1ª EDIÇÃO
Porto Alegre 2021
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Memórias de muitas pátrias = Memorias de muchas patrias / [organização] Alcy Cheuiche ; [coordenação Almeri Espíndola de Souza ; tradução Andrea Barrios]. -- 1. ed. -Porto Alegre : Poá Comunicação, 2021. Vários autores. Edição bilíngue: português/espanhol. ISBN 978-85-66146-13-4 1. Contos - Coletâneas - Literatura espanhola I. Cheuiche, Alcy. I. Título: Memorias de muchas patrias.
21-84918
CDD-863.08 Índices para catálogo sistemático:
1. Contos : Antologia : Literatura espanhola
863.08
Cibele Maria Dias - Bibliotecária - CRB-8/9427
Alcy Cheuiche Almeri Espíndola de Souza Charlie Eduardo Schwantes Denilson da Silva Eva Crochemore Haidê Vieira Pigatto Heloisa Helena Rodrigues Maria Dalva Rodrigues
Marinês Castilho Romeu Marinice Cecin Merci S. Schmidt Paulo Franquilin Rosa Bela Vilma Norma Loner
Versão em espanhol: Andrea Barrios
1ª EDIÇÃO
Porto Alegre 2021
POR LA FRATERNIDAD UNIVERSAL Yo tenía cinco años cuando crucé con mis padres el bellísimo puente entre Uruguaiana y Paso de los Libres. Pero, lo que me quedó grabado para siempre en la memoria fueron las palabras de un niño hablando en español. Un descubrimiento que me despertó el interés por los idiomas de los seres humanos, tan iguales, a pesar de sus diferencias, en esta casa nuestra que es el Planeta Tierra. Hoy, al releer los cuentos de este libro, con la misma calidad literaria en sus páginas desparramadas, gracias al talento de sus escritoras y escritores, y a la traducción impecable de Andrea Barrios, revivo aquel momento de la infancia de forma aún más real. Sí, como coordinador del Taller Literario que dio origen a esta obra, apoyé desde el primer día la idea que una de sus autoras, Almeri Espíndola de Souza, dio a la entidad patrocinadora, a nuestra AGEA: Publicar esta obra en portugués y español. De esta forma, en el momento en que los cuentos narrados por mis alumnas y alumnos escritores alzan vuelo nuevamente, pero esta vez abriendo camino en el amplio territorio cultural de esos dos idiomas, me siento feliz con la misión cumplida. Principalmente porque todas las narrativas de este libro fueron inspiradas en la igualdad de razas, de géneros, de oportunidades para todos los que predican, como nosotros, la fraternidad universal. Alcy Cheuiche Porto Alegre, primavera de 2021 4
PELA FRATERNIDADE UNIVERSAL Eu tinha cinco anos de idade quando atravessei com meus pais a belíssima ponte entre Uruguaiana e Paso de los Libres. Mas, o que ficou gravado para sempre em minha memória foram as palavras de um menino falando em espanhol. Uma descoberta que me despertou o interesse pelos idiomas dos seres humanos, tão iguais, apesar de suas diferenças, nesta nossa morada do Planeta Terra. Hoje, ao reler os contos deste livro, com a mesma qualidade literária em suas páginas espelhadas, graças ao talento das suas escritoras e escritores, e à tradução impecável de Andrea Barrios, revivo aquele momento da infância de forma ainda mais real. Sim, como organizador da Oficina Literária que deu origem a esta obra, apoiei desde o primeiro dia a ideia que uma de suas autoras, Almeri Espíndola de Souza, deu à entidade patrocinadora, a nossa AGEA: Publicar esta obra em português e espanhol. Assim, no momento em que os contos narrados pelas minhas alunas e alunos escritores alçam voo novamente, mas desta vez trilhando o amplo território cultural desses dois idiomas, sinto-me feliz com a missão cumprida. Principalmente porque todas as narrativas deste livro foram inspiradas na igualdade de raças, de gêneros, de oportunidades para todos os que pregam, como nós, a fraternidade universal. Alcy Cheuiche Porto Alegre, primavera de 2021
AGRADECIMIENTOS La AGEA, junto con el proyecto Mãos à Obra Literária, nos recibió virtualmente este año, pues nuestros encuentros presenciales no fueron posibles, debido a la pandemia que asola el mundo. Nuestra gratitud a la AGEA, a los patrocinadores que hacen posible esta obra. La primavera llega suavecito, y acá estamos, con más de un libro de cuentos, esta vez bilingüe portugués/español, fruto del trabajo amoroso de las escritoras y los escritores, del maestro Alcy Cheuiche, de la organización impecable de Ana Helena Rilho y de la escritora Andrea Barrios, con su primorosa traducción. ¡Gracias a todos! Buena lectura. Almeri Espíndola de Souza Coordinadora del Proyecto Mãos à Obra Literária
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AGRADECIMENTOS A AGEA, junto com o projeto Mãos à Obra Literária, nos acolheu virtualmente neste ano, pois nossos encontros presenciais não foram possíveis, em vista da pandemia que assola o mundo. Nossa gratidão à AGEA e aos patrocinadores que tornam possível esta obra. A primavera chega de mansinho, e cá estamos nós com mais um livro de contos, desta vez bilíngue português/espanhol, fruto do trabalho amoroso das escritoras e escritores, do mestre Alcy Cheuiche, da organização impecável de Ana Helena Rilho e da escritora Andrea Barrios, com sua primorosa tradução. Obrigada a todos! Boa leitura. Almeri Espíndola de Souza Coordenadora do Projeto Mãos à Obra Literária
PALABRA DE LA DIRECCIÓN La AGEA – Associação Gaúcha de Economiários Aposentados tiene la satisfacción de patrocinar y presentar un libro más, producto del Taller Literario de los años 2020/2021, coordinado por el escritor Alcy Cheuiche. Aun ante las dificultades que surgieron en función de la pandemia, nuestras escritoras y nuestros escritores no desistieron cuando el mundo se detuvo. Aceptaron el desafío de encontrarse de forma virtual, lo que fue innovador y un gran aprendizaje para todos. Aún tomaron la decisión de hacer el libro bilingüe portugués/español: Memorias de muchas patrias. Concluyo diciendo: ¡Memorias de muchas patrias es un libro que, seguramente, quedará en la memoria de todos! ¡Les deseo una excelente lectura! Dora Helena da Costa Souza Carvalho Presidente de la Associação Gaúcha de Economiários Aposentados
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PALAVRA DA DIRETORIA A AGEA – Associação Gaúcha de Economiários Aposentados tem a satisfação de patrocinar e lançar mais um livro, produto da Oficina Literária dos anos 2020/2021, coordenada pelo escritor Alcy Cheuiche. Mesmo diante das dificuldades que surgiram em função da pandemia, nossas escritoras e escritores não desistiram quando o mundo parou. Aceitaram o desafio de se encontrar de forma virtual, o que foi inovador e de grande aprendizado para todos. Ainda, tomaram a decisão de fazer o livro bilíngue português/espanhol: Memórias de muitas pátrias. Concluo dizendo: Memórias de muitas pátrias, é um livro que, com certeza, ficará na memória de todos nós! Uma ótima leitura! Dora Helena da Costa Souza Carvalho Presidente da Associação Gaúcha de Economiários Aposentados
SUMARIO/SUMÁRIO POR LA FRATERNIDAD UNIVERSAL ........................ 4 PELA FRATERNIDADE UNIVERSAL .......................... 5 AGRADECIMIENTOS .................................................... 6 AGRADECIMENTOS...................................................... 7 PALABRA DE LA DIRECCIÓN ..................................... 8 PALAVRA DA DIRETORIA............................................ 9 SUMARIO/SUMÁRIO .................................................. 11 ALMERI ESPÍNDOLA DE SOUZA .............................. 17 Ponte el tapabocas .................................................................. 18 Ponha sua máscara ................................................................. 19 El Hidalgo ................................................................................ 22 O Fidalgo ................................................................................. 23 La caminada ............................................................................ 26 A caminhada ........................................................................... 27 Frida Kahlo.............................................................................. 30 Frida Kahlo.............................................................................. 31 CHARLIE EDUARDO SCHWANTES .......................... 35 Danos hoy nuestro pan de cada día… ................................. 36 O pão nosso de cada dia, dai-nos hoje... ............................. 37
El trofeo ................................................................................... 40 O troféu .................................................................................... 41 ¡Amelia sabe! ........................................................................... 44 A Amélia sabe! ........................................................................ 45 La carta misteriosa de Taquarinha ....................................... 48 A carta misteriosa do Taquarinha ........................................ 49 DENILSON DA SILVA................................................... 53 Como una paloma .................................................................. 54 Como uma paloma................................................................. 55 Cuando pase la lluvia ............................................................. 58 Quando a chuva passar .......................................................... 59 ¿Hasta cuándo? ....................................................................... 62 Até quando? ............................................................................ 63 A ciegas .................................................................................... 66 Às cegas .................................................................................... 67 EVA CROCHEMORE .................................................... 71 La herencia .............................................................................. 72 A herança................................................................................. 73 Espejos ..................................................................................... 76 Espelhos ................................................................................... 77 Eugenia .................................................................................... 80 Eugênia .................................................................................... 81 Sueños del poeta ..................................................................... 84 Sonhos do poeta ..................................................................... 85 HAIDÊ VIEIRA PIGATTO ........................................... 89 El arte encantado .................................................................... 90 A arte encantada ..................................................................... 91 Las sombras de la luz ............................................................. 94 As sombras da luz ................................................................... 95 12
Lola aprende a rezar ............................................................... 98 Lola aprende a rezar ............................................................... 99 La notable aventura de la vida ............................................ 102 A notável aventura da vida .................................................. 103 HELOISA HELENA RODRIGUES ............................. 107 Campaña................................................................................ 108 Campanha ............................................................................. 109 Las campanadas de las cinco............................................... 112 As badaladas das cinco horas.............................................. 113 Vino tinto de sangre ............................................................. 116 Vinho tinto de sangue .......................................................... 117 De Porto Alegre a Kandahar ............................................... 120 De Porto Alegre a Kandahar ............................................... 121 MARIA DALVA RODRIGUES .................................... 125 Callejón del Lodo ................................................................. 126 Beco da Lama ........................................................................ 127 Tarde de amor ....................................................................... 130 Tarde de amor ....................................................................... 131 Entre cuentos y tortas .......................................................... 134 Entre contos e bolos ............................................................. 135 No pasa nada ......................................................................... 138 No pasa nada ......................................................................... 139 MARINÊS CASTILHO ROMEU ................................. 143 Barcelona de Gaudí .............................................................. 144 Barcelona de Gaudí .............................................................. 145 Solamente cinco años........................................................... 148 Cinco anos apenas ................................................................ 149 Un luto y dos amores ........................................................... 152 Um luto e dois amores ......................................................... 153
Una mujer y su dolor ........................................................... 156 Uma mulher e sua dor ......................................................... 157 MARINICE CECIN...................................................... 161 Solsticio .................................................................................. 162 Solstício .................................................................................. 163 El gaucho ideal ...................................................................... 166 O gaúcho ideal ...................................................................... 167 Noche sin fin ......................................................................... 170 Noite sem fim ........................................................................ 171 El universo en mí .................................................................. 174 O universo em mim ............................................................. 175 MERCI S. SCHMIDT ................................................... 179 Historias con el abuelo......................................................... 180 Histórias com vovô............................................................... 181 Fuerza femenina ................................................................... 184 Força feminina ...................................................................... 185 Flavio ...................................................................................... 188 Flávio ...................................................................................... 189 La vida tiene esperanza ........................................................ 192 A vida tem esperança ........................................................... 193 PAULO FRANQUILIN ................................................ 197 Radio para alegrar ................................................................ 198 Rádio para alegrar ................................................................ 199 Carmen sin carmín .............................................................. 202 Carmem sem carmim .......................................................... 203 Un hombre delicado ............................................................ 206 Um homem delicado............................................................ 207 Soledad................................................................................... 210 Solidão ................................................................................... 211 14
ROSA BELA ................................................................ 215 Guernica ................................................................................ 216 Guernica ................................................................................ 217 Hojas muertas ....................................................................... 220 Folhas mortas ........................................................................ 221 El Arcángel y la Flor ............................................................. 224 O Arcanjo e a Flor ................................................................ 225 Monumento a la madre pelotense ...................................... 228 Monumento à mãe pelotense .............................................. 229 VILMA NORMA LONER ............................................ 233 Bandidos, federales, renegados ........................................... 234 Bandidos, federais, renegados............................................. 235 Bandidos ................................................................................ 238 Bandidos ................................................................................ 239 Renegados.............................................................................. 242 Renegados ............................................................................. 243 La leyenda .............................................................................. 246 A lenda ................................................................................... 247
Almeri Espíndola de Souza Os jacarandás já começam a florir na praça, quando Vincent, um cigano francês, que, com seu violão flamenco, cantou Ne me quitte pas em um concurso de música da Espanha, e Josefa, que recebeu esse nome em uma homenagem à minha avó paterna, uma índia que não conheci, chegam para a Feira do Livro de Porto Alegre. Eles formam o casal, separado por vezes, mas que se junta para contar as minhas histórias de um viver confinado, nestes tempos de pandemia universal. Los jacarandás ya empiezan a florecer en la plaza, cuando Vincent, un gitano francés, que, con su guitarra flamenca cantó Ne me quitte pas en un concurso de música de España, y Josefa, en un homenaje a mi abuela paterna, una india, que no conocí, llegan para la Feria de Libro de Porto Alegre. Ellos forman una pareja, separada a veces, pero que se junta para contar mis historias de un vivir confinado, en estos tiempos de pandemia universal.
PONTE EL TAPABOCAS Josefa se acomoda el chal de colores sobre los hombros, y deja el libro en el banco de madera. El chal es un homenaje a Vincent, su gitano francés, de quien se enamoró aún niña y con quien comparte el atardecer de su vida. El banco de madera hoy es añoranza. Su padre se lo regaló cuando ella aún no alcanzaba la ventana para acechar los gitanos que acampaban en la plaza enfrente a su casa. El tiempo entre costuras, escrito por María Dueñas, cuenta lo que un hombre fue capaz de hacer con su pueblo a cambio de poder, dinero, y por traer dentro suyo la maldad, una fascinación por la muerte del otro. Franco negoció con Hitler, entregó España y su pueblo para servir de experimentos a las estrategias macabras del dictador. – Josefa, eres más agarrada a las historias de España que yo, que viví mi infancia y mi juventud sufriendo los sacudones de aquella región. – Es que no puedo convivir con la injusticia, mi viejo. ¿Cuál es la diferencia entre Franco, al destruir su país, entregándolo a otro, y lo que vivimos en nuestro Brasil? Los tiranos siempre rondan el poder. Cuando Franco silenció a Federico García Lorca, que solo contaba la verdad poéticamente, lo hizo como todos los tiranos lo hacen: criminalizando a quien se levanta contra el verdugo. Ellos están de nuevo entre nosotros. Mintiendo, inventando crímenes para callar a sus opositores. – Josefa, estoy muy viejo como para creer que estos hombres no volverán más. Ellos son muy bien pagados y 18
PONHA SUA MÁSCARA Josefa acomoda o chale colorido nos ombros, e larga o livro sobre o banco de madeira. O chale é uma homenagem ao Vincent, o seu cigano francês, por quem se apaixonou ainda menina e com quem compartilha o entardecer da sua vida. O banco de madeira, hoje é saudade. Seu pai lhe presenteou quando ela ainda não alcançava na janela para espiar os ciganos que acampavam na praça, em frente à sua casa. O tempo entre costuras, escrito por María Dueñas, conta o que um homem foi capaz de fazer com o seu povo em troca de poder, dinheiro, e por trazer dentro de si uma maldade, um fascínio pela morte do outro. Franco negociou com Hitler, entregou a Espanha e o seu povo para servir de experimentos às estratégias macabras do ditador. – Josefa, você é mais agarrada às histórias da Espanha do que eu, que vivi minha infância e juventude sofrendo os solavancos daquela região. – É que eu não consigo conviver com a injustiça, meu velho. Qual a diferença entre Franco, ao destruir o seu país, entregando-o a outro, e o que vemos no nosso Brasil? Os tiranos sempre rondam o poder. Quando Franco silenciou Federico García Lorca, que apenas contava a verdade poeticamente, o fez como todos os tiranos fazem: criminalizando quem se levanta contra o algoz. Eles estão de novo entre nós. Mentindo, inventando crimes para calarem seus opositores. – Josefa, estou muito velho para acreditar que esses homens não voltarão mais. Eles são muito bem pagos e
protegidos por potencias que ni siquiera sabemos dónde están escondidas. – Lorca era amigo de los moros, de los gitanos, de los negros y de los judíos, siempre segregados por la tiranía de Franco. Descualificar el pueblo, Vincent, es una de las características del fascismo. La Historia no deja de repetirse. – Mi padre, un viejo gitano, siempre me contaba muchas historias, y decía que los dueños de todo siempre van a perseguir a los que quieren tener alguna miga. Si él viviese hoy, nos mostraría que el Brasil de estos tiempos es la España que Franco destruyó para servir a Hitler con sus tecnologías de terror. Con sus inventos monstruosos, con sus mentiras. Este libro, escrito por una profesora de literatura, cuenta solo un pedacito de lo que el pueblo vivió en las garras del tirano. – Franco ordenó matar al Poeta porque él denunciaba sus atrocidades. Pero el podio de la Historia es de Lorca. Hoy, Franco perdió el derecho hasta al lugar de su sepultura. Vincent se levanta, se pone el sombrero de fieltro color gris y refunfuña: Quién sabe un día podamos reverter la destrucción de Amazonia, el desarme del mundo del trabajo, las privatizaciones. Pero esto demora. Él le estira la mano a Josefa y, resignado, la invita: – Vamos a dar una vuelta. ¿Viste qué rojo está el atardecer? – Vamos. ¿Te has puesto el tapabocas?
