DIRETORES DO CAp/UFPE: 1958-1970: Maria Antônia Amazonas Mac Dowell - na Faculdade de Filosofia 1970-1971: Dulce de Queiroz Campos Dantas 1971-1975: Augusto Burle Gomes Ferreira 1976-1976: Lígia Rabello Alves de Vasconcelos - na UFPE 1976-1978: Yves da Mota Albuquerque – 1978-1982: Odilon de Araújo Sá C. de Albuquerque 1983-1988: Sebastião Barbalho de Melo 1988-1992: Maria do Socorro Ferraz Barbosa 1992-1992: Antônio Neto das Neves e Euna Morais 1992-1996: Marcos Antônio Pereira da Silva e Euna Morais 1996-1996: Mário Honorato da Silva 1996-1998: Sebastião Barbalho de Melo e Thereza Paes Barreto 1998-2003: Thereza Paes Barreto e Sérgio Ricardo Vieira Ramos 2003-2007: Mário Honorato da Silva e Alfredo Matos Moura Junior 2007-2011: José Carlos Alves de Souza e Kátia Maria Barreto da Silva Leite 2012-2016: Alfredo Matos Moura Junior e Adriana Letícia Torres da Rosa 2017-2020: Lavínia de Melo e Silva Ximenes e Madson Góis Diniz
Adriana Letícia Torres da Rosa i Cristina Lúcia de Almeida Fabiana Souto Lima Vidal i José Batista de Barros Madson Gois Diniz i Sérgio Ricardo Vieira Ramos ORGANIZADORES
Pipa Comunicação Recife, 2018
Copyright 2018 © Adriana Letícia Torres da Rosa, Cristina Lúcia de Almeida, Fabiana Souto Lima Vidal, José Batista de Barros, Madson Gois Diniz, Sérgio Ricardo Vieira Ramos e PIPA COMUNICAÇÃO. Reservados todos os direitos desta edição. É proibida a reprodução total ou parcial dos textos e projeto gráfico desta obra sem autorização expressa dos autores, organizadores e editores.
Capa e projeto gráfico Karla Vidal Diagramação Augusto Noronha e Karla Vidal Revisão Os organizadores Edição Pipa Comunicação - http://www.pipacomunica.com.br
Catalogação na publicação (CIP) Ficha catalográfica produzida pelo editor executivo
R7101
ROSA, A. L. T. et al. Adriana Letícia Torres da Rosa, Cristina Lúcia de Almeida, Fabiana Souto Lima Vidal, José Batista de Barros, Madson Gois Diniz, Sérgio Ricardo Vieira Ramos. – Pipa Comunicação, 2018. 311p. : Il., Fig., Quadros. (e-book) 1ª ed. ISBN 978-85-66530-83-4 1. Educação. 2. Ensino Básico. 3. Colégio de Aplicação. 4. CAp/UFPE. 5. 60 anos. I. Título. 370 CDD 37 CDU c.pc:08/18ajns
Prefixo Editorial: 66530
Comissão Editorial Editores Executivos Augusto Noronha e Karla Vidal Conselho Editorial Alex Sandro Gomes Angela Paiva Dionisio Carmi Ferraz Santos Cláudio Clécio Vidal Eufrausino Cláudio Pedrosa Clecio dos Santos Bunzen Júnior José Ribamar Lopes Batista Júnior Leila Ribeiro Leonardo Pinheiro Mozdzenski Pedro Francisco Guedes do Nascimento Regina Lúcia Péret Dell’Isola Rodrigo Albuquerque Ubirajara de Lucena Pereira Wagner Rodrigues Silva Washington Ribeiro
“O CAp/UFPE tem como missão desenvolver, de forma indissociável, atividades de ensino, pesquisa e extensão com foco nas inovações pedagógicas e na formação docente inicial e continuada” (Projeto Pedagógico, 2016)
Mas, o que isso significa? Um compromisso assumido no interior das universidades públicas federais de estabelecer firme diálogo entre as licenciaturas diversas, a Pedagogia e a Educação Básica, problematizando a formação inicial e continuada dos professores e professoras, a partir de um contínuo repensar a educação brasileira. Ao longo desses 60 anos o CAp tem se apresentado como uma escola que busca conhecer e se envolver com a realidade social que a cerca, colaborando na formação do cidadão reflexivo, crítico e partícipe, ao buscar alternativas comuns e soluções partilhadas na construção de uma sociedade justa, igualitária, democrática e solidária. Muitos motivos temos para celebrar. Muitos motivos também para agradecer. Aqui lançamos nossas memórias como ecos de reflexão e resistência para gerações futuras. Isso é fruto de um trabalho conjunto de todos e todas que fazem o CAp/UFPE: os servidores técnicos lotados na escola. Os docentes, distribuídos em suas áreas de conhecimento, formação e atuação. Os alunos e alunas, que nos desafiam diariamente a aprender ensinando e a ensinar aprendendo. Os familiares/pais/ responsáveis, pela parceria Escola-Família estabelecida. Os funcionários terceirizados, pela disponibilidade e empenho. Todos e cada um são personagens vivos dessas memórias. Memórias afetivas. Memórias do passado, mas também miragens do futuro. Um futuro de esperança que se traduz nas palavras de Paulo Freire, “ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem aprender a fazer o caminho caminhando, refazendo e retocando o sonho pelo qual se pôs a caminhar” (Pedagogia da Esperança). Madson Góis Diniz
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13 SOBRE OLHARES E CAMINHOS: CONCLUINDO A EDUCAÇÃO BÁSICA Sérgio Ricardo Vieira Ramos 20
Primeiras palavras...
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HISTÓRIA E MEMÓRIA: O COLÉGIO DE APLICAÇÃO EM MOVIMENTO Márcio Ananias Ferreira Vilela Pablo Francisco de Andrade Porfírio
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Um colégio, múltiplas vivências: do ser e do sentir
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27 ANOS DE EXPERIÊNCIAS NA EDUCAÇÃO FÍSICA DO COLÉGIO DE APLICAÇÃO DA UFPE: QUE SAUDADE! Marcelo Soares Tavares de Melo
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O QUE FIZERAM DE MIM Flávio Brayner
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MEMÓRIAS DE UM ALUNO MEDIANO DO COLÉGIO DE APLICAÇÃO, CUJOS PAIS VIAM NA EXPERIÊNCIA ESCOLAR UMA OPORTUNIDADE DE TORNÁ-LO GENTE José Batista Neto
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“VIVERIA TUDO OUTRA VEZ” Edite Alves Bezerra de Lima
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EU, O CAp E A FORMAÇÃO HUMANA: A ESTUDANTE E A PROFESSORA ESTAGIÁRIA Lais Maria Álvares Rosal Botler
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E OS ALUNOS GOSTAM DE LER E DE ESCREVER... Ynah Souza Nascimento
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O CAp EM NOSSAS VIDAS Ana Paula Silveira Paim Camila Paim Figueiredo
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UMA ESCOLA DIFERENTE Giovanni Christian Nunes Campos
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UMA ATUALIZAÇÃO DE MINHAS MEMÓRIAS Flávia Maria Ferrário de Carvalho
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A FOLHA DE PAPEL Bruna Estima Borba
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O SIGNIFICADO DE SER DO COLÉGIO DE APLICAÇÃO (CAp) Paulo Jorge Leitão Adeodato
125 ESTUDAR NO CAp: UMA DECISÃO PARA TODA A VIDA Fernanda Estima Borba 131 APLICAÇÃO: INSPIRAÇÃO PARA TODA A VIDA Filipe Carlos de Albuquerque Calegario 137
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COLÉGIO DE APLICAÇÃO DA UFPE RECIFE, ATEMPORAL Lucas Cordeiro Cardim Já! Lucas de Mendonça Furtunato Victor Uchoa Cavalcante de Lima
149 APLICADINHA Maria Ignêz Madruga 155
AMAR E MUDAR AS COISAS ME INTERESSAVAM MAIS Monica Soares Leite
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ÉRAMOS TRINTA E SEIS… E CONTINUAMOS A SOMAR! Natália Nascimento e Melo
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A LETRA ESCARLATE Silvia Amoedo
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DOS VETORES UNITÁRIOS À GRAMÁTICA REFLEXIVA: O COLÉGIO DE APLICAÇÃO QUE EXISTE EM MIM Taciana Pontual da Rocha Falcão
Memórias de Formação: Ensino, Aprendizagem e Pesquisa
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PÁGINAS QUE VOARAM DOS DIÁRIOS: MEU PRIMEIRO ENCONTRO COM O CAp Adriana Letícia Torres da Rosa José Batista de Barros Madson Gois Diniz QUÍMICA E ARGUMENTAÇÃO: ENTENDENO O MUNDO QUE NOS CERCA Kátia Aparecida da Silva Aquino
ÍNDIOS, ENSINO E INTERCULTURALIDADE: VIVÊNCIAS NO CAp/UFPE Edson Silva
A GEOMETRIA GRÁFICA EM PRÁTICA NO CAp Bruno Leite Ferreira Núbia dos Santos Sousa
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Matroginástica no CAp/UFPE: ludicidade, habilidades do corpo e da percepção entre pais, professores e alunos Marcelo Barreto Cavalcanti Karla Mônica Ferraz Teixeira Lambertz Roseane Soares Almeida Hamandda Interaminense Lima
253 Educação física no Colégio de Aplicação – CAp/UFPE: um relato de experiência das ações do programa institucional de bolsa de iniciação à docência Michelle da Silva Alves Rita Cláudia Batista Ferreira Rodrigues 265 Estágio e vivências de ensino-aprendizagem: um recorte na história do serviço de orientação e apoio ao estagiário do CAp/UFPE Danilo de Carvalho Leandro Marcus Flávio da Silva Camila Menezes Ladislau da Silva Jadilson Miguel da Silva 281
Os espaços do colégio de aplicação no olhar dos seus estudantes: a paixão e a poesia do lugar Erinaldo Ferreira do Carmo Taisi Rosa Rodrigues Oliveira
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Formação humana e desenvolvimento integral no CAp/UFPE Lavínia de Melo e Silva Ximenes
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Sobre os autores
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Sobre olhares e caminhos
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Sobre olhares e caminhos: concluindo a educação básica
Sérgio Ricardo Vieira Ramos
Cansa muito o olhar viciado que somente vê o mesmo de sempre, Como quem não olha mais e se repete de um olhar já ido e sabido. Se nosso? Não sei. Cansa muito o olhar que não pergunta as coisas como elas querem ser vistas e, que Quando muito, a mastigam, encaixotam, encabrestam E se impõe como referência e sabem tudo e dizem tudo. Trata-se de uma preguiça que se cansou de olhar e congelou tudo numa fotografia Absoluta e certa, mas rasa e de papel (físico ou virtual), sem o chão e o céu da vida. Muita vez, somente imagem editada, recortada, selecionada, cópia de cópias copiadas Pensadas como nossas, muito nossas, não obstante, pincipalmente emprenhadas em nós Nos nossos sonos, vacilos, nos nossos ontens e nas repetições das mentiras repetidas 1000 vezes, que agora verdadeiras, doravante nos conduzem o ser.
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Memórias de Formação: do ser e do sentir
Queria, nesse agora simbólico (De uma conclusão ou de um outro começo?) Insistir, ainda uma vez, que vocês precisarão expandir horizontes e jamais fechá-los; Construir mais que repetir caminhos,
Mesmo se os caminhos foram projetos ainda não realizados Cumpre-lhes imaginar, sonhar caminhos Mas não o façam sós, busquem outras fomes De gentes, de plantas, de faunas... (Elas estão por aí, potenciais, pulsantes) Para que as estradas por vir não repitam as vias minadas e cheias de medo e ódio Aprendidas com aquelas verdades prontas, acabadas Dos que buscam segurança com a exclusão sistêmica ou pontual destes outros que suam e pedem pão e também sonham, não repitam as picadas cheias de emboscadas dos que foram privados de tudo pela cobiça e voracidade dos sedentos de ouro e glória Estradas precisam de sombras, apesar dos despenhadeiros Precisam de encontros, mesmo nas encruzilhadas De aventuras, por entre os roteiros e metas,
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Homenagem aos 60 anos do Colégio de Aplicação da UFPE
De curvas, por entre os montes. Estradas devem cruzar outras vias, bifurcar Enfrentar subsolos, voar pelos vales Ouvir os ventos, acolher as chuvas. E porque devem ser para todos, Melhor que a gargalhada ecoada será o sorrir (com)partilhado
Mesmo quando os caminhos sejam destruídos, cumpri-lhes fazer outros Estar a caminho é nossa condição e nosso destino Somos viajantes, Vagamundos, Peregrinos, itinerâncias e itinerários, porque em nós, também há um infindo de vias porque ninguém é banal ou trivial, ainda que, às vezes, se esmere em sê-lo. Forrest Gumps ou Xamãs, nos Himalaias ou nos subúrbios Anônimos ou estrelados, Somos muitos,
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Memórias de Formação: do ser e do sentir
Eu e tu, Nós Ubuntu: Gente precisa de gente para ser gente Tecer caminhos, viver caminhos, fazer caminhos não é ideologia, mas direito, condição e destino Tecer pontes sobre obstáculos e resistências, Remover e reciclar entulhos Sem cair na lama movediça e tentadora de conservá-los como dados. É preciso seguir. Seguir cursos e desbaratar as trilhas Assim, sem os becos sem saída e os velhos mapas desenhados de sangue e forrados de exclusão Sim, talvez já não hajam mapas ou eles envelheceram sem realizar o que prometeram. Não importa, para quem tem olhos de ver, acabar também é começar De modo que, como diria Heráclito ou se aprenderia com Shiva, a própria destruição traga a semente da renovação
Sejamos caminhantes autênticos, somos mais que turistas na composição da paisagem
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Homenagem aos 60 anos do Colégio de Aplicação da UFPE
Abramos os olhos além das pálpebras, porque não basta ter olhos, Há muito o que ver e experimentar, mas o façamos com sabedoria Por aí tem circulado muitos olhos mal educados e não educados, Olhos tristes, quer o saibam ou não. São olhos que acusam, Olhos que machucam. Quem não os conhece? Olhos de maledicência... de censura... de irritação, tão espinhoso para os outros e tão ruim para o coração Olhos de desprezo, especialistas em congelar Olhos de frieza, que ferem sem palavras, que destroem como punhais Olhos de mesquinhez... Para o mesquinho toda abundância é pouco E, no pouco, ainda mais mesquinhos são E, no pouco, ainda mais mesquinhos são. Olhos de inveja... Para a inveja, os dias são pesadelos e as noites são insones Olhos de punição, geralmente seletiva, que, quando religiosos, se arvoram justiçadores por Deus, em Deus e com Deus (Nem vale repetir com Einstein que um Deus ocupado em punir não vale a pena, Humano, demasiado humano ele seria) Mas ninguém jamais deteve e jamais deterá a propriedade de Deus. Façamos diferente, Precisamos de um mundo outro, desde nós e conosco Precisamos de outros olhares
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Memórias de Formação: do ser e do sentir
Olhos de acolhimento, de disponibidade, de generosidade. Onde estão que não respondem? Ou não temos sabido procurar? Olhos de sinceridade, janelas da alma Olhos de inclusão, porque somente a inclusão pode ser amorosa E, sem amor não há caminhos, mas desertos só Não há olhar, restando cegueiras Conduzindo outras cegueiras. Somente no amor há atenção e bondade. Viajemos de olhar atentos Há tantos detalhes e sutilezas nos caminhos, Há tantas belezas explícitas e ocultas que não temos nos dado conta, Do ladinho da gente, ali no canto. É por detrás das cortinas que encontramos os espetáculos que tornam possíveis os espetáculos. Há tantas insignificâncias valiosas, O quintal de Manoel de Barros era maior que Nova Iorque. Precisamos redescobrir a atenção. Finalmente, que nossa atenção seja com olhos de bondade Como se disse: Se teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz! Nessa cultura de cegueiras fashions e automatismos da moda
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Homenagem aos 60 anos do Colégio de Aplicação da UFPE
De excessos (para uns) e superficialidades, ainda que pintadas de profundas, para outros, Desaprendemos o olhar vivaz da bondade com os inevitáveis fastios do tédio e as indefectíveis exaustões dos excessos. Na bondade não há tédios, nem excessos. A bondade combate o egoísmo que tem pilhado, exterminado humanidades e naturezas A bondade, combate as escuridões que nos habitam e abatem, nos alimentando nos passos de cada dia e no sentido de cada passo. Assim, nessa despedida que é o começo de caminhos outros, Na despedida, esse começo que recorda Propõe-se que caminhem de mãos dadas, amorosamente, na atenção e na bondade Porque se é inevitável que chegaremos em algum lugar, É certo, de igual modo, que chegaremos com o que fizemos de nossas vidas Que são tão incomensuravelmente valiosas para se perderem na mesmice de uma sociedade que insiste em não perceber que
A reta é uma curva que não sonha Manoel de Barros
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Primeiras palavras...
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História e memória: o Colégio de Aplicação em movimento Márcio Ananias Ferreira Vilela Pablo Francisco de Andrade Porfírio
Começamos essa narrativa mencionando a enorme satisfação pelo convite da organização desse livro que tem por objetivo comemorar os 60 anos do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Pernambuco (CAp/UFPE). Alegria que foi potencializada por fazermos parte dessa instituição de Ensino Básico na condição de professores. Para tanto, deveríamos problematizar a relação da história e da memória, uma vez que a preocupação central da presente obra é fazer ecoar as vozes de inúmeros personagens que, ao longo desses anos, contribuíram com o CAp na condição de alunos e seus familiares, professores e/ou servidores técnico-administrativos. O entusiasmo do momento do convite logo deu espaço a outros sentimentos, tendo em vista tamanha responsabilidade e a complexidade da temática. São inúmeros os estudiosos que fizeram – e ainda fazem - da relação entre história e memória objeto de análise1. Na historiografia, o francês Jacques Le Goff (2013) elaborou significativas considerações. Afirmou,
1. No Brasil o mais significativo espaço utilizado pelos pesquisadores e historiadores para esse debate é a Revista História Oral, da Associação Brasileira de História Oral (ABHO), disponível na versão eletrônica. Neste periódico, podemos destacar as contribuições de Verena Alberti, Angela de Castro Gomes, Marieta de Moraes, Benisso Bisso Schmidt, Antônio Torres Montenegro, entre tantos outros que têm problematizado a relação entre história e memória. A Revista poderá ser acessada pelo endereço: http://revista. historiaoral.org.br/index.php?journal=rho&page=about
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Memórias de Formação: do ser e do sentir
em sua célebre obra Memória e História, que por meio das memórias seria possível construir a percepção da continuidade histórica e das rupturas. Em outros termos, memória e história estariam no mesmo nível. Conhecendo a memória conheceríamos a história. Assim poderíamos concluir com certa simplicidade que as memórias dos sujeitos que compõe o CAp presentes neste livro corresponderiam a própria história. Entendemos, contudo, que essa relação é muito mais dinâmica. O sociólogo francês, da escola durkheimiana, Maurice Halbwachs coloca a questão em outros patamares. Em sua obra póstuma, Memória Coletiva, publicada em 1950, estabelece uma nítida distinção, pois a memória é múltipla, trata-se do vivido, daquilo que ainda pulsa coletivamente ou individualmente; já a história seria única, trabalha com acontecimentos distantes no tempo, os quais a memória não alcançaria.
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A memória coletiva avança, no passado até certo limite, mais ou menos longínquo aliás, segundo se trate deste ou daquele grupo. Para além desse limite, ela não atinge mais os conhecimentos e as pessoas numa apreensão direta. Ora, é precisamente aquilo que se encontra além desse limite que detém a atenção histórica. Costuma-se dizer às vezes que a história se interessa pelo passado e não pelo presente. Mas o que é verdadeiramente passado para ela, é aquilo que não está mais compreendido no domínio onde se estende ainda o pensamento dos grupos atuais (HALBWACHS, 2004, p.114).
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É preciso pontuar que a concepção de história apresentada por Halbwachs é bastante criticada, principalmente porque os acontecimentos do tempo presente cada vez mais têm se apresentado como campo de investigação para os historiadores. Além disso, devemos pensar a impossibilidade de se construir uma única história. Ela é sempre
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Homenagem aos 60 anos do Colégio de Aplicação da UFPE
múltipla, e são inúmeras as variáveis envolvidas nesse ponto, mas podemos afirmar que a história dialoga com as questões e indagações do tempo presente. A cada tempo novas questões são colocadas, novas fontes são investigadas, logo, outras histórias se projetam. Quando pensamos no título deste artigo não foi mera coincidência a presença do termo movimento, ele representa essencialmente o entendimento de que história não é algo estático, congelado no tempo. Ou seja, a história do CAp será sempre uma construção, um diálogo entre passado-presente. Mas Halbwachs não apenas diferenciou a memória da história. Ele ofereceu um entendimento – ainda hoje operacionalizado por muitos intelectuais que trabalham com esse tipo de fonte – de que existem dois tipos de memórias: individual e coletiva. Para o autor, esses dois aspectos estão em profunda relação.
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Tudo o que aprendo de novo sobre o meu pai, e também sobre aqueles que foram ou estiveram em relação a ele, todos os novos julgamentos que faço sobre a época em que ele viveu, todas as novas reflexões que faço, à medida que me torno mais capaz de pensar e que disponho de mais termos de comparação, inclinam-se a retocar seu retrato. É assim que o passado, tal como me aparecia outrora, enfraquece-se lentamente. [...] Os grupos dos quais faço parte nas diversas épocas não são os mesmos. Ora, é do ponto de vista deles que considero o passado. É preciso, então, que à medida em que estou mais engajado nesses grupos e que participo mais estreitamente em sua memória, minhas lembranças se renovem e se completem (Ibid., 79).
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Memórias de Formação: do ser e do sentir
A memória para Halbwahs é uma operação do campo individual uma vez que percebemos o mundo a nossa volta de uma forma ativa e com impressões próprias. É também coletiva, pois todo indivíduo compõe uma determinada rede social em que compartilha ideias, sentimentos, angústias, decepções. Não é por acaso ser possível perceber em inúmeros relatos de memórias pontos que se tocam, ou se tangenciam. Podemos afirmar que as memórias dos alunos e seus familiares, professores e/ou servidores técnico-administrativos do Colégio de Aplicação que compõem esse livro são elaborações individuas e coletivas. Muitos fragmentos dessas narrativas poderão apresentar pontos de contatos, de ressonâncias. Apresentará uma aprendizagem, uma leitura de determinados acontecimentos de maneiras semelhantes. Aliás, a memória como aprendizagem é algo bastante presente na principal obra do escritor francês Marcel Proust, Em busca do tempo perdido, composta de sete volumes e publicada no início do século XX. O filosofo Gilles Deleuze explica que essa obra de Proust não tem por objetivo voltar ao passado e às descobertas da memória. Sua principal preocupação é com o futuro e a aprendizagem dos signos. Assim, a memória não seria um simples retorno ao passado, mas uma forma de aprendizagem no tempo.
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Aprender é relembrar; mas, por mais importante que seja o seu papel, a memória só intervém como o meio de um aprendizado. [...] Aprender diz respeito essencialmente aos signos. Os signos são objetos de um aprendizado temporal, não de um saber abstrato. Aprender é, de início, considerar uma matéria, um objeto, um ser, como se emitissem signos a serem decifrados, interpretados (DELEUZE, 2016, p.04).
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Homenagem aos 60 anos do Colégio de Aplicação da UFPE
Estarão presentes neste livro inúmeros relatos de memórias. Podemos pensar tais registros não como um mero passado, mas como aprendizagens diversas, interpretações de signos elaboradas por personagens da educação que vivenciaram a sua maneira uma longa trajetória. Nesse sentido, o Colégio de Aplicação apresenta-se como um ambiente repleto de signos, são 60 anos de histórias/memórias. E aqui cabe lembrar ao leitor: é impossível saber ao certo que aprendizagens foram internalizadas, quais memórias estarão disponíveis. Ainda segundo Deleuze, na obra Em busca do tempo perdido Proust faz referência a dois tipos de memórias: voluntária e involuntária. A primeira diz respeito às lembranças que logo somos capazes de projetar, são memórias da inteligência. “Mas a memória, não sendo solicitada diretamente, só pode fornecer uma contribuição voluntária, e precisamente porque é apenas ‘voluntária’, vem sempre muito tarde com relação aos signos a decifrar” (Ibid., p.49). É uma memória que surge e desaparece e depois torna a resurgir. Já a memória involuntária apresenta-se de outra maneira, ela interpreta o que Deleuze chama de signos sensíveis, signos especiais. Para sua interpretação, é necessário sentirmos “um imperativo que nos força a procurar seu sentido. Então, a memória involuntária, diretamente solicitada pelo signo, nos fornece seu sentido” (Ibid., p.50). Essa memória involuntária precisa ser ativada, não depende da inteligência. No primeiro volume de sua obra (Em busca do tempo perdido), intitulada No caminho de Swann, Marcel Proust relata a seguinte passagem:
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Memórias de Formação: do ser e do sentir
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E de súbito a lembrança me apareceu. Aquele gosto era o do pedaço de madalena que nos domingos de manhã em Combray (pois nos domingos eu não saía antes da hora da missa) minha tia Léonie me oferecia, depois de ter mergulhado em seu chá da Índia ou de tília, quando ia cumprimentá-la em seu quarto. O simples fato de ver a madalena não me havia evocado coisa alguma antes que a provasse; talvez porque, como depois tinha visto muitas, sem as comer, nas confeitarias, sua imagem deixara aqueles dias de Combray para se ligar a outros mais recentes; talvez porque, daquelas lembranças abandonadas por tanto tempo fora da memória, nada sobrevivi, tudo se desagregara; as formas – e também a daquela conchinha de pastelaria, tão generosamente sensual sob sua plissagem severa e devota – se haviam anulado ou então, adormecidas, tinham perdido a força de expansão que lhes permitiria alcançar a consciência. Mas quando mais nada subsiste de um passado remoto, após a morte das criaturas e a destruição das coisas, sozinhos, mais frágeis, porém mais vivos, mais imateriais, mais persistente, mais fiéis, o odor e o sabor permanecem ainda por muito tempo, como almas, lembrando, aguardando, esperando, sobre as ruínas de tudo o mais, e suportando sem ceder, em sua gotícula impalpável, o edifício da recordação (PROUST, 2006, pp.73-4).
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Para muitos entrevistados, narrar sobre sua breve ou longa passagem pelo CAp será elaborar uma memória da inteligência, ou uma memória voluntária. Para outros, é possível que suas recordações sejam ativadas pelo cheiro, sabor, objetos, enfim, pela memória involuntária. Seja como for, o movimento da memória voluntária ou involuntária não é algo que ocorre sem um esforço, sem um trabalho de elaboração proveniente de uma complexa relação passado-presente. Sobre esse aspecto o historiador Antonio Torres Montenegro, um especialista no trabalho com a memória, esclarece que, 26
Homenagem aos 60 anos do Colégio de Aplicação da UFPE
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Em razão do trabalho de elaboração, resultante da relação que se estabelece entre as memórias (passado) e a percepção de algo (presente), as marcas que se constituem como memórias devem ser compreendidas como registros híbridos. A partir da memória enquanto passado alcança-se ou apreende-se o presente; ao mesmo tempo, este presente atua relativizando ou deslocando significados acerca daquele passado. Dessa forma, jamais se deveria pensar a memória ou a percepção como reflexo ou cópia do mundo, mas como atividade, como trabalho ininterrupto de ressignificação do presente enquanto leitura a partir de um passado que se atualiza enquanto memória informando a percepção. [...] Assim, a atividade de rememorar voluntária ou involuntária é uma elaboração que contempla mediações e transformações. Passado e presente, memória e percepção instituem uma relação tensa em que se abrem ou não possibilidades de novas redes de significação (MONTENEGRO, 2010, p.40).
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A perspectiva de pensar a memória como um trabalho, uma elaboração está presente ao longo da nossa escrita. Rememorar não é uma volta pura ou mecânica do passado ao presente ou do presente ao passado, mas uma relação em que um informa o outro. Por isso mesmo, a memória é esse complexo trabalho que opera com várias temporalidades simultaneamente. Ou seja, o tempo da memória é intercruzado, não corresponde ao tempo cronológico e linear presente na escrita histórica. Também será perfeitamente compreensível a ausência de determinados acontecimentos – considerados por muitos de nós marcantes e que deveriam compor as memórias do Colégio de Aplicação – em muitos desses relatos.
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Memórias de Formação: do ser e do sentir
Uma explicação já problematizada é que cada personagem significa o mundo a seu modo, por mais que consideremos os aspectos coletivos e do grupo a apreensão do tempo e sua significação é algo muito particular. Mas é muito mais que isso. A memória apresenta outro importante aspecto, a da seletividade. A literatura, com Jorge Luis Borges, problematizou magistralmente esse aspecto da memória no texto Funes, o memorioso, que compõe o livro Ficções. O escritor argentino apresenta o seu personagem, o jovem Irineu Funes, que após um acidente perdeu a dimensão seletiva de sua memória. Funes vivia a angústia de reter todos os minutos de sua breve existência.
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De fato, Funes não só recordava cada folha de cada árvore de cada monte, como também cada uma das vezes que a tinha percebido ou imaginado. Resolveu reduzir cada uma de suas jornadas pretéritas a umas setenta mil lembranças, que definiria depois por cifras. [...] Era-lhe muito difícil dormir. Dormir é distrair-se do mundo; Funes de costa no catre, na sombra, imaginava cada fenda e cada moldura das casas certas que o rodeavam. [...] Suspeito, entretanto, que não era muito capaz de pensar. Pensar é esquecer diferenças, é generalizar, abstrair. No abarrotado mundo de Funes não havia senão pormenores, quase imediatos (BORGES, 1999, pp. 56-57).
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A partir de Borges podemos apontar a capacidade de lembrar e esquecer como condições essenciais a nossa existência humana, a vida em sociedade. É essa seletividade que nos torna humano e faltava a Funes. O esquecimento, no entanto, não pode ser aqui entendido como o oposto da memória. Ele é parte integrante, uma operação da própria memória. Mas, em outra direção, o esquecimento, em vários casos,
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Homenagem aos 60 anos do Colégio de Aplicação da UFPE
aproxima-se muito mais do que podemos nomear de silenciamento da memória (POLLAK, 1989, pp.3-15). São lembranças traumáticas que o narrador estrategicamente as deixa guardadas no seu jardim da memória. E nesses casos o silêncio é determinante para a sua convivência ou mesmo sobrevivência em sociedade. As memórias narradas e as histórias contadas neste livro comemorativo estão permeadas por essas questões além de outras teóricas e metodológicas. Mas, para além disso, elas falam sobre os 60 anos passados do Colégio de Aplicação e projetam outros tantos anos de existência. Anunciam ainda a vivacidade do CAp da UFPE como instituição de educação, comunidade social e afetiva. Fortalecem o espaço escolar como de resistências. Com essas palavras, convidamos os leitores e as leitoras a mergulharem no mundo dessa experiência histórica e desejamos que saiam encorajados para construirmos no CAp um espaço ainda mais plural, comprometido e protagonista do desenvolvimento político e social do país.
Referências BORGES. Jorge Luis. Ficção. São Paulo: Globo, 1999, p.56-57. DELEUZE, Gilles. Proust e os signos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2016. HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2004, p.114. LE GOFF. Jacques. História e memória. 7ª ed. Campinas, SP Editora da UNICAMP, 2013. MONTENEGRO, Antonio Torres. História, metodologia, memória. São Paulo: Contexto, 2010, p. 40. POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silencio. Revista Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3, 1989, p3-15. PROUST, Marcel. No caminho de Swann. São Paulo: Globo, 2006.
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27 anos de experiências na Educação Física do Colégio de Aplicação da ufpe: que saudade! Marcelo Soares Tavares de Melo Revelar 27 anos de experiências de vida dedicadas a uma escola que comemora 60 anos em 2018 para mim é um grande privilégio. Sinto-me lisonjeado ao relembrar dessas experiências neste texto. A saudade é grande desses momentos vividos, mais muito feliz do valor dever cumprido nesses anos. Nesta perspectiva com base na minha memória tenho como objetivo nesse estudo revelar as minhas experiências nesta renomada escola através dos projetos materializados na prática pedagógica. Metodologicamente as experiências acumuladas e reveladas neste texto como inovadoras foram resgatadas, catalogadas e interpretadas, ao longo dessa história, com base no método da hermenêutica dialética.
Apresentação Nessas memórias farei um percurso dentro de uma coerência lógica de uma vida profissional com conquistas e realizações decorrentes de trabalho e estudos dedicados à área de Educação Física. Uma experiência de 27 anos em que sempre busquei realizar aquilo a que me competia com qualidade, seriedade e com muito respeito ao humano, por acreditar que as pessoas, independentemente de classe social, podem ter esperança por dias melhores. Considero que a prática pedagógica sempre foi o eixo central em meu caminho e sempre a valorizei em minhas caminhadas e com muito esmero ao lidar, não apenas com os meus alunos, mas também com todos que se encontravam ao
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meu entorno. Três categorias estiveram atreladas a minha formação e à formação dos meus alunos da escola básica: a prática pedagógica, o respeito ao humano e a vida. Ouvir as pessoas, dar atenção, nem que fosse por um minuto, sempre esteve presente em minhas ações profissionais e pessoais, pois muitas vezes aquele minuto pode mudar vidas. Destaco que não sou conselheiro, sou professor, sou humano, respeito a minha vida, respeito a vida dos outros e gosto muito de ser professor. É possível, como professor, pesquisador, quer esteja numa sala de aula ou num laboratório, transformar a vida de alguém pelo seu conhecimento, pela sua dedicação, pelo seu carinho e pelo seu respeito em ajudar alguém que precisa dos seus conhecimentos e da sua experiência na Educação Básica. Entendo ser necessário humanizarmos a formação dos nossos educandos. Para tanto, foi necessário fazer diferente nesses anos, redefinindo a organização dos saberes para atender as realidades, mudando a concepção de ensino, mudando as práticas e buscando novos conhecimentos que verdadeiramente atendam às reais necessidades dos nossos alunos. Assim sendo, estamos nos aproximando de uma docência mais humana e mais próxima da vida deles. A minha memória me diz que, ao longo da minha formação, através da tríade ensino-pesquisa-extensão, ao lado de crianças, jovens e adultos, estudando-pesquisando-ensinando, fui aprendendo a me humanizar com um trabalho para com o outro e com os outros durante o ensino Básico. Dedicar-me a uma prática mais humanizada com respeito às vidas, faz parte de minha trajetória na vida acadêmica. Trajetória que passo a descrever a partir do momento em que entro na escola de Aplicação da UFPE, no ano de 1985, revelando as experiências vividas. Uma história sobre a qual temos muito que contar.
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A história contada em vida Nos anos de 1985 a 1987, inicio as minhas atividades acadêmicas lecionando a disciplina curricular Educação Física para os alunos do ensino fundamental e médio junto com dois colegas (Roseane Soares Almeida e Marcelo Barreto Cavalcanti), após aprovação em concurso público com uma proposição de trabalho voltada para a tríade ensino-pesquisa-extensão, considerando a finalidade desta escola de ser tanto experimental como campo de estágio para os alunos dos cursos de graduação da UFPE e de outras Universidades interessadas. Além de participarmos de reuniões administrativas, pedagógicas, de comissões, chefias de área, eventos científicos (local e nacional) e publicações, pesquisas e projetos de extensão (descritos adiante). Nesse momento do trabalho com os colegas de Educação Física, se solidifica uma grande amizade a partir de um trabalho significativo em busca de uma Educação Física de qualidade. Em virtude da própria política deste estabelecimento, ampliaram-se os espaços/condições para as investigações nessa área, as quais voltadas para as inovações pedagógicas e a busca de novos conhecimentos. Com as produções e reflexões sistemáticas, a respeito do ensino da Educação Física surgia, cada vez mais, inquietações de ordem metodológica para o ensino da disciplina curricular Educação Física. Metodologia de ensino voltada para as inovações nessa disciplina sempre foi foco de meu interesse investigativo, durante esses anos, como professor e pesquisador. A partir da ampliação da jornada escolar, o Colégio de Aplicação criou um espaço para um atendimento mais ampliado às atividades curriculares, na medida em que o aluno, além das tarefas relacionadas diretamente ao conteúdo específico de cada disciplina, passou a participar de trabalhos que contribuíssem para o redimensionamento da sua formação, na perspectiva individual e social. Com este projeto de ampliação, exigiu-se, ainda mais, dos professores da escola um compro-
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misso pedagógico com o trabalho coletivo. A ampliação da jornada escolar impunha novas necessidades em termos metodológicos aos professores, necessitando de uma avaliação do que já vinha sendo feito, na perspectiva de se apresentar novas propostas para esse projeto da escola que envolveu todos os professores. Nesta perspectiva os professores de Educação Física resolveram avaliar a experiência realizada nessa disciplina, na intenção de vislumbrar caminhos para melhor qualificá-la. Destaco que dentre as respostas dos alunos acerca da metodologia do ensino apontavam elementos que questionavam metodologias com ênfase no desporto competitivo de alto rendimento. Tais metodologias a partir da sondagem foram aplicadas pelos professores/ estagiários que antecederam aos novos professores. Em decorrência dessas metodologias esses novos professores tiveram, inicialmente, dificuldades para implementar as novas abordagens metodológicas na prática pedagógica da Educação Física da escola em voga. Tanto em reuniões do Projeto “Ampliação da Jornada Escolar” quanto em outras circunstâncias de reflexões coletivas sobre o ensino da Educação Física, esses conflitos foram desaparecendo junto aos atuais professores de Educação Física, por ocasião da elaboração, execução e intercâmbio das experiências vivenciadas com a comunidade escolar. A seguir, estão relacionadas às produções acadêmicas resultante do esforço em tratar cientificamente a prática pedagógica dessa disciplina: “Novo enfoque para as aulas de Educação Física do Colégio de Aplicação da UFPE”; “Projeto Brasil, Ginástica Urgente no Estado de Pernambuco”; “A Co-Educação nas aulas de Educação Física do Colégio de Aplicação-UFPE”; “O homem e a natureza: Experiências de inovações pedagógicas”; e “Planejar participativamente as aulas de Educação Física: Uma experiência no âmbito escolar”; “Inovações pedagógicas para a reestruturação do Currículo de Educação Física no Colégio de Aplicação da U.F.PE”; “Novo enfoque para as aulas de Educação Física no Colégio de Aplicação da U.F.PE”. Produções que apontaram contri-
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buições teórico-metodológicas significativas para a Prática pedagógica dos professores e alunos nas aulas Educação Física. Tais experiências além de enriquecer/qualificar as aulas do referido colégio elas eram extrapoladas pelos professores de Educação Física tanto nas formações continuadas junto ao Estado-PE, como também nos congressos locais, nacionais, internacionais e nos periódicos locais e Nacionais. Nos anos de 1988 a 1990 foram as seguintes produções: “Longe das quadras, perto da natureza”; “O Esporte na Escola”; Jogos Culturais: Uma alternativa pedagógica para as aulas de Educação Física”; “Inovações pedagógicas nas aulas de Educação Física: Uma Experiência com discentes de 6° ano”; e “Educação Física Escolar: a favor de quem?”; “Jogos de Salão e Jogos com sucata: Uma experiência com discentes do 6° e 7° anos”; “Experiências pedagógicas sobre atividades aquáticas”; “Uma experiência interdisciplinar nas aulas de educação Física”; “Expressões rítmicas: Uma Experiência com discentes do ensino médio” “Contribuições pedagógicas para a Ginástica na Escola”; “Educação Física em áreas de lazer”; “Jogos populares: Uma alternativa pedagógica para aulas de Educação Física”; e “Jogos de salão: Uma experiência com discentes do ensino fundamental”. As experiências consideradas significativas oriundas do chão da escola contribuíram para a qualificação da prática pedagógica dos professores de Educação Física que buscam alternativas pedagógicas para as suas aulas. Importante destacar que além da extrapolação dessas experiências em congressos, em periódicos, tivemos duas publicações na revista Nova Escola, como também as experiências foram extrapoladas nos encontros Nacionais de Aplicação das Universidades Federais. O destaque nesse encontro se deu a partir das nossas produções revelando curiosidades dos outros professores das escolas de Aplicação quando das apresentações a respeito das inovações metodológicas no ensino da Educação Física. Eles perguntavam como aquelas experiências poderiam acontecer como aulas de Educação Física, ou seja, muitos deles ainda estavam ligados as abor-
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dagens Tecnicistas, competitivistas e higienicistas. Eles não conseguiam entender as possibilidades pedagógicas de mudanças para as aulas de Educação Física diante dos novos estudos na área de Educação Física no cenário nacional durante o processo de redemocratização que o pais passava após um governo ditatorial. As trocas de experiências pedagógicas da nossa escola com as outras escolas de Aplicação do Brasil duraram por um longo tempo, as quais aconteciam tanto durante os eventos como pelas visitas técnicas em outros momentos fora do período desses eventos. A experiência com a Pipa numa ação interdisciplinar chamou muito a atenção dos professores daquelas escolas: essa experiência integrou, num mesmo momento, professores de diversas áreas de conhecimento. Temática que foi relacionada com os aspectos relevantes na sociedade, os quais objetivaram levar os alunos a explorar, analisar os diferentes conhecimentos e nesse processo, transmitir as conclusões/síntese utilizando as diversas formas de expressão (linguagem verbal, linguagem escrita, linguagem corporal); As aulas ocorreram em quatro horas semanais, com os pré-adolescentes do 6º ano, durante uma unidade de ensino, explorando, metodologicamente, três categorias básicas: planejamento participativo, pesquisa escolar e a avaliação sistemática. Tais categorias não estiveram isoladas, havendo entre elas uma interação orgânica. O planejamento, ao ser participativo e voltado para a realidade resgatou a vida dos alunos para dentro da escola, o que propiciou, no processo de aprendizagem, o envolvimento de diversas áreas de conhecimento. A pesquisa escolar, ao possibilitar consulta aos livros, às revistas, aos trabalhos dos próprios alunos da escola; consulta fora da escola à família e aos amigos, e a produção escrita dos alunos na escola despertou a curiosidade ativa das crianças. A investigação sobre o jogo da pipa, através da pesquisa escolar, levou as crianças a rever conhecimentos já apreendidos em sua própria cultura e descobrir outros conhecimentos não aprendidos desta mesma cultura, como apre-
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ender conhecimentos de outras culturas. Com a avaliação sistemática ao final de cada aula, os alunos descobriram que os conhecimentos nas diversas áreas apreendidos durante as aulas contribuíram para a vida dentro e fora da escola, enriquecendo o processo de aprendizagem numa perspectiva interdisciplinar. Essas categorias vivenciadas e sistematizadas apontaram contribuições para a formação do aluno como um todo, despertando a criatividade, o senso crítico, o conhecimento das linguagens e suas aplicabilidades, junto às disciplinas: Matemática, Português, Física, História, Geografia, Educação Artística entre outras. Já nos anos de 1991 a 1996 foram as seguintes produções: “A produção de Conhecimento nas aulas de Educação Física num processo participativo”; “Programa de Educação Física do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Pernambuco” “Alunos criam exercícios nas aulas de Educação Física”; “Experiências pedagógicas na área de Educação Física no ensino Fundamental II: Uma contribuição para a Escola pública”; “O ensino no Jogo na Escola: Contribuição Gramsciana para a Prática Pedagógica dos Professores de Educação Física”; “Educação Física e o Jogo”; “O conteúdo interdisciplinar da Educação Física”; “A Alegria no Jogo Jogado na Escola”; “O Jogo como inovação pedagógica na escola”; e “Educação Física: Jogo ou brincadeira?”. A partir do encantamento pelas experiências realizadas e o entusiasmo das produções acadêmicas que realizávamos nessa escola, decidimos mudar o regime de trabalho para a dedicação exclusiva (D.E), tendo por base os projetos de pesquisa realizados naquela instituição. Aprovada a (D.E) passamos a nos dedicar ainda mais à finalidade desta escola. A partir desse acumulo de experiências decidi realizar um curso de Mestrado focando no viés das inovações pedagógicas, defendendo a dissertação sobre “O ensino do jogo na escola: uma abordagem metodológica para a prática pedagógica dos professores de Educação Física” (1994). Dissertação que acumulou as experiências com o ensino, a pesquisa e a extensão desenvolvidas na referida escola. Este trabalho foi por demais interes-
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sante, principalmente, porque ele é uma avaliação da minha própria prática desenvolvida no Colégio de Aplicação da UFPE, ou seja, a minha prática foi apreciada pela academia através de uma banca arguidora, o que me deixou muito orgulhoso dos elogios à experiência em voga, como também das contribuições teórico-metodológicas que ela vem dando à prática pedagógica dos professores da escola básica e dos acadêmicos dos cursos de formação profissional em Educação Física. No sentido de extrapolar essa experiência, a dissertação foi publicada em livro, anos mais tarde, pela Edupe (Editora da UPE). Destaco que a mesma se encontra na segunda edição, caminhando para a terceira. Durante a primeira edição foi encaminhado um fascículo para a maioria das bibliotecas do Estado de Pernambuco, iniciativa a partir de um convênio entre a Secretaria de Educação do Estado/Universidade Federal de Pernambuco e a Universidade de Pernambuco. Também foram publicados três artigos em periódicos qualis a partir dela: 01. “O ensino do jogo na escola: uma abordagem metodológica para a prática pedagógica dos professores de Educação Física”. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 16, p. 100-107, 1995; 02. “Uma experiência interdisciplinar nas aulas de Educação Física. Movimento (Porto Alegre), n.03, p. 51-54, 1995; e 03. “Educação Física: as aparências não enganam mais”. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 17, n.02, p. 192-197, 1996. A dissertação em voga refere-se à análise de uma proposta para o ensino do conteúdo Jogo desenvolvida com alunos do sexto ano desta escola. Levando em consideração dados da realidade a respeito do ensino do Jogo e suas contradições – alienação X emancipação, foram levantados elementos de uma pedagogia crítica emergente que subsidiasse proposições emancipatórias para o ensino do Jogo na Escola Pública. Esses elementos foram sistematizados em uma proposta de ensino – Unidade de ensino, implementada e cientificamente acompanhada, adotando-se uma abordagem qualitativa de pesquisa, a qual levou em consideração as inter-relações estabelecidas entre escola e sociedade, que determinam a
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prática pedagógica. As possibilidades reais de co-decisão em aulas mistas, nas quais o acesso ao saber sistematizado se deu pelo esforço coletivo de pesquisa na construção do conhecimento, a partir da percepção, da análise e das abstrações de experiências vividas na escola e para além dela, desenvolvidas em um clima de responsabilidades mútuas e de alegria, apresentam-se como indicadores de materialização dos princípios de uma abordagem alternativa no ensino dos Jogos, sintonizada com os reclamos de uma perspectiva crítica de Educação. Minha pretensão com esse estudo foi apresentar para a comunidade científica contribuições teórico-metodológicas ao debate nacional acerca da reconceptualização do ensino da Educação Física na Escola Brasileira. Durante 05 (cinco anos) com dedicação exclusiva nesta escola e com o acumulo de experiências pedagógicas, senti a necessidade de realizar concurso em 1996 para lecionar no Ensino Superior no curso de licenciatura em Educação Física da UPE. O interesse surgiu a partir da experiência com os estágios supervisionados junto com os alunos do curso de Educação Física da UFPE. Essa experiência me chamou bastante atenção, na perspectiva de poder aprender e, consequentemente, de poder contribuir teórico-metodologicamente mais com a Educação Física Escolar, estando em um curso de formação inicial de professores de Educação Física. A partir de 1996 reduzi a minha carga horária naquela escola, já que, paralelamente, também acumulava uma carga horária na Escola Superior de Educação Física da UPE. Nos anos de 1997 a 2013 com a carga horária de 20h passei a me dedicar no CAp, especificamente, com as pesquisas relacionadas ao jogo e com a formação continuada junto aos professores de Educação Física do Estado de Pernambuco. As experiências acumuladas do Colégio de Aplicação foram de fundamental importância para materializar as discussões teórico-metodológicas que aconteciam durante o processo de formação continuada junto aos referidos professores.
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Podemos diagnosticar que em muitas formações os professores não são ouvidos, diferente da experiência em voga que reconheceu o potencial produtor desses professores que estão no “chão da escola pública”. A ideia central visou investir na ação docente porque acreditava que é no agir pedagógico que se constrói um saber que precisa ser conhecido pelas políticas e estudos. Pensamos assim que ações de políticas públicas e de procedimentos investigativos precisam estar voltadas para a prática pedagógica do “chão da escola”, realizando produções sobre a escola e ao mesmo tempo reconhecendo o potencial produtor dos professores em seus campos de investigações (as suas realidades), ou seja, produções realizadas com a escola e para a escola. Tal formação aproximou-se dos pilares da Universidade (Ensino, Pesquisa e Extensão). No que diz respeito à dimensão do ensino, aconteceu em formatos de estudos, debates, discussões, leituras acerca de temas delimitados durante o programa de formação; a extensão foi associada às atividades de ensino e de pesquisa, em atividades de cursos, encontros, palestras durante a respectiva formação continuada em serviço e a pesquisa procurou implementar e amadurecer uma tendência que aparece no campo da investigação científica, especificamente em Educação Física, a qual buscou reconhecer o potencial de produção dos professores com base na prática pedagógica. As repercussões dessa formação continuada chamaram a atenção da equipe pedagógica da Secretaria de Educação do Estado, haja vista a riqueza que foi o processo de construção das contribuições teórico-metodológicas (OTM) reveladas nessa formação, a partir da realidade da prática pedagógica dos professores de Educação Física.
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Considerações finais Muitas das ações planejadas não foram reveladas nessa memória, talvez pelo fato de precisar de mais tempo para elaborá-las, seja no campo da atuação, como no campo da formação. A minha experiência em 27 anos no CAp revelou um papel importante na formação de crianças e jovens, além de prepará-los para uma melhor qualidade de vida através das ações pedagógicas. Produzimos conhecimentos que se aproximaram da vida deles, ou seja, a realidade esteve sempre presente durante o processo de ensino-aprendizagem. É preciso que os conhecimentos que entram na escola tenham aplicabilidade e sejam úteis à vida dos alunos. As escolas precisam se preocupar não apenas em respirar o conhecimento, mas em levar os seus alunos a sentirem prazer em estudar e pesquisar esses conhecimentos voltados para uma relação mais humana, dialógica e contextualizada com base num ensino reflexivo e crítico. Entendo que, a partir dessa minha experiência, seja ainda necessário enriquecer os conhecimentos da prática pedagógica galgados da realidade em que vivem os meus alunos (hoje apenas leciono no ensino superior). Assim sendo, devo buscar nas minhas próximas experiências um movimento mais orgânico, uma realidade dinâmica que perspective uma formação humana para um projeto de vida com intencionalidades superadoras. Portanto, para que esse movimento vivo possa se materializar, o diálogo precisa ter um papel fundamental, o de captar esse movimento presente na realidade. É nesse movimento de conciliações e de contradições da prática pedagógica que se constroem novos conhecimentos numa relação dialógica durante o processo das aprendizagens.
