da Pesquisadora: Materiais como giz de cera e colas coloridas são utilizados em atividades feitas em classe, assim como as atividades de recortes e colagens. O uso do recorte e da colagem está presente na elaboração de diversas atividades, mas a atividade mais citada pela professora para o uso da tesoura e cola foi de confecção de cartazes e pesquisas sobre conteúdos didáticos específicos, tais como datas comemorativas. “... esses tipos de atividades fazem com que a crianças tenham liberdade e autonomia de decorrer para a sua aprendizagem.”

218


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Tabela 5: Disponibilidade e frequência de uso de materiais audiovisuais e de informática. Itens mais citados

Frequência de uso

Disponíveis

1 a 2 dias

4 a 5 dias

Todos os

Uso

na semana

na semana

dias

eventual

Televisão

Sim

-

4 vezes

-

-

DVD

Sim

-

4 vezes

-

-

Microcomputador

Sim

2 vezes

-

-

-

Cds, DVDs

Sim

2 vezes

-

-

-

Rádio

Sim

-

3 vezes

-

-

Comentário Analítico da Pesquisadora: O rádio, a Tv e o DVD estão sempre presentes na escola e quando disponível é utilizado com frequência ao longo da semana. Cabe apontar que a utilização desses materiais durante a maior parte dos dias da semana foi mais citada pela professora, pois é uma das alternativas encontrada para despertar o interesse e a atenção das crianças. “... esses materiais são muito importantes e as crianças gostam, e nós professores temos que usar a tecnologia a nosso favor, até porque uma aula para criançassurdas e com necessidades especiais, tem que ser bem dinamizada, e eu como professora gosto sempre de trazer esses materiais para dentro da minha sala de aula.”

219


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Tabela 6: Comparação do uso semanal dos materiais disponíveis na escola, segundo dados do questionário aplicado. Itens mais citados

Frequência de uso

Disponíveis

1 a 2 dias

3 a 4 dias

4 a 5 dias

Uso

na semana

na semana

na semana

eventual

Encaixes

Sim

2 vezes

-

-

-

Quebra-cabeça

Sim

2 vezes

-

-

-

Microcomputador

Sim

2 vezes

-

-

-

Cds, DVDs

Sim

2 vezes

-

-

-

Rádio

Sim

-

3 vezes

-

-

Sim

2 vezes

-

-

-

Tecidos e retalhos

Sim

-

3 vezes

-

-

Acessórios

Sim

2 vezes

-

-

-

Cenários

Sim

-

3 vezes

-

-

Roupas de fantasiais

Sim

2 vezes

-

-

-

Jogos de localização

Sim

-

-

5 vezes

-

Sim

-

-

5 vezes

-

Sim

-

-

5 vezes

-

Sim

-

-

5 vezes

-

Sim

-

-

5 vezes

-

Caixas com outras formas geométricas

Jogos de reconhecer profissões Jogos de forma palavras Jogos sensoriais Jogos de relação e memória

220


Anais Eletrônicos - XIII EELL

Giz de cera

Sim

-

-

5 vezes

-

Sim

-

-

5 vezes

-

Conjuntos de lápis

Sim

-

3 vezes

-

-

Dobraduras

Sim

2 vezes

-

-

-

Recortes e colagens

Sim

2 vezes

-

-

-

Colas

Sim

2 vezes

-

-

-

Livros de estórias

Sim

2 vezes

-

-

-

Tv

Sim

-

-

4 vezes

-

DVD

Sim

-

-

4 vezes

-

Papeis de diferentes tipos e cores

Comentário Analítico da Pesquisadora: Esta tabela resume todos os materiais apresentados nesta pesquisa, onde ela nos mostra a frequência e quantidades de uso por semana de todos os materiais, citados pela professora no questionário. Podermos observamos que há uma variação entre 2 a 5 vezes por semana, de utilização e uso dos brinquedos e dos jogos dentro e fora da sala de aula. 2º Momento: entrevista Esta entrevista foi realizada de acordo com as propostas de BARDIN (2011). Após as transcrições da entrevista, iniciou-se a organização da pré-análise, que compreende três etapas distintas: a leitura flutuante; a análise de conteúdos e a elaboração dos indicadores.

221


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A entrevista foi lida e várias vezes estudada, para que fosse possível criar uma interação com o conteúdo abordado. Segundo BARDIN (2011) “A analise de conteúdo já era utilizada desde as primeiras tentativas da humanidade de interpretar os livros sagrados, tendo sido sintetizada como método apenas na década de 20, por Leavell.” Nesse processo, o conteúdo da entrevista foi sendo elaborado a partir do conjunto de elementos que se destacaram nos indicadores abordados pelo tema e, assim, o conteúdo dos relatos da professora foi agrupando-se conforme a temática apresentada.Em seguida, estes agrupamentos foram reunidos num conjunto maior constituído a temática destacada pela entrevista, de acordo com as referências comuns.Por fim, a leitura constante desta entrevista foi compondo enunciado, que configuram os temas que representem o conjunto de resultados obtidos neste trabalho. Os temas propostos foram: a) Acesso aos jogos e brinquedos; b) Confecção de brinquedos e jogos; c) Conceito sobre o brincar; d) Importância do brincar na escola; e) Brincadeiras observadas pela professora. Análise das respostas agrupadas da entrevista com a professora a) acesso aos jogos e brinquedos “...A sala é bem espaçosa, nossas atividades diárias incluir o brincar com jogos e dramatizações de algumas estórias”; “...os materiais são guardados dentro do armário”;

222


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“...os materiais são selecionados de acordo com a proposta pedagógica referida a disciplina”.

Comentário Analítico da Pesquisadora: Falar sobre o acesso aos jogos e brinquedos existente na escola, cabe descrever brevemente o espaço físico da escola que contribuiu para este trabalho, e descrever um pouco onde os materiais são guardados e organizados e como esses materiais são selecionados. b) confecção de brinquedos e jogos “... jogos de localizar o número em libras, por exemplo, utilizamos TNT, dado para que as crianças surdas e com necessidades especiais identifiquem e façam a relação do número arábico para os números em libras”.

Comentário Analítico da Pesquisadora: Nesta questão pediu-se para que a professora listasse os brinquedos confeccionados pelas crianças; pode-se, assim, analisar exemplos de brinquedos, de jogos pedagógicos e de materiais didáticos. c) conceito de brincar “...brincar é uma atividade humana, da qual normalmente as crianças, fazem parte de forma espontânea tornando-se uma maneira de viver e recriar as diversas atividades e experiências socioculturais. Nesta atividade unem-se a imaginação, fantasia e realidade interagindo e dando margem as novas interpretações do mundo. Assim percebo que tudo que é proposto de uma forma lúdica abre uma janela para nova curiosidade, isso seja através de estórias, jogo adaptado ou não, percebo que o despertar do recriar e o imaginar se refletem”. 223


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Comentário Analítico da Pesquisadora - Essa questão do roteiro tem como tema: “em sua opinião, o que é brincar?”. A resposta obtida demostra uma variedade de valores a respeito desta atividade infantil. A professora demostra em seu conceito o brincar relacionado ao prazer que esta atividade propicia à criança. Por conseguinte, persiste a ideia de aprendizado relacionado ao prazer, assim como a possibilidade de expressar sentimentos e de liberdade da ação da criança. d) importância do brincar na escola “...é indispensável a criança brincar na escola, pois muitas delas não tem acesso a essas brincadeiras, e o brincar com jogos desperta a imaginação e contribui para o desenvolvimento da aprendizagem”.

Comentário Analítico daPesquisadora - É inquestionável o fato de que a professora acredite ser de extrema importância para as crianças brincar na escola. Entretanto, a justificativa da professora quanto à relevância desta atividade no ambiente escolar, demonstra uma variedade de fatores atribuídos ao tema proposto e a aprendizagem das crianças. Desse modo, a aprendizagem através de atividades lúdicas refere-se a diferentes fatores, como: a aprender a brincar, aprender a estabelecer relações sociais e afetivas e aprender conteúdos pedagógicos específicos. Além de haver referência ao brincar como elemento motivador para a aprendizagem e como uma atividade que favorece o desenvolvimento da criança. e) brincadeira observada pela professora “...nas horas livres que eles estão brincando, percebo que as crianças gostam de brincar com quebra-cabeças, encaixes entre outros. Vejo também que as crianças surdas costumam brincar de formar palavras 224


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com a datilologia, gosto de ver eles brincar pois dai percebo que não existe limites para a brincadeira, e que as suas dificuldades não os impedem de brincar, e isso me faz feliz”.

Comentário Analítico da Pesquisadora - Há uma diversificação no conteúdo proposto deste tema, pois a professora demonstra com muita atenção os tipos de brincadeiras observadas por ela em horas livres.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo refletiu a importância de práticas pedagógicas de integração de crianças portadoras de necessidades especiais no contexto do brinquedo e da brincadeira, analisando a existência e a frequência de uso semanal de vários tipos de brinquedos, materiais para brincar, jogos de regras, materiais diversos (como tintas, livros de histórias) e materiais audiovisuais e de informática. Através do questionário aplicado pudemos observar a disponibilidade de cada brinquedo na escola de educação infantil e especial. Dessa forma a aquisição desses materiais encontrados na escola é sistematizada, ou seja, há uma verba que é direcionada para a direção da escola, onde a diretora junto com as professoras planeja a compra desses materiais, que serão utilizados durante todo período letivo. A aquisição de materiais lúdicos, como principalmente os brinquedos e jogos, são escolhidos de acordo com a faixa etária das crianças são de extrema importância para seu desenvolvimento no momento da aprendizagem. Tradicionalmente, não se tem negado as possibilidades do brincar para crianças com necessidades especiais no âmbito escolar, principalmente por que as atividades lúdicas possibilitam um potencial elevado para o desenvolvimento global dessas crianças. 225


Anais Eletrônicos - XIII EELL

Todavia, o brincar se reduz a ser um instrumento de aquisição de conteúdos específicos e de habilidades escolares. De modo, a escola não tem considerado o brincar como um processo de construção do conhecimento de cultura e de lazer, e sim, utiliza o brincar como forma de atividade pedagógica, negando as crianças um momento de ludicidade. Das possibilidades de reflexão presente neste trabalho, pode-se concluir que nas brincadeiras realizadas na escola há uma intervenção direta do adulto (professora), ou seja, jogo está relacionada ao recurso pedagógico e a possibilidade de contribuir pouco para o desenvolvimento infantil. O discurso da professora sobre o brincar nos remete sobre a importância da brincadeira dentro da escola, ou seja, ela nos faz refletir sobre essa atividade de maneira lúdica e prazerosa, mas ao analisamos vimos que as brincadeiras são sempre voltadas para o conteúdo pedagógico, ou seja, o aprendizado de um conteúdo escolar. O presente estudo aponta para a necessidade de investir esforços para o brincar das crianças com necessidades especiais no ambiente escolar de modo mais criativo, lúdico e otimizado. Ou seja, se as brincadeiras dessas crianças, muitas vezes, não ocorrem de modo espontâneo devido às suas limitações, causadas pela deficiência. Deve-se incentivá-las a buscar a brincadeira, a buscar a interação do outro, mesmo que para isso ocorra a intervenção do adulto. Outro ponto de extrema importância para capacidade lúdica dessas crianças é deixar, que elas exercitem seus sentimentos e sua autonomia, que experimentem novas sensações durante o brincar, pois dessa forma haverá menos riscos de fracasso, pois não irá se tratar de alcançar um resultado, nem de ter uma única forma de realização, mais sim de que a criança irá se permitir e se sentir capaz. Desse modo, é possível pensar numa abordagem para a educação o desenvolvimento dessas crianças com necessidades especiais dentro da escola 226


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e da sala de aula contando com um grupo de profissionais que possibilitem ainda mais a prática do brincar para essas crianças, profissionais como, professores capacitados, terapeutas ocupacionais, psicólogos e psicopedagogos que queiram contribuir para a construção de uma prática educacional cujo enfoque está na ação do brincar, tendo em vista que cada um desses profissionais possui conhecimentos e habilidades que se completam. Faz-se necessário um olhar mais criativo para o brincar enquanto meio de apropriação cultural, na qual as crianças e suas brincadeiras devam ser respeitadas segundo seu meio social e seus interesses de aprendizado.

Referências BANDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011. BROUGÈRE, Gilles. Jogo e educação. Tradução: Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. KISHIMOTO, Tizuko M. O jogo e a educação infantil. In: KISHIMOTO, Tizuko M. (org.). Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2000. p. 13-43. SILVA, C.C.B. O lugar do brinquedo e dos jogos nas escolas especiais de educação infantil. Tese de Doutorado. 2003. Universidade de São Paulo. OLIVEIRA, Vera Barros de (org.). O brincar e a criança do nascimento aos seis anos. Petrópolis: Vozes, 2000. VYGOTSKY, L. S.; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone: Editora da Universidade de São Paulo, 1998. VYGOTSKI, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984. ZAPPAROLI, Kelem. Estratégias lúdicas da criança com deficiência. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2012.

227


Resumo O presente trabalho objetivou evidenciar a importância do texto literário como recurso didático intercultural no ensino de Espanhol como língua estrangeira. Para isso, se utilizou, como referencial teórico, autores como Fouatih (2009), Cosson (2006), Candido (1995), entre outros. Aliado a leitura dessas obras, foi feita análise de dois textos literários hispano-americanos, ressaltando seus elementos culturais. O que se realizou com essa pesquisa foi a interpretação dos textos escritos para estabelecer as realidades do ensino de língua espanhola no Brasil, assim como explanação sobre os fatos que tornam a literatura relevante no ensino de língua estrangeira. Percebeu-se que a arte literária possui o poder de motivar o aprendizado e auxiliar o educando construir sua alteridade, além de ampliar a consciência intercultural de mundo. Palavras-chaves: Literatura; Espanhol; Interculturalidade.


O TEXTO LITERÁRIO COMO RECURSO DIDÁTICO MOTIVACIONAL E INTERCULTURAL PARA O ENSINO DE E/LE Rayane Maria da Silva Oliveira1 Edilza de Moura 2

INTRODUÇÃO O aprendizado de uma língua estrangeira traz diversas possibilidades de crescimento para o indivíduo, seja ela profissional, educacional ou pessoal. Em um mundo cada vez mais globalizado, essa necessidade cresce cada dia mais. É imprescindível, então, pensar em como esse aprendizado está acontecendo e quais os desafios que estudar um idioma estrangeiro traz para a vida do educando. Do ponto de vista educacional, a discussão a respeito do ensino de língua estrangeira, especificamente a língua espanhola, de maneira alguma deve se limitar apenas às questões comunicativas, pois o educando, além de aprender os códigos linguísticos inerentes ao idioma, estará lidando com uma cultura e realidade diferentes, sendo imprescindível mergulhar nesse universo distinto. Nesse sentido, é necessário desenvolver estratégias para que o aprendizado ocorra de forma a contemplar as complexidades que envolvem a língua meta, incluindo nisso as diversidades sociais e culturais. O presente estudo pretende, então, evidenciar a importância do texto literário como recurso didático intercultural para o ensino/aprendizagem do Espanhol como língua estrangeira (E/LE). Para isso, será caracterizado

1. Graduanda em Letras – FAFIRE. rayanemsoliveira@gmail.com 2. Mestre em Educação. Professora do curso de Letras da FAFIRE. edilzamoura@ig.com.br 229


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o conceito de interculturalidade, além de realizada uma discussão sobre a relação entre texto literário e ensino de língua espanhola. A importância desse trabalho se reflete na possibilidade de analisar a relevância do texto literário na construção da identidade cultural do educando, valorizando as realidades hispano-americanas. Para a comunidade escolar, isso significa um ensino mais democrático que, além de trazer o professor como motivador do processo de ensino, coloca o aluno como responsável por erigir o seu próprio pensamento crítico a respeito da realidade, tornando-se um ser capaz, que utiliza os conhecimentos aprendidos no ambiente de ensino para além dele.

O ENSINO APRENDIZAGEM DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA (E/LE) Com a revolução da internet e como um mundo cada vez mais globalizado, o interesse por aprender novas línguas e culturas, para quebrar as barreiras geográficas e culturais, cresceu muito. E uma vez que o idioma espanhol é oriundo do latim tal qual o português, e o Brasil faz fronteira com países falantes de espanhol na América do Sul, além de haver a facilitação de viagens para esses países – facilitação adquirida devido a existência do Mercado Comum do Sul (Mercosul), como se verá mais adiante − é normal que surja o interesse pela língua por parte dos brasileiros. O espanhol é falado por mais de 332 milhões de pessoas no mundo e é a língua oficial de 21 países, além de ser considerada a segunda língua internacional mais utilizada após o inglês (SEDYCIAS, 2005). Muito disso diz respeito ao processo de expansão comercial marítima, começada no século XVI, e do estabelecimento de colônias espanholas como as da América. Dessa forma, o espanhol torna-se uma língua que facilita as relações sociais, culturais e econômicas ao redor do mundo. 230


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Tais constatações convergem para Sedycias (2005) que relata alguns motivos para se aprender o espanhol, destacando os aspectos profissionais e pessoais como principais, além dos benefícios de aprender um idioma que a cada dia domina mais o cenário mundial. Tratando de benefícios pessoais, o autor cita a expansão do conhecimento de mundo através da cultura hispânica com sua literatura, cinema, filosofia, música, etc., ou seja, a língua torna-se um elo que vai além de um veículo de comunicação e passa a elencar um vínculo de relações sociais e culturais de compreensão e valorização do mundo. Interculturalidade no ensino da língua Antes de tratar da interculturalidade, faz-se necessário explanar sobre a cultura e suas implicações. O conceito de cultura possui diversas interpretações, muitas das quais foram mudadas com o passar dos anos e do avanço nos estudos antropológicos. De maneira geral cultura é “una construcción social e histórica que responde al proyecto particular que cada pueblo se traza como próprio” (SCHMELKES, 2008, p. 17). A cultura é viva, não podendo, assim, uma ser considerada melhor do que a outra ou um povo ser tomado como modelo para os outros por conta de suas manifestações culturais. Esses equívocos, como aponta Schmelkes (2008), são a principal causa do racismo, xenofobia e o desaparecimento de civilizações antigas durante as grandes navegações. Tratar de cultura é falar também de diversidade, que seria a construção da identidade de um indivíduo a partir das manifestações culturais de outros. Ainda que seja dentro de uma única sociedade é raro encontrar homogeneidade quando se fala de cultura, o que pode ser explicado, por exemplo, pelo fluxo migratório ao longo dos anos, assim como pelas diferenças de idade, sexo, etnia e classe social dentro de um mesmo grupo (SAZ et al, 2009). Con231


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tudo, é relevante mencionar que a convivência entre várias culturas em um só espaço (multiculturalidade) não implica, necessariamente, igualdade; ao contrário as diferenças podem levar a conflitos internos e manifestarem-se como econômicas, sociais, educativas e de valores, o que envolve também o racismo e a discriminação (SCHMELKES, 2008). A cultura, nesse sentido, manifesta-se através das relações sociais, sendo a língua um dos principais veículos dessa manifestação, pois envolve, praticamente, todas as atividades humanas por conta de sua capacidade de expressar o pensamento, de comunicar (LIMA, 2011). Marco (apud BRASIL, 2 diz que “la lengua no es sólo un aspecto importante de la cultura, sino también un medio de acceso a las manifestaciones culturales. [...]”. Ela guarda a história de um povo e através dela, e de suas diversas linguagens (oral, escrita, artística), é possível, além de aprender a comunicar-se, compreender uma realidade distinta da conhecida, com suas particularidades e diversidades. No ensino, então, a língua é primordial, pois permite o surgimento e expressão de ideias no aluno dando suporte para que ele possa defender seu ponto de vista a respeito da sua cultura e das outras, assim como interagir com seus colegas e professores (SCHMELKES, 2008). Por fim, a interculturalidade “trata de superar la mera coexistencia territorial y busca el diálogo entre personas procedentes de distintas tradiciones culturales y las posibilidades que se abren en ese mismo diálogo” (SAZ et al, 2009, p. 20). Estando, desse modo, ligada ao reconhecimento do impacto da diferença entre culturas, o que desenvolve no indivíduo a noção de que a realidade pode ser construída a partir de diferentes pontos de vista. Em relação ao ensino de espanhol, a interculturalidade quebra barreiras ao criar novos meios de comunicação entre culturas distintas através da linguagem (LIMA, 2011).