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protegidos por potências que nem sabemos onde estão escondidas. – Lorca era amigo dos mouros, dos ciganos, dos negros e dos judeus, sempre segregados pela tirania de Franco. Desqualificar o povo, Vincent, é uma das características do fascismo. A história não para de se repetir. – Meu pai, um velho cigano, sempre me contava muitas histórias, e nelas dizia que os donos de tudo sempre vão perseguir os que querem ter uma migalha. Se ele vivesse hoje, nos mostraria que o Brasil destes tempos é a Espanha que Franco destruiu para servir a Hitler com suas tecnologias de terror. Com seus inventos monstruosos, com suas mentiras. Esse livro, escrito por uma professora de literatura, conta só um pedacinho do que o povo viveu nas garras do tirano. – Franco mandou matar o poeta porque ele denunciava suas atrocidades. Mas o podium da história é de Lorca. Hoje, Franco perdeu o direito até ao local de sua sepultura. Vincent se levanta, coloca seu chapéu de feltro cor de cinza e resmunga: Quem sabe um dia possamos reverter a destruição da Amazônia, o desmonte do mundo do trabalho, as privatizações. Mas isto demora. Ele espicha a mão à Josefa e, resignado, convida: – Vamos fazer uma caminhada. Você viu como o entardecer está vermelho? – Vamos. Você pegou sua máscara?
Almeri Espíndola de Souza
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EL HIDALGO Vincent, acostado en la hamaca de algodón desteñido, mira la biblioteca del living, como si memorizara los lomos de los libros. Una pierna en lo alto y la otra, cuyo pie descansa sobre el piso, con el dobladillo del pantalón remangado. Parece que memoriza las obras de la gran biblioteca que construyó junto con la esposa. Le pregunta a Josefa, que llega con una taza de té humeante: –¿Qué harás con mi biblioteca cuando ya no esté? Ella sonríe, sopla el té, mientras parece pensar en una respuesta. – ¡Tal vez tengas que darles un destino a nuestros libros! Los dos se ríen, ya que habían hecho un acuerdo de no pensar en la muerte. – Estos libros forman parte de nosotros. Yo sueño con las historias que están escondidas en sus páginas. Las rehago. A veces hasta les cambio el final. Son tantas ciudades, tantos amores perdidos. O consumados. Tantas voces claman por justicia o por espacios. Está todo allí, mesclado al polvo que nos hace picar la nariz. – Yo también viajo por allá, mientras haces tu siesta. Sabes que, un día de estos, yo hojeaba un Don Quijote ilustrado, y lo abrí en una página donde había una hoja de cuaderno, que un día fue blanca, con un escrito en letra cursiva antigua, más o menos así: En la España de aquel inicio del siglo XVII, los nobles, ya fuesen ricos o pobres, estaban prohibidos de 22
O FIDALGO Vincent, recostado na rede de algodão desbotada, olha a biblioteca da sala, como se decorasse as lombadas dos livros. Uma perna no alto e a outra, cujo pé repousa no chão, com a barra da calça enrolada. Parece que decora as obras da grande biblioteca que construiu junto com a esposa. Ele pergunta a Josefa, que chega com uma xícara de chá saindo fumaça: – O que você fará da nossa biblioteca quando eu me for? Ela sorri, sopra o seu chá, enquanto parece pensar em uma resposta. – Talvez você tenha de dar destino aos nossos livros! Os dois riem, já que fizeram um acordo de não pensar na morte. – Estes livros fazem parte de nós. Eu sonho com as histórias que estão escondidas naquelas páginas. Refaço-as. Às vezes, até troco o seu final. São tantas cidades ali dentro. Tantos amores perdidos. Ou consumados. Tantas vozes que clamam por justiça ou por espaços. Está tudo ali, misturado ao pó que nos faz coçar o nariz. – Eu também viajo por lá, muitas vezes, enquanto você tira a sua sesta. Sabe que, um dia desses, eu folheava o Dom Quixote ilustrado, e abri em uma página onde havia uma folha pautada de caderno, que um dia foi branca, com um escrito em letra cursiva antiga, mais ou menos assim: Na Espanha daquele início do século XVII, os nobres, fossem ricos ou pobres, eram proibidos de trabalhar. Olhei aquele papel, da cor
trabajar. Miré aquel papel, del color del tempo, y salí a viajar en mis pensamientos. Un montón de preguntas hervían en mi mente. – Pero ¿cómo no trabajaban? Los ricos, claro, nunca trabajaron, porque tenían siempre un séquito para servirlos. Muchos esclavos y dinero para pagar más de lo que necesitaban. Pero ¿y los pobres? Vincent toma la mano de Josefa que, sentada en el banco azul cerca de la hamaca, sostiene la taza de té vacía. – El concepto de trabajo, mi vieja, viene de estos tiempos. Quienes trabajaban eran descualificados por el rey, por los nobles. Entonces, el pobre no entendió de inmediato que, si quisiera tener, ser libre, sería por medio del trabajo, de su producción. Algunos ni siquiera se casaban para que no hubiera otros hambrientos con quienes disputar la escasa comida. Por eso Don Quijote vendía pedazos de sus tierras, que venían de los ancestros, para comprar sus libros. ¡Sin trabajo no hay dinero! – Mi viejo, no en vano Cervantes sigue más actual que nunca. Los hidalgos de aquellos tiempos no eran menos engañados que los obreros de hoy, que ignoran su grupo social, su clase como trabajadores. Y siguen siendo expoliados por los ricos, porque desconocen su lugar bajo este sol. Sueñan con aquella isla que un día les regalarán, como creía Sancho Panza, mientras los intereses les comen lo que ganan. La campana de la iglesia empieza a sonar llamando a las rezadoras para la misa de las seis. Vincent se ríe con Josefa: – ¿Podemos dejar el inventario de los libros para otro día?
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do tempo, e saí a viajar nos meus pensamentos. Um amontoado de perguntas fervilhava na minha mente. – Como assim, não trabalhavam? Os ricos, claro, nunca trabalharam, pois que tinham sempre um séquito para servi-los. Muitos escravos e dinheiro para pagar o mais que precisassem. Mas, e os pobres? Vincent toma a mão de Josefa que, sentada no banco azul perto da rede, segura a xícara vazia do chá. – O conceito do trabalho, minha velha, vem destes tempos. Quem trabalhasse era desqualificado pelo rei, pelos nobres. Então, o pobre não entendeu de imediato que ele, se quisesse ter, ser livre, seria através do trabalho, da sua produção. Alguns nem se casavam para não ter outros famintos a disputar a escassa comida. Por isso, Dom Quixote vendia pedaços de suas terras, ganhas dos ancestrais, para comprar seus livros. Sem trabalho não há dinheiro! – Meu velho, não é à toa que Cervantes continua mais atual do que nunca. Os fidalgos daqueles tempos não eram menos enganados do que os operários de hoje, que ignoram seu grupo social, sua classe como trabalhadores. E continuam sendo espoliados pelos ricos, porque desconhecem seu lugar embaixo deste sol. Sonham com aquela ilha que um dia lhes será presenteada, como acreditava Sancho Pança, enquanto o cheque especial lhe come os ganhos. O sino da igreja começa a badalar chamando as rezadeiras para a missa das seis. Vincent ri com Josefa: – Podemos deixar o inventário dos livros para outro dia?
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LA CAMINADA Vincent camina con las manos en los bolsillos del saco de lana, cuando una ráfaga de viento le arranca el gorro de gamuza. El viento minuano de Río Grande del Sur le encanta, al mismo tiempo que despeina los cabellos canosos de Josefa, del que ella siempre se queja. No le gustan los gorros. La caminada, en la mañana fría, lleva a Vincent a los recuerdos de España, en su adolescencia gitana, acampados en carpas de lona cubiertas de nieve. Él habla de la fuga de la familia a América, en la guerra de 1936. Se acuerda con orgullo de que el padre había sido un luchador contra la dictadura de Franco. Se acuerda de la tristeza del padre con la muerte de Federico García Lorca, con quien había tenido grandes momentos de charla. Y aún de su amistad con Mario Arregui, que más tarde había ido a visitar a Montevideo. Se hicieron amigos. Y eso enorgullecía a su padre. –Yo tenía un poco de miedo de su amistad con Arregui, dice Josefa. Aquel cuento en que él narra la llegada de los revolucionarios, que violaron a su mujer y castraron al niño, me da dolor de estómago. ¿Cómo alguien escribe algo tan terrible? – Josefa, aquello puede ser la ficción, como sabes. Y, si realmente ocurrió, ya que durante las guerras todas las crueldades son habituales, es bueno que se cuenten para que no se repitan.
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A CAMINHADA Vincent caminha com as mãos nos bolsos do casaco de lã, quando uma lufada de vento lhe arranca o boné de camurça. O minuano do Rio Grande do Sul o encanta, ao mesmo tempo que desalinha os cabelos grisalhos de Josefa, do que ela sempre reclama. O sol de inverno aparece cedo e aquece aquela manhã de junho. Ela não gosta de gorros, como costuma chamar os chapéus. A caminhada, na manhã fria, leva Vincent às lembranças da Espanha, na sua adolescência cigana, acampado em barracas de lona cobertas de neve. Ele fala da fuga da família para a América, na guerra de 1936. Lembra-se com orgulho de que o pai fora um lutador contra a ditadura de Franco. Recorda-se da tristeza do pai com a morte de Federico García Lorca, com quem tivera grandes momentos de prosa. E, ainda, da sua amizade sincera com Mario Arregui, que mais tarde fora visitar em Montevidéu. Ficaram amigos. E isso orgulhava muito o seu pai. – Eu tinha um pouco de medo da sua amizade com Arregui, diz Josefa. Aquele conto em que ele narra a chegada dos revolucionários, que violentaram a sua mulher e castraram o menino, me dá dor de estômago. Como alguém escreve algo tão terrível? – Josefa, aquilo pode ser a ficção, como sabes. E, caso tenha acontecido mesmo, já que durante as guerras todas estas crueldades são habituais, é bom que seja contado para que não se repitam.
– Me falta el aliento cuando pienso en aquel hombre dentro del pozo, sin ver la luz, en la inminencia de morir ahogado, o de que le den un balazo en la cabeza. – Ah, Josefa, estás hablando del cuento de Arregui, Caballos del Amanecer, pero hay otras cosas tan terribles y más cercanas a nosotros, como las cosas que pasaron en la dictadura militar. Los hombres escuchaban música mientras torturaban. – De esa crueldad, Vincent, yo nunca dudé, pero el que Mario cuente con detalles como lo contó, yo siempre me erizo. Y cuando lo miraba tomando mate como tú, me venían cosas terribles a la memoria. Vincent pasa el brazo por sobre el hombro de la mujer y, con su voz grave y mansa, explica que la literatura permite arranques que la vida real no siempre ofrece. No vivimos una guerra, Josefa, gracias a Dios, sabemos poco sobre sus horrores. Entonces quedémonos con la ficción del amigo Mario Arregui. Él tenía vivencias campesinas, sus textos trajeron experiencias con caballos, campos, noches solitarias bajo un cielo sin estrellas. Y eso siempre me dejó con los ojos desorbitados y el corazón palpitante. Los dos se sientan en un banco del parque; ella abre una botella de agua y la comparte con Vincent. Un abordaje a las áreas primitivas, algo como un retorno a los estados interiores más desnudos del ser humano, como dijo Oscar Brando, recita Vincent. Josefa sonríe con la mirada y dice: – Vámonos, Vincent. Es hora del mate.
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– Eu sinto falta de ar quando penso naquele homem dentro do poço, sem enxergar a luz, na iminência de morrer afogado, ou de levar um tiro na cabeça. – Ah, Zefa, você está falando do conto do Arregui, Cavalos do Amanhecer, mas existiram outras coisas tão terríveis e mais perto de nós, como os acontecimentos da ditadura militar. Os homens ouviam música enquanto torturavam. – Dessa crueldade, Vincent, eu nunca duvidei, mas do Mario contar com detalhes como contou, eu sempre me arrepio. E quando o olhava tomando mate com você, me vinham essas coisas horríveis na memória. Vincent, passa o braço por cima do ombro da mulher e, com a sua voz grave e mansa, explica que a literatura permite arroubos que a vida real nem sempre oferece. Não vivemos uma guerra, Josefa, graças a Deus, sabemos pouco sobre seus horrores. Então fiquemos com a ficção do amigo Mario Arregui. Ele tinha vivências campesinas, os seus textos trouxeram experiências com cavalos, campos, noites solitárias sob um céu sem estrelas. E isso sempre me deixou de olhos esbugalhados e coração palpitante. Os dois sentam-se em um banco do parque; ela abre uma garrafa de água e a reparte com Vincent. Uma abordagem às áreas primitivas, algo como um retorno aos estados interiores mais nus do ser humano, como disse Oscar Brando, recita Vincent. Josefa sorri com o olhar e lhe diz: – Vamos embora, Vincent. Está na hora do chimarrão.
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FRIDA KAHLO Josefa entra con cuidado al escritorio, ya que Vincent, concentrado, escribe sin parar. Los días corren lentos y silenciosos. Aquí mi tiempo no cambia, aunque afuera llueve fuerte con truenos y rayos. Escucho la voz afinada del viento que silba en mi ventana, como si dijera algo que no veo. Sentado en el escritorio, enfrente a la ventana, Vincent lee en voz alta a Josefa su diario de pandemia. Vivir un día, un día más, y tantos días que se volvieron meses, incluso años; recluido, en compañía solamente… solamente no, en la compañía de la grande Josefa, de Mark, Elvis y Pandora, nuestros tres gatos, y algunas plantas. Ahora florecen, ya que están siempre acompañadas y bien regadas. Las flores dan color y vida a lo que era estático. El virus no elige ni edad ni clase social ni color ni la casa. El Covid-19 es la peste del siglo XXI, alcanza a todos. Agarra a quien le facilite un encuentro. – Mi viejo, no lamentes, tenemos piernas y brazos, tenemos movimientos. Y hay cosas mucho peores. Frida Kahlo pasó un tiempo de su vida confinada y sin andar. Y ella tenía dolor, tanto disgusto por todo lo que perdió en aquel maldito accidente, y ella no se detuvo. Ni lloró. Ella creó. A pesar de los fierros enterrados en su cuerpo, de la imposibilidad de andar, ella pintó, escribió, dibujó. La pandemia que vivimos ahora, el fardo que nos tocó en estos
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FRIDA KAHLO Josefa entra com cuidado no escritório, já que Vincent, concentrado, escreve sem parar. Os dias correm devagar e silenciosos. Aqui meu tempo não muda, embora na rua chova forte com trovões e raios. Ouço a voz afinada do vento que assovia na minha janela, como se me dissesse algo que não vejo. Sentado na escrivaninha, em frente à janela, Vincent lê em voz alta para Josefa o seu diário de pandemia. Viver um dia, mais um dia, e tantos dias que viraram meses, anos até; recluso, na companhia apenas... apenas não, na companhia da grande Josefa, do Mark, do Elvis e da Pandora, nossos três gatos, e de algumas plantas. Agora elas florescem, já que estão sempre acompanhadas e bem aguadas. As flores dão cor e vida àquilo que era estático. O vírus não escolhe nem idade, nem classe social, nem cor, nem a casa. O COVID-19 é a peste do século XXI, atinge a todos. Pega a quem lhe facilitar um encontro. – Meu velho, não lamentes. Temos pernas e braços, temos movimentos. E há coisas tão piores. Frida Kahlo passou um tempo de sua vida confinada e sem andar. E ela tinha tanta dor, tanto desgosto por tudo que perdeu naquele maldito acidente, e ela não parou. Nem chorou. Ela criou. Apesar dos ferros enterrados no seu corpo, da impossibilidade de andar, ela pintou, escreveu, desenhou. A pandemia que ora vivemos, o fardo que nos tocou nestes
tiempos prende las familias enteras en sus casas; los que sobren de estas familias, retruca él. Ellos siguen ora leyendo los escritos de Vincent, ora conjeturando sobre el vivir confinado, en un bullicio de posibilidades que nadie sabe hasta donde va. La sala está repleta de hojas de papel. De libros abiertos. De cuadros de Frida Kahlo. De sus poemas. Él ya había andado buscando consuelo en el sufrimiento de Frida. – La espera de la vacuna es nuestro aliento, Josefa, pero, como está en las manos de quienes no sabemos si nos quieren vivos, ¡vaya a saber si vendrá! Estos son los grilletes que nos prenden. Los fierros que prendían el cuerpo de Frida estaban visibles. Ella sabía el nombre del médico que se los había puesto y de la necesidad de tenerlos en el cuerpo. ¡Nosotros estamos como perros esperando la comida que tal vez nunca venga, Josefa! Ella acaricia su pelo canoso y enciende un parlante conectado al teléfono celular. Vincent detiene su lamento, solo la mira. La radio toca Piazzola. Libertango, su música preferida. Él se levanta, se deshace de los pedazos de papel que rompió en el momento de furia, en parte pegados a la ropa, y se detiene enfrente a Josefa. – Frida no pudo más bailar, dice ella bajito. Y marcan en quebrada el ritmo del tango. Y él termina de bailar con un ¡muchas gracias, señora!