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O que fizeram de mim
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O que fizeram de mim Flávio Brayner
Em dezembro de 1974, eu havia ficado mais uma vez em recuperação em Matemática. Élcio Matos, nosso professor – e que também era nosso diretor de teatro – chamou-me e disse:
“Olhe Brayner, eu vou te passar, já que o vestibular tá aí em cima. Mas prometa-me que nunca fará nada na vida que tenha Matemática no meio!” Beijando os dedos em forma de cruz e ajoelhado a seus pés, com os olhos revirados de religiosa sinceridade e como quem invoca o testemunho e a cumplicidade do próprio Cristo, respondi:
“Prometo!”. Um mês depois estava aprovado no vestibular de Arquitetura e pagando o preço das falsas promessas: infinitesimais, derivadas, cálculo integral... ficaram para mim uma forma de saber envolta na mais densa névoa cognitiva, um conhecimento esotérico só acessível aos membros de seitas secretas, coisa de pitagóricos! Sete anos antes (1968), após um ano de curso preparatório, eu havia ingressado no Ginásio de Aplicação. Lembro apenas do temor e da curiosidade ao enfrentar os escuros corredores do prédio da Nunes Machado, mas nada comparado ao temor que alguns professores nos impunham, em especial o de... Matemática: José Ramos (que dava aula
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de óculos escuros!) em cuja primeira aula, nos mandou abrir o caderno e registrar a seguinte frase: “A Logística é a parte da Matemática que estuda as ideias por meio de símbolos!”. Não sei por qual misteriosa razão trouxe esta frase registrada na memória nos 50 anos seguintes, sem ter a menor ideia do que ela significa! Não sei se isto depõe a favor ou contra o ensino “decoreba”, mas o fato é que quando quero dar exemplos, em minhas aulas, da absoluta inutilidade de certos sabres escolares, é esta frase que ofereço como ilustração. Não imagino como Zé Ramos – que Deus o tenha! – colocaria em símbolos matemáticos uma ideia como... “O resto é mar, é tudo que não sei contar!”... O medo, como recurso ou instância pedagógica, também adentrava em aulas como as de Edson Bandeira (hoje meu amigo), professor de Música que me obrigou a tocar escaleta (um teclado de sopro) com a clavícula completamente quebrada, por causa de uma queda de bicicleta. Mas o fato é que terminei por me interessar pelos estudos de piano (que faço até hoje!), o que confirma a tese de que o medo e a ameaça são poderosos recursos pedagógicos. Como se não bastasse, pairava sobre todas as ameaças e temores, o fantasma real de Maria Antônia MacDowell, uma espécie de Margareth Tatcher tupiniquim, que exercia a direção do Ginásio desde a sua fundação (1958), e cuja simples presença já era uma espécie de Juízo Final antecipado. Para minha imensa sorte, encontrei naqueles anos a companhia dos piores “marginais” da escola: Cláudio Ferrário, José Batista, Djalma Gomes, Emanuel Pedrosa de quem permaneci amigo por longos anos. Digo sorte porque, como professor, empresto sempre minha mais ampla simpatia aos “maus alunos” que, aliás, se dão muito bem comigo, aqueles que, na impossibilidade de fazer a crítica argumentada das instituições “totais”, como a escola, expressam esta crítica sob a forma da rebeldia sem clareza, da contestação irrazoável. Todos os “marginais” daquele tempo – talvez até porque tivessem praticado sua danação no tempo
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certo –, tornaram-se pessoas admiráveis, moral e intelectualmente, exercendo ao longo de suas vidas altíssimos e importantes cargos de responsabilidade. Confesso que fui um terrorista ginasiano, e na companhia de alguns outros, digamos, “desconstrucionistas da ordem escolar”, pratiquei ações que hoje me levariam diretamente para o COTEL, como por exemplo, pingar nitroglicerina (roubada do laboratório da escola!) do alto da torre da Igreja da Soledade, para ouvir, lá de cima, o estrondo que provocava na calçada cheia de passantes. Por conta destas traquinagens fui suspenso algumas vezes, mas a benfazeja arte de falsificar assinaturas (a começar pela da minha mãe e, em seguida, com o aperfeiçoamento técnico, a de quase todos os pais do Ginásio), salvava-me de punições mais severas. Duas experiências, no entanto, iriam modificar completamente nossas atitudes de “rebeldes sem fundamento”: as primeiras namoradas e a descoberta da Filosofia. Isto apenas mostra que a escola é antes de tudo um lugar de encontros e não apenas de nosso encontro com o “saber”, encontros que nos permitem defrontar com o Outro e, a partir daí, construir uma “identidade”. Acho até que filosofia e primeiros amores se completavam: nossos primeiros balbucios filosóficos serviam de instrumento de sedução das garotas (e nisto o livro de Guy Besse, um manual marxista da pior qualidade, muito me serviu) e nada como duas ou três palavrinhas de ordem contra a “burguesia” ou o “capitalismo” (numa época de ditadura) para abrir o coração de meninas bonitas! Confesso que o Marxismo, até certa altura de minha vida, me foi muito útil: menos como filosofia social ou promessa revolucionária do que como instrumento de sedução. Quando ouço discursos sobre o “fetichismo da mercadoria” ou a “alienação das massas”, sinto uma profunda saudade de meus primeiros amores!
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A Filosofia cumpria para mim, naquele tempo, estas duas importantíssimas funções; seduzir as garotas do Colégio – e o tema da Filosofia como sedução recebeu um importante estudo de Barthes, embora não no sentido protolibertino que eu atribuía à disciplina – e desenvolver a capacidade de argumentar, cujas consequências serão, de fato, perceptíveis um pouco mais tarde. Nesse mesmo momento, tomávamos a iniciativa de formar os famosos “grupos de estudo” – hoje escasseando em nosso meio universitário – quando, na companhia de colegas e amigos como José Batista, Djalma Gomes, Antônio Carlos Nóbrega, Antônio Montenegro, Michel Zaidan, Valteir Silva iniciei leituras mais sólidas e defini o perfil de identidade que queria para mim mesmo. Guardo de minha experiência no Ginásio/Colégio de Aplicação da UFPE a mais viva impressão em que, sob a influência de professores como Myrtha Carvalho (Literatura e Língua Portuguesa), Antônio Montenegro (Filosofia) e Denis Bernardes (História), alicerçaram-se as interrogações que nunca mais me abandonariam. Frequentar o Colégio de Aplicação no momento mais duro da ditadura foi, para dizer o mínimo, um aprendizado: não no sentido pedagógico (que não deixa de ser político) do termo, mas notadamente, no sentido político (que não deixa de ser pedagógico): adquirir uma posição, ser capaz de expressá-la e assumi-la, esse era o exercício que nos exigiam os professores mais próximos e mais interessados em nossa formação. Minhas lembranças afetivas mais preciosas remontam às aulas de Filosofia, Literatura, História e Música, disciplinas que já delineavam meus interesses cognitivos e, em breve, seriam facilitadores das minhas opções profissionais. Foi bastante instrutivo observar, naqueles anos passados no Colégio, as divisões ideológicas dos professores e a crescente compreensão que adquiríamos sobre o que estava em jogo naquela disputa: a direção que deveria tomar nossa formação. Aceitar este ou aquele professor como condutor de nosso processo educativo já mostrava certa clareza – ou
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ilusão! – sobre os rumos que queríamos imprimir às nossas consciências. Em tal sentido, a experiência do teatro (e não preciso lembrar aqui, a referência ao jovem Meister e ao Bildungsroman a respeito do papel do teatro na formação do personagem goetheano) conduzida por nosso professor de Matemática, Élcio Matos, e a descoberta de autores como Plauto, Sófocles, Gil Vicente, Shakespeare, Dias Gomes abriram para mim, não somente a compreensão do significado da “interpretação”, quer dizer, de como um texto pode mobilizar a voz, os sentidos e os movimentos do corpo e dar vida a personagens que só existem no papel, mas também adquirir, para minha futura profissão, a de professor de filosofia, o sentido de teatralidade que a função docente comporta. Ali, no antigo Colégio, eu comecei a ser formado pelos meus professores para tornar-me o que sou. Não sei o que eles pensam disso, se sou digno deles, se os decepcionei. Aqui reside todo o mistério de educar: entrar num mundo já estruturado e sair dele sem saber o que vai acontecer com os outros. Quando, às vezes, andando de bicicleta de manhã cedo, passo na frente do antigo Ginásio de Aplicação (hoje o prédio da pós-graduação da UNICAP) invade-me um humor saturnal, melancólico. O pátio é menor do que eu havia registrado na memória, assim como os jambeiros alcançaram altura e vigor que escondem suas verdadeiras idades: nós os vimos pequenos e frágeis. Eu mesmo era frágil e temeroso – e nisso não mudei muito, apesar da aparência de fortaleza que impomos a nós mesmos – e não sabia o que aquela escola faria de mim. Acho que fui salvo por ela e talvez não seja bom voltar aos lugares onde fomos felizes.
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Memórias de um aluno mediano do Colégio de Aplicação, cujos pais viam na experiência escolar uma oportunidade de torná-lo gente1 José Batista Neto
Zuenir Ventura dele disse ter sido o ano que não terminou, em razão de marcar o início dos “anos de chumbo”. Pesquisadores, como Martins, sustentam que fora o ano de nascimento da “geração AI5”2. 1968 marca meu ingresso no então Ginásio de Aplicação (GA) como aluno do primeiro ano ginasial, após uma concorrida seleção. O processo seletivo para o ingresso de 1967, de tão rigoroso, foi realizado em duas rodadas de aplicação dos testes, porque a primeira delas não havia selecionado sequer metade das vagas em concurso. Fui selecionado, como outros dezenove meninos, na segunda rodada. Refiro-me a meninos porque o regime escolar misto só seria adotado para a turma ingressante no ano de 1969.
1. O texto assume caráter de memória da vida escolar do autor, tendo sido intencionalmente escrito na primeira pessoa do singular. 2. A expressão ganhou notabilidade pelas mãos do sociólogo Luciano Martins que a teria usado em um ensaio publicado em 1969 (Geração AI5 e Maio de 68. Duas manifestações intransitivas. Rio de Janeiro: Editora Argumento, 2004), para designar jovens brasileiros que, em 1968, possuíam entre 16 e 20 anos, e, portanto, foram formados sob uma cultura autoritária.
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Egresso do Educandário Duque de Caxias, escola privada de poucos alunos de um bairro popular periférico do Recife, mas de rigor disciplinar de dar orgulho ao nome de seu patrono, fora submetido, ao longo do curso primário, a uma prática pedagógica centrada em conteúdos disciplinares, cujos saberes e habilidades me conferiram capacidade para escrever com o uso do dialeto de prestígio sem grandes erros ortográficos, “armar e efetuar” com as quatro operações após exercícios repetitivos, mas, também, memorizar estados e capitais, definir acidentes geográficos, nomear o relevo, o clima e a hidrografia das regiões brasileiras, assim como descrever fenômenos da natureza e conhecer a singularidade de fatos históricos do Brasil e sua entrada no mundo colonial português. A experiência escolar no curso primário não havia embotado minha inteligência, mas dela resultou um aluno mediano, dotado de competências suficientes para obter êxito em processos seletivos para o ingresso no curso ginasial, a exemplo dos que me submeti, em 1967, no Ginásio de Aplicação e no Colégio Militar do Recife. Para alguém originário de família numerosa e pertencente aos estratos sociais menos favorecidos, a escola pública era a alternativa prioritária de escolarização. Dois irmãos mais velhos já haviam passado pelas bancas do GA (anos mais tarde, dois outros, um irmão e uma irmã, viriam se somar). A condição de pouco escolarizados de meu pai e minha mãe foi necessária, talvez, para que ele e ela aspirassem uma escolaridade longa para seus filhos e filhas, o que incluía como meta dotar a todos, sem exceção, de um diploma de curso superior. Assim, por detrás de estudos alongados que terminei por realizar estiveram um pai e uma mãe presentes e estimuladores, com cobranças, punições e muitos afagos.
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O ingresso no GA em um ano decisivo para os rumos do regime que se erigira em 1964 não passara isento e me permitiu fazer, a sangue quente, uma espécie de educação política permanente e democrática. O contexto político pós-golpe levara ao acirramento das posições políticas e tal acirramento expressava-se por toda parte, inclusive nas escolas e universidades. Os espaços físicos das instituições educativas foram palco de enfrentamentos de toda sorte. As paredes dos corredores da Faculdade de Filosofia de Pernambuco (FAFIPE), instituição a que estava vinculado o GE, por exemplo, transformaram-se em páginas de “livros” nas quais se registravam passagens de lutas políticas em nível nacional e internacional contra regimes autoritários de diferentes matizes políticas. Lendo escritos e grafites naquelas paredes, tomei conhecimento da invasão da Hungria pelos tanques soviéticos, anunciando o fim da Primavera de Praga. A imagem transmitia uma mensagem composta por duas logomarcas e duas datas, em linhas: uma suástica, seguida do ano de 1938, e, logo abaixo, uma foice e martelo, com o de 1968. Fixei as imagens e as reproduzi, com caneta esferográfica, na perna da calça cinza do uniforme escolar, para o furor de minha mãe, que reclamava, nem tanto pelo trabalho que teria para removê-la, mas pelo risco que corria com aquelas inscrições no fardamento em tempos tão sombrios como aqueles que antecederam a edição do AI5 (Ato Institucional nº 5). Anos depois percebi que aquela mulher, tão pouco escolarizada, sabia fazer leituras políticas de realidade e agia em meu favor ao buscar proteger-me da ação dos órgãos de segurança do regime, infiltrados na FAFIPE, como de resto em todas as unidades das universidades públicas brasileiras.
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Essas mesmas paredes comunicaram a queda do 30º Congresso da UNE, convocado para Ibiúna, em São Paulo, bem como o atentado ao estudante de Engenharia Cândido Pinto de Melo. Foram dias de muita tensão, registrada nos rostos de professores e estudantes universitários com quem cruzávamos nos intervalos do recreio ou ao término das aulas, assistindo-os, em seus discursos inflamados, a exortar à resistência ao regime discricionário. Foram anos vividos intensamente, sob dura e covarde intimidação, e repressão de toda ordem. Aliados do regime esgueiravam-se entre estudantes e professores, tornando o ambiente educativo permeado de desconfiança e insegurança. Mas, no GA e na FAFIPE educava-se pela/para a resistência, forjavam-se espíritos democráticos no cotidiano da luta e da ajuda mútua e silenciosa. Pequenos grandes homens e mulheres anônimos/as ajudavam a tecer a rede de solidariedade sem a qual muitos mais teriam sucumbido. Tempos difíceis, tempos solidários. Pergunto-me, até hoje, quanta energia os educadores do GA despendiam, sobretudo durante os anos de chumbo (1968-1974), para garantir uma experiência em que grassava a liberdade de expressão, fomentava-se a crítica, estimulava-se o diálogo, a criatividade e a convivência respeitosa entre diferentes. Portanto, uma educação humanizadora na melhor tradição freireana, ainda que fosse uma escola de orientação pedagógica claramente escolanovista, denotada pela máxima deweyneana tantas vezes repetida pela direção, orientação educacional e coordenação pedagógica do GA: “educar para e pela vida”3. Em definitivo, uma escola impregnada do pensamento de John Dewey (1859-1952), segundo o qual a educação se centraria no desenvolvimento da capacidade de raciocínio e do espírito crítico do aluno. Por tais razões, a experiência escolar no GA propiciava um corte pedagógico com o que
3. A educação deve servir para resolver situações da vida e a ação educativa tem como elemento fundamental o aperfeiçoamento das relações sociais, defendia Dewey.
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vivera na escola primária, descortinando para mim uma nova mirada sobre a formação humana. Foram sete anos vividos, sete anos muito bem vividos, nos quais cursei o ginásio e o científico, etapas da educação básica, conforme a nomenclatura anterior às Leis nº5692/71 e nº9394/96 (LDB do regime militar e da redemocratização (1985-2016), respectivamente). Ali, firmei as bases de minha formação cidadã, exposta à prática de uma educação desafiadora e estimuladora da curiosidade epistêmica, da experimentação de relações entre educador e educando permeadas pelo respeito mútuo e pela criticidade, mas, sobretudo, generosa na relação com o saber sobre si, sobre o Outro e sobre o mundo. Por meio das metodologias ativas fui lançado ainda a novas aprendizagens quanto a saberes disciplinares integrados (falava-se em C. Sociais, C. Naturais) e a conteúdos humanísticos (Filosofia, Artes Plásticas e Música eram, sim, conteúdos incontornáveis). E tudo isso num tempo em que a hegemonia tecnicista já estava no proscênio. Em matéria de política e prática curriculares, o GA postava-se à contracorrente das políticas educacionais e diretrizes dominantes de corte técnico-científicas. Quanto a estratégias e procedimentos de ensino, pude experimentar vivências educativas nas quais a construção do conhecimento era a finalidade. Os chamados “clubes”, dentre os quais destaco o de Ciências e o de Imprensa, dentre outros, agrupavam alunos de diferentes séries por centros de interesse, numa versão aclimatada das ideias de Jean-Ovide Decroly4 (1871-1932). No Clube de Imprensa, pude publicar minha primeira matéria. Uma tosca e ingênua entrevista
4. Decroly, médico belga dedicado ao estudo da evolução física e mental de crianças deficientes mentais, sustentava que as aprendizagens ocorreriam de maneira espontânea pelo contato da criança com o meio, campo de estimulação e de interpelação do real por meio de perguntas. Postulava o interesse como pressuposto básico para a aprendizagem. Para ele, esse estado desperto da criança estaria na base de toda atividade, devendo a educação incitá-la a observar, associar, expressar o mundo.
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com um estudante do Ginásio sobre temas esportivos. Essa primeira experiência, em minha constituição como leitor e escritor, insere-se em um percurso que me levou, já com mais idade e junto com outros colegas, à redação de jornais escolares, um primeiro no formato mural e outro impresso por mimeógrafo a óleo, este denominado Zeros à Esquerda, nos quais expressei/expressávamos meus/nossos entendimentos e interesses culturais, políticos e filosóficos. Sob a influência da imprensa “nanica”, ousávamos buscar inspiração no Pasquim, Opinião, Movimento, Em Tempo e outros “nanicos” do jornalismo de resistência que se praticava no país, nos duros anos da ditadura militar. Um ano após meu ingresso, o GA conheceu uma dupla mudança. Tornou-se uma escola mista, ao incorporou meninas ao seu alunado, e transformou-se em Colégio de Aplicação (CAp), passando a ofertar turmas do Científico (segundo ciclo do curso secundário, na nomenclatura das reformas educacionais brasileiras do pós II grande guerra). A chegada das meninas criou um novo cenário e ambiente de convivência, onde se paquerava e se namorava, mas, sobretudo, não se podia mais circular livremente as revistinhas suecas, introduzidas por colegas cujos irmãos mais velhos eram fornecedores, como também os desenhos eróticos de Carlos Zéfiro5, adquiridos clandestinamente na banca de revista situada na calçada da Igreja da Soledade, ao lado do convento das Doroteias, um santo altar de “rezas” semanais dos que faziam a volta a casa, através de transporte público, tomado na Av. Conde da Boa Vista, logo depois experimentarem alumbramentos juvenis.
5. Carlos Zéfiro é o pseudônimo do funcionário público Alcides Aguiar Caminha. Zéfiro ilustrou e publicou, durante as décadas de 50 a 70, histórias em quadrinhos de cunho erótico que ficaram conhecidas por "catecismos". Nossos espíritos juvenis foram, seguramente, forjados por esses preceitos.
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Durante um certo tempo, as turmas mistas foram formadas por repartição igualitária de gênero – 15 meninos e 15 meninas. A igualdade expressava, naquele momento, um modo de entendimento firmado sobre as questões de gênero na sociedade. Ela teve seus rebatimentos sobre a composição do corpo discente das escolas, sendo, contudo, questionada, mais tarde, pelo Ministério Público Federal que, em respeito à isonomia constitucional, orientou o CAp, por meio de Termo de Ajustamento de Conduta, a não fixar qualquer reserva de vagas por gênero, deixando ao processo seletivo a definição da composição das novas turmas selecionadas. Curiosamente, aplicado o Termo de Ajustamento, os quantitativos por gênero têm mantido um relativo equilíbrio, denotando que as capacidades, os conhecimentos, as competências, as habilidades, o desempenho não são atributos exclusivos ou prioritários deste ou daquele gênero. Para tocar práticas curriculares inovadoras e ousadas, para a época, o GA/CAp dispunha de um professorado muito qualificado. A primeira “geração” desses docentes, por assim dizer, era composta de uma combinação entre jovens e experientes professores, com título de curso de graduação em suas áreas de atuação. Despontavam nomes como os de Maria Antônia Amazonas McDowell, Dulce Campos, Maria das Graças Rabêlo, José Lourenço de Lima, Clifford Erickson, Edson Bandeira de Melo, Myrtha Carvalho, Jerônimo Freitas, Benedito Furtado, Augusto Burle, entre tantos outros6. Em sua maioria, esses docentes integraram, também, o corpo docente da antiga Faculdade de Filosofia de Pernambuco da Universidade do Recife, de outras instituições de ensino superior (IES) e de importantes escolas da educação básica. A segunda “geração”, no entanto, era composta de professores com um perfil mais ajustado às novas tarefas atribuídas à universidade pública
6. Não cabe ao escopo deste texto nomear a todos os professores. Sei que esqueci de muitos e já apresento minhas desculpas.
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pela Reforma Universitária de 1968. Embora tenha sido recrutada na condição de graduados, a quase totalidade buscou cursos de mestrado e doutorado em sua área de especialização, estimulados pelo clima e pelo apoio conferidos pelo plano de cargos e carreira institucional. Muitos migraram, depois de larga experiência na educação básica, para o ensino superior, em nível de graduação e pós-graduação lato e stricto sensu. Sem querer ser exaustivo, lembro os nomes de Socorro Ferraz, Antonio Montenegro, Idalina Pires, Marcos Tavares, Ernani Campos, Marcelo Câmara, Sérgio Ramos, Kátia Barreto, Marcos Honorato, entre outros. Antes de se transferir para as novas instalações no campus da Cidade Universitária, o CAp foi uma escola de recursos materiais pouco adequados ao público infanto-juvenil e juvenil que a frequentava. Os prédios sede, em seu endereço tradicional da Rua Nunes Machado, 42, na Boa Vista, possuíam salas amplas, algumas das quais já organizadas como salas especializadas, por área do saber. Assim eram as salas de Artes Plásticas, de Música e de Ciências Naturais. No entanto, nenhum equipamento existia para que práticas esportivas e de educação física pudessem ser realizadas. Até mesmo as atividades recreativas se faziam em espaços improvisados e mal adaptados. Contávamos com um pátio interno, todo revestido em pedras paralelepípedos, que ferviam os pés de alunos nas “peladas” jogadas sob sol inclemente. Traves em madeira para a prática do espiribol foram instaladas em um terreno rico em humos, cuja terra negra emporcalhava sapatos e meias brancas do uniforme. A cantina escolar só foi instalada em 1970: a cantina da “Vovó”, assim a batizamos, em referência à faixa etária de suas gestoras.
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Para que não se insinue que advogo uma perspectiva idealizada do GA/CAp, por realçar seus êxitos pedagógicos, constato e expresso um certo número de contradições que permeavam a escola e sua prática pedagógica. Sabíamos, e era visível um embate interno, intenso, mas respeitoso, entre professores/as “disciplinadores” e aqueles/as estimuladores de uma relação docente discente mais aberta, onde o questionamento e a crítica eram desejados e praticados. Essa divisão não imaginária e imaginada era comentada nos corredores, nas salas de professores e da coordenação pedagógica. Sabia-se das clivagens internas e elas pareciam ser transparentes e bem suportadas. Curioso observar que os tidos como “disciplinadores”, quando se viam diante de uma crítica, não de um membro da comunidade interna, mas de pessoa externa à escola, logo se postavam em defesa dos ideais pedagógicos e, pasmem!, com o uso de argumentos contra os quais se debatiam e criticavam nas disputas internas. Situação que se assemelha um pouco com a daquele casal que discute intensa e frequentemente, mas quando ambos se veem confrontados a críticas externas, se colocam solidários, um em defesa do outro, revelando que são antes de tudo apaixonados e não concorrentes. A escola alimentava-se dessa continuada discussão, que deixava à vista a existência de variados caminhos para a construção de sua prática educativa. Definitivamente, o GA/CAp não era o lugar educativo do caminho único.
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Críticas, aliás, não faltavam ao que era e ao que conseguia ser, e até ao que não era e nunca foi. Críticas que se estenderam no tempo, uma vez que os grupos sociais que a vocalizavam permanecem ativos até os dias atuais. O GA/CAp sempre foi acusado de ser elitista, de ser uma escola para uma elite econômica e intelectual. Mais econômica que intelectual. A narrativa era de que não havia em seu corpo discente alunos pobres e oriundos de escolas públicas. Portanto, por ser uma escola pública federal, estava fora da realidade. Na verdade, padecem de esquizofrenia ideológica os porta vozes desse argumento. Por trás dele esconde-se um desejo inconfesso: uma escola pública não pode ser de qualidade. Portanto, desconfio que é portador de crença privatista e privatizante quem veicula tal ideia, sobretudo quando se refere aos resultados obtidos pelo GA/CAp ao longo do tempo. E não faltam exemplos de que o GA/CAp foi e é o lugar do êxito dos improváveis. Exemplos de alunos de origem popular que sequer possuíam recurso para adquirir todo o uniforme, para os quais e numa ação de natureza inclusiva se faziam rifas, cujos sorteios já tinham o prêmio carimbado, conheceram o caminho do êxito, alcançando níveis de escolaridade muito acima da média regional e até de estratos sociais favorecidos. Havia também aqueles que recebiam apoio de professores de Língua Francesa da escola, franceses residentes em Recife, alguns de orientação socialista, que os levavam a estudar, com bolsas integrais, língua estrangeira na Alliance Française. Aqueles que nunca chegaram à escola em automóveis da família, mas precisavam tomar um ou dois transportes públicos desde seus bairros periféricos. E, mais recentemente, os beneficiários da Lei das cotas sociais e étnico-raciais. Esses argumentos se calam, porque a existência de um GA/CAp deixa a nu seu conteúdo preconceituoso, seu gosto pela segregação, seu elitismo deslavado.
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O CAp esteve sediado, entre 1958 e 1975, à rua Nunes Machado, nº 42, em pleno bairro da Boa Vista, na região do centro da cidade. A Boa Vista era, entre o final dos anos 1960 e o início dos anos 1970, um bairro em transformação. Mantinha ainda muitas residências, uma universidade confessional em expansão, grandes colégios, alguns dos quais destacados estabelecimentos de ensino confessionais – o Nóbrega, dos jesuítas, o Marista, da irmandade do mesmo nome, o São José, da congregação das Doroteias, o Salesiano e o Maria Auxiliadora, da congregação salesiana, mas também escolas leigas, a exemplo do Padre Felix, do Eucarístico e muitos colégios originários de “cursinhos” preparatórios ao Vestibular, tais como, o União, o Radier, o 2001, o Esuda, estabelecimentos onde medrava uma cintilante educação utilitária, instrumental e mercadológica. Mas, o charme do bairro era a presença da fábrica de refrigerantes Fratelli Vita7, instalada em imponente casarão, no largo da Soledade. Havia também restaurantes conhecidos e frequentados por famílias (Casa d’Itália, Recanto Gaúcho) e boêmios recifenses (Cantina Star), próximos ao antigo Nosso Teatro, hoje Waldemar de Oliveira, na praça Oswaldo Cruz. Cedo da manhã, como logo após o meio dia, essa área do bairro no entorno do GA/CAp fervilhava de uma população jovem, no entra-e-sai das escolas, nas passagens de turno. Essas ruas assistiram as tantas manifestações estudantis organizadas ao longo dos anos 1960 contra o regime militar, nas quais secundaristas e universitários travavam confrontos com agentes dos órgãos de segurança do Estado. Muitas das faculdades e escolas do ensino superior (Direito, Engenharia, Arquitetura, Filosofia) e a Reitoria da Universidade do Recife ainda estavam sediadas no centro do Recife, antes de se transferirem para o campus
7. Criada pelos irmãos José e Francisco Vita, migrantes italianos. Antes de instalar-se na Soledade, em edificação que abrigara insurretos da Revolução Praieira, esteve sediada à rua da Imperatriz.
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da Cidade Universitária, para que ficassem distantes das pessoas e do comércio, e a população universitária confinada e “exilada”. No fundo da retina, ainda há vestígios das imagens do dia em que um pelotão da Polícia Militar, portando cassetes e escudos, postou-se à entrada da Faculdade de Filosofia de Pernambuco, prédio onde funcionava o GA/CAp, na calçada oposta à da escola, na entrada dos caminhões de entrega da Fratelli Vita. Naquela manhã de sol de 1969, os militares vieram em busca de estudantes que haviam se manifestado na noite anterior, horário de funcionamento de muitas turmas dos cursos superiores. Os alunos do CAp foram recepcionados pelo pelotão e pelos chefes de disciplina (Seu Geraldo e Seu Ivanildo) em polvorosa, gritando: “entra menino!”. Aprendíamos, mas dessa aprendizagem que entra pelos poros (seria uma experiência tipo da chamada “educação para e pela vida”?), que as lutas sociais causam desarranjos, alteram rotinas, mobilizam forças contrárias, proporcionam enfrentamentos, para que se possa construir tempos e lugares onde se plantem e se firmem valores e práticas democráticos. Portanto, logo entendemos porque, ao toque do recreio daquele dia, os portões de acesso permaneceram fechados e não foi permitido sair para comprar sonho de creme ou de goiaba, na padaria da Soledade, nem a empada e o guaraná Fratelli Vita, no bar da esquina.
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Outras aprendizagens foram fomentadas com a exposição a que estávamos submetidos nas aulas de Filosofia, Literatura e Artes Plásticas. O estudo do modernismo e do seu ato fundador na cultura brasileira, a Semana de Arte Moderna de 1922, desencadeou uma iniciativa por parte dos alunos de diversas turmas, iniciativa amplamente apoiada pelos professores8, coordenação e direção da escola, de organizar, à semelhança, uma Semana de Artes. As duas edições das quais participei contaram com uma programação de três dias, à semelhança daquela de que se inspirara, toda ela com produções do alunado e de professores orientadores. No primeiro dia, fez-se a apresentação de músicas, seguida, no segundo dia, de recital de poesias e prosas para, no terceiro dia, ter-se a encenação de uma peça de teatro. A primeira edição teve lugar no Salão Nobre da FAFIPE e a segunda em auditório do Centro Social da Soledade, situado na parte posterior da Igreja Nossa Senhora da Soledade, na Boa Vista. Foram sete anos de uma experiência inicial muito bem vivida. Essa experiência logo se enriquecera de outras. Estudante do curso de Licenciatura em História, vim cumprir o estágio curricular obrigatório no CAp. Concluído o curso, prestei concurso para Professor Auxiliar de Prática de Ensino de Ciências Sociais do Departamento de Métodos
8. Na leva dos apoiadores, esteve a professora Myrtha Carvalho, de tantos incentivos em suas magistrais e sempre criativas aulas de Língua e Literatura. Veio também o professor de Matemática, Hélcio Matos, se juntar na condição de “diretor” de peça de Dias Gomes, O Santo Inquérito, montada para a I Semana, datada de 1973. A presença de um professor de Matemática, em razão da imagem que goza essa disciplina entre os alunos da educação básica, era a nota singular de causar surpresa. Anos depois soubemos que ele tinha desempenhado o primeiro papel de um Jesus negro em auto da Semana Santa encenado no Brasil, cuja montagem teve a assinatura de Isaac Gondim, professor de Prática de Ensino em Artes Cênicas da UFPE.
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e Técnicas de Ensino, do Centro de Educação9, em 1979. Ato contínuo, os estagiários sob minha responsabilidade passaram a cumprir seus estágios nas turmas do CAp. Lá também vi minha filha mais velha completar dois anos finais do ensino fundamental e o ensino médio, período em que somei uma outra relação com o colégio, a de pai de aluna. Mais recentemente, entre 2008 e 2012, quando dividi a gestão do Centro de Educação com a Profa. Eliete Santiago, pude perceber o CAp da perspectiva de gestor universitário, momento em que, em parceria com os professores José Carlos Alves e Kátia Barreto, respectivamente, Diretor e Vice Diretora da escola, desenvolvemos vários projetos para melhor qualificar o colégio dos pontos de vista físico, material, político e pedagógico. É dessa época também uma importante ação política coletiva, iniciada pela Direção da escola e Direção do CE/UFPE, com o apoio do Conselho Departamental do mesmo Centro, empreendida contra a proposição do MEC de transferência da tutela administrativa do CAp para o Governo do Estado de Pernambuco. O documento escrito por uma comissão formada por professores do colégio e dos departamentos do CE, pelo qual manifestamos o repúdio à proposta, argumentou com a inserção do CAp em diversas políticas educacionais no âmbito do ministério, dentre as quais destacavam-se as de formação, de gestão e de incorporação das tecnologias da informação e comunicação nas práticas educativas de docentes e discentes. Argumentávamos que o CAp era e continuava sendo um elemento da política institucional de formação de professores, portanto, seu lugar é na universidade, junto daqueles e daquelas que se desincumbem dessa tarefa.
9. A FAFIPE se transformara em Faculdade de Educação e, em 1975, ao transferir-se para o campus, no Engenho do Meio, adotou o nome de Centro de Educação (CE), desta feita por força das determinações da Reforma Universitária no Âmbito da UFPE.
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Palavras finais Ao longo de seis décadas de existência, o colégio ampliou suas atividades, desenvolvendo projetos integrados a políticas educacionais de âmbito nacional, nas mais diferentes áreas. Vi essa integração fortalecer-se e colegas professores do CAp da UFPE contribuírem com seu saber e expertise para o projeto político pedagógico institucional de formação de professores. A contribuição se faz continuada e competente em nível de graduação e pós-graduação, mas também da gestão acadêmica e da extensão universitária. Para isso, os professores do Centro de Educação, do qual o CAp é parte integrante, atuam em estreita parceria. Portanto, toda voz dissonante deste “destino já manifesto” atenta contra o desejado, o refletido, o vivido, o construído. Assim, no instante em que o Colégio de Aplicação (CAp) está por completar sessenta anos, encho-me de alegria com a trajetória que nele descrevi, em vários momentos de minha história escolar e profissional, alegria que me impulsiona a ele desejar muitos anos de vida.
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“viveria tudo outra vez”1 Edite Alves Bezerra de Lima
Comissão: Desde já agradecemos, em nome do Colégio de Aplicação, a sua disponibilidade em conceder-nos essa entrevista. Destacamos que o aceite ao nosso convite é um prazer: deixa-nos muito lisonjeados. Edite: É um prazer imenso estar aqui no Colégio de Aplicação de volta após cinco anos de aposentada para fazer um breve relato do trabalho que realizamos no Serviço de Orientação Educacional, digo “realizamos”, porque não realizei sozinha, mas acompanhada de uma equipe pedagógica muito coesa e competente. Trabalhei na instituição desde 1984, nesse caso, foram 25 anos de atuação como Orientadora Educacional.
1. Essa entrevista foi realizada com a servidora técnico-administrativa Edite Alves Bezerra de Lima, dia 13 de março de 2018, em razão da comemoração dos 60 anos do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Pernambuco. Comissão de Publicação em Homenagem aos 60 anos do Colégio de Aplicação.
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Comissão: Na sua caminhada no Colégio de Aplicação, que atividades você destacaria como mais significativas? Edite: Desenvolvi no colégio, além do trabalho de Orientação Educacional, projetos bastante relevantes. Um deles inclusive foi reconhecido por um órgão internacional pela sua qualidade e isso me deixa muito envaidecida. O projeto “AIDS e escola: prevenção e sexualidade” teve como objetivo tratar da questão da sexualidade como parte da vida e da questão da prevenção da gravidez e das doenças sexualmente transmissíveis pelos adolescentes. Na sua metodologia, após estudos sobre o tema, os alunos do CAp atuavam como multiplicadores: um jovem falando para outro jovem, em outras escolas públicas do município ou do estado e também nas escolas privadas. Percebemos que quando o aluno fala para o outro aluno, seu discurso torna-se mais significativo do que se fosse um adulto falando para o jovem, e a ideia de se proteger a vida aparece com mais realce. Comissão: Em que outros projetos você se engajou? Edite: Outro projeto muito importante do qual fiz parte no CAp foi “O CAp vai à escola”. O projeto nasceu após um diálogo com uma mãe de aluno a qual solicitou que a equipe pedagógica do CAp pudesse intervir com atividades educativas em espaços de formação nos bairros do entorno da UFPE, como Sítio das Palmeiras, Detran ou Roda de Fogo. O projeto foi amadurecido junto a
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professores: a professora de educação física, Roseane Almeida, a professora de português Adriana Rosa, o professor de música Rodrigo Luna contribuíram com o desenvolvimento de ações com crianças e adolescentes das periferias que têm carências e estão em vulnerabilidade social. Diante da constatação de que há problemas educativos muito grandes, como por exemplo, o fato de um aluno chegar à terceira série do ensino médio e não saber ler e escrever com segurança, nunca ter pego num jornal, pensamos num projeto que pudesse contribuir com o desenvolvimento desses indivíduos dentro das comunidades: oficinas pedagógicas e encontros esportivos e culturais para troca de experiências do CAp,- professores, alunos e estagiários –, com a comunidade. Encerrei a minha carreira no colégio Aplicação muito feliz, pois trabalhei com pessoas muito competentes, pudemos com o projeto levar um pouco do Colégio de Aplicação para outros espaços. Realizamos mais de perto o “Projeto de ações educativas continuadas: construindo a cidadania” que objetivava a reflexão junto às crianças e adolescentes acerca dos seus direitos e deveres, bem como pensar na possibilidade de transformação da comunidade em que vivem, possibilitando o agir de acordo com as reflexões e demandas percebidas na realidade. Semanalmente desenvolvíamos oficinas pedagógicas no espaço do Instituto Bom Pastor, atendendo a 150 alunos de escolas do entorno que participavam, no contraturno, de atividade no referido instituto. Desenvolvemos construção de painéis temáticos (direitos e
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deveres, sexualidade, meio ambiente, culturas etc.), leitura e produção de jornais sobre o bairro, brincadeiras educativas com jogos, além de contação de histórias e narrações do cotidiano com teatro e fantoche. Comissão: É evidente a relevância dos projetos de extensão desenvolvidos, como esses se articulam com a Orientação Educacional? Edite: Os projetos de extensão são importantes para a própria vida na Universidade: o conhecimento que é produzido no Colégio tem que ser estendido para a comunidade. Esse trabalho com certeza foi um privilégio vivenciado pelo Serviço e Orientação Educacional. Trabalhei como pedagoga no CAp, articulando as intervenções em sala de aula com as demandas de extensão, tendo os conteúdos de Orientação Educacional como norte das abordagens: ética, cidadania, sexualidade, competências sociais, direitos humanos, projeto de vida e trabalho. Esse foi um desafio do qual hoje tenho orgulho de ter encarado. Além disso, na Orientação Educacional, a escuta atenta e compreensiva do aluno e do professor é fundamental: dentro e fora de sala de aula, o pedagogo é um parceiro que contribui para estreitar o elo entre esses dois segmentos; o ensinar e o aprender eram vistos assim, na parceria e no diálogo.
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Comissão: Fale-nos um pouco sobre o conselho de classe, como você vivenciou essa experiência nos anos que passou no Colégio de Aplicação? Edite: O conselho de classe é um momento imprescindível para uma escola. No CAp, o conselho é participativo, não apenas professores e demais membros da equipe pedagógica constroem o espaço, mas também o corpo dos alunos. Os alunos apresentam a sua reflexão acerca do que foi realizado na etapa de ensino-aprendizagem com base no depoimento do representante de classe previamente acordado com a turma. Há uma discussão junto com os professores sobre a melhor forma de se acompanhar as necessidades do grupo: isso é uma questão que se coloca para o exercício da cidadania. Nesse processo de avaliação e acompanhamento pedagógico, o professor observa o aluno nas suas dificuldades cognitivas, se aprendeu o conteúdo e, quando preciso, se dispõe a voltar e refazer com o estudante as questões para consolidar a aprendizagem.
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Comissão: Como defende Paulo Freire, educar é um ato político: percebemos no seu depoimento a preocupação da instituição e seus sujeitos estarem atuando ativamente da vida em sociedade, começando pela escola e indo além dos seus muros... E, hoje, após alguns anos de ausência, como você enxerga o CAp? Edite: Quando eu saí do CAp, fiquei um ano muito bem... depois eu me percebi triste pela ausência da convivência com meus colegas e alunos, contribuindo efetivamente com a educação. O Colégio propõe para os alunos o aprendizado a partir do que eles gostam de fazer, as proposta buscam os motivar, problematizando questões do cotidiano: não é nada forçado nem obrigado. Esse é um colégio que se diferencia por se planejar ouvindo o aluno: ele é protagonista do processo de ensino-aprendizagem. O Colégio Aplicação tem professores concursados, com compromisso com o processo de ensino, com a formação. O professor do colégio não leva a verdade fechada para sala de aula; ele leva um conteúdo sistematizado, mas também o questiona e ainda ouve o aluno, suas opiniões e reflexões. O respeito às diferenças também é forte na instituição. No Colégio de Aplicação há ainda um espaço significativo para a questão pedagógica: toda semana há uma reunião de professores por área de atuação para o planejar, o fazer pedagógico, e isso nem sempre encontrei em outros espaços educativos, em outras escolas. O CAp tem um compromisso muito forte com aluno, com a família, com o processo de ensino-aprendizagem-avaliação.
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Comissão: Qual a mensagem que você deixaria hoje para o CAp? Edite: Uma mensagem de felicitação pelo compromisso educativo que a instituição tem assumido ao longo dos seus 60 anos de história, seja em qual nível for: as pessoas que fazem a limpeza, a merenda, o orientador, o diretor da Escola, todos são responsáveis pelo processo. Também uma mensagem de respeito às diferenças: que todos que compõem a escola se tratem com muita consideração, pois ninguém é igual a ninguém. As pessoas, nas suas multiplicidades de pensamentos, credos, cores, corpos, condições sociais..., têm direitos humanos a serem garantidos.
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Eu, o CAp e a formação humana: a estudante e a professora estagiária Lais Maria Álvares Rosal Botler
Eu não queria estudar no CAp quando fiz o processo de seleção. No alto dos meus dez anos, e com certa influência da minha escola anterior, o que me importava era uma farda bonita. Meu pai, no entanto, não concordou e tomou, por mim, essa decisão que foi uma das mais acertadas da vida dele. Cheguei no CAp no dia 7 de fevereiro de 2000. Lembro que, vinda de uma escola particular, bem coloridinha, o CAp me pareceu cinza e sem graça. Só bem depois percebi que as cores de lá não estavam nas paredes, mas nas pessoas. O fato de estarmos na universidade e sem ninguém nos "vigiando" nos dava, de repente, uma liberdade ao mesmo tempo maravilhosa e assustadora. Ainda hoje me pego pensando sobre as dores e as delícias dessa liberdade que nos foi proporcionada e sempre acabo concluindo que o saldo foi positivo. Tivemos que lidar com situações talvez complexas para a nossa idade, mas todas as experiências nos trouxeram maturidade e capacidade de reflexão que não se encontram em toda esquina. Além disso, o contato instantâneo e espontâneo com tudo o que estava acontecendo na universidade era de uma riqueza enorme. Maior, inclusive, do que quando eu me tornei estudante universitária, porque acho que, no colégio, não tinha medo ou vergonha de (quase) nada. Aquela "arroganciazinha" de aluno do Aplicação que achava que podia tudo acabava nos levando a entrar onde não éramos chamados e, no fim, a aprendermos mais.
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No CAp também tínhamos a liberdade de falar e ser ouvidos. Não havia uma hierarquia clara entre professor e aluno no sentido de que nos sentíamos à vontade para nos posicionarmos em diferentes questões, independente de quem “sabe” mais ou menos. A autoridade era conquistada pelos bons professores de maneira natural, sem ser imposta. Acredito que tal liberdade e autonomia geram uma diferenciação no aluno do CAp. Crescemos sabendo que podemos (e devemos) discordar e questionar aquilo que não nos parece cem por cento correto. Já no meu primeiro ano no CAp, 5ª série, atual 6º ano, houve a primeira greve. As greves eram, na verdade, algo sobre o qual os pais ponderavam antes de decidir colocar ou não seu filho no CAp. Logo na primeira greve, dois alunos da minha turma saíram. Lembro que, no início, eu via toda essa história de greve com raiva – "por que os professores estão nos deixando sem aula?" –, mas depois de um tempo (passamos por quatro longas greves) comecei a perceber como a greve era uma questão de luta por direitos, e participei de alguns protestos ao lado dos professores. As greves também nos ensinaram a lutar pelos nossos direitos. Em um certo momento (não lembro exatamente em que ano, acho que no primeiro ano do ensino médio), descobrimos que o estatuto da escola era da época da ditadura militar e, segundo esse estatuto, entre outras coisas não tínhamos o direito de fazer manifestações sem a autorização da diretoria. Como não houve disposição para mudar o estatuto na época, organizamos nossa própria greve. Muitos alunos foram de preto, com placas que pediam direitos e liberdade de expressão. Ao final, conseguimos que o estatuto fosse, ao menos, discutido. No contexto brasileiro atual, com tudo o que está acontecendo, essa tomada de consciência do protagonismo na luta pelos próprios direitos me parece essencial.
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Ainda assim, as greves não eram momentos fáceis, tanto pela perda de amigos que saíam da escola, quanto pelo próprio conflito interno em que eu sempre pensava sobre o que estava perdendo de conteúdo escolar. A última greve durou três ou quatro meses e foi no meu segundo ano do Ensino Médio. Meus pais decidiram que eu iria para outra escola, para não me prejudicar no vestibular. Dessa vez, no entanto, eu já sabia bem o que queria, o que era bom para mim e o que o CAp tinha para me oferecer. Finquei o pé, chorei e argumentei, até que eles desistiram. Foi uma das decisões das quais não me arrependo nem um pouco. Tivemos (eu e os amigos que continuaram no CAp), então, que usar toda aquela liberdade e autonomia que nos fora dada para estudar sozinhos uma boa parte do conteúdo do vestibular. Nosso terceiro ano durou menos de seis meses, muito intensos, e felizmente a maioria dos meus colegas foi bem-sucedida. A decisão em relação ao que fazer para o vestibular também foi fortemente influenciada pela minha vivência no CAp. Inicialmente, havia optado por fazer direito, muito por influência do meu pai, advogado. Mas ao refletir sobre que profissão seguir para o resto da minha vida, busquei algo que tivesse uma ideologia mais forte, com um lado prático e de influência social maior. Além disso, buscava alguma maneira de retribuir para a sociedade o investimento que havia recebido tanto enquanto aluna do CAp quanto enquanto aluna da graduação.
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Optei, então, por fazer letras, com foco em educação, e já comecei minha graduação pensando no momento em que voltaria ao CAp como estagiária. Quando comecei o estágio, lembro como era engraçada a sensação de ver o CAp, de certa forma, ao mesmo tempo “de dentro” e “de fora”. Eu já tinha estado no lugar daqueles alunos que, agora, eram meus alunos. Tive, depois, minha última experiência “formal” no CAp, durante minha pesquisa do mestrado em Educação, em que observei uma turma de sexto ano. Nos dois momentos, pude refletir sobre meu comportamento enquanto aluna durante minha formação de professora, e sobre meu papel de professora enquanto realizava pesquisa, e acho que todo esse processo me levou a ser uma profissional mais sensível e consciente. Foi uma delícia assumir esses outros papeis no CAp e ver como o objetivo de formar professores e pesquisadores é atingido com muita qualidade. As trocas com os professores do CAp durante o estágio e a pesquisa também foram muito enriquecedoras. Aliás, a relação com os professores como um todo é algo que merece ser destacado. Sempre achei que a relação que tínhamos com os professores do CAp era única, pois ia além da relação professor-aluno, um diálogo que nos permitia crescer e nos sentirmos em casa. Pessoas com quem sabíamos que podíamos contar. Até hoje, mesmo morando fora do Brasil, tenho no CAp queridos ex-professores amigos dos quais morro de saudade. Também importantes eram as trocas com os ex-alunos, que sempre estavam lá, principalmente durante a graduação. Conhecemos alunos dez anos mais velhos que se relacionavam conosco de igual para igual, compartilhando memórias e experiências. Até hoje tenho grandes amigos do CAp que não estudaram lá na mesma época que eu.
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O que o CAp representa para mim? O Cap é grande parte de quem eu sou, mesmo dez anos depois. O CAp é família. Uma família espalhada pelos quatro cantos do mundo em que sempre podemos encontrar um pedacinho de identidade, e a garantia de ter sempre um lugar pra voltar. O CAp é memória. Memória de um tempo em que - pode ser clichê - éramos felizes e sabíamos, em que aprendemos mais do que nunca. O CAp é aprendizado. O CAp é, também, o que me faz ainda e apesar de tudo acreditar na instituição escola. Tudo isso não seria possível sem todos os que o fazem. O Cap é, principalmente, amor.
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E os alunos gostam de ler e de escrever...i Ynah Souza Nascimento Há quem discorde dessa afirmação. E até quem apresente estatísticas comprovando que os brasileiros – e aí, os jovens – não sabem ler e nem estão interessados em aprender. Muito menos em exercitar. Talvez quem desacredite no amor dos jovens pela leitura e escrita, não conheça o trabalho que se faz no Colégio de Aplicação da UFPE. Instituição em que ingressei no ano de 1984, mediante concurso público. No ano seguinte, e 1985, manifestei aos meus colegas o desejo de trabalhar sem livro didático. Que, diga-se de passagem, deixava muito a desejar. Como na época éramos obrigados a adotar o “Comunicação e Expressão” (Magda Soares), para dispensar o livro, eu precisava apresentar um projeto pedagógico que deveria ser aprovado em reunião com meus colegas da área de Comunicação e Expressão. O texto a seguir relata a experiência realizada no 6º e 7º anos (antigas 5ª e 6ª séries) com uma mesma turma que continuei acompanhando por sete anos, de 1985 a 1991.
A alegria de ser uma professora aprendizii Os professores do Colégio de Aplicação da UFPE, recebem, durante o ano letivo, os licenciandos em Letras da Faculdade de Educação dessa Universidade. Eles têm a tarefa de observar o trabalho dos professores para, posteriormente, cumprirem sua prática de aula. Não tinha experimentado a necessidade constante de ver e rever minhas decisões pedagógicas – dentro e fora de sala de aula, nem de dar aulas com tantos licenciandos sentados lá atrás da sala, anotando tudo, até suspiros... Nunca consegui compreender uma aula sem leveza, nem acreditar que
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alunos não se interessam pela aula. Talvez, por isso, abracei a ideia de propor novos caminhos para as aulas de língua portuguesa naquele ano de 1985. Naquela época, não se falava em “gêneros textuais”, nem se concebia ainda a linguagem como inter-ação. Essas ideias estavam sendo geradas ainda, principalmente lideradas pelo professor João Wanderley Geraldi (Unicamp) e seu grupo de trabalho. Ideias que mais tarde seriam divulgadas no livro “O texto na sala de aula”. Então, naquele momento, o professor de língua portuguesa geralmente agia de três maneiras: (1) Em relação à leitura – determinava qual o livro extraclasse a ser lido por toda a turma e avaliado num teste; (2) Em relação à redação – fornecia temas aos alunos ao início da aula e o aluno escrevia (ou, pelo menos, enchia trinta linhas...) a aula todaiii; (3) Em relação à gramática – apresentava fatos isolados de um contexto real de comunicação, restando ao aluno a tarefa de decorar regrasiv. Em lugar disso, resolvi propor, no meu projeto, situações reais de comunicação onde o aluno: (a) executasse a ação de ler porque sentia prazer ou necessitava da leitura para realizar outras tarefas; (b) escrevia porque queria se comunicar com alguém; (c) sistematizava as regras gramaticais que utilizava em seu desempenho linguístico. Usava, como orientação teórica, os três tipos de ensino ou abordagem da língua propostos por Halliday (1974)v: o produtivo, o prescritivo e o descritivo. O ensino produtivo da língua é um ensino de novas habilidades. Inclui... certos aspectos do ensino de língua materna, dos quais talvez os mais salientes sejam o ensino de leitura e da escrita”. O ensino prescritivo da língua é a interferência com as habilidades já existentes, tendo em vista substituir um padrão de atividades, já adquirido com sucesso, por outro, ... O conceito de “prescritivo” inclui o de “proscritivo” pois cada “faz isto” ... implica um “não faça isto”... Enquanto o ensino descritivo da língua é a demonstração do modo como a língua funciona, compreendendo falar
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de habilidades já adquiridas, sem procurar alterá-las, porém mostrando como podem ser utilizadas. (p. 260). Estes três objetivos não são mutuamente exclusivos, ... desde que sejam razoavelmente equilibrados e compreendidos seus diferentes propósitos (Halliday, 1974), e deveriam ser levados em conta na organização do material didático. O ensino produtivo deveria ocupar, segundo o autor, lugar prioritário já que na vida prática o que nos é frequentemente cobrado é a leitura e a escrita. Inclui-se nesse ensino o aprendizado das variedades de língua adequadas a diferentes situações. O ensino descritivo é o modo como a língua funciona: o aluno deve ficar exposto aos fatos da língua a fim de ordená-los, sistematizando-os.vi
Vem, vamos embora, que esperar não é fazer A primeira preocupação do licenciando que chegava à sala naquele momento era saber qual o livro didático adotado. Qual não era a sua surpresa quando constatava que os alunos trabalhavam sem manual didático. Muitos se afligiam porque estavam acostumados a ver e a sentir na pele o ensino dependente exclusivamente de um livro; o professor, por sua vez, interpretava o papel de “mero intermediário” do saber do autor do manual. Diante de uma proposta que não adotava um livro didático, os licenciandos perguntavam “como dar aulas sem o livro?” Não cabe aqui nos aprofundarmos nas causas do desespero desses licenciandos, acostumados a ver no livro o início, meio e fim do processo ensino/aprendizagem e a ver nos alunos simples receptores dos conhecimentos “intocáveis” do livro. Tentava convencê-los de que o professor deveria agir – selecionando os conteúdos relevantes e adequados aos seus objetivos e escolhendo a melhor forma de apresentar esses conteúdos a sua turma; o aluno era elemento ativo do processo ensino/aprendizagem de leitura e redação, porque sistematizava nas aulas de gramática, as regras que utiliza quando ouvia, lia, falava e escrevia.