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Relacionado à aprendizagem de E/LE, Kulikovski (2005, p. 49) define bem a importância da interculturalidade no ensino de língua estrangeira: estudiar una lengua es como hacer un viaje que tiene dos direcciones: una exterior, que dice respecto al gesto aproximativo hacia el ‘otro’, su cultura y su identidad, y una interior, que, frente al efecto del encuentro con ese ‘otro’ se compara, se observa, se reconoce como diferente.

Seguindo na mesma direção, Schmelkes (2008) aponta que é imprescindível um enfoque intercultural, pois tornará possível ao estudante compreender a sua própria cultura frente a do outro, porém, de acordo com a autora, isso não implica julgar o outro a partir do ponto de vista da sua cultura, tomando-a como modelo. Por isso a necessidade da ênfase da interculturalidade na sala de aula, como explica Paraquett (2010, p. 148) “para nossos alunos, os ajuda a eliminar estereótipos redutores e preconceitos contra o que lhes é ou parece ser diferente”. É aí que reside a importância da interculturalidade, através da competência comunicativa, para a inclusão social em sala de aula, tornando o ensino de língua espanhola mais democrático. Nesse sentido, o ensino de E/LE deve ser voltado não apenas para exames seletivos ou para a comunicação breve em momentos. Analisando os documentos oficiais, os Parâmetros Curriculares para o ensino no estado de Pernambuco (PCPE), na seção de Língua Espanhola, destacam que a ampliação (ou a criação) da consciência intercultural no estudante deve ser desenvolvida a partir de seis competências: (inter) pluricultural, que abarca e interage com todas as outras habilidades; comunicativa, relacionada ao uso da língua para uma melhor interação; compreensão oral, para a efetivação da comunicação é preciso que haja entendimento dos elementos explícitos e implícitos do discurso; produção oral, para que a comunicação vá além da mera compreensão do que se fala e sim aprofunde-se no do discurso do outro; compreensão leitora, 233


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aprofundamento sobre o sentido do que foi lido, levando em conta todas as particularidades do texto e, por fim, a produção escrita, que diz respeito a apropriação dos elementos linguísticos através de uma gramática contextualizada (PERNAMBUCO, 2013). O texto ainda cita que as competências não devem ser estudadas de forma independente ou ficará difícil de atingir o objetivo principal que seria a consciência de mundo (inter) pluricultural. Assim, o ensino de E/LE deve ser voltado para o enfoque intercultural, permitindo ao estudante ser um sujeito reflexivo a respeito da sua realidade e da alheia (PERNAMBUCO, 2013). Apesar da globalização e o surgimento da internet o que, de certa forma, garante acessibilidade no que diz respeito às notícias e informes ao redor do mundo, um dos obstáculos para o aprendizado de E/LE é a restrição do ensino às situações que permeiam a vida do aluno, como o trabalho ou o vestibular. Situações essas que necessitam de fatores motivacionais externos e que, geralmente, não criam no educando a competência intercultural, sendo necessária, então, a criação de um contexto favorável à aprendizagem com atividades estimulantes para a melhor apreensão da cultura que envolve a língua meta. É nessa conjuntura que surge a literatura como aliada do ensino de E/LE possibilitando a ampliação da consciência de mundo ao abordar temas sociais e fomentar a diversidade, como se verá na próxima seção.

LITERATURA NO ENSINO DE LÍNGUA ESPANHOLA Ler é um ato que permite a expansão do pensamento e estimula a imaginação. É através do texto literário que o indivíduo entra em contato com o outro, podendo vivenciar experiências únicas e construir a identidade a partir da cultura do outro, mas sem deixar a sua própria (COSSON, 2006). Tratando-se da literatura de língua estrangeira, a leitura permite o conhecimento da cultura da qual a língua faz parte, o que é imprescindível 234


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para o aprendizado, pois a língua é viva, indo além das expressões e regras gramaticais. O ato da leitura também pressupõe a formação da criticidade do leitor, que será trabalhada através da contextualização do que se está lendo e a apreensão de valores que podem ser formadores de caráter e essenciais para a convivência diária. Além disso, a literatura trata, muitas vezes, de temas universais que podem possibilitar a aproximação do leitor com o que se está lendo por mais distante que seja sua realidade da que está sendo descrita no texto, ressaltando seu papel humanizador (CANDIDO, 1995). Por conta de seu apelo humano, a literatura é sensível a temas diversos que permeiam as mais diferentes culturas, recriando as experiências humanas com imaginação e, muitas vezes, metáforas, o que lhe confere uma beleza única e transmite ao leitor sensibilidade e prazer estético, motivando-o para a leitura e ampliando o olhar crítico (ANTUNES, 2009). A literatura hispânica, como qualquer outra arte, desenvolveu-se acompanhando a história do povo espanhol e, posteriormente, a formação da América hispânica. Dito isso, tem-se em mente que a arte literária é rica de saberes sobre esses povos, sendo essencial para o ensino de E/LE a partir de uma perspectiva intercultural. Para que o ensino da língua seja uma experiência exultante é necessário levar em consideração alguns fatores primordiais para lograr esse objetivo. Um desses fatores é a utilização de materiais didáticos autênticos, que permitam o desenrolar das atividades voltadas para a aprendizagem forma motivadora. Barros e Costa (2011) definem materiais didáticos como ferramentas fundamentais do trabalho do professor, utilizadas de forma pedagógica, que possibilitam o ensino, a aprendizagem e o aprofundamento do conhecimento adquirido para se atingir os objetivos estabelecidos. Nesse sentido, a literatura pode funcionar como um material didático autêntico, pois ela é idealizada para os falantes nativos, possuindo estruturas linguísticas de 235


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qualidade e complexidade comunicativa, oferecendo um perfeito modelo da língua, além da ampliação do vocabulário (FOUATIH, 2009). Na mesma perspectiva, Valdés (apud FOUATIH, 2009) nota que nem sempre os estudantes têm contato, geralmente por motivos financeiros, com a língua espanhola em situações sociais reais, estando implícita nessas situações de comunicação a aproximação com a cultura. Por esse motivo, a literatura, por possuir a vantagem de explorar situações sociais contextualizadas, é uma ótima forma de aproximar os educandos da cultura da língua meta. A literatura, quando bem explorada, motiva o educando, por um lado, por sua subjetividade que dialoga de forma singular com as pessoas e, por outro lado, por seu valor estético que causa deleite, estimulando as destrezas da leitura e, por consequência, da escrita e oralidade. Afinal, para quem lê bem, as possibilidades de escrever e falar bem são infinitas (FOUATIH, 2009). Ao longo de sua vivência escolar, o professor se depara com alunos que aprendem em velocidades diferentes e, por isso, precisam ser avaliados de maneiras distintas. O uso do texto literário permite o desenvolvimento da competência leitora, escrita e oral possibilitando uma avaliação baseada no que foi apreendido pelo aluno, bem como interferindo na visão que eles têm a respeito da língua estrangeira, além de ajudá-los no relacionamento com a língua materna (BRASIL, 2006). Baptista (2010) introduz a discussão sobre o letramento e o ensino da língua espanhola. Letramento, segundo a autora, diz respeito à possibilidade de desenvolver habilidade no educando que o permita inserir-se criticamente na sociedade, problematizando-a (BAPTISTA, 2010). Esse pressuposto vai ao encontro do que se propõe no presente trabalho, pois a leitura literária, como já dito, permite a expansão da consciência de mundo. Baptista (2010) propõe, então, que a escola dê preferências a “atividades que favoreçam a compreensão e avaliação dos discursos produzidos nas diferentes sociedades e práticas letradas” (BAPTISTA, 2010, p. 123). Somente assim é que se 236


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pode cogitar a construção de uma visão crítica que emancipe o estudante e auxilie-o na superação de suas próprias barreiras, permitindo-o transformar a realidade, cumprindo, então, o papel social que a língua estrangeira possui de acordo com as OCEM’s (BRASIL, 2006). Os PCPE citam a realização do letramento literário em três momentos produtivos: em interdisciplinaridade com outros conhecimentos, (História, Português, Geografia, etc.), complementando os outros eixos de ensino (Compreensão Oral, Produção Oral, Compreensão Escrita e Produção Escrita) e, por fim, promovendo o conhecimento e relacionando os textos literários com a realidade social e histórica dos educando (PERNAMBUCO, 2013). A respeito da competência intercultural no letramento literário, pode-se citar que a formação da América hispânica é multicultural, logo o ensino de E/LE deve dar conta da diversidade existente no território, seja ela linguística, de raça, de costumes ou tradições. É importante, então, a utilização de textos que tratem da cultura indígena, negra, mestiça e espanhola, abarcando a heterogeneidade dentro dessas culturas. Sobre a questão negra, Bernd (1987) cita o surgimento de uma literatura voltada para o resgate da negritude dos povos africanos escravizados que costumavam incorporar a cultura dos europeus, considerada a superior, alienando-se das suas próprias. Essa literatura torna-se necessária a partir do momento em que as culturas negras existentes na América hispânica são invisibilizadas e estigmatizadas, principalmente nos países onde a população é predominantemente negra. Ainda tratando de interculturalidade na literatura, deve-se ressaltar que ela permite, quando bem trabalhada, a superação de certas ideologias e práticas segregacionistas, como, por exemplo, o racismo, ao contemplar diversidades étnicas e suas contribuições para a construção das sociedades, além de denunciar crueldades praticadas contra esses povos e desmistificar a construção histórica do conceito de raça. Como bem define Saz et al 237


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(2009, p. 45) as manifestações artísticas [entre elas, a literatura] permitem “un reconocimiento del otro mediante nueva representaciones”. Na mesma linha de raciocínio Cosson (2012) reflete que através do letramento literário é possível construir a identidade a partir do que o outro pensa ou sente, mas sem deixar que essa construção implique na fragmentação do indivíduo. Por fim, entende-se que a literatura favorece o aprendizado e estimula o desenvolvimento das competências de ensino, além de tratar de temas universais que dialogam com as subjetividades dos leitores. Por seu caráter atemporal, ela permite um olhar mais apurado sobre a história de uma sociedade, possibilitando ao indivíduo a construção de seu futuro.

O TEXTO LITERÁRIO COMO RECURSO MOTIVACIONAL E INTERCULTURAL: ANÁLISE DAS OBRAS As aulas de língua espanhola costumam concentrar-se muito na gramática, principalmente para diferenciá-la do português brasileiro, pois há um pensamento de que, como provém do mesmo tronco linguístico, ambas as línguas são fáceis de aprender. As aulas geralmente possuem vários elementos culturais, porém eles nem sempre são conectados com a realidade do aluno ou da língua meta e isso torna difícil a contextualização do que está sendo aprendido. Como visto, a literatura permite o contato com a realidade estrangeira e suas diversidades culturais, possibilitando ao leitor diversas interpretações diante de seu caráter subjetivo. Sendo assim, o presente estudo procederá à análise de duas obras literárias de autores distintos, observando representações culturais, identificando referências à discriminação e desmistificando estereótipos. À medida que for possível, também se abordará a questão linguística e suas implicações.

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La muerte del tigre, Rosario Castellanos A primeira obra analisada é o conto La muerte del tigre, de Rosario Castellanos. A obra conta a história de miséria e dizimação da tribo indígena Bolometic. O conto é escrito no passado, tratando-se de um fato consumado narrado por uma voz onisciente que mostra apenas o ponto de vista dos vencidos. A autora, Rosario Castellanos, é mexicana e trabalha em suas obras a questão cultural dos indígenas mexicanos e as tensões entre nativos e brancos. O conto a ser analisado faz parte da coletânea Ciudad Real. O texto é hispânico e se trata de uma ficção a respeito de uma comunidade indígena nascida na cidade de Chiapas, no México, descendente dos Maias. Os Bolometic tinham grande abundância em suas terras, eram audazes e ferozes, eram abençoados pelo seu waigel: “La comunidad de los Bolometic estaba integrada por familias de un mismo linaje. Su espíritu protector, su waigel, era el tigre, cuyo nombre fueron dignos de asumir por su bravura y por su audacia” (CASTELLANOS, 1962, p. 79). Essa realidade se transforma com a chegada dos colonizadores e o conto narra, a partir daí a marginalização do grupo indígena, sujeitos à escravidão, ilhados de suas terras e suas sucessivas tragédias. A respeito da diversidade social presente no texto, pode-se destacar o contraste entre a pobreza dos Bolometic e a prosperidade marcada pela ambição dos Caxlanes. Os Bolometic tornaram-se nômades e vivem com penúria, sobrevivendo de pequenos furtos: “algunos robaron ovejas preñadas y las pastorearon a hurtadillas” (CASTELLANOS, 1962, p. 82). Além disso, observa-se que os índios faziam oferendas aos deuses para aplacar a fúria que caíra sobre a tribo. A espiritualidade é um elemento étnico indígena fortemente presente na obra motrado através da crença em uma deidade personificada em um 239


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elemento da natureza, o Bolom (tigre). Destaca-se então, a relação íntima do índio com a natureza, explicando, então sua crença em períodos de abundância que refletem a felicidade dos deuses e tempos de guerra e fome que mostram a fúria deles por algo feito de errado. Os mestiços, por outro lado, vivem em uma cidade que se transformou em uma metrópole tal quais as da Europa: En Ciudad Real los hombres ya no viven según su capricho o su servidumbre a la necesidad. En el trazo de este pueblo predominó la inteligencia. (….) Durante los siglos de la Colonia y los primeros lustros de la independencia, Ciudad Real fue asiento de la gubernatura de la província. Detentó la abundancia del comercio; irradió el foco de la cultura. (CASTELLANOS, 1962, p. 82).

Nesse trecho pode ser ressaltado o pensamento equivocado de que os índios eram povos sem cultura estabelecida, selvagens que tiveram que ser dominados. A organização social dos indígenas também é destacada no texto, não existe divisão de classes ou hierarquia, mas existia a separação de tarefas: as mulheres eram responsáveis pelos bens domésticos e pela comida; os homens pela caça e proteção dos seus. Observa-se, então, que, os nativos da América do Sul antes da chegada dos colonizadores, não eram incivilizados por possuírem uma cultura e organização social diferente da estabelecida na Europa. Esse pensamento pode ajudar o aluno a refletir partindo do pressuposto de que uma cultura não é melhor do que a outra e não se pode fazer julgamentos a partir de uma ótica, desconstruindo, assim, estereótipos e preconceitos a respeito dos indígenas (Schmelkes, 2008). Como já mencionado, a história se passa no período da colonização do México, antes habitado por tribos indígenas, invadido por espanhóis que usurparam as terras tribais e construíram seu próprio império, a Cidade Real. 240


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E é nessa metrópole que o processo de marginalização da tribo se consolida a partir do momento em que os homens mais jovens decidem deixar os idosos, as mulheres e as crianças sem proteção para tentar ganhar trabalho e consequentemente comida na cidade. A marginalização dos índios faz com que sejam, ao entrar na Cidade real, tomados como arruaceiros, indignos de pena: “(...) atravesaron las primeras calles entre la tácita desaprobación de los transeuntes que esquivaban com remilgados gestos, el roce de aquella ofensiva miseria” (CASTELLANOS, 1962, p. 83) e em “(...) cuando advirtió la presencia de esos vagabundos andrajosos (...) adoptó automaticamente uma actitude de celo” (CASTELLANOS, 1962, p. 84). O texto, nesse sentido, torna-se importante para trabalhar no aluno a percepção ideológica que transformou os indígenas em párias da sociedade. Entender o processo de colonização do ponto de vista do colonizado pode transformar o pensamento estigmatizado de povos sem cultura e sem civilização que foram dominados. Elementos europeus estão presentes na obra através da divisão de classes, a presença do capitalismo, caracterizado pelo interesse na indústria e introdução do comércio: “el mercado atrajo a los forasteiros com su bulício. Aquí está el lugar de la abundancia” (CASTELLANOS, 1962, p. 84). E também a inserção de elementos como o gendarme, termo de origem europeia que designa uma espécie de policial responsável pela ordem e segurança pública. Nota-se, no conto, que a diversidade linguística diz respeito apenas ao léxico, destacando-se algumas palavras de origem indígena como caxlán, nome pelo qual são conhecidos os colonizadores e seus descendentes, chamulita, usada para referir-se aos índios habitantes de Chiapas de forma pejorativa, bolom, significa tigre e waigel, espírito protetor. Após o breve destaque de alguns elementos interessantes do conto, justifica-se a relevância de sua utilização no ambiente de ensino da língua 241


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espanhola, pois é necessário que o educando esteja a par das consequências da colonização, possibilitando o entendimento de sua própria cultura a partir da leitura de outras. Isso não implica, necessariamente, julgamento baseado em estigmas, ao contrário, deve significar a compreensão do que é diferente e a eliminação de estereótipos e preconceitos para um ensino da língua mais libertário e democrático. La canción del bongó, Nicolas Guillén O poema La canción del bongó, do poeta cubano Nicolás Guillén, fala sobre a necessidade de se superarem as diferenças para uma convivência harmoniosa em Cuba devido ao fato de que todos que são moradores da Ilha possuem ascendência em outros continentes, como Europa e África. Nicolas Guillén é um escritor afro-cubano que procura trabalhar em suas obras a cultura de Cuba, dando ênfase à exaltação do negro, ao abraço às diferenças e a situação social da Ilha. Seus poemas fazem referências a elementos africanos religiosos, culturais, linguísticos e ideológicos. O poema que será analisado faz parte da obra Motivos de son, publicada em 1930. Nos primeiros versos é apresentado que a canção é do bongó, instrumento de percussão afro-cubano. Logo em seguida, o bongó convida todas as pessoas, não importando a etnia, a dançarem uma só dança, o son, dança típica cubana que mistura elementos espanhóis e instrumentos afro-cubanos: Pero mi repique bronco, pero mi profunda voz, convoca al negro y al blanco, que bailan el mismo son cueripardos y almiprietos