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tempos, prende famílias inteiras nas suas casas; os que sobrarem dessas famílias, retruca ele. Eles seguem ora lendo os escritos de Vincent, ora conjeturando sobre o viver confinado, em um rebuliço de possibilidades que ninguém sabe até onde vai. A sala está repleta de folhas de papel. De livros abertos. De quadros de Frida Kahlo. De seus poemas. Ele já andara buscando aconchego no sofrimento de Frida. – A espera da vacina é o nosso alento, Josefa, mas, como está nas mãos de quem não sabemos se nos quer vivos, sabe-se lá se virá! Esses são os grilhões que nos prendem. Os ferros que prendiam o corpo de Frida estavam visíveis. Ela sabia o nome do médico que os havia colocado e da necessidade deles em seu corpo. Nós estamos como cachorros esperando a comida que talvez não venha, Josefa! Ela, acaricia seu cabelo grisalho, e liga uma caixa de som conectada ao seu telefone celular. Vincent para o seu lamento, apenas a olha. O rádio toca Piazzola. Libertango, sua música preferida. Ele levanta-se, desfaz-se dos pedaços de papel que rasgou na hora de fúria, em parte grudados na roupa, e para na frente de Josefa. – Frida não pôde mais dançar, diz ela baixinho. E marcam em quebrada o ritmo do tango. E ele termina de dançar com um muchas gracias señora!
Almeri Espíndola de Souza
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Charlie Eduardo Schwantes Concluí a oitava oficina literária sob a orientação do escritor Alcy Cheuiche. Neste livro, continuo me aprimorando na arte de escrever, apresentando mais quatro contos. Entretanto, a produção de um romance continua viva em minha mente. Talvez, no próximo ano, consiga lançar um livro solo, porém ainda, com uma coletânea de contos, de preferência com as orientações do mestre Alcy. Terminé el octavo taller literario bajo la orientación del escritor Alcy Cheuiche. En este libro, sigo perfeccionándome en el arte de escribir, presentando cuatro cuentos más. Sin embargo, la producción de una novela sigue viva en mi mente. Talvez, el año que viene, pueda presentar un libro solo¸ pero aún con una obra colectiva de cuentos, preferentemente con las orientaciones del Maestro Alcy.
DANOS HOY NUESTRO PAN DE CADA DÍA… Los frescos y los cuadros de Aldo Locatelli en la Iglesia de San Pelegrino, en Caxias do Sul, me indujeron a contar un hecho que me ocurrió, hace como dos años. Estaba andando por la Rua da Praia hacia el edificio donde asistiría a un taller de cuentos. Serían alrededor de las dos de la tarde, cuando pasé por un carrito de pop. Iba a seguir mi camino, cuando el aroma impregnó el ambiente y me hizo retroceder. Compré una bolsita, mitad salado y mitad dulce. Pagaba al vendedor de pop cuando la mano de alguien me tocó el brazo. Me di vuelta y me deparé con un hombre bajo, vestido de un modo simple y con una carpeta en la mano. Así que lo encaré, me dijo: – Por favor, ¿podría pagarme algo de comer? Estoy buscando trabajo desde la mañana y todavía no he comido nada. Mi único dinero es para el boleto de vuelta a casa. Acostumbrado a que me hablen los pordioseros, miré al hombre y dije que no tenía dinero. Pero él insistió diciendo que no quería dinero, sino algo de comer. Yo no dije nada, le di la espalda y seguí mi camino. E hombre, cabizbajo, siguió hasta la esquina. Ya iba pasando por un carrito de comidas que se encontraba un poco más adelante del vendedor de pop, cuando algo me hizo detenerme. Me di vuelta y busqué con la mirada
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O PÃO NOSSO DE CADA DIA, DAI-NOS HOJE... Os afrescos e os quadros de Aldo Locatelli na Igreja de São Pelegrino, em Caxias do Sul, me induziram a contar um fato que ocorreu comigo, há cerca de dois anos. Estava andando pela Rua da Praia, em Porto Alegre, em direção ao prédio onde assistiria a uma oficina de contos. Devia ser por volta das duas horas da tarde, quando passei por uma carrocinha de pipocas. Ia seguir meu caminho, quando o aroma impregnou o ambiente e me fez retroceder. E comprei um saquinho, metade salgada e metade doce. Estava pagando ao pipoqueiro quando a mão de alguém tocou em meu braço. Virei e me deparei com um homem baixo, vestido de um modo simples e com uma pasta na mão. Assim que o encarei, ele disse: – Por favor, poderia me pagar algo para comer? Estou à procura de emprego desde a manhã e ainda não comi nada. Meu único dinheiro é para a passagem de volta para casa. Acostumado a ser abordado por esmoleiros, olhei para o homem e disse que não tinha dinheiro. Mas ele insistiu dizendo que não queria dinheiro, mas sim algo para comer. Eu não disse nada, virei as costas e continuei meu caminho. O homem, cabisbaixo, seguiu em direção à esquina próxima. Já ia passando por uma carrocinha de lanche que se encontrava um pouco adiante do pipoqueiro, quando algo me fez parar. Virei-me e vasculhei com o olhar a multidão de
la multitud de gente que pasaba, pero no lo encontré. Había decidido comprarle un pancho. Un sentimiento mixto de remordimiento y dolor se adueñó de mí, haciendo que me fuera hasta la esquina para ver si lo encontraba. Pero fue en vano. Volví y fui hasta el edificio allí cerca, donde ocurría el taller. Pero el remordimiento siguió hasta que entré en la clase. De noche, antes de dormir, se me ocurrió algo que por mucho tiempo no había hecho. Oré a Dios pidiendo perdón por mi falta de amor cometida aquella tarde: yo había negado comida a mi semejante.
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passantes, mas não o encontrei. Eu tinha resolvido pagar um cachorro-quente para ele. Um sentimento misto de remorso e dor tomou conta de mim, fazendo com que eu fosse até a esquina para ver se o encontrava. Mas foi em vão. Voltei e fui para o prédio logo adiante onde acontecia a oficina. Mas o remorso continuou até entrar para a sala de aula. À noite, antes de dormir, fiz algo que não fazia há tempos. Orei para Deus pedindo perdão pela minha falta de amor cometida à tarde: eu havia negado comida para um semelhante meu...
Charlie Eduardo Schwantes
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EL TROFEO Yo sufrí demasiado cuando partiste Pasé tantas horas triste Que ni quiero recordar ese día Pero de una cosa puedes estar segura Tu lugar aquí en mi mesa Tu silla aún está vacía LUPICINIO RODRIGUES, CANCIÓN SILLA VACÍA
Soy toda hecha en madera fuerte, más precisamente de Itaúba, un árbol originario de Amazonia. Es muy resistente y la posibilidad de que se curve sin romperse es bastante grande. Las tablas se ponen en un horno a una temperatura de 100 grados centígrados por dos horas. Entonces, me presionan contra un molde curvo de hierro fundido. Después, permanezco a 70 grados por veinte horas y me arman con tornillos Philips y cola. En Alemania, hacia 1859, Michel Thonet necesitó veinte años de investigaciones para fabricar mis antepasadas, y la madera utilizada era de Haya, un árbol europeo. Pero vamos a la historia. Nací en Porto Alegre, en la fábrica del Señor Thonet en la Zona Norte. Hacia 1940, el Restaurante Treviso, en el Mercado Público, adquirió una gran cantidad de sillas referencia 14, entre ellas… yo.
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O TROFÉU Eu sofri demais quando partiste Passei tantas horas triste Que nem quero lembrar esse dia Mas de uma coisa podes ter certeza O teu lugar aqui na minha mesa Tua cadeira ainda está vazia LUPICÍNIO RODRIGUES, CANÇÃO CADEIRA VAZIA
Sou toda feita em madeira de lei, mais precisamente de Itaúba, uma árvore originária da Amazônia. É muito resistente e a possibilidade de envergar sem quebrar é bastante grande. Os sarrafos são colocados numa caldeira à temperatura de 100 graus centígrados por duas horas. Então, sou pressionada contra um molde curvo de ferro fundido. Depois, permaneço a 70 graus por vinte horas e montada com parafusos de fenda Philips e cola PVC. Na Alemanha, por volta de 1859, Michel Thonet precisou de vinte anos de pesquisas para fabricar minhas antepassadas, e a madeira utilizada era de faia, uma árvore europeia. Mas vamos à história. Nasci em Porto Alegre, na fábrica do Sr. Thonet, na Zona Norte. Por volta de 1940, o Restaurante Treviso, no Mercado Público, adquiriu uma grande quantidade de cadeiras referência 14, entre elas... eu.
Durante ese período, el lugar era uno de los puntos más frecuentados de la bohemia portoalegrense, junto con el Naval y el Gambrinus, todos en el Mercado Público. Uno de los frecuentadores de nuestro restaurante, el Treviso, el famoso cantor carioca Francisco Alves, también conocido como Chico Alves, cuando venía a la ciudad a hacer shows, nuestro local era uno de los puntos de encuentro con los cantantes de la tierra, entre los cuales, Lupicinio Rodrigues. Fue durante una de esas visitas con Chico Alves, que Lupi compuso Silla Vacía y, siempre que venía al restaurante, ocupaba la misma silla, o sea… yo. En la década de 1970, cuando cerraron el restaurante, permanecimos todas nosotras sin utilización hasta los años 1980, cuando el heladero Tercio Kauer compró el local y me encontró. Al conocer la historia, me hizo restaurar y me colgó en la pared de la Heladería Martini como un trofeo. Algún tiempo después, el heladero me pasó a Antonio Melo, el propietario del Restaurante Gambrinus, al lado, que Lupi tam-bién frecuentaba. Antonio, preservando la historia, me colgó en la pared como recuerdo del paso del famoso compositor portoalegrense, donde estoy hasta ahora. Debo confesar que Lupi también pasó por el Bar Naval, que quedaba al lado de Gambrinus. En suma, me transformé en un trofeo solamente por ser el lugar donde Lupicinio Rodrigues se sentaba cuando visitaba los restaurantes en el Mercado Público de Porto Alegre, el famoso Mercadão.
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Durante esse período, o local era um dos pontos mais badalados da boemia porto-alegrense, juntamente com o Naval e o Gambrinus, todos no Mercado Público. Um dos frequentadores do nosso restaurante, o Treviso, o famoso cantor carioca Francisco Alves, também conhecido como Chico Alves, quando vinha à cidade fazer shows, o nosso local era um dos pontos de encontro com cantores da terra, entre os quais, Lupicínio Rodrigues. Foi durante uma dessas visitas com Chico Alves, que o Lupi compôs Cadeira Vazia e, toda vez que ele vinha ao restaurante, ocupava a mesma cadeira, ou seja... eu. Na década de 1970, quando o restaurante foi fechado, permanecemos todas nós sem utilização até os anos 1980, quando o sorveteiro Tércio Kauer comprou o espaço e me encontrou. Sabendo da história, mandou restaurar-me e me pendurou na parede da Sorveteria Martini como um troféu. Algum tempo depois, o sorveteiro repassou-me para o Antônio Melo, proprietário do Restaurante Gambrinus, ao lado, que o Lupi também frequentava. O Antônio, preservando a história, pendurou-me na parede como lembrança da passagem do famoso compositor porto-alegrense, onde estou até hoje. Devo confessar que o Lupi também passou pelo Bar Naval, que ficava ao lado do Gambrinus. Em suma, me transformei em troféu somente por ser o lugar onde Lupicínio Rodrigues sentava quando visitava os restaurantes no Mercado Público de Porto Alegre, o famoso Mercadão.
Charlie Eduardo Schwantes
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¡AMELIA SABE! El sol está empezando a surgir. Andrés, acostado, mira el techo y pone las manos en los costados de la cabeza. El dolor es intenso. Se saca la sábana y amaga levantarse, pero vuelve a caer en la cama. Después de algunos minutos, trata de levantarse paulatinamente, aguantando aún la cabeza con las manos. Se sienta en el borde de la cama. La cabeza parece que va a explotar. Recorre la memoria, pero la única visión que le viene es la de entrar al bar con Jaír e ir derecho a la barra. Intenta seguir recordando, pero lo que presente es solo una nebulosa. Se levanta y se pone bajo la ducha. En seguida, va a la cocina y toma dos vasos de leche helada. El dolor de cabeza disminuye un poco, pero sigue asolándolo. Vuelve al cuarto y se viste. Hoy es lunes y el Banco lo espera. En el trabajo, lo primero que hace es hablar con el compañero Jaír. Asunto: la noche de domingo. Llega a la mesa del amigo y le pregunta: – Buen día, Jaír. Decime algo. ¿Qué pasó anoche? Jaír, mirando con sorpresa al amigo, le contesta: – Te mamaste como nunca. Tuve que llevarte a casa y tu madre se preocupó por tu estado. Hubo que explicarle que solo estabas borracho. Y que una buena noche de sueño era lo suficiente. – Pero ¿me emborraché? No me acuerdo de nada. – Porque tú me contaste que saliste con Laura el viernes de noche y que llegaste a casa solo el sábado por la mañana. 44
A AMÉLIA SABE! O sol está começando a surgir. André, deitado, olha para o teto e põe as mãos nos lados da cabeça. A dor é intensa. Arreda o lençol e faz menção de se levantar, mas volta a cair na cama. Após alguns minutos, procura se levantar paulatinamente, continua a segurar a cabeça com as mãos. Senta-se na beira da cama. A cabeça parece que vai explodir. Recorre à memória, mas a única visão que lhe vem é de entrar no bar junto com o Jair e de irem direto para o balcão. Tenta seguir recordando, mas o que se apresenta é apenas uma nebulosa. Levanta-se e vai para baixo do chuveiro. Em seguida, segue para a cozinha e toma dois copos de leite gelado. A dor de cabeça arrefece um pouco, mas continua a assolá-lo. Volta para o quarto e veste-se. Hoje é segunda-feira e o Banco o espera. No trabalho, a primeira coisa que faz é falar com o colega Jair. Assunto: a noite de domingo. Chega na mesa do amigo e pergunta: – Bom dia, Jair. Me diz uma coisa. O que aconteceu ontem à noite? Jair, olhando surpreso para o amigo, responde: – Tu tomaste um baita dum pileque. Eu tive que te levar em casa ao ponto de a tua mãe ficar preocupada com o teu estado. Foi preciso explicar pra ela que tu estavas apenas de porre. E que uma boa noite de sono era o suficiente. – Mas eu fiquei de pileque? Não me lembro de nada. – Porque tu me contaste que saíste com a Laura na sexta à noite e que chegaste em casa apenas no sábado pela manhã.
– Pero ¿solo por eso bebí tanto? – Sucede, Andrés, que tu novia se enteró. – Pero ¿cómo se enteró? – Eso yo no sé, pero que Amelia sabe… sabe…
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– Mas, só por isso eu bebi tanto? – Acontece, André, que tua noiva ficou sabendo. – Mas, como ela ficou sabendo? – Isso eu não sei, mas que a Amélia sabe... sabe...