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Quem sabe faz a hora não espera acontecer O objetivo principal do trabalho de leitura era, primeiramente, despertar no aluno o gosto pela leitura. Sem isso, o próximo passo – o hábito de realizar uma leitura crítica do material que o cerca – ficaria inviável. Não sabia bem como começar, mas resolvi tentar não reproduzir as aulas monótonas que havia vivido, como aluna, em meus tempos de escola. No início do primeiro semestre de 1985, levei uma lista com vários livros, que foram apresentados superficialmente aos alunos. Depois disso, cada um escolheu um livro, e comprometeu-se em adquirir e ler. Estava formada nossa biblioteca escolar que funcionava, primeiramente, em uma cesta de vime que ia e voltava da sala dos professores; depois, consegui um armário para a sala e os livros foram organizados nas prateleiras. Organizamos dois cadernos: um onde registrávamos o título, autor e dono do livro; outro onde registrávamos os empréstimos. A cada período, um grupo se encarregava de acompanhar os empréstimos e devoluções da biblioteca. Em março, trabalhamos com a turma, as características que poderiam ser atribuídas a um “mundo da ficção” e, em seguida, comparamos as ideias e as estruturas de contos de fada tradicionais e de contos de fadas atuais. Também em março, dividimos a turma em seis grupos e cada grupo se responsabilizou pela leitura de um título. Num dia previamente estabelecido, cada aluno trouxe de casa, cinco perguntas sobre o livro lido. Os grupos se reuniram e escolheram as cinco perguntas que melhor avaliassem a leitura do livro. Em abril e maio, a turma escolheu um título da lista que deveria ser lido por todos da turma já que o trabalho a ser realizado era um júri simulado. A turma votou na escolha dos elementos do júri: o juiz, os jurados, o advogado de defesa, o advogado de acusação e as testemunhas. O réu era um dos personagens do livro lido: o reizinho mandão
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(Ruth Rocha). No dia do julgamento, parecia festa na sala; os alunos de paletó, gravata etc... Após o veredito do juiz, pedi aos alunos que fizessem uma autoavaliação do trabalho e me apontassem as falhas da atividade – exatamente as que eu havia notado durante o trabalho... Em junho, cada grupo leu um livro. Na data marcada, os alunos trouxeram cartolina, cola, tesoura, folhas de papel, canetas coloridas, revistas e, em sala prepararam uma publicidade escrita para seu livro; contaram sua história através de figuras ou desenhos colados na cartolina. Cada grupo apresentou à turma seu trabalho e, depois, fixou no mural, a publicidade e a interpretação visual da história. Naturalmente estabeleceu-se a troca de livros entre os grupos e o resultado foi positivo – quase todos os livros foram lidos pela turma. Em setembro, cada aluno apresentou um dos livros, que passaram a ser emprestados até para colegas de outras turmas. Do mesmo modo, aconteceu com o mural em que as atividades eram expostas: tantos colegas de outras turmas vinham ler que acabei solicitando que o mural fosse instalado do lado de fora da sala, para ampliar a visibilidade. vii Tive medo, confesso. Achava que os alunos não iam ler, mas... deu certo. Todos liam e muito. Eu também pegava livros para ler e nos tornamos colegas de leitura. Outros livros se somaram à lista inicial e uma gibiteca foi formada – todo mundo tinha gibi para emprestar viii. O retorno mais significativo da experiência é que a biblioteca de classe continuou em 86 e no ano seguinte, e, até hoje, nos encontros periódicos que esses alunos organizam – e eu estou presente, é claro – é unanimidade o reconhecimento de que essa atividade com a biblioteca de classe foi significativa na vida deles.
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Conjugando o verbo escrever O objetivo principal nas aulas de escrita era eliminar – de vez – o medo e o pudor que os alunos tinham de se expor; superados esses sentimentos acreditava que ficaria mais fácil despertar-lhes o desejo de escrever. É por aí que começou nossa experiência. Como não entendemos teoria separada da prática, nem tínhamos fórmulas prontas quando iniciamos o trabalho – a teoria foi se fazendo da/na prática. A seguir o relato das atividades em sala. Trabalhamos com turmas de trinta alunos que, uma vez por semana, eram divididos em dois grupos de quinze alunos. Um grupo ficava comigo enquanto o outro tinha aula de Música ou Artes Plásticas; depois a situação se invertiaix. Dividimos o trabalho em três etapas: (1) sensibilização (em torno de 15 aulas); (2) redação dos diários imaginários (em torno de 12 aulas); e confecção dos diários (em torno de 10 aulas). Uma das atividades de sensibilização foi levar o aluno a identificar a estrutura narrativa de uma história. Para isso, dividi as páginas de um livro com os alunos, que deveriam primeiramente organizar os fatos narrados na sequência adequada, e depois preparar uma dramatização. No momento seguinte, propus que os alunos recriassem a narrativa com elementos novos. Em outra ocasião, pedimos que os alunos recriassem os diálogos de histórias em quadrinhos, e, em seguida, produzissem uma narrativa escrita empregando o discurso direto e indireto e sua respectiva pontuaçãox. Ainda na fase da sensibilização, os alunos criaram personagens imaginários. E não foi necessário distinguir como um conteúdo específico de aula o que eram descrição física e descrição psicológica; à medida em que as dúvidas surgiam, íamos falando da possível diferença em descrever. Esta atividade se repetiu várias vezes durante o primeiro semestre; muitas vezes a descrição era acompanhada de desenho.
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Todos os trabalhos foram sendo guardados em pasta e, muitas vezes, esses personagens reapareciam em outras atividades de aula. Todo material produzido pelos alunos era lido para o grupo e cada colega dava sua opinião sobre a grafia das palavras, concordância ou pontuação. Propus, muitas vezes, a troca das redações e aí muitos problemas de inadequação ao registro formal eram modificados pelos próprios colegas. Os alunos passaram a olhar a obediência às convenções ortográficas como necessidade de concretizar de forma eficiente sua comunicação; o código escrito, bem como a necessidade de sua aquisição, passou a ter significado para eles. Se o aluno queria que seus colegas compreendessem sua história, precisava seguir algumas convenções próprias da escrita. Introduzi um código de reescritura das redações – recolhia os trabalhos e, no encontro seguinte, os devolvia com os códigos propostos. O aluno, em sala, devia reescrever sua redação consultando os colegas, dicionário ou professor. Depois de tantas atividades de sensibilização, era hora de começar a produção dos diários imaginários. No reinício das aulas, em agosto, cada aluno escolheu um dos personagens criados na primeira etapa do trabalho e passou a escrever o diário desse personagem. A cada quinze dias, nos encontros de redação, os alunos liam para o grupo de seus trabalhos. Os colegas criticavam o material apresentado, sugerindo acréscimos, modificações ou correções do texto. Eu recolhia as redações e, na semana seguinte, os alunos reescreviam suas histórias a partir de um código que havíamos criado para facilitar a reescrita. Com esses momentos, os alunos puderam concluir que não há um texto pronto, definitivo – podemos (e devemos) reescrever este texto quantas vezes acharmos necessário; além disso, ficou evidente, também, que a atividade de escrever não é apenas o resultado de um dom natural. Como professora, através das páginas que iam sendo apresentadas, pude conhecer melhor meus alunos, até porque muitos dos personagens
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“criados” eram disfarce para os próprios alunos compartilharem suas ideias e sentimentos. Um dos alunos, apaixonado por uma menina da sala, “inventou” o diário da colega, e, nele, “ela” dizia estar apaixonada pelo aluno. Fui surpreendida pela estratégia inteligente de “paquerar” alguém... Durante os encontros de redação, pude constatar que alguns alunos escreviam um amontoado de frases soltas, sem mecanismos de conexão ou referência, e apresentavam esse conjunto como sendo um texto. Organizei exercícios em que reescrevíamos, com os alunos, esses tipos de textoxi; o aluno transformava dois períodos simples em um composto, lançando mão de elementos de conexão, de certos advérbios, de pronomes, de pontuação adequadaxii; o aluno, numa sequência, eliminava elementos idênticos, usando sinônimos ou elementos referenciais. Depois de tantas páginas de diário, era já hora de confeccionar os diários. Não havia computador, nem programas de edição de imagem; fotografias somente as convencionais mesmo. Então, o que utilizamos na confecção? Folhas de papel ofício, lápis hidrocor e revistas. Os textos foram escritos à mão – por decisão dos alunos, para ficar mais “real”, e ilustrado com desenhos ou com recortes de revistas. No dia 26 de novembro de 1985, fizemos a tarde de lançamentos dos livros, com a presença e apoio da TV Universitária. Mas o mais gratificante foi ouvir desses mesmos alunos, no ano seguinte: queremos continuar a escrever livros.
Eu, autor Sobre a experiência, são os alunos mesmos que avaliam: o primeiro depoimento foi no ano da experiência: 1985. Depois em 2011, ocasião em que estava preparando um livro para publicar, pedi que os alunos avaliassem de novo.
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Foi ótimo, apesar de cansativo. Para fazer era legal, podia até tá no banheiro, mas parava de tomar banho e ia fazer aquela ideia que me dava na cabeça. O mais chato que tinha era fazer a correção, mas assim mesmo valeu. Gisele Sena (1985) Sempre pergunto para meus amigos se eles lembram do primeiro e do último dia de aula de algum professor. Os amigos do Aplicação, que seguem comigo até hoje, lembram com detalhes a primeira e a última aula de Ynah. Lembramos de todas as atividades, cada peça, cada livro... Conhecimento fazia parte do nosso dia a dia e esperávamos ansiosos a novidade de cada semestre: que livro íamos ler, qual peça íamos fazer, que tema de redação iríamos desenvolver... Éramos felizes com o que aprendíamos e somos pessoas felizes hoje por causa do caminho que nos foi indicado. Assistir aula de português para nós é uma lembrança feliz e segue eterna em nossos corações. Gisele Sena, Professora da Faculdade de Engenharia de UFPE. (2011)
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Bem, no começo era meio estranho, eu não estava adaptada a este tipo de trabalho ainda. Bem, o trabalho experimental foi bem recebido por parte dos alunos. O trabalho é aconselhável a se prolongar em todas as escolas. Da minha parte só sairá Bravo! Bravo! Bravo! Tenho dito. Aline, 1985. Hoje escrevo de maneira amadora, para aliviar os meus anseios talvez. Por sorte, tive um poema publicado em uma coletânea de poetas pernambucanos. Mas aos 12 anos, aprendi o sentido das palavras e a força que elas possuem. O trabalho desenvolvido, com excelência, pela minha eterna professora Ynah, nos mostrava que a língua não era apenas um código a decifrar juntando letras, mas o importante mesmo era que depois de decifrá-lo, ele deveria nos dizer algo, e fazer com que nós tivéssemos algo a dizer. Aprender era dar sentido ao conhecimento que nos era passado, era fazer da informação um subsídio para a nossa própria expressão.
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No mínimo o que absorvemos desta experiência é nos tornarmos pessoas capazes de existir, com força de expressão, com capacidade de emitir opiniões, pensadores. E com o passar do tempo ela nos revela, a maravilha do conhecimento, misturada ao saber individual, que resulta na literal liberdade de expressão. Um grande professor talvez tenha pouca história para registrar. Sua vida se prolonga em outras vidas. Homens e mulheres assim são pilares na estrutura de nossas escolas, mais essenciais que seus tijolos e vigas e continuarão a ser centelhas e revelações nas nossas vidas.” Final do filme "O clube do imperador", quando os alunos fazem uma homenagem ao professor em um reencontro depois de 25 anos. Aline, 2011.
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Oi Ynah!! Só de ver teu email já me deu vontade de chorar!! Nossa, vai ser muito bom ver esse livro pronto e relembrar os melhores momentos das nossas vidas, onde tudo era simples e todos os amigos eram minha família - principalmente a professora! Escrever um depoimento hoje em dia é muito diferente de escrever naquele tempo! Mas vou tentar me manter fiel ao que significou pra mim naqueles momentos, sem deixar que minha visão de hoje faça a real análise da importância do seu trabalho e dedicação pra nós! Pode ter certeza, minha professora, que você fez MUITO do que somos de bom hoje, e nós nunca poderemos te dar de volta nem um milésimo do carinho, dedicação e sabedoria que recebemos de você. Me permita dizer que hoje, sendo professora, me frustra não dar aos meus alunos tudo o que você nos deu, e assim poder sentir que a missão foi cumprida! Você é meu modelo!
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Vou pensar em algo pra dizer e te passo amanhã... Mil beijos e saudades! Rita de Cássia (2011) Médica Veterinária e professora da UFRPE
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Ynah, boa noite! Saudadeeeeeessssss!!!! Nem acredito que escrevi isso hoje, rsrsrsrsrs... Lembrar do nosso passado tão lindo e construtivo foi algo maravilhoso! Assim, segue um pequeno depoimento para seus registros. Tomara que goste! Ah, não esquece de me convidar para o lançamento deste livro. Vou adorar estar lá! Beijos! (2011) Assistente Técnico III Diretoria da TV Clube Diários Associados Quando comecei a participar desta experiência proposta pela Professora Ynah, eu ainda não entendia que faria parte de algo tão grandioso e que me marcaria pela vida inteira. Apesar da pouca idade, descobri como era importante trabalhar em grupo e principalmente, compartilhar ideias e fantasias com os colegas. Lembro como se fosse hoje a resistência inicial da turma, o processo de adaptação, as leituras, as construções de textos e a dedicação desta grande professora em nos fazer entender que faríamos a diferença. E fizemos. Numa década em que internet ainda não era parte do nosso cotidiano, nós conseguimos “criticar”, de forma bem humorada, a influência da TV na sociedade da época. Me sinto muito feliz por ter participado de um projeto tão maravilhoso com uma turma tão especial. Agradeço a esta pessoa única - Ynah, que se tornou um pouco nossa mãe e ajudou a desenvolver nosso potencial enquanto pessoas e profissionais. Saudades daquele tempo...Beijos. Taciana Paranhos (2011)
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Notas finais A experiência foi divulgada em diversas ocasiões: a) Leitura: teoria e prática, ano 7, junho de 1988, nº 11. b) “(Des)venturas em não usar manual didático” - 1987 - Tópicos Educacionais - Centro de Educação da UFPE. c) “E os alunos gostam de ler e escrever”, divulgado em: d) Programas “Jornal do professor”, TV Manchete, 20/9/87. - Divulgado, no dia 16/9/87 (também no jornal local da referida TV) e) Programa “Livro didático em questão” - MEC/INEP/SEEPE - 1987. f) Trabalhos em Linguística Aplicada, nº 9, 1º semestre de l987. g) Leitura. Revista do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, nº 3, 1º semestre 88. UFAL. h) “Inovando sem utilizar manual didático”. Revista Linha Mestra 02 – Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco. i
Continuei experimentando com essa turma até o 3º ano do Ensino Médio. E este trabalho foi apresentado, pelos próprios alunos em um encontro pedagógico promovido pelo Colégio de Aplicação. Eles arrasaram... Se eu tivesse sido professora apenas desses alunos já teria valido a pena a experiência de ser professora...
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Essa é uma das razões que explicam os textos confusos e inteligíveis de muitos alunos do Ensino Médio.
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Interessante a proposta de Sírio Possenti em seu livro “Porque (não) ensinar gramática na escola”, São Paulo, Mercado de Letras, 1996.
iv
HALLIDAY, M.A.K., MCINTOSH, A. & STREVENS, P. As ciências linguísticas e o ensino de línguas. Petrópolis: Vozes, 1974.
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Após finalizar a experiência na 5ª e 6ª série, na maior “cara-de-pau”, enviei esse texto para o professor João Wanderley Geraldi, da Unicamp, pedindo que ele avaliasse o que eu andava fazendo. Eu não o conhecia, apenas havia lido alguns textos seus. Foi uma agradável surpresa receber seus comentários e o convite para divulgar a experiência na revista Leitura: teoria e prática, publicada pela Associação de Leitura do Brasil. vi
vii As famílias dos alunos também liam os livros. Uma das mães – Sonia Senna, autora do livro “O frevo de 15 anos”, Scipione – havia ganhado um concurso literário de crônicas
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promovido pela Prefeitura do Recife, esteve em uma das aulas para falar da experiência de ser autora. Hoje, se repetisse a experiência, incluiria outros materiais à lista de livros que, na época, limitou-se ao literário. viii
Essa era uma prática usual no Colégio de Aplicação, assim como as aulas de Comunicação e Expressão, encontro semanal que reunia em cada uma das turmas de 5ª a 8ª série os professores de Português, Artes Plásticas e Música. Vários projetos eram aí desenvolvidos. Aprendi muito com a professora Cirinéa Amaral (professora de Música, artista, compositora de frevos e outras coisas mais) e com o professor de Artes Inaldo Medeiros cujas aulas nas Igrejas Históricas de Igarassu, Capela Dourada e Teatro Santa Isabel – entre outros lugares que visitamos com os alunos – ficaram para sempre na minha vida. Obrigada.
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Outra experiência semelhante a essa é criar a história com ilustrações tiradas de revistas; ou, em uma fase mais tecnológica, usar um dos programas disponíveis no mercado para criação de histórias em quadrinhos – O turma da Mônica é um deles. Para quem não tem acesso a esses programas, mas possui o processador de textos Word, pode trabalhar com inserir arquivos de figuras do Clipart e AutoFormas.
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Não dei aulas expositivas de ortografia, acentuação, pontuação ou grafia. Tudo era trabalhado na reescritura dos textos. Para quem quer estudar um pouco mais sobre as atividades de escrita e reescrita, consultar o livro “Como se corrige redação na escola”, Eliana Ruiz, Mercado de Letras, 2001.
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xii Naquela época, utilizei muito do que propõe Othon Garcia, no seu livro “Comunicação em Prosa Moderna”. Hoje, com os avanços nas pesquisas da linguística textual, há muito material disponível para quem pretende construir atividades nessa linha de reescrita, como, por exemplo, os trabalhos da professora Ingedore G. Villaça Koch. Vale a pena ler o seu artigo “Uma visão argumentativa da gramática: os operadores argumentativos”, publicado em “Argumentação e linguagem”, Cortez Editora, 2002. Há, também, o já clássico “Redação e textualidade”, de Maria da Graça Costa Val, Martins Fontes, 1999. Na época outro livro que me ajudou a incorporar outras concepções a respeito dos aspectos rítmicos da pontuação foi o livro “O ritmo da escrita; uma organização do heterogêneo da linguagem”, de Lourenço Chacon, Editora Martins Fontes.
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O CAp em nossas vidas
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O CAp em nossas vidas Ana Paula Silveira Paim Camila Paim Figueiredo
Antes de mais nada gostaríamos de explicar ao leitor que foi necessário uma dose extra de coragem para escrevermos sobre o Colégio de Aplicação (CAp), uma instituição de ensino que gostamos muito e que este ano comemora 60 anos. A paixão pelo CAp, como é carinhosamente conhecido pelos estudantes, professores, funcionários e pais, nasceu desde que viemos morar em Recife, em 2005. Até então nunca havíamos ouvido nenhum comentário sobre o CAp. Ao passar na frente do colégio, víamos os jovens conversando, brincando, sorrindo, sem o rígido controle de porteiros e seguranças, comuns em outros colégios, o que nos chamou atenção, havia ali algo de diferente. O comentário que se ouvia na cidade, sempre exaltava sua excelência no ensino, pois formava não só bons profissionais, como também preparava os jovens para a vida adulta. A partir de então, começamos a admirá-lo e o transformamos num objetivo a ser conquistado. Em 2012, iniciamos nossa convivência com o colégio de portas abertas. Foram muitas as novidades e as adaptações que tivemos que passar, além de horários distintos dos que estávamos habituadas, eram vários professores com diferentes metodologias, colegas de diversas regiões de Recife, festinhas para se conhecerem, participação em olimpíadas de várias áreas, doação de computador do “Projeto Um Computador por Aluno (UCA)”, enfim, uma agradável convivência.
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Pensar que com o filme “Procurando Nemo”, o professor aborda conteúdo de Geografia; na aula de Português se discute atitudes machistas de indivíduos do sexo masculino e feminino, assim como se discute gênero, política, relações pessoais, enfim todas estas abordagens são características de um ensino voltado para o indivíduo. Debates que trouxeram uma nova visão de mundo, em que não somente os professores ensinavam, mas também aprendiam com os alunos. A necessidade de questionar e criar indivíduos pensantes, que analisam os problemas ao nosso redor de maneira crítica e sabem argumentar sobre eles. Além de oportunidades extraclasse, como trabalhar como monitor ainda no ensino fundamental; participar da 65ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) realizada em Recife; participar do Programa de Iniciação Científica do Ensino Médio (PIBIC-EM); realizar viagem com a turma para trabalhar a matroginástica com crianças no interior do estado; estudar a geografia da cidade de Garanhuns e Triunfo, entre outras experiências que marcaram a passagem pelo CAp. Por outro lado, ficar 3 ou 4 meses sem aulas porque não houve acordo entre professores e governo e foi instaurada a greve, não é uma situação muito confortável para adolescentes cheios de energia e no auge do aprendizado. A paralização do colégio por tão longo tempo, leva muitos estudantes a buscarem instituições de ensino particulares. Muitas delas até oferecem bolsa integral para os estudantes e alguns não resistem e aceitam, deixando o CAp para trás, mas mantendo as amizades. Mas o CAp tem seu diferencial. No decorrer dos anos, os estudantes desenvolvem o espírito crítico na forma de pensar e agir. Aprendem a ser tolerantes com as diferenças e respeitam as escolhas do próximo. São estudantes privilegiados, convivem praticamente durante 7 anos com os mesmos colegas e professores. O colégio se torna pequeno para esses indivíduos que querem evoluir e crescer, mas não deixam
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de curtir suas festas, baladas, praias, piscinas, shows, “rolês”, viagens etc. Os estudantes também vivem sua adolescência como indivíduos normais que são. Entretanto, não se pode dizer que no CAp existe a perfeição, pelo contrário, algumas falhas são detectadas e outras não. Outras, por maiores que sejam os esforços, nunca serão resolvidas, afinal de contas estamos falando de um sistema público de ensino. Desta forma, muitos estudantes buscam cursinhos para suprir algumas lacunas deixadas em algumas disciplinas e também para fixar os conhecimentos em outras. A refrigeração das salas muitas vezes é falha e a parte estrutural também sofre, no entanto, a Associação de Pais dos Alunos do CAp (APAC) busca solucionar os problemas que são difíceis de serem solucionados pela direção do colégio. Mas todos amam o colégio, os que estudam, os que já estudaram e os que pretendem estudar um dia. É um local onde se passa grande parte da vida e se tem uma boa convivência com grande parte dos colegas. São amores e desamores que serão levados para o resto da vida, são momentos inesquecíveis que para muitos são vividos, são recordados ou são almejados com muito orgulho e carinho. Embora não se trate de um colégio perfeito, é o nosso querido CAp que continua com as portas abertas e sentimos saudades desde já.
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Uma escola diferente Giovanni Christian Nunes Campos Introdução O presente relato pessoal é uma coletânea de experiências que vivi junto com minha família a partir do acesso de minha filha Laura ao Colégio de Aplicação em fins de 2008. O texto está estruturado em ordem cronológica, quando busquei rememorar os fatos mais marcantes de sua vida escolar, começando na Quinta Série do Ensino Fundamental até o Terceiro Ano do Ensino Médio. Resolvi submeter o presente texto à apreciação da Comissão do Livro “Homenagem aos 60 anos do Colégio de Aplicação da UFPE”, e representa uma singela homenagem que traduz meu respeito, carinho e admiração por todos que fazem o Colégio de Aplicação (CAp) do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco.
A seleção e a matrícula Tenho duas filhas e, nos idos de 2008, minha filha mais velha, Laura, estava para concluir o chamado primeiro grau menor (4ª série de então). Morávamos em Boa Viagem, do outro lado da cidade, considerando a localização geográfica do CAp. Como sou um antigo aluno da Faculdade de Engenharia da Universidade Federal de Pernambuco e conhecia de há muito o CAp, mesmo considerando a distância de minha casa ao Colégio, decidi inscrever minha filha na seleção anual. Sabia que haveria uma concorrência feroz e que existia os cursinhos para o famoso “Vestibulinho” do Aplicação. Quando decidi submetê-la a prova em fins de 2008, não havia mais tempo para cursinhos, somente
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restando ir para a prova com a cara e a coragem. Em todo caso, achei por bem baixar as provas dos anos anteriores que constavam na internet e pedi para minha filha Laura fazê-las. Corrigi as provas, vi que ela se saiu muito bem e passei a pensar que ela tinha uma chance razoável de aprovação. A prova ocorreu em um dia de domingo de novembro de 2008, no campus da UFPE, tantas vezes no passado por mim frequentado. Vi uma cena inesquecível. Do nada, apareceram 2.000 crianças de uns 11 anos, em uma cena belíssima. Nunca tinha visto tantos meninos e meninas da mesma idade juntos. Gravei no fundo da minha memória aquela belíssima cena e nunca mais a esqueci. Estive outras vezes no Campus, em seleções subsequentes, somente para ver aquela cena. Para felicidade de minha filha e nossa, ela logrou aprovação (ficou entre os últimos colocados, mas, considerando a falta de preparação específica, foi muito bem). E aí surgiu um incidente novo, que precisava ser superado. Minha esposa e mãe da Laura começou a ponderar que o Colégio ficava muito longe, era aberto para o campus, sem o tradicional controle das escolas particulares. Daí começou a conversar com outras mães, as quais começaram a colocar outros problemas, como as frequentes greves do sistema federal de ensino. Começou então a esvanecer-se a ideia de ir para o Aplicação. Porém não se podia abandonar uma conquista dessas, sem luta. E a menina disse que queria ir. Confesso que preocupado fiquei, mas já que tínhamos inventado essa história, iríamos até o final. Depois de muita hesitação, fomos para a matrícula, feita no auditório do CAp. Nesse dia, minha esposa estava muito preocupada, pois o passo na direção do Aplicação tinha sido dado, e as dúvidas, mormente de segurança, continuavam a existir. No Auditório, o Diretor do CAp, Prof. José Carlos, fez um discurso, explicando como funcionava o Colégio, e cravou: “Trata-se de uma escola pública, ressalto, pública, ou seja, não tem guardas na portaria para impedir os alunos de irem para o Campus. Cabem a vocês, pais, orientarem seus filhos, para somente saírem 98
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em grupo de Colegas, com fardas, pois serão identificados por toda a comunidade acadêmica”. Essa fala do Diretor caiu como um raio em cima de minha esposa, que me olhou e fuzilou: “Não disse: aqui não há segurança. Se acontecer alguma coisa com Laura, você morre”. Ora, fiz que não era comigo, pois já tínhamos atravessado nosso pequeno Rubicão. Cuidei na saída de conversar com outros pais e com pessoas que faziam condução de Boa Viagem para o CAp. Aí encontrei a mãe de um garoto, Eulina, que virou nossa amiga e o garoto o melhor amigo de minha filha. Logo encontrei o Sr. Naldo, cuidadoso motorista, que, além da firmeza e do cuidado com as crianças, caracterizava-se por ser absolutamente monossilábico e que falava um português ininteligível. Apesar disso, prestou-nos excelente serviço por diversos anos. Naquela oportunidade, soube que a Laura teria como língua estrangeira o francês, o que me agradou, pois a menina já estudava o inglês em escola de idioma perto de casa, ou seja, passaria a ter contato com duas línguas estrangeiras.
O primeiro ano Iniciava-se nossa (melhor dizendo, dela) jornada no Aplicação. De uma Escola de classe média na zona sul do Recife, a menina passou a frequentar uma Escola Pública da zona oeste, com colegas de todas as partes da cidade. Originalmente, pensei que haveria uma maior heterogeneidade socioeconômica, o que, acreditava, seria bom para minha filha. Se não teve a heterogeneidade que imaginei, não era também tão homogênea como a escola particular que ela frequentara. Ademais, ponto positivo, havia meninas e meninos da cidade inteira, ou seja, o mundo dela não mais seria o bairro de Boa Viagem. De pronto, a Laura foi firmemente testada. Explico.
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A condução escolar tinha um roteiro geográfico na zona sul, e ela ficou no início do roteiro, ou seja, a condução passava na minha casa às 05h15min. Pensei comigo: a menina não aguentará dois meses. Ora, passou o ano inteiro acordando, sozinha, às 04h30min, saindo para pegar o elevador e a condução na hora aprazada, sempre acompanhada da mãe, sem nunca faltar uma aula. Vi que não conhecia direito minha filha. O Colégio era diferente, não havia dúvidas. Não havia notas, mas conceitos. Recebíamos relatórios periódicos e éramos chamados para reuniões no Colégio. Muitos pais iam nessas reuniões (eu, confesso, fui a poucas). Havia uma semana pedagógica, periódica, na qual não havia aula, quando os professores se reuniam para avaliação dos alunos, com a presença de um representante dos discentes. Havia até um jornal, chamado CApital. Os professores tinham elevada formação. Havia incentivo para participação em olimpíadas de matemática, física, química, informática. Havia armários para os alunos, em dupla, coisa que a menina adorou (disse-me que parecia aquelas escolas norte-americanas, dos filmes). Os alunos almoçavam no Colégio. E mãe da menina, um dia, fez questão de ir ao Colégio e lá almoçar. E aprovou a comida. Disse que era muito boa e que a menina reclamava de barriga cheia (a menina não era muito fã da comida do Colégio). Nesse cadinho meio esquisito, diferente, minha menina começou a mudar. De início, obediente, tranquila e estudiosa. Repreendida, baixava os olhos em sinal de timidez, medo e respeito. Isso me preocupava, pois achava a menina pouco assertiva, diria, até medrosa. Eis que um dia, no segundo semestre, repreendida pela mãe, a menina enfrentou a mãe, argumentado e olhando-a nos olhos. A mãe se assombrou e não gostou. Culpou o Colégio. No Colégio, a menina continuava excelente aluna, mas havia outros excelentes alunos também. E passou a dividir a atenção dos professores com os demais alunos. Havia uma professora de matemática que menina
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adorava, chamada Lúcia Durão. Porém Lúcia, na visão dela, não lhe dava a atenção devida e merecida. E ela reclamava de Lúcia, dizendo que a professora não dava bola para o esforço de uma aluna como ela (fez as pazes com Lúcia uns dois anos mais tarde). E aí acabou o primeiro ano muito bem, tendo feito uma roda de amigas e amigos que cultiva até hoje.
Os demais anos do ensino fundamental Como a Providência Divina tende a bafejar os que cedo madrugam, o roteiro da condução foi alterado e ela passou para o fim do roteiro logo no início da Sexta Série, a implicar que a condução passava agora na minha casa às 06h25min. E foi assim o resto dos anos, até o ensino médio, ou seja, a vida da menina ficou mais tranquila. Na Sexta Série, a menina apareceu com uma novidade em casa. Disse que iria fazer medicina e que iria estudar na Universidade de São Paulo (USP). Não sei de onde ela tirou essa ideia, porém achei que aquilo seria um devaneio da pequena idade. E o Colégio continuava a nos desafiar, em múltiplos aspectos. Se havia a comemoração do dia dos índios, aparecia no Colégio um professor da Universidade de Antropologia e levava lá alunos que eram indígenas. Ora, a menina somente tinha visto índios na televisão. Se havia eleições, iam candidatos para debates no auditório do CAp. Certa feita, apesar de assustada com a assertividade de uma candidata, chegou em casa me questionando sobre o sentido do slogan do partido dela: “Contra burguês, vote 16”. Outro aspecto que chamava atenção era os seguidos passeios acadêmicos no ônibus do CAp. Iam a muitos e diferentes lugares. Esses dias eram sempre de festa. A menina também começou a desbravar o campus da UFPE. Um dia ia na Informática, outro na Medicina e ia até no mal afamado laguinho.
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Logo começou, com os Colegas, a partir da Sexta Série, a almoçar na cantina e depois em lugares que outrora eu conhecia e que já estavam perdidos na minha memória: RU, restaurante do CAC e um restaurante do prédio do CFCH com nome muito sugestivo: Chef Platão. Este último foi o restaurante que ela mais frequentou e que somos gratos, pois nunca teve qualquer incômodo alimentar. Outros aspectos interessantes foram que começamos a receber em nossa casa as amigas da Laura, que moravam nos múltiplos bairros da cidade. E passamos a frequentar com ela outros bairros, nas casas das Colegas (e dos Colegas). Na Sétima Série houve uma greve que demorou uns dois meses. Como fui aluno da UFPE, não me preocupei, pois as greves são como chuvas de verão: vão e vem, sem deixar maiores consequências acadêmicas. Como demorava a retornar as aulas, coloquei transitoriamente a menina na escola em que a irmã dela estudava. A Laura estranhou os controles, o jeito das colegas e ficou ansiando pela volta ao CAp. Logo a greve acabou, os alunos voltaram, e o segundo semestre findou-se em fevereiro do ano subsequente, sem maiores consequências. Porém, na Sétima Série ainda houve um interessante evento. A menina ganhou a medalha de ouro da Olimpíada de Matemática das Escolas Públicas – OBMEP (durante o ensino fundamental e médio ganhou outras medalhas) e iria receber essa medalha no Rio de Janeiro. E veio a Oitava Série e o fim do ensino fundamental. Nessa altura, a menina estava muito bem no Colégio, continuava falando que ia estudar em São Paulo, tinha um sólido grupo de amigas e amigos e se sentia a verdadeira universitária. Em mais de uma vez, traía-se no discurso, afirmando que, “nós, da universidade”, o que sempre era motivo de gracejo de minha parte, pois sequer tinha terminado o ensino fundamental. Em todo caso, não se pode negar, estudar como aluno de ensino fundamental e médio em um ambiente universitário faz o aluno se sentir como parte do sistema universitário, e minha filha ia nessa trilha.
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E, no primeiro semestre da Oitava Série, a menina foi receber a medalha de ouro da OBMEP das mãos da Presidente da República, no Rio de Janeiro. Foi um evento que coroou o ensino médio.
O ensino médio e o vestibular/Enem No ensino médio era comum que os alunos de Boa Viagem fossem de ônibus, no famoso CDU-Caxangá-Boa Viagem, abandonando a condução privada. E a menina veio com essa conversa. Porém demonstramos que a condução particular era muito prática e não havia necessidade, nesse momento, do transporte público. Não sem algum esforço, convenci-a. A entrada no ensino médio implicou na preocupação com o vestibular e com o recém-estruturado ENEM (e depois o SISU). A menina dizia que os professores não estavam preocupados com o ENEM e que o foco do Colégio não era o vestibular. Exasperava-se com isso. E continuava dizendo que ia fazer medicina na USP. Para acalmá-la, comecei a matriculá-la em cursinhos. Já no primeiro ano, em um cursinho de português. Nos anos posteriores, em múltiplos cursinhos, o que fez ganhar uma alcunha lá em casa: “a Rainha dos cursinhos”. A despeito dos cursinhos, continuava bem em sua vida acadêmica no Aplicação, participando dos festivais de arte e das demais atividades do Colégio. Terminou o Primeiro Ano fazendo o Seriado da UPE e foi a primeira em nota entre os alunos do Aplicação. Estava empolgada e satisfeita. E, no final desse ano, um Colega mais velho passou em Medicina na USP e foi para São Paulo. O sonho dela agora tinha precedente. Talvez fosse viável. Só o futuro diria. A despeito de continuar indo de condução, a partir do Segundo Ano começou a andar de ônibus de linha e descobriu um outro mundo, dos cursinhos, no bairro da Boa Vista. Disse-me que tinha conhecido inclusive uma outra cidade. E começou a fazer o percurso CDU-Caxangá-Boa
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Viagem, com seu inseparável VEM (passe estudantil). Um VEM dá uma liberdade inimaginável, dizia-me ela. Vez por outra a pegava em outros bairros da cidade, com os Colegas, almoçando ou visitando um Shopping. Nessas idas e vidas de VEM, teve um preocupante contratempo no trecho Cidade Universitária-Boa Viagem, quando foi assaltada (e os passageiros do ônibus inteiro) ali no Jiquiá. Chegou em casa calada e entrou sem nada dizer. Porém, pouco antes, alguém tinha encontrado a carteira dela e me telefonado. Queria negar o incidente, para evitar alguma restrição em sua mobilidade, mas o evento estava desnudado. Nada fizemos, salvo ir no dia seguinte na Delegacia de Jardim São Paulo pegar os documentos. E a vida seguiu sem outros eventos da espécie. E, no final do Segundo Ano, outro Colega passou em medicina na USP. Agora havia dois precedentes. Veio o Terceiro Ano e o tão temido ENEM. E a menina continuava afirmando que iria estudar na USP. Fiz a inscrição no ENEM, depois na FUVEST e aguardei o que viria. Em termos acadêmicos no Aplicação, o Terceiro Ano foi marcado pela produção do Quimicurta. Um grupo de meninas e meninos passou meses fazendo um curta-metragem, utilizando meus paletós e gravatas, com locação em minha casa. Afinal, o Curta foi exibido no Cinema da Rosa e Silva, para orgulho de todos. Voltemos a ideia da menina de ir para São Paulo. A mãe da menina exasperava desde sempre com essa ideia de ela estudar em São Paulo. Era longe, perigoso e não havia necessidade, falava a mãe. Podia permanecer no Recife e, no futuro, em uma pós-graduação, iria para São Paulo. Não agora. De forma nenhuma. De jeito nenhum. Só por cima do cadáver dela. E ai quem dissesse alguma coisa em contrário. Veio o ENEM, a FUVEST e o Seriado da UPE, e a menina passou em Medicina na Federal e na UPE (até recebi um telefonema do Reitor da UPE, pois a menina tinha sido a segunda colocada geral e haveria uma
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cerimônia, a qual, infelizmente, não participamos, pois estávamos em férias fora do Estado). Como o resultado da FUVEST somente saia em fins de janeiro, desde logo ela escolheu a UFPE e fez a matrícula toda satisfeita. Na sequência, houve a viagem da Turma para comemoração do término do ensino médio, no final do mês de janeiro/2016, quando foram para a Chapada Diamantina na Bahia. E lá ficaram uma semana, com pouco contato. E saiu o resultado da FUVEST. A menina passou em medicina na USP e soube da notícia na Chapada. De lá ligou-me aos prantos e disse que ia para São Paulo. Falei que esse assunto ela deveria resolver com a mãe dela. E a menina desembarcou, dobrou a mãe e foi para São Paulo, atravessando o seu segundo Rubicão.
Conclusão Os sete anos em que minha filha estudou no Aplicação foram de muito aprendizado para ela e para nós. Passados esses anos, ficou a certeza da escolha da melhor Escola, plural, pública, em que os Professores têm um alto grau de comprometimento. Somos devedores, ela e eu, da Universidade Federal de Pernambuco. Eu, pela minha própria formação acadêmica: ela, pela oportunidade do Aplicação, que se mostrou uma Escola aberta, inovadora, que permitiu a minha filha alcançar o que de melhor se pode obter em uma formação acadêmica: a construção de uma verdadeira cidadã, para o Brasil e, também, para o mundo.
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Uma atualização de minhas memórias Flávia Maria Ferrário de Carvalho Quando cheguei à Nunes Machado, era assim que chamávamos o colégio de Aplicação, tive a sensação de que havia chegado num mundo tão novo e com tantas possibilidades que por um breve momento meu cérebro fritou! Ali eu iria realizar e me meter em todas as confusões em que eu pudesse pensar, claro que com a devida discrição. - Vamos à padaria comer sonho ou vamos à Igreja para Deus ajudar no fim do ano? – Vamos à Católica? Era imaginação inocente e sem a malícia da Cidade Universitária. Projetos, tivemos muitos, como as “72h de Artes”, numa reprodução da Semana de Arte Moderna, ou infernizar a vida de Simão; até hoje não sei como Alvinho não conseguiu matá-lo em plena sala de aula com seu apagador voador; vim a saber depois que o autor de tal proeza não tinha sido ele, mas a fama permaneceu. Admirar como Myrtha dava aula, com uma sensibilidade que só ela possuía, e nos fazia, através de seus licenciandos, respeitar os diferentes e dar oportunidade àqueles com pouco conteúdo, embora ás vezes, gargalhássemos muito de seus erros tão banais. Rubem Franca e sua Marseillaise, nos ensinou que toda vez que cantamos um hino estrangeiro devemos cantar em seguida o nacional; que você consegue ir de Pernambuco à Bahia andando, basta atravessar a ponte entre Petrolina e Juazeiro. Mas o melhor sempre foi José Ramos que com sua dificuldade de pronunciar o R, sempre mandava Fravia briar no quadro e Crovis ir para sala de Artes Prástica. Aprendi com D. Terezinha o que nenhum professor deve fazer e nenhum aluno deve aceitar: ficar calado e ver seus colegas sendo ridicularizados por ganhar bicicletas e carros, numa analogia aos zeros tirados, ser chamados de burro ou quando, no fim da etapa tínhamos que fazer uma autoavaliação e na 107
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nossa mente seria um R ou um B, e ela vinha: - você não merece mais que um S ou D. Com Benedito, Elcio, Clifford, Inaldo, Clara, Alba, Sebastião as aulas eram muito mais amenas e engraçadas do que impactantes. Mas nos deixaram um sentimento. À exceção de Sebastião, que com sua eterna soberba conseguia em todas suas aulas levar um puxão de orelhas dos meninos, mais sabidos em Física do que nós meninas, e também mais atrevidos. Nossa despedida do ginásio foi no mínimo surreal... passamos dois dias na Praia dos Carneiros, um convite de D. Marilu do SOE, e entre brincadeiras, chocolates e duas horas de um carão interminável, sobrevivemos a mais esta experiência. Tivemos uma grande ajuda dos meninos, e voltamos com uma felicidade indescritível e o sentimento de que éramos imbatíveis! Quando saímos do 1º andar e fomos para o colegial foi um momento único pois já não sentíamos inveja de ninguém, o corredor era nosso e as travessuras também: - Aprígio tá chegando, vamos fazer uma montanha de cadeiras e esperá-lo. Ele chegou e não gostou: – Vou chamar Augusto, nosso diretor, que por ter tido paralisia infantil tinha dificuldade em se locomover e dava tempo de as bancas estarem arrumadas e Aprígio ficar com cara de paisagem. Brincadeiras bobas e infantis mas como nos divertia aquilo... Lá só pensávamos em burlar as regras e iniciar nossas vidas amorosas com ou sem Opalão. A Cidade Universitária foi um momento diferente de nossas vidas, separações e perdas fizeram parte do nosso cotidiano. As brincadeiras deixaram de ser tão inocentes e passamos a ter a crueldade do adolescente. Nessa época nossa turma criou o que ficou conhecido como uma espécie de faixa de Gaza; uma classe duas turmas e muitos dramas pois não havia neutralidade ou você fazia parte uma turma ou da outra. Amigos foram separados... hoje vejo como foi duro e tão infantil. Passamos quase 1 ano sem desfrutar da companhia uns dos outros, quanto tempo perdido!!! Mas 40 anos depois tivemos nossa
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segunda chance e espero não desperdiçá-la. Foi na Cidade Universitária que decidi que a Medicina estava completamente fora dos meus planos futuros. Eu e alguns amigos resolvemos fazer uma excursão, como sempre fizemos pois íamos a todos os centros que queríamos, para ver uma autopsia. Nessa época nos era proibido de entrar nesta sala então resolvemos ver pela fresta da porta o que acontecia lá dentro. Foi quando do nada o médico jogou água para nos dispersar e chegamos à conclusão que era mijo de cadáver, como se cadáver fizesse xixi! Só nos acalmamos quando o diretor conversou com a gente e nos mostrou o ridículo da situação. A Educação Física que não fazíamos na Nunes Machado, este privilégio era dos meninos bons de bola e de piscina, enfim chegou, e com ela o vôlei... e como joguei, parecia que tinha 1m90, quando na verdade nem chegava a 1m60. Este detalhe passou a não ter significado nem as derrotas por 15X0. O importante era jogar! Fizemos também boas ações como plantar uma árvore num terreno tão seco que até hoje não sei se ela existe. Por conta desses momentos, lagartos subiram pelas pernas e bombas deixaram de estourar mas para evitar qualquer represália de Augusto fazíamos fila indiana e cantávamos assim como cantamos todo 3º médio nas mesas do laboratório que era nossa sala. Os anos passados no CAp foram um enorme aprendizado em todos os sentidos, principalmente no afetivo. E atualizar estas memórias é estimulante e dolorido. Sempre me pergunto se poderia ter sido melhor, se faria algo diferente ou se tentaria ser diferente mas como Graciliano Ramos, em São Bernardo, faria tudo exatamente igual. Esta é a beleza da vida!
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A folha de papel
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A folha de papel Bruna Estima Borba
A imaginação sempre transbordara em mim, sobrando sobre a realidade. Sentada na sala de aula do primeiro ano ginasial do Colégio de Aplicação no Recife olhava de dentro de meus confusos pensamentos para o quadro que, naquele tempo, era negro riscado a giz. O professor, e eu própria, nos esforçávamos para dar andamento ao aprendizado. Ele procurando ensinar da forma mais clara possível, eu tentando acompanhar suas palavras e seguir seu raciocínio. Àquela época, então com dez anos, vivia atordoada em meio a um mundo em que pessoas reais se confundiam com personagens idealizados, fatos efetivamente ocorridos misturavam-se a acontecimentos imaginados, o que já me rendera muitas repreensões. Afinal, minha mania de inventar exasperava e perturbava a mim e a todos à minha volta. As recordações que tenho se iniciam aos seis anos, quando comecei a discernir claramente a realidade da fantasia e a conscientemente perceber que criava acontecimentos e personagens que não existiam. Se uma vizinha perguntava por minha mãe, que estava muito normalmente sentada na sala, logo me vinha o irresistível impulso de dizer que ela não poderia atender naquele momento, pois precisara subir no telhado para salvar uns gatinhos. Quando a vizinha, espantada, perguntava como ela subira, lá ia eu - ladeira abaixo nas inverdades e ladeira acima na imaginação - contando que ela encontrara vários
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tijolos esquecidos no quintal e os usara como escada. Diante do ar incrédulo daquela senhora, eu emendava em uma verdadeira compulsão criativa: sabe de onde vieram esses tijolos? Da casa arruinada de meu bisavô, que possuía coelhos. Mas não eram coelhos normais, eram coelhos cor de violeta, com olhos bem brancos e que eram criados para competir em corridas de coelhos. E assim prosseguiria eu se a vizinha, percebendo o caos em que se encontrava, não tivesse se despedido, não sem antes me dizer: preciso urgentemente conversar com sua mãe. E a isso se seguiria mais uma longa preleção materna sobre o erro de meu comportamento, acompanhada de uns momentos de castigo, no quarto, para “pensar no que tinha feito, se arrepender e não fazer mais”. Mas no quarto eu já me pegava, olhos fechados, completando a estorinha: os coelhos eram cor de violeta porque só comiam beterraba, o que fazia muito bem para a saúde, razão pela qual meu bisavô havia ganho a competição mundial de corridas de coelhos e recebera uma linda medalha de ouro. Então abria os olhos e, como não existia medalha alguma, tratava de desenhá-la ao lado de um coelho cor de violeta. E assim passavam o tempo e o castigo. Se íamos fazer uma visita, logo que chegávamos de volta em casa dizia a minha irmã: viu o que eles têm no subsolo? Um jardim onde vivem centenas de borboletas, de todas as cores. Minha irmã, que evidentemente sabia ser aquilo tudo uma grande invenção mas, sendo boníssima e muito reticente em desapontar as pessoas, dizia apenas:
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- Conte, qual a borboleta mais bonita? E lá ia eu em mais uma sessão de devaneios. Aos dez anos, já no CAp, aprendera sobre a inconveniência dessas mentiras, ainda que brandas e facilmente identificáveis. Um dia meu pai logo após eu haver inventado que minha avó (que era viúva há anos) havia se casado com um senhor muito bonito durante a missa a que havíamos assistido pela manhã, dando-lhe inclusive um nome e uma profissão, tudo isso em resposta à sua pergunta sobre vovó - sentou-se diante de mim, com um rosto que me pareceu bastante preocupado e disse:
- Quando as pessoas perguntam algo a você, têm a expectativa de que fale a verdade. Não as decepcione. Senti o peso de desagradar meu pai e isso foi suficiente para que calasse minha imaginação, embora nem eu, nem ele, e acredito que ninguém, pudessem evitar que o rumo de meus pensamentos saísse, tal qual a fumaça sai pela chaminé e a água se esvai pelo furo na mangueira, a passear por mundos que existiam unicamente em minha mente. Um dia, ainda sentada na sala de aula do primeiro ano do ginásio, ouvi quando a professora de português disse:
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- Hoje vamos escrever. E nos deixou livres para contar qualquer coisa que quiséssemos, da forma por nós escolhida: ficção ou realidade, prosa ou poesia. Lembro que escrevi uma poesia bem pequenina, que falava de um pássaro preso em uma gaiola de vidro e que, por seu cantar muito belo, condenado estava ao confinamento para deleite de seus donos. Que um dia, por ter-se a tristeza da prisão acumulado em seu coração, cantou alto e mais alto, fazendo despedaçarem-se as partes da gaiola que rompeu em mil pedaços, libertando-o da servidão. Escrevi a poesia tentando cuidar da métrica e da rima. Como não sabia ainda que no número fixo de sílabas não se contavam as junções de vogais nem a última sílaba, devo ter feito um péssimo trabalho, mesmo porque lembro perfeitamente que todos os versos terminavam em ão: coração, perdão, libertação, cordão, prisão, salvação, paixão, servidão... numa infame combinação, devo confessar. Ainda assim a professora disse:
- Muito bem. O elogio foi importante, é claro, especialmente por ter vindo de uma professora por mim muito querida, D. Lígia, e que só seria superada em estima alguns anos depois por outra professora, igualmente de português, D. Myrtha.
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Todavia, o que tornou aquele momento inesquecível foi a sensação de paz que foi-me chegando enquanto, sob um olhar aprovador, ia escrevendo e desnudando a tênue linha que separava minha realidade de minha imaginação. À medida em que escrevia a poesia, fui compreendendo o grande significado daquela folha de papel em minha vida. Uma súbita felicidade tomou conta de mim, pois libertava-se minha imaginação que agora podia ir habitar, sem qualquer compromisso com a realidade, as folhas de papel.