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Os neologismos cueripardos e almiprietos fazem alusão à miscigenação entre espanhóis e africanos que foram trazidos à terra de Cuba e escravizados. O eu lírico conta que ao som do bongó todos dançam e se misturam sem diferenças raciais, culturais ou religiosas; o instrumento os transforma em um só povo: o cubano. “En esta tierra, mulata / de africano y español / (Santa Bárbara de un lado, / del otro lado, Changó)”, são versos que fazem referência à formação de Cuba por africanos de religião ioruba e espanhóis católicos. Esse dado é bastante relevante para as aulas de língua espanhola, pois reforça que a formação da América hispânica aconteceu por povos de diferentes culturas. Ainda nesse mesmo trecho é ressaltada a presença do sincretismo religioso, mantendo um diálogo, dessa forma, com a realidade histórica dos povos africanos escravizados, que não tinham permissão, à época da escravidão, para praticar sua religiosidade, o que os levou a fazer uma fusão entre os diferentes elementos da religião ioruba e da católica para invocarem os seus deuses orixás na forma de santos católicos. Percebe-se que o eu lírico assume um posicionamento perante o mundo a respeito do racismo nos versos: “siempre falta algún abuelo, / cuando no sobra algún Don / y hay títulos de Castilla / con parientes en Bondó”. Trata-se de uma denúncia sobre a hipocrisia da sociedade que relega ao negro um local de baixo status social. Nesse sentido, o poema toca na questão do racismo, muito presente em Cuba, apesar de ser uma sociedade predominantemente negra. Nos versos seguintes: “porque venimos de lejos, / y andamos de dos en dos” é mostrado que os habitantes da Cuba atual foram formados por colonizadores e africanos escravizados, ou seja, eles formam um povo único, logo, devem deixar de lado suas diferenças, pois partilham a mesma cultura. O poema de Guillén é uma literatura que resgata a história e cultura africana e utiliza uma linguagem que possibilita a emancipação do indivi243


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duo negro e a ressureição de uma cultura que valoriza as origens pregando respeito às diversidades. Nesse sentido, a poesia de Guillén, sempre com elementos hispânicos e africanos, reforça o despertar da consciência cubana para que haja harmonia, pois o povo cubano é único, com uma cultura única, já que todos são descendentes de espanhóis e africanos. É necessário ressaltar que a realidade retratada no poema se assemelha com a brasileira e este dado pode ser interessante para motivar o aluno no aprendizado da língua espanhola, pois há possibilidade de serem feitas interpretações, dado o caráter subjetivo da obra, que vão ao encontro das vivências diárias dos alunos em uma nação colonizada e mestiça. A relevância do poema está no fato de estudar um pouco sobre a história dos africanos que foram trazidos para Cuba, suas influências na cultura hispânica, mostrando as diversidades presentes nesse território tão vasto. Além disso, o conceito de diversidade cultural pode ser explorado ao retratar a realidade cubana no poema e a construção da identidade coletiva em uma sociedade plural.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Após a relação das características do texto literário, destacando seu papel intercultural, pode-se afirmar que esse recurso didático contribui e muito para a valorização da multiculturalidade presente nos países hispanos falantes, ao tratar de temas pouco explorados em sala de aula, mas que permitem a expansão da consciência (inter) cultural do educando. O texto literário, ao possibilitar uma análise crítica das construções sociais que dão suporte ao racismo, discriminação e as desigualdades, permite que o educando esteja apto a superá-las e desconstruí-las, transformando a sua própria realidade. 244


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As dificuldades encontradas no percurso da pesquisa evolveram a expansão da bibliografia em face de novos questionamentos a respeito das metas traçadas no projeto de pesquisa. Os objetivos iniciais dessa pesquisa foram atingidos, em sua maioria, visto que em seu percurso sentiu-se a necessidade de certos desdobramentos que não puderam ser tratados, dada a extensão e a complexidade do tema. Sendo assim, esse trabalho não busca esgotar o debate a respeito da utilização do texto literário nas aulas de língua espanhola e seus diversos benefícios, podendo ser feitas pesquisas que apontem novos olhares a respeito da temática. Apesar disso, espera-se que esta pesquisa contribua para ampliar o debate na área de língua estrangeira e suscitar maiores reflexões sobre a utilização da literatura como recurso didático para o desenvolvimento de competências que auxiliarão os educandos na vida escolar e além da sala de aula. Essa pesquisa possibilitou também a ampliação do papel do professor enquanto um dos protagonistas do processo de ensino. Cabe a ele motivar o aluno no aprendizado, trazendo para a sala de aula elementos que dialoguem com a realidade de seus estudantes, observando suas disparidades e habilidades a serem desenvolvidas. O professor possui a capacidade de ampliar a visão que seus alunos têm a respeito da língua espanhola e consequentemente da língua materna, permitindo que eles possam atuar como seres críticos, prontos a interagir com as diversidades existentes no mundo.

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Resumo O trabalho em questão objetiva identificar a frequência de uso dos afixos cis- e trans- como elementos lexicais, com carga semântica diretamente relacionada às identidades de gênero. O corpus é constituído de blogues cujas temáticas permeiam os grupos LGBT e feministas. Analisamos nesses blogues palavras às quais são conferidos novos sentidos que não os significados encapsulados por cis- e trans- enquanto “posição aquém” e “posição além”, respectivamente, como prefixos. Essa possibilidade, segundo Bybee (2010), ocorre por meio do fenômeno da gradiência e pela variação que ocorrem ao longo de um contínuo sincrônico e diacrônico da língua. Trataremos dessas questões à luz dos conceitos de redução e autonomia que, de acordo com Bybee, influenciam de maneira direta na construção e reconstrução do léxico. Palavras-chaves: morfologia, blogues, gradiência.


PARA ATESTAR O ESTATUTO DE RAIZ DE CIS- E TRANSNO PORTUGUÊS BRASILEIRO: mapeamento de blogues das vertentes LGBT e feminista Eloísa Beatriz Gonçalves Sá Barreto1 Nathalia Maria Araújo2 Gláucia Renata Pereira do Nascimento (Orientadora)3

INTRODUÇÃO A língua é constituída a partir de um processo dinâmico, o que implica em contínuas mudanças de suas construções lexicais. Isto é, tomamos o léxico como um constituinte da atividade social da língua que está sempre em mudança e ampliação, criando e recriando significados para adequar-se aos contextos sociais, políticos, culturais de uso da língua. Logo, as palavras, seus significados e suas categorias tendem à variação num contínuo diacrônico, permitindo a coexistência de algumas formas com funções e sentidos diferentes. Pensando especificamente na língua portuguesa inserida num contexto de grandes debates socioculturais, nosso trabalho encarrega-se de

1. Graduanda do curso de Letras Português da UFPE e colaboradora voluntária do NUCEPI (Núcleo de Estudos em Compreensão e Produção (Inter)Linguísticas) 2. Graduanda do curso de Letras Português da UFPE, estagiaria da instituição Idiomas Sem Fronteiras da mesma instituição e colaboradora voluntária do NUCEPI (Núcleo de Estudos em Compreensão e Produção (Inter)Linguísticas). E-mail: n.m.araujo_@hotmail.com 3. Professora Adjunta de Língua Portuguesa do Depto. de Letras do Centro de Artes e Comunicação da UFPE e coordenadora da pesquisa intitulada ‘Lexicalização dos afixos cis- e trans-: uma análise em jornais diários das cinco regiões do Brasil e em blogues de vertentes LGBT e feministas’. E-mail: profa_glaucia@ yahoo.com.br 249


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averiguar as mudanças de categoria sofridas pelos prefixos cis- e trans-, carregando o sentido de “posição aquém” (BECHARA, 2009, p. 366) e “através de” (BECHARA, 2009, p. 368), que, dentro do discurso LGBT e feminista, coexistem com as formas lexicais ‘cis’ e ‘trans’, que funcionam como raízes, relacionadas à identidade de gênero. Pudemos encontrar também essas palavras funcionando como bases em formas compostas, as quais são formadas por meio de dois processos: o da braquissemia e o da recomposição. Nas pesquisas realizadas anteriormente, delimitamos nosso corpus ao ano de 2016, buscando encontrar cis e trans como formas livres e constituindo outras palavras por meio da recomposição. Verificamos por meio da análise a transição funcional dessas formas linguísticas entre as categorias de prefixo e raiz, carregando seu respectivo sentido contextual. Diante da grande emergência discursiva no âmbito LGBT e feminista que hoje vivemos, reforça-se a importância de gerar visibilidade e garantir a legitimidade desses grupos sociais através de pesquisas linguísticas que explorem o terreno lexical que envolve as temáticas de identidade de gênero. Visto que a internet tornou-se um campo extremamente producente à aplicação dos estudos linguísticos, uma vez que é um ambiente em constante transformação e manutenção linguística, escolhemos como corpus da pesquisa 15 (quinze) blogues dentro da temática desses grupos sociais a procura das formas livres e presas de cis e trans e das palavras compostas por elas, já que são espaços discursivos específicos em que as interações giram em torno desses temas de interesse.

COMO A AMBIÊNCIA DISCURSIVA INFLUÊNCIA NA MUDANÇA LEXICAL A língua portuguesa como um sistema de comunicação está sempre expandindo o seu léxico à medida que a sociedade necessita de novas denominações ou ressignificações. Dessa forma, esse léxico está irremediavelmente vinculado às relações sociais, manifestando-se nos discursos presentes nas 250


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interações através da linguagem. Logo, novas expressões são criadas, ou reinventadas dentro dessa rede lexical a partir de estruturas pré-existentes, para suprir às necessidades dos grupos sociais. Nas mídias atuais as comunidades LGBT e feminista estão cada vez mais agregando espaços para propagar seus discursos sobre empoderamento e legitimação, assim, não é raro vermos novos termos sendo criados para debater temáticas que antes não possuíam visibilidade no corpo social. o léxico de uma língua [...] se trata de uma memória dinâmica, em movimento constante, que se vai reformulando passo a passo, assim como as manifestações culturais que ele expressa [...] todas as palavras remetem ao conhecimento que o homem constrói em sua experiência social com grupos e culturas de que participa.” (ANTUNES, 2012)

No momento em que admitimos que a língua é uma ação social, logo é influenciada pelo meio de atuação, tomamos o sujeito falante como o principal reator dessas transformações lexicais. Pensando diacronicamente, a língua se ressignifica a cada período histórico, carregando em si a identidade social e cultural da época na qual está inserida. A saber, há sempre uma necessidade imediata de modificação linguística para que se possa atender a todas as condições impostas à interação. Dessa forma, a constante predominância de discursos voltados para a luta LGBT e feminista implica numa nova gama de palavras que são criadas dentro desse contexto especifico. Como centro da nossa pesquisa, tomamos o caso da gravitação semântica e categorial dos prefixos cis e trans para as suas formas lexicais, com funções de raiz e as formas compostas por essas. Considerando a postulação de Bybee (2010) de que a mudança linguística é baseada no uso, sendo a língua um “sistema adaptativo complexo”, as mudanças de significado observadas sincronicamente nas formas linguísticas citadas deram-se a partir do uso da língua em contexto. Dentro deste, 251


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coexistem num feixe continuum as duas funções e sentidos do cis e trans em suas respectivas ambiências textuais. Conforme mencionado pela autora, o que determinará a mudança, seja ela fonética, gramatical e/ou lexical, será a repetição ou frequência em um determinado ambiente familiar, já que “quando a frequência de ocorrência aumenta, a probabilidade de [...] mudança semântica/pragmática e de autonomia em geral também aumenta.”. Então, de fato, a propagação dos discursos dentro da temática LGBT e feminista impulsionaram a oscilação semântico-pragmática das formas cis e trans, aparecendo não só nesses ambientes, como em quaisquer outros meios de divulgação e comunicação.

OS CONDICIONANTES DA REDUÇÃO DO “TRANSEXUAL” PARA O “TRANS” Quando tratamos da flexibilidade e heterogeneidade da estrutura lexical, além de considerar os condicionantes externos à sua mudança, devemos examinar os processos envolvidos na sua estruturação como um fenômeno altamente produtivo da língua. Basílio (2006) traz dois dos processos mais produtivos de formação de palavras, sendo eles a composição e a derivação. “Enquanto na derivação ocorre a anexação de um elemento não independente a outro independente, na composição se combinam duas ou mais formas livres ou duas ou mais raízes.” (BASÍLIO). Todavia, no contexto linguístico da nossa pesquisa funcionam de maneira produtiva outras formações que são citadas por Monteiro (2002) e Basílio: a recomposição e a braquissemia. Bybee (2010) apresenta um conjunto de fatores que induzem a redução de um determinado vocábulo ao longo de um continuum. A tendência é que através da alta repetição ou frequência de uso, a palavra em questão passe por um processo de redução, que seria facilitado pela ocorrência em

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ambientes específicos de produção. A saber, quando pensamos na construção linguística “Transexual” podemos observar a função prefixal do trans preservada nessa formulação com sentido de “através de” (BECHARA, 2009, p. 368), observação que não é notória em palavras como “Transfobia” ou “Transfeminismo”, nas quais o “trans” carrega os respectivos sentidos de “Aversão ao transexual” e “Feminismo transexual” – voltado para mulheres trans -. Refletindo sobre esses casos levanta-se o questionamento: Em que momento desse continuum o trans prefixo de “Transexual” passou a funcionar como trans raiz, com plena autonomia de sentido, de “Transfobia”, “Transfeminismo” entre outros compostos? Primeiramente temos que analisar a formação estrutural da forma livre “trans”, baseando-nos nas conceituações de Monteiro (2002) acerca do processo de braquissemia que consiste no Emprego de parte de um vocábulo pelo vocábulo inteiro [...] Resulta da subtração, não da adição de morfes, como acontece na derivação ou composição, e o elemento restante passa a valer semanticamente pelo todo do qual provém. (MONTEIRO, 2002. p. 192)

Levando em consideração as ocorrências isoladas de trans nos ambientes discursivos em foco nessa pesquisa, interpretamos que esses casos emergiram por meio desse processo em que parte da palavra é usada equivalendo à palavra inteira, visto que carrega a carga semântica da palavra transexual. De acordo com o conceito de braquissemia, a palavra retirada do lexema imediatamente anterior funciona como raiz, logo, as formas analisadas perdem seu caráter gramatical e eximem uma categoria de léxico. Esse processo dá-se pela subtração de elementos terminais (apócope) da mesma forma como em fotografia-foto, automóvel-auto (MONTEIRO, 2002). A frequente utilização da palavra “Transexual” não só nos grupos de interesse, como em outros estratos da sociedade, desenvolveu uma relação 253


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semântica entre os dois morfemas a partir dos quais “quanto mais a sequência puder ser acessada junta, tanto mais fluente a execução, e a compreensão ocorrerá mais facilmente”. Como gradual consequência teremos o que estamos discutindo nesse tópico: a redução. Mediante esse fator, o falante/ ouvinte torna-se capaz de antecipar o sentido da palavra “transexual” a partir do seu uso reduzido “trans”. Sendo esta forma considerada de fácil acesso, já que está em efervescência discursiva, a construção de palavras compostas por ela torna-se mais comum e compreensível, sendo previsível o sentido do todo a partir do sentido de uma das partes que o compõe (LANGACKER, 1987 apud BYBEE, 2010). a frequência de ocorrências de certos itens em construções determinam a representação da construção e sua produtividade. A evidência de que exemplares específicos de construções impactam a representação inclui o fato de que tais exemplares podem transformar-se gradualmente em outras construções novas, independentes, pela repetição. (BYBEE, 2010. p. 79)

Esse pressuposto fundamentaria a existência das formas recompostas “transfobia”, “transfeminista”, “transgenericidade”. A configuração desses casos explica-se por meio do processo de recomposição, que é considerado um tipo de composição na qual “apenas uma parte do composto passa a valer pelo todo e depois se liga a outra base, produzindo uma nova composição” (MONTEIRO, 2002). Confirma-se, então, a relação entre a formação inicial por meio do processo da braquissemia, seguido da popularização do termo empregado pela recomposição, criando-se novas palavras com vínculo significativo com a primitiva. Todos esses casos ocorreram/ocorrem de maneira gradual dentro de um feixe de exemplares de ocorrência do “Trans”. Assim, o processo de autonomia da forma livre trans é tomado segundo a história de uso da fala (BYBEE, 254


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2010), sendo visualizado nas mudanças das representações condicionadas por fatores sociais, sendo os principais reatores para a constante renovação linguística.

ANÁLISE DOS BLOGUES A frequência das ocorrências das palavras, segundo Bybee, é uma das formas de comprovar uma mudança linguística consistente. Desta forma, buscamos analisar uma postagem a cada semana dos meses de 2016, verificando a ocorrência de trans e cis tanto em suas formas livres, ao passarem pelo processo de braquissemia, quanto quando se comportam como raízes, atuando como base através do processo de recomposição, acoplando em si outros lexemas. Confrontaremos a coocorrência das formas prefixais e lexicais sem prejuízos de compreensão contextual. Os blogues selecionados para a composição do corpus estão relacionados com a temática LGBT e feminista, elencados considerando a variedade discursiva dentro desses meios acerca do grupo social visado na pesquisa, assim como sua aparição no site de busca Google, pois este é amplamente utilizado por pessoas para ter acesso aos seus conteúdos desejados por meio da internet. Compõem esse corpus os seguintes blogues: Dois Terços, Lado Bi, Orientando, Ttransboy, Evolução LGBT, Quem a Homofobia Matou Hoje?, Trans-tornada, Sapatômica e Diversidade, abordando a esfera LGBT mais expressivamente. Já se tratando sobretudo as pautas feministas, temos: Blogueiras Feministas, Diário de uma Feminista, Transfeminismo – que intercruza duas minorias sociais aqui observadas –, Feminismo sem Demagogia e Uma Mãe Feminista. O cis como lexema teve poucas recorrências, mesmo no meio de discurso de gênero, sendo encontrado em sua grande maioria na forma de raiz. Em nenhum blog foi encontrado cis como prefixo. 255


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Imagem 1. Blog Lado Bi, 06/01/2016.

Imagem 2. Blog Lado Bi, 29/01/2016.

Nos dois excertos retirados do blog Lado bi, a palavra “cis” retoma do sentido do todo “cisgênero”, referindo-se a um determinado tipo de pessoa ou um determinado estilo de vida. Esse sentido é confirmado em outras postagens recolhidas dos demais blogues:

Imagem 3. Blog Lado Bi, 01/08/2016.

Nessa postagem, o contexto deixa claro que a palavra “cis” está relacionada com o sentido de ser cisgênero. A forma reduzida mostrou-se muito mais producente nos demais exemplos retirados dos blogues, sendo sempre a mais recorrente mediante as formas recompostas. Tivemos alguns casos dessas palavras agregando um sentido mais específico, como por exemplo:

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Imagem 4. Diário de uma Feminista, 30/04/2016.

Quando passamos para a análise da forma livre “Trans”, percebemos de imediato que a frequência desta é muito mais significativa, trazendo uma grande variedade tanto de raízes quanto de formas recompostas por essas.

Imagem 5 e 6 – Blog Dois Terços, 28/01/2016.

Imagem 7 – Blog Dois Terços, 12/02/2016.

Nesses trechos retirados de postagens do blog Dois Terços, podemos observar a coexistência da forma Transexual e Trans, com os significados referentes à identidade de gênero. Num mesmo período conseguimos averiguar a discussão acerca da redução do termo por meio da braquissemia, sem que haja prejuízos de sentido. Em todas as ocorrências demonstradas acima o trans funciona autonomamente com sentido de “transexual”. Ainda na mesma análise foi possível verificar a coocorrência das duas formas do trans, o prefixal e o lexical, com significados e funções distintas:

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Imagem 8 – Blog Dois Terços, 02/08/2016.