Charlie Eduardo Schwantes
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LA CARTA MISTERIOSA DE TAQUARINHA Después del día de trabajo en el restaurante, Taquarinha llega a casa cansado. Se baña, se pone el piyama y va a la cocina a preparar la cena que consiste en dos tapiocas (una salada y otra dulce), acompañadas con un vaso de leche. Después, se sienta en el sofá, toma la carta que recibió y la relee con cuidado. La firma CB sugiere el nombre de una muchacha, pues el aroma a lavanda es inconfundible. Cierra los ojos y barre la memoria buscando a CB y el olor a lavanda. Pasados algunos minutos, dos chicas de nombre Clara y Clarisa son encontradas. Sin embargo, Carla tiene el apellido Acevedo y Clarisa, Castro. De hecho, no es ninguna de las dos, piensa el muchacho. Otra vez revolviendo en la memoria, surge un recuerdo de los tiempos de gurí, en Barra do Quaraí. Me acuerdo de una gurisa que vivía al lado de nuestra casa. Era flaquita, tenía grandes ojos azules, pecas en la cara y llevaba el cabello pelirrojo casi rubio con dos trenzas. Jugábamos subiéndonos a los árboles y saltando el muro de Don Anastasio para robar mandarinas. Ella era la piel de Judas, como se decía en Barra. Aún buscando en la memoria, trada de acordarse del nombre de la chica. Creo que yo tendría diez años, pero no puedo acordarme del nombre de la chica. Creo que fue mi primera novia. Poco antes de que yo me viniera a vivir a Porto Alegre, nos prometimos nunca olvidar nuestra amistad.
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A CARTA MISTERIOSA DO TAQUARINHA Após o dia de trabalho no restaurante, o Taquarinha chega em casa cansado. Toma um banho, coloca o pijama e vai para a cozinha preparar a janta, que consiste em duas tapiocas (uma salgada e outra doce), acompanhadas de um copo de leite. Depois, senta-se no sofá, pega a carta que recebeu e a relê com cuidado. A assinatura CB sugere o nome de uma moça, pois o aroma de alfazema é inconfundível. Fecha os olhos e varre a memória à procura da CB e do odor de alfazema. Passados alguns minutos, duas moças com o nome Carla e Clarissa são encontradas. Porém, a Carla tem por sobrenome Azevedo e a Clarissa, Castro. Positivamente não é nenhuma das duas, pensa o rapaz. Voltando a remexer na memória, surge uma lembrança dos tempos de gurizote, lá na Barra do Quaraí. Lembro de uma guria que morava ao lado de nossa casa. Ela era magrinha, tinha grandes olhos azuis, sardas no rosto e usava o cabelo ruivo alourado preso em duas tranças. Nós brincávamos subindo em árvores e pulando o muro do Seu Atanásio para roubar bergamotas. Ela era da pá virada, como se dizia lá na Barra. Continuando a puxar pela memória procura se lembrar do nome da garota. Acho que eu tinha uns dez anos, mas não consigo me lembrar do nome dela. Acho que ela foi minha primeira namorada. Pouco antes de eu vir morar em Porto Alegre, nós prometemos nunca esquecer nossa amizade.
Volviendo del devaneo, Taquarinha sacude la cabeza y enciende la televisión para ver el partido de Gremio e Independiente del Valle de Chile por la Libertadores. En el intervalo del partido, el nombre de la chica le surge. Ella se llamaba Celia, pero todos la conocían como Celita. Pero ¿cuál era el apellido? En ese medio tiempo el juego recomienza, pero Taquarinha ni lo sigue, forzando nuevamente la memoria. Y la respuesta no tarda. Ella se llamaba Celia de Barros. Al fin y al cabo, ¿qué dice la carta? La carta comunica que se está yendo de Barra do Quaraí para venirse a Porto Alegre a vivir con una tía, en el barrio Partenon. Creo que ella debe tener ahora 21 años, deduce. También revela que viene a estudiar enfermería, y que está ansiosa para encontrarlo y reavivar los recuerdos de infancia. Pero ella no dice cuándo va a llegar, ora pois, piensa, parodiando a su jefe, el Lusitano. Taquarinha cierra la carta y empieza a divagar con la noticia. Un mixto de nostalgia y ganas de encontrar a Celia empieza a dibujarse en su interior. Vuelve la atención al juego que está por terminar y se decepciona con el resultado: 2 x 1 para el Independiente del Valle. Gremio está fuera de la Libertadores. Desilusionado con el resultado, apaga la televisión y, a pesar de todo, se acuesta con la sensación de euforia que hacía tiempo no sentía.
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Voltando do devaneio, o Taquarinha sacode a cabeça e liga a televisão para assistir à partida entre o Grêmio e o Independiente del Valle do Chile pela Libertadores. O jogo vai para o intervalo e o nome da garota lhe surge. Ela se chamava Célia, mas todos a conheciam como Celinha. Mas qual era o sobrenome dela? Neste meio tempo o jogo recomeça, mas o Taquarinha nem o acompanha forçando novamente a memória. E a resposta não tarda. Ela se chamava Célia de Barros. Afinal, o que diz a carta? A carta comunica que ela está de saída da Barra do Quaraí para vir morar em Porto Alegre na casa de uma tia, que mora no bairro Partenon. Acho que ela deve estar com uns 21 anos, deduz. Também revela que vem para estudar enfermagem, e que está ansiosa para encontrá-lo e reavivar as lembranças da infância. Mas ela não diz quando vai chegar, ora pois, pensa ele, parafraseando seu chefe, o Lusitano. O Taquarinha fecha a carta e começa a divagar com a notícia. Um misto de nostalgia e vontade de encontrar Célia começam a se desenhar dentro dele. Volta a atenção ao jogo que está quase no fim e se decepciona com o resultado: 2 x 1 para o Independiente del Valle. O Grêmio está fora da Libertadores. Desiludido com o resultado, desliga a televisão e, apesar de tudo, vai para a cama com uma sensação de euforia que há tempos não sentia.
Charlie Eduardo Schwantes
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Denilson da Silva Nasci em Osório, na primavera de 1972. Este ano, aceitei o convite da amiga Almeri para participar da Oficina de Contos conduzida pelo mestre Alcy Cheuiche. As terças-feiras passaram a ser o bálsamo para enfrentar as marcas da pandemia. Obras da arte hispânica e latino-americana foram inspiração para aflorar sentimentos que se entrelaçam com a dura realidade cotidiana. Surgem Dalva e Dionísio, meus personagens, suas angústias e, também, a esperança em um mundo mais justo, fraterno e democrático. Nací en Osorio, en la primavera de 1972. Este año, acepté la invitación de la amiga Almeri para participar del Taller de Cuentos conducido por el maestro Alcy Cheuiche. Los martes pasaron a ser el bálsamo para enfrentar las marcas de la pandemia. Obras del arte hispano y latinoamericano fueron la inspiración para que florecieran sentimientos que se entrelazan con la dura realidad cotidiana. Surgen Dalva y Dionisio, mis personajes, sus angustias y, también, la esperanza en un mundo más justo, fraterno y democrático.
COMO UNA PALOMA Juran que el mismo cielo Se estremecía al oír su llanto. Cómo sufría por ella Que hasta en su muerte la fue llamando. TOMÁS MÉNDEZ
Angustia, emoción y sensibilidad a flor de piel. Sentimientos que le provocaron el llanto cuando Dalva vio por primera vez Hable con ella, más de una década después de su lanzamiento, en una tarde húmeda de otoño, antes de salir para hacer una nueva guardia que empezaba el sábado y que avanzaba por casi todo el domingo. Nuevas y perturbadoras sensaciones probaría en las tantas veces en volvió a ver la película de Almodóvar. La narrativa del cineasta español hizo que la soledad de los protagonistas Marco y Benigno se cruzaran como las astas rectas de una misma cruz y con la naturalidad con que una vocal se pega a una consonante. Los hace igualmente hombres raros, sensibles e intuitivos, que parecen tener el tercer ojo de las divinidades hindúes que permiten ver lo que solamente ojos ciegos perciben. Un sentimiento que perturba también a Dalva y que atraviesa su pecho con la misma intensidad que la flecha de Afrodita alcanza a Ariadna. Cuidar el cuerpo y masajear el alma para debilitar la llaga y oxigenar la vida es algo que forma 54
COMO UMA PALOMA Juram que o próprio céu Se estremecia ao ouvir teu pranto. Como sofria por ela Que até em sua morte foi chamando-a. TOMÁS MÉNDEZ
Angústia, emoção e sensibilidade à flor da pele. Sentimentos que levaram aos prantos Dalva na primeira vez que assistiu Hable con ella, mais de uma década após o seu lançamento, em uma tarde úmida de outono, antes de sair para um novo plantão que iniciava no sábado e que avançaria por quase todo o domingo. Novas e perturbadoras sensações experimentaria nas tantas vezes em que tornou a ver a película de Almodóvar. A narrativa do cineasta espanhol faz a solidão dos protagonistas Marco e Benigno se atravessar como as hastes retas de uma mesma cruz e com a naturalidade com que uma vogal se gruda a uma consoante. Os faz igualmente homens raros: sensíveis e intuitivos que parecem ter o terceiro olho das divindades hindus que permitem ver o que somente olhos cegos percebem. Sentimento que perturba também Dalva e que atravessa o seu peito com a mesma intensidade que a flecha de Afrodite atinge Ariadne. Cuidar do corpo e massagear a alma para enfraquecer a chaga e oxigenar a vida é algo que faz parte de
parte de su rutina desde que se recibió y que se intensificó con la llegada de la pandemia que debilita, entuba y repetidamente mata el cuerpo y los sueños. La joven enfermera tiembla ante las ambivalencias de Almodóvar que sacuden sus retinas, presionan su corazón y tensionan todos sus músculos. Se da cuenta de que los cuerpos de Lidia y Alicia sin movimiento y casi sin vida no dejan de hablar. Lidia, que no conversó con Marco, antes del accidente en la corrida de toros sobre la imposibilidad de seguir con la relación ante el retorno con el niño valenciano, padece porque el periodista es incapaz de hablar con ella mientras intenta volver. Alicia escucha todos los días los relatos de Benigno, que cuida y se dedica a un cuerpo no muerto descifrando cada nudo vivo de las significaciones de la corporeidad de la bailarina. ¡Dalva se perturba aún más! Capta la narrativa presentada por Almodóvar del desvelamiento del Amante menguante, que ama, de forma surrealista, confundiéndose con el cuerpo de la amada. Una conexión que la induce a darse cuenta de que el cuidado extremo de Benigno no evita que desee a la bailarina. Una sensación que permite la comprensible repulsa ante la transgresión ética y moral, pero que genera un embarazo que hace que Alicia vuelva al mundo de los vivos, lo cual lanza a Dalva al otro polo. Un guion de contradicciones que nos somete con genialidad el cineasta español. La fuga radical de Benigno lo libera de la cárcel, buscando tocar el alma de su paloma con fidelidad dionisíaca. Dalva suspira. El mar de sus ojos escurre sobre la belleza de los rasgos de la faz: – Necesito que hablar con él antes de la fuga.
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sua rotina desde sua formatura e que se intensificou com a chegada da pandemia que debilita, entuba e repetidamente mata o corpo e os sonhos. A jovem enfermeira estremece diante das ambivalências de Almodóvar que sacodem as suas retinas, pressionam o seu coração e tensionam todos os seus músculos. Percebe que os corpos de Lídia e Alícia, sem movimento e quase sem vida, não deixam de falar. Lídia, que não conversou com Marco antes do acidente na tourada sobre ser impossível continuar a relação diante do retorno com el niño valenciano, padece da incapacidade do jornalista em hablar con ella enquanto tenta voltar. Alícia ouve todos os dias os relatos de Benigno, que cuida e dedica-se a um corpo não morto decifrando cada nó vivo das significações da corporeidade da bailarina. Dalva perturba-se ainda mais! Capta a narrativa apresentada por Almodóvar do desvelamento do Amante minguante, que ama, de forma surrealista, confundindo-se com o corpo da amada. Conexão que a induz a perceber que o cuidado extremo de Benigno não evita que deseje a bailarina. Sensação que permite a compreensível repulsa diante da transgressão ética e moral, mas que gera uma gravidez que faz Alícia voltar ao mundo dos vivos, jogando Dalva no outro polo. Roteiro de contradições que nos submete com genialidade o cineasta espanhol. A fuga radical de Benigno o liberta do cárcere, buscando tocar a alma de su paloma com fidelidade dionisiana. Dalva suspira. O marejado de seus olhos escorre sobre a belezura dos traços da face: – Preciso hablar con el antes da fuga.
Denilson da Silva
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CUANDO PASE LA LLUVIA Una tarde parda y fría de invierno. Los colegiales estudian. Monotonía de lluvia tras los cristales. Es la clase. ANTONIO MACHADO
¡La libertad estimula el espíritu de los hombres fuertes! Esta frase, dicha por Don Gregorio al sacerdote del tranquilo pueblo en España antes de la Guerra Civil, en 1936, hace que Dalva se sacuda en el sofá. Los dos pares de medias largas y gruesas que avanzan por sobre las rodillas dificultando la movilidad de las piernas, el pantalón de jogging y el abrigo acolchado con capucha que casi la enyesa, y la frazada de lana virgen entrelazada artesanalmente por la abuela, que cubre desde su vientre hasta los pies, apenas impiden que el frío le atraviese los huesos. Sin embargo, en el pálido atardecer, la sangre le hierve con la frase del profesor. La tarde bucólica de junio del 2020 la hace traducir, solitaria, en su sala, el eco de la lengua de las mariposas a través de la pantalla de la televisión. Literatura y amor, cobardía y humillación, vida y libertad bajo la mirada de la serpiente. Un calor irradiado por la certidumbre de cuánto la educación, los libros, el arte y la cultura son elixires que amansan el alma y liberan el ser de la ignorancia, de las sombras y
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QUANDO A CHUVA PASSAR Uma tarde parda e fria de inverno. Os colegiais estudam. Monotonia de chuva atrás dos vidros. É a aula. ANTONIO MACHADO
A liberdade estimula o espírito dos homens fortes! Essa frase, dita por Dom Gregório ao sacerdote do pacato pueblo na Espanha antes da Guerra Civil, em 1936, faz Dalva chacoalhar no sofá. As duas meias longas e grossas que avançam para acima dos joelhos dificultando a mobilidade das pernas, a calça de moletom e o agasalho acolchoado com capuz que quase a engessa, e o cobertor de lã virgem entrelaçado artesanalmente pela avó, que cobre desde o seu ventre aos pés, mal impedem que o frio atravesse seus ossos. No entanto, no pálido entardecer, o sangue ferve com a frase do professor. A tarde bucólica de junho de 2020 a faz traduzir, solitária, em sua sala, o eco da língua das mariposas através da tela da televisão. Literatura e amor, covardia e humilhação, vida e liberdade sob o olhar da serpente. Calor irradiado pela certeza do quanto a educação, os livros, a arte e a cultura são elixires que amansam a alma e libertam o ser da ignorância, das sombras e dos preconceitos. Males que atravessam a humanidade e que, a cada
de los prejuicios. Males que atraviesan la humanidad y que, a cada tiempo, usan instrumentos que se perfeccionan. Que porfían y siguen persiguiendo, torturando y sofocando. Que expropian, intimidan, aniquilan y matan. Que usan la fuerza y el autoritarismo para oprimir, castigar y exilar. Que niegan la libertad y la democracia mientras ofrecen el dolor, el hambre y la llaga que matan. Que nos traen el miedo, la angustia e insisten en robar nuestras esperanzas. La narrativa cinematográfica de José Luis Cuerda hace que Dalva comprenda el escenario histórico y político en los años 1930 y la ascensión del fascismo español. Un contexto que también la perturba. En un abrir y cerrar de ojos, la hace acordarse de la simplicidad, de la inquietud, del silenciamiento y de la condena del molinero Menocchio por la Inquisición, un personaje de Ginzburg en la parda y fría Italia del siglo XVI. Rasgos evidentes de la intolerancia religiosa y de la incomprensión de otras razones del mundo; del obscurantismo y de la negación de la ciencia; de las hogueras santas de la estupidez y de la hipocresía. Los gritos del pequeño e inocente Moncho, antes de que termine la película, tienen el tintineo de un yunque que hace vibrar sus tímpanos, temblarle las manos y angustiar su corazón. Suspira profundo, se seca las lágrimas, toma un vaso de agua de a sorbos para calmarse. Necesita el equilibrio, la solidaridad y la humanidad indispensables a su profesión. A partir de las siete de la noche, enfrenta otro largo y tenso horario de guardia. Enfermera en el sanatorio donde los enfermos por Covid-19 aumentan, y las muertes no se detienen.