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O significado de ser do Colégio de Aplicação (CAp) Paulo Jorge Leitão Adeodato Este texto, meio piegas, diga-se de passagem, começa com um título inspirado no da redação reinstituída pela COVEST no exame vestibular do ano de 1977, quando deixamos o CAp: “O significado do natal”. Antes de uma visão crítica, típica de um CApiano, este relato passa a percepção saudosista e positiva do Colégio de Aplicação. No túnel do tempo, voltei a 1971, na época do “milagre econômico” da ditadura militar sob o comando de Médici. Vindo de uma escola primária em que tínhamos que formar pelotões, cobrir e cantar os hinos nacionais e locais, entrar no CAp foi uma verdadeira libertação, principalmente para um filho da única ex-presidente do DCE-PE, até então. As mudanças foram enormes. Passamos a ter aulas com um professor para cada disciplina específica, particularmente, as aulas pouco convencionais de música, artes plásticas e religião, assim como o início do estudo de língua estrangeira. Religião, diferentemente do que era usual, um doutrinamento religioso, a disciplina ensinada pelo Professor Augusto Burle tratava da contextualização e interpretação histórico-cultural dos relatos bíblicos sobre a sociedade da época. Não bastasse isso, o nível hormonal estava subindo junto com a libido e começávamos a vislumbrar que as fantasias poderiam deixar o plano platônico. Das muitas paixões, poucas se concretizaram; naquela faixa etária, as meninas, bem mais amadurecidas se interessavam pelos alunos mais velhos de outras turmas. Em fase mais avançada da vida, o relacionamento entre ex-alunos da turma veio a deixar um herdeiro. Depois de algum tempo na escola, descobrimos que os professores não eram deuses e que tinham algumas deficiências técnicas, como qualquer ser humano. Porém, a maior virtude do CAp era a liberdade
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do pensar e o estímulo à descoberta. Os alunos, selecionados por um exame extremamente concorrido (30 vagas para cerca de 500 candidatos, no nosso caso), tinham elevada competência e precisavam fundamentalmente de motivação e de um pouco de orientação, marcas registradas da escola. Nos tornamos autodidatas e críticos, em pleno período de repressão e censura. Tendo na sua maioria alunos filhos de profissionais liberais e funcionários públicos, o CAp também recebia filhos de oficiais militares de altas patentes, transferidos para o Recife. Em plena ditadura, impressionava a convivência pacífica, a despeito da imaturidade da adolescência. Os professores tinham perfis muito variados e motivavam os alunos de formas bem distintas. Havia os conselheiros que se tornavam amigos dos alunos como Dênis, aqueles que eram linha dura como Terezinha Melo que ensinou durante mais de quarenta anos e aqueles maternais como Myrtha que era efetivamente mãe de uma colega e terminava sendo de toda a turma. O professor Rubem Franca é hors concours, por não se enquadrar em qualquer perfil. Nas inovações educacionais, o Colégio de Aplicação foi o primeiro de Pernambuco a ter uma semana de arte, inspirada na de 1922. As aptidões manifestadas nas aulas de músicas, artes plásticas e literatura floresciam. Na semana de arte de 1974, surgiram duas bandas na escola que tiveram sucesso duradouro fora da escola; o Flor de Cactus, com música popular nordestina e o Aratanha Azul tocando rock. Outro aspecto importante era a avaliação dos alunos. Creio que só fiz umas cinco provas tipo teste em todos os meus sete anos de CAp. Enquanto o ensino em geral focava na preparação para o exame vestibular, o CAp pensava grande, com a aprendizagem voltada para a vida cidadã e profissional, sempre com questões abertas nos seus exames.
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Voltar caminhando pela Rua do Riachuelo até a Praça Adolfo Cirne (Faculdade de Direito) rotineiramente pode parecer um pouco monótono para um adolescente. Então, frequentemente, quebrávamos a monotonia soprando os buracos de bala nos postes de metal para espalhar as abelhas ou apertando as campainhas das casas de porta-e-janela e correndo, somente para dar vazão à energia acumulada. Porém, nem tudo era flores. Àquela época, bullying já era coisa comum; só não tinha esse nome. Fora do comum, era o bullying em professores como o exercido sobre o Professor Augusto Burle, vítima de paralisia infantil. Todos os dias ele tinha dificuldade para sair do estacionamento do CAp na Rua Nunes Machado, ainda na Soledade, dirigindo o seu triciclo adaptado. O problema não era falta de habilidade do motorista nem os obstáculos criados pelas enormes raízes dos jambeiros aflorando à superfície; eram os alunos, sonsos, que ficavam sentados nos bancos de granito somente esperando a oportunidade. Eles aguardavam Prof. Augusto sentar ao volante e corriam para segurar o veículo que não conseguia sair do canto, dada a sua baixa potência. Era uma rotina quase que diária. Bullying nos nomes, nem se fala.... Havia os usuais diminutivos afetuosos e os tradicionais apelidos ligados a defeitos físicos e comportamentos fora dos padrões, hoje, politicamente incorretos. Além desses, por ser uma escola de tradição familiar, havia os apelidos hereditários, como, Medeirão e Medeirinho, Filé e Bife e Guabiru e Ratinho, naturalmente se referindo aos irmãos mais velho e o subsequente no CAp. Um belo dia, por exemplo, ao abrir o meu caderno, encontrei o meu nome “decorado” P ã u ̃ ̃l õ ̃ J õ r̃ ̃g ẽ ̃ L ẽ ̃i t̃ ã õ ̃ A ̃d ẽ õ ̃d ã t̃ õ ,̃ por razões óbvias, para quem me conhece.
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Na nossa turma, também havia grupos familiares como os Carvalheira, os Santos, os Pinheiro, os Moury Fernandes, os Lima, os Carvalho e os Adeodato, só para ilustrar esses vínculos. Na nossa turma começaram as “dinastias” Lyra e Buarque Gusmão. Dentro da sala, havia ainda os irmãos Lima e Estima Borba e os primos Carvalheira e Medeiros+Castro. Por outro lado, a coesão mais forte não se dava por elos familiares; havia grupos mais unidos por visão de mundo e relações sociais extra escola. Às vezes, alguns desses grupos pareciam mais guetos com disputas internas por bobagens, típicas da idade. Esperávamos ansiosamente crescer um pouco e começar o científico (ensino médio) para não termos mais que usar farda e podermos sair das dependências da escola, durante o recreio ou ao fim do turno. Era um prazer usufruir da liberdade de ir comer sonho e massa folheada na padaria ou tomar Coca-Cola no Bar Querubim, na Soledade. Os Jogos Colegiais eram um grande evento na Cidade que mobilizava todas as escolas secundárias da região metropolitana do Recife que começava com o desfile de todas as equipes no estádio da Ilha do Retiro. Apesar de ser uma escola com apenas 210 atletas de 7 turmas de 30 alunos, o CAp ainda conseguia algum destaque, na época, em natação e ginástica de solo. Muito do “Application Pride” vinha do amor que o Professor Alexandre Borges tinha pela escola. Apaixonado pelo time Fluminense do Rio de Janeiro, ele sempre levava o Colégio de Aplicação e o Colégio Marista, onde também ensinava, para fazerem o jogo de abertura, a partida preliminar, na Ilha do Retiro, das partidas do Flu pelo campeonato brasileiro. Essa mistura de integração e disputa entre o CAp e o Marista se manifestava claramente nos jogos. Éramos fregueses do Marista no futebol de campo enquanto o oposto acontecia no Futsal. Porém, o episódio mais marcante foi a armação do Marista no desfile dos jogos do ano em que Alexandre Borges faleceu. No programa, desfilaríamos antes do Marista e havíamos definido fazer a “marcha fúnebre” em que
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caminharíamos em vez de marchar ritmados pela orquestra militar. Tomando conhecimento disso, a liderança Marista, então, procurou a nossa para dizer que deveríamos, ambas escolas, desfilar com a cabeça erguida, demostrando que havíamos superado a perda. Após termos desfilado marchando normalmente como combinado, o Marista foi ovacionado pelo estádio lotado por desfilar com a “marcha fúnebre”. Uma prática comum que marcava um momento importante da vida no CAp era a cultura de se ir aos Estados Unidos por 6 meses aos 16 anos de idade, durante o ensino médio. Cerca de 1/3 da nossa turma teve essa experiência em 1975/76. Se hoje essa experiência é algo forte, imaginem naquela época sem sequer haver comunicação por e-mail. Para ilustrar, um LP (Long Play, álbum musical de vinil) ou um filme levava de 6 meses a um ano para ser lançado no Brasil, após o seu lançamento nos Estados Unidos ou Europa. A mudança do CAp para o campus da UFPE em 1976 foi disruptiva na vida de todos, levando a nossa turma a ser reduzida à metade dos alunos. Na época, os cursinhos Contato, União, Torres etc. absorveram muitos dos nossos colegas. Continuei na escola e consegui sobreviver à mudança em que já fui me acostumando a percorrer o longo trajeto de Casa Caiada à Cidade Universitária que teria que fazer durante toda a minha graduação. Estranhamente, ao final do científico, a nossa turma em sua maioria fez opção pela formação superior nas engenharias, diferentemente do perfil da escola, forte nas ciências humanas. Hoje, sabemos que, apesar dessa escolha, havíamos sido inoculados e cerca de metade dos “engenheiros” migrou para as ciências humanas ou se tornou educador, revelando que o vírus latente tinha saído do período de incubação, como foi o meu caso. Na verdade, a UFPE tem um monte de professores que foram alunos do Colégio de Aplicação, um da nossa turma, ensinando no próprio CAp.
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Há cerca de cinco anos, entre natal e ano novo, tomei a iniciativa de ligar para os amigos homens da turma e conseguimos nos reunir doze colegas no Bar do Lula, vizinho ao Bar do Neno, em Parnamirim. Foi emocionante e recordamos muito da época do CAp. A história mais interessante foi a de um colega que, ao chegar, foi logo inquirido “Cadê, Fulana, a gostosa da tua irmã?”. Ele respondeu prontamente, com um largo sorriso. “Adolescente é muito babaca! Eu ficava irado com vocês com essa provocação. Agora, vejo vocês aqui, todos decentes e bem-sucedidos.... Minha irmã terminou casando com um mala-sem-alça que não gosta da nossa família e terminou se separando. Não teria sido melhor ela ter casado com um de vocês?” Esse encontro nos levou a uma comunicação mais intensa via e-mail e, posteriormente, se estendeu com a popularização dos smartphones e do WhatsApp que permitiram integrarmos quase todos da nossa turma. Essa interação culminou com um reencontro de trinta e três dos cerca de quarenta alunos que passaram pela turma, num evento memorável na Cachaçaria Carvalheira, gentilmente cedida pelo nosso colega, hoje empreendedor de sucesso. O que ficou desses anos de convivência e cumplicidade foi uma sólida amizade, “desguetificada”, em que vemos claramente o quanto temos em comum na percepção e interpretação de mundo, além de toda a saudade da convivência nessa época. Durante a convivência na escola, somente percebi essa cumplicidade em uma ocasião, numa trela que envolveu Aprígio, professor de química. Não tínhamos nada contra ele, mas foi a oportunidade, na sua aula após o recreio. Quando ele chegou ao início do corredor, boa parte de nós foi marchando irreverentemente atrás dele até a sala de aula cuja porta estava fechada. Ao abri-la, ele viu uma pilha de mesas e cadeiras que formava uma pirâmide do chão ao ventilador do teto. Ele ficou possesso, não falou nada e voltou para a coordenação. Rapidamente, nos mobilizamos, todos sem exceção, e, quando ele voltou
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com o coordenador para mostrar o estado da sala, estávamos todos sentados, nas cadeiras e mesas em perfeita ordem, de cabeça baixa, em total silêncio. Ele ficou ainda mais irado conosco. Resultado: na matrícula do ano seguinte, a nossa turma foi obrigada a ratear as despesas que o CAp havia feito para consertar todas as cadeiras e mesas da escola. E, se hoje tivesse que escolher ser parte alumni de apenas uma escola em que estudei, eu não hesitaria em afirmar “sou CApiano!”, sem desmerecer a UFPE nem o King’s College London que me propiciaram as titulações curriculares que me habilitaram profissionalmente. Para finalizar, eu soube que há uma discussão recorrente sobre o Colégio de Aplicação ser um ambiente irreal para a avaliação de novas técnicas de ensino uma vez que os resultados não podem ser generalizados porque seus alunos são uma amostra contendo apenas os melhores da população. Há mais de 10 anos analisando e orientando trabalhos sobre políticas públicas para a educação massificada, reconheço que, de fato, esse viés existe. Por outro lado, tem sido ventilado um critério de escolha populista, muito mais irreal e não generalizável: a seleção dos alunos por sorteio. Além de esse critério não existir em qualquer população do mundo, ele introduz uma variabilidade que destrói o progresso da aprendizagem pelo desnível entre os alunos. Por favor, não deixem esse absurdo acontecer em nenhuma escola! Viva o Colégio de Aplicação!
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Estudar no CAp
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Estudar no CAp: uma decisão para toda a vida Fernanda Estima Borba
No final do ano letivo de 1970, houve o primeiro encontro, no CAp ainda na Rua Nunes Machado, no bairro da Soledade, dos aprovados no exame de admissão para ingresso no ano seguinte. Lembro bem que os organizadores do encontro nos pediram desculpas pois o colégio havia paralisado suas atividades por algumas horas: uma das alunas havia dado falta de um de seus cadernos, justamente o que continha as anotações para as provas que iriam se realizar nos dias seguintes, e todo o colégio procurava! Foi o meu primeiro encantamento com o CAp: como assim, me perguntei, o problema de uma pessoa pode ser compartilhado entre todas?1 Eu tinha ido à reunião sem saber ainda se ficaria no colégio. Na verdade, meu pai - à época professor universitário e entusiasta do CAp - não havia me inscrito no teste de seleção no ano anterior, quando eu concluí o antigo ensino primário, hoje o ensino fundamental I, que corresponde ao ensino do 1º ao 5º ano. Em 1970, papai chegou um dia em casa, para o almoço, com a proposta de inscrever minha irmã mais nova, Bruna, e ela foi categórica: só faço a prova se Fernanda fizer também! E foi graças a essa conjunção de eventos que eu cheguei ao CAp, tendo sido muito firme quando meu pai, ao discorrer sobre as conseqüências de repetir um ano, me perguntou se eu realmente queria
1. O caderno foi encontrado rapidamente: havia sido uma brincadeira de "mau-gosto" de um colega, que o escondeu.
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trocar de colégio. Um "SIM" bem grande aos 12 anos foi um dos passos mais acertados da minha vida! Outros encantamentos vieram em seguida. Primeiro, a biblioteca. Algo tão básico numa escola, mas que a escola particular que eu freqüentara até então não oferecia. E era uma biblioteca acessível, completamente a nossa disposição. Depois, os recreios, com o lanche na padaria em frente à Igreja Matriz de Nossa Senhora da Soledade, onde comi muitos sonhos, recheados com goiabada. Este lanche foi inclusive razão de um ato de insubordinação, quando a escola proibiu os alunos de saírem do colégio durante o recreio; conseguimos, um grupo de meninas, subir e pular o muro do colégio, voltando em seguida na surdina... ainda bem que a proibição durou muito pouco e os lanches foram retomados. Logo no primeiro ano do antigo ginásio - que hoje corresponde ao 6º ano do ensino fundamental - minha professora de matemática, a D. Rosilda, me chamou a sós após a primeira avaliação e pediu para que eu comunicasse aos meus pais que eu precisava consultar um oculista. Isto porque eu havia resolvido corretamente todas as questões da prova, mas havia copiado errado, do quadro negro, as alternativas que correspondiam às respostas. Então ela me explicou que, embora eu tivesse marcado errado algumas das respostas, a minha nota era 10. Mas meu compromisso com ela era a consulta ao oculista; e assim foi feito, eu me descobrindo míope já com 1,25 graus aos 12 anos. Depois se sucederam professores fantásticos, que davam suas lições não só em sala de aula, mas para a vida também. Destaco dentre esses as aulas incríveis de Filosofia do professor Augusto Burle: aulas para a vida toda, em que se discutia moral, ética, religião e até sexo (pasmem!), úteis até para examinar alternativas em questões de múltipla escolha. Também estão em minha lembrança as aulas-espetáculo de História do genial professor Rubem Franca - médico que recitava "Os Lusíadas" de cor, nos fazendo compreender como o ser
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humano é múltiplo em suas aspirações e realizações. As aulas de Artes e de Música, a cargo das professoras Ana e Clara, levadas tão a sério, com conteúdo compreensível e possível mesmo para quem não se sentia com habilidades específicas, eram muito boas. Outra aula de minha preferência era a de língua estrangeira: Francês com as professoras Vera Suassuna e Betânia, que me fizeram criar gosto e continuar os estudos na Aliança Francesa até entrar na universidade. Finalmente, as preferidas dentre as preferidas: as aulas de Português e Literatura da querida professora Mirtha, talvez a mais querida de todos os professores, não só pela sua competência e domínio do conteúdo como também pelo seu relacionamento com os alunos. E a nossa turma ainda teve a sorte de ter, entre os colegas, uma das filhas de Mirtha, Flávia. Então eu me sentia "em família": o aprendizado era prazeroso, nada de decoreba de regras gramaticais ou coletivos ou seqüência de pronomes, advérbios etc mas sim inteligentes análises lógicas de frases e de períodos extraídos de textos contextualizados, muitos textos construídos individualmente a partir de questionamentos propostos e livros lidos, com produção de fichas de leitura. Tanto que quando cheguei ao final do ensino médio, os livros recomendados para o antigo vestibular - hoje ENEM - já estavam todos lidos. José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Machado de Assis, João Cabral de Melo Neto, Érico Veríssimo, Ariano Suassuna, Raquel de Queiroz, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Vinicius de Moraes, João Guimarães Rosa, Cecília Meireles, Mário de Andrade ... todos já nos tinham sido apresentados pela querida Mirtha de forma até lúdica ... Bom, mas um relato só de encantamentos não é real, o leitor vai desconfiar que escondo algo ... talvez eu possa lembrar as dificuldades de uma escola pública, com poucos alunos - a rigor seriam 7 turmas de 30 alunos cada, ou seja, no colégio todo haveria 210 alunos - refletindo suas carências, por exemplo, nos jogos estudantis, onde a solidariedade me levou a compor o quadro de atletas sem condições de disputar com
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os demais atletas dos colégios maiores, especialmente os particulares. Mas até comparando os desfiles das demais escolas com a nossa, tão discreta, o sentimento de pertencimento e a vontade de torcer pelos colegas que heroicamente nos representavam - e na minha sala três meninas competiam brilhantemente na ginástica de solo, ginástica rítmica e até na esgrima: Ana Elizabeth, Ângela e Beatriz - era enorme. As três colegas atletas eram sempre aplaudidas quando entravam na sala, muitas vezes vindas dos treinos, esbaforidas. Olhando por outro ângulo, o reduzido número de alunos me permitiu experimentar esportes bem diferentes, tendo concorrido nas modalidades de arremesso de peso, revezamento 4x100, natação e vôlei. Nesse revezamento 4x100 lembro bem que só fui escolhida pois era a única que conseguia entregar o bastão a Adriana, a colega com menor tempo nos 100 metros rasos. Todas as demais colegas com tempo até menor que o meu não conseguiam encaixar o bastão na mão de Adriana; se o bastão caísse, a equipe estaria desclassificada. O que aconteceu: não consegui fazer um bom tempo, mas pelo menos completamos a prova! Uma lembrança a ser registrada foi a frase que ouvi da equipe do CAp que preparava os alunos para a escolha profissional, através da apresentação de profissionais já inseridos no mercado de trabalho e da aplicação dos testes vocacionais durante o ensino médio: "100% dos alunos do CAp entram na universidade". Mesmo que não tenham sucesso no primeiro ano em seu curso preferido, mas entram no segundo ano, ou em seguida, assim explicavam. Ouvir isso foi uma música para meus ouvidos! Continuo com a amizade e a presença dos colegas do CAp via grupo de whatsapp, que consegue reunir mesmo os que residem fora de Recife - grupo onde me incluo - e que representam quase um quarto do total de colegas da turma que se formou em 1977.
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Pretendo estar presente na comemoração dos 60 anos do CAp, em abril do próximo ano, em Recife. Finalmente, desejo vida longa a essa maravilhosa instituição de ensino, que foi fundamental na minha vida. Parabenizo desde já os colegas, os professores e o corpo de funcionários do CAp na difícil década de 70.
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Inspiração para toda a vida
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Aplicação: inspiração para toda a vida Filipe Carlos de Albuquerque Calegario
Entrei na turma dos 40 anos do Aplicação, 1998, e profundas foram as transformações que o colégio me proporcionou. A visão ampla e a interseção entre as áreas são coisas que tenho comigo graças aos valiosos estímulos que recebi durante meus sete anos da 5a série ao 3º ano. Hoje, sou doutor em Ciência da Computação e foco minha pesquisa no uso de tecnologias digitais para a expressão artística. Dentre vários trabalhos, crio instrumentos musicais usando técnicas de eletrônica e computação. Tenho certeza que todo este fascínio pela Música veio desde a flauta doce da quinta série, passando pelo violão com Ledjane, a sanfona com Cirinéia, o pandeiro e as alfaias com Edvaldo. No Aplicação, sempre me senti em um ambiente de liberdade de criação e de expressão. Me lembro que, para um Festival de Artes, chegamos eu e Manel (Emmanuel Felipe, meu companheiro de aventuras desde o primeiro dia de aula) para apresentar à professora de Artes, Jane Pinheiro, a ideia de uma instalação artística nos fundos do Recreio Coberto. O visitante iria entrar na sala totalmente escura para ter uma experiência imersiva e sensitiva com essências, fumaças, elementos pendurados e Jurema no fundo, a galinha de estimação de Manel. Jane deu o maior apoio e a instalação foi um sucesso. Várias pessoas saindo assustadas e dizendo: “Que massa!”. Neste mesmo caminho de liberdade, inspirado pelos clássicos do brega que nossos pais escutavam, eu e Manel fizemos uma música que iria influenciar um movimento escrachado e animado na nossa turma. Esta iniciativa despretensiosa se tornaria, no futuro, uma famosa banda das noites recifenses, sinônimo de irreverência e garantia de boa festa.
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A música, escrita a quatro mãos, se chamava “Na garupa da minha Titan”, criada em 13 de fevereiro de 2004 e inspirada nos acordes de “A Desconhecida” de Fernando Mendes. A impactante canção contava uma história de amor que começava, romanticamente, em uma carona de moto e, tragicamente, terminava com um acidente neste mesmo veículo automotor. No dia seguinte, em um Sarau de Literatura, seria a primeira vez que tocaríamos a peça com um grupo de músicos astutos do nosso 3º ano A: Marcelo Araújo, Pedro Mascarenhas, Álvaro Bezerra, Artur Lira. No final da apresentação, o povo caiu na gargalhada: sinal de sucesso! Depois de algumas semanas e mais algumas músicas compostas durante os recreios, foi em uma aula de Biologia que acabamos por encontrar o nome perfeito para aquele agrupamento criativo: Faringes da Paixão. Sonoro, forte, inusitado. Ainda discutimos se usaríamos “Laringes”, por conta da localização das pregas vocais, mas a proximidade da pronuncia de “laranja” fez a gente decidir por “Faringes” mesmo. Vários shows aconteceram naquele ano de 2004. A banda estava famosa no colégio e as apresentações arrastavam multidões (chegamos a contar mais de 30 pessoas!). Nossos figurinos eram inspirados nos looks de Sidney Magal. E, para isso, eu trazia, direto dos guarda-roupas das minhas tias, todas as antigas blusas com ombreiras das décadas de 70 e 80 que elas não usavam mais (quer dizer, não tenho certeza disso) e fazia os meninos vestirem (mesmo a contragosto). Me lembro que, de tanta empolgação cantando “Sandra Rosa Madalena”, Alvinho acabou por rasgar a manga de uma blusa de Tia Lêda. Tudo pelo amor à arte! Naturalmente, o terceiro ano é um momento de união. Ora, são sete anos vendo aquelas pessoas crescerem junto com você, compartilhando de vários momentos marcantes. Neste contexto, acho que Faringes fez a gente se unir ainda mais. E isto perdurou mesmo depois de sair do colégio.
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Em 2008, quatro anos depois da nossa formatura, Faringes da Paixão abria, no Quintal do Lima, o show de Kelvis Duran, o Príncipe do Calypso. O primeiro show público de uma banda que por muito tempo se tornou, e ainda é, um ponto de convergência dos ex-alunos do CAp. Queria agradecer profundamente ao meu amigo Emmanuel Felipe pela revisão deste texto e por todos os momentos de incentivo, ousadia e inventividade que fizeram com que a gente construísse muitas coisas arretadas. Queria deixar aqui também uma mensagem de incentivo às novas turmas de manter a chama criativa sempre acesa no Colégio de Aplicação, com liberdade de se expressar, sem medo de errar e transcendendo com muita arte a nossa vã existência.
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Na garupa da minha Titan Emmanuel Felipe e Filipe Calegario Lembro daquele chuvoso dia Em que a chuva caía Te vi de minissaia rodada Totalmente molhada Implorava por uma carona Minha garupa foi lhe oferecer Ela me deu sua mão e subiu Deste dia não pude me esquecer Refrão: Na garupa da minha Titan Encontrei o meu grande amor Com ela eu me casei E senti todo o seu calor Mas o destino cruel Quis de mim a levar Deixou os meus filhos sem mãe E eu, sem ninguém para amar Aquela maldita Titan Um acidente provocou E o carrasco da morte O seu pescoço torou-ou-ou-ou
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Manuscrito da primeira versão da música “Na garupa da minha Titan”
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Recife, atemporal
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Colégio de Aplicação da Ufpe Recife, atemporal Lucas Cordeiro Cardim
“O Sertão é o mundo, escreveu uma vez Guimarães Rosa. O que vocês acham que ele quis dizer com isso?”. Quando se tem 10 anos de idade, sentado em uma cadeira onde suas pernas mal tocam o chão, ouvir essa pergunta de um professor interessado no que você tem a dizer te faz pensar muita coisa. Ter 10 anos nos meados dos anos 90 não era para amadores. Não havia redes sociais, computadores e celulares eram para adultos, bullies (chamados por nós de babacas) já existiam e usar caneta em vez de lápis há pouco deixara de ser atrevimento para virar obrigação de quem se achava mais adulto por isso. Ao meu redor, trinta e poucos alunos tão diferentes quanto iguais a mim. Colégio público bom, mérito na folga do orçamento familiar apertado, respaldo entre os amigos de outras instituições e o discreto amostramento de poder, desde cedo, se familiarizar com siglas dizendo que, tal qual o universitário do CFCH, CAC ou CTG, você também estuda na UFPE. E então, enquanto corríamos desembestados nos gramados, corredores, recreio coberto e quiosques, entre amizades, desavenças, frustrações e amores, éramos apresentados aos mestres: Artes Plásticas com Bia, Jane e Joalde, Música com Cirinéia e Edvaldo, História com Georgina, Tarcísio, Edson e Idalina, Química com Kátia Aquino, Física com Marta e Gilberto, Francês com Marlon, Fernanda e Edson Falcão, Matemática com Abraão, Marcelo Câmara, José Carlos, Paulo Roberto e Rogério, Português com Jonatan, Ynah, Tany e Kátia, Filosofia com Sérgio, Educação Física com Tereza e os Marcelos, biologia com Sandra,
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Alfredo e os irmãos Honorato, SOE com Edite, Desenho Geométrico com Laércio. Independente de qualquer preferência por matéria ou professor, dissociar os conhecimentos dos seus propagadores é um exercício impossível para muitos ex-alunos até os dias de hoje. Tenho consciência que as eras passam, de que novas gerações tão ricas quanto as antigas surgem, mas ainda cultivo o egoísmo de me incomodar quando, ao encontrar alunos com a farda em qualquer lugar do recife (estamos por toda parte), tenho como resposta que os mestres deles são outros. Todos viverão isso. Como toda escola, o Aplicação também tinha defeitos. O histórico desrespeito dos governantes com professores geraram greves justas e calendários corridos. Menos importantes mas memoráveis foram as frustrações das mesas de pingue-pongue retiradas para reforma e jamais recolocadas e a quadra de futsal limitada apenas para os que sabiam jogar futebol. Por outro lado, o colégio tinha, e tem, uma qualidade avassaladora: a capacidade de unir gente boa. Lembro que, já na quinta-série, um trio de professores de matemática, português e filosofia abriu mão de um cronograma padrão de aulas para que toda quinta-feira pensássemos o mundo, o dia inteiro. Poesias, prosas, fotografias, reportagens, filmes, exercícios de lógica, leitura de poemas, realização de textos e peças. Algo tão sedutor e de tanto conhecimento que ajudou muita gente a se apaixonar pelas letras e números para sempre. Também não era raro ver bandas de diferentes vertentes ensaiando os primeiros acordes em qualquer espaço que não fosse atrapalhar (muito) as aulas ao lado, reflexo de bons professores, pacientes com quem chega mal sabendo batucar ou apresenta dificuldades nos livros básicos de flauta doce. Essas experiências são pequenos grãos no universo que o Aplicação é para mim e tantos outros. Muito além de professores de tópicos exigidos pelo MEC, tivemos e certamente temos grupos de mestres com capacidade e qualidade para o mais importante assunto da educação:
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provocar o pensar. Em um mundo desigual, violento e notoriamente manipulador, pensar é uma prerrogativa imprescindível da melhora. Costumo brincar que deve haver algo nos coliformes do bebedouro porque, se de um lado tivemos grandes mestres que nos ensinaram a refletir, criticar e não ter medo de mudarmos de opinião, do mesmo lado, porque caminhamos juntos, também temos alunos capazes de agir e partir desse provocar. Pirralhas e pirralhos, capazes de devorar partituras e livros com a mesma veemência que desenvolvem composições e ideias próprias de mundo, que ainda podem não saber, mas juntos formarão grupos de amigos para toda a vida, equipes de trabalho em setores estratégicos da gestão pública ou organizações não governamentais, irmãos para se partilhar desafios, tristezas e conquistas em diversas esferas. Não me surpreende, logo, encontrar artistas, professores, engenheiros, cientistas, chefs, funcionários públicos, economistas, desempregados universitários, médicos, escritores, diplomatas, enfermeiros, empresários, advogados, dentistas, administradores, biólogos e mais um sem fim de atividades que, chamativas de atenção ou não, modificam grandes ou pequenos universos para melhor. Gente que quer um mundo digno para todos, que se preocupa muito mais com ser do que o ter, com a ação do que a verborragia. Hoje, em outra universidade, em outra região e com desafios muito diferentes de uma prova de química (na qual costumava sofrer por antecipação) mas por vezes muito parecidos com o eterno desrespeito dos governantes com os docentes que promovem a educação pública desse país, vejo que muito do meu ser foi semeado nas grandes salas com basculante, nas alfaias, nas ideias e conversas sem fim nos gramados e quiosques. Aos 30 anos, com os pés no chão diante da vida que por vezes ainda se faz de cadeira grande, tenho certeza que o Aplicação foi e é, para muitos, o começo do mundo.
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Já!1 Lucas de Mendonça Furtunato Victor Uchoa Cavalcante de Lima Cem vezes já o sol saltou, radioso ou entristecido, dessa cuba imensa do mar cujos bordos apenas deixam-se perceber; cem vezes ele voltou a mergulhar cintilante ou moroso, em seu banho da noite. Há muitos dias nós poderíamos contemplar o outro lado do firmamento e decifrar o alfabeto celeste dos antípodas. E cada um dos passageiros gemeria e grunhiria. Diz-se que a aproximação da terra exasperava seu sofrimento. “Então quando?”, diziam eles, “cessaremos nós de dormir um sono sacudido pelas vagas, perturbado por um vento que ronca mais alto que nós? Quando poderemos digerir em uma poltrona imóvel?” Havia os que pensavam em seus lares, saudosos de suas esposas ínfiéis e aborrecidas e de sua progenitura barulhenta. Todos estariam tão ensandecidos pela imagem da terra ausente que iriam, creio eu, comer capim com mais entusiasmo do que os animais. Enfim uma margem foi identificada e nós vimos, ao nos aproximarmos que era uma terra magnífica, deslumbrante. Parecia que as músicas da vida se desprendiam em um vago murmúrio e que de tais costas, ricas em verduras de todos os tipos, exalava um perfume delicioso de flores e frutas.
1. O presente texto foi escrito a quatro mãos em 2012 para ser lido na cerimônia de Colação de Grau da turma dos autores ao fim do 3º do Ensino Médio no Colégio de Aplicação. As mesmas quatro mãos realizaram hoje pequenas adaptações para que aquele discurso melhor se adaptasse ao formato escrito.
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Imediatamente cada um ficou alegre, cada um abdicou de seu mau humor. Todas as querelas foram esquecidas e todos os recíprocos defeitos perdoados; os duelos combinados foram apagados da memória e os rancores desapareceram como fumaça. Só eu estava triste, inconcebivelmente triste. Parecido com um padre a quem se tivesse arrancado sua divindade, não podia, sem uma desoladora amargura, afastar-me desse mar monstruosamente sedutor, desse mar tão infinitamente variado em sua assustadora simplicidade e que parecia conter nele e representar por seus jogos e disposições, suas cóleras e seus sorrisos, os humores, as agonias e os êxtases de todas as almas que viveram, vivem ou viverão! Dizendo adeus a essa incomparável beleza, sentia-me abatido até a morte e, por isso, quando cada um de meus companheiros diz ia: “Enfim”, eu só podia gritar: “Já!” Entretanto era a terra, a terra com seus ruídos, paixões, comodidades, suas festas. Era uma terra rica e magnífica, cheia de promessas, que nos enviava um misterioso perfume de rosas e de almíscar e de onde as músicas da vida nos chegavam em um amoroso murmúrio.2
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Sob a égide baudelaireana começamos. O francês não poupou imagens, sensações, angústias. E como tal não fora o CAp? Bem mais que as cem vezes do poema já o sol saltou por trás das úmidas paredes
2. BAUDELAIRE, Charles. Já. In: O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Rio de Janeiro: Imago, 1995.
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daquele mar-Aplicação e tantas outras voltou a mergulhar por entre as grades velhas do Colégio. Radiosos e entristecidos, cintilantes e morosos, foram 7 os anos vividos e muito bem construídos nos recintos do já saudoso CAp – ainda que não por tristeza particular, por um leve presságio de falta. A palavra do poeta é de encantamento e a rememoração – esta “que socorre o ser humano quando chega a hora de aprontar o passado para dar o salto do trampolim da vida”3. Na verdade, é, aqui, o encantamento pela rememoração, que a cada lembrança nos traz um cheiro, um som, tantas imagens e sensações, que certamente antecederão sinceros prantos e que farão qualquer enfim ser abafado por um polissilábico e simbólico já. Havendo navegado nessas águas por 7 anos, hoje, pisando em terra firme, não podemos olhar para o mar, logo atrás, e não sentir uma sedução, uma vontade de velejar tudo uma outra vez – no Colégio de Aplicação. Se a estranheza da imagem ainda perturbar, explicamos: hora o foi pelo balanço nauseante do tombadilho, como ao se descobrir uma mentira após aulas reveladoras, como na primeira ida ao SOE ou como numa discussão com um professor; hora o foi pela ré encharcada em dias chuvosos; mas sempre o foi por sua infinita imensidão e profundidade, que só quem nele viveu compreenderá. Há poucos dias, quando ainda habitávamos plenamente estas águas, era possível decifrar uns tais alfabetos celestes de antípodas, os quais não foram poucos. A saber, Marx, Bhaskara, Machado, Newton, Lavoisier, Darwin, Ab’Saber, Sócrates, Durkheim e tantos outros. Alguns terminaram como o ciclope e outros como Calipso nos nossos braços de Odisseu. Obviamente nobres embarcações nos guiavam em tais observações. E em não raras vezes fundiam-se embarcadiço e embarcação. Consta em tal comunhão – professores e alunos – a indefinição que
3. SANTIAGO, Silvano [Orelha do Livro]. In: CASTELO, José. “João Cabral de Melo Neto: o homem sem alma”. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.
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revela a grande magia dessa escola. O professor: em cuja importância verdadeira e benévola reside uma relação que nos permite dizer que neste espaço sabe-se com grande profundidade e absoluta precisão o significado da palavra educar, de modo que diversas impressões nos levam, se não, a concluir o óbvio: se os alunos do Aplicação amam o conhecimento – e amam de verdade – é porque os professores, também o amando, amam os seus alunos. E se encaixam de maneira linda no dizer do educador estadunidense Kilpatrick: “enquanto professores, devemos tornar-nos cada vez mais desnecessários”. Dentro da sala de aula ilustres mediadores, fora, confortantes amigos. Eis o Colégio de Aplicação. Durante todos esses anos cada um dos passageiros suplicou e gemeu, desejando a terra. Eis que em 2012 uma margem foi identificada. Contudo, causa certa estranheza a prontidão com que, já nesses dias de terra avistada, todos comungaram na alcunha “terceiro” para nosso último nome. Primeiro porque esta tal palavra, terceiro, mais parece nome de arma medieval, do tipo em que um senhor feudal demanda quando a batalha já se mostra quase perdida – “tragam o terceiro!”. E depois porque talvez resguarde certo esquecimento à trajetória anterior e ignore a essência de cada turma, afinal, todos são terceiro. Ou pelo menos assim seria, não fosse nosso misticismo. Antes de tudo, não abdiquemos dessa alcunha, “terceiro”, que de catapulta medieval pelo menos finca seus pés no estrato do presente para lançar-se por entre as nuvens do devir e do futuro. Além disso, antes do ano terminal passaram-se tantos outros, segundos, primeiros, sétimas, quintas, oitavas. Um nomadismo identitário que acompanha nossas veredas pelas salas do colégio. Cada sala é o canto mais íntimo do aluno, o seu conforto na imensidão barroca do Aplicação, assim como o quarto numa casa. Já fomos vários nessa vida, nômades dentro de nós mesmos. Agora, passadas as ilhas dos mares gregos nessa nossa odisseia, aportando em Ítaca
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não queremos mais sair. Aqui o carinho se dá por um majestoso e imponente aumentativo – TERCEIRÃO – e por marcas no quadro – a parede da nossa caverna, que repetem em mil significados a palavra amor, como num ritual de pré-histórico, que desenhamos o animal e partimos para a caça. O poeta Allen Ginsberg certa vez escreveu: “O peso do mundo é o amor”4. O amor é uma medida, infinita, fato que talvez impossibilite análises minuciosas em seu núcleo ou nas partículas caóticas de outros sentimentos que se batem em sua órbita. É um mistério, uma crença onírica que se deixa tocar justamente pela criatura menos absurda. O peso do mundo é o amor. E o mundo precisa de mais sensibilidade, o mundo precisa de crias que não tenham medo do tamanho dos sentimentos, que possam chorar e dizer amor ao amigo mais distante e sorrir amando toda a quadrilha: sim, João amava Teresa, Maria ficou pra tia e o outro moço chegou de desaviso, mas em 7 anos, os infinitos que se construíram pedem que a turma se ame em uníssono, pois desta vez, não há outra forma, a morena tem de ir – de olhos marejados – mas tem de ir. Para construir histórias novas mundo afora, amar pessoas outras, e fixar ligas que possam dar a satisfação de ter vivido brilhando. Se feita uma análise sobre o passar dos anos, é possível a constatação de que temos vivido assim. Quando em 2006, muitos de nós ainda lamentavam o final passado, as engenhocas do destino preparavam essa armadilha que caímos um a um, o dia a dia nos atirou uns aos outros e fez com que percebêssemos que esse novo mundo não era de todo mal, cada pequeno gesto e ação construía uma casa que nos acolhesse. A sensação de companheirismo ao ver que todos repetiam as mesmas palavras feias e que aquelas pessoas antes imaginadas como espécimes estranhas em verdade tinham tanto em comum.
4. “Canção”, 1956.
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O tempo acolheu aquela turma e mostrou que se fazia presente para que todos florescessem, passo a passo traçamos contornos mais bem definidos sobre cada, nos desenvolvemos juntos e quão bonito isso é! Pois boa parte do que há de vir, provém de um simulacro criado minimamente por cada um. É como se tivéssemos pedaços nossos incrustados em quem caminhou junto por esses anos fugidios. Sim, caminhamos juntos por bastante tempo, nós que caímos e erramos e levantamos e gritamos; e alguns, que tendo lido da vida um pouco mais, foi dado o dever de tentar passar-nos algo. A essas pessoas - que vale salientar, também nos amalgamamos - talvez aqui se façam necessárias desculpas, pois do tanto que foi dito, resolvemos absorver o que enxergávamos brilhando. Seguindo caminhada, como em toda que se preze, chegamos ao seu término e sobre términos, quem melhor os compreende são os andantes: “Parece que enfim entendi, todo o amor que vocês sempre falavam” - disse parte da comitiva e foi quando o choro se fez necessário, foi quando o bando inteiro viu que era infinito, caótico e belo de tantos anos e sentimentos que só o choro faz ver. Aos amigos, cabe deixar todo o amor que sentimos, reservar de agora parte do que está por chegar, pois como bem se sabe, com o fim d'uma viagem, a próxima coisa a se pensar é a seguinte, e quem decide a companhia, somos nós. “O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.”5. O amor comeu sete anos de bastante coisa. O amor comeu cada fala de professores e pais. O amor comeu nosso potencial, nossos sorrisos e nosso choro. Mas o amor deixou amigos, e isso é o bastante.
5. NETO, João Cabral de Melo. “Os três mal amados” (1943).
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Passados os sete anos de divagações no mar – Aplicação, fazemos, hoje, o último procedimento antes de atracar e chegar definitivamente em terra firme – a Colação de Grau. Feito isso, uns vão desbravar as matas da terra, outros cuidar dos povos da terra e outros irão, ainda, fundar e erguer cidades. Mas hoje fazemos esta última colação com o Colégio de Aplicação. A palavra colação significa uma refeição curta e rápida feita antes do jantar. É o que fazemos hoje, damos a última mordiscada e nos alimentamos pela última vez do Colégio de Aplicação. Mas não haverá aquele que, ao olhar para trás, não sentirá uma desoladora amargura e um profundo encanto por este mar tão monstruosamente sedutor. Enquanto todos dirão enfim, só nós, e apenas nós que experimentamos dessa água, diremos, com o mais profundo pesar na garganta, já.
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Aplicadinha Maria Ignêz Madruga Recife, março de 1970. Meu pai, um militar enorme e de bom coração, teve sua transferência do Rio de Janeiro para Recife bastante complicada, tudo atrasou, chegamos aqui em meados de março. As aulas já haviam começado. Por falta de tempo e informação fomos eu e meu irmão matriculados numa escola inadequada para mim. Meu irmão, sendo menino e mais novo, adaptou-se rapidinho, eu não. Morávamos na Tamarineira e toda manhã dávamos carona para algumas vizinhas que estudavam no Colégio das Damas, entrávamos com o carro naquele pátio fabuloso (tinha um canteiro redondo no meio) e via aquele prédio lindo, mais parecia um castelo recebendo suas princesinhas, e eu sonhava com o dia em que também desceria do carro, ali. Os meses foram passando, eu dia a dia deixando bem clara minha vontade, não aceitaria de forma alguma mais um erro de escolha. Meu pai, sentindo-se bastante culpado por tudo, silenciosamente tornou-se um expert nas escolas de Recife. Era um homem justo, não se permitia falhar comigo novamente. Em raras ocasiões nos participava de suas descobertas. Na época, nossa relação era muito simples. Minha única obrigação era estudar e minha moeda de troca era agradar a meus pais e ser por eles recompensada. A confiança era inabalável.
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Não lembro quando o CAp foi citado em nossas conversas. Ouvia meu pai mais por respeito do que por interesse, sabia que honraria seu compromisso comigo e eu estudaria nas Damas. Enfim terminei a admissão com louvor. De férias, querendo agradá-lo, resolvi prestar atenção ao que ele estava falando. Falava do tão espetacular CAp. Conhecedora do meu destino, concordei em fazer o tal exame. Afinal, se fosse aprovada meus créditos aumentariam consideravelmente e a escolha ainda seria minha. No dia do exame, fomos nós para o CAp na Soledade. Logo na entrada um susto, a recepção com um balcão grande de madeira escura, do outro lado uma escada também de madeira, tudo escuro e uma senhora informando que o colégio era depois de uma porta de grade sinistra. Ele todo contente, conduzindo-me por aquele corredor cheio de portas antigas e uma escada de cimento batido. Ele evitando, eu procurando cruzar o olhar. Ele querendo transmitir confiança e eu transmitindo a mensagem “sem chance”. Seguimos em frente, atravessamos o pátio, a coisa ficava cada vez pior. Entramos numa espécie de corredor vazado que terminava à esquerda num muro e à direita em portas antigas. Achamos a sala, ele me acomodou junto ao material por ele arrumado no dia anterior. D. Lígia nos recebeu, pouco tempo depois pediu aos pais que se retirassem, pois os exames começariam logo após o toque da sirene. Nos instantes tensos entre a saída dos pais e o toque da sirene, uma garotinha bem miúda levantou-se correndo, foi até a porta e chamou por seu pai.
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Pensei, vai fugir. Achei que estava com medo, mas não, comentou algo sobre um lápis e voltou a seu lugar antes da sirene tocar. Aquele momento ficou em mim marcado, a imagem da menina também. Para minha surpresa a reconheci imediatamente no nosso primeiro dia de aula no CAp. Eu e ela havíamos passado... acredito que a dica dada por D. Lígia no ditado colaborou bastante com esta feliz coincidência. Uma determinada frase do ditado, que não lembro, exigia o uso de uma crase. D. Ligia enfatizou esta exigência: ... a a ...... Achei muito estranho mas ela repetiu ....a a ...Obrigada D. Ligia, sua ajuda me proporcionou anos de felicidade. Dei o melhor de mim no teste, mas não fiquei ansiosa pelo resultado. Claro que quem foi buscá-lo foi meu pai. O que não foi nada previsível, foi sua reação. Chegou em casa com o dobro do seu tamanho normal, parecia uma criança gigante feliz, falando alto e rindo à toa. Me olhou com um orgulho que nunca havia reparado antes. Era uma menina de 10 anos, ele meu herói. Depois de tudo que passei, mesmo sabendo o que seria melhor para mim, jamais me obrigaria a estudar no CAp. Embora não quisesse abrir mão do meu sonho de princesa, decepcioná-lo era quase impossível. Outro trato, estudaria um ano no CAp, se depois deste tempo ainda quisesse ir para o palácio ele respeitaria minha vontade. Não voltamos a este assunto, nem no final do primeiro ano, nem no segundo ano.
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Quando estava terminando o segundo ano científico (6 anos depois) falei que queria sair do CAp para fazer o terceiro ano junto com o cursinho pré-vestibular, ele não questionou, não abriu discussão alguma. Simplesmente aceitou. Tranquilamente fez minha matrícula no cursinho que pedi e meio que rindo, satisfeito, olhou para sua filha APLICADINHA, quase de maior, procurando uma princesinha. Na verdade, este termo me foi atribuído 20 anos depois no auge de uma briga. Meu filho com seus arrogantes 17 anos veio me comunicar sua decisão de não fazer a segunda fase do vestibular. Tinha sido aprovado pela IBMEC em economia e seria uma perda de tempo continuar com as provas para as Federais. O que para ele parecia lógico, para mim soou surreal e com raiva argumentei que não havia mérito algum passar para IBMEC, quem na realidade passava eram as famílias que podiam pagar suas mensalidades. Como resposta escutei a máxima: “Lá vem a APLICADINHA”. O tom pejorativo não me ofendeu. Sabe aquele segundo em que uma palavra ou frase dita se encaixa perfeitamente bem em alguém, quase uma definição da pessoa? Lembrei imediatamente dos 6 anos que estudei no CAp. Tendo aulas todos os dia de manhã e à tarde, aos sábados educação física , convivi neste período muito mais com meus colegas de classe do que com meus familiares. Entrei com 10 anos, sai com 16 anos, como determinar o que seria, como seria se não tivesse estudado no CAp? Não tem como me fracionar e determinar a parte de mim pela qual o colégio é o responsável. Mensurar o que cabe ao CAp na minha formação, no meu eu.
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Percebi o quanto meu raciocínio lógico e sequenciado, meu senso crítico, minha articulação, objetividade e meus valores irritam meus opositores, no caso do meu filho, minha impassionalidade. Descobri que APLICADINHA não era um adjetivo pejorativo, era um modo de ser e ver a vida, quase um nome de família. Um nome do qual tenho muito orgulho.
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Amar e mudar
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Amar e mudar as coisas me interessavam mais Monica Soares Leite O ano era 1973. Cheguei no Recife vinda do Rio de Janeiro. Aos 14 anos, filha de militar e saída do tradicional Colégio Notre Dame, entrar para o Aplicação foi uma revolução. Ignorava a reputação do CAp, e só lá dentro soube que alunos com filiação como a minha eram dispensados do exame de seleção para ingresso. Por causa disso, rolava às vezes uma ironia, mas nada que constrangesse: a uns, porque eram dedicados e tinham bom desempenho; a mim, por não ter planos de estar entre os mais estudiosos da turma – categoria que ingenuamente eu julgava enquadrada demais para o meu incipiente projeto de rebeldia. No Aplicação, não havia obrigatoriedade de uniforme (eu usava à vontade minha calça santropê boca de sino), não era proibido fumar, havia espaço de debate e crítica social, tinha grupo de teatro e conversas sobre roquenrou e literatura. Eu vivia aquelas liberdades institucionais como pequenas subversões que forjavam as asas coloridas de minhas verdes inquietações. Meu porvir se desenhava naquela ambiência em que, não havendo interdição ostensiva ou desproporcional, o aluno aprendia a lidar com essas concessões e licenças compreendendo seus limites e consequências. Pra mim, mais tarde, aprendendo a ser educadora (e mãe), pude elaborar melhor a função das “liberalidades” no processo educativo e como elas me ajudaram, no CAp, a criar responsabilidade e autonomia. A disciplina existia, mas não era castradora, instrumento de cerceamento de opinião; era exercício de respeito ao outro e de convívio coletivo. Encontrei, em pleno regime de exceção, um lugar em que eu não me
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desencorajava a ser gauche na vida. Mas... que sabia eu do que seria, eu que não sabia o que era? A sala de aula tanto era um espaço interessante quando se estudava pra valer, quanto divertido quando a gente se entregava às brincadeiras. Tivemos o privilégio de ter professores incríveis que estamparam em mim algumas inclinações – em especial pela língua portuguesa, literatura e história. Lembro de muitos colegas, talvez não de todos, mas o conjunto da obra fazia eu querer tomar parte e permanecer naquela turma; me fazia sentir saudades nas férias! Fiz amizades especiais e tenho por todos um carinho grande. Relembrar aquele convívio e experiências, de A de Adriana a Z de Zelinha, é uma tremenda alegria. Embora fosse a sala de aula o lugar central da atividade didática, os corredores, o pátio e os eventos extramuros tornavam a vida escolar mais vibrante e não menos instrutiva. Na biblioteca eu ouvia o pessoal do 3º ano falar das crônicas de Carlos Drummond, no Jornal do Brasil (e corria pra ler, mesmo sem entender, muitas vezes, o escritor mineiro)... No pátio conversavam sobre a censura do regime militar à peça teatral Calabar, de Chico Buarque (e eu começando a aprender nomes e a entender metáforas)... Nos intervalos, o papo podia ser a performance transgressora dos Secos e Molhados ou a crítica à sociedade opressora em The Dark Side of the Moon, do Pink Floyd. Os mais novos e curiosos – como eu – de olho nos ensinamentos casuais dos mais velhos. Essa polifonia me encantava. E era semeadura. Havia admiradores dos Rolling Stones e do Quinteto Violado. De Rita Lee e de Belchior. Do Ave Sangria e do Black Sabbath. No CAp, surgiram duas bandas que fizeram sucesso e arrebataram muitos fãs: Aratanha Azul (Thales era da minha turma) e Flor de Cactus (Zé Rocha namorava minha amiga Sandra).
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E tinha arrebatamento e desilusão no campo das paqueras e namoros (como era fácil se apaixonar!)... Tinha passeio em Opala, tatuagem amadora, dança de rosto colado, excursão comemorativa, confissões de adolescentes... Não faltavam descoberta e emoção! Tudo na conta dos conteúdos supracurriculares. (Sei que a maioria de meus colegas haverá de focar suas recordações em lances mais ligados à cena educacional, mencionando nomes – os muitos que não ouso pra não ter que omitir vários outros – e especificando áreas de conhecimento. Mas me sinto impelida às memórias de dimensão emotiva e relacional. Porque tudo, afinal, é aprendizagem.) O Colégio de Aplicação foi, dos meus 14 aos 16 anos, minha guarita, casamata; meu manifesto, estandarte; meu mirante, playground; porto de onde saí pra desbravar rotas e destinos, mais corajosa mas ainda tão menina. Deixei a Rua Nunes Machado inspirada no rebelde praieiro, desejando uma revolução Paz e Amor. Minha vida hoje é fruto dessa e de outras histórias que continuo escrevendo. Recebam meus colegas, amigos, professores e servidores daquela época – todos pra mim ensinadores (de um jeito ou de outro) – todo o afeto que se encerra nessas mal traçadas linhas!