Imagem 9 – Blog Lado Bi, 01/08/2016.

Não é difícil reconhecer que o “trans” de “transexuais” não é o mesmo de “transformado” e “transformação”. Nesses dois últimos, o sentido do trans é fundamentalmente o acumulado na forma prefixal, enquanto na primeira já está no contínuo gradual de variação para identidade de gênero. Em ambas categorias de blogues expostas, podemos encontrar um importante número de ocorrências de trans em forma livre: 1.396 e trans em forma composta: 921, sendo dentre essas 286 de Transexuais. Já no caso de cis, podemos observar 339 ocorrências em forma livre e 269 ocorrências como formas recompostas:

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Gráfico I – resultado das análises feitas em blogues LGBT e feministas.

Após toda a contagem e recontagem das ocorrências, constatamos que há a predominância da forma trans e seus compostos sobre o cis e seus compostos. Além disso, constatamos que não houve a exclusão do cis e trans como prefixos do contexto discursivo, ao contrário, ele foram ressignificados e utilizados de acordo com a necessidade contextual.

CONCLUSÕES Ao fim da análise, pudemos perceber a força que as questões sociais exercem sobre as mudanças linguísticas e como essas são dadas de forma gradual e contínua. As crescentes demandas por novas categorias lexicais para lidar com os novos discursos fazem com que novas palavras sejam criadas e antigas adquiram um novo significado, o que é o caso das duas formas que nos debruçamos neste trabalho: o cis e o trans. Seguinte a toda a verificação dos blogues e das postagens concluímos que a gravitação dessas formas lexicais entre duas categorias não implica na exclusão uma da outra,

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mas na coerência utilitária de ambas dentro de um contexto específico de uso. Dessa forma, a frequência do trans e do cis dentro das práticas discursivas presentes na comunidade LGBT e feminista, em caráter de formas livres, carregando o significado lexical de transexual e cisgênero comprova a subserviência das categorias gramaticais às situações sócio discursivas de uso da língua e confirma o traço sociocognitivo dessa. Com base na análise dos dados levantados pela pesquisa, consideramos que o estatuto de raiz de trans e cis nos espaços discursivos aqui citados solidifica-se com o crescimento do debate acerca de temas referentes a transexualidade. Ao ser este discurso marginalizado, possuí maior força em espaços protagonizados por pessoas que compõem o grupo de pessoas transgêneras, o que pode ser mensurado a partir da alta ocorrência e frequência de trans nos corpora. Apesar de possuir um número considerável, a menor ocorrência de cis pode ser encarada como uma reafirmação das pessoas pertencentes às comunidades LGBT e feministas quanto a maioria esmagadora de representatividade cis que encontramos em nossa sociedade, não sendo necessária a representação e destaque para esses indivíduos nesses espaços.

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REFERÊNCIAS AMBRA, Pedro. A psicanalise é cisnormativa? Palavra política, ética da fala e a questão do patológico. Disponível em <http://portalseer.ufba.br/index.php/ revistaperiodicus/article/download/17179/11336>. Acesso em 17 fev 2017. ARAÚJO, Nathalia Maria; BARRETO, Eloísa Beatriz Gonçalves Sá. A lexicalização dos prefixos trans- e cis- em blogues lgbts e feministas brasileiros. In: Estudos linguísticos e literários: questões de pesquisa e ensino no Nordeste. Anais eletrônicos da Jornada Itinerante do Grupo de Estudos Linguísticos do Nordeste: edição Recife. Recife: Pipa Comunicação, 2017. BASILIO, Margarida. Formação e classes de palavras no português do Brasil. 3 ed. São Paulo: Contexto, 2014. ______. Segmentação e classificação dos morfes. In: Estudos de linguística e língua portuguesa I. Rio de Janeiro: Cadernos da PUC-RJ, 1974. p. 89-94. ______. Teoria lexical. 7. ed. São Paulo: Editora Ática, 2000. BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37 ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2009. BYBEE, Joan. Língua, uso e cognição. São Paulo: Cortez, 2016. Tradução de Maria Angélica Furtado da Cunha. FOSTER, David W. Consideraciones sobre el estudio de la heteronormatividade en la literatura latinoamericana. Letras: literatura e autoritarismo, Santa Maria, n. 22, jan./jun. 2001. MONTEIRO, José Lemos. Morfologia portuguesa. 4 ed. Campinas: Pontes, 2002.

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Resumo A formação do indivíduo se dá através da interação com diversos fatores que influenciam o desenvolvimento de sua personalidade: aspectos comportamentais, ideológicos e o contato com as instâncias sociais, como a igreja, a família, a escola e o meio em que se vive de uma maneira geral. Na literatura, narrativas que tratam da formação do personagem correspondem ao conceito de Bildungsroman, romances de aprendizado ou de educação, em que há a descrição e o acompanhamento do crescimento da criança ou adolescente até sua fase adulta. Nessa proposta foi escolhido uma das obras de Santiago Narazian: O Prédio, o Tédio e o Menino Cego, que descreve um pouco da rotina de seteprotagonistas adolescentes. A história gira em torno de setegarotos que moram em um prédio inclinado, sem a presença dos pais na maior parte do tempo, que levam uma vida ociosa pois não vão à escola devido a uma greve de professores que aparentemente já perdura por muito tempo. Além disso, a história se desenvolve com a chegada de uma professora no prédio inclinado responsável por mudarcompletamente a vida dos garotos. O Prédio, o Tédio e o Menino Cego,de SantiagoNazarian, não permite a análise da representação da formação dos sujeitos, pois não há um acompanhamento da vida dos protagonistas, nem mesmoum desenvolvimento em função da relaçãoespaciotemporal. Neste artigo,discute-se tal impossibilidade.Para isso, serão utilizadas como base conceitual as investigações teóricas de Freitag (1994), no que concerne a Bildung;de Bakhtin (2011), a respeito do romance de formação;e textos críticos dirigidos ao corpusdeste estudo. Palavras-chaves: Santiago Nazarian; Protagonistas; Romance de formação; Representação da formação.


REPRESENTAÇÃO DA FORMAÇÃO DO INDIVÍDUO EM “O PRÉDIO, O TÉDIO E O MENINO CEGO” DE SANTIAGO NAZARIAN Gizele Eishila Silva de Andrade1

INTRODUÇÃO A representação da formação do indivíduo em romances é caracterizada pelo conceito de Literatura de Formação ou Bildungsroman, que tem como característica principal apresentar um protagonista em sua jornada da infância à maturidadeem busca de crescimento espiritual, político, social, psicológico, físico ou moral. Bakhtin (2000) apresenta os tipos de romances que ajudaram a constituir o romance de formação, que são o romance de viagens, o romance de provas,o romance bibliográfico e o romance didático pedagógico. O romance de formação ou educação seria aquele que aglutina características de todos os tipos anteriores do romance. “O herói, carente de traços particulares, é um ponto móvel no espaço” (BAKHTIN, 2000, p.223). O personagem precisa estar em constante mudança de cenários, pois é isso que possibilitará a interação com a diversidade, que colaborará de forma mais eficiente para a sua formação. Os deslocamentos no espaço possibilitam ao romancista mostrar e evidenciar a diversidade estática do mundo através do espaço e da sociedade (países, cidades, etnias, grupos sociais,condições específicas de vida). (BAKHTIN, 2000, p.223.)

1. Gizele Eishila Silva de Andrade - Bolsista PIBIC - IFPE Email: gizeleeishila@hotmail.com 263


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Mas, diferentemente do romance de viagens, não é a mera mudança de cenários que produz a aprendizagem do sujeito. Esse espaço em que se move o herói é um lugar histórico, ou seja, corresponde a uma dada comunidade em um tempo específico. No caso do romance de Santiago Nazarian, não se encontram características do romance de formação, nem conteúdo para representação da formação dos indivíduos. Isso ocorre porque, na história,o tempo é contado por estações, e aparentemente todo o enredo se limitaa pouco mais de um ano. Não há formação, pois os personagens fracassam e,além disso,não há uma determinação espaciotemporal específicapara análise, sem contar que são vários protagonistas. Esse romance não pode caracterizar a Bildung, porque asuarepresentação é alegórica e de modo algum realista:não há mudança no comportamento ou no desenvolvimento dos protagonistas. Trata-se de uma narrativa repleta de sequências inexplicáveis, zumbis, mudanças climáticas repentinas, prédio inclinado, mar de piche, greves irônicas, tornando a análise ainda mais interessante e repleta de possibilidades. Neste estudo, o objetivo é analisar e também evidenciar um pouco os quesitos que impossibilitam a obra O Prédio, o Tédio e o Menino Cegode ser um romance característico do Romance de Formação. Com isso, será possível compreender aspectos que o Bildugsroman exige para que uma obra seja considerada assim. A seguir, parte-se de uma breve discussão da adolescência e da caracterização que este momento recebe no romance em análise para, então, traçar um perfil dos protagonistas e investigar os elementos que parecem modelar a experiência dos meninos.

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A ADOLESCÊNCIA Não há polêmica em caracterizara adolescência comoum período de mudanças físicas, cognitivas e sociais que, juntas,ajudam a traçar um perfil. Pitombeira (2005) argumenta queo processo de desenvolvimento nessa fase está ligado àrealidade social e histórica em que o indivíduo está inserido. E é justamente essa ideia que nos ajuda a investigar a formação do personagem, analisando a realidade em que ele está presente. Édurante o processo de passagem da adolescência/infância para a fase adulta queo indivíduo começa a afirmar a sua identidade.Tal afirmação também poderia ser inferida do seguinte excerto da obra de Nazarian: “Era preciso só aguentar firme o finalzinho da infância. Engolir as últimas jujubas ásperas, cruzar aquela dolorosa adolescência, e ele teria sua própria vida, sua própria constelação para viver”. (NAZARIAN, 2009, p. 337.) Chama-se atenção para o caráter desconfortável do processo de formação da identidade. Aparentemente, a vida retratada dos sete garotos busca mostrar um pouco da ideia da juventude como um período conflituoso, de construção de caráter e desenvolvimento. Cada garoto representa um estereótipo da juventude moderna. O “afeminado” que se refugia na Internet atravésdas redes sociais; o negro possivelmente pobre e vítima de racismo; o forte descolado e meio burro; o menino loiro e rico, bonito e mimado; o cego negligenciado; o gordo abobalhado e alvo de diversos deboches; e o jovem drogado. Muito embora, no romance, os personagens não cheguem ao fim de suas adolescências enãoofertem uma imagem de suasformações, a fim de ilustrar a personalidade de cada um e problematizar os aspectos que contribuem para que eles se tornem e hajam da maneira que o fazem, é preciso conhecer as instâncias sociais em que transitam.

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OS PROTAGONISTAS A análise da personalidade dos protagonistas sistematiza ascaracterísticas já presentes e que podem ser percebidas no desenvolver da história diante das interações no nível da fábula. Os protagonistas de O Prédio, O Tédio e o Menino Cegosão o Andrógino (Thomas), o Junkie Iluminado (Douglas), o Gordo (Jonas), o Negro Ejetado (Carlos), o Narciso Vesgo (Lucas), o Atleta Desprendido (Dênis) e o Mestiço Cego (Nicolas). O nome de quase todos, exceto o nome do Negro, são revelados apenas no final da história. Isso porque cadaapelido representa um estereótipo de um indivíduo, assim como o conjunto de apelidos identificaria os estereótipos mais ocasionalmente atribuídos aos adolescentes e, mais especificamente, ao adolescente masculino. Os garotos moram em um prédio inclinado para o mar. Inclinado pelo grande acúmulo de pessoas ocupando apenas os apartamentos com vista para o mar.Sem os pais, sem a escola, sem regras. Os meninos moravam todos no mesmo prédio, com exceção do Negro, que ninguém sabia se era um morador de rua,se tinha uma casa ou era um ex-morador do prédio. Todos eles passavam a maior parte do tempo juntos, embora fossem tão diferentes uns dos outros. O prédio era inclinado. Era porisso que os meninos ficavam tanto tempo sozinhos, pediam tanta pizza e não esperavam seus pais para jantar. Muitos dos pais haviam saído para trabalhar e nunca mais voltaram. ‘Está chovendo. Está trânsito. Estou cansada demais pra entrar aí. Vou dormir notrabalho. Num flat. Na casa da vó. Volto pra casa no final de semana. No próximo feriado, quem sabe. No Dia dos Namorados...’ Porque para entrar novamente no prédio era um sufoco. Porque o prédio, de tão inclinado, perdera sua porta de entrada. Para os meninos era relativamente fácil, conseguiam entrar nele como se subissem numa

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árvore, numa casa da árvore, num prédio inclinado. Mas os pais, com seus ternos e suas pastas, laptops e salto alto, tinham mais dificuldade de voltar. Desistiam. Diziam para os filhos pedirem uma pizza. Dentro do prédio, a ordem não era ditada nem mesmo por um zelador zeloso. Seu António havia muito não era visto, trancado dentro do apartamento. Com a inclinação do prédio, as fundações comprometidas, sua porta havia sido obstruída e ela não pôde mais exercer seu ofício. Já não havia mais regras nem reguladores. E sem pais e sem adultos, sem regras e sem compromissos, o que delimitava as fronteiras dos meninos? Escola? Não, nem isso lhes cerceava. Alguns meses antes, os professorestinham entrado de greve. (NAZARIAN, 2009, p. 11).

É interessante conhecer um pouco de cada personagem, para compreender de forma ampla seus comportamentos, ideias e atitudes posteriormente: O Andróginocom certeza é chamado assim por sua aparência.Muitos são os personagens que, no primeiro contato, oscilam em reconhecê-lo como menino ou menina.Ele prefere estar sempre no computador, dentro de casa, sem ver muitas pessoas e sem passeios fora do prédio, embora se submetaa isso algumas vezes para acompanhar os outros garotos. Então o Andrógino ouvia os meninos cantando lá fora -vozes em falsete -e decidia seguir o chamado, acompanhá-los. Levanta-se, vestia-se, descia os degraus. Era raro. Raro os meninos terem sua companhia. O Andrógino nunca queria sair, nunca queria se sujar, nunca queria se cansar, nunca tinha energia para fazer o que os meninos faziam, subir, descer seguir pelas ruas. (...) O Andrógino achava um pouco constrangedor sair com elas, com eles, com os outros meninos porque sempre alguém se confundia: “Vejam só, uma menina com seis meninos! (NAZARIAN, 2009, p. 49.)

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O Junkie Iluminadoaparenta ser confuso, é possível identificar um sentimento e desejo de escapar de sua realidade. Justificando o fato de encontrar refúgio nas drogascomo tentativa de fugir das coisas que o cercam. Essa realidade está relacionada àsituação em que vivia junto com os outros garotos. Ele próprio tinha suas próprias correntes, suas algemas e amarras. Sentia-se preso àquela vida e àquele prédio, e ansiava sempre por formas de ir além. Queria sempre ir além, sempre se intoxicando, buscava sempre aditivos para escapar da realidade. Por isso era chamado pelos meninos de Junkie, mas um Junkie Iluminado.(NAZARIAN, 2009, p.24.)

O Atletagostava de sair, praticar esportes,exercitar-se, mas vivia com uma corrente nos pés colocada pelos pais para que ele não deixasse o prédio, não ficasse andando pelas ruas, privando-o de fazer o que gostava. “Tomando um sol, respondeu, reticente, o Atleta. Antes que o outro perguntasse por que não ia tomar sol na praia, onde o Atleta gostava de ir, reparou na corrente em volta do tornozelo do amigo, presa ao banco, prendendo o garoto ali”. (NAZARIAN, 2009, p.23.) O Gordoera constantemente xingado por sua característica física, além de estar, aparentemente, sempre querendo chamar atenção de alguma forma. Seja com uma história ou as várias tentativas de conversas, e devido a isso, também acabavasendo negligenciado. “Puta merda, seu escroto! Leva esse tempo todo para contar que um bosta deum vesgo se mudou pro prédio!” (NAZARIAN, 2009, p. 17). O Negro, representa o indivíduo que sofre preconceito pela cor, embora conheça os outros meninos, eles não fazem questão de ajudá-lo.Claramente, esse personagem serve, no romance, como uma denúncia do lugar concedido ao negro na sociedade extraliterária. 268


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Como os meninos podiam viver abrigados e ele continuar sem ter para onde ir? Se ao menos ele pudesse reclamar… Se ao menos ele relaxasse o orgulho e tentasse encontrar seus pais, dizer para eles que queria voltar para casa (...) E ninguém reclamava de que o Negro estava sempre circulando lá fora, pelos corredores, pelos apartamentos, pela praia? Ninguém o forçava a entrar em casa e tomar um banho? (...) O Negro tinha de ser forte. Tinha de ser fortepor ser negro, não podia se fazer de coitado, coitado. E viver de passagem cansava tanto… O que mais ele queria era subir pelas paredes, paredes para subir (...) Mas sem correntes e sem cadeados, com a vida solta e ninguém ao seu lado, o Negro sentia-se apenas como um pobre coitado. Ejetado. Enquanto na torre outros meninos continuavam protegidos. (NAZARIAN, 2009, p. 42)

Ninguém sabia ondeo Negromorava, se tinha casa ou não, pois frequentava o prédio, mas não morava lá, e a maior parte do tempo estava andando pelas ruas, ou na praia. Parecia sempre um pouco rude e grosso, como uma forma de resistência. O Mestiço Cego, deficiente físico,procurava em outras habilidades suprir suas limitações. Aquilo tudo deixava o mestiço bem melancólico. Lembrava-o de tempos e situações de um mundo opressor que o fizera muito perdido e deslocado, tentando sempre compensar suas deficiências. Sim, porque não se pode desprezar sua cegueira, nem tratá-la como irrelevante perante as outras habilidades, claro, como todos desenvolvem, mas, diferentemente de todos, não enxergava, e isso ainda era algo a se perceber, mesmo que fosse mais inteligente do que a maioria, mesmo que trabalhasse melhor com as mãos. (NAZARIAN, 2009, p.44.)

O Mestiço era mais dedicado, prestava mais atenção aos detalhes, se importava com aquilo que os garotos “normais” davam menos valor. 269


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Por isso tentava adequar o mundo ao seu redor, para se sentir mais confortável. Endireitar o Prédio, limpar o mar, acalmar as gaivotas. Ele estava sempre tentando organizar as coisas que os outros não se importavam em deixar fora de lugar(NAZARIAN, 2009, p.45)

Assim como os outros, ele queria voltar a escola, porém por uma motivação particular.É que ainda que sua deficiência fossenotadana escola, como lá ele era um dos melhores alunos, sua inteligência e peculiaridade eram o que se destacavam. O Narciso Vesgoignorava os problemas darealidade em que estava inserido concentrando-se em sua beleza. Extremamente vaidoso, era por isso chamado de Narciso. Lá na frente, sob a Torre, na sombra da Praia, o Narciso Vesgo se bronzeava. Vaidade. Vaidade. O Narciso Vesgo saíra do Prédio, tinha ido até a Praia se bronzear. Mas como tinha lido sobre os efeitos nocivos do sol, o envelhecimento da pele, preferia ficar à sombra. Maisseguro, ainda que com o Prédio a despencar sobre ele. Melhor a catástrofe do acaso do que a da velhice. (NAZARIAN, 2009, p. 46)

Narciso era um dos que fazia questão de morar no apartamento de frente para o mar, mesmo que nunca aproveitasse a vista da paisagem. Esse conjunto de personagens indica que parece ter sido o projeto do autor conceber uma representação da juventude contemporânea aos leitores da obra. Os diferentes garotos, juntos, compõemestereótipos presentesno imagináriocoletivoa respeito daadolescência. No trecho abaixo, tal projeto fica mais explícito:

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Imagine esses meninos como retrato da juventude e beleza, que os professores observavam. Mesmo não sendo profissionalmente belos, fazia sentido. Mesmo assim, ainda era lindo, porque juntos se equilibravam. De forma quase previsível, um negro, um mestiço, um esportista loiro, um gordo entusiasmado. Cada um completava o outro e formava um retrato, uma amostra, um exemplo de ‘Meninos na Praia’, ainda que com uma estranheza, uma estranheza previsível (quem sabe pintados por Picasso?).(NAZARIAN, 2009 p.90.)