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tempo, usam de instrumentos que se aprimoram. Que teimam e continuam a perseguir, torturar e sufocar. Que expropriam, intimidam, aniquilam e matam. Que usam da força e do autoritarismo para oprimir, castigar e exilar. Que negam a liberdade e a democracia enquanto oferecem a dor, a fome e a chaga que matam. Que nos trazem o medo, a agonia e insistem em roubar as nossas esperanças. A narrativa cinematográfica de José Luis Cuerda leva Dalva a compreender o cenário histórico e político nos anos 1930 e a ascensão do fascismo espanhol. Contexto que também a perturba. Em um piscar de olhos a faz lembrar da simplicidade, da inquietude, do silenciamento e da condenação do moleiro Menocchio pela Inquisição, personagem de Ginzburg na parda e fria Itália do século XVI. Traços evidentes da intolerância religiosa e da incompreensão de outras razões do mundo; do obscurantismo e da negação da ciência; das fogueiras santas da estupidez e da hipocrisia. Os gritos do pequeno e inocente Moncho, antes de encerrar o filme, têm o tinido de uma bigorna que faz vibrar seus tímpanos, tremer suas mãos e angustiar seu coração. Suspira fundo, seca as lágrimas, toma um copo d’água aos goles para se acalmar. Precisa do equilíbrio, da solidariedade e da humanidade indispensáveis à sua profissão. A partir das sete horas da noite, enfrenta outro longo e tenso plantão. Enfermeira no hospital onde os doentes por COVID-19 se avolumam, e as mortes não param.
Denilson da Silva
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¿HASTA CUÁNDO? Los indios fueron siendo alejados, muertos u obligados a trabajar para esos dueños de la tierra. Después llegaron los negros, desde muy lejos, para trabajar en lugar de los indios. ITAMAR VIEIRA JÚNIOR, TORTO ARADO
Redentora, 4 de julio del 2021. Daiane Griá Sales, catorce años, kaingang, no vuelve a su casa, en el sector Bananeiras donde vive con la familia. Estaba muerta. Un dolor profundo e incomprensión plena en la Tierra Indígena de Guarita, noroeste del estado de Río Grande del Sur. Sangra el horizonte. Daiane no volverá a la Escuela Indígena Antônio Kasin Mig. No preparará más el fuva y el kumi; ni tejerá a mano y pintará las marcas de la identidad kaingang en canastos y en la artesanía de bambú. Sus llagas y dolores no serán tratados por el kuya. No amamantará a sus descendientes; no acumulará la sabiduría de las ancianas. No se volverá un liderazgo mujer de la etnia kaingang. Silencio profundo: callan el cielo, el viento y la lluvia. Encuentran el cuerpo de la joven en una plantación dentro de la propia Reserva, la más grande del Estado, que comprende aún tres ciudades y alberga más de 6 mil indígenas kaingangs y guaraníes. La crueldad asesina, no satisfecha con la muerte del cuerpo de la adolescente, lo dilacera. El olor a sangre se mezcla al aroma de la mata. Desnudo, expone, al mismo 62
ATÉ QUANDO? Os índios foram sendo afastados, mortos ou obrigados a trabalhar para esses donos da terra. Depois chegaram os negros, de muito longe, para trabalhar no lugar dos índios. ITAMAR VIEIRA JÚNIOR, TORTO ARADO
Redentora, 4 de julho de 2021. Daiane Griá Sales, quatorze anos, kaingang, não volta para sua casa, no setor Bananeiras onde vive com a família. Estava morta. Uma dor profunda e incompreensão plena na Terra Indígena de Guarita, Noroeste do estado do Rio Grande do Sul. Sangra o horizonte. Daiane não voltará à Escola Indígena Antônio Kasin Mig. Não irá preparar mais o fuva e o kumi; nem tecer à mão e pintar as marcas da identidade kaingang em cestos e no artesanato de bambu. Suas chagas e dores não serão tratadas pelo kuya. Não irá amamentar seus descendentes; não acumulará a sabedoria das anciãs. Não se tornará uma liderança mulher da etnia kaingang. Silêncio profundo: cala o céu, o vento e a chuva. O corpo da jovem é encontrado numa lavoura dentro da própria Reserva, a maior do estado, que compreende outros três municípios e abriga mais de 6 mil indígenas kaingangs e guaranis. A crueldade assassina, não satisfeita com a morte do corpo da adolescente, o dilacera. O cheiro de sangue se mistura ao aroma da mata. Nu, expõe, ao mesmo tempo, a brutalidade, a
tiempo, la brutalidad, la salvajería y la estupidez humana y sus órganos. Parece un macabro mensaje: separar la vida de la muerte, el cuerpo del espíritu. Interrupción de la sonrisa y de los sueños. ¿Asesinato? ¿Feminicidio? ¡Brutalidad, vacío, miedo y revuelta! La violencia en el Brasil de los días actuales se acentúa. Mujeres negras e indígenas, mujeres en los suburbios del país sangran y caen. Niñas, jóvenes y adultas: Anas, Daianes y Marielles. Mordazas que torturan: violaciones que matan; balas que exterminan. Cuerpos violentados, vidas olvidadas. Agonía, sombra y silencio que se perpetúan. Violencia que revuelta y que hace crecer el pecho. Retratos de la intolerancia racial, étnica y social; del machismo; de la negación de la diversidad cultural; de la naturalización de la barbarie; de la pandemia de la violencia del odio. Un virus letal y manso que, entrañado en el tejido social del país, atraviesa siglos sin que se cicatrice. Una llaga estúpida que deshumaniza. Una enfermedad para la cual parece no haber elixir ni vacuna. Herencias de colonialismo portugués, del proceso de evangelización y exterminio de los pueblos originarios, de la violencia a los esclavizados traídos de África, de la violencia del Estado a lo largo del régimen militar que se acumulan. Marcas que cuentan la historia, que sangran los cuerpos, que afrontan la fraternidad y el bien común. Fantasmas que no se esconden más. Celia Xacriabá mira hacia el suelo, como quien cuenta hormigas y rompe el silencio: – Paren de matarnos. ¿Hasta cuándo?
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selvageria e a estupidez humana e os seus órgãos. Parece um macabro recado: separar a vida da morte, o corpo do espírito. Interrupção do sorriso e dos sonhos. Homicídio? Feminicídio? Brutalidade, vazio, medo e revolta! A violência no Brasil dos dias atuais acentua-se. Mulheres negras e indígenas, mulheres dos subúrbios do país sangram e tombam. Crianças, jovens e adultas: Anas, Daianes e Marielles. Mordaças que torturam; estupros que matam; balas que exterminam. Corpos violentados, vidas esquecidas. Agonia, sombra e silêncio que se perpetuam. Violência que revolta e que faz crescer o peito. Retratos da intolerância racial, étnica e social; do machismo; da negação da diversidade cultural; da naturalização da barbárie; da pandemia da violência do ódio. Um vírus letal e manso que, entranhado no tecido social do país, atravessa séculos sem cicatrizar. Uma chaga estúpida que desumaniza. Uma doença para a qual parece não haver elixir nem vacina. Heranças do colonialismo português, do processo de evangelização e de extermínio dos povos originários, da violência aos escravizados trazidos da África, da violência do Estado ao longo do regime militar que se acumulam. Marcas que contam a história, que sangram os corpos, que afrontam a fraternidade e o bem comum. Fantasmas que não mais se escondem. Célia Xacriabá olha para o chão, como quem conta formigas e rompe o silêncio: – Parem de nos matar. Até quando?
Denilson da Silva
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A CIEGAS Pensé morir, sentí de cerca el frío, y de cuanto viví sólo a ti te dejaba: tu boca eran mi día y mi noche terrestres y tu piel la república fundada por mis besos. En ese instante se terminaron los libros, la amistad, los tesoros sin tregua acumulados, la casa transparente que tú y yo construimos: todo dejó de ser, menos tus ojos. PABLO NERUDA
Hay lugares y miradas que nos proporcionan sensaciones que confunden y perturban nuestros sentidos. Las aguas de la cascada de la Piedra Blanca, en el interior de Três Forquilhas, que vierte las fuentes de los Cañones de Itaimbezinho, asustaron a Dionisio en la misma intensidad que le encantaron en su primera visita, en 2014. Sombras de lo bello, rasgos de lo desconocido. El agua helada le quitó el aliento en el calor del verano de la región. El ruido intermitente del volumen y de la enorme caída parecía querer decirle más. La belleza natural lo inebrió y no fue capaz de comprender lo que las aguas decían a ciegas. Las sensaciones que mezclan la magia de lo que la retina capta al percibir el sol que rompe el horizonte y flota sobre las aguas que se mecen en el mar del este; el frescor de la 66
ÀS CEGAS Pensei morrer, senti de perto o frio, e de quanto vivi só a ti deixava: tua boca eram meu dia e minha noite terrestres e tua pele a república fundada por meus beijos. Nesse instante acabaram-se os livros, a amizade, os tesouros sem tréguas acumulados, a casa transparente que tu e eu construímos: tudo deixou de ser, menos teus olhos. PABLO NERUDA
Há lugares e miradas que nos proporcionam sensações que confundem e perturbam nossos sentidos. As águas da cascata da Pedra Branca, no interior de Três Forquilhas, que verte as fontes dos Cânions do Itaimbezinho, assustaram Dionísio na mesma intensidade que o encantaram em sua primeira visita, realizada em 2014. Sombras do belo, traços do desconhecido. A água gelada tirou-lhe o fôlego no calor do verão gaúcho. O ruído intermitente do volume e da enorme queda parecia querer dizer mais a ele. A beleza natural o embriagou e não foi capaz de compreender o que as águas diziam às cegas. Sensações que misturam a magia do que a retina capta ao perceber o sol romper o horizonte e flutuar sobre as águas que balançam no mar do leste; o frescor da brisa que envolve
brisa que envuelve el rostro y sacude el cabello; el aroma de las aguas azules del pacífico océano que contornan la Isla de Jaco; el verde intenso irradiado de la mata que se equilibra para no desbarrancarse en el Cañón del Sumidero; los tenues anillos que protegen el imponente Saturno; la nieve que encubre la andaluza Sierra Nevada y que se impone haciendo que la vegetación hiberne hasta que la primavera venza el invierno. Encanto, magia y miedo. Sensaciones que mezclan lo que viene desde afuera con lo que viene de adentro y con lo desconocido. Lo que no se vivió, lo que no se probó, pero que hace sofocar el pecho sin que se sepa la razón. Es como sentir la fragancia de flores en una noche sin luna, sin estrellas y sin jardines. Es como sentir el toque más tierno de una frágil paloma que se deshace cuando se intenta envolverla. Es como romper el sueño sin saber si era sueño o pesadilla. A ciegas, Dalva lo encontró en el inicio del inverno de 2020. La pandemia hacía que la vida se confundiera con la muerte, todos los días. El miedo, una sombra densa y cotidiana. Dalva partió antes de la primavera, con sus dolores y sus deseos. Se durmió en silencio. En la cabecera de la cascada, se sublima en aguas cristalinas. Amada, desde lo alto, más cercana al cielo. Dionisio busca el olor a anís que viene de las aguas e intenta encontrar sus ojos y su piel. No teme. Intenta solo sentir. A ciegas.
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a face e sacode os cabelos; o aroma das águas azuis do pacífico oceano que contornam o ilhéu de Jaco; o verde intenso irradiado da mata que se equilibra para não despencar no Sumidero Canion; os tênues anéis que protegem o imponente Saturno; a neve que encobre a andaluza Serra Nevada e que se impõe fazendo a vegetação hibernar até que a primavera vença o inverno. Encanto, magia e medo. Sensações que misturam o que vem de fora com o que vem de dentro e com o desconhecido. O que não se viveu, o que não se provou, mas que faz sufocar o peito sem se saber a razão. É como sentir a fragrância de flores em uma noite sem lua, sem estrelas e sem jardins. É como sentir o toque mais terno de uma frágil paloma que se desfaz quando se tenta envolvê-la. É como romper o sono sem saber se era sonho ou pesadelo. Às cegas, Dalva o encontrou no início do inverno de 2020. A pandemia fazia a vida se confundir à morte, todos os dias. O medo, uma sombra densa e cotidiana. Dalva partiu antes da primavera, com suas dores e seus desejos. Adormeceu em silêncio. À cabeceira da cascata, sublima-se em águas cristalinas. Amada, do alto, mais próxima do céu. Dionísio busca o cheiro de erva doce que vem das águas e procura encontrar seus olhos e sua pele. Não teme. Tenta apenas sentir. Às cegas.
Denilson da Silva
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Eva Crochemore Meu primeiro poema fez-se na dor; carregado de amor fraternal, foi para o papel em versos chorosos de saudade, mas plenos de viva esperança. A tristeza deu lugar à promissora luz. A palavra escrita tem sido a forma de expressão de meu encantamento pela vida e de minha indignação frente ao desamor, que mata. Gratidão ao mestre, professor Alcy Cheuiche, da Oficina de Criação Literária – AGEA, e aos colegas escritores. Mi primer poema se hizo en dolor; cargado de amor fraternal, fue para el papel en versos llorosos de añoranza, pero plenos de esperanza viva. La tristeza dio lugar a la alentadora luz. La palabra escrita ha sido la forma de expresión de mi encantamiento por la vida y de mi indignación ante el desamor, que mata. Gratitud al maestro, el profesor Alcy Cheuiche, del Taller de Creación Literaria – AGEA, y a los compañeros escritores.
LA HERENCIA Si tu ne m’aimes pas, je t’aime mais si je t’aime, prends garde à toi! GEORGES BIZET, CARMEN
Quedate en casa. Entre las normas de contención de la pandemia de COVID-19, que abaló la humanidad a partir del 2020, surgía el perturbador pedido. Sibele pudo antever días oscuros. Allí, la familia estaría a salvo del contagio del virus, pero no libre de los males del machismo. Era una mujer de personalidad fuerte, positiva, firme en sus decisiones. Se había casado con Naldo por amor y, a pesar de su temperamento agresivo, seguía creyendo que el padre de sus hijos, en el fondo, tenía un buen corazón. Un desafío para mujeres valientes. Su forma de ser atormentaba al marido; una mujer con voluntad propia, dinámica, determinada, más molesta que ayuda. Eran evidentes los celos que aquella batalladora le provocaban. Confinados bajo el mismo techo, las frecuentes agresiones verbales del marido adquirían nuevos contornos. Siempre nervioso y alcoholizado, no ahorraba palabras de su vocabulario vulgar al descargar groserías contra la esposa, menospreciándola; era común extender los insultos a la hija preadolescente. Los dos hijos, más grandes que la niña, eran sus compañeros en las investidas machistas. Herencia maldita. Naldo vio cuando el padre y los hermanos expulsaron de 72
A HERANÇA Si tu ne m’aimes pas, je t’aime mais si je t’aime, prends garde à toi! GEORGES BIZET, CARMEN
Fique em casa. Dentre as normas para contenção da pandemia do COVID-19, que abalou a humanidade a partir de 2020, surgia o perturbador apelo. Sibele pôde antever dias obscuros. Ali, a família estaria a salvo do contágio do vírus, mas não livre das mazelas do machismo. Era uma mulher de personalidade forte, positiva, firme em suas decisões. Casara-se com Naldo por amor e, a despeito de seu temperamento agressivo, continuava acreditando que o pai de seus filhos, no fundo, tinha um bom coração. Um desafio para mulheres corajosas. Seu jeito de ser atormentava o marido; mulher com vontade própria, dinâmica, determinada, mais incomoda que ajuda. Era notório o ciúme que aquela batalhadora lhe provocava. Confinados sob o mesmo teto, as recorrentes agressões verbais do marido ganhavam novos contornos. Sempre nervoso e alcoolizado, não poupava palavras de seu vocabulário chulo ao desferir grosserias contra a esposa, menosprezando-a; era comum estender os xingamentos à filha pré-adolescente. Os dois filhos, mais velhos que a menina, eram-lhe parceiros nas investidas machistas. Herança maldita. Naldo vira o pai e os irmãos expulsarem de casa a irmã adolescente,
casa a la hermana adolescente, después de la muerte de la madre que, como dicen, murió de disgusto. El viejo padre y los cinco hijos sabrían muy bien seguir la vida sin mujeres. Nada de esposas, hijas o nueras. ¿Cómo escapar de la maldición? Con el tiempo, se intensificaron las amenazas de Naldo a la integridad física y moral de Sibele. Nutría sobre ella una rabia que se acercaba al odio. Al osar cuestionarlo sobre las sospechas de que él le era infiel, aterrorizada, ella probó la más furiosa expresión de la jerarquía de poder y cobardía de aquel hombre. Vociferando, confesó la relación extraconyugal y le puso toda la culpa; enalteciendo el desempeño sexual de la amante en detrimento de su recato como esposa. Enfurecido, Naldo cacheteó a la mujer y la tiró al piso, bajo la mira de un arma de fuego. Vio a la hija entrando al cuarto; en un instante de lucidez, él bajó el arma y salió cabizbajo. Sibele entendía que había llegado el momento de rescatar su autoestima y sembrar en el corazoncito de la hija semillas de libertad y respeto propio. Mientras hacía las valijas y las de los hijos, fue sorprendida por la firme decisión de los dos muchachitos de no acompañar a la madre y a la hermana. Que se fueran ellas; las mujeres no harían falta en aquella casa. Madre e hija partieron; los semblantes tristes y asustados se escondían bajo los tapabocas protectores, confeccionados con valor y amor maternal, eficaces contra el machismo, un virus más cruel que el Coronavirus y sus variantes que se arrastran en el caos pandémico de nuestros días.