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Éramos trinta e seis‌
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Éramos trinta e seis… E continuamos a somar! Natália Nascimento e Melo
Lembro do dia em que fiquei sabendo que tinha sido selecionada para o Colégio de Aplicação. Foi a minha professora da quarta série que me contou. Eu tinha sido a única entre os meus colegas a passar no teste de admissão. Me afastei para ficar sozinha e chorei. Aos dez anos eu sabia que aquela notícia mudaria a minha vida. Só não tinha ideia do quanto. No primeiro dia de aulas, eu tinha dois objetivos. Descobrir alguém conhecido na minha turma e se seria sorteada para estudar inglês ou francês. O recreio coberto estava cheio, dezenas de cadeiras ocupadas com crianças a balançar no ar os pés, acompanhadas de pais, avós, irmãos… À volta os alunos mais velhos espreitavam as carinhas desconfiadas. Eu levava um batalhão de quatro. Mãe, pai, padrinho e madrinha. Até ali, os principais responsáveis pelo meu desenvolvimento enquanto projeto de gente. Sentei como as outras crianças, incapaz de colocar os pés no chão. Mais tarde, ao ver chegar novos alunos, ano após ano, eu e os meus colegas nos perguntaríamos vezes sem conta “nós éramos assim tão pequenos?”. Éramos. E eu, além de balançar os pés na cadeira, trazia uma farda grande demais, herdada de uma vizinha que já estava quase terminando o ensino médio. Olhei para os lados sem explorar demasiado. Não encontrei rostos conhecidos. Ouvi inquieta as boas vindas, a eternidade de palavras que faziam comichão (porque todo mundo sabe que uma criança coça-se quando fica demasiado tempo sentada). Me coloquei na ponta da cadeira
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quando começou o sorteio. As mãos agarradas ao assento, o corpo inclinado para a frente. Tinha medo de não ouvir o veredito… Os alunos que não ficassem satisfeitos com o sorteio, podiam ir à secretaria tentar trocar de turma com outros. Eu estava satisfeita? Olhei para o meu padrinho. “Podes tentar trocar”, ele disse. “Mas se ficares no francês, depois te colocamos num curso de inglês”. O meu sonho era ir a Londres. O meu padrinho adorava Paris. Cheguei até a porta da secretaria e vi pais e mães barganhando a troca. “Vou ficar no francês”, anunciei. Se eu tinha certeza, perguntaram. Naquele momento, sim. Achei que a única forma de estudar as duas línguas seria entrando no francês, afinal havia muitas opções de inglês “lá fora”. Me despedi da minha torcida e subi as escadas. Para chegar à porta da sala de aula era preciso vencer uma barreira de pais e mães que olhavam para os meus novos colegas sentados nas carteiras de madeira. No cimo da porta uma placa azul com letras brancas anunciava a minha nova família: 5ª Série A. Sentei na primeira fila, ao fundo. Sempre gostei dos ângulos alargados de visão. Dali pude constatar que não estava sozinha. Jesse, Ricardo, Alexandre, Thiago e Leila eram colegas de outras andanças. A turma tinha três Natálias. O meu número, Vinte e Quatro. Renato respondeu “Mi” quando foi chamado e até hoje o chamamos assim. Éramos trinta e seis. Poucos dias depois daquele início, fui eleita representante de turma. Cheguei a confundir liderança com imposição quando um professor teve que sair da sala e me pediu para “olhar pelos colegas”. Inundados de entusiasmo musical, muitos tiraram as flautas das mochilas e começaram a tocar. Pedi silêncio, tomei as flautas. Aos onze anos, Igor deu início ao movimento de impeachment. Foi a primeira vez que resolvemos os problemas da nossa turma conversando. Não seria a última. Dois
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anos depois, deixamos de fazer eleições. “Nossa representante vitalícia” é uma frase que escuto com orgulho até hoje. É, quase 22 anos depois, o reconhecimento que me motiva a contar esta história. Um dia, estávamos na sétima ou oitava série, eu caí. Estávamos no recreio coberto para jogar pingue-pongue. Em volta da mesa, um grupo esperava o final da partida em curso. Davi foi buscar uma cadeira para sentar e, mal a pousou no chão, eu fingi que iria roubar o lugar. A cadeira foi puxada e, sem equilíbrio, caí. Corri atrás dele para me vingar da partida. Não era raiva, era vergonha. A minha corrida terminou na Disciplina. Ninguém me chamou. Fui, por vontade própria, refugiar-me naquele aquário refrigerado, onde os alunos não costumavam ir, a menos que tivessem contas a ajustar. Sentada na cadeira de costas altas, girava-a de um lado para o outro, respirando fundo e tentando controlar a vontade de chorar. O sinal tocou. “Não vais voltar para a aula?”. “Não”. Até hoje não sei dizer porque Robério me deixou ficar ali. Responsável por garantir a ordem, exímio em nos amedrontar, seria mais lógico que me tivesse encaminhado para a sala de aula. No entanto, ficamos ali os dois e ele não me fez perguntas, nem tentou forçar uma conversa que eu não queria ter. Deixou que eu ficasse quieta até que a minha angústia passou. Voltei para a sala na aula seguinte. Há pouco tempo encontrei com Robério na padaria perto da casa da minha mãe. Nos abraçamos. Talvez ele não saiba o quanto foi importante para o meu crescimento. Há momentos em que precisamos apenas do silêncio acolhedor de um ambiente seguro. Robério soube proporcionar a segurança para o meu silêncio. Comecei a respirar normalmente. Num ambiente onde me sentia protegida, também aprendi a proteger. Quantas vezes fui chamada, enquanto representante de turma, para
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estar presente nas “broncas” que os meus colegas ganhavam? Quantas vezes disse “vocês estão certos” para os coordenadores e professores, mas fiz de tudo para diminuir os castigos? Uma vez os meninos da nossa turma se envolveram numa briga com os pirralhos da quinta série. Nós éramos veteranos do segundo ano do ensino médio. O motivo não podia ser mais tolo. Futebol e o domínio da quadra. Crianças amedrontadas, pais histéricos, adolescentes revoltados. Vocês não iriam querer estar no meu lugar quando os representantes dessas facções se juntaram na sala da direção… Sobrou até para mim, uma “representante incompetente” que não sabe domar os seus colegas, de acordo com uma mãe. “Uma excelente aluna e representante”, de acordo com o vice-coordenador, que saiu em minha defesa e, em meio ao burburinho, arrancou um sorriso dos meus lábios. Três dias de suspensão para os meninos do Segundo Ano A. “E os da quinta série?”, perguntei. Afinal, também estiveram envolvidos na briga. “Os mais velhos deveriam ter mais responsabilidade”, responderamme. Embora compreendessem o nosso descontentamento com a decisão. “Se apenas os meninos do Segundo A forem suspensos, toda a turma vai junto”. E fomos. Três dias em que toda a turma se uniu na suspensão imposta a um pequeno grupo. Não o fizemos por solidariedade, pois reconhecíamos o erro dos nossos colegas. Fizemos por oposição a uma injustiça, já que os pirralhos da quinta série, também errados, não sofreram qualquer consequência pela zaragata. Até hoje somos uma turma. Há quinze anos deixamos o Colégio de Aplicação para seguir caminhos diferentes. Há dez anos troquei Brasil por Portugal. Tássia voltou para São Paulo, Isabelle para Belém, Maria Cecília para o Acre. Estamos espalhados pelo Brasil e pelo mundo. As histórias, o afeto e a tecnologia nos mantêm unidos. Márcio, Filipe e Emilany foram os primeiros a ter
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filhos. Nayane foi mãe recentemente e Antônio em breve será pai. Pelo meio Lívia, Taciana, Elaine, Renato, Ricardo e Jesse também já contribuíram para o nosso legado. Thiago pediu Daniela em namoro quando ainda estávamos no Aplicação. Hoje estão casados e vivem em Manaus. Aguardamos ansiosos pela descendência 100% interna. Já desabafei o fim de uma relação com Carlos Henrique, acompanho a alegria de Maria Teresa (“é com S e não com Z!”), comemoro sempre que um filme de Paulo Souza é selecionado para um festival, estou prestes a comprar uma passagem para ir encontrar Camila e Rafaella na Espanha, e na próxima semana vou receber Débora em Portugal. Sempre que vou ao Recife, dois compromissos não podem ficar de fora da agenda: encontrar os meus amigos do Aplicação e visitar o Colégio. Claro que aprendemos português, matemática, história, geografia, química, física, biologia… uma extensa lista de disciplinas. Mas o Colégio de Aplicação nos deu muito mais. Espírito crítico, capacidade de debater e respeitar pontos de vista opostos, alegria nas pequenas coisas, segurança e amigos. Éramos 36 em 1996. Formamos 17 em 2002. Hoje somos cerca de 30, descontados aqueles que se afastaram para não mais voltar. Mas somamos as famílias que se vão construindo, o que nos torna muitos e completos. Colegas por sete anos. Família para a vida. Quem me conhece bem ouve sempre falar dos “meus amigos do colégio”. Quem me conhece melhor já perguntou pelo menos uma vez: “porquê tens tanto carinho por este colégio?” E ouviu como resposta: “porque foi ali que encontrei segurança para crescer e me tornar quem eu sou”.
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A letra
escarlate
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A letra escarlate Silvia Amoedo
Acontecem coisas na nossa vida que definem decisivamente nosso caráter, nosso jeito de ser e de encarar as relações que iremos tecer com as pessoas, e também a forma como vamos nos posicionar ante as importantes decisões que tomaremos. Pode parecer lugar comum o que estou dizendo, afinal todo mundo, ao longo da vida, enfrenta experiências inusitadas. No meu caso, vocês vão concordar que minha conduta na vida foi definitivamente talhada por tudo o que aconteceu nesse período da minha jornada entre 11 e 14 anos, em que estudei no Colégio de Aplicação da UFPE. Por uma escolha da minha família, o que foi muito acertado, e por uma questão financeira, me tiraram de um tradicional colégio de freiras, onde estudei o que na época se chamava de alfabetização e primário, e me levaram a fazer o exame de admissão para ingressar no CAP. Fui, então, preparada para ter esse sucesso, fiz aulas particulares com uma professora que morava vizinha à casa da minha avó materna, recentemente tive o imenso prazer em rever "Dona", ainda firme, mas, infelizmente já esclerosada, não me reconheceu. O esforço valeu e ingressei no CAP, nada poderia ter acontecido de melhor em minha vida, naquela fase conturbada pela separação de meus pais, do que passar a fazer parte daquela turma maravilhosamente composta, no início, por trinta irmãos. Esse era o real sentimento que, com certeza, invadia todos nós, o de irmandade.
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Muitas experiências espetaculares foram vividas naqueles anos, ingressei no CAp com onze aninhos, uma adolescente já amadurecida por problemas vividos, os quais até adultos sofreriam ao enfrentar, mas que ainda carregava toda a inocência própria àquelas meninas naquela época. Tudo era novidade, "aventurescas" novidades. Tento lembrar de cada experiência vivida, infelizmente a memória me trai e ricos detalhes que escuto meus amigos da época contarem hoje, me fogem completamente da memória. Por outro lado, alguns fatos ocorridos ainda são muito fortes na minha lembrança. Professores que se tornariam inesquecíveis, padrão de referência de tudo o que representa competência e dedicação ao que se propõe fazer na vida. Deles ouvi frases que até hoje resumem o significado do que aconteceu e acontece em minha vida: " na vida não existe se só existe quando", "a mudança é o que caracteriza a realidade", "há de se ter na vida, paciência histórica".... e por aí vai. Tínhamos aulas interessantíssimas, sobre temas que com certeza seria muito chato estudar se as aulas fossem dadas por outros professores senão aqueles do CAp. Ah! o melhor de tudo éramos nós, eram eles: " meus colegas ", neles residia tudo o que experimentei de sentimentos bons em relação ao outro, amigos que eram verdadeiros irmãos, e mais ainda para mim, adolescente que enfrentavam a perda de toda a família paterna, com quem teria vivido até então. Mudei de estado, fui morar em Recife com a família materna, confesso que não me faltou carinho, nem amor, mas era ali no Colégio de Aplicação, que eu tinha meus amigos e amigas, companheiros camaradas para toda ocasião e necessidade... Embora não fosse uma escola com regime de tempo integral, passávamos praticamente o dia inteiro juntos, tínhamos aulas regulares pela manhã, e à tarde atividades de esportes e língua estrangeira, o que nos reunia novamente, e o melhor; os trabalhos em equipe
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que eram elaborados na casa de alguém, eram momentos de muita felicidade - estar com meus amigos em suas casas - sentia-me parte das famílias deles, a minha estava me causando dor, e que merendas deliciosas! Eu, que sempre fui gulosa, não esqueço o sabor de "certos" sanduíches! Seria um livro inteiro de recordações, quem sabe um dia o escreverei, começo a lembrar de um fato e surge outro e mais outro cada um melhor e mais engraçado, tudo era especial, inusitado, vivia aqueles dias intensamente, o que levei pela vida afora, conduta aprendida de uma poesia estudada na aula de literatura "...para ser grande ser inteiro, nada teu exagera ou exclui..." No CAp tive minhas primeiras experiências, em todos os aspectos; excelentes, boas e não tão boas, nunca uma ruim, não que me lembre. A mais inesquecível delas foi fruto do meu primeiro amor, talvez não tivesse chegado a amor, até porque teria sido platônico, mas com certeza a minha primeira grande paixão...obviamente vivida e sentida intensamente, como todas pela vida. Éramos uma turma maravilhosamente composta por meninos e meninas, no início em números iguais, depois mais colegas chegaram. Nós meninas saíamos formando casais, talvez os meninos fizessem a mesma coisa, não sabíamos. O parâmetro para a formação dos casais era simples, quem gostava de quem. Eu, infelizmente, resolvi gostar de um menino de quem outras amigas também gostavam, coisas da vida...ah! Mas ele era tudo de bom, fisicamente perfeito para mim, alto, moreno e cabeludo, não precisava de mais nada, e era completamente "metido à besta", o que o tornava inacessível para mim que apesar de tudo era tímida nesses assuntos, acho que durante todo o ginásio não tive uma só conversa com ele, vocês nem imaginam o que aconteceu de mais perto do que se possa chamar de intimidade...
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Foi ainda no primeiro ano do ginásio que essa louca paixão brotou em meu peito, tinha na época amigas confidentes, o que era essencial, todas tinham seus pares de amor ideal entre os meninos da turma, lembro como se fosse hoje do dia em que arquitetamos um encontro, um evento onde finalmente os casais formados por nós pudessem sentar juntos, lado a lado. Um ambiente que favorecesse a aproximação, para dali surgir algum tipo de relacionamento, sabe-se lá o quê? Iríamos todos ao cinema! Qual cinema, qual filme, nada disso me importava, no momento apenas importava que os meninos fossem, e eu só queria a oportunidade de sentar perto dele e para isso uma das amigas confidente se encarregou da logística e os pares foram formados como esperado. Só não saiu como eu esperava o contato com o meu par... Para essa ocasião algo era muito importante; a roupa que iríamos usar, com que roupa eu vou ao cinema que você não me convidou??? Resolvemos ir vestidas com roupas iguais e para tanto usamos a farda que desfilamos na abertura dos jogos estudantis, era perfeita, um short verde bandeira que tinha suspensórios como uma jardineira, uma blusa de malha branca por dentro e uma boina do mesmo tecido do short, estava mais para um boné, estiloso sim. A peça chave desse traje eram as botas brancas de cano alto e salto! Isso tudo em pleno verão de uma das cidades mais quentes do nordeste brasileiro, não importava, afinal o cinema tinha ar condicionado, coisa rara naqueles tempos e a causa era justa, justíssima, tínhamos um coração a conquistar. Pois bem, quase tudo deu certo, todos os meninos foram e sentamos nos lugares previamente imaginados à formação dos pares ideais, o filme começou, nem sei o que passava na tela, o importante era que o cinema ficou escuríssimo e eu estava ao lado dele!
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O coração pulava pela boca, o suor frio fez minhas mãos ficarem geladas e molhadas, que vexame! O que fazer para chegar perto dele? A descarga de adrenalina era tanta que eu nem via e nem ouvia nada, por fim e por instinto, o raciocínio estava embriagado, levantei meu braço para colocá-lo no braço da cadeira, àquele que ficamos disputando o tempo inteiro com os vizinhos, no cinema, no ônibus, no avião... nesse momento era ótimo que só houvesse aquele braço de cadeira para os nossos dois braços! Mas aí o pior aconteceu, no momento em que botei meu braço ele rapidamente tirou o dele, como se tivesse tomado um choque elétrico, meu Deus!!! Até hoje não sei descrever o que senti, sei que as lágrimas me vieram aos olhos, as quais rapidamente sequei para ele não notar, me recompus com elegância e até me cheguei totalmente para o canto oposto a ele na cadeira. Fiquei todo o resto do filme ali estática, só respirava para não morrer... Acabando o filme saímos todos dando risada, eu não sabia de que mas era a melhor formar de dissimular, não vi muito bem o que estava acontecendo, parece-me que alguns casais se formaram, eu e minha tristeza fomos juntas com a turma tomar o tradicional e delicioso sorvete na Fri-Sabor, tentava disfarçar a decepção, o certo é que, se eu já não falava com ele, depois dali então é que nunca mais lhe dirigiria a palavra pelo resto do ginásio. Paixão quando é grande e verdadeira não acaba fácil assim, essa foi a primeira aula prática que tive na vida sobre o tema, minhas solidárias amigas foram companheiras, me aconselharam a esquecê-lo, afinal havia outros meninos na classe, inclusive um que já tinha gritado, em um de seus ataques de loucura, bem alto e para todos, "Sylvinha eu te amo", era um afago, amor sempre é bem-vindo!!! Ainda ferida, mas apaixonada, em um dia de solidão e "fossa", cometi um ato insano, desesperada prova de amor, hoje tenho a impressão que queria que a minha paixão criasse asas e chegasse até ele através
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dessa atitude que, no fundo da alma, pretendia ver divulgada por minhas amigas. Não tenho a menor ideia onde vi algo parecido para imitar, porque não acredito que tenha idealizado sozinha o que fiz, autoflagelo; resolvi gravar a primeira letra do nome dele na pele da minha coxa, efetivamente não avaliei nenhuma consequência disso, só queria ter, como uma tatuagem, ele gravado em mim de alguma forma. Na minha astúcia, primeiro fiz com um palito de dente, que era mais fino, depois com um de fósforo para ficar bem profundo, fui ferindo minha pele, ali a cru, até que desenhei a letra, e depois foi só sangue, mas que orgulho, quando enxugava o sangue com um papel, aparecia a primeira letra do nome do meu amor não correspondido. No dia seguinte no colégio mostrei às minhas amigas confidentes o meu ato de bravura, tenho a impressão que elas não me apoiaram muito, enfim, estava feito. Continuava forte e com a esperança, remota, de que essa notícia chegasse até ele e o tocasse. Até hoje não sei se ele soube disso naquele momento, sei que contei para toda a classe 45 anos depois quando tivemos o primeiro encontro geral do nosso amado grupo. Essa tragédia foi maior do que minha inocência pueril podia prever, e para esconder aquela tatuagem da minha mãe, tive que usar roupas que cobrissem a ferida, não tive nenhum cuidado especial com aquilo, sequer um antisséptico usei, não deu outra, infecção certa. Um febrão me levou para cama, minha mãe desesperada chamou meu tio que era médico, achando que fosse mais uma das minhas corriqueiras crises de garganta, quando ele chegou tive que contar o que houve e mostrar a ferida que eu mesma tinha feito em minha perna. Resultado: dor, inflamação, remédio, fiquei de castigo sem sair de casa e sob ameaça de levar uma "pisa de chinelo" quando a febre passasse.
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Homenagem aos 60 anos do Colégio de Aplicação da UFPE
Certo é que com esse menino nunca tive nada, nem mesmo amizade, outros foram muito mais próximos que ele e minha paixão com a mesma força que se instalou, partiu. A tatuagem na perna não parecia em nada com a primeira letra do nome de ninguém, ficou uma marca grande e irregular que demorou muito de ser coberta pelo sol. A experiência serviu, não mais me feri quando me apaixonei, fui apenas feliz e segui adiante quando por algum motivo acabavam as paixões que tive. Colégio de Aplicação da UFPE, o melhor que tive, marcou decisivamente minha vida, com certeza nada igual me aconteceu, lá vivi minhas mais significativas experiências, aprendi as coisas mais importantes da minha vida e fiz os melhores e maiores amigos e amigas que tenho até hoje, e que depois de reencontrar a todos, nunca mais quero perdê-los.
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O CAp que existe
em mim
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Dos vetores unitários à gramática reflexiva: o Colégio de Aplicação que existe em mim Taciana Pontual da Rocha Falcão
Os olhos brilhavam e a voz tremia ligeiramente. Suspeito que a paixão que transparecia na sua aula sobre a Revolução Russa estivesse, naquele momento, acentuada pelos ânimos da recente greve – cujo resultado já não lembro. Naquela manhã de sábado, talvez eu fosse a única pessoa genuinamente imersa no seu relato, um monólogo para o vazio, exclusivamente apoiado em sua própria memória. Uma aula que eu hoje, como professora que me tornei, não ousaria repetir, pois a julgaria excessivamente tradicional, uma exposição de conteúdo a alunos passivos que facilmente adormeceriam. Ou talvez porque eu não seja capaz de contar uma história como o professor Tarcísio. É muito provável que ninguém além de mim lembre desta ocasião, talvez porque até mesmo eu, a aluna dedicada, tenha ficado surpresa com o interesse e a fascinação que senti naquela manhã, enquanto todos maldiziam a obrigação de ter aulas aos sábados para repor o tempo de greve. Embora eu tenha me tornado uma entusiasmada autodidata em Educação, nunca consegui explicar racionalmente a formação que acontece no Colégio de Aplicação. A liberdade que tínhamos àquela época, a década de 90, hoje me soa inacreditável, arriscada até, e, no entanto, a possibilidade de ir e vir parece ter construído em nós uma responsabilidade precoce. De certa forma, era inviável impedir nossa circulação para além das grades do colégio, visto que nos meus
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primeiros anos não havia pátio e jogava-se bola pelos gramados da universidade; não havia quadra e íamos caminhando para as aulas no Núcleo de Educação Física; não havia refeitório ou cantina e íamos almoçar na lanchonete no Centro de Artes e Comunicação (CAC) ou mesmo na parada de ônibus próxima ao Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH); não havia nem mesmo salas suficientes para o horário integral e durante algum tempo tínhamos aula no Centro de Educação. Desaparecíamos pelo labirinto de corredores do CAC, subíamos aos andares mais altos do CFCH, circulávamos furtivamente pelo Bar da UNE nas sextas à tarde, e ninguém estranhava aquelas crianças fardadas em meio aos universitários, as crianças do campus, as crianças do Aplicação. De alguma forma inexplicável, esse dia-a-dia desregrado funcionava, o caos se auto -organizava, com um ou outro percalço típico de adolescências, aqui e ali. Sobrevivemos. Sobrevivemos a todas as vezes em que o professor Jonathan perguntou “leu o livro?” olhando nos olhos de cada aluno, emendando com: “capa e contracapa?”, para dar uma chance à honestidade, naquela voz grave, autoritária e assustadora. Muitos mentiam auto organizava todos sabíamos e ele próprio também, é claro - mas hoje entendo sua opção por educar por meio do voto de confiança. No nosso último ano, Jonathan recusava-se a considerar a existência do vestibular, apesar dos pedidos desesperados de alguns de nós. Em vez disso, ele resolveu nos apresentar à Gramática Reflexiva, que eu nunca entendi se era algo “real” ou da sua cabeça, e suas respostas evasivas me angustiavam profundamente. Segundo a Gramática Reflexiva, qualquer resposta poderia estar correta desde que conseguíssemos convencer Jonathan com argumentos plausíveis. Ele pausava, mantinha uma expressão enigmática, dizia “Mmmm”, e ninguém sabia prever como cada episódio iria se desenrolar. Foi a Gramática Reflexiva que
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completou o conhecimento cuja base tinha sido tão solidamente construída pelo professor Antônio Neto, nas séries anteriores, com suas análises sintáticas de frases que tomavam linhas e mais linhas do quadro negro, e que nos faziam sentir pena das estagiárias que apareciam com “Maria jogou a bola”, em toda sua boa vontade. E foi assim que eu acertei todas as questões de Português do vestibular: sem jamais ter sido “treinada” para tal. Que privilégio era termos professores que não sofriam a pressão do mercado de cursinhos preparatórios, e que tinham liberdade de inventar gramáticas, usar todo o espaço do quadro para uma única frase, ou proferir palestras apaixonadas mesmo diante de olhares apáticos. A liberdade de ensinar matemática como o professor Abraão, que, sentado atrás do birô, alegava preguiça de resolver o problema no quadro, provocando, revoltando ou decepcionando, mas na realidade poderia eu dizer hoje no meu linguajar pedagógico - “estimulando nossa autonomia”. A liberdade da professora Idalina de nos fazer perceber que a história não está apenas nos livros e no passado, mas era feita por nós a cada dia, estava estampada nos jornais, e assim surgiram as pastas com recortes de jornais sobre tema de livre escolha, e eu ansiosamente coletava tudo que fosse relacionado às eleições municipais daquele ano. Ou ainda, a liberdade de ensinar assuntos de nível universitário, como os vetores de Gilberto, uns tais de “i” e “j” que apareciam no quadro negro de todas as aulas de Física, dos quais ele nunca abria mão, nunca desistia por mais notas baixas que eles causassem, vestindo camisas velhas de tudo quanto era programa social, arrastando os pés em alpercatas frouxas, colocando seus óculos escuros espelhados durante as provas, para que ninguém adivinhasse a direção do seu olhar. Nunca, jamais, Gilberto insinuou que devêssemos decorar
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alguma fórmula, e sempre começávamos as resoluções de problemas montando esquemas gráficos e posicionando as forças sobre os objetos. Quando eu fui parar em um cursinho de Física por causa da greve de seis meses no meu último ano, resolvia todos os exercícios adiantada e entediada, enquanto o grupo de alunos recitava com o professor truques mnemônicos como “sorvete” e outras coisas desnecessárias. O professor do cursinho era bem articulado, alto e elegante, e eu tinha saudade do arrastar de pés desleixado de Gilberto sob o calor dos ventiladores quebrados. Tivemos nossos momentos difíceis. Greves demais e recursos de menos, o cansaço dos professores, que às vezes pareciam prestes a desistir. Desrespeito de ambas as partes, agressões verbais, suspensões, sala da disciplina. As idiossincrasias de alguns professores, que hoje nos fazem rir, mas que nos esmagavam com definições a serem memorizadas, textos a serem copiados ou datas a serem compulsoriamente comemoradas confeccionando “cartazes” individuais em tamanho A4 sem piedade dos que tinham limitados talentos artísticos. Nos primeiros anos, antes dos bebedouros, a água potável do dia limitava-se ao que coubesse no cantil que cada um levava, por vezes “roubada” pelos colegas de classe quando voltavam suados do futebol do recreio. Mas se você, leitor, pudesse me perguntar o que eu sinto como ex-aluna do Aplicação, eu diria sem titubear, e engrossando o coro geral, orgulho. Mas orgulho do bom, de quem foi formada em um ambiente vivo e real, cru e por vezes cruel, mantendo nossos pés no chão, convivendo com a diversidade das classes sociais e das regiões do país. Não o orgulho nocivo da competição e superioridade, mesmo porque nunca nos sentimos assim, tampouco fomos estimulados a tal.
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Desconheço o Aplicação do novo século. Só vou à escola a cada dois anos, por ser o local da minha zona eleitoral, mais precisamente na sala de Francês. Mas quero crer, e assim me parece, que continua sendo essa coisa que não se explica. Esse sentimento de família que permanece mesmo após 20 anos de formados. Essa história que nos une, as lembranças dos bons e maus momentos, as greves mais frequentes do que deveriam ser, o calor, a saudade. As amizades que se formaram apesar de ou graças às diferenças entre nós, filhos de militares, intelectuais de esquerda, conservadores, donas de casa, pessoas que não conseguiram completar a educação básica e pessoas com grau de doutor, gente de Fernando de Noronha, Rondônia, Rio Grande do Sul, gente voltando dos Estados Unidos, da França, gente que rodou o mundo e gente que jamais saiu de Pernambuco. O colégio era de todos. Daqueles que passavam mais de uma hora no ônibus para chegar à escola e daqueles que vinham no conforto do carro dos pais. Daqueles que fizeram a prova de seleção duas ou três vezes para ter acesso a uma educação pública de qualidade - essa bandeira que ainda tremula - e daqueles que entraram por força de lei. Circulávamos entre churrascos nas casas grandes com piscina, quartinhos no subúrbio onde nos apertávamos para assistir fitas VHS dos nossos ídolos do momento, e quadras dos condomínios militares para jogar vôlei a andar de patins. Fomos às ruas vender camisas para arrecadar verbas para a reforma do recém-incendiado teatro da universidade. Nunca tivemos grandes festas ou comemorações sofisticadas, dada a falta de condições da escola e de muitos pais e mães, mas todos vestiram uma roupa bonita e tomaram seu lugar nas cadeiras de plástico colocadas no pátio coberto para que a formatura não passasse em branco.
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Nos últimos dias de escola, tiramos uma tarde para ir passear nos espaços de convivência do Clube Universitário como uma despedida dos lugares, momentos e pessoas, o coração apertado pelo sentimento da ruptura próxima, da bifurcação de caminhos, vestidos com as camisas comemorativas dos então 40 anos do CAp, achando que não poderíamos viver uns sem os outros, sentindo-nos os melhores amigos do mundo, e sabendo que em breve não mais o seríamos. Vinte anos depois, vivemos em diferentes cidades e países, seguimos todo tipo de profissões, e estamos conectados por nossos mágicos telefones celulares e seus inevitáveis grupos de Whatsapp. Brigamos por conta de política, esforçamo-nos para manter o encontro de Natal apesar das divergências e prioridades da vida adulta, acompanhamos casamentos e nascimentos, doenças, vitórias, e até mesmo a morte, mas ainda fazemos as mesmas piadas e contamos as mesmas histórias. Vez ou outra nos momentos nostalgia, alguém manda uma foto daquele fim de semana na praia, da camisa dos jogos escolares assinada pelos amigos, ou do carnaval de Olinda em frente à casa Bonfim 123. Seguimos sem conseguir organizar uma grande comemoração, talvez porque nunca as tivemos, mas nos prometemos que de 2018 não passa, afinal, são os vinte anos da turma CAp98. Nunca tive oportunidade de perguntar a Jonathan o que era, de fato, a Gramática Reflexiva, e de dizer-lhe que imagino até hoje se eu a sigo nos textos que escrevo como hobby. O professor Antônio Neto me emociona a cada vez que curte ou comenta uma crônica minha no Facebook, pois sua opinião sobre meus textos sempre terá a mesma importância dos meus 13 anos. Gilberto deveria saber que os seus
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Homenagem aos 60 anos do Colégio de Aplicação da UFPE
vetores unitários e a forma como ele me ensinou a resolver problemas sem memorizar fórmulas tornaram as disciplinas de Física 1, 2 e 3 no meu curso de Ciência da Computação um passeio, e moldaram para sempre meu raciocínio lógico-matemático. Acompanho com orgulho os projetos sempre inovadores da professora Idalina, que ela vez ou outra divulga no Facebook. Ela deveria saber que um dos seus alunos mais rebeldes tornou-se um brilhante jornalista doutor em literatura. Que árdua e deliciosa tarefa é revirar lembranças de uma vida em busca de palavras e momentos que, ao unirem-se a outros relatos, expliquem e celebrem o Aplicação. Este relato transborda de distorções inconscientes da memória e liberdade poética intencional. Não é verdade ou mentira, mas vivência e pertencimento. É o Colégio de Aplicação que existe em mim.
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Páginas que voaram dos diários: meu primeiro encontro com o cap Adriana Letícia Torres da Rosa José Batista de Barros Madson Gois Diniz
60 anos: quantas memórias e histórias cabem nesse intervalo de tempo? Em homenagem aos tantos minutos vividos por tantos muitos alunos e seus familiares, professores, servidores técnico-administrativos, funcionários terceirizados... resolvemos pinçar páginas de diários que trazem conceitos e preconceitos a respeito do Colégio de Aplicação... o que se fala e o que se ouve antes mesmo de se chegar ao CAp como membro de sua comunidade escolar... o que se sonha, o que se pensa, o que se espera dessa escola... Nesse caminhar, como recorte de estudos realizados pelo Grupo de Pesquisa “Experimentação Pedagógica e Formação de Professores na Educação Básica: Núcleo de Estudos Literários e Linguísticos” (CNPq), socializamos análises qualitativas de uma experiência pedagógica de escrita de diários que teve por basilar a imersão no regate de memória e na reflexão sobre a chegada ao Colégio de Aplicação como aluno novato. Entendemos que o debate suscitado por esse diálogo revela-se importante para o entendimento, mesmo que singular e breve, da muitas e novas relações que se iniciam ao se chegar num novo contexto educativo. Este trabalho tem como objetivo analisar as “páginas de diários” produzidas por alunos que ingressaram no Colégio de Aplicação (CAp) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) no ano 2017, verificando, com base nas características do gênero diário pessoal, o
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seu conteúdo temático relativo aos (pre)conceitos sobre o CAp UFPE apresentados por esses estudantes do 6º ano do ensino fundamental. Ancoramos nossa abordagem na perspectiva do dialogismo de Volochínov (2017) para quem a linguagem é uma forma de interação social. No seio dessa concepção, os gêneros são formas relativamente estáveis de enunciados que materializam a linguagem e as possibilidades de ação em sociedade. Assim, partimos do pressuposto de que o estudo do funcionamento sociodiscursivo e textual dos gêneros textuais permite-nos identificar propósitos comunicativos articulados aos conteúdos temáticos, composições e estilos típicos de uma esfera social, como é o caso da acadêmica ou da familiar (cf. BAKHTIN, 2003). Para compreensão e análise dos (pre)conceitos, pautamo-nos na perspectiva a produção discursiva humana ancora-se nas relações (entre)discursos: o que se produz remete-se ao que já foi dito, bem como se projeta aos discursos que ainda estão por vir. Metodologicamente, aplicamos uma sequência didática com o diário pessoal, a fim de se conhecer as características sociais, discursivas e textuais do gênero textual citado. Como produção de texto final, solicitou-se que os alunos escrevessem uma página de diário, registrando sua experiência de vida quando chegaram ao CAp pela primeira vez a fim de que se compusesse uma coletânea com os textos da turma: “Meu encontro com o CAp”. Os 60 textos produzidos compõem o corpus desse estudo que tem como sujeitos crianças de 10 a 12 anos, oriundos, em sua maioria, de escolas públicas e privadas do Recife e Região Metropolitana que ingressam no Colégio por meio de uma avaliação classificatória com provas de Matemática e Português. Chegando numa nova escola, apresentam (pre)conceitos e expectativas sobre essa, revelados nas páginas de diários escritas.
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Aspectos Dialógicos do Diário Pessoal As bases do interacionismo social direcionam os estudos da linguagem verbal centrando-se em linhas mestras como: o dialogismo orienta toda ação semiótica humana e a interação constitui a substância da língua. No que se refere ao dialogismo mais especificamente, esse é tido como um dos elementos constitutivos essenciais da linguagem verbal pela relação existente entre os sentidos e a palavra como uma ação responsiva. Há de salientarmos ainda, ser o dialogismo a condição precípua do discurso: toda palavra nasce em resposta às que já foram ditas e projeta uma resposta daquelas que estão por vir. Como bem nos apresenta Volochínov (2017), assim se explica a metáfora: a linguagem se constitui na corrente ininterrupta da comunicação humana historicamente marcada. Com tal orientação teórica, analisamos as páginas de diário escritas pelos estudantes, considerando no seu conteúdo as marcas dialógicas e ideológicas que trazem ao descrever o que é o Colégio de Aplicação, bem como as vozes do discurso citadas que referendam a construção desse “preconceito” a respeito da escola na qual irá ingressar. O dialogismo constitui-se como marca efetiva das relações entre palavras, enunciados, textos, imagens, e de todas as relações ideológicas e axiológicas das vozes sociais, que atravessam e constituem os discursos. Segundo Volochínov (2017) o dialogismo pode ser definido como toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja. Nesse sentido, podemos afirmar que a palavra chave da teoria linguística bakhtiniana é o dialogismo. A Teoria dos Gêneros do Discurso de Bakhtin (2003), pautada no dialogismo da interação comunicativa, deixa claro que todo e qualquer gênero responde a enunciados anteriores, assim como se projeta em razão de uma resposta a enunciados a ele posteriores:
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Toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém como pelo fato de que se dirige a alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor com o ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra me defino em relação ao outro, isto é, em última análise em relação à coletividade [...]. (VOLOCHINOV, 2002, p. 113)
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O diário pessoal revela uma escrita íntima cujo leitor primeiro seria o próprio produtor, e neste trabalho, as páginas escritas pelos alunos comportam em si as memórias do cotidiano recém vivido com a chegada no Colégio, perpassando, no discurso, a imagem pré-construída sobre o Colégio: seja nas rodas de diálogo em ambiente familiar ou demais espaços discursivos, como vizinhança, escolas e cursinhos preparatórios para a prova de seleção. Nesse contexto, os signos refletem e refratam o mundo, ou seja, além de remeter a uma realidade que está fora de si mesmo, constroem diferentes percepções socioideológicas desse mundo; como retrata Volochínov (2017), cada campo da criatividade ideológica tem seu próprio modo de orientação para realidade e refrata a realidade a sua própria maneira. Qualquer necessidade natural para transformar-se em desejo humano, sentido e expresso, é preciso passar pelo estágio de refração ideológica e social, uma vez que depende do entorno da linguagem. A constituição dos gêneros ancora-se, dentre outros elementos, nas relações que mantêm com demais gêneros já produzidos socialmente. Com esse entendimento, Bakhtin (2003) pensa a constituição do discurso, atestando que os enunciados, leiam-se os gêneros textuais, são plenos das palavras dos outros. Nesses termos, todo gênero tem em sua formação marcas dos demais e essas relações possuem graus distintos de assimibilidade e de relevância.
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O diário pessoal apresenta uma linguagem simples, coloquial e familiar, sem preocupações literárias. Nesses registros, encontram-se suas experiências, ideias, opiniões, desejos, sentimentos, acontecimentos e fatos do cotidiano e que sempre tem o próprio escritor como destinatário. Caracteriza-se como um texto narrativo que apresenta a ação de um personagem num determinado tempo histórico e espaço. Também pode tomar a forma de um texto descritivo no momento em que o escritor se ocupa em relatar determinado lugar ou acontecimento e repletos de adjetivos, os quais descrevem ou apresentam imagens a partir das percepções sensoriais de quem escreve. Como todo gênero do discurso, o diário apresenta características que faz com sua identificação seja fácil, frente a alguns aspectos contidos na sua composição, que o diferencia de imediato de outros gêneros semelhantes: narrativa de histórias verídicas; escrita íntima e confessional; geralmente, linguagem empregada na primeira pessoa, de caráter subjetivo; sinceridade do escritor; escrita em longos ou curtos períodos; expressividade e espontaneidade; registros em ordem cronológica, as páginas costumam ser datadas. É uma parte essencial de um diário, pois registra um tempo histórico; uso de vocativos, uma vez que não é escrito para uma pessoa específica; o desenvolvimento que se refere à parte na qual os registros e as informações mais importantes são detalhadamente registradas e finalmente a assinatura que evidenciar o autor do texto. O objetivo principal desse gênero, para seu autor, é o registro de ideias e opiniões sobre a realidade que o cerca, como a expressão de sentimentos significativos para a sua lembrança ou simplesmente uma forma de desabafo, dada a capacidade da pessoa que o produz de dar ao mesmo o caráter da personificação. No diário, historicamente as palavras de outrem podem ser retomadas, de forma mais ou menos consciente, resgatando-se para a produção de linguagem não apenas seus aspectos formais, mas, sobretudo sociodiscursivos,
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pois, conforme nos diz Volochínov (2017), essas palavras dos outros trazem consigo a sua expressão, o seu tom valorativo que assimilamos, reelaboramos e reacentuamos.
As páginas que voaram dos diários Após vivenciarem momentos de estudo do diário, com base na aplicação de uma sequência didática (20h/a) com o referido gênero textual, as características sociais, discursivas e textuais do desse foram discutidas. Inicialmente foi proposta uma atividade de caráter anual chamada “Diário de Leitura”: os alunos teriam que relatar diariamente, em um caderninho, suas experiências com os livros literários indicados pelo docente para leitura extraclasse. Semanalmente, eram convidados voluntariamente a socializar suas escritas com a turma, momento em que se discutia não apenas as características do gênero, mas também as compreensões e interpretações das obras literárias. Além disso, ainda abordando o gênero, numa roda de diálogos, os alunos foram convidados a relatarem suas experiências prévias com o diário, e notaram que esse não é tão usado no cotidiano atual como já fora por gerações passadas. Relembraram-se vivências de leitura com diários publicados e a maioria estudantes demonstrou conhecer obras de diário ficcional como “O diário de um banana” de Jeff Kinney, “Diário de uma garota nada popular” de Rachel Renee Russell, “Destrua este diário” de Keri Smith, “Querido diário otário” de Jim Benton, “Diário de um adolescente hipocondríaco” de Aidan Macfarlane. Realizaram-se leituras comparativas entre páginas do diário ficcional e páginas de diário íntimo ou de livros de memória, em especial, o “Diário de Anne Frank” de Anne Frank, “Minha vida de menina” de Helena Morley, “Quarto de despejo: diário de uma favelada”
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de Carolina Maria de Jesus. Com as leituras, verificaram-se aspectos relativos ao contexto de produção (quem escreve, a quem se dirige, com que objetivo, onde se publica), bem como os elementos linguísticos usados para se atingir aos propósitos comunicativos em curso (marcas que expressam tempo e espaço; vocativos; foco narrativo em primeira pessoa e o tom confessional; adjetivação e a descrição de ações, pensamentos e pessoas/personagens; níveis de formalidade na seleção das palavras; dentre outros). Como produção de texto final, solicitou-se que os alunos escrevessem uma página de diário, registrando sua experiência de vida quando chegou no CAp pela primeira vez a fim de que se compusesse uma coletânea com os textos da turma “Meu encontro com o CAp”:
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Produção de texto: Meu encontro com o CAp (Diário íntimo) O quê? Você vai produzir uma página de diário íntimo (ou mais de uma), registrando sua experiência de vida quando você chegou no CAp pela primeira vez. Para quem? Embora seja um diário íntimo, essa produção será reunida com as produções dos demais alunos do 6º ano do CAp para compor um pequeno livro em homenagem aos 60 anos do Colégio que será em março de 2018: “Meu encontro com o CAp... páginas que voaram dos diários”. Observe que a comunidade do CAp poderá ler seu texto então , mãos à obra! Como fazer? O narrador será você mesmo. Para construir a sua narrativa, é preciso que você tenha em mente algumas das suas principais características, não só físicas, mas também seu “modo de ser” (tímido, extrovertido, medroso, corajoso etc). Essas características ajudarão a pensar nos acontecimentos a serem narrados e como você reagiu a esses acontecimentos.
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Para falar sobre O PRIMEIRO DIA NO CAp (08 de março de 2017, quarta-feira), faça um resgate da memória e registre o que você julgar mais interessante: - Quando você estava para entrar no CAp pela primeira vez, o que você pensou ou sentiu... (você se lembrou de como soube que passou no CAp? Com quem você estava? Como reagiu?) - Antes de conhecer o CAp, como você imaginava que ele era? E depois de conhecê-lo, a impressão foi a mesma? - Você teve medo (ou outro sentimento) em relação dessa nova fase na sua vida? Por quê? Como você superou possíveis dificuldades? - Quando você chegou ao CAp, que sensação teve? O que ocorreu de mais interessante... O que você esperava do CAp dali em diante... Relembrando a estrutura de um diário Colocar marcas de tempo ao iniciar sua narrativa: data, dia da semana... Iniciar a narrativa de cada dia com um vocativo: Querido diário, Diário, Amigo Diário, Amigo... ou qualquer outro nome que queira dar ao seu diário. Dirigir-se ao diário, ao longo do texto, como se ele fosse uma pessoa com quem você está conversando: “Sabe, diário, sempre que eu pensava no CAp...”; “Não sei se já falei com você sobre a ...”. Registrar os acontecimentos vividos e os sentimentos despertados por eles.
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Após a primeira escrita, os alunos realizaram seções de leituras em pequenos grupos, solicitando opinião dos colegas sobre os textos produzidos; o professor também realizou a leitura das “páginas”, observando as necessidades de adequação sociodiscursivas e linguísticas das produções às características do gênero, incluindo o uso da norma culta. Posteriormente, houve a atividade de reescrita e a exposição dos textos em painel na sala de aula para que todos pudessem ler, em momento oportuno, os textos dos colegas.
Planando e pairando sobre as páginas dos diários Com a pretensão de analisar as “páginas de diários” produzidas por alunos que ingressaram no Colégio de Aplicação da UFPE no ano 2017, a fim de identificar (pre)conceitos sobre o Colégio dos novos estudantes, procedemos com a leitura do corpus. Como categoria de análise, elegemos verificar a configuração das marcas dialógicas articuladas à definição ou descrição do Colégio de Aplicação: discurso citado, alusão ou menção a fontes ou referências de outros discursos sociais presentes em suas páginas de diário. Centramos nossa leitura interpretativa nos trechos do diário em que os alunos buscaram responder as questões da proposta de produção que envolviam expressar seus sentimentos quando estava para entrar pela primeira vez no Colégio (as lembranças de como soube que passou na prova de seleção do CAp; com quem estava; como reagiu); bem como nas memórias de antes de conhecer o CAp (como imaginavam que ele era e como, depois de conhecê-lo, as expectativas se confirmaram ou não).
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O CAp significa Colégio de Aplicação, conhecido no Brasil inteiro (mas muitos daqui da cidade não o conhecem). Aluno 1 No começo eu nem sonhava com o que era o CAp, eu também não sabia para que servia a prova da UFPE. Minha família explicou, mas não prestei muita atenção na informação. Aluno 2
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Nos contextos sociais em que circulam, os estudantes ingressos têm contato com uma série de discursos anteriores que contribuem para formar a sua ideologia prévia sobre a instituição. Grande parte dos alunos cita o discurso da mídia quando essa apresenta o CAp e seus resultados positivos em avaliações, como o Exame Nacional do Ensino Médio ou a Prova Brasil (avaliação voltada para o ensino fundamental). O Projeto Pedagógico do CAp assinala as marcas do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) referentes à instituição, indicando média superior a 8, numa escala de 0 a 10. Criado em 2007, de acordo com o Ministério da Educação, o IDEB reúne, em um só indicador, os resultados de dois conceitos aferidores da qualidade da educação: o fluxo escolar e as médias de desempenho nas avaliações nacionais. Seu cálculo pauta-se nos dados sobre aprovação escolar, obtidos no Censo Escolar, e das médias de desempenho em avaliações específicas às quais as escolas do país são submetidas. Contudo, alguns percebem, que apesar de apresentar um IDEB alto, maior que a média nacional, e por isso ser reconhecido como uma das melhores escolas públicas do país, há muitas pessoas da própria cidade que não sabem nem que essa escola existe: um contrassenso. Isso
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explica, por exemplo, o fato de que alguns alunos chegam no Colégio até mesmo sem referências prévias sobre a mesma. Esse aspecto foi observado, em especial, nos textos dos alunos cujo perfil se associa a estudantes oriundos das reservas de vagas. Em suas composições, a grande parte afirma não ter participado de cursos preparatórios para a realização das provas de ingresso, seja por não terem condições financeiras para tal, seja por não saber que há uma cultura social de realização de cursinhos para preparação à seleção do CAp, seja ainda por muitas vezes as próprias famílias não investirem esforços nesse sentido por acreditarem que o CAp é um distante “projeto de vida”.
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Depois de mais algumas aulas, percebi que esse colégio era como qualquer outro e não como diziam: afirmavam que esse colégio era bem mais difícil que o normal e blá blá blá. Aluno 3
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Os estudantes também destacam em suas produções a referência às tantas vozes sociais que já os circundaram quando o tema central das conversações na família, nas antigas escolas ou nos cursos preparatórios frequentados, se falava do CAp. Por exemplo, o uso do sujeito indeterminado “diziam”, “afirmavam”, na citação do Aluno 3, reforça a ideia de que se concebe que o CAp é uma escola “bem mais difícil”, bastante exigente, o que supõe-se advir de toda “magia” que se propaga na interpretação dos seus resultados, como mencionado, quanto à excelente avaliação nacional enquanto escola pública. Esses discursos prévios perdem a força quando os alunos conhecem de fato a realidade do CAp... aquela visão de que o Colégio era uma escola fora do “normal” é substituída por um sentimento de familiaridade, de realidade: o espaço, os professores, os alunos, os servidores,
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o currículo não parecem, a primeiro impressão, tão distinto das demais escolas já conhecidas... e o discurso do medo vira ironicamente apenas um “blá blá blá”.
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Imaginava que o Colégio era grande, que os alunos eram legais e que os professores eram ótimos. Aluno 4 Quando eu soube que passei na prova, fiquei muito feliz! Minha mãe, meu pai e meu irmão também ficaram muito felizes... Aluno 5
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Reforçamos a tese de que as impressões sobre o colégio, - os alunos, os professores entre outros-, nascem do diálogo do estudante ingresso com vozes escutadas anteriormente. Alguns trazem nas suas bolsas o ideário de que há uma perfeição em relação ao CAp e seus atores, a qual se traduz nas várias adjetivações positivas que os diários expressam: “alunos legais”, “professores ótimos”. Em geral, essas adjetivações estão presentes nos textos daqueles alunos que mencionam o quanto se prepararam para fazer a seleção de ingresso na escola, bem como indicam o quanto a sua família investiu no projeto de estudo para a conquista de uma vaga na renomada instituição e o quanto ingressar como aluno do Colégio traz felicidade para essas pessoas: a satisfação de vencer desafios e realizar sonhos. Nesse caso, as expectativas em relação ao Colégio são elevadíssimas.
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Eu estava muito nervosa porque achava que o povo era chato, metido, nerd, racista... Aluno 6 A escola é muito legal. Todas as más impressões que eu tinha mudaram completamente e estou amando o colégio. Aluno 7
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Contudo, não só de perfume vivem as rosas... no imaginário que carregam, alguns estudantes creem que o CAp é uma escola cheia de espinhos: reconhecemos que essas impressões negativas associam-se ao contexto político e histórico brasileiro sobre a Educação, visto que no nosso país, educação de qualidade está relacionada à práticas mercantilistas e elitistas. Na terça parte das páginas dos diários em análise, há passagens que indicam certa aflição narrativa no estabelecimento desse primeiro contato com o Colégio, por seus autores imaginarem que estariam rodeados de “chatos”, “metidos” e até “racistas”. Interpretamos, nesse sentido, que o CAp, no imaginário social dessas crianças, não deveria ser um espaço aberto à inclusão social. Os discursos prévios criam no imaginário estudantil ideias sobre as pessoas com quem irão conviver, fato esse que é quebrado ao entrarem em contato direto com essas e verificarem, por exemplo, que os colegas de turma são tão crianças quanto qualquer outra da sua faixa etária. Ademais, o convívio diário com a filosofia da qualidade com compromisso social, acaba por desmistificar as “más impressões” antes construídas para a ressignificação das concepções: “a escola é muito legal (...) estou amando o colégio”.
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Os princípios formativos do Colégio de Aplicação, delineados pela comunidade escolar no seu projeto pedagógico, apontam para constante (re)construção da escola como conhecedora e envolvida com a realidade social que a cerca, colaboradora na formação do cidadão reflexivo, crítico e partícipe, uma escola que se fortalece quando envolvida pela participação efetiva da comunidade, com base em soluções partilhadas na construção da sociedade desejada: justa, igualitária, democrática e solidária. Um dos marcos da sua história, nesses 60 anos de existência, foi a opção pela mudança na forma de ingresso, saindo do modelo exclusivo de seleção com base em provas cujas vagas destinavam-se à livre concorrência, para efetivação do ingresso, em 2017, com metade das vagas destinadas a alunos que cursaram integralmente os anos iniciais do ensino fundamental em escolas públicas. A educação inclusiva cada vez mais se consolida no projeto educativo do Colégio e a nova realidade no perfil do ingresso aponta para uma redefinição da identidade da escola enquanto espaço de formação de professores para as licenciaturas que (re)pensa constantemente o currículo para agregar um público mais heterogêneo e plural.