TÉDIO, SOLIDÃO EABANDONO Para Foucalt(1996), as instâncias sociais podem influenciar na formação de cada sujeitona sociedade: “ [...] as práticas sociais podem chegar a engendrar domíniosde saber que não somente fazem aparecer novos objetos, novos conceitos, novas técnicas, mas também fazem nascer formas totalmente novas de sujeitos e de sujeitos de conhecimento.” (FOUCAULT, 1996, p.8). Se as instâncias influenciam na formação dos sujeitos, estes também são os responsáveis por redimensionar os valores de tais instâncias. Erik Erikson (1976), um dos estudiosos do desenvolvimento psicossocial, afirmou ser a adolescência “um momento crucial, quando o desenvolvimento tem de optar por uma ou outra direção, escolher ou este ou aquele rumo, mobilizando recursos de crescimento, recuperação e nova diferenciação”. (ERIKSON, 1976, p.14.) Assim, em relação àformaçãodo indivíduo, há uma tensão que se constituientre as aptidões individuais, os desejosdo protagonista, e as demandas sociais, verificadas a partir do contato com certas instâncias sociais. Essa tensão é o que serve de base ao Bildungsroman. Indo mais adiante, o objetivo principal do Bildungsromané apresentar um protagonista em sua jornadada infância à maturidade e sua interação com determinadas instâncias sociais que contribuem positiva ou negativa271


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mente para o desenvolvimento de seu caráter. No romance em questão,no entanto,isso não acontece. Oprocesso de formação é interrompido,oquenão impede que sejaobservadoquem sãoos personagense alguns fatores que supostamente cooperaram para o desenho de suas personalidades assim como os elementos que inviabilizam seus processos de formação. Aqui, elegem-se o tédio, a solidão e oabandonovivenciados por tais personagens como um destes fatores. Tédio, sensação de enfado produzida por algo lento, prolixo ou temporalmente prolongado demais. É essa a sensação predominante na vida dos garotos, sentimento provocado por uma greve sem previsão paraacabar, e que tornaoutros fatores,como a sensação de abandono,ainda pior. Abandono devido à ausência dos pais ou de figuras adultas que os acompanhassem, cuidassem etc. Todos estão sozinhos, embora estejam quase sempre juntos. Moravam no mesmo prédio,viviam uns com os outros, porém eram diferentes demais para haver uma interaçãoprofunda. Mesmo que fisicamente próximos, sentiam-sesolitários: “Uma coisa é você se sentir livre quando percebe uma possibilidade de encarceramento, outra é a liberdade fruto de total falta de escolha. Não havia nada a fazer.” (NAZARIAN, 2009, p.100.) Os meninos parecem estar permanentementedesanimados até para se esforçarem para encontrar distrações e afazeres. “O Tédio o estava deixando cada vez pior. (...) Mas conforme o dia ia avançando, o Tédio ia aumentando, e ele precisava de doces e chocolates para se anestesiar -já que não era drogado.” (NAZARIAN, 2009, p. 167.) A formação de tais garotos é sabotada pelo papel pernicioso que as instânciasociais com que interagem desempenham em suas vidas. Em O Prédio, o Tédio e o Menino Cego, tudo está corrompido: os adultos não acompanham o desenvolvimento dos filhos por estarem ocupados;a escolafaz greve por motivos irônicos;o governo não se preocupa com o seu povo (na 272


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história, o mar é muito sujo, alguns lugares são desorganizados e quanto àgreve de professores,o governo apenas declara guerra de resistência); eos adultos sonham com o tempo livre que as crianças possuem. A própria disposição das famílias no prédio revela a complexidade do cenário em que transitam os meninos. Aspessoas querem morar apenas nos apartamentos com a vista para o mar,ainda que omar fosse sujo e feio. Além disso, ninguém aproveitava a vista, por falta de tempo, disposição ou vontade. Esse é o fatorpelo qual o prédio é inclinado, a ocupação da frente deixava os fundos vazio ecausavaa inclinação. Essa situação, evidencia a futilidade em alguns comportamentos. O Mestiço Cego (...) Parecia ser o único realmente preocupado com a inclinação do prédio.Sabia que os apartamentos dos fundos estavam quase todos vazios, enquanto que os apartamentos da frente, de frente para o mar, estavam quase todos ocupados. Claro, as pessoas sempre queriama melhor vista, mas não tinham consciência de que isso fazia com que o Prédio envergasse mais e mais. Todo o peso do prédio estava na direção para a qual ele se inclinava, mais cedo ou mais tarde acabaria desabando. (...) Era de certa forma um desperdício. Porque o Andrógino morava de frente para o mar, mas nunca olhavapela janela. O Junkie também, mantinha as janelas sempre fechadas. (...) O Gordo Histérico estava sempre no apartamento dos outros, então por que precisaria de uma bela vista no seu? E o Narciso? Se era vesgo, se era narciso, não olharia apenas para o espelho? (...) O Atleta sim, curtia a vista, mas sempre que olhava para ela, saía para fazer parte, então para que precisava do oceano todo em sua sala de estar? Quem podia dizer que o Mestiço Cego não aproveitaria melhor o cheiro do piche batendo em ondas noseu quarto? (...) Os outros meninos só querem o privilégio da vista para o mar, mesmo que não desfrutem dele (o mar) ou dela (à vista). (...) Ninguém se dispõe a abrir mão da vista para manter o equilíbrio. (...) Os meninos já estão praticamente acostumados.(NAZARIAN, 2009, p.31-33.)

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Sem a presença dos pais, que agora, sem tempo, se quer voltavam para casadevido à dificuldade de conseguir entrar no prédio, os rapazes não possuem referencial algum, que fornecesseautoridadeou um modelo de conduta. Não havia mais regras, nadaera impedido. “Tudo lá estava disponível ao uso que os meninos quisessem dar. ‘Olha, eu tenho uma ponta…’, o Atleta disse, estendendo a mão e oferecendo um baseado”. (NAZARIAN, 2009, p.25.) É interessante observar também que, enquanto os meninos achavam péssimo a liberdadea que estavam submetidos, os adultos que,de longe observavam, invejavam tudo aquilo. Ou seja, os jovensqueriam a ocupação que tinham os adultos, e os adultos almejavam a ociosidade dos adolescentes. Aqueles que passavam com pressa, com presas, e invejavam os meninos permanentemente de férias. Aqueles que passavam já sem tempo, e invejavam aqueles que ainda eram meninos. Os velhos senhores no calçadão, caminhando para tentar recuperar um pouco da juventude, um pouco da saúde, viam os meninos largados na praia e suspiravam, como gaivotas ao redor das pizzas.(NAZARIAN, 2009, p.45.)

A morbidez a que estavam entregues os meninos é redimensionada com a chegada de um personagem que, imediatamente, abranda os sentimentos de tédio, solidão e abandono dos meninos, para, logo, torná-los ainda mais potentes. Regina é uma professora grevista que se muda para o prédio e procura os meninos com o interesse de dar aulas para eles. Tradicionalmente, no Bildungsroman, o preceptor é o adulto responsável pelo encaminhamento do jovem em formação. É a essa função que Regina parece aludir ao afirmar que “sou professora. Fui encarregada da educação de todosaqui no prédio. E como professora, tenho de tomar providências se perceber que há algo errado com um aluno”. (NAZARIAN, 2009, p.204.)

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Entretanto, a professora Regina é umaassassina de crianças, o que corrompe, então, o seu possível papel de preceptoria. Ela mata todos os personagens sequencialmente, conseguindo apenas o Andrógino, Thomas, sair ileso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Esse romancenão caracteriza um Bildugsroman, ou seja, um romance de formação, pois,além de não existir uma situação espaciotemporal definida, a trajetória dos protagonistas é marcada pelofracassoe pela imobilidade. A respeito do percurso de tais personagens, é possível afirmar que a instituição familiar atua de forma ineficiente no processo de formação. Ademais, há uma falha da instituição escolar e uma desorganização na sociedade em que estavam inseridos os meninos, fazendo do tédio, da solidão e do abandono os elementos marcantes da vida de tais protagonistas. Jovens solitários, entediados, abandonados pelos pais quase sempre ausentes. Garotos confusos, que veem na liberdade uma condenação e não algo bom. Eles fracassam e têm seu processo de formação interrompido. Não há salvação nem perspectiva para tais adolescentes.

REFERÊNCIAS BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2000. ERIKSON, E. H. Identidade, juventude e crise. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976. FREITAG, Barbara. O indivíduo em formação. São Paulo: Cortez, 1994. FOUCAULT, M. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Nau, 1996. NAZARIAN, Santiago. O prédio, o tédio e o menino cego. Rio de Janeiro: Record, 2009. PITOMBEIRA, D. Adolescentes em processo de exclusão social: uma reflexão sobre a construção de seus projetos de vida. 2005. 285 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) –Faculdade de Psicologia, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza.

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Resumo Tendo por base a Lei 10.693/03 que orienta o ensino da história e cultura afro-brasileiras e africanas, desenvolvemos uma sequência didática, visando a ampliação da leitura, produção oral e escrita, tudo isso voltado para a afirmação da diversidade cultural, na perspectiva étnico-racial. Para tanto, tivemos como referencial teórico as contribuições de Rojo (2000), Marcuschi (2008), Schneuwly, Dolz e Noverraz (2004). Os estudantes tiveram a oportunidade de ler e analisar diversos textos, de debater sobre o tema proposto, de conhecer um pouco da história do continente africano através de suas lendas, entre outras atividades. Esta proposta foi aplicada numa escola da rede municipal do Recife, composta de 30 estudantes, com idades entre 16 e 65 anos. Sentimos que o espaço do ensino de língua materna na escola teve um novo significado para os estudantes, pois não só aprenderam questões pedagógicas, mas resgataram e valorizaram sua identidade. Palavras-chaves: diversidade, EJA, Sequência didática.


SEQUÊNCIA DIDÁTICA NA EJA: Redescobrindo a Cultura Africana através de suas Lendas Djário Dias de Araújo1 Maria Lúcia Ferreira de Figueirêdo Barbosa (Orientadora)2

A TÍTULO DE INTRODUÇÃO Ao fazermos um recorte histórico sobre a Educação de Jovens e Adultos no Brasil, observaremos que, desde o início, muitos entraves marcaram a implementação desta importante modalidade de ensino. Com a expansão industrial no início século XX, surgiram alguns projetos de lei que ressaltavam a necessidade de uma ação educacional para alfabetizar os adultos, objetivando, principalmente, ampliar o contingente de eleitores, já que os analfabetos eram proibidos de votar. Nesse contexto, mais precisamente em 1925, o ensino para jovens e adultos, no turno da noite, surge no Brasil. Outras ações, visando basicamente aumentar o número de eleitores e candidatos foram desenvolvidas pelo país, impulsionando campanhas e incitando movimentos sociais, que percebiam a importância da escola para este público. Mas vale ressaltar, que o objetivo era oferecer uma alfabetização básica para que estes jovens e adultos pudessem votar, fortalecendo os interesses dos grupos sociais dominantes daquela época. Sem falar que, ao abrir a escola para os jovens e adultos o Brasil estaria seguindo o que os países europeus da época estavam fazendo, e isso daria um ar de modernidade e respeito, já que a cultura européia era referência, especialmente no início do século XX.

1. Professor de Língua Portuguesa, doutorando em Educação pela UFPE (djariodias@hotmail.com) 2. Professora do Centro de Educação da UFPE. Doutora em Educação (luciafyg@yahoo.com.br) 277


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Como foi visto, desde sua concepção, a Educação de Jovens e Adultos apresentava outros interesses, que não estavam relacionados a questões pedagógicas e de valorização desta modalidade de ensino. Quando resgatamos a Declaração Universal dos Direitos Humanos, publicada em 1948, observaremos que a educação é um direito do cidadão, algo primordial para o exercício da cidadania e, se o país objetiva respeitar esta declaração, tem que investir nessa importante modalidade. Mas para pensar em políticas públicas para a EJA, é preciso refletir sobre a diversidade que é inerente a esse contexto; faz-se necessário reconhecer esses estudantes como sujeitos sócio-históricos e desenvolver atividades pedagógicas para valorizar o que os indígenas, negros, brancos, mestiços, homens, mulheres, idosos, jovens, que são protagonistas da EJA, podem contribuir para o cenário escolar, pois esses estudantes: Trazem uma noção de mundo mais relacionada ao ver e ao fazer […] Ao escolher o caminho da escola, a interrogação passa a acompanhar o ver desse aluno, deixando-o preparado para olhar. […]por um lado, um olhar receptivo, sensível, e, por outro, é um olhar ativo: olhar curioso, explorador, olhar que investiga, olhar que pensa (COSTA, 2006, p.5).

Como foi ressaltado acima, é um público diferenciado, que tem experiências de vida que podem e devem ser respeitadas em sala de aula. Até porque, muitos desses estudantes chegam à escola acreditando que não sabem muito, que já não podem aprender, por conta da idade ou pelo tempo que esteve fora da escola. Mostrá-los que, da mesma forma que construíram conhecimentos até complexos fora da escola, em seus diferentes postos de trabalho, eles podem sim se apropriar dos conteúdos escolares. Com base nisso, apresentaremos, neste artigo, uma experiência pedagógica vivenciada numa turma da EJA, da rede municipal do Recife, em que a tônica maior foi a valorização das experiências dos estudantes, a partir do resgate da cultura 278


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africana. Apresentaremos também o arcabouço teórico que embasou essa exitosa experiência pedagógica, em que os discentes foram protagonistas de suas histórias.

A PRÁTICA DE LEITURA NA EJA Cada modalidade de ensino exige especificidades pedagógicas e isso não é diferente em turmas da EJA. Como já ressaltado, a heterogeneidade, do ponto de vista da idade, das experiências de vida e das aprendizagens é a característica mais forte nessas turmas. Logo, a prática de leitura também deve apresentar ações que estejam focadas nas necessidades desse grupo escolar. O eixo de leitura se amplia, quando pensamos nessa modalidade de ensino. Temos estudantes com diferentes perfis, com experiências de vida que lhes proporcionaram diferentes letramentos, portanto, pensar em estratégias de leitura que possam valorizar esses conhecimentos trazidos é fundamental. Garantir os saberes linguísticos na perspectiva da leitura é também garantir a cidadania dos estudantes da EJA. Aprender a ler, nessa direção, não é uma habilidade comunicativa comum, mas uma ferramenta que fortalecerá o desenvolvimento cultural e social. Sobre a importância de estratégias de leitura específicas para a EJA, Ferreiro e Palácio (1987, p. 16-17) ressaltam que: O processo de leitura emprega uma série de estratégias. Uma estratégia é um amplo esquema para obter, avaliar e utilizar informação. A leitura, como qualquer atividade humana, é uma conduta inteligente. As pessoas não respondem simplesmente aos estímulos do meio; encontram ordem e estrutura no mundo de tal maneira que podem aprender a partir de suas experiências, antecipá-las e compreendê-las.

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Ter essa compreensão é fundamental aos docentes que atuam na EJA. Pensar em situações didáticas de leitura que resgatem e valorizem esses conhecimentos prévios trazidos por esses estudantes é de suma importância até para a permanência deles em sala de aula, pois se sentirão valorizados. Nessa direção, a concepção de leitura que atende ao contexto dessa modalidade está nas reflexões que Brandão (1994), ao defender: A concepção de leitura como um processo de enunciação se inscreve num quadro teórico mais amplo que considera como fundamental o caráter dialógico da linguagem e, conseqüentemente, sua dimensão social e histórica. A leitura como atividade de linguagem é uma prática social de alcance político. Ao promover a interação entre indivíduos, a leitura, compreendida não só como leitura da palavra, mas também como leitura de mundo, deve ser atividade constitutiva de sujeitos capazes de interligar o mundo e nele atuar como cidadãos (BRANDÃO, 1994, p. 89).

No bojo dessa discussão, temos a língua como interação, que está ancorada em práticas de linguagem construídas historicamente. A língua, nessa direção, será um instrumento mediador na relação autor-texto-leitor. E a prática de leitura que tem como referência esta concepção de língua deve entender os sujeitos como construtores sociais. Nesse contexto, Bakhtin (2004) reforça que: A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal (BAKHTIN, 2004, p.123).

Conceito nuclear dos estudos Bakhtinianos, a língua não é uma expressão do pensamento individual, pois está marcada por experiências anteriores, por muitas vozes. Trazendo essa perspectiva para a leitura, observaremos 280


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que no momento da leitura um fluxo dialógico se instaura. Conhecimentos sociais e históricos que resgatamos no ato da leitura dão significados reais a esse momento, fazendo com que o leitor, numa ação dialogizada, possa construir o sentido de sua leitura. Com base nisso, é preciso que o docente reflita em seu planejamento de leitura na perspectiva da EJA sobre: • O que os estudantes já sabem e precisam saber sobre a prática de leitura ( discentes da EJA, normalmente, participam de diversas atividades que ampliam seu letramento fora da escola, seja nas instituições religiosas, nos centros comunitários ou em seus postos de trabalho); • Os objetivos didáticos para a atividade a ser socializada (ler por prazer, ler para estudar, ler para se informar etc.) • O gênero textual a ser lido ( para iniciar, pode-se selecionar gêneros oriundos da prática dos estudantes ou a partir de uma necessidade emergente, cartas de reclamação ou de solicitação, por exemplo); • Nas estratégias de leitura (o que fazer antes, durante e depois da leitura). Levando-se em consideração os aspectos descritos, faz-se necessário que o docente que atua em turmas da EJA tenha essas concepções como eixo para o planejamento de suas atividades de leitura. Selecionar gêneros textuais mais voltados para este público, ter claro os objetivos de cada atividade de leitura e perceber o que os estudantes já sabem e o que precisam saber para desenvolver a competência leitora é um dos caminhos pedagógicos a serem trilhados por profissionais da área.