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após a morte da mãe que, como dizem, morreu de desgosto. O velho pai e os cinco filhos saberiam muito bem tocar a vida sem mulheres. Nada de esposas, filhas ou noras. Como escapar da maldição? Com o tempo, intensificavam-se as ameaças de Naldo à integridade física e moral de Sibele. Nutria sobre ela uma raiva que beirava o ódio. Tendo ousado questioná-lo sobre as suspeitas de que ele a traía, estarrecida, ela experimentou a mais furiosa expressão da hierarquia de poder e de covardia daquele homem. Esbravejando, confessou a relação extraconjugal e lhe jogou toda culpa; enaltecendo o desempenho sexual da amante em detrimento de seu recato como esposa. Enfurecido, Naldo esbofeteou a mulher e a jogou ao chão, sob a mira de uma arma de fogo. Viu a filha entrar no quarto; em um átimo de lucidez, ele baixou a arma e saiu cabisbaixo. Sibele entendia que era chegada a hora de resgatar a sua autoestima e semear no coraçãozinho da filha sementes de liberdade e de respeito próprio. Enquanto fazia suas malas e as dos filhos, foi surpreendida pela firme decisão dos dois mocinhos de não acompanharem a mãe e a irmã. Elas que fossem embora, mulheres não fariam falta naquela casa. Mãe e filha partiram; os semblantes tristes e assustados escondiam-se sob máscaras protetoras, confeccionadas com bravura e amor maternal, eficazes contra o machismo, um vírus mais cruel que o Coronavírus e suas variantes a se alastrarem no caos pandêmico dos nossos dias.
Eva Crochemore
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ESPEJOS Dios ha creado las noches que se arman De sueños y las formas del espejo Para que el hombre sienta que es reflejo Y vanidad. Por eso nos alarman. JORGE LUIS BORGES, LOS ESPEJOS
Ayra es una joven señora que se ama. Aprecia la raridad de su propio nombre, se deleita en su condición de libertad e independencia, marcas con que el nombre carga en su origen; le gusta invertir en estética, embellecimiento y perfumería. Es admirada por la belleza, que se destaca por sus lindos ojos verdes. Piezas fundamentales en su casa son los espejos. Además de esos atributos, Ayra expresa un inquieto vigor, cual flor trasplantada a una maceta nueva, sin tiempo de crear raíz. Desde que dejara la casa de los padres para casarse, hace más de veinte años, computó doce cambios de dirección; nada la obligaba a eso, a no ser la búsqueda de un lugar mejor, construido en la zona noble, para ser feliz allí. Algunas veces, volvió, con algo de frustración, a la dirección de la cual había salido, llevando y trayendo a disgusto a su marido y a sus hijos. Divorciada y con dos hijos casados, Ayra sigue buscando su espacio, tal vez un reducto de gente feliz, perdido en algún lugar por descubrir, preferentemente con la ayuda de un nuevo amor. En la expectativa de encontrar un par perfecto, 76
ESPELHOS Deus criou as noites armadas De sonhos e as formas do espelho Para que o homem se sinta reflexo E vaidade. É por isso que nos alarmam. JORGE LUIS BORGES, OS ESPELHOS
Ayra é uma jovem senhora que se ama. Aprecia a raridade de seu próprio nome, deleita-se em sua condição de liberdade e de independência, marcas que o nome carrega em sua origem; gosta de investir em estética, embelezamento e perfumaria. É admirada pela beleza, que se destaca por seus lindos olhos verdes. Peças fundamentais em sua casa são os espelhos. Além desses atributos, Ayra expressa um inquieto vigor, tal qual flor transplantada para vaso novo, sem tempo de criar raiz. Desde que deixara a casa dos pais para se casar, há mais de vinte anos, computou doze mudanças de endereço; nada a obrigava a isso, a não ser a busca por um lugar melhor, construído em zona nobre, para ali ser feliz. Algumas vezes, retornou, com certa frustração, ao endereço do qual saíra, levando e trazendo marido e os filhos a contragosto deles. Divorciada e com os filhos casados, Ayra continua procurando o seu espaço, talvez um reduto de gente feliz, perdido em algum lugar a ser descoberto, de preferência com a ajuda de um novo amor. Na expectativa de encontrar o par perfeito,
se mete en caminos intrincados, cuya salida puede ser ora desdeñada, ora no encontrada. Con el último marido, cuatro mudanzas se hicieron dentro de un único año. Anduvieron en círculos por la ciudad, hasta que él salió de la relación. A semejanza de las anteriores, la próxima mudanza llenará las cajas con ropas, zapatos, utensilios y libros, muchos de ellos no leídos. Algunas seguirán con Ayra, lo restante, para donar o tirar. Vino nuevo en odres nuevos, consejo divino. Los espejos y su dueña siguen su rumbo. En la nueva vivienda, la mujer y su elegante imagen reflejada comparten la misma alegría. Son simbióticas. Sin embargo, no raras veces, lo que ve en el espejo parece advertirle sobre algunos cuidados. Entonces la jovialidad de espíritu conflictúa con la edad madura que insiste en mostrarse, cual una hermana mayor. Ahora, una extrañeza se interpone entre Ayra y sus espejos. No logran dialogar con la claridad de otros tiempos. Desconfía que los viejos compañeros estén perdiendo su utilidad. Sin embargo, para hacerles justicia, desistió de negar la dificultad de visión que se instala, debido a una enfermedad de retina. Mientras se arregla para ir a la inmobiliaria, Ayra se mira con lentes, sin lentes, para corregir el maquillaje. Está convencida de que su imagen tiene ojos sanos. ¿Cómo estoy, espejo mío? Tengo que estar linda, el apartamento de mis sueños me espera.
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embreta-se em caminhos intrincados, cuja saída pode ser ora desdenhada, ora não encontrada. Com o último marido, quatro mudanças foram feitas dentro de um único ano. Andaram em círculos pela cidade, até ele sair do relacionamento. À semelhança das anteriores, a próxima mudança encherá as caixas com roupas, calçados, utensílios e livros, muitos deles não lidos. Algumas seguirão com Ayra, o restante, para doação ou descarte. Vinho novo em odres novos, conselho divino. Os espelhos e sua dona seguem seu rumo. Na nova morada, a mulher e sua elegante imagem refletida compartilham da mesma alegria. São simbióticas. Porém, não raras vezes, o que ela vê no espelho parece adverti-la de alguns cuidados. Então, a jovialidade de espírito conflita com a idade madura que teima em se mostrar, qual uma irmã mais velha. Agora, uma estranheza se interpõe entre Ayra e seus espelhos. Não conseguem dialogar com a clareza de outrora. Desconfia que os velhos companheiros estejam perdendo sua serventia. No entanto, para lhes fazer justiça, desistiu de negar a dificuldade de visão que se instala, por conta de uma doença de retina. Enquanto se arruma para ir à imobiliária, Ayra olha-se de óculos, sem óculos, para corrigir a maquiagem. Está convicta de que sua imagem tem olhos saudáveis. Como estou, espelho meu? Preciso estar linda, o apartamento dos meus sonhos está à minha espera.
Eva Crochemore
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EUGENIA Puedo prometerles que las mujeres que trabajan juntas, vinculadas, informadas y educadas, pueden traer paz y prosperidad a este planeta abandonado. ISABEL ALLENDE
En el seno de una familia de inmigrantes portugueses, nació Eugenia, la única hija de la pareja. El padre se vino para Brasil a asociarse a los hermanos, y también a hacer fortuna. La niña Eugenia cargaba en el nombre el significado de bien nacida. Niña mansa y humilde de corazón; joven fuerte e intuitiva, sin voz audible; mujer madura gritando, amordazada en un perturbador silencio femenino. Al patriarca importaba la sumisión de la hija y de la esposa, a cambio de provisión y protección. Para una futura ama de casa, leer y escribir era lo suficiente. Cuando la joven expresó el deseo de seguir sus estudios, el padre trató de conseguirle casamiento con un portugués trabajador. Vivirían todos en el caserón. Nada de consentir privilegios a las mujeres. Renta corta para que no crearan alas. En segunda instancia, Eugenia fue condenada por soñar con su formación; la pena, antes imputada por el padre, fue mantenida por el marido: reclusión perpetua a la lidia doméstica. 80
EUGÊNIA Posso prometer que as mulheres que trabalham juntas, vinculadas, informadas e educadas podem trazer paz e prosperidade a este planeta abandonado. ISABEL ALLENDE
No seio de uma família de imigrantes portugueses, nasceu Eugênia, a única filha do casal. Seu pai veio para o Brasil associar-se aos irmãos, e também fez fortuna. A menina Eugênia carregava no nome o significado de bem-nascida. Criança mansa e humilde de coração; jovem forte e intuitiva, sem voz audível; mulher madura gritando, amordaçada em perturbador silêncio feminino. Ao patriarca importava a submissão da filha e a da esposa, em troca da provisão e proteção. Para uma futura dona de casa, ler e escrever era o bastante. Quando a jovem expressou o desejo de prosseguir seus estudos, o pai tratou de arranjar-lhe casamento com um português trabalhador. Morariam todos no casarão. Nada de consentir regalias às mulheres. Renda curta para não criarem asas. Em segunda instância, Eugênia foi condenada por sonhar com sua formação; a pena, antes imputada pelo pai, foi mantida pelo marido: reclusão perpétua à lida doméstica.
El llanto de Eugenia regaba semillas de esperanza. Así, vio en las hijas gemelas su sueño realizado en doble. Niñas fuertes, dotadas de una autonomía nata, decididas a enfrentar el sistema familiar que anulaba a las mujeres por el simple hecho de ser mujeres. Dicen que el viejo murió de disgusto al ver a las nietas transgrediendo las reglas de la casa. Las jóvenes guerreras tenían opinión propia, salían a estudiar, a trabajar y, para el escándalo de los viejos jueces de la moralidad, se vestían con la osada libertad de la juventud de su época. La muerte súbita del marido otorgó a Eugenia la carta de emancipación en forma de viudez. De las manos de las hijas, el pasaporte para la libertad, el desafío de avanzar rumbo a la autonomía, a la liberación de sus sueños. Con sesenta y tres años, Eugenia erguía el diploma de Licenciada en Administración de Empresas, como el trofeo de su empoderamiento. Aceptando la invitación para actuar en la empresa de las hijas, una griffe femenina, romperá los últimos estándares que amenazan anular su inteligencia y dignidad de mujer.
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O choro de Eugênia regava sementes de esperança. Assim, viu nas filhas gêmeas seu sonho duplamente realizado. Meninas fortes, dotadas de uma autonomia nata, decididas a confrontar o sistema familiar que anulava as mulheres pelo simples fato de serem mulheres. Dizem que o velho morreu de desgosto ao ver as netas transgredindo as normas da casa. As jovens guerreiras tinham opinião própria, saíam para estudar, trabalhar fora e, para escândalo dos velhos juízes da moralidade, vestiam-se com a ousada liberdade da juventude de sua época. A morte súbita do marido outorgou à Eugênia a carta de alforria em forma de viuvez. Das mãos das filhas, o passaporte para a liberdade, o desafio para avançar rumo à autonomia, à liberação de seus sonhos. Aos sessenta e três anos de idade, Eugênia erguia o diploma de Bacharel em Administração de Empresas, como o troféu de seu empoderamento. Aceitando o convite para atuar na empresa das filhas, uma griffe de moda feminina, quebrará os últimos padrões que ameaçam anular sua inteligência e dignidade de mulher.
Eva Crochemore
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SUEÑOS DEL POETA Desde el umbral de un sueño me llamaron… Era la buena voz, la voz querida. Dime: ¿vendrás conmigo a ver el alma?… Llegó a mi corazón una caricia. ANTONIO MACHADO, DESDE EL UMBRAL DE UN SUEÑO
Cuando Antonio empieza a relatar a Leonor el sueño que insistía en repetirse, ella se apura en querer detalles con la intención de interpretarlo. ¡No me vengas con profecías! Lo comparto solo porque ando intrigado con la nitidez de algunas imágenes, con la lucidez de algunas palabras. En los sueños, él se encuentra con tres personas que lo acogen en un clima de envolvente armonía. El anciano habla con plenitud de sabiduría, el rostro ofuscado por una luz inmanente. El segundo amigo le es muy familiar, amistoso, lleno de lecciones de vida, de amor sacrificial, le enseña el secreto de la filantropía. Con la tercera persona surge una amistad tan sincera, de tantas afinidades, que se hacen comprender en conexión espiritual. Para aliviar la curiosidad de Leonor, le cuenta sobre los increíbles encuentros con aquellos tres que todo saben, a todo contestan con verdad, para todo tienen solución digna, actuando en mutua cooperación todo el tiempo. Tres en uno, tal es la unidad y la comunión entre ellos. Como el agua en sus tres estados: sólido, líquido y gaseoso, ilustró Leonor. 84
SONHOS DO POETA Do umbral de um sonho me chamaram... Era a boa voz, a voz querida. Dize-me: virás comigo ver a alma?... Chegou ao meu coração uma carícia. ANTONIO MACHADO, DESDE O UMBRAL DE UM SONHO
Quando Antonio começa a relatar para Leonor o sonho que insistia em se repetir, ela apressa-se em querer detalhes na intenção de interpretá-lo. Não me venhas com profecias! Só compartilho, porque ando intrigado com a nitidez de algumas imagens, com a lucidez de algumas falas. Nos sonhos, ele vai ao encontro de três pessoas que o acolhem em um clima de envolvente harmonia. O ancião fala com plenitude de sabedoria, a face ofuscada por uma luz imanente. O segundo amigo lhe é muito familiar, amistoso, cheio de lições de vida, de amor sacrificial, ensina-lhe o segredo da filantropia. Com a terceira pessoa surge uma amizade tão sincera, de tantas afinidades, que se fazem compreender em conexão espiritual. Para aliviar a curiosidade de Leonor, conta-lhe dos incríveis encontros com aqueles três que tudo sabem, a tudo respondem com verdade, para tudo têm solução digna, atuando em mútua cooperação o tempo todo. Três em um, tal é a unidade e a comunhão entre eles. Como a água em seus três estados: sólido, líquido e gasoso, ilustrou Leonor.
A cada sueño, se profundiza la amistad. Y Antonio se siente con libertad para compartir con los amigos trinos su indignación con las muchas dolencias humanas: De lo que llaman los hombres virtud, justicia y bondad, una mitad es envidia y la otra no es caridad. Él agrega: El hombre es por naturaleza la bestia paradójica, un animal absurdo que necesita lógica… Los amigos le aquietan el alma, sugiriendo el perdón a la humanidad: ¡Ellos no saben lo que hacen! Un sueño más y Antonio recita estos versos: Caminante son tus huellas el camino y nada más; caminante, no hay camino, se hace el camino al andar… Bravo, gran poeta!, le dijo JC, como Antonio le dice cariñosamente a la segunda persona. ¡Eres brillante con los dones que recibiste! Te pido una licencia poética. Y JC declama: Caminante, tus huellas en el camino y mucho más; Caminante, hay un camino hacia el infinito… Sigue este camino al andar. Antonio se sorprende con las promesas de esperanza y vida eterna, agregadas a sus versos, y se despierta sonriendo. Abraza a Leonor y recita, con alegría que contagia, otro de sus poemas, con un verso revisado: De noche cuando dormía (ya no era una ilusión) Qué era Dios lo que tenía Dentro de mi corazón
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A cada sonho, aprofunda-se a amizade. E Antonio sente-se com liberdade para compartilhar com os amigos triúnos sua indignação com as muitas mazelas humanas: Do que chamam os homens, virtude, justiça e bondade, uma metade é inveja e a outra não é caridade. Ele acrescenta: O homem é por natureza a besta paradóxica, um animal absurdo que necessita lógica... Os amigos aquietam-lhe a alma, sugerindo o perdão à humanidade: Eles não sabem o que fazem! Mais um sonho e Antonio recita estes versos: Caminhante, são tuas pegadas o caminho e nada mais; Caminhante, não há caminho, se faz o caminho ao andar... Bravo, grande poeta! disse-lhe JC, como Antonio chama carinhosamente a segunda pessoa. És brilhante com os dons que recebeste! Peço-te uma licença poética. E JC passa a declamar: Caminhante, tuas pegadas no caminho e muito mais; caminhante, há um caminho ao infinito... segue este caminho ao andar. Antonio surpreende-se com as promessas de esperança e de vida eterna, acrescidas a seus versos, e acorda sorrindo. Abraça Leonor e recita, com alegria contagiante, outro de seus poemas, com um verso revisado: À noite quando dormia (já não era uma ilusão) Que era Deus o que tinha Dentro do meu coração.