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Últimas letras As perspectivas dos diários escritos pelos estudantes do CAp perpassam diversos aspectos: a reflexão, a expressividade, o caráter referencial e o elemento histórico. A escrita diarística permite uma estratégia recursiva à consciência da escrita enquanto processo, integrando narrativas e histórias, convergindo o tempo ficcional com o tempo real. Em outras palavras, o diário deflagra através da escrita de si a possibilidade de escrita do outro. Quando os discentes escrevem em seus diários as experiências vividas, acabam por recontar e reconfigurar a própria história do Colégio de Aplicação. O diário enquanto documento da memória é a biblioteca dos fatos, medida do tempo e observador imparcial que substitui a realidade enquanto vivência em realidade textualizada. Se os diários são espaços transformadores de negociação entre o individual e o coletivo, entre a história de vida e as histórias de vidas, as páginas que voaram do diário ganham contornos ainda mais expressivos, realçando imagens pré-concebidas, estereótipos, espaços e percepções de si, do ato de estudar e de ser escola. A compilação de narrativas aqui apresentadas possibilita evidenciar os limites e possibilidades do que é o Colégio de Aplicação da UFPE e do que representa no imaginário social. Também permite uma aproximação entre a escola idealizada e a escola real, problematizando estigmas e lacunas dos lócus educacionais brasileiros. Desta análise, pode-se apontar a importância do diário como uma ferramenta de diálogo, instrumento reflexivo e aferidor dos significados da escola e dos espaços escolares. Além disso, o gênero possibilita um canal dialógico entre as identidades dos discentes e a própria identidade do Colégio de Aplicação, favorecendo a interlocução das instâncias de formação e gestão.
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As páginas que voaram dos diários revelam a diversidade de olhares a cerca do Colégio de Aplicação. Olhares esses que veem se transformando a cada primeiro e último encontro de cada um que faz a instituição ao longo desses 60 anos de história. Desde 10 de março de 1958 até os dias atuais, o Colégio desafia-se, com seus atores, a consolidar-se como um espaço de experimentação e demonstração de inovações pedagógicas, que colabora firmemente com a formação inicial e continuada de docentes e com os debates relativos à geração de políticas de Educação Básica no Brasil, mas, sobretudo desafia-se a constituir-se como lócus de formação humana dos tantos sujeitos que compõe a sua comunidade escolar. As experiências bem sucedidas de ensino-aprendizagem aliadas à pesquisa e extensão e também à preocupação com a transformação social a ser realizada pelo ser humano fazem do CAp uma referência de escola pública no país. Nesse processo sócio-histórico, vários discursos desvelam-se e revelam as concepções ideológicas instáveis sobre a escola, que desde sempre e de cedo alicerçam a identidade institucional: um CAp comprometido com a qualidade da educação, dos seus alunos do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental e Ensino Médio aos quais a compreensão dos fundamentos acadêmicos na sua articulação com a realidade é norteada. Nesse caminhar, o espírito científico, a autonomia intelectual, o pensamento crítico e reflexivo, o diálogo com a comunidade e os laços de solidariedade e tolerância humanas são basilares ao seu processo formativo.
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Referências BAKHTIN, M. [1979]. Os gêneros do discurso. In: _ _ _ _ _ _. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003. pp. 227-326. DOLZ, J.; NOVERRAZ, M.; SCHNEUWLY, B. Sequências didática para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In: Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro (trads.). Gêneros orais e escritos na escola. 3. Ed. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2011, p.81-108. DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B. Os gêneros escolares: das práticas de linguagem aos objetos de ensino. In: Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro (trads.). Gêneros orais e escritos na escola. 3. Ed. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2011a, p. 61-80. MACIEL, Sheila D. A literatura e os gêneros confessionais. In: Antonio Rodrigues Belon & Sheila Dias Maciel (Orgs.). Em diálogo: estudos literários e linguísticos (pp. 75-91). Campo grande, MS: Ed. UFMS, 2004. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Fenômenos da linguagem: reflexões semânticas e discursivas. Rio de Janeiro: Lucerna, Série Dispersos, 2007. p. 147-167. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola, 2008. OLIVEIRA, Rosa Meire Carvalho de. Diários íntimos na Era Digital. Diários públicos, mundos privados. Disponível em http://www.academia.edu/15406456/Di%C3%A1rios_%C3%8Dntimos_na_era_digital_Di%C3%A1rio_P%C3%BAblico_Mundos_Privados. Acesso em 19 de setembro de 2017. VOLÓCHINOV, Valentin. Marxismo e Filosofia da Linguagem: Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: Editora 34, 2017.
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O mundo que nos cerca
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Química e argumentação: entendendo o mundo que nos cerca Kátia Aparecida da Silva Aquino Um breve histórico Antes de descrever este relato de experiência de ensino e aprendizagem, sinto a necessidade de descrever como consegui estreitar a relação entre a argumentação e a química. Não é de hoje que tento fazer da minha sala de aula um ambiente propício para que a química seja estudada de forma mais aplicada e possa ser uma ferramenta para desenvolver o pensamento crítico dos meus estudantes. Por outro lado, sempre busquei em eventos e fóruns, na área de Educação, minha formação continuada. Então, em 2014, fui convidada para participar do Seminário de Argumentação na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). No evento pude identificar, através dos relatos de experiencias, interessantes relações entre a argumentação e as minhas estratégias de ensino. Com a ajuda de pesquisadores do Núcleo de Pesquisa da Argumentação (NupArg) da UFPE tive a oportunidade de ler artigos científicos sobre argumentação e pude perceber que poderia finalmente trazer a argumentação para minha sala de aula de forma mais sistematizada. Em 2015 produzimos os textos que seriam utilizados para que os estudantes pudessem entender melhor como um ponto de vista seguido de uma justificativa poderia se tornar um bom argumento (AQUINO et al., 2016). Além disso, os textos mostravam como era importante se antecipar a um contra-argumento para buscar respostas importantes, isto é, dependendo da solidez de como o argumento era construído, o indivíduo seria capaz de mudar ou reestruturar uma opinião inicial. Os textos foram produzidos utilizando exemplos químicos para que a
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leitura fosse mais dinâmica e atraente. Meu objetivo era o de propiciar para os estudantes a construção de argumentos coerentes com a utilização de temas químicos imersos em pesquisas científicas, para levá-los para uma química mais aplicada. Nesta direção, ainda no meu aperfeiçoamento na área de argumentação, descobri a possibilidade de fazer um debate em sala, mas no Modelo de Debate Crítico (MDC) que já é bem difundido em escolas do Chile (FUENTES, 2011). Em 2016, com o auxílio direto das pesquisadoras do NupArg UFPE, introduzi a argumentação de forma sistemática na sala de aula usando o MDC e temas químicos para gerar controvérsia. Claro que não me senti segura, mas foi o desafio que me fez crescer e sentir que era possível transformar a química em uma ferramenta para a construção de um conhecimento crítico e acima de tudo que fizesse sentido. Em 2017, agora independe, tive a oportunidade de desenvolver a estratégia que se tornou este relato de experiência.
Caracterização da turma A experiência que será descrita neste relato foi desenvolvida no Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Pernambuco (CAp/UFPE) na Parte Diversificada do Currículo (PD). A PD chamada Química e Debate foi direcionada para um grupo de 12 estudantes do segundo ano do ensino médio. As aulas aconteciam em um encontro de duas horas/aula (110 minutos) por semana.
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Planejamento para o alcance dos objetivos pedagógicos Baseando-me em propagandas de sabonetes antibacterianos planejei as aulas para trabalhar a temática Produtos de Higiene Pessoal. O que me motivou foi a necessidade de fazer o estudante enxergar a química no cotidiano, mas de forma crítica. Que ele pudesse se posicionar e ter uma opinião consistente a partir do conhecimento químico construído e não recebido. Sempre me incomodei com a visão de que a química fornece números para que cálculos enfadonhos pudessem ser desenvolvidos. Na direção oposta disso, para a temática de Produtos de Higiene Pessoal, o objetivo principal foi o de fazer meu estudante compreender a importância dos componentes químicos nos produtos que usamos no nosso cotidiano e seus impactos no meio ambiente. Do ponto de vista mais específico eu planejei as aulas para o estudante a) identificar a escala de pH e sua relação com os produtos de limpeza; b) compreender os impactos ambientais causados pelas espumas geradas pelos produtos de higiene e c) compreender as principais diferenças entre os sabonetes comuns e antibacterianos para se posicionar sobre qual sabonete usar. Tais objetivos específicos têm como aporte o estudo da química na ciência, tecnologia, sociedade e ambiente. Para que os objetivos fossem alcançados foram planejadas as seguintes etapas didáticas:
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Etapa 1. Aula expositiva dialogada sobre a escala de pH, aditivos químicos e como os tensoativos dos xampus quebram a tensão superficial da água e geram impacto ambiental Etapa 2. Experimento para produção de sabão a partir do óleo de soja comestível e soda caustica para ilustrar as diferenças químicas entre sabões e sabonetes;
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Etapa 3. Leitura e realização de atividades dos textos sobre argumentação que foram produzidos junto com as pesquisadoras do NupArg UFPE (AQUINO et al, 2016). Etapa 4. Criação e cadastro dos estudantes em grupo fechado do Facebook para preparação do debate no MDC. Esta etapa foi realizada uma semana antes do debate e os estudantes tiveram acesso a artigos científicos para aprofundamento do assunto que seria debatido. Além da leitura, os estudantes puderam se organizar e estabelecer estratégias para produzir argumentos coesos e baseados em fatos cientificamente comprovados; Etapa 5. Realização do debate no MDC com a declaração do grupo vencedor, ou seja, aquele que construiu os argumentos mais coesos. Etapa 6. Avaliação individual através de mapas conceituais. Foi utilizada esta ferramenta com o intuito de me auxiliar a identificar como a experiência pedagógica foi capaz de elaborar ou especificar os conhecimentos prévios dos estudantes. A ferramenta utilizada para avaliação da aprendizagem foram os mapas conceituais, que são ferramentas baseadas na Teoria da Aprendizagem Significativa (TAS) de David Ausubel (MOREIRA e MASINI, 2006; MOREIRA, 2010). Então foi solicitado, antes de qualquer ação pedagógica, a produção de um mapa conceitual na sala de aula. A pergunta que os estudantes teriam que responder com o mapa foi “O que é sabonete?” Os estudantes tiveram 50 minutos para construir seus mapas, sem consultas e individualmente. Os mapas foram corrigidos e arquivados para comparação com um segundo mapa produzido com o mesmo tema, nas mesmas condições, só que depois da conclusão da atividade.
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Desenvolvimento da experiência e avaliação da aprendizagem Na aula inicial, para introduzir a temática, eu realizei uma discussão sobre a nova tendência no mercado que sugere a lavagem do cabelo com produtos sem surfactantes, sem parabenos e sem silicone. Tais produtos, denominados low poo, estão nas prateleiras dos supermercados e facilmente foram lembrados pelos estudantes. Neste momento eu solicitei que cada estudante trouxesse para a próxima aula a identificação dos ingredientes dos xampus que eles usavam no cotidiano. Empolgados, os estudantes socializaram que nunca tinham lido o rótulo de um xampu e que tinham se impressionado com a quantidade de ingredientes. Naquele momento eu senti que tinha mexido com eles. Nesta aula fizemos um apanhado dos componentes químicos que apareciam na maioria das marcas dos xampus que o grupo observou. Claro que eu já sabia que o lauril sulfato de sódio (LSS) era o principal componente dos xampus. Então, eu não só apresentei a formula química do LSS, como mostrei que tal componente é substituído ou tem sua quantidade diminuída por outros compostos nos xampus da categoria low poo. Neste momento argumentei sobre os impactos ao meio ambiente das espumas provenientes de tensoativos como o LSS. O silêncio na sala me permitiu avaliar o grau de perplexidade que os estudantes expressaram com a informação. Foi um momento rico que possibilitou a integração da química e da biologia. Terminamos a aula destacando as diferenças entre o xampu tradicional e o xampu da categoria low poo. No dia do próximo encontro, transformei o óleo de soja comestível em sabão através da experimentação. Claro que os estudantes participaram ativamente, a experimentação é uma estratégia muito consolidada no ensino de química. Nesta aula fizemos um confronto entre as principais diferenças entre sabonete e sabão. Tratei da escala de pH e, junto com o grupo, pude localizar os
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sabões e sabonetes dentro da escala. Trabalhamos a importância de ter produtos de limpeza com pH maior que 7 para impedir a proliferação e micro-organismos. Neste momento a interdisciplinaridade expande os conhecimentos e integra saberes. Terminamos a aula com os estudantes cientes que tinham que descobrir se o sabonete que usavam era antibacteriano ou comum e o porquê da compra da marca escolhida. A intensão era o de inserir os estudantes na relação consumo x benefício e torná-los críticos neste movimento. Quanto retomamos, na outra semana, fizemos uma análise geral dos sabonetes que eram utilizados pelos estudantes. O resultado foi o de que a maioria das famílias dos estudantes usava o sabonete antibacteriano, provavelmente por conta das propagandas convincentes. Fiz algumas ponderações, mas de forma artificial, não dei ênfase ao sabonete antibacteriano para não criar tendências para o debate. No próximo encontro trabalhamos os textos produzidos sobre argumentação. Os textos demonstram, basicamente, como a argumentação está presente no dia-dia. Define a estrutura dos argumentos (ponto de vista seguido de justificativa), contra-argumentos e resposta. Todos os textos produzidos apresentam atividades que ajudam no entendimento da teoria. Dois encontros foram destinados para a apresentação do MDC através do texto Introdução ao Modelo de Debate Crítico. O texto foi construído e adaptado para que o MDC possa acontecer no ambiente escolar e no máximo em 40 minutos, ou seja, em uma hora aula. No referido texto o MDC é apresentado através do apontamento de sua importância, organização, preparação e funcionamento. Também é tratado o tempo de cada ação e como o respeito às regras é de fundamental importância para que o debate seja eficaz. Após o trabalho com o texto e as devidas explicações sobre como seria o debate, o grupo foi dividido em três bancadas: a proponente (defende um tema), a oponente (refuta os argumentos) e a avaliativa (avalia a qualidade dos
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argumentos e declara a bancada vencedora do debate). Neste tipo de atividade, todos participam e se tornam protagonistas da construção do seu conhecimento e ainda trabalham em colaboração a fim de elencar os melhores argumentos. Finalmente é declarado o tema do debate que é esperado com muita ansiedade pelo grupo. O tema foi “Produtos antibacterianos são facilitadores de doenças?” O questionamento deve gerar uma controvérsia, não pode apresentar tendências. Então, os estudantes tiveram uma semana para se preparar até o próximo encontro. O tema foi escolhido com a intenção de confrontar as propagandas de sabonetes antibacterianos e a sua real necessidade para a sociedade. Fazer os estudantes pensarem sobre o assunto, levar a turma a buscar o conhecimento científico para apoiar seu ponto de vista. O mais interessante é que os estudantes são colocados nas bancadas por sorteio. Então um estudante deve ser desafiado a defender algo que ele nem mesmo acredita e avalio ser neste cenário que o conhecimento vai se elaborando e se tornando mais integrado. Eu criei três grupos fechados no Facebook sendo um para os estudantes da bancada proponente, outro para os estudantes da bancada oponente e o terceiro para a bancada avaliativa. Durante a semana de preparação eu postei para cada grupo artigos científicos e reportagens que pudessem ajudar os estudantes a montarem seus argumentos. O interessante é que a bancada não deve apenas pensar nos seus argumentos, mas antecipar o contra-argumento da outra bancada a fim de ganhar pontos na avaliação. Chega o dia do debate as bancadas trouxeram seus argumentos organizados. Durante o debate os estudantes tiveram que preencher uma ficha que já tinha sido apresentada para eles no encontro anterior. As fichas ajudam no acompanhamento do debate. No debate a bancada proponente foi a vencedora. O resultado do debate vai na contramão das propagandas de sabonetes antibacterianos que pregam proteção total à sua família com o uso do produto, ou seja, o consumidor vai se tornar menos propício às infecções. O resultado
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também é fruto de um trabalho muito alinhado da bancada proponente que trouxe para o debate argumentos que foram construídos de forma sólida através da leitura de um material científico. A euforia, após a declaração do vencedor, foi grande e a bancada oponente concordou com os principais aspectos elencados pela bancada avaliativa. Terminamos a aula com uma avaliação muito positiva do debate. Até hoje os estudantes falam do triclosan dos sabonetes antibacterianos. Finalmente, no encontro seguinte, todos estudantes fizeram um novo mapa conceitual com o mesmo tema do inicial, ou seja, sobre sabonetes e desta forma eu consegui analisar a real dimensão dos impactos do debate para a construção do conhecimento químico. Do ponto de vista do desenvolvimento da reflexão e da criticidade eu não tenho dúvidas que obtive resultados muito exitosos. Do ponto de vista atitudinal, os estudantes perceberam a importância do trabalho colaborativo, o respeito ao tempo, a habilidade da produção coesa de um argumento e a sua defesa de forma sucinta. São habilidades que estes jovens levarão para a vida. Aqui a química foi só uma ferramenta para fazê-los perceber que precisamos enxergar de forma crítica o que nos rodeia. Para a avaliação individual eu escolhi um estudante, que darei o nome fictício de Ana, para exemplificar os resultados que obtive com a experiência pedagógica. Na Figura 1, encontram-se os mapas conceituais produzidos por Ana antes e depois das atividades descritas neste relato. Podemos perceber no primeiro mapa da Ana que ela possuía conhecimentos sobre os sabonetes do ponto de vista funcional, bem como a sua forma de apresentação, ou seja, líquido ou em barra. Por outro lado, ao analisar o segundo mapa conceitual de Ana é possível observar o quanto a intervenção pedagógica influenciou na sua evolução. Percebe-se que Ana não abandou suas concepções iniciais relacionadas com a funcionalidade e a apresentação do sabonete. Contudo, Ana apresenta relações muito mais elaboradas com a nítida apresentação da controvérsia que
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foi gerada no debate. Foram observadas articulações importantes de conteúdos que foram pesquisados nas fontes científicas como o uso do triclosan. O conceito “polêmicos” ligado ao mesmo tempo a “úteis” e “substâncias cancerígenas” sustenta tal observação. Adicionalmente, é possível verificar que as discussões nas aulas expositivas também contribuíram para as novas relações desenvolvidas por Ana como o aparecimento do conceito “pH” e “lauril” no seu segundo mapa. Na minha avaliação os segundos mapas de todos os estudantes do grupo, aqui exemplificados pelo mapa de Ana, mostraram indícios importantes de que eu consegui atingir os objetivos de aprendizagem traçados para a unidade. Os graus de desenvolvimento são diferentes, ou seja, uns avançam mais, outros menos. Entretanto todos os estudantes modificaram, de alguma forma, os seus conhecimentos prévios, ou os elaborando ou os especificando. Assim, o conhecimento foi construído de forma significativa segundo os fundamentos da TAS (MOREIRA e MASINI, 2006)
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Figura 1. Mapas conceituas produzidos por Ana: a) antes e b) depois da experiência pedagógica
Diante dos resultados de aprendizagem dos estudantes vem a necessidade de avaliar a minha prática pedagógica que pareceu ser acertada na sequência didática que planejei. Claro que a dinâmica do grupo não permitiu que eu desenvolvesse a atividade no tempo previsto e tempo é um fator importante para nós, contudo eu não considero que isso tenha sido um entrave. Do ponto de vista pessoal, aprendi a lidar com o desafio de fazer algo que nunca tinha feito e nunca tinha sequer estudado. Entendi que quando tentamos fazer algo diferente o trabalho é árduo. No meu caso tive que produzir até o material para servir como recurso didático, na tentativa de que o diálogo entre a química e a argumentação apresentasse um impacto positivo para o
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grupo de estudantes. Eu tentei fazer com que o processo pudesse ser harmonioso e ter uma sequência lógica para o estudante que está em formação. Só que neste caso, eu também estava em formação, mas eu tive a certeza que estava no caminho que só enriqueceu a minha trajetória profissional no CAp/UFPE.
Considerações finais Nos anos de docência no CAp/UFPE, aprendi muito mais que ensinei e uma das coisas mais importantes que aprendi foi acreditar que posso desenvolver práticas diferentes e não ter medo de errar. Não é convencional a utilização da argumentação no ensino de química, principalmente na educação básica, mas eu fui lá, aprendi, adaptei e realizei. Ao socializar minha experiência espero mostrar não só a possibilidade da construção do conhecimento em uma área específica, mas também a articulação de várias áreas. Além disso, mostrar a importância do desenvolvimento de saberes diversos, aplicações do que é estudado na ciência, na tecnologia, na sociedade para, acima de tudo, propiciar para o jovem um olhar mais crítico e atento ao mundo que o cerca.
Referências AQUINO, K.A.S., OLIVEIRA, N. A. B., LIMA, R. C. N., CHIARO, DE S. Construção e análise de material instrucional potencialmente significativo para a educação química no ensino médio. ENCONTRO NACIONAL DE APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA, 6, 2016, São Paulo. Anais...São Paulo: IOC-Fiocruz, 2016. p. 91-101 FUENTES, C. Elementos para o Desenho de um Modelo de Debate Crítico na Escola. In: Leitão, S. e DAMIANOVIC, M.C. (orgs.). Argumentação na escola: o conhecimento em construção. Campinas: Pontes, 2011. p. 225-249. MOREIRA, M. A. e Masini, E. A. S. Aprendizagem significativa: a teoria de aprendizagem de David Ausubel. 2ª ed. São Paulo: Centauro Editora, 2006. ______. Mapas conceituais e aprendizagem significativa. São Paulo: Centauro Editora, 2010.
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Índios, ensino e interculturalidade: vivências no CAp/UFPE Edson Silva
Os índios nossos (des)conhecidos estão longe?! Uma adolescente indígena Pankará e um adolescente Xukuru do Ororubá, que se autodeclararam indígenas estudam atualmente (2018) no Colégio de Aplicação da UFPE. Suas famílias migraram décadas passadas para o Recife. Os índios Pankará habitam no Sertão nos municípios de Carnaubeira da Penha e Itacuruba, enquanto os indígenas Xukuru do Ororubá em Pesqueira e Poção no Agreste pernambucano. Quais os significados da presença de estudantes indígenas na universidade? E no Centro de Educação da UFPE quantos indígenas estudam? Identificam-se e são identificados como índios? Sentem-se contemplados em suas expressões socioculturais nas discussões pedagógicas realizadas no Colégio de Aplicação e no Centro de Educação/UFPE? Os índios nossos (des)conhecidos não estão longe, mas próximos de nós! Muitos habitam nos territórios/aldeias no interior mas, os resultados do Censo do IBGE/2010, (o Brasil realiza o censo a cada 10 anos) informaram que um número significativo de índios habitam em áreas urbanizadas. Os indígenas migram para as cidades em busca de melhores condições de vida porque ocorrem invasões de suas terras. Nas capitais, cidades grandes e menores no interior, em geral os índios moram nas periferias em locais onde convivem com as várias situações de violência urbana. Trabalham em diversas funções como porteiros, pedreiros, biscateiros, as índias são empregadas domésticas. Seus filhos e suas filhas estudam nas escolas públicas nos bairros, estão
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nas salas de aulas e muitas vezes escondem suas identidades em razão dos preconceitos. O que sabemos sobre os índios? Conhecemos algum índio e a sua história? O citado Censo também contabilizou que das 60.995 pessoas que “se declararam indígena ou se consideraram como indígena” em Pernambuco, 13.414 habitavam “fora de terras indígenas”, sendo 3.665 no Recife e Região Metropolitana. Os números citados além de questionarem visões corriqueiras sobre os lugares de habitação dos indígenas evidenciaram um “incômodo” para as autoridades governamentais: como lidar e atender as reivindicações desses indígenas residentes nos ambientes urbanos? Para o poder público uma primeira questão trata-se de atribuir uma classificação a esses indígenas: “índios na cidade”, “índios urbanos”, ou “índios desaldeados” Sendo a categoria “desaldeados” considerada pejorativa e por isso bastante criticada pelos indígenas (NUNES, 2010). A constatação de um considerável número de indígenas habitando afora as capitais, em cidades de médio e pequeno portes vizinhas às aldeias/territórios indígenas, pôs em questão uma das concepções mais arraigadas ao pensarmos os índios no Brasil: suas intrínsecas relações com a floresta, o campo, o mundo rural onde está localizada a maioria dos territórios indígenas/aldeias. A estimativa oficial contabilizou que cerca de 36% dos índios no país estão urbanizados, não significando necessariamente os índios moradores nas cidades, mas que também muitas delas avançam sobre os territórios indígenas. Os deslocamentos dos indígenas para as cidades historicamente ocorrem por migrações forçadas em razão de conflitos, perseguições e violentas expulsões de suas terras; pelas buscas de melhores condições de vida tendo em vista, por exemplo, as condições ambientais como é o caso da região Nordeste com períodos de longas estiagens ou secas prolongadas provocando o êxodo para as cidades de moradores no campo. Os resultados censitários caracterizaram três situações sobre
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os indígenas no Nordeste: a primeira correspondendo às populações habitando em terras indígenas; a segunda, os índios vivendo nas capitais, nos grandes centros em áreas urbanas próximas às aldeias, mantendo constantes laços sociais e afetivos com estas; e a terceira as “pessoas que se autodeclaram indígenas, mas cuja sociabilidade não está primordialmente dirigida para a aldeia, nem para a cidade” (OLIVEIRA, 2011, p.679). A presença dos índios no universo urbano, se por um lado denuncia a falência das políticas indigenistas oficiais em não demarcar as terras indígenas, o que em muito mitigaria os deslocamentos para as cidades, por outro lado, vem se constituindo em um desafio para os estudos e pesquisas sobre a temática indígena, exigindo um esforço teórico na busca da compreensão sobre os indígenas que se reinventam em um novo ambiente. Com possibilidades de subsidiar políticas públicas que atendam as reivindicações indígenas e contribuindo na elaboração de reflexões a exemplo no âmbito da Educação, com a Lei nº 11.645/2008, para superação de desinformações, estereótipos e preconceitos.
Conquistas de direitos sociais: a Lei nº 11.645/2008 A Lei nº 11.645, promulgada em março/2008, que determinou a inclusão nos currículos escolares da Educação Básica pública e privada o ensino da História e Culturas Afro-brasileiras e Indígenas, faz parte de um conjunto de mudanças provocadas pelas mobilizações da chamada sociedade civil, os movimentos sociais. São conquistas pelo reconhecimento legal de direitos específicos e diferenciados em anos recentes, quando observamos a organização sociopolítica no Brasil. Nas últimas décadas, portanto, em diversos cenários políticos, os movimentos sociais com diferentes atores conquistaram e ocuparam seus espaços, reivindicando o reconhecimento e o respeito às sociodiversidades. Problematizando as ideias e concepções a respeito da “mestiçagem”,
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dos lugares dos índios, negros e outras minorias que formam a maioria da chamada população brasileira (SILVA, 2012). Após 10 anos da promulgação da Lei n.º 11.645, ainda observamos, além de possibilidades para diálogos interculturais, alguns desafios e impasses na sua implementação. Nesse sentido, é necessária uma avaliação crítica das ações realizadas para a efetivação da citada Lei. Uma avaliação das práticas docentes, das experiências de ensino sobre a temática indígena, acerca da formação de professores, bem como o ensino e pesquisa sobre a temática indígena nos cursos em níveis de graduação, pós-graduação e na Educação Básica no Nordeste brasileiro, região onde são bastante evidentes os preconceitos contra os indígenas. Infelizmente, com frequência, permanecem muitas confusões não somente na afirmação de pessoas à frente de órgãos públicos na área de Educação, como também são encontradas em documentos administrativos estatais atribuições equivocadas aos significados da Educação Indígena, a Educação Escolar Indígena e o ensino da temática indígena. Tais equívocos e confusões resultam, sobretudo, de desconhecimentos, desinformações, preconceitos, equívocos e generalizações comumente existentes sobre os povos indígenas. A Educação Indígena são os processos educativos não formais a partir das relações socioculturais históricas vivenciadas entre os indígenas (BERGAMASCHI, 2008; BRAND, 2012). A Educação Escolar Indígena é definida por documentos oficiais como a LDB e os estudos sobre o assunto (NASCIMENTO, 2005). São os processos de escolarização vivenciados pelos povos indígenas, como uma modalidade de ensino específica, diferenciada, bilíngue ou multilíngue em alguns casos, e também intercultural em espaços educativos formais implementados nas escolas indígenas. Enquanto o ensino da temática indígena são reflexões sobre os povos indígenas, atualmente atendendo às exigências da Lei n.º 11.645/2008, nas escolas não indígenas em áreas urbanas ou rurais; ou seja, tratar a respeito da temática indígena no ensino signi-
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fica conhecer sobre os povos indígenas: sua história, as diversidades socioculturais, as formas de ser e de viver dos índios diferentes entre si e dos não indígenas. Portanto, pensar a Lei n.º 11.645/2008 como possibilidades para uma educação intercultural, é propor diálogos entre as expressões socioculturais, é se dispor a conhecer o “outro” em suas singularidades. Por meio do conhecimento, impõe-se o respeito às suas diferenças e especificidades. Dialogar nesse sentido favorece transitar em via de mão dupla, onde hierarquias socioculturais sejam superadas e o equilíbrio entre as relações étnico-raciais estabelecido efetivamente. E a escola pode ser um caminho privilegiado para que isso ocorra. Um estudo recente (SILVA, 2017) evidenciou questionamentos de estudantes indígenas as abordagens no Curso de Licenciatura em História/UFPE. É necessário, portanto, uma Educação que favoreça as trocas dos diversos conhecimentos, contribuindo para a construção de outro projeto de sociedade, fundamentado em princípios de justiça e igualdade social, e na erradicação dos preconceitos contra as diversidades étnico-raciais no país. Nesse sentido precisamos lançar um olhar para além das especificidades, perceber quanto é importante que as sociedades plurais, como no caso do Brasil, conheçam as expressões socioculturais inerentes a essas, e assim possam respeitá-las. Considerando também os conhecimentos prévios do público estudantil, provocando uma leitura crítica sobre os conceitos e as imagens construídas a respeito dos povos indígenas, negros, ciganos, dentre outros grupos, nos discursos históricos em nosso país. Questionando imagens que durante séculos fomentaram a ideia de que essas populações eram culturas “inferiores”, exaltando a suposta “superioridade” da cultura ocidental. E com base nessas reflexões, construir conhecimentos, outros conceitos e outras abordagens históricas (SILVA, E.; SILVA, M. P., 2016, p. 153-156).
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A efetivação da Lei n.º 11.645/2008 possibilita a interculturalidade crítica na medida em que provoque questionamentos à história sobre os povos indígenas, a qual se convencionou pensar pela ótica do eurocentrismo e etnocentrismo. Além de fomentar discussões e debates que intervenham e transformem os subsídios didáticos e as práticas escolares, ainda contribuirá para que reconheçamos como legítimas as formas diferenciadas dos povos indígenas viverem, conceberem o mundo e produzirem conhecimentos. Pensando na interculturalidade como uma via de mão dupla, nessa perspectiva a Educação possibilitará o intercâmbio de conhecimentos, as trocas, os diálogos, as igualdades de direitos e oportunidades (WALSH, 2009).
A temática indígena no Ensino Fundamental: vivências interculturais no CAp Para atender à determinação da Lei n.º 11.645/2008, no Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Pernambuco (CAp/UFPE), no Recife, nos últimos três anos, semestralmente vem sendo ministrada a PD Os índios na História. Para as turmas do 6.º ano do Ensino Fundamental com cerca de 30 estudantes, crianças entre 10 e 11 anos. A Parte Diversificada (PD) no currículo escolar está prevista na LDB, Lei n.º 9.394/1996, art. 26:
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Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela (grifo nosso).
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Observemos que esse texto da Lei possibilita e favorece a inclusão das discussões sobre a temática indígena no currículo escolar; portanto, por essa razão, a PD foi a forma com a qual o CAp/UFPE buscou o cumprimento da referida determinação legal. Dessa forma, a PD Os índios na História, foi pensada tendo como objetivo geral contribuir para os conhecimentos e as reflexões sobre as sociodiversidades dos povos indígenas na História do Brasil, particularmente no Nordeste e especificamente em Pernambuco. Possibilitando a compreensão das expressões socioculturais indígenas e promovendo uma leitura crítica de imagens, visões e discursos, para a superação de desinformações, equívocos e preconceitos generalizados sobre os chamados “índios”. A metodologia proposta para os estudos consiste, afora a leitura do livro Os primeiros habitantes do Brasil (GUARINELLO, 2009), publicado em várias edições e segundo a editora com reedição prevista para 2018, também do livro Povos indígenas: terra é vida (HECK; PREZIA, 2012). Ainda leituras realizadas individualmente e/ou em grupos para posteriores discussões de pequenos textos informativos sobre a temática indígena, reportagens de revistas, jornais específicos ou de grande circulação. E mais exibições e discussões sobre os vídeos documentários como Demarcação já; Pluralidade cultural (MEC/TV Escola); As caravelas passam; Pisa ligeiro; Os primeiros brasileiros; A sombra de um delírio verde; Índios na cidade, e Xicão Xukuru, todos disponíveis para acesso na internet. São sugeridas também pesquisas temáticas na internet, além de próximo ao fim do semestre realizarmos a uma excursão pedagógica ao Território Indígena Xukuru do Ororubá, localizado nos municípios de Pesqueira e Poção, região semiárida em Pernambuco, como recurso complementar no processo de ensino-aprendizagem. Trata-se de uma excursão previamente articulada e agendada com o povo Xukuru do
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Ororubá, contando também com a participação e apoio de colegas professores e professoras no CAp/UFPE, e eventualmente pais e mães voluntários. Os estudos são divididos em duas unidades letivas. No primeiro bimestre, como conteúdo programático, são propostas discussões sobre os seguintes temas: uma história indígena ou os índios na História? O Brasil indígena na atualidade; os povos indígenas no Nordeste e em Pernambuco; os povos indígenas na História do Brasil; “os índios”: questionando imagens, visões e discurso. Essa unidade tem como objetivos: compreender os sentidos e as diferenças entre pensar na história indígena e os índios na História; conhecer os povos indígenas em sua atualidade do Brasil e compreendê-los não como povos de e em um passado remoto, extintos ou em desaparecimento; conhecer a atualidade indígena no Nordeste e em Pernambuco, a situação dos povos indígenas, os conflitos que vivenciam e suas mobilizações sociopolíticas pelos seus direitos; identificar e questionar imagens, concepções e afirmações equivocadas, estereotipadas e preconceituosas sobre os povos indígenas. Na segunda unidade letiva os temas discutidos são: as expressões socioculturais indígenas no Brasil; diversidades, diferenças e multiplicidade indígenas; o “índio” no livro didático de História: uma leitura crítica; os Xukuru do Ororubá; povos indígenas: o direito às diferenças. Tendo como objetivos: conhecer as expressões socioculturais dos povos indígenas no Brasil, no Nordeste e em Pernambuco, e identificar as formas de afirmação da identidade étnica indígena; compreender as diversidades socioculturais indígenas como formas de afirmação das diferenças dos povos indígenas entre si e de nossa sociedade; analisar criticamente o livro didático de História em suas imagens e discursos sobre os indígenas.
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A excursão pedagógica ao Território Xukuru do Ororubá como uma das atividades da PD Os índios na História, além de favorecer os estudantes com os conhecimentos sobre situações vivenciadas no cotidiano dos índios, contribuiu para a superação de ideias equivocadas, generalizações e preconceitos contra os indígenas. As viagens com os discentes foram previamente discutidas e organizadas em sala de aula, com exibição de documentários, leituras e informações sobre os Xukuru do Ororubá. A visita ao território indígena vem sendo realizada por meio do ônibus disponibilizado pela UFPE. O território indígena localiza-se a 220 km do Recife, uma distância percorrida em cerca de quatro horas dependendo do trânsito na Rodovia Recife-Pesqueira. Viajamos pela manhã, bem cedo, e retornamos à noite, estando de volta próximo das 22 horas. Durante o trajeto no território indígena, foram apresentadas as especificidades geográficas e socioambientais do local. No fim do percurso, dirigimo-nos a uma escola indígena na Aldeia Vila de Cimbres, onde éramos aguardados por professores, professoras e estudantes indígenas, que falaram de suas vivências como também responderam aos questionamentos de estudantes do CAp/UFPE. Findam as trocas de experiências com duração de uma tarde, retornamos ao Recife. Na aula seguinte é realizada uma avaliação sobre os significados da excursão pedagógica e as relações possíveis com os conteúdos estudados.
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Considerações finais O estudo da temática indígena, além de questionar visões colonizadoras, ufanismos e concepções deterministas sobre os lugares e os papéis dos povos indígenas na História do Brasil, possibilita repensar a História, superar equívocos, (re)conhecer os significados da sociodiversidade indígena em nosso país; e o mais importante, em se tratando de discussões com estudantes do 6.º ano do Ensino Fundamental, de tenra idade e em formação discutindo as concepções de mundo e os lugares das diferenças a serem (re)conhecidas e respeitadas. O (re)conhecimento das sociodiversidades é, portanto, fundamental para superação da classificação simplista e homogeneizadora expressa na ideia de uma sociedade mestiça, que, por um lado, reconhece as suas origens nos grupos étnico-raciais distintos, brancos, negros e indígenas; enquanto por outro defende uma identidade nacional única como forma de suprimir as diferenças socioculturais e as históricas relações de poder que as caracterizam, como a escravidão negra e as invasões dos territórios indígenas. Por essas razões, o reconhecimento das diferentes identidades socioculturais existentes no Brasil implica também refletir sobre a complexidade que constitui essas identidades, desde os aspectos que diferem os povos indígenas da população não indígena, até os aspectos que diferem os povos indígenas entre si. Ainda que existam muitas dificuldades e desafios para o ensino da temática indígena, como a necessidade de um maior número de subsídios didáticos e formação específica destinada aos docentes que favoreçam o fazer pedagógico, refletir, discutir, estudar sobre os povos indígenas contribuindo para a formação de uma cidadania crítica e de respeito às sociodiversidades. Significando que, para respeitar os “outros” (índios), é necessário (re)conhecê-los, e esse conhecimento inicia-se pelos questionamentos ao que está posto sobre os índios. Por exemplo: qual o lugar dos índios
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na História do Brasil? Quem são os índios? Onde estão? Como vivem? Quais as conexões possíveis entre suas expressões socioculturais e as nossas? Nesse sentido é possível afirmar que a Lei n.º 11.645/2008 no CAp/UFPE vem favorecendo a interculturalização no Ensino Fundamental, na medida que exige de professores, professoras e estudantes uma aproximação com os conhecimentos sobre os povos indígenas e suas expressões socioculturais. Possibilitando vivências pedagógicas para a construção de outros olhares sobre as configurações socioculturais em nosso país, nas suas singularidades e diferenças, sem romantismo, exotismo ou folclorização, e, sem perder de vista as relações de poder que as perpassam e onde estão inseridas. As aulas da PD Os índios na História têm sido bastante proveitosas, pois são evidentes as mudanças nas percepções, ideias e atitudes dos discentes em relação aos índios entre o início e o fim do período letivo. As discussões sobre leituras realizadas e os documentários exibidos, também a excursão pedagógica ao citado território indígena, vêm contribuindo para os questionamentos dos preconceitos e equívocos da formação escolar anterior, e sobremaneira com conhecimentos para que os estudantes expressem outra visão a respeito dos índios. Também, como relataram, servindo para referências nas discussões realizadas sobre o tema com docentes no CAp/UFPE, com os familiares, pessoas próximas e do círculo de amizades. As discussões realizadas nas aulas também contribuíram decisivamente para afirmação identitária de algumas das crianças, que buscaram saber e descobriram a história e as trajetórias dos familiares que migraram para o Recife em décadas passadas. Uma descoberta que, além de relacioná-la orgulhosamente com os antepassados indígenas em Pernambuco, é expressa pela autoestima em afirmar ser índio, seja, por exemplo, uma Pankará ou ainda um Xukuru do Ororubá.
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Referências BERGAMASCHI, M. A. (Org.) Povos indígenas e educação. Porto Alegre: Mediação, 2008. BRAND, Antônio J. Saberes tradicionais e as possibilidades de seu trânsito para os espaços escolares. In: REUNIÃO DA ANPED, 35, 2012, Porto de Galinhas, PE. Anais eletrônicos do GT 21 – Educação e relações étnico-raciais. Porto de Galinhas, PE, 2012. Disponível em: <http://35reuniao.anped.org.br/trabalhos/133-gt21>. Acesso em: 12 fev. 2018. GUARINELLO, N. L. Os primeiros habitantes do Brasil. São Paulo: Atual/Saraiva, 2009. HECK, E; PREZIA, B. Povos indígenas: terra é vida. São Paulo: Atual/Saraiva, 2012. LUCIANO, Gersem J. dos S. O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília: MEC/Secad; Museu Nacional/UFRJ, 2006. NASCIMENTO, Rita G. do. Educação escolar indígena: um olhar sobre a formação diferenciada no Ceará. In: EPENN, 17, 2005, Belém, PA, 2005. Anais digitais do GT 25 – Educação Indígena. Belém, PA, 2005. NUNES, Eduardo S. Aldeias urbanas ou cidades indígenas? Reflexões sobre índios e cidades. In: Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 4, n. 1, p. 9-30, jan./jun. 2010. SILVA, Edson. Xukuru: memórias e história dos índios da Serra do Ororubá, Pesqueira, PE, 1950-1988. 2. ed. Recife: EdUFPE, 2017. SILVA, Edson. Os povos indígenas e o ensino: possibilidades, desafios e impasses a partir da Lei 11.645/2008. In: FERREIRA, Geraldo. G; SILVA, Edson. H; BARBALHO, José I. S. (Orgs.). Educação e diversidade: um diálogo necessário na Educação Básica. Maceió: EdUFAL, 2015, p. 161-180. SILVA, Edson. Os povos indígenas e o ensino: reconhecendo as sociodiversidades nos currículos com a Lei 11.645. In: ROSA, A; BARROS, N. (Orgs.). Ensino e pesquisa na Educação Básica: abordagens teóricas e metodológicas. Recife: EDUFPE, 2012, p. 75-87. SILVA, Edson; SILVA, Maria da Penha da. As diversidades éticas no Brasil: desafios às práticas escolares. In: SILVA, Edson; SILVA, Maria da Penha da. (Orgs.). A temática indígena na sala de aula: reflexões para o ensino a partir da Lei 11.645/2008. 2. ed. Recife: EdUFPE, 2016. p. 151-177.
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SILVA, Maria da Penha da. O olhar dos/as cursistas indígenas sobre o Curso de História da UFPE: discutindo conteúdos e abordagens históricas sobre os povos indígenas. Recife, UFRPE, 2017 (Monografia Especialização em Culturas e História dos Povos Indígenas) WALSH, Catherine. Interculturalidade crítica e pedagogia decolonial: in-surgir, re-existir e re-viver. In: CANDAU, Vera Maria (Org.). Educação intercultural na América Latina: entre concepções, tensões e propostas. Rio de Janeiro: Ed. 7 Letras, 2009. p. 12-42.
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A geometria grรกfica em
prรกtica no CAp
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A geometria gráfica em prática no CAp Bruno Leite Ferreira Núbia dos Santos Sousa Elisabeth Rosendo
Neste capítulo nos propomos apresentar como a Geometria Gráfica é vivenciada no Colégio de Aplicação (CAp). Para tal, apresentamos a nossa compreensão sobre a área, adentrando na proposta pedagógica desse componente curricular na escola e em seguida, apontamos diferentes práticas que expressam o currículo em ação.
A Geometria Gráfica e sua proposta curricular para o CAp O CAp, desde a sua inauguração, em 1958, contempla o componente curricular Desenho, em seu sentido pleno (a ser explicitado adiante), sendo ministrado por docentes com formação específica. Atualmente, o Desenho é chamado de Geometria Gráfica. Essa nomenclatura atende às discussões sobre o tema em eventos oficiais organizados pela Associação Brasileira de Expressão Gráfica (ABEG), as quais apontam uma errônea associação do termo Desenho Geométrico ao reducionismo de técnicas de construção sem uma reflexão sobre as propriedades da forma. Neste sentido, corroboramos o pensamento de Costa (1996), ao compreender a Geometria Gráfica como o estudo por meio do desenho das propriedades das formas, seja ele bidimensional, ao se referir às figuras planas, ou tridimensional, quando se utiliza dos sistemas de representação no desenho plano. Essa compreensão remete ao sentido pleno deste componente curricular, proposto na Portaria de 30 de junho de 1931 (BRASIL, 1931), a qual estabelece o programa do currículo
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do curso fundamental do ensino secundário, dividindo o Desenho em quatro modalidades, dentre elas o desenho geométrico e desenho convencional (aqui entendido como desenho projetivo). Tal resgate nos coloca na posição de refletirmos sobre esse componente na atual sociedade em que vivemos, imersa nas tecnologias. Por essa razão, consideramos que compete também à Geometria Gráfica o estudo da forma apoiada em diferentes mídias, sejam elas computacionais, modelos concretos, materiais de desenho, dentre outras. A Geometria Gráfica no CAp tem por objetivo o desenvolvimento da mente gráfica do aluno (RODRIGUES; BRAVIANO, 2008), e se organiza em um conjunto de disciplinas da parte diversificada do currículo do CAp, as quais estão distribuídas nas seguintes séries: 6º ano do ensino fundamental (EF) – Construções Geométricas (2h); 8º ano do EF – Desenho Geométrico (3h); 9º ano do EF – Geometria Gráfica (2h, optativa); e 2º ano do Ensino Médio – Geometria Gráfica Aplicada (2h, optativa). Além das disciplinas, a Geometria Gráfica se faz presente por meio de projetos de pesquisa, projetos de monitoria, feiras de conhecimento, festival de artes e projetos de extensão. A seguir, abordaremos algumas dessas expressões enquanto componente curricular em ação, vivenciadas nesses últimos sete anos (período da nossa atuação docente). Tais experiências, visam expressar minimamente a diversidade das práticas de ensino e pesquisa, as quais fazem parte do cotidiano da escola, enquanto laboratório de experimentações pedagógicas inserido na universidade.
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Experiências com Geometria Gráfica Poliedros de caixa Tetra Pak Dentre as experiências de pesquisa realizadas no CAp, apresentamos o Programa de Iniciação Científica - Ensino Médio (PIBIC-EM). Este programa, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnologia (CNPq), busca inserir alunos da educação básica na pesquisa científica, igualmente como o PIBIC da graduação. Das pesquisas desenvolvidas, destacamos a que foi premiada com o primeiro lugar no I Encontro de Iniciação Científica do Ensino Médio da UFPE (Enic-UFPE) no ano de 2012, intitulada Confecção de Materiais Didáticos dos Poliedros Regulares e Semirregulares (SILVA; FERREIRA, 2012). O projeto iniciado em 2011 pela aluna do 2º ano do ensino médio Patrícia Palmeira Lacerda da Silva1 teve por objetivo produzir modelos concretos dos poliedros platônicos2 e arquimedianos3 com materiais de baixo custo. O estudo desses poliedros permite que os alunos desenvolvam a visualização espacial, como também produzam relações entre seus elementos e outros poliedros, de modo a trabalharem conceitos de simetria, raciocínio lógico-dedutivo e apropriação da forma, de modo a realizar operações mentais, como rotações, seções. Após um aprofundamento sobre as propriedades dos poliedros, a estudante elaborou alguns protótipos a fim de escolher o material para produção dos modelos. Foi selecionado pela estudante cinco conjuntos de materiais: palitos de churrascos e esferas de poliestireno
1. Atualmente Patrícia é estudante do curso de Arquitetura da UFPE. 2. Poliedros regulares convexos atribuídos ao filósofo grego Platão (séc. V a.C.) por tratar de suas formações e associações aos elementos da natura na obra Timeu. 3. Poliedros semirregulares convexos sistematizados por Arquimedes (séc. III a.C.).
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expandido (isopor); canudos e fio de nylon; hastes flexíveis (cotonetes) e fio de nylon; tubos de canetas e fio de nylon; e caixa tetra pak (Figura 1). Os modelos foram analisados conforme os critérios de facilidade na confecção, rigor da forma, resistência e baixo custo.
Figura 1 - Protótipos produzidos em diferentes materiais (a, b e c) e modelos de tetra pak (d). Fonte: Silva e Ferreira (2012, p. 6-7).
Quanto à facilidade de construção, o protótipo com tubos de caneta apresentou problemas em sua execução, em virtude da resistência do material para ser cortado, pois nem todos os tubos apresentavam o mesmo tamanho. Por este motivo esse modelo foi descartado. Para confecção do modelo dos palitos de churrasco (Figura 1a), foram necessários outros conhecimentos geométricos para saber como espetar os palitos nas esferas, ou seja, não era uma construção intuitiva. Pensando na possibilidade de replicar essa confecção de modo prático para outras escolas públicas, foi priorizado outros modelos. Com relação ao rigor da forma, os modelos com fio de nylon (Figura 1b e c) não apresentaram estabilidade. Os de canudos (Figura 1b) apresentaram menor estabilidade em virtude de amassarem ao serem tensionados pelo nylon, ou mesmo manuseados, fato que interferiu tanto no rigor como na resistência. Apesar do modelo de hastes flexíveis (Figura 1c) demonstrar maior resistência e até mesmo praticidade para guardar o modelo ocupando pouco espaço, ao arrumar o modelo na
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forma do poliedro era perceptível algumas distorções na sua estrutura, interferindo negativamente no rigor da forma. O modelo de caixas de tetra pak (Figura 1d) foi inspirado nas luminárias em forma de cúpulas geodésicas produzidas pelo designer Ed Chew. Realizadas algumas adaptações no processo de construção, a fim de oferecer uma maior resistência, foi construído o protótipo. Diferente dos anteriores, este modelo foi confeccionado utilizando apenas um material, sem uso de cola ou outros. Também se destacou pelo fato do material utilizado ser reciclado, levando a custo zero na produção dos modelos. Outro ponto relevante é que devido a face interna das caixas serem revestidas de papel laminado, os modelos não estragavam quando em contato com água, o que também contribuiu para estética do resultado final. Após a escolha do modelo, foram confeccionados os cinco poliedros platônicos, doze dos treze poliedros arquimedianos e, para cada modelo, foi elaborada uma ficha de informações descritivas para consulta. Ao final do projeto a aluna produziu um manual de confecção no intuito de ser divulgado entre as escolas públicas.
Poliedros com jujubas: um doce aprendizado Realizado em 2016, numa turma composta por nove alunos do 9º ano, este relato é fruto de uma experiência vivenciada na disciplina de Geometria Gráfica, na qual se estuda, entre outras situações geométricas, a integração da Geometria plana com a espacial. Neste sentido, a abstração é um recurso importante para a compreensão do mundo ideal matemático e consiste, segundo Japiassu e Marcondes (2001, n.p.), em um “processo pelo qual o espírito se desvincula das significações familiares do vivido e do mundo das percepções para construir conceitos”. Na Geometria o uso de recursos didáticos é comum na tentativa de tornar palpável algo ideal, assim, a concepção das formas nos dá a
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consciência de mundo como espaço, sendo crucial na relação com o mesmo. Tal dependência já é prevista pelos PCN, quando afirmam que essas competências “são essenciais para a leitura do mundo” (BRASIL, 2006, p. 44). A compreensão das dimensões requer uma ‘passagem’ complexa em termos didáticos e cognitivos. Logo, um conteúdo com potencial significativo para nos auxiliar nessa transição são os Poliedros de Platão. Na experiência que iremos descrever foram trabalhados os elementos e a percepção da sua tridimensionalidade a partir da utilização de modelos concretos feitos pelos alunos, com palitos de dente e jujubas (balas de goma). Foram aplicados dois questionários, em momentos distintos, dos quais selecionamos duas questões que consideramos mais relevantes para este capítulo. O intuito do questionário foi direcionar a exploração dos modelos, além de registrar os conceitos e propriedades percebidas, conforme exposto abaixo: Em um primeiro momento, como objetivo de refletir com os alunos sobre a lei de geração dos poliedros platônicos, suas nomenclaturas e propriedades, foi proposto, após uma explanação oral do conteúdo, construírem as formas poliédricas, conforme vemos na Figura 2.
Figura 2 - Modelo de poliedro construído com jujubas. Fonte: Dos autores.
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No processo de construção os alunos associaram conteúdos anteriores, como malhas poligonais, ao novo conteúdo e progrediram na compreensão de alguns conceitos, a exemplo da formação da figura tridimensional e suas particularidades como volume e o conceito de ângulo sólido. Em um segundo momento o objetivo foi a compreensão e verificação das simetrias poliédricas e a concepção do conceito de verdadeira grandeza por meio da manipulação dos modelos concretos. Assim, com base nos modelos e nas imagens fornecidas no questionário (Figura 3), solicitou-se do aluno: a) Identifique as projeções segundo o eixo de simetria e o seu respectivo poliedro; b) Indique, no desenho, os elementos que estão em verdadeira grandeza (V.G.) segundo a projeção apresentada.
Figura 3 - Imagens e tabela do questionário 2. Fonte: Dos autores.