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A PRODUÇÃO DE TEXTO ESCRITO NA EJA Na seção anterior, apresentamos a leitura como uma importante referência que ajudará no desenvolvimento dos outros eixos de língua portuguesa, mas para ampliar a competência linguística dos estudantes com plenitude, faz-se necessário que os eixos de língua materna (leitura, oralidade, produção escrita e análise linguística) estejam articulados. Escrever é uma ação dialógica, pois, no ato da escrita, estamos sempre compondo um diálogo com o interlocutor. Sobre isso, Bakhtin (2003), já defendia: [...] as obras [...] dos diferentes gêneros [...] a despeito de toda a diferença entre elas e as réplicas do diálogo, também são, pela própria natureza, unidades da comunicação discursiva: também estão nitidamente delimitadas pela alternância dos sujeitos do discurso, cabendo observar que essas fronteiras, ao conservarem a sua precisão externa, adquirem um caráter interno graças ao fato de que o sujeito do discurso – neste caso o autor de uma obra – ai revela a sua individualidade no estilo, na visão de mundo, em todos os elementos da idéia de sua obra. Essa marca da individualidade, jacente na obra, é o que cria princípios interiores específicos que a separam de outras obras a ela vinculadas no processo de comunicação discursiva de um dado campo cultural: das obras dos predecessores nas quais o autor se baseia, de outras obras da mesma corrente, das obras das correntes hostis combatidas pelo autor etc.(BAKHTIN, 2003, p. 279).

No momento de nossa produção, emergem não só as questões relacionadas ao gênero a ser produzido, mas principalmente sobre o leitor de nosso texto. Tais reflexões se configuram como referências importantes nessa construção, logo, questões sobre o estilo, tema, estrutura composicional e determinados enfoques argumentativos que daremos no nosso tema têm uma relação direta com esse interlocutor, pois, em linhas gerais, queremos 282


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mobilizá-lo, convencê-lo de algo. Esse leitor idealizado terá um papel fundamental na nossa produção escrita, pois irá direcionar os enfoques da nossa produção. Mas o texto também vai trazer marcas do autor, ou seja, suas ideologias, seus desejos, sua intencionalidade e considerar essas questões no momento da produção de texto na perspectiva da EJA é de fundamental importância. É com base no propósito comunicativo que iremos moldar o texto em algum gênero, pois: Nós aprendemos a moldar o nosso discurso em formas de gênero e, quando ouvimos o discurso alheio, já adivinhamos o seu gênero pelas primeiras palavras, adivinhamos um determinado volume (isto é, uma extensão aproximada do conjunto do discurso), uma determinada construção composicional, prevemos o fim, isto é, desde o início temos a sensação do conjunto do discurso que em seguida apenas se diferencia no processo da fala. Se os gêneros do discurso não existissem e nós não os dominássemos, se tivéssemos de criá-los pela primeira vez no processo do discurso, de construir livremente e pela primeira vez cada enunciado, a comunicação discursiva seria quase impossível (BAKHTIN, 2004, p.283).

Toda comunicação se faz através de algum gênero, seja ele oral ou escrito. Quando estamos indignados sobre o atraso da coleta de lixo em nossa rua, podemos escrever cartas de reclamação ou de solicitação, quando queremos vender algo, podemos fazer anúncios publicitários e postar em sites, se temos boas ideias culinárias e queremos registrar isso, possivelmente faremos receitas, ou seja, a linguagem é, sem dúvida, um processo de interação humana e os gêneros vão mediar esse processo. Sobre as etapas de produção de texto na escola, Geraldi (1997, p. 137) defende que:

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a) se tenha o que dizer; b) se tenha uma razão para dizer o que se tem a dizer; c) se tenha para quem dizer o que se tem a dizer; d) o locutor se constitua como tal, enquanto sujeito que diz o que diz para quem diz […]; e) se escolham as estratégias para realizar (a), (b), (c) e (d). Acrescentaríamos ainda reflexões sobre: por quê produzir determinado gênero? Para quê? Para quem? Como avaliar esse processo de produção? Tais reflexões pedagógicas devem nortear o planejamento do eixo de produção escrita. Os objetivos devem estar claros tanto para o docente, quanto para seus alunos. Como enfatizado na seção teórica anterior, é importante que os eixos de língua portuguesa estejam articulados, ou seja, o que antecede uma boa produção escrita é uma prática de leitura eficiente. O estudante tem que ler, analisar, comparar diversos exemplares daquele gênero a ser produzido. É a integração dos eixos que garantirá maior êxito no momento da produção escrita, sobretudo no contexto na EJA.

A SEQUÊNCIA DIDÁTICA COMO DISPOSISTIVO METODOLÓGICO Iremos, nesta seção teórica, focar nossos estudos a partir das concepções trazidas por Dolz e Schneuwly (1998, p. 93), que ressaltam que uma sequência é “um conjunto de módulos escolares organizadas sistematicamente em torno de uma atividade de linguagem dentro de um projeto de classe”. Esses pesquisadores, reforçam o conceito de sequência didática ao destacarem que “é um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito” (DOLZ, NOVERRAZ E SCHNEUWLY, 2004, p. 97). Seguindo esta proposta, estes estudiosos mostram

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que uma sequência didática pode seguir basicamente o seguinte esquema, como mostra a figura abaixo:

Figura 1. Esquema de Sequência Didática. (Dolz, Noverraz & Schneuwly, 2004).

Ainda de acordo com Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004) a primeira etapa, que é caracterizada como “apresentação da situação” é o momento em que os alunos resgatam seus conhecimentos prévios sobre o gênero através de perguntas feitas pelo professor. Modelos do gênero a ser trabalhado podem ser lidos e analisados. Também se resgata nesse momento questões relacionadas ao destinatário do gênero a ser estudado, onde circula, entre outras informações. Já na produção inicial, que é a segunda etapa da proposta, os estudantes são convidados a produzirem um texto oral ou escrito do gênero a ser aprofundado durante as outras etapas da sequência. É um momento em que o professor observa o que o aluno já sabe e o que ele precisa saber sobre aquele texto. Depois dessa avaliação, o docente organiza outras situações didáticas com base naquele gênero. Essas situações se agrupam em vários módulos, como está caracterizado na Figura 1 apresentada na página anterior. Vale salientar que esta sequência deve estar norteada pelas condições de produção descritas na seção anterior deste artigo. Os estudantes devem ficar cientes sobre em que gênero vão produzir seu texto, para que e para quem esse texto vai ser enviado. Por fim, temos a 285


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última etapa da sequência que é a produção final. Como ressaltado, desde o início da sequência os alunos devem ficar cientes que sua produção terá um destinatário real, logo, todas as etapas seguem uma perspectiva de aprendizagem em espiral, visando a consolidação do produção final, que poderia ser o envio de cartas de solicitação, elaboração de cartazes para uma caminhada contra a violência, entre outras propostas. Diante disto, o último momento da sequência, caracterizada pelos autores de “produção final” os estudantes apresentam o que aprenderam durante todo o processo, através de suas produções. No estudo dos gêneros textuais há pesquisadores que se dedicam mais para a teorização dos gêneros (BAKHTIN, MILLER, BAZERMAN) e outros focam no processo de didatização ou mesmo pedagogia dos gêneros, como é o caso de Joaquim Dolz, Jean-Paul Bronckart, Bernard Schneuwly, entre outros. Esses pesquisadores estrangeiros que fazem parte da chamada “Pedagogia dos Gêneros” iniciaram seus estudos na mundialmente conhecida escola de Genebra e como ressaltado, foi com base nos estudos desses pesquisadores que a sequência didática, que foi referência para a produção deste artigo, foi fundamentada. A sequência didática que foi base para a produção deste trabalho foi desenvolvida e aplicada numa turma da EJA (Educação de Jovens e Adultos), no módulo 5, da rede municipal do Recife. Esta turma é composta de 35 alunos, com idades entre 16 e 60 anos. Foi feito, no início de agosto de 2017, um debate sobre o racismo, muitos dos estudantes negros comentaram que nunca passaram por situação de discriminação, por não serem negros, mas morenos mais escuros, ou morenos mais claro. Estava em relevo uma situação que deveria ser refletida: a negação de sua identidade. O fato de não se identificar como homem negro ou mulher negra tem a ver com preconceito historicamente perpetuado em nossa sociedade. Sobre isto, a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) publicou que 46,1% dos brasileiros disseram que eram brancos, 45 % pardos e apenas 8,1% negros. 286


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Esses dados decididamente não condizem com nossa realidade, não têm a ver com o retrato do nosso povo. Diante disto, uma sequência didática, visando sobretudo a valorização e contribuição da povo negro no Brasil foi desenvolvida durante todo o mês de agosto. Eis, a seguir, os objetivos desta sequência. Objetivo geral: • Desenvolver atividades contemplando os eixos de leitura, produção e análise linguística, tendo por base temática a diversidade étnico-racial. Objetivos específicos: • Resgatar os conhecimentos prévios dos estudantes sobre a temática; • Debater, a parir de alguns vídeos, sobre a importância da cultura africana na formação do povo brasileiro; • Ler criticamente reportagens sobre a diversidade étnico-racial; • Organizar um debate regrado sobre o tema central da nossa sequência; • Socialização, em slides, sobre a literatura africana, bem como de alguns escritores; • Ler diferentes lendas africanas, comparando-as com as brasileiras; • Analisar a funcionalidade das lendas para a cultura africana; • Conhecer as estratégias de contação de lendas; • Caracterizar lendas, do ponto de vista estrutural e estilístico;

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• Produzir individualmente uma lenda, com base no que foi socializado em sala; • Reescrever a lenda, visando adequação ao gênero; • Divulgar o livro na noite de autógrafos; • Socializar com a comunidade escolar o blog intitulado “Ateliê de Aprendizagem”. Como foi descrito nos objetivos acima, várias atividades foram desenvolvidas para reflexão e aprofundamento do tema “diversidade étnico-racial”. Os estudantes tiveram a oportunidade de participar de várias leituras, debates, análises, vídeos-debate, leitura de lendas africanas, estudos sobre a riqueza do continente africano, produção escrita de lendas e, por fim, lançamento do livro e do blog da turma.

À GUISA DE CONCLUSÃO Como defende a constituição de 1988, a educação básica é direito de todos e dever do estado e a EJA, nesse contexto, surge como um importante instrumento de transformação social para milhares de brasileiros que, na maioria das vezes, não puderam concluir seus estudos na idade considerada “regular” e agora encontram na EJA a oportunidade de reverter esse quadro em turmas da EJA. Nas aulas de português, o estudante não aprende só a ler e escrever, mas resgata seus direitos sociais, reconhecendo-se como agentes sociais importantes. A sequência didática vivenciada na turma da EJA, que foi descrita anteriormente mostra bem isso. Além de os estudantes terem avançados na leitura e escrita, eles começaram a respeitar a diversidade étnico-racial que marca o povo brasileiro. Muitos que não se viam como negros, depois da sequência didática, identificavam-se publicamente como

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homens e mulheres negras, com sua história, com seu valor, com sua cultura. O ensino da EJA deve se pautar com temas que tenham relação com o grupo, visando o avanço da competência linguística e social desses estudantes.

REFERÊNCIAS BAKHTIN, M.M. Estética da criação verbal. Tradução e introdução de Paulo Bezerra. 4ª ed. SP: Martins Fontes, 2003. ______. Marxismo, filosofia e linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 11 ed. São Paulo: Hucitec, 2004. BRANDÃO, Helena N. O leitor: co-enunciador do texto. Polifonia. n. 1, Cuiabá: Editora da UFMT, 1994, pp. 85-90. COSTA, E. et al. Alunos e alunas da EJA. In: MEC/SECAD. Trabalhando com a EJA. Brasília: MEC/SECAD. 2006.Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/arquivos;pdf/ ejacaderno.pdf>. Acesso em: 16 de setembro, 2017. FERREIRO, Emília; PALACIO, Margarita Gomez. Os processos de leitura e escrita: novas perspectivas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987. MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gênero e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Trad. Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. São Paulo: Mercado de Letras, 2004, p. 95-128.

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Resumo Este artigo é um recorte da minha dissertação, a qual objetivou oferecer a professores, especificamente da Educação de Jovens e Adultos (doravante EJA), dados resultantes de uma pesquisa-ação para a reflexão desses profissionais sobre a necessidade da busca de novas propostas para o ensino de produção textual. Entendemos que é importante não só o trabalho com a escrita através de uma sequência didática, como também a publicação dos textos. Para tanto, compreendemos que é importante contemplar, no ensino da produção textual, temas que sejam do interesse dos estudantes, assim como prever as condições de produção, entre as quais, o público alvo dos textos, oferecendo a possibilidade da publicação. Com isso, elaboramos a sequência didática, orientada pela metodologia proposta por Dolz; Noverraz; Schneuly (2004), em que exploramos a notícia esportiva e apresentamos os resultados do trabalho de construção dos lides das notícias, na escrita e na reescrita dos textos. Ao final desta análise, constatamos a necessidade da de reescrita, sobretudo, quando existe uma plataforma virtual, o blog, como suporte para a publicação dos textos produzidos pelos estudantes. Palavras-chaves: Gênero discursivo; Produção textual; EJA.


SEQUÊNCIA DIDÁTICA PARA A PRODUÇÃO DE NOTÍCIA ESPORTIVA ESCRITA EM TURMAS DA EJA: aspecto da construção do lide Sérgio Claudino de Santana1

INTRODUÇÃO É possível perceber, na atual conjuntura educacional brasileira, que o trabalho com os gêneros discursivos2 tem sido reiterado como meio principal para a apropriação de conhecimentos relacionados à linguagem. A escola, com isso, assume a função de responsabilizar-se pelo ensino de usos adequados da linguagem em situações efetivas, de prática real, do cotidiano e, ao mesmo tempo, de conduzir o aluno a desenvolver bem essa prática na vida não escolar. Contudo, entendemos que não basta ensinar aspectos sobre os gêneros na escola, isto é, ensinar peculiaridades de suas formas de organização e de suas funções; é preciso dar vida a esse ensino e torná-lo mais atrativo em sala de aula. Acreditamos que é importante fazer isso, sobretudo, no eixo de ensino da escrita. A preocupação com este cenário tem sido bastante divulgada, principalmente em relação a estudantes de modalidades regulares de ensino, em

1. Docente do Ensino Fundamental e Médio da Secretaria de Educação de Jaboatão dos Guararapes em Pernambuco (SEDUC- Jaboatão dos Guararapes-PE) e da Secretaria de Educação de Pernambuco (SEDUCPE), respectivamente. Mestre em Linguagens e Letramentos pelo PROFLETRAS da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Recife, Brasil, e-mail: sergio_claudino1974@hotmail.com 2. Optamos pelo termo bakthiniano ‘gênero discursivos’, por entender que este evidencia mais precisamente a função dialógica da linguagem, apesar de recorrer também, neste trabalho, a autores que preferem o termo ‘gêneros textuais’, como Marcuschi (2008) e Bronckart (2012). 291


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trabalhos como o de Antunes (2003). Entendemos que também é necessário trazer à tona essa preocupação com o foco ajustado para os estudantes da EJA. Esta é uma modalidade escolar das etapas dos ensinos fundamental e médio da rede escolar pública brasileira e adotada, também, por algumas redes particulares, desde que as instituições sejam credenciadas e autorizadas. Essas instituições podem receber os jovens e adultos que não completaram os anos da educação básica em idade apropriada por qualquer motivo (entre os quais é frequente a menção, por parte dos estudantes, da necessidade de trabalho e participação na renda familiar desde a infância). O trabalho docente com a produção textual escrita, muitas vezes, parece ser, apenas, o cumprimento da atividade. Acreditamos que isso se deva ao fato de muitos professores ainda não conhecerem bem propostas com base na teoria sociointercionista bakhtiniana, a adotada neste trabalho, para o ensino da produção de textos. Essa teoria, que enfoca a função dialógica da linguagem, foi a que fundamentou inúmeros trabalhos sobre o ensino de produção textual, que orientam as previsões adequadas das condições de produção e não apenas a apresentação da organização formal do gênero a ser construído. Esse pouco conhecimento dos professores ocorre apesar das propostas amplamente divulgadas por documentos oficiais. Essa nossa afirmação é ratificada por Ávila; Gois; Nascimento (2012, p. 44-45): Os estudos sobre os gêneros textuais que, nas últimas décadas, vêm sendo desenvolvidos ancoram-se na concepção teórica bakhtiniana dos gêneros do discurso, segundo a qual a linguagem é analisada no seu aspecto sociointeracionista (perspectiva que serve como alicerce dos PCN). O texto que tem como título O problema dos gêneros do discurso foi possivelmente escrito, segundo Faraco (2006), entre 1952 e 1953, vindo a ser publicado pela primeira vez na Rússia, em 1979. Levando-se em conta que a difusão de tal teoria tenha ocorrido no Ocidente apenas anos depois e que sua incorporação aos currículos

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de Letras seja bastante recente, milhares de professores de Língua Portuguesa que atuam em nossas escolas não tiveram contato com ela quando da sua formação superior. É natural, portanto, que (a menos que tenham feito cursos de especialização na área, ou que tenham participado de curso de formação continuada) muitos não tenham sequer o conhecimento de tal perspectiva.

Quer dizer, muitos docentes que atuam no ensino básico, cremos nós, têm interesse para implementar metodologias diferentes nas aulas, que lhes ajudem a contribuir para a melhoria da qualidade dos textos de seus alunos. Entretanto, afastados das universidades desde a conclusão de seus cursos de graduação e devido à falta de oportunidade de frequentarem cursos de pós-graduação que poderiam atualizar seus conhecimentos, não concretizam os seus anseios. Segundo Antunes (2003, pp.108-109), “a escola não deve ter outra pretensão senão chegar aos usos sociais da língua, na forma em que ela acontece no dia-a-dia da vida das pessoas.” (grifo nosso). Ou melhor, é preciso trazer para o ambiente educacional práticas mais objetivas, a fim de que o trabalho com a escrita seja vivido com menos indiferença por parte dos educandos e se torne aliado deles no desempenho escolar e, mais tarde, fora da escola. Sabe-se, também, que o universo do esporte sempre fascinou as crianças e os jovens brasileiros. Entretanto, hoje, o futebol tem ― enfeitiçado, também, a população como um todo, ou seja, adulto, criança, adolescente, idoso, todos, de ambos os sexos, participam, acompanham, brincam, jogam, seja amadorística ou profissionalmente, torcem. Alguns ainda leem e escrevem sobre o tema. Em uma pesquisa realizada em 2012, encomendada pela AmBev (Companhia de Bebidas das Américas), realizada por telefone pelo IBOPE (Instituto Brasileiro de Opinião e Estatística), com 1926 voluntários de todo o país, a partir da seguinte indagação: ― Qual a maior paixão dos brasileiros?, constatou-se que o futebol lidera a preferência com 77%. 293


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Considerando o exposto até este ponto, este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa que partiu da seguinte questão: se apresentarmos propostas para o ensino da produção de textos que contemplem o estudo de um gênero discursivo, fazendo recurso a uma temática que seja de interesse dos estudantes e apresentando condições de produção bem definidas para a produção textual, incluindo a possibilidade da publicação dos textos, podemos obter melhor êxito no ensino de escrita com estudantes do ensino fundamental da EJA? Este artigo, como já informamos, é um recorte da dissertação de mestrado que enfocou o gênero notícia escrita esportiva (NEE). Teve como objetivos específicos: a) descrever aspectos linguístico-discursivos do lide do gênero que foi objeto de ensino da sequência didática na pesquisa, a saber, a (NEE), a qual cumpre a função social ligada ao universo do tema escolhido e b) avaliar os lides dos textos produzidos pelos estudantes que vivenciaram a sequência didática, a qual, construídos a partir da proposta de Dolz; Noverraz; Schneuwly (2004), foram produzidos em duas versões, a fim de verificar se, na segunda versão, haveria ganho qualitativo. Já na dissertação, exploramos como objetivos também: a) criar um blog da turma, dando ênfase à temática esportiva sobre futebol e publicar textos produzidos pelos voluntários da pesquisa, do gênero NEE e b) Produzir, na perspectiva da pesquisa-ação, a sequência didática acima mencionada, e ensinar numa turma de estudantes da EJA dos 6º e 7º anos de uma escola da Rede Municipal de Jaboatão dos Guararapes, situada no bairro Zumbi do Pacheco, a fim de verificar se realmente houve a aquisição da aprendizagem do gênero proposto. Contudo, esses dois últimos objetivos não serão focalizados neste artigo.