Eva Crochemore
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Haidê Vieira Pigatto Tenho muitas afeições. A natureza, que me oferece água, oxigênio, alimento, beleza. Os amigos, com quem compartilho diversão e experiências enriquecedoras. Minha família, com seu carinho, abraços e muitos momentos de emoção. Meus livros, cujas páginas me fazem viajar e aprender. E as palavras do bem, que consolam, unem, trazem esperança, prezam a união. Minha favorita é amor, que enlaça todas as outras que fazem o mundo ser melhor e mais feliz. Tengo muchas afecciones. La naturaleza, que me ofrece agua, oxígeno, alimento, belleza. Los amigos, con quienes comparto diversión y experiencias enriquecedoras. Mi familia, con su cariño, abrazos y muchos momentos de emoción. Mis libros, cuyas páginas me hacen viajar y aprender. Y las palabras del bien, que consuelan, unen, traen esperanza, aprecian la unión. Mi favorita es amor, que enlaza todas las demás que hacen el mundo mejor y más feliz.
EL ARTE ENCANTADO – ¡Mamá, mamá! – Sí, Malú. Estoy en la cocina. – Nuestra profesora de artes asumió hoy, ¡y es fantástica! – Y debe ser, con tanto entusiasmo. – Ella trajo muchas fotos de obras de Antoni Gaudí. ¿Sabés quién es? – ¿El arquitecto catalán? Sus obras son famosas en el mundo entero. – Sí. Ella nos contó algunas cosas sobre su vida y después nos puso en grupos de cuatro. Ella misma hizo las copias ampliadas de las fotos de las obras, pidió que eligiéramos una de ellas y habláramos sobre lo que sentíamos. – ¿Y cuál fue la obra que ustedes eligieron? – La Casa Vicens. Yo la traje para que la veas. – ¡Maravillosa! Pero ¿por qué no eligieron la Sagrada Familia? – Era la que yo quería, pero Luci nos convenció a elegir una casa, porque podríamos hacer una consideración muy original al concluir el trabajo. – Ahora me dejaste curiosa. – Hablamos sobre la estética, la originalidad, la sabiduría del arquitecto y la ejecución primorosa de su obra. – ¡Ustedes la aprobaron de verdad! – Cien por ciento. Vimos que ella quería extraer todo de nuestras mentes y almas. – ¡Increíble! ¿Y cómo fue eso? – Ella nos hizo conversar con Gaudí. Le preguntamos cómo imaginó obras tan grandiosas que atrajeron el interés 90
A ARTE ENCANTADA – Mãe, mãe! – Sim, Malu. Estou aqui na cozinha. – A nossa nova professora de artes assumiu hoje, e ela é fantástica! – Deve ser mesmo, com tanta empolgação. – Ela trouxe muitas fotos de obras de Antoni Gaudí. Sabe quem é? – O arquiteto catalão? Suas obras são famosas no mundo inteiro. – Isso. Ela nos contou algumas coisas sobre a vida dele e depois nos dividiu em grupos de quatro. Ela mesma fez as cópias ampliadas das fotos das obras, pediu para escolhermos uma delas e falarmos sobre o que sentimos a respeito. – E qual foi a obra que vocês escolheram? – A Casa Vicens. Eu trouxe para você ver. – Maravilhosa! Mas por que não escolheram a Sagrada Família? – Eu até queria, mas a Luci nos convenceu a escolher uma casa, porque poderíamos fazer uma consideração bem original ao concluirmos o trabalho. – Agora fiquei curiosa. – Falamos sobre a estética, a originalidade, a sabedoria do arquiteto e a execução primorosa de sua obra. – Vocês a aprovaram mesmo! – Cem por cento. Nós vimos que ela queria extrair tudo das nossas mentes e almas. – Incrível! E como foi isso? – Ela nos fez conversar com Gaudí. Perguntamos a ele
de clientes y del poder público para su ejecución. – Estoy sorprendida con esa manera de enseñar el arte por medio de la puesta en escena. – Las compañeras me eligieron para ser Gaudí y contestar algunas preguntas. Expliqué que nada que hace el hombre es extraído de lo abstracto, sino de la obra que ya está ahí, ante nuestros ojos. Un árbol crece para abrazar el cielo y la columna humana sostiene nuestro cuerpo y nuestra vida. Humanidad y transcendencia se reúnen para sublimar el arte. – Qué palabras tan sabias, hija. ¿Y cuál fue la idea de Luci? – Ella nos hizo pensar sobre lo que hay en nuestra propia casa que hace que sea diferente a todas las otras y revela el arte y el alma que la habitan. – ¡Qué idea original! ¿Las chicas supieron identificar esas diferencias? – Sí. Andrea dijo que eran las tortas decoradas de su madre. Estéticamente perfectas y exquisitas porque son impregnadas de amor. Marina habló de su padre, que restaura muebles, transformando lo que estaba feo y sin uso en ítems únicos y valiosos. Luci habló de las orquídeas que su madre cultiva, que son verdaderas explosiones de belleza. – ¿Y vos? – preguntó la madre, ansiosa. – Yo hablé de tus bordados: toallitas de mano, repasadores, aquel mantel maravilloso que solo usás en días de fiesta. Cada puntito que hacés contiene tanto arte, perfección y delicadeza que siempre que los veo, necesito tocarlos para sentir que son reales. Sin contenerse, la madre se lanza en un abrazo con la hija y comparten las lágrimas que caen sobre sus busos blanquitos de algodón.
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como imaginou obras tão grandiosas que atraíram o interesse de clientes e do poder público para serem edificadas. – Estou surpresa com essa maneira de ensinar arte através da encenação. – As colegas me escolheram para ser o Gaudí e responder a algumas perguntas. Eu expliquei que nada que o homem faz é extraído do abstrato e, sim, da obra que já está aí, à nossa vista. Uma árvore cresce para abraçar o céu e a coluna humana sustenta nosso corpo e nossa vida. Humanidade e transcendência são reunidas para sublimar a arte. – Que palavras sábias, minha filha. E qual foi a ideia da Luci? – Ela nos fez pensar sobre o que há em nossa própria casa que a faz ser diferente de todas as outras e revela a arte e a alma que habitam nelas. – Que ideia original! E as meninas souberam identificar essas diferenças? – Sim. Andreia falou que eram os bolos decorados de sua mãe. Esteticamente perfeitos e deliciosos porque são impregnados de amor. Marina falou de seu pai, que restaura móveis, transformando o que estava feio e sem uso em itens únicos e valiosos. Luci falou das orquídeas que sua mãe cultiva, que são verdadeiras explosões de beleza. – E você? – perguntou a mãe, ansiosa. – Eu falei dos seus bordados: toalhinhas de mão, panos de prato, aquela toalha de mesa maravilhosa que você só usa em dias de festa. Cada pontinho que você faz contém tanta arte, perfeição e delicadeza que toda vez que os vejo, preciso tocar para sentir que são reais. Sem se conter, a mãe se lança num abraço com a filha e compartilham as lágrimas que caem sobre suas camisetas branquinhas de algodão. Haidê Vieira Pigatto
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LAS SOMBRAS DE LA LUZ Pero sigue durmiendo, vida mía. FEDERICO GARCÍA LORCA
Al cerrarse y abrirse nuevamente las cortinas, todos los espectadores están de pie y aplauden con entusiasmo creciente. La protagonista, Beatriz de Lucía, se deja envolver por los gritos de: ¡Bravo! ¡Bravo! – que vienen de todas las direcciones. Al inclinarse para agradecer, todo oscurece y ella cae, sin que los compañeros de escena, entusiasmados por el éxito, se den cuenta. La platea deja de aplaudir y grita: – ¡Ella cayó! ¡Ella cayó! Un médico sale de la platea y se apura en subir al escenario para atenderla. Beatriz abre los ojos e intenta reconocer dónde está. El médico le hace las preguntas básicas. – ¿Me estás viendo? – Decime tu nombre. – ¿Cuántos dedos te estoy mostrando? – Mové el brazo derecho. Tranquilo, al ver que ella responde bien a todo, pide que alguien la lleve al camarín. Renato, el actor principal, toma en sus brazos a la mujer delgada y frágil que se acurruca en su pecho. Los aplausos recomienzan. El rostro de Beatriz se contrae en un espasmo de dolor. Solita con el médico, ella habla de la estafa causada por los últimos seis meses de ensayos exhaustivos, en que solo se admitía la perfección. Él le receta un calmante y se asegura de que ella vaya a su clínica al día siguiente.
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AS SOMBRAS DA LUZ Mas continua dormindo, vida minha. FEDERICO GARCÍA LORCA
Ao fechar e reabrir das cortinas, todos os espectadores estão de pé e aplaudem com entusiasmo crescente. A protagonista, Beatriz de Lucía, deixa-se envolver pelos gritos de: Bravo! Bravo! – que vêm de todas as direções. Ao curvar-se à frente para agradecer, tudo escurece e ela tomba, sem que os colegas de palco, entusiasmados pelo sucesso, o percebam. A plateia para de aplaudir e grita: – Ela caiu! Ela caiu! Um médico sai da plateia e apressa-se a subir ao palco para atendê-la. Beatriz abre os olhos e tenta reconhecer onde está. O médico faz as perguntas básicas. – Está me vendo? – Diga o seu nome. – Quantos dedos estou lhe mostrando? – Mexa o braço direito. Tranquilo ao ver que ela responde bem a tudo, pede que alguém a leve ao camarim. Renato, o ator principal, toma em seus braços a criatura delgada e frágil que se aconchega em seu peito. Os aplausos recomeçam. O rosto de Beatriz se contrai em um espasmo de dor. Sozinha com o médico, ela fala da estafa causada pelos últimos meses de ensaios exaustivos, em que só se admitia a perfeição. Ele receita um calmante e se assegura de que ela vá à sua clínica no dia seguinte.
Renato la lleva para casa, donde la hermana la espera con el cariño y el apoyo que necesita. Después que la revisa, Beatriz le pide al médico que informe al director que ella no tiene condiciones de seguir con la temporada. Problema no habrá, previendo el éxito del musical, él ya tiene una sustituta para la protagonista. – ¿Estás segura? – Estoy. Sorprendiendo a todos, ella desiste de la escena y se vuelve secretaria de la hermana en su consultorio de dentista. Música y canto, solo en el ambiente protector del hogar. Pues es exactamente en el consultorio de la hermana que Carlo Montini, un famoso y joven tenor, viene a buscar tratamiento. Al llenar el registro, ella hace las preguntas con la voz temblorosa, y él se da cuenta. Así, se acerca aún más y agrega a las respuestas una buena dosis de seducción. Después de ser atendido, él vuelve a la entrada para pagar. Cuando le da el recibo, ella siente que su mano toca la suya. Sonriendo, él se despide y dice que volverá para hacerse revisar. Ella considera su mirada demasiado audaz, incluso invasiva. Algunos días después, él la llama. Ella miente que es otra persona y que no puede dar el contacto de la recepcionista. – Por favor, necesito que le diga que sé quién es ella. Beatriz de Lucía, la diva de los musicales. ¿Qué hace en un consultorio de dentista? Ella cuelga, muy asustada. La hermana no se conforma. Mira a la mujer ante ella, que más parece la niña que nunca lograba agradar a las exigencias desmedidas del padre. – ¿A qué le tenés miedo, Beatriz? – A ser feliz. 96
Renato a leva para casa, onde a irmã a espera com o carinho e o suporte de que precisa. Depois de ser avaliada, Beatriz pede ao médico que informe ao diretor que ela não tem condições de prosseguir com a temporada. Problema não haverá pois, prevendo o sucesso do musical, ele já tem uma substituta para a protagonista. – Você tem certeza? – Tenho, sim. Surpreendendo a todos, ela desiste de encenar e torna-se a secretária da irmã em seu consultório de dentista. Música e canto, só no ambiente protetor do lar. Pois é exatamente no consultório da irmã que Carlo Montini, um famoso e jovem tenor, vem buscar tratamento. Ao preencher o cadastro, ela faz as perguntas com voz trêmula, o que ele nota. Assim, aproxima-se ainda mais e acrescenta às respostas uma boa dose de sedução. Após ser atendido, ele volta à entrada para fazer o pagamento. Quando lhe entrega o recibo, ela sente a mão dele tocar a sua. Sorrindo, ele se despede e diz que voltará para as revisões. Ela considera seu olhar audacioso demais, até mesmo invasivo. Dias depois, ele liga à sua procura. Ela mente que é outra pessoa e que não pode divulgar o contato da recepcionista. – Por favor, preciso que lhe diga que sei quem ela é. Beatriz de Lucía, a diva dos musicais. O que faz em um consultório de dentista? Ela desliga, apavorada. A irmã não se conforma. Olha para a mulher diante dela, que mais parece a menina que jamais conseguia agradar às exigências desmedidas do pai. – Do que você tem medo, Beatriz? – De ser feliz. Haidê Vieira Pigatto
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LOLA APRENDE A REZAR Solo le pido a Dios Que la guerra no me sea indiferente Es un monstruo grande y pisa fuerte Toda la pobre inocencia de la gente LEÓN GIECO, SOLO LE PIDO A DIOS
Desde la infancia, Lola tenía el hábito de rezar por la protección de los familiares y amigos, lo cual le aseguraba un sueño tranquilo. Pero su corazón anda atormentado por los noticieros que se parecen a películas de guerra con su bombardeo diario de horrores. Pasa a rezar por todo el mundo. Que las enfermedades graves desaparezcan del universo, que la naturaleza no castigue a los pueblos con inundaciones, terremotos y huracanes, que las mujeres no sean asesinadas por sus compañeros, que grupos extremistas no sean crueles con la población de sus países, que la violencia en las calles termine, que los niños no pierdan la inocencia presenciando escenas chocantes en sus propias casas, que las personas se respeten y sean aceptadas como son. La lista de pedidos aumenta a cada día. Las oraciones tradicionales ya no tienen efecto. Su mente es dominada por catástrofes e indignación. El miedo a enfermarse le hace buscar ayuda. Consulta con Yara, una sicóloga que también trabaja con terapias alternativas.
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LOLA APRENDE A REZAR Eu só peço a Deus Que a guerra não me seja indiferente É um monstro grande e pisa forte Toda a pobre inocência da gente. LEÓN GIECO, SÓ PEÇO A DEUS
Desde a infância, Lola tinha o hábito de rezar pela proteção dos familiares e dos amigos, o que lhe garantia um sono tranquilo. Mas seu coração anda atormentado pelos noticiários, que se parecem com filmes de guerra com seu bombardeio diário de horrores. Passa a orar por todo mundo. Que as doenças graves desapareçam do universo, que a natureza não castigue os povos com enchentes, terremotos e furacões, que as mulheres não sejam assassinadas por seus companheiros, que grupos extremistas não sejam cruéis com a população de seus países, que a violência nas ruas termine, que as crianças não percam a inocência presenciando cenas chocantes em suas próprias casas, que as pessoas se respeitem e sejam aceitas como são. A lista de pedidos aumenta a cada dia. As orações tradicionais já não surtem efeito. Sua mente é dominada por catástrofes e indignação. O medo de adoecer a faz procurar ajuda. Consulta-se com Yara, psicóloga que também trabalha com terapias alternativas.