A observação das simetrias fez com que os alunos revisitassem o conteúdo de transformações geométricas, mais precisamente as simetrias axial, planar e rotacional, ressignificando-as em um contexto
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tridimensional. Várias manipulações foram feitas com os modelos dos poliedros, de modo que simulavam o posicionamento das figuras postas na ficha da atividade. Alguns alunos representaram, por cima do desenho, as arestas ocultas. Tal ação foi entendida como parte do desenvolvimento da capacidade de abstrair e operar, transpondo elementos tridimensionais concretos (no caso dos modelos) à representação gráfica tridimensional no plano. Após a observação atenta e discussões, os alunos concluíram e justificaram que nem todas as figuras estavam posicionadas em vista simétrica (vista 6 da Figura 3). Destacamos a ação da verificação das arestas e demais segmentos presentes nas figuras em V.G. Foi necessário um tempo maior para a compreensão e abstração das posições relativas dos segmentos visíveis, isso incluiu as terminologias de retas em vista básica (quando sua projeção no plano se reduz a um ponto), em verdadeira grandeza (quando paralela ao plano projeção) e oblíqua. Sendo a Geometria uma ciência abstrata, cujo acesso só pode ser feito por intermédio de artefatos que simulam a realidade ideal, consideramos a nossa proposta como uma experiência rica pela exploração de conteúdos, sejam eles novos ou revisados, de modo que foram mais fortemente resinificados dando aos alunos a possibilidade de compreensão gradual e associativa das realidades bi e tridimensionais.
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Explorando as Transformações Geométricas no GeoGebra Esta seção apresenta um relato sobre atividades realizadas com uma turma de trinta alunos do 8º ano (2017), voltadas para o ensino e aprendizagem de transformações geométricas com o auxílio da ferramenta GeoGebra4. O estudo das transformações geométricas, nesta etapa da escolaridade, atende ao que propõem os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), ao destacarem que esse conhecimento permite o desenvolvimento de habilidades de percepção espacial, além de ser um recurso para induzir de maneira experimental a descoberta, por exemplo, das condições para que duas figuras sejam congruentes ou semelhantes (BRASIL, 1998). O documento destaca ainda a importância de trabalhar este conteúdo de maneira significativa, permitindo o desenvolvimento de conceitos geométricos com um caráter dinâmico, como também aponta a existência de programas computacionais que exploram problemas envolvendo as transformações em figuras. Reconhecendo essa importância, buscou-se desenvolver uma sequência de atividades com o objetivo de permitir que os alunos compreendessem os aspectos teóricos e representativos das transformações geométricas e aplicá-los em diferentes contextos instrumentais. Desta maneira o planejamento das aulas contemplou uma atividade de caráter diagnóstico, outra de exploração no GeoGebra e por último a realização das transformações geométricas utilizando os instrumentos de desenho tradicionais.
4. Programa computacional multiplataforma, gratuito, disponível para computadores de mesa e dispositivos móveis como tablets e smartphones, pelo qual é possível, dentre outras funcionalidades, simular construções feitas com régua e compasso dinamicamente, permitindo a manipulação dos objetos através de suas ferramentas. Disponível em https://www.geogebra.org.
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A partir da atividade diagnóstica percebeu-se que os alunos possuíam conhecimentos gerais sobre a temática, no entanto ainda não compreendiam as relações entre os elementos nas transformações geométricas. Neste sentido, propomos a atividade: Explorando as Transformações Geométricas no GeoGebra, a qual objetivou levar os alunos a refletirem sobre os elementos e invariantes das transformações geométricas, tais como centro e eixo de simetria, mudança ou não de sentido na ordenação dos vértices, preservação de medidas lineares e angulares. As questões abordavam aspectos sobre as transformações isométricas (reflexão, translação e rotação) e simétricas (simetria axial e simetria central ou rotacional). Para esta seção serão apresentados os principais aspectos identificados na primeira atividade referentes à transformação de reflexão. Nesta atividade foi solicitado aos alunos realizarem, através da ferramenta Reflexão em relação a uma reta,5 a reflexão da figura dada (Figura 4) e após a construção e manipulação da imagem inicial identificar o que se mantém inalterado na figura refletida e qual relação há entre os pontos da figura e a reta, que representa o eixo de reflexão.
5. Por meio desta ferramenta é possível obter diretamente a imagem refletida selecionando a figura e uma reta como eixo de reflexão.
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Figura 4 - Figura dada e construção realizada pelos alunos na Questão 1. Fonte: autores.
Dentre a maioria das respostas apresentadas pelos alunos para a questão, predominou que os ângulos, os lados, a área e o perímetro da figura se mantiveram inalterados. Diante destas respostas é possível inferir que os alunos compreenderam que na reflexão a figura inicial se mantém inalterada. No entanto, é válido destacar que alguns alunos apontaram também como resposta “a forma da figura”, demonstrando compreender a transformação, porém sem indicar os elementos. Tais percepções foram endossadas ao moverem os vértices da figura inicial e observarem o movimento dos vértices da imagem refletida.
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Quando questionados sobre a relação entre a distância dos pontos da figura inicial e seu correspondente ao eixo de reflexão, os alunos apresentaram que “se ligarmos os pontos correspondentes podemos observar que a reta é a mediatriz dessas distâncias” demonstrando que compreendem a propriedade de equidistância entre objeto e imagem. Ao analisar as respostas apontadas pelos alunos percebeu-se que as características de dinamicidade do Geogebra contribuíram na percepção de propriedades de reflexão, bem como de outras transformações em outras atividades. Em consequência, ao realizarem construções com régua e compasso, os alunos puderam aplicar esses conhecimentos engendrando novas significações e conexões entre construções fundamentais e o tema das transformações geométricas. Assim, destacamos que o uso do software nesta atividade se caracterizou como ambiente de exploração prévio às operacionalizações, fato que consideramos de extrema importância na resolução de problemas em virtude de a necessidade do aluno visualizar a solução de um problema antes à construção.
Considerações finais Com este capítulo buscamos apresentar a Geometria Gráfica enquanto componente curricular em prática por meio de breves relatos, com o intuito de divulgar este campo de conhecimento de notória importância, mas ausente na maioria das escolas brasileiras. Destacamos que as experiências relatadas representam uma pequena parcela da vivência com a Geometria Gráfica no CAp, as quais endossam a importância do uso de materiais concretos e tecnologias digitais como potencializadores do estudo da forma, seja para o ensino como para pesquisa.
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Referências BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Parâmetros curriculares nacionais: Ensino Médio. Volume 2: Ciências da Natureza, Matemática e Tecnologia. Brasília: MEC, 2006. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática/ Secretaria de Educação Fundamental – Brasília: MEC/SEF, 1998. 148p. BRASIL. Portaria de 30 de Junho de 1931, sobre os programas do curso fundamental do ensino secundário. Diário Oficial - 31/7/1931. Rio de Janeiro, 1931. COSTA, M. D.; COSTA, A. V. Geometria Gráfica Tridimensional: sistemas de representação. 3. ed. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1996. v. 1. JAPIASSÚ, H.; MARCONDES, D. Dicionário Básico de filosofia. 3 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. RODRIGUES, M. H. W. L.; BRAVIANO, G. Competências para a resolução gráfica de problemas geométricos. IV Colóquio de História e Tecnologia no Ensino de Matemática – HTEM 4. Rio de Janeiro: UFRJ, 2008. SILVA, P. P. L. DA; FERREIRA, B. L. Relatório Final de Atividades do aluno de Iniciação Científica (IC) PIBIC Ensino Médio/UFPE/CNPq: Confecção de materiais didáticos dos poliedros regulares e semirregulares. Recife: Colégio de Aplicação, UFPE, 2012.
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Matroginástica no CAp/UFPE: ludicidade, habilidades do corpo e da percepção entre pais, professores e alunos Marcelo Barreto Cavalcanti Karla Mônica Ferraz Teixeira Lambertz Roseane Soares Almeida Hamandda Interaminense Lima
O mundo moderno nos apresenta muitas possibilidades e também desafios. Podemos dizer que cada geração traz consigo seus próprios dilemas, dentre os quais, nas gerações mais velhas, a vivência corporal, o sedentarismo, a falta de atividades lúdicas, enquanto para as crianças, o amadurecimento orgânico e a construção das relações sociais e afetivas. Há uma demanda crescente por novas abordagens no ensino-aprendizagem, na Educação e na Educação Física em particular. Por outro lado há uma produção qualitativamente acumulada por iniciativas concentradas de estudiosos reunidos nos grupos de pesquisa, além de órgãos de secretarias municipais, estaduais e universidades. Neste texto assinalamos resumidamente as experiências inovadoras desenvolvidas no CAp por alunos e professores nas aulas de educação física, bem como sua extensão em projetos e aulas de Campo. Foi nesta perspectiva, revisitando, valorizando e ampliando os estudos de estratégias inovadoras, que redescobrimos a “novidade” e que, por diversas razões, não foram
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devidamente valorizadas à altura do seu potencial na época da sua criação original. A matroginástica é uma prática já conhecida no Brasil, mas que há décadas é pouco divulgada, de maneira que a simples menção deste termo traz estranheza para estudantes e até profissionais experientes na Educação Física. Essa falsa impressão de novidade – logo desvelada pela vivência – mostra a necessidade de sedimentar tal divulgação, aprofundando e analisando sua prática. Segundo GUISELINI (1985) a matroginástica ocupou um lugar de destaque na promoção do Esporte para Todos, política governamental de esportes, lazer e turismo nas décadas de 70-80, não ficando restrita a este âmbito, portanto passando a integrar agendas de escolas, parques, clubes, associações esportivas e centros sociais.
Breve historicização da matroginástica Segundo o dicionário Aulete, historicizar significa “colocar (fato, acontecimento) em perspectiva histórica, conferir sentido ou caráter histórico a.” Ou seja, historicizar a partir de uma definição de termos, como matroginástica, significa dar sentido ou caráter histórico a essa definição “matro-ginástica”. A matroginástica, que pode ser traduzida da obra, citada no original em alemão: Turnen und spielen für unsere kleinsten (SCHULZ, 1975), para a versão em espanhol: Educación física infantil y matrogimnasia, cunhada assim pelo Instituto de Educación Física de Madrid, define-se pela junção de dois termos que, em língua portuguesa, vem designar a
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vivência de um tema da cultura corporal1 , a Ginástica, junto ao prefixo matro – modificado do latim mater, que quer dizer mãe, para objetivar uma modalidade de interação psicomotora e relacional entre mães e filhos. Sua localização e sistematização têm origem na Alemanha (1975), precisamente a partir da escola experimental de Karl-Rottger, Düsseldorf, antiga República Federal da Alemanha. Porém, no Brasil, tal introdução se deu precisamente através de seu protagonista e maior divulgador, Helmut Schulz, nos idos do mesmo ano.
A matroginástica no contexto do CAp/UFPE – Objetivos Delimitamos por objetivo do projeto trazer para a Educação Básica uma estratégia de vivência facilitadora à apropriação e trato com o conhecimento dos temas da cultura corporal na educação física escolar (Imagem nº 1). E, diante da riqueza de possibilidades, buscamos motivar aos alunos com propostas pedagógicas inovadoras, capazes de envolvê-los na construção do processo ensino-aprendizagem mobilizando-os para uma atitude científica frente ao senso comum.
1. Cf. DAOLIO (2004, p. 9), que vem reafirmar "cultura" como o principal conceito para a educação física nos dias de hoje, realçando a legitimidade pedagógica do professor de educação física como aquele “profissional que não atua sobre o corpo ou com o movimento em si, não trabalha com o esporte em si, não lida com a ginástica em si. Ele trata do ser humano nas suas manifestações culturais relacionadas ao corpo e ao movimento humano, historicamente definido como jogo, esporte, dança, luta e ginástica. O que irá definir se uma ação corporal é digna de trato pedagógico pela educação física é a própria consideração e análise desta expressão na dinâmica cultural específica do contexto onde se realiza”.
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Imagem nº 1
A partir dos objetivos tomamos por propósito transformar uma atividade exclusiva entre pais e filhos numa estratégia de vivência lúdica e significativa – com o tema da cultura corporal Ginástica – e de como os conhecimentos desse conteúdo poderiam ser tratados nas aulas e no programa.
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Procedimentos metodológicos Formalizamos o projeto enquanto uma pesquisa de cunho qualitativo e características extensionistas, resultado de estudos e de práticas focados e circunscritos ao Colégio de Aplicação da UFPE, com parceiros e colaboradores. Com ênfase no ensino médio, os jovens participantes foram mobilizados por relatos, entrevistas, oficinas, aulas regulares e também registros audiovisuais – fonográficos e fotográficos. Assim, as observações e intervenções foram se inserindo no calendário das aulas. A experiência foi estudada e sistematizada, resultando numa monografia em educação física escolar2 , na qual fomentamos uma vivência parental entre gerações durante o recesso escolar de 2009.1, na sala de ginástica do ginásio poliesportivo do CAp. Os alunos da 1ª série foram convidados a participar e interagir com um grupo de familiares, avós, pais e filhos, parentes, crianças individuais e irmãos de 2 a 7 anos, repercutindo de imediato numa sequência de iniciativas de vanguarda, a exemplo do planejamento participativo para as aulas de campo e regulares com o tema. No semestre seguinte de 2009.2 formalizamos uma aula de campo junto à PROACAD/UFPE e a matroginástica foi planejada pelos jovens adolescentes do ensino médio para uma abordagem na educação infantil e ensino fundamental I, com a participação de crianças de 3 a 10 anos. Um de nossos primeiros parceiros nesta experiência de extensão foi o Colégio Presbiteriano Quinze de Novembro, no município de Garanhuns, Pernambuco.
2. CAVALCANTI, Marcelo Barreto. A Matroginástica no contexto escolar: redimensionando uma prática de ensino e extensão no CAp – UFPE. Monografia de Especialização em Educação Física Escolar. Universidade Federal de Pernambuco, UFPE. Orientador: Prof. Dr. Edilson Fernandes de Souza. Recife, PE, 2010.
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Problematizamos “tarefas motoras e intencionalidades” que fossem mais adequadas e utilizadas para tal faixa etária. Na intervenção foram selecionadas atividades utilizadas em brincadeiras de crianças como passar o bambolê de mãos dadas, “pular-carniça”, subir no corpo do outro como ponto de apoio e alavanca, suspender o outro com os pés (Leg Press), fazer ponte, ou túnel, e passar por debaixo do outro, balançar, entre outros. Os exercícios foram apontados de acordo com o comportamento e necessidades do grupo, de forma que um protocolo de brincadeiras foi sendo construído enquanto protocolo-guia para outras vivências e observações da experiência. Tal experiência resultou na elaboração de trabalhos acadêmicos com publicação em feiras, congressos especializados, fóruns, exposição em aulas na graduação, no período de 2010 a 2013, suscitando o interesse nos jovens pela investigação. Com o recurso da observação participante utilizamos fotografias e filmagens. Posteriormente, buscou-se decompô-las em unidades de informação sobre o conjunto de outros registros, como depoimentos e entrevistas. Assim procedemos a um quadro reagrupado dessas unidades para suas considerações em projeção. Isto significou a escolha por um método dialógico e dialético, mais aproximado dos processos qualitativos de pesquisa participante (DEMO, 1984, p. 104-130).
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Relação Ensino, Pesquisa e Extensão Crianças brincando se exercitam e interagem, mas dificilmente encontramos crianças e adultos, sobretudo pais e filhos, interagindo nos jogos e brincadeiras, principalmente quando estas envolvem exercícios físicos e, mais ainda, quando envolvem dificuldades no plano da comunicação, expressão e linguagem. A explanação dessa experiência, em 2011, no encontro mensal da Associação Amigos do Autista – Grupo de Estudos sobre Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (AMA-GETID) gerou um projeto de extensão3 com participação de alunos da graduação em área de conhecimentos afins, fornecendo aos mesmos uma integração de conhecimentos teóricos dentro de uma prática específica, confrontando-os com situações práticas de resolução de problemas e fomentando o processo de ensino-aprendizagem. A participação de alunos do CAp, como ouvintes, monitores, colaboradores, possibilitou aos mesmos uma visão mais ampla da qualificação universitária, com noções de aplicabilidade de conceitos e conhecimentos nas áreas-tema, além da abertura de horizontes com a obtenção de novos conhecimentos. Nesse projeto tivemos uma participação inconstante desses alunos, no entanto, qualitativa, como na participação em Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica do Ensino Médio (PIBIC EM/ CNPq-UFPE) e sua divulgação no XXII Conic.4
3. FERRAZ, Karla M. T. CAVALCANTI, M. Barreto. Silva, Ledjane Sara A. da. Qualidade de Vida: A Matroginástica e a Música como ferramentas no fortalecimento de vínculos para crianças com Transtorno do Espectro de Autismo e seus pais. Projeto de extensão. 2012-UFPE-PROEXT-PIBEX-GRANDE RECIFE (SIGPROJ N°: 105848.451.128192.17032012). Recife, PE, 2012. 4. LIMA, Hamandda I.; CAVALCANTI, M. B. Matroginástica: Alternativa para a superação de limitações causadas pelo autismo infantil e maior interação entre pais e filhos. In: Anais do XXII Conic VI Coniti e III Enic, UFPE. Recife, PE, 2014.
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Abordagem no Transtorno do Espectro do Autismo – TEA Tendo em vista que as terapias especializadas são indispensáveis, mas muitas vezes pouco acessíveis, o projeto criou uma alternativa para a melhora da qualidade de vida da criança com autismo e de seus pais: A criança por se beneficiar diretamente dos objetivos e os pais, além de estabelecerem uma relação mais estreita e afetiva com seus filhos, adquirirem mais conhecimentos sobre o autismo, suas particularidades e adaptações para melhorar a vida de relação, aumentando sua segurança no lidar diariamente com seus filhos, acelerando a compreensão a partir das brincadeiras e, consequentemente, diminuindo o estresse. Houve 10 encontros entre facilitadores, pais e crianças com TEA. Os exercícios deveriam incentivar as atividades em grupo, o contato físico entre a criança e seus pais, o suporte de peso favorecendo a propriocepção e o equilíbrio e atividades com bolas convencionais, gimnastic Ball, heavyball e outros materiais. Participaram 17 crianças e seus pais, variando entre 4 e 10 anos. A frequência não foi completa, impedindo aplicação de um questionário sobre Qualidade de Vida (QV) para mensurar os efeitos da intervenção. De acordo com o interesse eram propostas atividades que induziam equilíbrio, força, colaboração entre as equipes de pais e filhos e estimulação sensorial. A quantidade e duração das atividades eram definidas pela resposta das crianças, com atividades novas e diferentes para estimular a participação. Cada encontro durava 60 a 90 minutos. De acordo com as características comuns às crianças com autismo, o isolamento, a aversão ao toque e a dificuldade de interação com outras pessoas, inclusive pais, são empecilhos para que ocorra a brincadeira saudável, comum à infância, prejudicando o desenvolvimento motor, sensorial, cognitivo e afetivo.
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Nesse sentido a matroginástica é vista como uma ferramenta interessante para o bem estar, por unir a brincadeira com o fortalecimento de vínculos entre pais e filhos. Quando o modo de processamento cerebral é ineficiente, como acontece no autismo, consideramos a possibilidade de um distúrbio de Integração Sensorial, que é a inabilidade de construir informação útil a partir das experiências sensoriais. Muitos dos princípios utilizados nos trabalhos de integração sensorial podem ser encontrados em brincadeiras comuns na infância, como o pular, o balançar e abraçar outras pessoas. A matroginástica é a atividade física e recreativa que tem lugar na companhia da mãe e da criança, onde a mãe fornece o suporte necessário para o seu filho ter novas e melhores experiências, favorecendo o contato visual, intercâmbio corporal, verbal e afetivo, ao incentivar o contato olho-no-olho, a troca corporal, verbal e emocional, mediante a realização de atividades sistemáticas e rotineiras.
Resultados e considerações A experiência demonstrou como a realização de movimentos ginásticos sem os estereótipos pode significar muito para o desenvolvimento infantil, bem como para o fortalecimento dos laços e, por que não dizer, da personalidade de adolescentes – jovens mais experientes – quando realizadas em conjunto com as crianças. Essas atividades proporcionaram, além da integração de grupos de idades diferentes, uma troca de experiências, na medida em que um grupo ajudava outro a superar os desafios propostos, criando um momento de descoberta dos próprios limites.
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Conforme depoimentos dos alunos participantes e em proveito dos conteúdos ressinificados para o ensino-aprendizagem na educação física escolar no ensino médio, “Matroginástica pode ser entendida como uma ginástica (exercício corporal) que tem como objetivo promover uma maior interação entre diferentes gerações (...)”. O resultado do ponto de vista de sua aplicação no ensino médio foi surpreendente. Os alunos adolescentes do Colégio de Aplicação constataram ser possível superar a recorrência dos temas nas aulas e quebrar o paradigma das aulas voltadas apenas para as modalidades competitivas, vivenciando a interação entre diferentes faixas etárias, ao mesmo tempo em que compartilhavam experiências, afirmando em seus depoimentos que “(...) Tudo isso mostra como a prática da matroginástica é sadia e importante não só pra quem está participando, mas também pra quem coordena as atividades”. Passaram a conhecer mais o desenvolvimento das crianças, a partir da ação para a reflexão:
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(...) A vivência da matroginástica põe frente a frente às disparidades cognitivas e de raciocínio das diferentes faixas etárias, possibilitando aos de maior idade a oportunidade de trabalhar sua habilidade de conversar de modo nivelado com a criança e à criança a oportunidade de superar barreiras impostas pela sociedade entre elas e as pessoas mais velhas, jovens mais experientes e adultos, em um ambiente saudável onde serão valorizadas as competências de todas as idades.
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O resultado, do ponto de vista da extensão, foi extremamente exitoso. A matroginástica mostrou-se uma importante estratégia metodológica de vivência geracional ao introduzir atividades físicas com grupos, associações e familiares de crianças com TEA.
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Todos os pais ouvidos solicitaram que o projeto tivesse continuidade, devido à satisfação obtida em convívio com os outros: “Nossos filhos apresentam melhor contato visual e melhor relação um com o outro; melhorou também o conceito de esperar por sua vez, aumentando o tempo de tolerância em uma fila”. Embora poucos pais tenham respondido ao questionário de avaliação final, as respostas dessa experiência foram muito animadoras:
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“Eles buscam também brincar mais conosco” (A.C.S.Q., mãe de duas crianças); “Ela ficou mais tranquila e está mais interagindo com outras crianças” (T.C.S., mãe de uma criança); “Aumentou a cumplicidade em nossa família” (A.C.A., mãe de uma criança); “Ele já tinha uma boa interação comigo, mas percebo que ele fica muito feliz em fazer a matroginástica” (K.S.F.T., mãe de uma criança).
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Observamos em perspectiva o quanto e como este tema pode ser vivenciado com os alunos da educação básica, fazendo parte do programa de educação física, enriquecendo seus conteúdos na escola e qualificando a intervenção do professor. Enquanto as crianças descobrem o seu próprio corpo na realização das tarefas motoras, os adultos descobrem como podem ajudá-las nesta descoberta, ao mesmo tempo em que se percebe o quanto eles próprios precisam se descobrir entre um exercício e outro. Demonstrou também a possibilidade de ser experimentada por toda a família, sem os estereótipos mecanicistas da atividade física, com possíveis impactos no desenvolvimento infantil, bem como para o fortalecimento dos laços familiares e entre crianças de diferentes idades quando realizadas
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conjuntamente com a participação e colaboração dos adolescentes, jovens mais experientes. Dentre as observações, registramos que a matroginástica desperta o interesse e possibilita aos alunos do ensino médio uma atitude científica no trato com o conhecimento da educação física na escola, pois houve disposição do grupo em incorporar, de forma interdisciplinar e multidisciplinar, a integração dessa atividade em seu cotidiano de estudos escolares, propiciando iniciativas no trato com o conhecimento da cultura corporal e seu aprofundamento, além dos compromissos assumidos na submissão e difusão de suas experiências, como fora o caso de Feiras Científico-cultural do CAp/UFPE, Pibic-EM, 1ª Febrat, MOVE2011 em Paris e MOVE2013 em Barcelona. Ao fim deste trabalho é extremamente motivante pensar na perspectiva da matroginástica inserida no currículo da escola, na criação de futuras oficinas contribuindo na parte diversificada do currículo, no projeto político pedagógico, em novos projetos de pós-graduação e na capacitação de monitores, em parcerias com outras áreas acadêmicas e profissionais, como a fisioterapia, a música, a dança, a terapia ocupacional, o turismo, enfim, em convênios com órgãos públicos e outras instituições brasileiras e estrangeiras, buscando o refinamento desta modalidade socialmente inserida e a excelência de sua prática.
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Referências ALMEIDA, Roseane S. et all. Programa da Disciplina de Educação Física Colégio de Aplicação da UFPE. Recife, PE, 1999. 10 p. (texto digitado). CAVALCANTI, M. Barreto. A Matroginástica no contexto escolar: redimensionando uma prática de ensino e extensão no CAp – UFPE. Monografia de Especialização em Educação Física Escolar. Universidade Federal de Pernambuco, UFPE. Orientador: Prof. Dr. Edilson Fernandes de Souza. Recife, PE, 2010. DAOLIO, Jocimar. Educação física e o conceito de cultura. Campinas, São Paulo: Autores Associados, 2004. DEMO, Pedro. Elementos metodológicos da pesquisa participante. In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues (Org.). Repensando a pesquisa participante. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984, p. 104-130. FERRAZ, Karla M. T.; CAVALCANTI, M. Barreto.; Silva, Ledjane Sara A. da. Qualidade de Vida: A Matroginástica e a Música como ferramentas no fortalecimento de vínculos para crianças com Transtorno do Espectro de Autismo e seus pais. Projeto de extensão. 2012-UFPEPROEXT-PIBEX-GRANDE RECIFE (SIGPROJ N°: 105848.451.128192.17032012). Recife, PE, 2012. GUISELINI, Mauro A. Matroginástica: ginástica para pais e filhos. São Paulo: CLR Balieiro, 1985. LIMA, Hamandda I.; CAVALCANTI, M. B. Matroginástica: Alternativa para a superação de limitações causadas pelo autismo infantil e maior interação entre pais e filhos. In: Anais do XXII Conic VI Coniti e III Enic, UFPE. Recife, PE, 2014. SCHULZ, Helmut. Educación física infantil y matrogimnasia. Buenos Aires: Editorial Kapeluz, 1975.
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Educação física
no colégio de aplicação
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Educação física no Colégio de Aplicação – CAp/UFPE: um relato de experiência das ações do programa institucional de bolsa de iniciação à docência Michelle da Silva Alves Rita Cláudia Batista Ferreira Rodrigues
A Educação Física no Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Pernambuco (CAp/UFPE) no ano de 1985 compôs o seu quadro docente com três professores contratados por concurso público, sendo a última disciplina do colégio a formar seu quadro de docentes, visto que anteriormente todas as disciplinas da escola pertenciam à equipe de professores da antiga faculdade de filosofia e, posteriormente, à faculdade de educação. Ao assumir as turmas no final de outubro de 1985, os professores iniciaram uma avaliação diagnóstica sobre as atividades realizadas na disciplina até aquele momento. O que se constatou foi que havia uma predominância no tratado esportivizado dos seus conteúdos. As turmas eram definidas a partir das preferências dos alunos por uma determinada modalidade esportiva, como também separavam os alunos por sexo. Existia interesse em formar grupos fortes em determinadas modalidades com o objetivo de participar dos jogos estudantis daquele período. Esse encaminhamento deixava de fora muitos alunos, desestimulando a participação das aulas por se considerarem sem habilidade
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para os jogos e outras atividades da cultura corporal. Outro aspecto considerado na avaliação foi um número significativo apenas a uma modalidade esportiva.1 Atualmente, o CAp/UFPE, vinculado ao Centro de Educação, contempla a Educação Básica desenvolvendo regulamente atividades de ensino do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental, com total de 8 turmas, e da 1ª à 3ª série do Ensino Médio, com um total de 6 turmas. Essa instituição, além de realizar atividades da Educação Básica, atende aos acadêmicos das diversas licenciaturas, seja da UFPE ou de outras Instituições de Ensino Superior que cumprem estágio de observação e regência de classe, como também desenvolvem atividades com projetos de pesquisa e extensão relativos a esses níveis de ensino. Busca desenvolver um currículo inovador que se direciona a educar estudantes da Educação Básica e, sobretudo, a formar futuros professores críticos, dinâmicos e atuantes em defesa da Educação de qualidade. O Colégio desenvolve a formação integral do educando, focada no currículo de experiências e processos de aprendizagens, valorizando a humanização na perspectiva da ética, liberdade, justiça, democracia e solidariedade. Diante desse contexto todo corpo escolar desenvolve funções importantes para que conquistemos o objetivo maior. Cada disciplina desenvolve seu conhecimento específico a fim de que o currículo possa ser vivenciado em cada etapa da escolarização. Neste texto, nos deteremos a tratar do campo da Educação Física. Conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB) Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, § 3º. Afirma que “a Educação Física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular obrigatório da Educação Básica”.
1. Esses três primeiros parágrafos foram baseados no Breve Histórico da disciplina Educação Física do Colégio de Aplicação/UFPE presente no Programa de Ensino.
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A Educação Física ao abordar o conhecimento da cultura corporal, trabalha a expressão corporal, anunciando um sentido/significado da realidade histórica, cultural e social da prática. Para Coletivo de Autores (2012, p.50) “a Educação Física é uma prática pedagógica que, no âmbito escolar, tematiza formas de atividades expressivas corporais, como jogo, esporte, luta, dança e ginástica, as quais configuram uma área do conhecimento que podemos chamar de cultura corporal”. É tarefa da Educação Física na escola garantir o acesso dos estudantes às práticas da cultura corporal, contribuir para a construção de um estilo pessoal de exercê-las e oferecer instrumentos para que sejam capazes de apreciá-las criticamente. Entendemos o termo Cultura Corporal como ponto de conhecimento da Educação Física a partir da obra Metodologia do Ensino da Educação Física, considerando a organização e sistematização desse conhecimento no currículo da escola. Conforme Coletivo de Autores (2012, p. 62) conceitua a cultura corporal a partir da lógica materialista – histórico – dialética, afirmando que “os temas da cultura corporal, tratados na escola, expressam um sentido/significado onde se interpenetram, dialeticamente, a intencionalidade/objetivos do homem e as intenções/objetivos da sociedade”. A abordagem envolvida nessa disciplina é a Crítica Superadora que tem como objetivo a cultura corporal, a expressão corporal como linguagem; os conteúdos trabalhados têm um caráter histórico e social, proporcionando aos estudantes leituras crítica do mundo em que convivem, bem como suas referências acerca dos seus fins e objetivos nos campos educativo, de lazer, terapêutico e esportivo. Diante das ações e práticas docentes, que envolvem além do ensino ações de pesquisa e extensão inserida nessa disciplina, destacamos o evento Festival de Educação Física, as aulas de campo, a contribuição na Formação Inicial e Continuada através de estágios de observação
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e regência, Monitoria, tanto da Educação Básica quanto do Ensino Superior, Gestão através da supervisão de turma, Projetos de Extensão: Escolinhas Esportivas, Ginástica Laboral e Programas Institucionais como o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência. Neste texto faremos um recorte, dentro de tantas atuações da disciplina Educação Física para o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID).
Relatos das ações do pibid na disciplina educação física no CAp/UFPE: 2014 a 2017 O Programa de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) é um programa que envolve uma iniciativa para o aperfeiçoamento e a valorização da formação dos professores para a Educação Básica. De acordo com Paredes e Guimarães (2017) o PIBID tem sido uma aposta do governo federal que visa promover mudança de cultura na formação de professores no Brasil, pois envolve ações em prol da valorização e do reconhecimento das licenciaturas para o (re)estabelecimento de um novo status para os cursos de formação docente e como política de incentivo à profissão de magistério. Atrelado às universidades e a escolas de Educação Básica, o PIBID faz a inserção dos estudantes de graduação no contexto escolar, com a finalidade de compreender a escola de maneira geral e proporcionando reflexões/ações específicas do campo oriundo da graduação que atua. Desde o ano 2014 o PIBID da Universidade de Pernambuco, sub-projeto Educação Física atua no CAp/UFPE, que recebe os bolsistas da Escola Superior de Educação Física, (ESEF/UPE), e desenvolve atividades de ensino, pesquisa e extensão.
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Ao chegarem à escola os bolsistas e voluntários têm acesso aos documentos da Escola e da disciplina de Educação Física, tais como: o Projeto Político Pedagógico Institucional (PPPI), o Programa de Ensino de Educação Física, Planos de Ensino, desenvolvem leituras, fichamentos e realizam apresentações sobre aqueles aspectos que consideram como destaque e que darão suporte para suas ações na escola. A pesquisa-ação foi selecionada como metodologia de pesquisa para o desenvolvimento das ações, intervenções, discussões e produções desenvolvidas no CAP/UFPE. A pesquisa-ação desenvolve-se em ciclos constantes de planejar, agir, descrever e avaliar. Para Thiollent (1994) a pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica, concebida e realizada em associação estreita com uma ação ou com uma resolução de problema coletivo, no qual pesquisadores e participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo. Ao se identificar um problema (diagnóstico), realiza-se o planejamento de uma intervenção (plano de ação) e em seguida, aplica-se uma ação sobre o problema, recolhe-se dados para a avaliação da intervenção. Finalizando um ciclo então um novo problema se estabelece e o ciclo se reinicia. De acordo com Tripp (2005) a pesquisa-ação é uma variação da investigação-ação que intervém sobre a prática com objetivo de melhoria, nesse caso as intervenções e a avaliação da mesma ultrapassa os limites do cotidiano e dos pequenos problemas surgidos, assim sistematizar os conhecimentos dessa prática. Semanalmente são realizadas reuniões entre a coordenação do sub-projeto de Educação Física, a supervisão, que são docentes do CAp/UFPE, e os estudantes-bolsistas e voluntários. Essas reuniões têm caráter tanto pedagógico, para discussão de temas como Base
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Nacional Curricular Comum (BNCC), Dança, Pessoa com Deficiência, cursos também foram oferecidos, como o curso sobre a Metodologia de pesquisa-ação, Método de Educação Desportiva, além do relato das atividades que estão sendo desenvolvidas na escola e problematização de outras atividades que podem ser desenvolvidas, ampliando o campo de atuação. Várias contribuições foram realizadas ao longo desses anos, como a produção de artigos 2 com temáticas que envolveram a Dança e Gênero; e o conteúdo Lutas, trabalhos apresentados em congressos,3 intervenções em aulas, em Projetos de Extensão como o Projeto Escolinhas Esportiva. Dentre essas contribuições vamos nos ater a relatar as ações desenvolvidas no Programa de Ensino. A partir das intervenções dos bolsistas e voluntários no colégio, evidenciaram através de observações, diários de campo e aplicação de questionários com os estudantes que havia uma lacuna no ensino da
2. Capítulo de livro: Dança nas aulas de Educação Física: uma questão de gênero? IN: Marinho, Ana Regina & Schurster, Karl. O Programa de Iniciação à Docência na Universidade de Pernambuco: práticas interdisciplinares. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Autografia, 2015. SILVA. Caio. N. O et. al. Sistematização do conteúdo Luta nas aulas de educação física: O judô como possibilidade na prática pedagógica. Revista Cadernos de Estudos e Pesquisa na Educação Básica, Recife, V.1, n.1, p.120-134, 2015. Cap/UFPE. Apresentação de trabalho no II Seminário de Iniciação à docência e Formação de Professores da UPE 2015: • Programa de Ensino do Colégio de Aplicação, um aprimoramento do conteúdo Luta. • O trato didático-metodológico do conteúdo Luta. 3. Apresentação de trabalho (Comunicação Oral), XX Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte e VII Congresso Internacional de Ciências do Esporte, realizado no período de 17 a 21 de setembro de 2017, Goiânia – GO. - Adriana F. G. et al. O ensino da luta na educação básica nas aulas de educação Física: uma experiência do programa institucional de bolsistas de iniciação à docência.
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Luta. Partindo das observações das aulas da turma do 9º ano A (turma referente ao ano de 2014), revelou-se que os estudantes tiveram déficit de conhecimento sobre o conteúdo. Quando questionados4 se em anos anteriores teriam estudado, dois estudantes apresentaram a mesma resposta “que assistiram apenas a uma aula de capoeira no 6º ano... E foi com uma professora substituta”. Foram questionados ainda sobre o que é Luta; qual a diferença entre Lutar e Brigar e Luta e Arte Marcial; como eles acessam as Lutas; que modalidades conhecem. A partir deste diagnóstico inicial e o confronto com o Programa de Ensino de Educação Física, constatou-se o conteúdo Luta era descrito como “origem e evolução das lutas nacionais e estrangeiras” durante os três ciclos de aprendizagem que a disciplina abrange. As intervenções foram em vários níveis desde a experiência com regência de aula, aplicação de questionários, leituras e discussões dos documentos: Projeto Político Pedagógico, Plano de Ensino e planos de aulas, que originou o problema com relação à temática Luta, seja nas aulas ou no programa de ensino dessa escola. Com isso foi elaborado um novo questionário, agora que envolvesse toda escola, conseguimos desde as turmas do 6º ano do Ensino Fundamental até a 2ª série do Ensino Médio. Como o objetivo de compreender o nível de apropriação de conhecimento do conteúdo Luta. Os Parâmentros Curriculares de Pernambuco (PCPEs) foram uma referência importante na construção de uma proposta de sistematização do Programa de Ensino da Educação Física referente ao conteúdo Luta. Para devida elaboração contou com a participação dos professores da disciplina de Educação Física do Colégio, de forma que a contribuição deles nos ajudou a manter a nossa proposta coesa com a maneira em que o Colégio pensa o componente curricular da Educação Física.
4. Questionário elaborado pela Professora Rita Cláudia Ferreira com o objetivo de diagnosticar sobre o nível de apropriação de conhecimento referente ao conteúdo Luta.
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Para Souza Júnior (2007) entende-se sobre sistematização tudo que diz respeito às maneiras e princípios de tratamento metodológico dos saberes diante dos estudantes, sendo portanto uma dimensão da ação pedagógica na interação professor-estudante e estudante-estudante no processo de socialização do conhecimento. Dessa forma, a sistematização deste conteúdo parte da Luta em geral, os princípios de tratamento metodológico acerca de todo o fenômeno e depois especificando em algumas modalidades, trazendo assim o entendimento para os estudantes do geral para as especificidades da Luta. A proposta de sistematização do conteúdo Luta no Programa de Ensino da Educação Física no CAp/UFPE5 seguiu a seguinte sequência: O segundo ciclo que compreende do quarto ao sexto ano do ensino fundamental. Segundo Pernambuco (2013, p.29) para este ciclo “O estudante deverá sistematizar os conhecimentos da luta de forma a contextualizar e relacionar ao seu cotidiano, refletir conceitos, atitudes, procedimentos e habilidades...”. A grande finalidade desse ciclo é a iniciação da sistematização do conhecimento considerando o social. Nesta fase o objetivo das aulas sobre o conteúdo Luta será: Identificar, entender e discutir os princípios gerais presentes nas lutas, que segundo Gomes, et al. (2010) são: Fusão ataque/defesa, controle, imprevisibilidade, Oponente(s)/Alvo(s). Com a utilização de jogos de oposição. O terceiro ciclo abrange o oitavo e nono anos do ensino fundamental. Segundo Pernambuco (2013, p.30) “O estudante amplia a sistematização do conhecimento, relacionando-os ao cotidiano, refletindo sobre o sentido e o significado, sobre valores éticos e sociais”. As aulas desse
5. A sequência apresentada no referido texto sobre a Proposta de Sistematização do Conteúdo Luta no Programa de Ensino da Educação Física no CAp/UFPE foi retirado dos slides titulado em “Proposta de Alteração no Programa de Ensino de Educação Física do Colégio de Aplicação, CAp/UFPE, acerca do conteúdo luta”. Apresentado pelos os bolsistas e voluntários do (PIBID) ao setor Serviço de Orientação e Experimentação Pedagógica (SOEP) deste colégio.
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ciclo deverão ter como objetivo: Conhecer a diferença entre luta, briga e artes marciais bem como trabalhar algumas modalidades de lutas. O quarto ciclo inclui o Ensino Médio. Segundo Pernambuco (2013, p.30) “O estudante aprofunda de forma sistematizada o conhecimento, analisando o projeto social em construção e explicando as regularidades científicas do tema tratado.” As aulas de Luta neste ciclo deverão ter como objetivo refletir sobre o processo de esportivização das artes marciais considerando a explosão midiática relacionada ao MMA (Artes Marciais Mistas), a Luta em seu sentido polissêmico e aprofundar modalidades de lutas. A partir disso gerou o 3º ciclo de pesquisa-ação que é a materialização dessa proposta nas aulas de Educação Física no CAp/UFPE para o Ensino Médio, atualmente os bolsistas estão materializando o conteúdo Lutas com a 3ª série A do Ensino Médio, turma esta que em 2014 foi o motivo inicial da pesquisa.
Considerações finais O Colégio de Aplicação/UFPE teve como objetivo primeiro a criação de um espaço para atender as licenciaturas em seus campos de atuação de estágio e o desenvolvimento de experiências pedagógicas exitosas. Até hoje esse objetivo é alimentado e ampliado buscando a excelência no saber-fazer pedagógico, seja no campo do ensino da pesquisa, da extensão e da gestão. O PIBID em geral busca atuar em escola em que o IDEB (Índice de desenvolvimento da Educação Brasileira) é baixo. Contrariamente isso não aconteceu no Cap/UFPE, mas foi selecionado por expressar essa qualidade na Educação, reconhecida nacionalmente.
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O PIBID no CAp/UFPE trouxe contribuições em vários níveis. Primeiro para a própria escola, que recebeu um programa atento às questões relativas ao magistério, mote inicial desta escola. Depois um olhar para seu campo de atuação na Educação Física problematizando, gerando ações e desenvolvendo produções teóricas que contribuem para a área. Contribuição para as docentes, que como supervisoras tiveram em sua formação continuada muitos elementos acrescentados, novas leituras, muitas reflexões, várias perspectivas. Quanto aos bolsistas e voluntários, tiveram em sua formação inicial uma experiência ímpar, expandindo os conhecimentos, aprimorando a formação e possibilitando o conhecer e realizar atividades pedagógicas desse componente curricular, uma trajetória em que os estudantes em formação antecipam a sua prática docente. Dessa forma o programa terá novos sentidos e significados a partir do momento que oferecemos à formação desses futuros profissionais, com metodologias pedagógicas críticas, a fim de fortalecer o ensino dos conteúdos dessa disciplina e ampliando na produção de conhecimento da cultura corporal, portanto, garantirá intervenções de formação na escola respeitando a voz dos sujeitos nela inserida no processo ensino-aprendizagem para o exercício da cidadania.
Referências BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Lei de diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, MEC, 1996. COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino da educação física. 2ed. rev. São Paulo: Cortez, 2012. GOMES, M. S. P.; MORATO, M. P.; DUARTE, E.; ALMEIDA, J. J. G. Ensino das lutas: dos princípios condicionais aos grupos situacionais 1. Movimento. Porto Alegre, v. 16, n. 02, p. 207-227, abr/jun de 2010.
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PAREDES, G. G; GUIMARÃES, O. M. Compreensões e Significados sobre o PIBID para a Melhoria da Formação de Professores de Biologia, Física e Química. Química nova na escola. Vol. 34, N° 4, p. 266-277, NOVEMBRO 2012. Disponível em <http://www. educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/Dezembro2012/química_artigos/compreensão_signif_pibid_formacao_ptofessores.pdf> Acesso em 12 de outubro.2017. PERNAMBUCO. Parâmetros para a educação básica do estado de Pernambuco: Parâmetros curriculares de educação física ensino fundamental e médio. Secretária de Educação, Pernambuco, 2013. SOUZA JÚNIOR, M. B. M. A construção dos saberes escolares na educação básica. 2007. 354f. Tese (doutorado) - Universidade de Pernambuco, CE. 2007. THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo, Cortez, 1994. TRIPP, D. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica. Educação e Pesquisa, São Paulo, set/dez, 2005.
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Estágio e vivências
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Estágio e vivências de ensino-aprendizagem: um recorte na história do serviço de orientação e apoio ao estagiário do CAp/UFPE Danilo de Carvalho Leandro Marcus Flávio da Silva Camila Menezes Ladislau da Silva Jadilson Miguel da Silva
Os Colégios de Aplicação – unidades de educação básica das Universidades Federais brasileiras – foram instituídos pelo Decreto-Lei n o 9.053 de 12 de março de 1946, que em seu Artigo 1o nos diz: “As Faculdades de Filosofia federais, reconhecidas ou autorizadas a funcionar no território nacional, ficam obrigadas a manter um ginásio de aplicação destinado à prática docente dos alunos matriculados no curso de didática” (CONDICAP, 2011). A partir da vigência desse decreto-lei foram criados vários Ginásios de Aplicação em Universidades, destinados inicialmente a ser um espaço de práticas dos alunos do Curso de Didática das Universidades Federais, assumindo assim a função de formar novos professores e professoras. Ao longo dos tempos os Colégios de Aplicação tornaram-se local de experimentação de metodologias de ensino-aprendizagem em que os(as) licenciandos(as) ministravam aulas sob a supervisão de seus(as) professores(as) de Didática.
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Com o passar dos anos, o aprofundamento dos debates no campo educacional – mais especificamente sobre a formação docente – trouxe rebatimentos para o modo de pensar os Colégios de Aplicação. Dessa forma é possível afirmar que as finalidades de tais instituições foram se alterando, acompanhando as mudanças da sociedade brasileira (nos âmbitos social, político e cultural). Os colégios passaram a obedecer o princípio conferido às Universidades Federais observando a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. O investimento em esforços para se constituírem espaços de excelência em ensino, pesquisa e extensão, e ainda de formação de futuros(as) professores(as), credencia os Colégios de Aplicação como interlocutores potentes no diálogo entre os cursos de formação de professores(as) e a educação básica.
“(...) Esse processo de vivência da realidade escolar permite a aprendizagem recíproca e ampliada. Recíproca porque, de um lado, transmite aos estudantes orientações sobre a postura do professor (...); e ampliada porque, a partir da inserção dos estagiários nas atividades do Colégio, esses levam de volta para as salas de aula da Universidade as questões observadas e vivenciadas no cotidiano da educação básica.(...)” – Erinaldo Carmo – Prof° de Sociologia do CAp.
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Ao longo dos 60 anos do CAp/UFPE o Serviço de Orientação e Apoio ao Estagiário (SOAE) assumiu configurações diversas na estrutura organizacional do Colégio. O setor garantiu um espaço de exercício profissional aos licenciandos(as) e bacharelandos(as), acolhendo os(as) estagiários(as) em sua formação inicial mesmo quando, assumidamente, o estágio “foi identificado como a parte prática dos cursos de formação de profissionais, em contraposição à teoria” (PIMENTEL, 2012, p. 33).1 A partir da compreensão do estágio como um momento de investigação que abarca uma reflexão e a interferência na vida da escola, dos docentes, discentes e da sociedade, o SOAE, nas últimas décadas, vem repensando seu modus operandi a fim de possibilitar aos(às) estagiários(as) uma aproximação com a realidade da educação básica. As mudanças implementadas trouxeram, pouco a pouco, um caráter formativo e pedagógico para os processos burocráticos reorganizados por toda a equipe técnica. Focaremos nesse texto o relato da experiência dos últimos dois anos do setor, em função de estarmos à frente do Serviço nesse espaço de tempo e por existirem registros escassos da história do setor que nos permitam um mergulho mais profundo no balanço das práticas de estágio ao longo das seis décadas de existência do CAp na UFPE. Antes de escrevermos sobre essas mudanças é fundamental conhecermos as modalidades de estágio hoje ofertadas no CAp, caracterizadas por uma diversidade pedagógica bastante rica, contribuindo com os diversos aspectos da formação discente.
1. Com o objetivo de trazer outras vozes a esse texto, convidamos algumas pessoas a colaborar conosco socializando suas percepções, experiências e olhares acerca do Estágio no CAp/UFPE.
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Modalidades de Estágio no CAp/UFPE •
Estágio de Observação: etapa em que o(a) estagiário(a) das licenciaturas tem foco na observação dos diversos aspectos escolares, como observação do espaço físico, da organização escolar, de aulas de professores(as) diversos(as), e da disciplina específica da área do estagiário(a), além de entrevistas com técnicos(as), professores(as), alunos(as) etc.
“A nova configuração do SOAE lançou a proposta de estender aos técnicos-administrativos a possibilidade de ofertar estágio e, assim, reforçar a função da escola como campo de formação de estagiários. Nesse contexto, surge a parceria entre a docente Danyelle Andrade e a TAE Dayse Carla Mattos(...). Além disso, os encontros semanais com esses estagiários trazem novos olhares e constantes questionamentos, que fazem com que o locus e a dinâmica institucional sejam repensados. Desta forma, o acompanhamento do estágio também colabora com a prática das supervisoras, pois promove a reflexão e contribui para um exercício crítico e ético da Psicologia.” - Danyelle Andrade e Dayse Mattos – Profª substituta de Orientação Educacional e Técnica-administrativa em Psicologia, respectivamente.
•
Estágio de Regência: modalidade em que o(a) estagiário(a) das licenciaturas se concentra na regência de aulas, reflexões e preparações de instrumentos/estratégias didático-pedagógicas.
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•
Estágio de Psicologia: trata-se do estágio de Observação e de Planejamento de Intervenção definido no Projeto Pedagógico do Curso de Psicologia da UFPE, considerado básico na matriz curricular.
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Estágio de Pedagogia: nessa modalidade, os(as) estudantes de Pedagogia chegam com a proposta de conhecer todo o funcionamento de gestão do colégio. Perto do término, esses(as) estudantes fazem o planejamento de um projeto com base nas impressões do que foi observado e no conhecimento adquirido na Graduação.
•
PIBID: no PIBID – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), os(as) licenciandos(as) estabelecem vínculos com a educação básica nas escolas públicas para, no futuro, estarem estimulados a seguir a carreira docente. Todas as atividades de estágio no PIBID são supervisionadas por professores(as) vinculados(as) ao Programa.
•
Didática e Metodologias de Ensino: esse público se caracteriza por uma permanência muito curta, no geral com a observação de poucas horas-aula, a fim de resgatar elementos potenciais para discussão e amadurecimento de metodologias e práticas observadas no CAp/UFPE. O objetivo é que reflexões ocorram nas disciplinas da Graduação.
•
Estágio Docência: modalidade que abarca os(as) estudantes pós-graduandos(as), nível Mestrado ou Doutorado, que realizam o Estágio Docência como componente curricular de seus respectivos programas.
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Experiências do SOAE-CAp/UFPE 2016-2017 A partir da perspectiva de um movimento constante de fortalecimento do CAp/UFPE como campo de estágio o SOAE vem resgatando e implantando, desde fevereiro de 2016, um conjunto de iniciativas que englobam diferentes frentes de atuação: • •
•
•
•
• •
Uma maior articulação e aproximação do SOAE com todos os que fazem a comunidade educativa do CAp/UFPE; O estabelecimento de um diálogo mais próximo e afinado do SOAE com Departamentos e cursos dos diversos centros da UFPE e de outras Instituições de Ensino Superior; A promoção de um constante diálogo entre a equipe do Serviço através de reuniões semanais, no sentido de amadurecer e refletir sobre as práticas e procedimentos de estágio no CAp/UFPE; O aperfeiçoamento de aspectos administrativos e pedagógicos, a fim de atender as demandas específicas dos Cursos, estagiários(as), professores(as) orientadores(as) e supervisores(as); A participação periódica no Fórum das Licenciaturas da UFPE, promovido pela Coordenação das Licenciaturas Diversas; A recepção de estagiários(as) em reuniões de acolhimento coletivo; O delineamento do “Papo de Estagiário”, evento com finalidade de socialização das práticas de estágio vividas no âmbito do CAp/UFPE.