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A EJA E SUAS HISTÓRIAS A EJA é uma modalidade de ensino que, a nosso ver, necessita de um apoio mais consistente das nossas autoridades. Precisa ser valorizada e, cada vez mais, ganhar visibilidade no cenário educacional. Essa modalidade de ensino não pode ser tratada como um favor da sociedade para pessoas que não tiveram chance de frequentar a escola na idade certa, mas deve sim ser considerada como uma ação de recuperação de um tempo escolar que deveria ser ofertado. De acordo com Cury (2000, p.7),“a função reparadora da EJA, no limite, significa não só a entrada no circuito dos direitos civis pela restauração de um direito negado: o direito a uma escola de qualidade, mas também o reconhecimento daquela igualdade ontológica de todo e qualquer ser humano”. Isto é, o direito à igualdade em tudo para qualquer cidadão.

O “SUPORTE” TEXTUAL BLOG Apenas no início da década de 80, iniciaram-se as providências a fim de levar para a sala de aula, das escolas públicas de 1º e 2º graus (nomenclatura adotada na época), a presença substancial de computadores, com o intuito de seguir o exemplo dos países de 1º mundo, os quais já disponibilizavam computadores para os estudantes, com o objetivo de qualificar o conhecimento e o sistema de ensino. Lorenzi; De Paula (2012) afirmam ser o blog uma ferramenta digital a qual veio para contribuir efetivamente com a sala de aula, ajudando-a a se tornar um ambiente mais interativo e dinâmico para os docentes que ousem levá-lo para dentro das quatro paredes do saber e a ainda reafirmam que o

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blog pode ser um espaço para as práticas de leitura e escrita, proporcionando novas formas de acesso à informação, a processos cognitivos, como também às novas formas de ler e escrever, gerando novos letramentos, isto é, uma condição diferente de produção para aqueles que exercem práticas de escrita e de leitura no blog e por meio dele (LORENZI; DE PAULA, 2012, p. 40).

Afirmando de outro modo, na sala de aula, a linguagem será um objeto de aprendizagem por meio de uma ferramenta cibernética que proporcionará ao estudante da EJA novos desafios e motivações para a produção de texto, leitura e, sobretudo, a reflexão sobre essas ações, uma vez que os alunos perceberão que o texto não terá visibilidade apenas para o docente da sala de aula, mas, principalmente, para qualquer pessoa que possa ter acesso ao ambiente virtual do blog.

OS GÊNEROS DISCURSIVOS Sabemos que, inevitavelmente, segundo Bakhtin ([1992] 2011), as mais variadas esferas da atividade humana são atravessadas pelos usos da língua. Esse uso se materializa por meio de enunciados oriundos dos componentes de uma ou outra esfera social. E tais enunciados, no uso da língua, apresentam as particularidades de cada esfera e seu propósito comunicativo gerando o autêntico tipo relativamente estável do enunciado, quer dizer, o gênero do discurso. O gênero notícia A notícia é um gênero pertencente ao domínio discursivo do jornalismo e que é bastante singular, pois é possível diferenciá-la facilmente de

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outros gêneros jornalísticos. Esse fato ocorre graças à estrutura tradicional e pouco dinâmica da notícia, o que faz ser reconhecida por quase todos os integrantes de uma comunidade linguística. Segundo Lage (1985, p.16), o gênero do discurso notícia “é o relato de uma série de fatos a partir do fato mais importante ou interessante.” Isto é, normalmente a notícia dificilmente é apresentada na ordem cronológica. No caso da nossa pesquisa, a NEE deve-se enquadrar nessa colocação intermediária, uma vez que o público alvo a que se destina inclui aqueles que diariamente buscam a informação clara, precisa e objetiva e que, muitas vezes, costumam apenas ler as manchetes dos jornais e, no máximo, o lide de cada notícia para ter a segurança do conhecimento geral daquele assunto. Ao buscarmos para a sala de aula a análise e discussão sobre as polêmicas geradas em uma partida de futebol, acreditamos que a polêmica ocorrida no jogo interessará aos alunos, motivando-os a elaborar notícias para serem publicadas no blog por eles criado. Quando nos reportamos aos elementos estruturais do gênero notícia (o título, o lead e o corpo da notícia), o segundo adquire uma importância diferenciada, sobretudo no nosso trabalho, porque a publicação de notícias no blog pode ser condensada pela elaboração apenas do lead e, por isso, neste artigo utilizamos essa estrutura a fim de ser analisada.

TIPOS TEXTUAIS Fugindo ao modelo de ensino de produção textual que ensinava exclusivamente os tipos descrição, narração e dissertação aos estudantes da escola básica, entendemos que é preciso continuar ensinando-lhes a organizarem as sequências textuais, de acordo com os objetivos dos gêneros a serem produzidos. No nosso caso, para a constituição não só do lide, mas

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também do corpo de uma notícia, é preciso do conhecimento a respeito da sequência narrativa. Van Dijk (1982) é um importante representante das primeiras discussões sobre o tema. O citado autor, inclusive, criou o termo ‘superestrutura’ para descrever aspectos da notícia, desviando, porém, da sua concepção inicial de análise cognitiva. Para o autor, o termo ‘superestrutura’ designa a estrutura global de um determinado tipo de texto. Tipo aqui equivale ao conceito bakhitiniano de gênero do discurso. Poderia ser também denominada de ‘hiperestrutura’. E, através desse conceito criado pelo autor, sobretudo aplicado aos textos narrativos, saberíamos distinguir sem muita dificuldade uma narração de outras formas textuais. O autor também discorre sobre o que denomina ‘macroestrutura’(o tema de um texto), que é independente da estrutura global de um texto. Para tanto, van Dijk (1982, p. 142) afirma: para mostrar que o tema ou o assunto e a estrutura narrativa típica são independentes uns dos outros, podemos muito bem supor que, embora também seja um roubo, não é de todo uma narrativa, mas um relatório da polícia ou uma declaração após o roubo , um relatório dos danos sofridos a um seguro de uma casa, juntamente com a denúncia do furto , etc.3

Quer dizer, identificamos o protótipo de uma superestrutura seja qual for o conteúdo (macroestrutura) do texto. Contudo, ainda conforme esse autor, a superestrutura e a macroestrutura se encontram num mesmo pro-

3. Para demostrar que el tema o el objeto y la típica estrutura narrativa son independientes entre si, podemos muy bien imaginarmos un texto que si bien también trata de un robo, no es en absoluto una narración, sino um informe policial o una declaración hecha después del robo, un informe de los daños habido a uma casa de seguro junto con la denuncia del robo etc. 298


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pósito quando, em ambas, existe a preocupação com o texto ou, às vezes, com determinadas partes deste. Por isso, conclui o autor, distingue-se a estrutura global das microestruturas, uma vez que a análise de trechos oracionais específicos não determinará a classificação final de um texto em narrativo, argumentativo etc., mas sim, haverá essa identificação através da abordagem de todo o texto. Sequência narrativa Segundo van Dijk (1982, p. 153), “os textos narrativos são ‘forma básicas’ globais muito importantes da comunicação textual.”4 Ou melhor, as narrações são alicerces para quem possui dificuldades de entendimento da comunicação textual, sobretudo da comunicação primária e mais elementar que corresponde não só à conversação oral, mas também a produção escrita a respeito de acontecimentos recentes ou de acontecimentos remotos ocorridos. O autor também aponta um segundo grupo de narrações, do qual fazem parte os gêneros piadas, mitos, contos populares e, por fim, em um outro nível mais profundo, alude às narrações literárias dotadas de uma estruturação mais elaborada. O autor assegura que o protagonismo de uma narração está nas ações, o que a fazem distinguir, sumariamente, de outros textos, como, por exemplo, de um catálogo, de uma receita ou, até mesmo, de uma bela descrição de uma paisagem. Além disso, é preciso que o texto narrativo possua algo que desperte atenção do leitor, já que não é interessante ouvir uma narração da escovação de um dente, por exemplo, ou de uma noite de um sono tranquilo, mas sim é necessário que apresente um fato que construa uma

4. Los textos narrativos son ‘formas básicas’ globales muy importantes de la comunicación textual. 299


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imagem futura e diferente para o leitor. Por isso, a primeira categoria de uma superestrutura narrativa, de acordo com van Dijk, é a ‘complicação’.5 Isso é comprovado, pois a ideia central do texto, nesse caso, será, na maioria das vezes, apresentada por meio de um relato mais detalhado de informações, explorando algumas ações da narrativa. Com isso, é possível assegurar que a primeira categoria da narração não possui como essencialidade a presença de pessoas, entretanto, quando há o desdobramento de reações diante do acontecimento, percebe-se a necessidade do surgimento delas. Assim, van Dijk (1982, p. 155) chama esse processo de “uma diluição da complicação. Por isso, a categoria narrativa tradicional correspondente é a ‘RESOLUÇÃO’ (em inglês: resolution).”6. Dito de outra forma, temos o aparecimento de uma nova categoria dependente da primeira. E de acordo com o mesmo autor, o desfecho que surgirá nessa nova classe pode ser favorável ou não, exitoso ou não. Portanto, com essas duas categorias iniciais, as quais van Dijk (1982) denominará de ‘acontecimento’, o alicerce da narrativa está formado. Segundo ele, também, cada acontecimento desenvolve-se em quatro situações (o que aconteceu? Onde aconteceu? Como aconteceu? Quando aconteceu?) cuja denominação será o ‘marco’. A Junção desses dois últimos faz surgir o ‘episódio’. Este pode ser vivenciado através de diversos acontecimentos. Essa pluraridade de possíveis ‘episódios’ o autor chama de ‘trama’.

5. Essa categoria apresentada pelo autor tem base nos estudos de Labov & W.A L etzky (1967) que são os únicos que analisaram as narrativas especificamente naturais. 6. Una ‘dilución’ de la complicación. Por eso, la categoria narrativa tradicional correspondiente es la RESOLUCION( en inglés: resolution). 300


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ENSINO DA PRODUÇÃO TEXTUAL A nossa proposta, para o aluno da EJA, é deixá-lo apto a poder desenvolver o gênero NEE, numa proposta de base interacional. Por isso, concordamos com Geraldi, quando ele explora a taxonomia produção de texto na escola e não a redação para a escola. Nessa perspectiva, foge-se do emprego artificial da língua e adentra-se na esfera de uma escrita real, prazerosa e coerente para ser discutida. (GERALDI, 2012, p.64-65). Além disso, conforme o mesmo autor, na maioria das vezes, escreve-se sem um preparo prévio e a correção também não possibilita a reescrita; nesse sentido, o aluno estaria cumprindo a sua função aluno. Diferentemente da redação escolar, a produção textual é um processo, com as etapas prévias para a escrita, como leitura, debate, pesquisa e elaboração textual. Da mesma forma, o texto não se encerra na entrega da versão inicial, pois há as etapas de avaliação e reescrita. Nesse caso, conforme Geraldi (2006), o aluno estaria cumprindo sua função como aluno sujeito. Geraldi (2003) aponta, ainda, que, para qualquer tipo de interação conversacional, por mais simples e singela que seja, numa produção de texto, necessita de que: a) se tenha o que dizer; b) se tenha uma razão para dizer o que se tem a dizer; c) se tenha para quem dizer o que se tem a dizer; d) o locutor se constitua como tal, enquanto sujeito que diz para quem diz (ou na imagem wittgensteiniana, seja um jogador no jogo) ; e) se escolham as estratégias para realizar (a), (b), (c) e (d). (GERALDI, 2003, P. 137)

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Ou seja, a produção de texto na escola, por mais simples que seja, deve: a) possuir o assunto real; b) o motivo para expor o assunto; c) o público alvo que realmente tenha interesse para ler; d) o produtor da mensagem se sinta protagonista da mensagem; e) para concretizar essas ações, haja um planejamento para executá-las.

O GÊNERO NA SALA DE AULA Para este artigo, parece-nos que a proposta de Dolz; Noverraz; Schneuwly (2004, p. 97), que acreditam no desenvolvimento linguístico mais eficiente do aluno quando se prioriza o trabalho com os gêneros através de sequências didáticas, é adequada aos citados propósitos de ensino de produção de textos. Essa nossa crença se prende ao fato de que uma sequência didática contribui com o aluno para que o mesmo se aproprie melhor de um gênero de texto novo ou pouco acessível, isto é, essa metodologia oportuniza ao aluno poder aprender a falar ou escrever, de forma adequada, numa situação peculiar, por meio de um determinado gênero seja ele conhecido ou não (DOLZ, NOVERRAZ E SCHNEUWLY, 2004). Dolz e Schneuwly (2004) afirmam que, para introduzir um gênero na escola, como ferramenta de trabalho com a linguagem, é preciso almejar dois objetivos: inicialmente , o professor deve intencionar a fixação das funções do gênero para que o aluno possa se apropriar das condições essenciais de produção não só na escola, mas também fora dela; e, por fim, implementar situações que proporcionem ao estudante conhecimentos que possam ser utilizados na produção de gêneros afins ou, também, distantes. Os autores citados acima complementam:

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Pelo fato de que o gênero funciona num outro lugar social, diferente daquele em que foi originado, ele sofre, forçosamente, uma transformação. Ele não tem mais o mesmo sentido; ele é, principalmente, sempre – nós acabamos de dizê-lo – gênero a aprender, embora permaneça gênero para comunicar. É o desdobramento, do qual falamos mais acima, que constitui o fator de complexificação principal dos gêneros na escola e de sua relação particular com as práticas de linguagem. Trata-se de colocar os alunos em situações de comunicação que sejam o mais próximas possível de verdadeiras situações de comunicação, que tenha um sentido para eles, a fim de melhor dominá-las como realmente são, ao mesmo tempo sabendo, o tempo todo, que os objetivos visados são (também) outros ( DOLZ;SCHNEUWLY, 2004, p. 69).

Partilhando da opinião dos autores acima citados, entendemos que o gênero notícia esportiva escrita (doravante NEE), gênero discursivos do domínio do jornalismo e do domínio discursivo do futebol, apesar de explorar os assuntos referentes ao jogo, não trará para a sala de aula , apenas, discussões sobre a temática futebolística, mas sim trará possibilidades de outras propostas temáticas que pertencem ao cotidiano do aluno, tais como: a segurança pública, uma vez que, no ambiente escolar, poderá ser questionado, por exemplo, o porquê de num jogo de futebol haver uma quantidade enorme de policiais, quando, no dia a dia, cobra-se tanto a presença da polícia, mas não existe um retorno satisfatório da presença, desses agentes da segurança, nas ruas da cidade; o racismo (percebido em ofensas a atletas negros); o consumismo (esboçado por muitos atletas que têm repentina e abrupta ascensão social), o uso de drogas (que ocorre no futebol e em outros esportes) etc. O ensino do gênero, por meio de uma sequência didática, a nosso ver, aproxima o discente da sua autossuficiência, minimizando o árduo trabalho que a escrita, naturalmente, impõe.

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METODOLOGIA A análise foi de natureza quali-quantitativa do corpus. Inicialmente, 35 participantes foram voluntários para a pesquisa de acordo com a relação de matrícula apresentada, na faixa etária bastante heterogênea, de 18 até 59 anos, cursando o 6º e 7º anos. Desses, 21 preencheram o questionário e o termo de consentimento, 18 ouviram a apresentação da pesquisa e 16 entregaram a primeira produção, no eixo da escrita, a NEE. Efetivamente,13 alunos foram assíduos às aulas. A refacção dos textos escritos só foi realizada por 11 participantes, dos quais apenas nove compuseram a primeira e a segunda versão escrita da notícia. Portanto, analisaremos apenas os textos destes últimos estudantes, que conseguiram cumprir “todas” as atividades da sequência didática. A escola em que foi realizada a pesquisa – ação é uma instituição educacional pública da rede municipal de ensino da cidade de Jaboatão dos Guararapes. A instituição de ensino pesquisada é considerada de médio porte. A atividade teve fundamentação teórica na proposta de sequência didática formulada por Dolz; Noverraz; Schneuwly (2004), abaixo representada pelo esquema feito pelos próprios autores.

Esquema 1. Estrutura base de uma sequência didática (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY 2004). Fonte:<http://unibr.com.br/ revistamatter/2015/05/25/trilhando-a-alfabetizacao-por-meio-de-producoes-de-textos-espontaneos/> acessado em 20-07-16

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Para a análise, neste artigo, focalizamos o lide que é um dos componentes dos aspectos da organização formal da notícia.

SEQUÊNCIA DIDÁTICA E ANÁLISE DO CORPUS A sequência didática aqui descrita e comentada foi realizada em 18 encontros de 2 horas-aula cada (36 aulas no total), no período de 06-04-16 a 27-06-2016. Para a produção inicial (3 encontros), exibimos seis vídeos com o resumo dos jogos7 a fim de relembrar os melhores momentos das partidas, visto que alguns alunos da sala já tinham assistido aos jogos e outros não (Sport x CRB pela Copa do Nordeste, 02-04; Sport x Campinense pela Copa do Nordeste, 14-04; Bahia x Santa Cruz pela Copa do Nordeste, 17-04; Santa Cruz x Campinense pela Copa do Nordeste, 27-04; Campinense x Santa Cruz pela Copa do Nordeste, 01-05; e Santa Cruz x Sport pelo Campeonato Pernambucano, 04-05). Solicitamos a eles que anotassem o máximo de informações que lhes interessassem sobre o jogo do qual gostariam de narrar. A título de exemplificação, como dito anteriormente, escolhemos o aspecto da construção do lide da NEE. Apresentaremos, portanto, a análise dos lides dos textos, faremos a exposição dos respectivos gráficos da primeira e da segunda versões e a exposição de um texto da primeira e da segunda versões. Em relação ao lide (destacado em vermelho), em todas as notícias tivemos a incompletude das informações necessárias à compreensão dessa parte inicial do texto, o que pode comprometer o interesse do leitor em

7. Escolhemos jogos do Santa Cruz e do Sport, uma vez que, conforme questionário inicial, nessa turma, só havia torcedores desses dois clubes. Mesmo aqueles que não torciam por nenhum clube, admiravam a rivalidade entre Santa Cruz e Sport. 305


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concluir a leitura da notícia. De acordo com Manual de Redação da Folha de São Paulo (2010, p. 85), o lide “é o primeiro parágrafo da notícia que além de introduzir o leitor no texto tem a função de prender sua atenção.” Ou seja, o lide é a parte da notícia que chama o leitor para o texto. Além disso, van Djik (1983) destaca o lide, junto com o título, como uma das categorias mais importantes desse gênero do discurso jornalístico, visto que, mesmo realizando a inversão cronológica das informações, não deixa de oportunizar ao leitor a expectativa da conclusão da leitura do texto. No entanto, caso isso ocorra em outros gêneros, tais como: um artigo científico ou um conto, pode haver a quebra da coerência e o desinteresse pela continuidade da leitura do gênero. Assim sendo, verificamos que, de todos os elementos inerentes ao lide, apenas as informações que responderiam à pergunta “por quê?” não apareceram em nenhuma das notícias da produção inicial. Entretanto, em todas há informações que seriam respostas à pergunta “quando?”. As PI 2 (apresentou informações que respondem às perguntas “quem?”, “onde”?, “o quê?” e “quando?”), PI 4 e PI 8 (apresentaram informações que respondem às perguntas “quem”, o quê?, “quando?” e “como?”) foram as que apresentaram mais elementos do lide (quatro). Seguem abaixo recortes dos lides dessas três notícias citadas por último: Quadro13 – Lide 2 - PI. Fonte – C.P.L.,18 anos No dia 27 de Abril 2016, no arruda aconteceu o jogo do Santa Cruz e Campinense,

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Quadro 14 – Lide 4 - PI. Fonte – E.N., 38 anos Esporte e crb fez um jogo no dia 13-03-16 muito bom. mais o Runpro negro saiu com vitória por 1.0 e crasificol para cenhi fimal.