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“(...) Estagiando no CAp o licenciando tem contato com as possibilidades de ensino e de aprendizagem da música em um espaço especialmente preparado para tais vivências. Além disso, a participação enquanto observador das demais atividades do Colégio, tais como, Conselhos de Classe, Festivais e aulas de outras disciplinas, ampliam a visão da instituição escolar. (...)” - Klésia Garcia Andrade, Profª do Departamento de Música e orientadora de estágio
Dos avanços observados nesses dois anos destacamos, em especial, a articulação do SOAE com os cursos da UFPE. Foram realizadas visitas a praticamente todos os cursos de Licenciatura da Universidade, bem como ao curso de Psicologia. O objetivo principal dessas visitas foi o estreitamento dos laços do campo de estágio com a Graduação, nas figuras das Coordenações de Curso, Coordenações de Estágio e professores(as) Orientadores(as) de Estágio. Além desse estreitamento, aproveitamos para explorar as potencialidades de realização de estágio no CAp/UFPE e aperfeiçoarmos os trâmites burocráticos de registro e acompanhamento do(a) estagiário(a). Pudemos observar, com esse movimento de ida aos cursos, o quanto o SOAE foi bem acolhido nesses espaços e o consequente aumento da procura do CAp como campo de estágio, especialmente em cursos que não possuíam histórico significativo de recebimento de estagiários(as). Outro ponto importante que merece destaque é a desmitificação das questões burocráticas para o acesso do(a) estagiário(a) ao CAp/UFPE. Muitos(as) estudantes, professores(as) Orientadores(as) e Coordenações, por não entenderem com clareza a importância da documentação solicitada pelo SOAE para a concessão de estágio, atribuíam ao Serviço
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a pecha de “muito burocrático”. Após as explicações feitas a partir das visitas, os procedimentos de registro foram melhor compreendidos, o que certamente culminou em uma maior procura do CAp/UFPE para realização de estágios. As escutas das Coordenações de Estágio e dos(as) Coordenadores(as) de Cursos também nos fizeram revisitar nossos instrumentos de registro para o Estágio, amadurecer alguns pontos e flexibilizar determinados processos, a fim de atender às demandas com maior efetividade.
“(...) A função do Colégio, desde seu início, e em minha compreensão, é a de ser espaço de inovação pedagógica, de elaboração de percursos didáticos e, a partir disso, estabelecer confronto entre diferentes possibilidades de atuação docente – desde o posicionamento teórico até a efetivação desta teoria na sala de aula. Neste contexto, a minha defesa para que todos os estudantes das licenciaturas passem pelo CAp é a da possibilidade da relação de qualidade com o supervisor do estágio - professor com segurança do objeto de conhecimento e mais experiente na área em que ministra as aulas – que com clareza faz e desvela com o estagiário esse percurso. (...)” - Beatriz Walker – Profª de Artes Visuais do CAp.
Sublinhamos também, como relevante fruto gerado nesse estreitamento de laços do SOAE com as Graduações, o acolhimento coletivo dos(as) estagiários(as) de Educação Física e Psicologia. Nesses momentos pudemos falar um pouco, em parceria com o Serviço de Orientação e Experimentação Pedagógica do CAp (SOEP), sobre a dinâmica de funcionamento do Colégio, suas potencialidades, limitações, importância no contexto nacional/regional. Discorremos também a respeito das concep-
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ções pedagógicas norteadoras do processo de ensino-aprendizagem. Além disso, socializamos/discutimos alguns pontos fundamentais referentes à realização do estágio no CAp. O Fórum das Licenciaturas foi outro importante espaço de inserção do SOAE na dinâmica da Universidade. A convite da Coordenação das Licenciaturas Diversas, o SOAE passou a participar de forma efetiva dos debates referentes à Licenciatura, garantindo dessa forma, uma discussão ampla em torno de questões de Estágio Curricular Obrigatório. Atualmente o SOAE recebe os estagiários em conformidade com a Lei de Estágio nº 11.788/2008. Portanto, tem sido indispensável a apresentação de três documentos para dar início ao estágio: Carta de Apresentação, Termo de Compromisso e Plano de Atividades. Ao término do processo é solicitado ao estudante cópia do relatório final, o mesmo apresentado à Graduação para obtenção da nota de disciplina de Estágio Curricular Obrigatório. Essa cópia fica arquivada no setor junto a toda a documentação de estágio inicial, formando um histórico da passagem do(a) aluno(a) pelo CAp/UFPE e o registro de suas vivências. Desde 2015.2 essa prática foi implantada pelo setor, com o intuito de formar um banco de dados que sirva de fonte para análises, pesquisas ou consultas da prática de estágio no CAp/UFPE. Uma das dimensões fundamentais do setor tem sido o incentivo à reflexão sobre o processo de formação de professores através do estágio. Essa atenção permanente é, em si, talvez a dimensão mais rica das funções do serviço e, nesse sentido, desdobra-se em intervenções importantes para o estágio das Licenciaturas. O SOAE tem promovido momentos de reflexão e debate sobre o estágio no processo de formação dos(as) licenciandos(as) e bacharelandos(as); institui-se, desse modo, o desafio de dar continuidade a essas atividades e ampliá-las. No intuito de oferecer uma visão geral do quantitativo de estagiários(as) nos anos de 2016 e 2017, separados pelos diferentes cursos de Graduação, sumarizamos os dados na tabela 1.
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Tabela 1. Distribuição de estagiários(as) nos anos 2016 e 2017 no Colégio de Aplicação (por curso) CURSO DE GRADUAÇÃO
2016
2017
TOTAL
Licenciatura em Artes Visuais
0
13
13
Licenciatura em Biologia
14
11
25
Licenciatura em Ciências Sociais
08
04
12
Licenciatura em Dança
04
04
08
Licenciatura em Educação Física
38
26
64
Licenciatura em Expressão Gráfica
02
05
07
Licenciatura em Filosofia
11
15
26
Licenciatura em Física
02
01
03
Licenciatura em Geografia
07
08
15
Licenciatura em História
08
11
19
Letras - Licenciatura em Líng. Espanhola
11
14
25
Letras - Licenciatura em Líng. Francesa
08
09
17
Letras - Licenciatura em Líng. Inglesa
0
09
09
Letras - Licenciatura em Líng. Portuguesa
16
34
50
Licenciatura em Computação
01
0
01
Licenciatura em Matemática
04
28
32
Licenciatura em Música
49
13
62
Pedagogia
02
14
16
Psicologia
15
20
35
Licenciatura em Química
17
09
26
Licenciatura em Teatro
12
20
32
229
268
497
TOTAL
274
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Os cursos de Educação Física e Música figuram com maior número de estagiários(as), possivelmente devido à parceria desenvolvida entre o setor e professores(as) orientadores(as)/supervisores(as) desses cursos, onde toda a demanda documental já está facilmente compreendida. Em seguida aparece Língua Portuguesa, que já é um curso que tem histórico de número expressivo de estagiários(as).
“(...) Tais funcionalidades visam colocar o SOAE no papel de órgão vital em um organismo humano vivo que é o CAp. Esta metáfora pode ser interpretada, ao meu entender, como o setor que não é apenas uma máquina que executa tarefas pré-estabelecidas, mas que reflete sobre suas práticas, produzindo conhecimento teórico e contribuindo para o exercício das atividades de estágio e significações dos estagiários. (...)” - Bruno Leite – Profº de Desenho Geométrico do CAp e ex-coordenador do SOAE.
Psicologia, Matemática e Teatro também aparecem com números expressivos de estudantes nesses dois anos, pois, mais uma vez, há a interlocução entre CAp/UFPE (setor de estágio e/ou professor(a) supervisor(a) e professor(a) orientador(a)/coordenador(a) do curso. Da Licenciatura em Dança há somente estagiários(as) do programa PIBID, que frequentam aulas da disciplina Teatro. Com o expressivo número de estagiários(as) registrados(as) nos últimos anos foi observada a necessidade da implantação de instrumentos de coleta de dados referentes ao perfil dos(as) estagiários(as), a fim de entender características socioeconômicas do público atendido pelo SOAE. Tal observação resultou na criação de um formulário do
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Memórias de Formação: do ser e do sentir
Perfil do Estagiário do CAp, respondido pelos estudantes no ato do registro efetivo no Serviço. Com essas respostas hoje nos é possível refletir sobre determinados dados que revelam a realidade dos(as) estagiários(as) do CAp/UFPE.
Resultados obtidos na Pesquisa Perfil do estagiário(a) – CAp/UFPE Avaliando o ano de 2016, observamos que os(as) nossos(as) estagiários(as) são jovens, em sua maioria na faixa etária dos 20 aos 30 anos. Suas famílias apresentam as seguintes características: a maior parcela tem pais que concluíram o Ensino Médio e que apresentam renda familiar de até três salários mínimos, sendo o próprio pai considerado o principal mantenedor familiar. Isso nos mostra que o(a) aluno(a) da Licenciatura provém, em sua maioria, de camadas médias ou mais populares da sociedade. Em outros termos, a atração pela carreira docente não engloba hegemonicamente os mais privilegiados socioeconomicamente. Para corroborar tal leitura é imprescindível citar que metade (52%) estudou em escolas públicas, 35% em instituições privadas e o restante tanto em uma quanto em outra. Característica também importante é que parte considerável dos(as) estudantes precisa exercer alguma atividade remunerada (40%) ao mesmo tempo que cursam sua Graduação. O período noturno é o que mais abarca estudantes (36%). Por fim, é preciso destacar que 36% participam de programas de assistência ao estudante (assistência à alimentação, bolsa permanência, assistência a moradia e transporte), o que demonstra a importância da universidade ter atenção especial às condições que possibilitam a permanência desses(as) estudantes até concluírem seus cursos.
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Os dados de 2017 apontaram que 78% dos(as) estagiários encontravam-se na faixa etária de 20 a 29 anos, podendo indicar que a maioria desses(as) estudantes está em seu primeiro curso de graduação, uma vez que a faixa etária aponta para um público que possivelmente está no início de sua vida profissional. Foi possível constatar que 33% dos estudantes exerciam algum trabalho, sendo que, desse total, 48% têm vínculo empregatício e os outros 52% não têm. Podemos refletir do cenário observado em 2017 que um número relativamente menor em relação a 2016 pode indicar um movimento inicial de maior preocupação em focar primeiro no período de estudo. É igualmente possível que os(as) alunos(as) recebam apoio financeiro que os(as) permita em casa estudar sem trabalhar. Essas hipóteses se confirmam quando 70% dos estudantes afirmam serem os pais os mantenedores da família. Além disso, 48% desse total declararam realizar alguma atividade acadêmica remunerada, o que reforça a hipótese acima e demonstra que os(as) estudantes preferem atrelar uma atividade remunerada ao desenvolvimento acadêmico e profissional.
“ (...) O encontro com estagiários(as), no entanto, é sempre uma oportunidade de entrar em contato com novos olhares e metodologias, o que é extremamente enriquecedor, sobretudo quando há o espaço do debate, das críticas e sugestões, que é também o espaço da construção(...) sinto que se trata efetivamente de uma relação de troca, em que eu, como estudante, posso participar e contribuir ativamente não só para o fluir da dinâmica em sala, mas para a construção daquele(a) professor(a) (...)” - Jéssica Souza – Aluna do CAp (2011-2017)
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Ainda em relação aos dados de 2017, foi observado que a maioria dos pais desses(as) estudantes concluiu o Ensino Médio. Pais com Ensino Superior completo aparecem em segundo lugar em nossa pesquisa. A maior parte dos estudantes informou que a renda total do grupo familiar corresponde a dois salários mínimos. O resultado para o tipo de escola cursada (pública ou privada) apresentou uma pequena diferença, com percentual de 49% para os que cursaram somente escola pública e de 41% para aqueles que cursaram somente escola particular. O restante teve sua formação entre os dois tipos de escola. Um total de 47% dos estagiários conta com algum auxílio assistencial da Universidade, o que denota que esses programas têm um papel importante de apoio para grande parte desses(as) estudantes. Ao completar 60 anos, o Colégio de Aplicação, segundo os dados apresentados (embora com o curto recorte de dois anos), observamos que continua contribuindo para a formação inicial de professores e professoras, possibilitando aos(às) estagiários(as) um espaço fértil para o exercício da docência e para a experimentação pedagógica. O SOAE, ao celebrar seis décadas de existência do CAp, ratifica o pensamento que, embora seja uma construção de toda uma vida, é no estágio que a identidade profissional é gerada e erguida. Ali, opções e intenções da profissão docente são consolidadas. Nesse sentido o Serviço vem se colocando como interlocutor entre os diversos agentes no processo de estágio dos(das) licenciandos(as) da UFPE e de outras Instituições de Ensino Superior, viabilizando um espaço de protagonismo aos(às) estagiários(as) que escolhem o Colégio de Aplicação como lugar para o exercício da sua docência.
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Referências CONDICAP, 2011. Os Colégios de Aplicação das IFEs no Âmbito da SESU/MEC. Disponível em www.apesj.org.br/wp-content/uploads/Documento-Condicap.doc. Acesso em 13 de outubro de 2017. PIMENTA, Selma Garrido; LIMA, Maria Socorro Lucena. Estágio e docência. 7.ed. São Paulo: Cortez, 2012.
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Os espaços do colégio de aplicação no olhar dos seus estudantes: a paixão e a poesia do lugar Erinaldo Ferreira do Carmo Taisi Rosa Rodrigues Oliveira
A escola é uma importante instituição social que tem como função, além de produzir conhecimentos variados, estabelecer relações sociais de aprendizagem e formar criticamente os indivíduos que convivem nesse espaço. Ultimamente, o estudo do espaço escolar vem ganhando bastante importância com o surgimento de novas pesquisas sobre a cultura escolar e a influência exercida pelo ambiente construído e ocupado sobre o envolvimento, o comportamento e o desempenho dos indivíduos que o frequentam e o utilizam (GONÇALVES, 2011; CARMO & PACHECO, 2015; CARMO, 2017). Essas pesquisas indicam que a arquitetura escolar tem extrema influência sobre as relações sociais produzidas e cultivadas dentro desse ambiente. Os espaços físicos ocupados são dotados de sentidos e impregnados por signos e símbolos que afetam quem nele convive, fazendo com que essas pessoas se envolvam umas com as outras e com o ambiente onde se dão tais relações. No pensamento de Alexander et al (1978), as pessoas somente se envolvem e participam do ambiente construído quando se sentem também parte dele. E elas só se sentem parte do ambiente quando conseguem identificar nesse espaço construído ralações que lhes envolvam de alguma forma positiva. Assim,
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a relação com a educação pressupõe também uma identificação com o ambiente onde ela se desenvolve. Desse modo, as referências da escola adquirem a significação do lugar, identificado e vivido pelos estudantes como ela se mostra. Signorelli (1980) afirma que o lugar se define por sua relação com os seres humanos que o utilizam, que o desfrutam, que se relacionam com ele e dentro dele, que o recorrem e o dominam. Seu traçado arquitetônico, sua estética e funcionalidade estrutural também compõem os elementos simbólicos do ambiente onde se produz o saber. Esses elementos são internalizados pelos estudantes dentro da cultura projetada pela escola sobre cada um deles. É dessa forma que a escola representa um ambiente especial, como orientam Frago e Escolano (2001), pensado, construído e utilizado especificamente para a convivência social na difusão do conhecimento e da formação cidadã. Para o estudo das relações sociais possíveis no espaço escolar, considerando o Colégio de Aplicação da UFPE, foi realizada esta pesquisa, seguindo o preceito de que a escola é um espaço que contribui para a formação social dos indivíduos e a sua estrutura física é um ponto que não pode ser esquecido. A infraestrutura da escola tem aqui a sua devida importância nas dimensões físicas e sociais. Desse modo a escola é identificada como um local estimulante e propício ao desenvolvimento de atividades sociais. Para a identificação dessas atividades recorremos ao método qualitativo, envolvendo a análise dos espaços escolares e as relações sociais ocorridas nesses mesmos espaços. A coleta de dados foi feita com os seguintes procedimentos metodológicos: observação participante, análise documental e entrevistas com estudantes. Foram entrevistados 20 estudantes entre os meses de agosto e outubro, sendo 10 do ensino fundamental e 10 do ensino médio.
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A socialização no espaço escolar A escola possui o papel de agente socializador e se consagrou, ao longo dos tempos, como instituição de transmissão de cultura às novas gerações. A instituição escolar constitui a base da educação formal e educa organizadamente por meio de alguns critérios: periodicidade, método, currículo, disciplina, regulamento. Assim, a instituição educativa tem compromisso com a construção de um ambiente pedagógico que possibilite a integração crítica do indivíduo ao seu meio, permitindo-lhe acesso aos conhecimentos já construídos e propiciando a elaboração de novos saberes. Dessa forma, a educação escolar contribui para a efetiva emancipação humana, tanto social quanto individual, por meio das relações sociais construídas nesse ambiente. Por relação social aqui expressamos o comportamento coletivamente referido por uma pluralidade de agentes. A relação social consiste, então, em uma ação socialmente dotada de sentido. A ação significa, nesse caso, um comportamento humano (de agente interno ou externo, de omissão ou permissão) sempre na medida em que os indivíduos o utilizam com um sentido subjetivo (WEBER, 2000). Nessa relação a conduta dos sujeitos (que no momento da ação podem ser dois ou muitos, em contato direto ou indireto) orienta-se por um conteúdo de sentido reciprocamente compartilhado (CONH, 1997). Portanto, nesse estudo é extremamente relevante identificar como a estrutura escolar está amplamente relacionada ao processo de aprendizagem dos estudantes. Isso significa que analisar o espaço escolar é um fator importante para que se possa compreender a relação entre o ambiente de ensino e a aprendizagem. Uma escola sem uma estrutura física adequada pode criar no aluno um sentimento de abandono ou de desvalorização da educação. Isso ocorre porque o espaço da escola não é concebido apenas por sua estrutura física,
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ou simplesmente pelo prédio onde se abrigam alunos e professores, mas sim pelo ambiente socialmente construído, que é educativo por si só, pelas relações possíveis (ora formais, ora amistosas) entre esses alunos e professores. Por isso o espaço construído deve ser propício às relações sociais saudáveis. Escola é clima de convívio, espírito de trabalho, produção compartilhada, ou seja, relações sociais de saber. Desse modo, o espaço escolar precisa ser favorável à geração de ideias, movimentos e sentimentos, isto é, um ambiente humanizado capaz de despertar o interesse em construir e socializar saberes.
A poesia do espaço escolar “Em seus mil alvéolos, o espaço retém o tempo comprimido. É essa a função do espaço” (BACHELARD, 1993, p. 19). No livro A poética dos espaços, o filósofo e poeta francês, Gaston Bachelard, cria uma reflexão acerca das imagens do “espaço feliz”, objetivando determinar o valor humano dos espaços. Trata-se de uma reflexão poética sobre a percepção do espaço vivido em todas as parcialidades da imaginação. Esse espaço não pode ser mensurado apenas à arquitetura, porque mergulha nas entrelinhas da relação afetiva estabelecida entre os indivíduos e o uso desse lugar. Assim, a poética do espaço também está presente na escola como um local de extrema convivência e de muitas aprendizagens, de onde se guardam memórias e, muitas vezes, até paixões. É tipicamente um espaço passional. Traz com ele momentos, histórias, marcos e, além disso, diz muito da individualidade de cada ser que o frequenta e o utiliza cotidianamente. O Colégio de Aplicação da UFPE, por exemplo, recebe alunos no 6º ano do ensino fundamental e esses só se separam
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no 3º ano do ensino médio. Ou seja, muitas das individualidades, características, jeitos de ser e formas de ver o mundo são construídas nesse lugar. É na escola onde se espelha a maioria dos momentos vividos na adolescência dos estudantes, com os colegas, os professores, os funcionários e, principalmente, com os espaços que abrigam essas relações. Quando há um acontecimento dentro da escola a ação, o tempo e o espaço ficam guardados na memória. Dessa forma, é válido dizer que a estrutura escolar está amplamente ligada à aprendizagem, à formação, ao armazenamento de memórias e às relações sociais entre os seres que convivem nesse mesmo espaço.
O espaço como parte do sujeito O ambiente escolar faz parte das relações sociais e interfere na forma como cada estudante se identifica em sua fase de formação. Dessa maneira, cabe a reflexão sobre como a realidade das estruturas edificadas traz consequências para a vivência dos seres. Por isso, nessa parte do texto, são apontadas as características de cada espaço observado a partir do olhar e da percepção dos próprios alunos pesquisados. Na percepção dos estudantes entrevistados as salas de aula foram associadas a espaços de trabalho, ambientes organizados e confortáveis, mas também foram comparadas a locais de limitação e domínio (no sentido de controle social). Entre os estudantes do ensino fundamental a sala de aula foi apontada como um dos locais onde eles mais gostam de estar. Já entre os estudantes do ensino médio os ambientes abertos são os mais apreciados.
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A fachada da escola foi apontada pela maioria dos estudantes pesquisados como uma estrutura aprazível, principalmente depois que esse espaço recebeu uma intervenção com a recuperação do letreiro, a limpeza dos ladrilhos e a reforma da calçada. O quadrado é um espaço bastante conhecido dos estudantes do colégio. Trata-se de um ambiente pouco utilizado, mas que tem uma frequência regular de alguns poucos alunos que querem descansar ou conversar mais afastados dos demais colegas. Nas entrevistas, esse espaço também foi citado como ocioso, por não ser empregado em nenhuma atividade escolar. O hall do colégio, local de grande circulação de alunos nos espaços de tempo entre as aulas, possui características de ambiente fechado e vigiado, que pode gerar desconforto e a sensação de vigilância, para alguns, mas também foi identificado, por outros, como um espaço de apresentação de trabalhos e exposição de pesquisas. O recreio coberto foi indicado pela maior parte dos alunos como um espaço de interação, apesar do seu desconforto causado pelo teto em cobertura de metal, o que torna o ambiente muito quente durante quase todo o ano. É nesse local onde são feitas as refeições oferecidas pelo colégio (lanche e almoço). A área dos quiosques foi apontada pela maioria dos alunos como um espaço agradável. Assim como o recreio coberto, os quiosques permitem a visualização do Lago do Cavoco e da área verde em seu entorno. Essa condição de contemplação de elementos da natureza torna o ambiente bem mais aprazível, pois a presença de vegetação propicia a satisfação visual que se dá com a observação das paisagens e o sentimento de ambiente saudável (KOWALTOWSKI, 2011). Entre as
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meninas esse é o lugar onde elas mais gostam de ficar. Já entre os meninos a quadra de esportes aparece como o local preferido dos estudantes do ensino fundamental, enquanto os do ensino médio preferem o recreio coberto. A pequena área de convivência, em formato de pracinha, localizada na entrada do colégio, foi destacada pelos estudantes como um importante espaço de interação, sobretudo no horário de espera para o início das aulas. Em todos esses espaços citados, o que os estudantes mais gostam no colégio é da convivência com os colegas e da interação entre eles e os professores e funcionários. Essas relações de interação ocorrem regularmente nos ambientes de maior convivência. E por apreciarem essas relações de interação, esses alunos guardam mais lembranças saudáveis dos espaços que mais lhes propiciam a convivência pacífica e harmônica, a exemplo das salas de aula, dos laboratórios, do recreio coberto, da quadra e dos quiosques.
Considerações finais Diante dessa relação dinâmica observada entre os seres e os lugares, e considerando a estrutura do espaço da escola como elemento relevante no envolvimento e no comportamento do aluno ante as atividades escolares, é possível concluir que a presença de equipamentos adequados e de estrutura física apropriada possibilita a melhor participação do aluno na escola, fazendo desse espaço um ambiente atrativo, incorporado pelos seus usuários para a prática pedagógica. Assim, também foi possível identificar, por meio dessa
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pesquisa, a contribuição da estrutura física do Colégio de Aplicação para a integração dos sujeitos nos processos sociais, com espaços destinados à convivência e ambientes salutares para os encontros formais e informais, constantes e efêmeros, no que favorece a “topofilia”, que representa o apego do indivíduo ao espaço construído, os laços afetivos desses indivíduos com o seu meio ambiente material (TUAN, 1980). Ainda ficou claro que entre os estudantes há um sentimento de pertença, uma cadeia ampla de laços e contatos interpessoais, além de uma aprovação do ambiente escolar como um espaço favorável ao desenvolvimento das relações sociais de aprendizagem e de convivência.
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Referências ALEXANDER, C. et al. Urbanismo y participación: el caso de la Universidad de Oregón. Barcelona: Gustavo Gilli, 1978. BACHELARD, G. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1993. CARMO, E. Envolvimento do Estudante na Escola: teoria e prática em um estudo de caso. Revista Olh@res, Guarulhos, v. 5, n. 1, p. 90-109, maio 2017. Disponível em: < http://www. olhares.unifesp.br/index.php/olhares/article/view/647/240 >. Acesso em 03/10/2017. CARMO, E.; PACHECO, S. Espaço físico escolar e avaliação externa: um afastamento indevido na educação básica. Revista E-Mosaico, v. 4, n. 8, dez. 2015. Disponível em: < http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/e-mosaicos/article/view/24815/17751 >. Acesso em 04/10/2017. CONH, G. Weber: Sociologia. São Paulo: Ática, 1997. FRAGO, A.; ESCOLANO, A. Currículo, espaço e subjetividade: a arquitetura como programa. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. GONÇALVES, R. Arquitetura flexível e pedagogia ativa: um (des)encontro nas escolas de espaços abertos. Universidade de Lisboa, Instituto de educação, 2011. KOWALTOWSKI, D. Arquitetura escolar: o projeto do ambiente de ensino. São Paulo: Oficina de Textos, 2011. SIGNORELLI, A. Integración, consenso, domínio: espacio y vivienda en una perspectiva antropológica. In: PIGNATELLI, P. Análisis y Diseño de el Espacio que Habitamos. México: Concepto, 1980. TUAN, Y. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. São Paulo: DIFEL, 1980. WEBER, M. Economia e Sociedade. Brasília: UnB, 2000.
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Formação humana e desenvolvimento integral no CAp/UFPE Lavínia de Melo e Silva Ximenes
Iniciamos nossa tese de doutorado em Educação tecendo algumas considerações sobre a importância da formação acadêmica do educador no seu processo de humanização e fazendo alguns questionamentos, a saber: a que realmente nos referimos quando falamos em formação humana? Não nascemos humanos? Não precisamos, apenas, ser educados para ter acesso aos diferentes campos do conhecimento produzidos culturalmente? O acesso à educação formal garante a humanização do indivíduo? Em nosso estudo consideramos que o processo de humanização precisa ser cultivado num dado contexto cultural e relacional, organizando-se como uma experiência pessoal de apropriação e aperfeiçoamento das distintas dimensões do ser humano (XIMENES 2013). Entendemos que a relevância do estudo da temática se deve ao fato do pouco investimento realizado no contexto das instituições formativas e escolares visando ao desenvolvimento integral do educando e ao cultivo do ser humano. Apesar de ainda pouco estudada, a temática da formação humana tem sido objeto de reflexão no campo das ciências humanas e sociais, estando diretamente ligada a diferentes aspectos do viver, tais como: o modo como nos situamos no mundo em que vivemos, as especificidades das relações nele estabelecidas, o modo como representamos e damos sentido às experiências vividas, às possibilidades de vir a ser como indivíduos, ao caráter transcendente da própria existência. Tais aspectos se interligam mutuamente, uma vez que o ser humano, em
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sua unidade, é multidimensional, o que configura sua complexidade e o desafio de compreendê-lo a partir da interconexão de suas dimensões. Entre alguns autores que têm tratado da formação humana em sua relação estrita com o campo educacional, podemos citar Rodrigues (2001), López Quintás (2004a, 2004b), Severino (2006), Röhr (2010) e Policarpo Junior, Rodrigues (2010), dentre outros. López Quintás (2004a) destaca ser fundamental que cada pessoa possa se apropriar sobre como é o viver humano e quais são as condições de seu desenvolvimento, de modo a orientar-se bem na vida e resolver, por si mesmo, os problemas que surjam em sua existência. Valoriza assim a dimensão da formação humana como condição maior e primeira que permite o discernimento entre o que constrói a personalidade e o que a destrói entre o que é ilusório e passageiro e o que favorece a condição de liberdade e autenticidade do ser humano. Em sua concepção humanista sobre o existir humano, predomina o pensamento relacional (cada realidade e cada acontecimento é uma trama de relações) e a concepção holística (cada elemento há de ser visto em função do todo). O autor referido destaca que para uma realidade ou ação terem sentido devem exercer a função que lhes corresponde no contexto às quais pertencem, apontando, desse modo o método em espiral que visa tratar de cada questão sob diversas perspectivas. (QUINTÁS 2004b). Nesse sentido, pensar a Educação como experiência formativa requer, particularmente do educador, uma apropriação do caráter subjetivo e inter-relacional que a caracteriza como processo de humanização, já que remete às criações e representações do indivíduo que se configura de forma singular imerso na complexidade da realidade vivida. A educação valoriza, assim, a experiência como algo que se vive e que se transmite espontaneamente, que dialoga com a realidade e que deve promover mudanças e transformações no todo do ser: no corpo, nas emoções, na mente, no espírito. Tal entendimento possibilita a identificação do
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sistema de sentidos e significações dados pela pessoa às experiências, às vivências e às atuações no contexto da relação, simultânea e contraditória, com e nos distintos cenários sociais e históricos. Diante do contínuo processo de pensar a formação no sentido da humanização do ser humano, consideramos que compete à educação (re)assumir seu papel e função fundamentais na mediação e difusão de princípios que se configurem norteadores do desenvolvimento integral e pleno de indivíduos e grupos humanos. Favorecer o desenvolvimento do indivíduo de modo a ressignificar suas experiências, tendo autonomia para pensar, sentir e agir de modo pleno, congruente e responsável em todos os âmbitos, inclusive na escola. Educar no sentido da humanização requer um olhar sobre o educando em seu processo de desenvolvimento, porquanto suas múltiplas dimensões vão se configurando no percurso evolutivo, o que significa lidar com a temporalidade no processo de vir a ser humano. Na perspectiva de Arroyo (2007, p.226), “sem esse pressuposto da temporalidade da formação humana a educação perde seu sentido”. A apropriação do que representa e constitui a lógica temporal da formação possibilita o entendimento dos limites e das possibilidades do desenvolvimento do ser humano em seu devir, ou seja, na expectativa e na centralidade de um a posteriori, na emergência de um novo começo. Nesse cenário, a função educativa assume seu caráter balizador, particularmente quando concebida na perspectiva do desenvolvimento humano integral, possibilitando ao indivíduo refletir sobre quem é e qual a sua tarefa existencial integrando seus sentimentos, pensamentos e atitudes (comportamento) em prol de um viver mais harmônico consigo mesmo e com os outros. Todavia, a promoção dessa meta formativa no âmbito acadêmico-escolar não tem se configurado exequível, uma vez que tal espaço não se constitui como lócus mais adequado para tal vivência; considerando-se, por exemplo, o empobrecimento da experiência pessoal e da atividade
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reflexiva sobre a dimensão existencial e espiritual em detrimento do acesso ao conhecimento produzido culturalmente, do domínio e aprimoramento técnicos em tal contexto. Por outro lado, na atualidade, a escola vem sendo demandada a contribuir para a promoção do pleno desenvolvimento do ser humano, na perspectiva desse indivíduo vir a ser mais humano, por meio da integralidade de suas dimensões básicas e das relações humanas instituídas (XIMENES, 2013; XIMENES E BRANDÃO, 2016). Esse texto objetiva refletir como, de forma contra-hegemônica, no espaço do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Pernambuco, o desenvolvimento integral do educando, bem como a promoção da formação humana se apresentam como ações pedagógicas e elementos da organização curricular do componente Orientação Educacional (OE) na educação básica, nos ensinos fundamental e médio.
Orientação Educacional (OE) – intervenção e formação para a cidadania Historicamente, a Orientação Educacional (OE) no CAp/UFPE vincula-se às ações do Serviço de Orientação Educacional (SOE), tendo como objetivo possibilitar ao corpo discente o debate e a reflexão de temáticas visando ao pleno desenvolvimento do indivíduo, ao exercício da cidadania, mediante atitudes crítico-reflexivas, responsáveis, autônomas, criativas, solidárias e éticas. A sistematização das atividades de OE, entre os anos 2007-2012, pautou-se no desenvolvimento de grandes eixos temáticos, a exemplo de: (1) Relações Intra e Interpessoais; (2) Orientação para o Estudo; (3) Orientação para a Sexualidade; (4) Orientação para a Escolha Profissional; (5) Temas da Atualidade. Operacionalmente, cada temática era detalhada e as atividades planejadas para serem desenvolvidas nas distintas turmas, ao longo do ano letivo, levando-se em consideração o momento evolutivo e a
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maturidade dos alunos e alunas no trato das questões, bem como as demandas específicas dos grupos. Desse modo, todos os temas eram trabalhados, simultaneamente, em todas as turmas, variando-se a forma de abordar as questões específicas no sentido de atender aos interesses emergentes. Com uma carga horária de 1hora/aula, semanal, os temas foram trabalhados de forma transversal junto aos alunos do ensino fundamental e do ensino médio, configurando-se num exercício contínuo de “aprender a ser” e de “aprender a conviver” com pessoas, contextos e novos saberes de forma interativa, dinâmica e criativa. Todavia, fomos percebendo que a preparação para o exercício da cidadania “embora se configure uma meta educativa nos planos social e político, sinalizado na Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional - No 9.394/19961, é algo que parece não incluir o questionamento sobre se os significados e sentidos das atividades instituídas nessa direção promovem a formação humana integral” (XIMENES e POLICARPO JUNIOR, s/d, p.12). De modo que, para além da funcionalidade formal de cidadania associada a uma prática social, entendemos que o pleno desenvolvimento de indivíduos e de grupos humanos poderá ser promovido e mediado pelas ricas experiências formativas vividas e compartilhadas no espaço acadêmico-escolar.
1. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm.
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Orientação Educacional (OE) - formação humana e desenvolvimento integral A concepção de um componente curricular mais estruturado, que seja condizente com a proposta formativa de humanização e de desenvolvimento integral das dimensões humanas, surge a partir do ano de 2013, em função da conclusão de meu curso de doutorado em Educação. A especificidade dessa proposta está em desenvolver uma ação/intervenção formativo-pedagógica em todas as turmas dos ensinos fundamental e médio2, com 1h/aula semanal, em um contínuo longitudinal de temáticas, conforme apresentado adiante. Na perspectiva de um desenvolvimento humano integral no âmbito do espaço acadêmico escolar, destacamos a relevância de intervenções teóricas e práticas consistentes e que priorizem o processo de humanização do indivíduo como meta educacional, possibilitando ao mesmo: 1) Apropriar-se de seu desenvolvimento como pessoa singular na complexidade dialética das relações histórico-culturais estabelecidas; 2) Desenvolver um entendimento do que representa um indivíduo imerso numa sociedade pautada pela diversidade e pela indiferença ao que seja próprio e apropriado ao ser humano; e 3) Orientar-se no sentido de conceber a educação e a escola como formas de acesso à condição de plenitude e bem-estar oriundos de um processo formativo de excelência. Nessa direção, julgamos que a formação escolar na educação básica que vise à humanização de seus alunos e alunas, além do pleno desenvolvimento de suas potencialidades, poderá se
2. Exceto a 3ª Série do ensino médio, cuja organização curricular se apresenta diferenciada, com aulas apenas no turno na manhã. Contudo, a proposta formativa de humanização e desenvolvimento integral dos alunos da série é implementada pelas profissionais (psicóloga e/ou pedagoga) do Serviço de Orientação Educacional (SOE), com planejamento das ações e definição de carga horária ao longo do ano letivo, em parceria com os demais professores da série.
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beneficiar da conversão e da pluralidade de olhares sobre o ser e o fazer no âmbito da sala de aula. Para dar conta dessa tarefa, sistematizamos uma proposta curricular pautada em temáticas a serem desenvolvidas em anos/séries específicos: Ensino Fundamental: 6º Ano: Desenvolvimento de Competências Sociais O desenvolvimento de competências sociais constitui-se como processo de aprendizagem contínuo e sistemático, considerando-se que o ser humano se configura como indivíduo a partir das relações socioafetivas estabelecidas, ao modo como, mediado pela linguagem, dá sentido às experiências vividas, bem como às representações simbólicas vinculadas a funções e papéis sociais. [VIEIRA (2014); SANTROCK (2014)]. 7º Ano: Educação em Valores O cultivo de competências relacionais no ambiente escolar favorece o estabelecimento de relações positivas nas perspectivas intra e interpessoal, promovendo o bem-estar na vida em coletividade através do desenvolvimento de capacidade de lidar com relacionamentos interpessoais e grupais, pautados em valores humanos, nos seguintes âmbitos: (a) Alteridade e Subjetividade; (b) Relações de poder; (c) Aceitação e rejeição; (d) Cultura e comportamento humano. [GARCIA e PUIG (2010); QUINTÁS (2004a); MORENO (2001)]. 8º Ano: Autoestima e Desenvolvimento Emocional O conhecimento do repertório das distintas emoções, bem como a tomada de consciência das funções de cada uma ao longo do desenvolvimento humano, possibilita o cultivo de habilidades e de competências emocionais, além da identificação de estratégias tais como: (i) Autoconsciência; (ii) Consciência social; (iii) Autocontrole; (iv) Reconhecimento das emoções do outro [MOTA (2010); GOLEMAN (2012)].
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9º Ano: Direitos Humanos, Ética e Cidadania Priorizar a reflexão sobre a trama interpessoal e grupal tecidas no contexto das relações humanas estabelecidas favorece que crianças e adolescentes se apropriem do que acontece tanto no cenário mundial e planetário, como na vida da comunidade local, como em sua singularidade e interioridade; além de promover a formação para a cidadania, pautada em valores éticos, democráticos, solidários e inclusivos, bem como o cultivo de uma cultura de paz e de não violência na escola. [SANTROCK (2014); PELIZZOLI (2010)]. Ensino Médio: 1ª Série: Desenvolvimento Integral e Projeto de Vida A elaboração de um projeto de vida não é tarefa das mais fáceis, particularmente na adolescência, momento de grandes conflitos e busca de definições nas mais diferentes esferas da vida. Entendendo a dinâmica da adolescência no contexto cultural onde se desenvolve, buscamos identificar os fatores determinantes na construção e idealização de um projeto de vida, tendo por referência a dinâmica das relações estabelecidas, seja na família, seja na sociedade. [COEY (2007); XIMENES (2004)]. 2ª Série: Formação Humana - Trabalho e Profissão O ato de escolher reflete nosso desejo, nosso modo de ser e agir, nossa perspectiva de um futuro de realização e conquistas, daí a sua importância e significação na definição do nosso projeto de vida. Todavia, diversos fatores estão implicados neste processo de escolha, a partir do qual estaremos nos situando no mundo das relações de trabalho, das relações de produção, assumindo novos lugares e funções que, espera-se, sejam não apenas produtivas, mas principalmente produtoras de sentidos e realizações, pessoais e coletivas [XIMENES (2004); BAUMAN (2001); LEVENFUS (1997)].
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Homenagem aos 60 anos do Colégio de Aplicação da UFPE
Considerações finais... O trabalho docente no âmbito da Orientação Educacional (OE) no CAp/UFPE, tem se apresentado desafiador e gratificante. A reflexão das temáticas indicadas acima ao longo de 07 anos de vida escolar, enriquecida por diferentes situações e conflitos do cotidiano, tem possibilitado aos alunos e às alunas um contínuo exercício do pensar, sentir e agir diante dos desafios formativos postos pela contemporaneidade. Reconhecemos as limitações das ações pedagógicas no sentido da humanização na escola, particularmente quando e se tal meta formativa fica restrita à proposta isolada de um componente curricular, não se configurando uma ação da instituição escolar em sua unidade e totalidade. Como já referido em estudo anterior, ratificamos que “apenas dentro de uma proposta curricular sistematizada por um coletivo institucional é que vislumbramos o processo de humanização como meta formativa passível de realização na escola” (XIMENES E BRANDÃO, 2016, p.600-601). Todavia, salientamos que o cultivo de ações planejadas intencionalmente, que tenham por objetivo um vir a ser humano e humanizado, precisa se configurar como uma prática sistematizada no contexto da escola de educação básica, no qual o aluno/aluna se forma e se transforma continuamente. Sob tal perspectiva, a proposta da OE no CAp/UFPE se configura relevante e produtora de novos sentidos no âmbito escolar, ratificando a “interdependência entre a aquisição de conhecimentos, habilidades e competências e o desenvolvimento humanizado, ético e emancipado dos educandos” em tal espaço (XIMENES e POLICARPO JUNIOR, s/d, p.14).
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Memórias de Formação: do ser e do sentir
Referências BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: PlínioDentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. BRASIL (1996) - Lei de Diretrizes e Bases para a Educação no 9.394/96, Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Leis/L9394.htm. COVEY, Sean. As 6 decisões mais importantes que você vai tomar na vida. Editora Best Seller. Rio de Janeiro, 2007. GOLEMAN, Daniel. Inteligência Emocional – a teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligente. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012)]. LEVENFUS, Rosane Schotgues. Psicodinâmica da Escolha Profissional. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. MORENO, Ciriaco Izquierdo. Educar em Valores. Tradução Maria Luisa Garcia Prada. São Paulo: Paulinas, 2001. MOTA, Ana Paula Fernandes da Silveira. Desenvolvimento Emocional e Relacional na Educação Infantil: Implicações do PATHS e do ACE à Formação Humana da Criança e do Educador. Mestrado. Universidade Federal de Pernambuco. Orientador(es): José Policarpo Junior, 2010. PELIZZOLI, Marcelo. Cultura de Paz – restauração e direitos. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2010. POLICARPO JUNIOR, José; RODRIGUES, Maria Lucicleide Falcão de Melo. Princípios orientadores da formação humana: dimensão normativa da educação. Paidéia (Ribeirão Preto), Ribeirão Preto, v. 20, n. 45, Apr. 2010 . Available from http://www.scielo.br/ scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-863X2010000100012&lng=en&nrm=iso . access on 19 May 2011. doi: 10.1590/S0103-863X2010000100012. QUINTÁS, Alfonso López – Inteligência Criativa – descoberta pessoal de valores. Tradução de José Afonso Beraldin da Silva. São Paulo: Paulinas, 2004a. ______. El Secreto de uma Vida Lograda – curso de pedagogia el amor y La família. Madrid, España: Ediciones Palabra S.A, 2004b. RODRIGUES, Neidson. Educação: da formação humana à construção do sujeito ético. Educ. Soc., Campinas, v. 22, n. 76, Oct. 2001 . Available from http://www.scielo.br/ scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-73302001000300013&lng=en&nrm=iso . access on 19 May 2011. doi: 10.1590/S0101-73302001000300013.
300
Homenagem aos 60 anos do Colégio de Aplicação da UFPE
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Sobre os autores
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ADRIANA LETÍCIA TORRES DA ROSA Doutora em Letras, professora de Língua Portuguesa do Colégio de Aplicação da UFPE desde 2005. Foi estagiária do CAp em 1995 e aluna do Ensino Médio de 1990 a 1992. ANA PAULA SILVEIRA PAIM Professora Doutora, Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Ciências Exatas e da Natureza, Departamento de Química Fundamental. BRUNA ESTIMA BORBA Doutorado em Direito Público pela UFPE. Professora adjunta da UFPE, do Centro de Ciências Jurídicas. Foi aluna do Colégio de Aplicação da UFPE no período de 1971 a 1976, tendo cursado o então ginasial e os dois primeiros anos do ensino médio. BRUNO LEITE FERREIRA Doutorando em Educação Matemática (Unesp, campus de Rio Claro-SP), mestre em Educação Matemática e Tecnológica (UFPE) e graduado em Licenciatura em Desenho e Plástica. Compõe o quadro de professores efetivos do CAp/UFPE desde 2010, afastado desde 2015 para cursar doutorado. CAMILA MENEZES LADISLAU DA SILVA Graduada em Letras. Técnica-administrativa da UFPE, lotada no SOAE-CAp/UFPE. CAMILA PAIM FIGUEIREDO Estudante do Colégio de Aplicação, 3ª série do Ensino Médio.
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DANILO DE CARVALHO LEANDRO Professor de Biologia, mestre e doutor em Biologia Animal. Coordenador do SOAE-CAp/UFPE, no biênio 2016-2017. EDITE ALVES BEZERRA DE LIMA Pedagoga. Foi Servidora Técnico-Administrativa da UFPE, atuando no Serviço de Orientação Educacional de 1984 a 2009. EDSON SILVA Professor Titular de História do Colégio de Aplicação/Centro de Educação-UFPE. Doutor em História Social pela UNICAMP. Leciona no Programa de Pós-Graduação em História/UFCG (Campina Grande-PB) e no Mestrado Profissional de História-PROFHISTÓRIA/UFPE. ELISABETH ROSENDO Graduada em Licenciatura em Expressão Gráfica (UFPE). É professora substituta do CAp desde 2017. ERINALDO FERREIRA DO CARMO Professor de Sociologia do Colégio de Aplicação da UFPE. FERNANDA ESTIMA BORBA Formada em Engenharia Civil pela UFPE e em Direito - graduação e mestrado - pela UFRN. Foi aluna do Colégio de Aplicação da UFPE, tendo cursado o ensino fundamental e parte do médio, no período de 1971 a 1976. FILIPE CARLOS DE ALBUQUERQUE CALEGARIO Doutor em Ciência de Computação pelo Centro de Informática da UFPE. Foi aluno do Colégio de Aplicação no período de 1998 a 2004.
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FLÁVIA MARIA FERRÁRIO DE CARVALHO Graduada em Engenharia de Minas pela UFPE. Ex-aluna do Colégio de Aplicação da UFPE. FLÁVIO BRAYNER Professor Titular da UFPE. GIOVANNI CHRISTIAN NUNES CAMPOS Pai (responsável) da ex-aluna Laura de Góes Campos. HAMANDDA INTERAMINENSE LIMA Ex-aluna do CAp (bolsista Pibic-EM, 2013). Estudante de Direito/Centro de Ciências Jurídicas / Federal de Pernambuco, PE. JADILSON MIGUEL DA SILVA Graduado em Letras, mestre em Educação, Técnico-administrativo da UFPE, lotado no SOAE-CAp/UFPE. JOSÉ BATISTA DE BARROS Doutorando em Ciências da Linguagem, professor na área de Educação Especial e Inclusiva do Colégio de Aplicação da UFPE desde 2017. Foi estagiário do CAp entre 2010 e 2011. Realizou sua pesquisa de Mestrado (coleta de dados) no referido Colégio. JOSÉ BATISTA NETO Professor Associado do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino do Centro de Educação da UFPE. Foi aluno do Ginásio/Colégio de Aplicação entre 1968 e 1974.
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KARLA MÔNICA FERRAZ TEIXEIRA LAMBERTZ Professora Doutora. Departamento de Fisioterapia/Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco, PE. KÁTIA APARECIDA DA SILVA AQUINO Pós-doutorado em Educação Tecnológica, docente do Colégio de Aplicação da UFPE. LAIS MARIA ÁLVARES ROSAL BOTLER Doutoranda em Estudos Latino-Americanos - Universidade Hebraica de Jerusalém. Mestre em Educação - UFPE. Graduada em Letras – UFPE. Aluna do Ensino Médio do Colégio de Aplicação de 2004 a 2006. LUCAS CORDEIRO CARDIM Aluno do Colégio de Aplicação entre 1997 e 2003. LUCAS DE MENDONÇA FURTUNATO Ex-aluno do Colégio de Aplicação - UFPE (2006 a 2012). Licenciando em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Técnico em Regência pelo Conservatório Pernambucano de Música. LAVÍNIA DE MELO E SILVA XIMENES Professora de Orientação Educacional (OE) nos Ensinos Fundamental e Médio do CAp/UFPE, Psicóloga lotada no Serviço de Orientação Educacional (SOE), desde 2007 MADSON GOIS DINIZ Doutor em Linguística, professor de Língua Inglesa do Colégio de Aplicação da UFPE desde 2011.
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MARCELO BARRETO CAVALCANTI Professor Especialista. Colégio de Aplicação/Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco, PE. MARCELO SOARES TAVARES DE MELO Livre-Docência pela UPE. Doutor e Mestre em Educação pela UFPE. Professor de Educação Física do Colégio de Aplicação da UFPE de 1986 a 2013. MÁRCIO ANANIAS FERREIRA VILELA Professor de História do CAp/UFPE e vice-presidente da Associação Nacional de História/ANPUH (gestão 2017-2019). MARCUS FLÁVIO DA SILVA Professor e diretor de Teatro, mestre em Educação, Culturas e Identidades. Vice-coordenador do SOAE-CAp/UFPE, no biênio 2016-2017 e Coordenador em 2018. MARIA IGNÊZ MADRUGA Ex-aluna do Colégio de Aplicação da UFPE de 1971 a 1976. MICHELLE DA SILVA ALVES Mestre em Educação Física UPE/UFPB. Ex-professora substituta de Educação Física do Colégio de Aplicação CAp/UFPE e Supervisora voluntária PIBID/UPE; Membro do Grupo de estudos Etnográficos em Educação Física e Esporte pelo Laboratório de Estudos Pedagógicos – LAPEL/ESEF-UPE.
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MONICA SOARES LEITE Estudou no Colégio de Aplicação CE-UFPE nos anos 1973,74 e 75. MSL, Natal-RN, setembro de 2017. NATÁLIA NASCIMENTO E MELO Mestre em Cidadania Ambiental e Participação. Aluna do Colégio de Aplicação entre 1996 e 2002. NÚBIA DOS SANTOS SOUSA Mestre em Educação Matemática e Tecnológica (UFPE) e graduada em Licenciatura em Expressão Gráfica (UFPE). Foi professora substituta do Colégio de Aplicação durante os anos de 2015 e 2016. PABLO FRANCISCO DE ANDRADE PORFÍRIO Professor de História do Colégio de Aplicação/UFPE. PAULO JORGE LEITÃO ADEODATO Doutor em matemática pelo King’s College London, Ex-aluno do Colégio de Aplicação da UFPE e Professor do Centro de Informática da UFPE. E-mail: pjla@cin.ufpe.br. RITA CLÁUDIA BATISTA FERREIRA RODRIGUES Mestre em Educação/UFPE, Professora de Educação Física do CAp/ UFPE, e Supervisora do PIBID/Sub-projeto Educação Física. ROSEANE SOARES ALMEIDA Professora Doutora (Aposentada). Colégio de Aplicação / Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco, PE.
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SÉRGIO RICARDO VIEIRA RAMOS Doutor em Filosofia, docente do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Pernambuco desde 1996. SILVIA AMOEDO A autora é ex-aluna do Colégio de Aplicação no período de 1971 a 1974. É Procuradora do Estado da Bahia. TACIANA PONTUAL DA ROCHA FALCÃO Professora Doutora da Universidade Federal Rural de Pernambuco, aluna concluinte do Colégio de Aplicação em 1998. TAISI ROSA RODRIGUES OLIVEIRA Estudante do Ensino Médio do Colégio de Aplicação da UFPE. VICTOR UCHOA CAVALCANTE DE LIMA Ex-aluno do CAp - UFPE (2006 a 2012). Graduando em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). YNAH SOUZA NASCIMENTO Licenciada em Letras (Português-Literaturas) pela UFRJ, Especialista em Linguística pela UFPE, Mestre em Língua Portuguesa pela UFPB. Professora de Língua Portuguesa do Colégio de Aplicação da UFPE (aposentada), e Professora (Substituta) de Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa do Centro de Educação da UFPE.
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Memรณrias e lembranรงas
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Histórias do presente
E práticas variadas.
Fragmentos do passado
Junta vozes dissonantes.
Movimento recorrente.
Complexidades inquietantes
Nessa data celebramos,
Valores humanizantes.
Proclamamos e afirmamos: Mas, em tempos tão sombrios
O CAp faz 60 anos!
De rupturas e cisões, Em pleno Século XX,
Vilezas, desacatos,
Por Decreto sancionado
Injustiças, opressões,
Nos idos de 58.
Aprender a ser plural
Um Ginásio foi projetado.
Fazer o justo e cabal
Chamando a participar
Ganha sentido vital.
Legitimando o falar A quem cabe tal missão
Inovando o atuar.
Pelos anos a seguir? Um Colégio peculiar
A história é aberta
Voltado para a formação
Num constante ir e vir.
De docentes e discentes
O passado é recontado
Ensino, pesquisa, extensão.
No presente anunciado.
Desafiado a incluir
Num futuro projetado.
A diferença emergir CAp: um locus de saberes
O contraditório fluir.
Chamado a dialogar Um Colégio possível
Com ideias e culturas
Na formação do cidadão
Num constante transformar.
Crítico e reflexivo
60 anos: um desbravar!
De caráter e ação.
60 anos: um inovar!
Que combate o preconceito
60 anos: um reinventar!
O bullying e o desrespeito.
Parabéns CAp! Parabéns UFPE!
E busca a Paz como preceito. De forma estratégica E contextualizada
Lavínia Ximenes
Produz conhecimentos
10 de Março de 2018
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