Quadro 15– Lide 8 - PI. Fonte – S.R.S., 45 anos no domigo no dia 17 jogarão Santa Cruz e baia u jogo teve muita confusão. u juiz o quê? espusoul. Treis jogadoris

Em seguida, as PI 1 (apresentou informações que respondem às perguntas “quem?”, “o quê?” e “quando?”), PI 6 (apresentou informações que respondem às perguntas “onde?”, “o quê?” e “quando?”) e PI 3 e PI 7 (apresentaram informações que respondem às perguntas “quem?”, “quando?” e “como?”) foram as que redigiram três elementos. Eis os lides: Quadro 16 – Lide 1 - PI. Fonte – A.F.S., 19 anos dia vinte e sete aconteceu um jogo, entre o Santa e o Campinense

Quadro 17– Lide 6 - PI. Fonte – J.F.S., 49 anos O santa Cruz foi campeão da copa do nordeste pela primeira veis um titulo inedito no dia 01-05-16 em campina grande.

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Quadro18– Lide 3 - PI. Fonte – E.J.M., 19 anos No dia 13 de abril sport ganha, por 1x0 para campinense goleiro faz defesos supriendentes.

Quadro 19 – Lide 7 - PI. Fonte – L.W.C., 18 anos -No dia 13 de abril Sport ganha por “um” a zero para o campinense, goleiro faz defezas Surpriendentes, jogo pelemico e bom de assistir.

Por fim, as PI 5 (apresentou informações que respondem às perguntas “o quê?” e “quando?”) e PI 9 (apresentou informações que respondem às perguntas “onde?” e “quando?”) mostraram apenas dois elemento. Abaixo seguem: Quadro 20– Lide 5 - PI. Fonte – J.F.C., 26 anos dia primeiro de abril teve o mata mata do canpiato do Nordeste

Quadro 21– Lide 9 - PI. Fonte – W.V.S., 25 anos No dia 01-05-16 o Santa Cruz foi a Campina Grande buscar o seu primeiro título do Nordestão.

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Gráfico 4 – Síntese do desempenho dos voluntários quanto à elaboração do lide das notícias PI. Fonte: o autor.

Dessa forma, as notícias, acima descritas, com base no que diz van Djik (1982), não funcionariam adequadamente, já que não apresentaram um fiel relato dos fatos a fim de que pudessem ser previamente analisados pelos leitores. Ao final dessa primeira parte da sequência didática, a nosso ver, atingimos o objetivo de apresentar a proposta, explorar uma ideia inicial do gênero, encaminhar a produção inicial dos textos e a avaliação desses textos, que nos permitiram elaborar os módulos, a fim de conduzir a sequência da pesquisa. Os problemas identificados nos textos da primeira produção, assim como os êxitos, são previsíveis, de acordo com a afirmação de Dolz; Noverraz; Schneuwly (2004, p. 84): No momento da produção inicial, os alunos tentam elaborar o texto oral ou escrito e, assim, revelam para si mesmos e para o professor as representações que têm dessa atividade. Contrariamente ao que se poderia supor, a experiência nos tem mostrado que esse encaminhamento não põe os alunos numa situação de insucesso; se a situação de comunicação é suficientemente bem definida durante a fase de apresentação da situação, todos os alunos, inclusive os mais fracos, são capazes de produzir um texto oral ou escrito que responda corretamente à situação dada, mesmo que não respeitem todas as características do gênero visado. 309


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Da mesma forma, inicialmente, os alunos não só produziram textos com algumas das características do gênero a eles apresentado, a NEE, como também deixaram de contemplar outras. Em seguida, após avaliar os exemplares da primeira produção, elaboramos os módulos de aulas com temas vinculados às necessidades apresentadas por eles na primeira versão do texto. Assim, como o nosso foco é o lide, apontaremos as ações que compuseram a reelaboração do mesmo. Dessa forma, seguimos as orientações de Dolz; Noverraz; Schneuwly (2004, p. 89), que defendem a realização de atividades de análise de textos “a partir de um texto completo ou de uma parte de um texto; elas podem comparar vários textos de um mesmo gênero ou de gêneros diferentes etc.” Na nossa sequência, escolhemos trabalhar com textos completos e diferentes exemplares da notícia. Fizemos um trabalho de pré-leitura da seguinte forma: indagamos-lhes sobre o que seria, para eles, uma notícia?, e onde poderíamos encontrá-la? Depois, fizemos indagações a respeito dos títulos das notícias que seriam lidas a fim de despertar a curiosidade deles. Em seguida, procedemos à leitura compartilhada das notícias. A leitura foi feita pelo professor-pesquisador em voz alta, sendo acompanhada pelos estudantes, que liam os textos. Lemos cada notícia duas vezes, fazendo pausas e indagações sobre o assunto tratado em cada uma delas. As indagações objetivavam ajudar os estudantes a refletirem sobre o que era lido. Posteriormente, analisamos a construção dos parágrafos, destacando o que se narrava em cada um deles. Para a reflexão sobre a necessidade de colocação dos elementos essenciais do lide, levamos, para análise, as PI 3, PI 5 e PI 9. Diante disso, apresentamos sugestões de reelaboração das notícias com o auxílio do quadro de revisão do gênero, criado por nós especialmente para essa atividade.

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Quadro 2 – Revisão da reescrita. Fonte: o autor. Revisando o texto escrito

Sim

O título: o verbo está no tempo presente do indicativo e as letras são maiores que as das outras partes da notícia? O lide está completo? O corpo da notícia foi desenvolvido? A linguagem é formal? Estão presentes os elementos da narração: “o que aconteceu”, “quando aconteceu”, “quem”, “onde”, “como” e “por quê?” Os parágrafos estão demarcados? Houve o emprego satisfatório dos sinais de pontuação? Por exemplo: usou-se a vírgula para marcar o termo deslocado e o ponto final para indicar o término de uma ideia? O fato noticiado é atraente, verdadeiro e informa o leitor? Há o predomínio de sequências narrativas? A informação é concisa e objetiva? As frases são curtas e diretas? Os pronomes foram empregados na terceira pessoa? Há retomadas de palavras, expressões ou ideias por meio de pronomes ou outros recursos coesivos? Há emprego adequado de conectivos? Há Diferenciação entre o ‘ão’ do ‘am’ na terceira pessoa do plural dos pretéritos perfeito e imperfeito e futuro do presente e na terceira pessoa do plural de alguns verbos no presente? Uso do ‘s’ com som de ‘z’ entre vogais Há verbos no pretérito com terminação em ‘u’: conseguiu, jogou, marcou. Houve a correta divisão das sílabas no final da folha? A concordância verbal e a concordância nominal foram adequadamente empregadas? Houve o uso adequado da acentuação? Por exemplo: árbitro, vitória e próximo.

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Não


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Por fim, chegamos à produção final. Para esta etapa, dedicamos quatro encontros. No primeiro encontro, revimos os vídeos dos jogos a serem noticiados, relembrando os detalhes do que deveria ser observado. No segundo encontro, com a ajuda do quadro de revisão, os alunos reescreveram seus textos. Já no terceiro encontro, eles publicaram os textos no blog e realizaram a posterior divulgação. Por fim, fizemos uma reunião festiva na própria sala, navegamos no blog para conferirmos as publicações realizadas e solicitamos que cada estudante voluntário fizesse uma autoavaliação. Com relação à segunda versão, apresentaremos a análise dos lides , um quadro com a escrita das duas versões do lide, o gráfico do lide e um texto reescrito (PI e PF 9). Com relação ao lide (demarcado em vermelho), percebemos que, na segunda produção, a grande parte das notícias apresentou satisfatoriamente os elementos essenciais a ele, quer dizer, sequências que seriam respostas às perguntas “o quê?”, “quem?”, “quando?”, “como?”, “onde?”, “por quê?”. As exceções foram a PF 3 que, além de omitir no lide, não apresentou no restante do texto informação que seria a resposta à pergunta “por quê?” do jogo, e a PF 8 que, embora tenha “respondido” no corpo da notícia o “por quê?” relativo à confusão que ocorrera no jogo, omitiu a informação no lide. Observamos ainda que todos os textos destacaram o espaço correspondente ao parágrafo e, com isso, pudemos identificar precisamente o lide. Por exemplo, a PI 5 havia sido escrita sem alínea e, por isso, a identificação do lide ficara difícil. Entretanto, na PF 5, tivemos de forma bem pontual a divisão do lide e do corpo da notícia. Nesta mesma produção, a qual foi marcada por uma série de informações equivocadas, citadas na análise anterior, houve a retificação delas durante todo o texto, sobretudo no início do lide cuja data correta era dois de abril e não primeiro de abril. Dessa forma, a PF 5 se enquadrou no conceito de um bom lide, já que, segundo o Manual de redação e estilo, O Globo (1993, p.23) “o bom lead é aquele que faz o leitor 312


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continuar a ler. Exige-se apenas que não haja fraude: o que o lead promete o resto da matéria precisa apresentar.” Ou melhor explicando, o mínimo que o lide deve apresentar é a veracidade dos fatos a fim assegurar o sucesso da informação. Em seguida, um recorte dos lides: Quadro 34– Comparação entre os lides das PI e PF. Fonte – Voluntários da pesquisa N.E.E

P. I.

P. F.

1

dia vinte e sete aconteceu um jogo, entre o Santa e campinese

Dia vinte e sete, houve um jogo entre Santa e Campinense que garantiu a vitória do tricolor com muitas vibração no Arruda e tabém com o placar de dois a um pela disputa do Nordestão.

2

No dia 27 de Abril 2016, no arruda aconteceu o jogo do Santa Cruz e Campinense,

No dia 27 de abril 2016, ocorreu o primeiro jogo do Santa Cruz contra o Campinense, no arruda e terminou 2x1.

3

No dia 13 de abril sport ganha, por 1x0 para campinense goleiro faz defesos supriendentes.

No dia 14 de abril, Sport ganhou do Campinese de 1x0, na ilha, tinha muita gente no jogo e foi muito pegado.

4

Esporte e crb fez um jogo no dia 13-03-16 muito bom. mais o Runpro negro saiu com vitória por 1.0 e crasificol para cenhi fimal.

Na ilhar do Retiro, ás 18h do dia 02-04-16, o Sport e CRB fizeram um jogo eletrizante com muitos lances. Mas o Rubro negro saiu com vitória por 1x0.

5

dia primeiro de abril teve o mata mata do canpiato do Nordeste

No dia 2\4\2016, ná Ilha do Retiro jogou Sporte e CRB pelas quartas de final, da Copa do Nordeste. A ilha estava cheia. O jogo foi muito difícil, mas , no final, a vitória veio por 1x0 para o Sporte com gol de Renê.

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6

O santa Cruz foi campeão da copa do nordeste pela primeira veis um titulo inedito no dia 01-05-16 em Campina Grande.

O Santa Cruz foi campeão da Copa do Nordeste, no dia 01-05, em Campina Grande com um empate de 1x1 com o Campinense. Arthur foi quem fez o gol tricolor.

7

-No dia 13 de abril Sport ganha por “um” a zero para o campinense, goleiro faz defezas Surpriendentes,

Uma cabeçada do técnico do Santa Cruz, Miltom Mendes, no preparador físico do Bahia quase causa uma grande briga no jogo que o santa ganhou por 1x0 e foi para a final da Copa do Nordeste.

8

no domigo no dia 17 jogarão Santa Cruz e baia u jogo teve muita confusão. u juiz o quê? espusoul. Treis jogadoris

No dia 17 de abril, Santa Cruz e bahia jogaram na fonte nova e houve muita confusão, no final vitória do tricolor por 1x0.

9

No dia 01-05-16 o Santa Cruz foi a Campina Grande buscar o seu primeiro título do Nordestão.

No dia 01-05-16, o Santa Cruz e o Campinense disputaram a final da Copa do Nordeste em Campina Grande e o time tricolor voltou a Recife com a taça, depois de um jogo complicado.

Gráfico 9 – Síntese do lide PF. Fonte: o autor.

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Produção inicial

Produção final

Dessa forma, é possível sim ter uma adequada avaliação, conforme defende Geraldi (2012), quando o professor possui como norteador o processo de comparação evolutiva entre a primeira produção e a última.

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Ao término da produção final dessa sequência, a nosso ver, vimos que os resultados, dos desempenhos da segunda versão dos textos, dependeram muito da presença do aluno na sala de aula. Os alunos A.F.S. com a PF 1 e W.V.S. com a PF 9 foram os únicos alunos a comparecerem a todas as aulas da pesquisa. Acreditamos que esse fator contribuiu a fim de que as segundas versões dos seus textos, sobretudo de W.V.S., apresentassem uma boa evolução com ajustes pontuais dos problemas iniciais. Ambos os alunos estavam desempregados, mas o segundo fazia os famosos “bicos”, sem, contudo, interferir no horário da aula. Após a conclusão da pesquisa, os alunos foram solicitados a escrever a respeito do desempenho individual (autoavaliação). Elaboramos três questões: 1ª) O que você aprendeu ao longo do trabalho realizado durante as aulas do Professor Sérgio Claudino?; a 2ª) O aprendizado que você obteve será importante para a sua vida? Explique.; e a 3ª) De 0 a 5 (sendo 5 a melhor avaliação), com qual nota você avalia esse trabalho? Os 9 (nove) alunos redatores e participantes das duas produções, inicial e final, do trabalho responderam. O Aluno W.V.S disse, em relação à primeira questão, que: “Principalmente escrever uma notícia. Eu não tinha noção das técnicas, achei muito bom (lide, acessar ao blog e a experiência da prática de participar de uma resenha esportiva).”

CONSIDERAÇÕES FINAIS Os resultados mostram que atingimos o objetivo deste artigo. Apresentamos, aqui, a sequência didática com ajustes, a partir da experiência vivenciada, que pode ser motivadora de reflexões por parte dos colegas que tiverem acesso ao nosso trabalho. A sequência apresentada não pretende ser

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um modelo. Evidentemente, cabe a cada professor produzir uma sequência para a sua realidade de atuação. Entendemos, porém, que é importante apresentar os resultados de uma vivência exitosa a partir dessa metodologia. Passamos, agora, a apresentar as conclusões a que a pesquisa nos permitiu chegar. A primeira nos ratifica que a aplicabilidade desta sequência como instrumento de ensino-aprendizagem produz um resultado positivo, tornando a realidade entre a teoria e a prática mais próxima, sobretudo, quando se parte de um material autêntico em que há o interesse do educando dentro de um contexto específico; A segunda conclusão esclarece que o uso de ambientes virtuais, como blog, pode ser administrado pelos próprios alunos, e pode ajudar a construir mais autonomia aos estudantes da EJA como autores; A terceira conclusão é que o recurso a sequências didáticas que possibilitam a reflexão sobre ações discursivas reais pode ajudar os estudantes a participarem de modo mais ativo em outros contextos sociais; A nossa quarta conclusão é, na verdade, uma constatação do que é óbvio: os docentes precisam lançar mão de estratégias diferentes para cada grupo de estudante com o qual trabalha; A quinta conclusão diz respeito à relevância da reescrita. Explicitamente, foi possível perceber o quanto as produções finais do gênero proposto para a pesquisa, NEE, evoluíram quanto ao conteúdo, à organização formal e ao uso de vocabulário mais adequado ao gênero; A sexta e última conclusão é que não é possível resolver todos os problemas acarretados pelo distanciamento dos estudantes da EJA do contexto escolar em tão pouco tempo. Assim, durante a vivência dessa pesquisa-ação, percebemos a eficiência da metodologia proposta pela escola de Genebra. Acreditamos que com

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aplicação dessa proposta mais frequentemente em escolas brasileiras, teríamos salas de aula com resultados mais expressivos em relação à produção textual escrita. Finalizando, com a boa sensação de “missão cumprida”, reiteramos o que disse Paulo Freire (1991): a educação deve ser vista como um ato de amor e, sobretudo, coragem do educador. Mas reconhecemos que o educador não pode fazer tudo sozinho. As autoridades governamentais precisam olhar para a educação como um todo e para a EJA de uma maneira mais efetiva, reconhecendo todas as dificuldades por que passam os alunos dessa modalidade. É urgente Investir mais na formação continuada dos docentes, para que estes possam estar atualizados em relação a diferentes metodologias de ensino, tal como a proposta no nosso trabalho.

REFERÊNCIAS ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro e interação. São Paulo: Parábola, 2003. ÁVILA, Ewerton dos Anjos; RODRIGUES, Siane Góis Cavalcanti; NASCIMENTO, Gláucia Renata Pereira do. In: LEAL, Telma Ferraz; RODRIGUES, Siane Góis Cavalcanti (orgs.). A oralidade na escola: a investigação do trabalho docente como foco de reflexão. Belo Horizonte: Autêntica Editoa, 2012. p. 44-45. BAKHTIN, M./VOLOCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução do francês por Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 10 ed. São Paulo: Hucitec, 2002 [1979]. BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: ______. Estética da criação verbal. 6 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p. 277-326. CURY, Carlos Roberto Jamil. Parecer CEB 11/2000. In: SOARES, Leôncio. Educação de jovens e adultos. Rio de Janeiro, 2002.

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DOLZ, J.; NOVERRAZ, M.; SCHNEUWLY, B. Sequência didática para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In: SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado de Letras, 2004. p. 95-128. FREIRE, Paulo. A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 1991. GERALDI, João Wanderley. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 2003. ______. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2006. ______. O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 2012. LAGE, Nilson. Estrutura da notícia. São Paulo: Ática, 1985. GARCIA, Luiz. Manual de redação e estilo. 17 ed. São Paulo: Globo, 1993. VAN DIJK, Teun A. La ciência del texto. Un enfoque interdisciplinario. Barcelona: Editorial Paidos. SAICE, 1982.

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Anais

Eletrônicos XIII Encontro sobre o Ensino de Língua e Literatura

XIII

EELL Uma nova Escola para um novo país

ISBN 978-85-66530-78-0


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