Para aplacar la desesperación de su paciente, Yara le aconseja a participar de un grupo de voluntarios. Actitudes concretas de generosidad nos hacen sentir que somos útiles, ella explica. Lola dice que va a integrarse a un grupo de mujeres que tejen ropitas de bebés para donar a las maternidades adonde las madres llegan para dar a luz sin ninguna pieza de ajuar. En cuanto a la terapia, Yara se da cuenta de que las técnicas de respiración y meditación silenciosa no van a funcionar. Deciden intentar la meditación dinámica. Lola bautiza a la actividad baile libertario. La hace volver al año de 1989, cuando vio la presentación de Mercedes Sosa en el antiguo teatro de la Orquesta Sinfónica de Porto Alegre. Había quedado abismada ante el contraste entre la ligereza de mariposa con que la cantante bailaba, giraba y movía su chal rojo, y la fuerza de aquella voz que envolvía todos los espacios del teatro. Se acuerda de que ella y la amiga Tita lloraron de emoción al terminar el espectáculo, cuando toda la platea aplaudió de pie a aquella mujer linda y poderosa. En su casa, al son de Solo le pido a Dios, de León Gieco, en la interpretación magistral de Mercedes Sosa, Lola, con su vestido rodado y los pies descalzos sobre la alfombra suave, se mueve en una especie de transe. Con los brazos abiertos en la horizontal, ella gira, gira, gira como un derviche. Mientras Mercedes Sosa clama a Dios que no la deje olvidarse de los males que asolan la humanidad, Lola también pide que no se olvide y, por eso, canta, baila, gira y se pregunta si Dios, al oír su oración tan sincera, puede perdonarla por ese oasis de liberación.
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Para aplacar o desespero de sua paciente, Yara a aconselha a participar de um grupo de voluntários. Atitudes concretas de generosidade nos fazem sentir que somos úteis, ela explica. Lola diz que vai se integrar a um grupo de mulheres que tricotam roupinhas de bebês para serem doadas às maternidades aonde as mães chegam para dar à luz sem nenhuma peça de enxoval. Quanto à terapia, Yara percebe que técnicas de respiração e meditação silenciosa não vão funcionar. Resolvem tentar a meditação dinâmica. Lola batiza a atividade de dança libertária. Ela a faz voltar ao ano de 1989, quando assistiu à apresentação de Mercedes Sosa no antigo teatro da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre. Ficara abismada diante do contraste entre a leveza de borboleta com que a cantora dançava, rodava e movimentava seu xale vermelho, e a força daquela voz que envolvia todos os espaços do teatro. Lembra-se de que ela e a amiga Tita choraram de emoção ao término do espetáculo quando toda a plateia aplaudiu de pé aquela mulher linda e poderosa. Em sua casa, ao som de Solo le pido a Dios, de León Gieco, na interpretação magistral de Mercedes Sosa, Lola, com seu vestido rodado e os pés descalços sobre o tapete macio, move-se em uma espécie de transe. Com os braços abertos na horizontal, ela gira, gira, gira como um dervixe. Enquanto Mercedes Sosa clama a Deus que não a deixe se esquecer dos males que assolam a humanidade, Lola também pede para não esquecer e, por isso, canta, dança, gira e se pergunta se Deus, ao ouvir sua prece tão sincera, pode perdoá-la por esse oásis de libertação.
Haidê Vieira Pigatto
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LA NOTABLE AVENTURA DE LA VIDA Nayara apenas empezó a hablar y ya recibió de la abuela el legado de la lengua y cultura españolas, de las que se enamoró. Su sueño era recibirse en la Facultad de Letras y pasar un año en España, explorando lugares sobre los cuales había leído en los libros. Lo que por fin ocurrió. Está en Consuegra, una ciudad que queda entre Toledo y Granada, enfrente a los molinos que inspiraron a Miguel de Cervantes Saavedra a escribir su famosa novela, que cuenta las hazañas de Don Quijote de La Mancha Sonríe al imaginar gigantes asustadores, listos para atacar. Se acuerda de la parte en que Sancho Panza, su fiel escudero, afirma que son solo molinos de viento. Contra la lógica, el valiente caballero le dice que no puede entender lo que debe ser combatido. Al lector, la solución del enigma. Nayara se baja del auto y siente el calor del verano español. El cielo de límpido azul secuestra su atención. Respira hondo y se concentra en la luz que incide sobre los molinos y en el movimiento hipnotizante de las palas. Viaja en el tiempo, al cuarto de estudios, donde leía con avidez su ejemplar de Don Quijote de La Mancha. Un auto estaciona al lado suyo. El joven conductor se baja, se acerca y le pregunta: – ¿Son esos los molinos de nuestra novela favorita?
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A NOTÁVEL AVENTURA DA VIDA Nayara mal começou a falar e já recebeu da avó o legado da língua e da cultura espanholas, pelas quais se apaixonou. Seu sonho era se formar na Faculdade de Letras e passar um ano na Espanha, explorando locais sobre os quais tinha lido nos livros. O que finalmente aconteceu. Está em Consuegra, cidade que fica entre Toledo e Granada, diante dos moinhos que inspiraram Miguel de Cervantes Saavedra a escrever o seu famoso romance, que conta as façanhas de Dom Quixote de La Mancha. Sorri ao imaginar gigantes assustadores, prontos para atacar. Lembra-se da passagem em que Sancho Pança, o seu fiel escudeiro, afirma que são apenas moinhos de vento. Contra a lógica, o valente cavaleiro lhe diz que ele não pode entender o que precisa ser combatido. Ao leitor, a solução do enigma. Nayara desce do carro e se ressente do calor do verão espanhol. O céu de límpido azul sequestra sua atenção. Respira fundo e se concentra na luz que incide sobre os moinhos e no movimento hipnotizante das pás. Viaja no tempo, ao seu quarto de estudos, onde lia com avidez seu exemplar de Dom Quixote de La Mancha. Um carro estaciona ao lado do seu. O jovem motorista desce, aproxima-se dela e pergunta: – São esses os moinhos do nosso romance favorito?
– Diego, cómo te extrañé. Ven a darme un abrazo. – ¿Imaginando los gigantes del famoso héroe? – Nuestro primer gigante es no saber quiénes somos, y por qué cosa, de hecho, queremos luchar. Al fin y al cabo, ¿cuál era el objetivo de Don Quijote? – Me pregunto si actuó como un loco intencional o inconsciente, a fin de realizar sus hazañas. Porque, al enfrentarse la realidad más pura y translúcida que asombra todo ser humano, el gigante más alto y poderoso, la propia muerte, él afirma que ya no está loco. – Verdad. En ese momento queda sobrio, llama al confesor y al notario para hacer su testamento y asegurar el bienestar de los compañeros que le fueron leales durante toda su loca vida. Deja de ser Don Quijote y vuelve a ser Alonso Quijano. – Y se gana un epíteto relevante: El Bueno, por sus costumbres. – Pienso que muchos de nosotros, así como él, pasamos la vida actuando como personajes que abrazan difíciles batallas por un propósito no muy claro. – Eso porque nos olvidamos de lo que nos encantaba cuando éramos niños. – Lo dijiste todo. Por mi infancia, heme aquí, en la bella España, en compañía de mi mejor amigo, que, por suerte, es un excelente guía de turismo. – Yo también me esforcé mucho para venir a vivir y trabajar aquí. Y este viaje contigo es un regalo del universo. – Mi abuela está feliz. Me dijo que llevase a Don Quijote y sus compañeros conmigo. Y repitió su frase preferida: – La vida sin fantasía no abriga la hermosura.
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– Diego, que saudade. Venha me dar um abraço. – Imaginando os gigantes do famoso herói? – Nosso primeiro gigante é não sabermos quem somos, e pelo que, de fato, queremos lutar. Afinal, qual era o objetivo de Dom Quixote? – Eu me pergunto se ele agiu como um doido de forma intencional ou inconsciente, a fim de realizar suas façanhas. Porque, ao se deparar com a realidade mais pura e translúcida que assombra todo ser humano, o gigante mais alto e poderoso, a própria morte, ele afirma que não está mais louco. – Verdade. Nesse momento ele fica sóbrio, chama o confessor e o tabelião para fazer seu testamento e garantir o bem-estar dos companheiros que lhe foram leais durante toda a sua louca vida. Deixa de ser Dom Quixote e volta a ser Alonso Quijano. – E ganha um epíteto relevante: El Bueno, por seus costumes. – Penso que muitos de nós, assim como ele, passamos a vida agindo como personagens que abraçam difíceis batalhas por um propósito não muito claro. – Isso porque nos esquecemos do que nos encantava quando éramos crianças. – Você disse tudo. Por causa da minha infância, eis-me aqui, na bela Espanha, na companhia do meu melhor amigo, que, por sorte, é um ótimo guia de turismo. – Eu também me esforcei muito para vir morar e trabalhar aqui. E essa viagem com você é um presente do universo. – Minha abuela está feliz. Disse-me para levar Dom Quixote e seus companheiros comigo. E repetiu sua frase preferida: – A vida sem fantasia não abriga formosura.
Haidê Vieira Pigatto
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Heloisa Helena Rodrigues Escrevo em busca das minhas raízes e dos meus afetos. Uma advogada que sempre quis ser escritora, nas palavras tento expor minha irresignação com um mundo permeado de violências e de desigualdades. Este mergulho na cultura espanhola toca meu coração e ajuda-me a manter a esperança em tempos melhores. Dedico estes escritos aos meus pais, cujas histórias de vida incentivaram-me a escrever, e às pessoas que me envolvem com amor e ensinamentos nesta caminhada. Escribo en búsqueda de mis raíces y mis afectos. Una abogada que siempre ha querido ser escritora, en las palabras trato de exponer mi no resignación con un mundo permeado de violencias y desigualdades. Esa inmersión en la cultura española toca mi corazón y me ayuda a mantener la esperanza en tiempos mejores. Dedico estos escritos a mis padres, cuya historia de vida me estimuló a escribir, y a las personas que me envuelven con amor y enseñanzas en esta caminada.
CAMPAÑA Sintió que si él, entonces, hubiera podido elegir o soñar su muerte, ésta es la muerte que hubiera elegido o soñado. JORGE LUIS BORGES, DEL CUENTO EL SUR
Mila observa por la ventana y siente una presión en el pecho. Es la última vez que se zambulle en aquel paisaje: las cuchillas enlazándose con el cielo. Ese escenario y el perfume de los higos maduros viene siendo un bálsamo, un refugio para sus angustias. Ahora es el momento de partir. Aquel aroma es la marca definitiva de los recuerdos afectivos de la estancia. Cuando llegó ahí, y ya se van algunos años, al abrir la ventana del caserón fue dominada por el olor de las frutas. En tachos de cobre, sobre la cocina precaria armada en el patio, luego las vio transformadas en dulce. Se volvieron el símbolo del verano para ella. Mujer urbana, nacida y criada en Porto Alegre, traía en el imaginario una gran curiosidad por la vida en la Campaña. Aprendió a preparar los platos y dulces de la región como si fuera una nativa. Hasta su vocabulario cambió: al chimarrão pasó a decirle mate, el churrasco se volvió asado. Y así pasó el tiempo en aquel casi paraíso. Un día, la paz del lugar fue barrida por una ola de barbarie. Asaltos con mucha violencia a las propiedades, muertes, casas trancadas antes del anochecer. El miedo se instaló en la región. 108
CAMPANHA Sentiu que se ele, então, pudesse ter escolhido ou sonhado sua morte, esta é a morte que teria escolhido ou sonhado. JORGE LUIS BORGES, DO CONTO EL SUR
Mila olha pela janela e sente um aperto no peito. É a última vez que mergulha naquela paisagem: as coxilhas se enlaçando com o céu. Esse cenário e o perfume dos figos maduros têm sido um bálsamo, um refúgio para suas angústias. Agora é hora de partir. Aquele aroma é a marca definitiva das lembranças afetivas da estância. Quando ali chegou, e lá se vão alguns anos, ao abrir uma janela do casarão foi dominada pelo cheiro das frutas. Em tachos de cobre, sobre um fogão precário armado no pátio, logo as viu transformadas em doces. Tornaram-se o símbolo do verão para ela. Mulher urbana, nascida e criada em Porto Alegre, trazia no imaginário uma grande curiosidade pela vida na Campanha. Aprendeu a preparar os pratos e os doces da região como se fosse uma nativa. Até o seu vocabulário mudou: o chimarrão passou a chamar de mate, o churrasco virou assado. E assim o tempo passou naquele quase paraíso. Um dia, a paz do lugar foi varrida por uma onda de barbárie. Assaltos com muita violência às propriedades, mortes, casas trancadas antes do anoitecer. O medo se instalou na região.
Mila entendió que el paraíso se desintegraba. Un acontecimiento en particular la hizo apurar la decisión y partir. Una familia de estancieros, los padres y un hijo, fueron los protagonistas. Rafael, el hijo, era un muchacho tímido, que trabajaba parejo con los peones de la estancia. En las ruedas de charlas con los amigos contaba que soñaba con una vida de aventuras, sin aquella monotonía del cotidiano. Vivió su momento de aventura cuando decidió conocer la Capital manejando su camioneta atrás de un ómnibus hasta la Terminal de Ómnibus de Porto Alegre, para no equivocarse, para no equivocarse de camino. Volvió a casa siguiendo el mismo ómnibus que lo llevó… Él y el padre fueron asesinados en una noche de verano. El padre salió para conferir el ganado inquieto en el corral y fue recibido a balazos por los bandidos. Cayó sin esbozar reacción. Enseguida le tocó a Rafael. Él todavía intentó repeler a los asaltantes, pero fue fusilado sin lástima. La madre, herida de raspón, escapó de la masacre al tirarse sobre el cuerpo del hijo y fingirse de muerta. Vendió los animales, cerró la casa y partió silenciosamente. Mila aleja los pensamientos tristes y cierra la ventana. Afuera los higos maduros desparraman su perfume. Esta vez ella no estará presente para acompañar el preparo y disfrutar el dulce, pero llevará aquel olor con ella, para siempre. Olor a verano.
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Mila entendeu que o paraíso se desintegrava. Um acontecimento em particular a fez apressar a decisão de partir. Uma família de estancieiros, os pais e um filho, foram os protagonistas. Rafael, o filho, era um rapaz tímido, que trabalhava parelho com os peões da estância. Contava nas rodas de conversas com os poucos amigos que sonhava com uma vida de aventuras, sem aquela mesmice do dia a dia. Viveu seu momento de aventura quando decidiu conhecer a Capital dirigindo sua camionete atrás de um ônibus até a Estação Rodoviária Central de Porto Alegre, para não errar o caminho. Retornou para casa seguindo o mesmo ônibus que o levou... Ele e o pai foram assassinados em uma noite de verão. O pai saiu para conferir o gado inquieto na mangueira e foi recebido à bala pelos bandidos. Caiu sem esboçar reação. Em seguida, foi a vez de Rafael. Ele ainda tentou repelir os assaltantes, mas foi fuzilado sem dó. A mãe, ferida de raspão, escapou do massacre ao se jogar sobre o corpo do filho e fingir-se de morta. Vendeu os animais, fechou a casa e partiu silenciosamente. Mila afasta os pensamentos tristes e fecha a janela. Lá fora, os figos maduros espalham o seu perfume. Desta vez, ela não estará presente para acompanhar o preparo e se deliciar com os doces, mas levará aquele cheiro com ela, para sempre. Cheiro de verão.
Heloisa Helena Rodrigues
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LAS CAMPANADAS DE LAS CINCO A las cinco de la tarde. Eran las cinco en punto de la tarde. Un niño trajo la blanca sábana a las cinco de la tarde. Una espuerta de cal ya prevenida a las cinco de la tarde. Lo demás era muerte y sólo muerte a las cinco de la tarde. FEDERICO GARCÍA LORCA
Mila siente el aroma de la salsa de tomate preparado con hojas de albahaca, denunciando la preparación de la cena. Era raro que la familia se reuniera un domingo de noche. La llegada de los tíos dio el tono de lo que sería aquella noche: hablaban casi murmurando. Espantoso, en aquella familia de descendientes italianos la comunicación era siempre a los gritos… Entonces, llegaron Ramiro y Suelí: amigos de infancia de la madre, él, un ex militar y ella, profesora. Eran simpáticos, pero parecían poco a gusto, mirando para todos lados, con aire afligido. Después de abrazos y besos, ojos lagrimosos y presentaciones a los hijos, empezó la cena. La conversación al principio fue tranquila: Hacía cuánto no se veían, como crecieron los niños… Cuando servían el postre, Ramiro pidió para hablar. Y empezó en un tono casi inaudible. 112
AS BADALADAS DAS CINCO HORAS Cinco da tarde. Eram cinco em ponto da tarde. Um menino trouxe o lençol branco às cinco da tarde. Um cesto de cal já previsto às cinco da tarde. O resto era morte e somente morte às cinco da tarde. FEDERICO GARCÍA LORCA
Mila sente o aroma do molho de tomate apurado com folhas de manjericão, denunciando a preparação do jantar. Era raro a família reunir-se em um domingo à noite. A chegada dos tios deu o tom do que seria aquela noite: falavam quase murmurando. Espantoso, naquela família de descendentes italianos a comunicação era sempre aos gritos... Então, chegaram Ramiro e Sueli: amigos de infância da mãe, ele, um ex-militar, e ela, professora. Eram simpáticos, mas pareciam pouco à vontade, olhando para os lados, com ar aflito. Depois de abraços e beijos, olhos marejados e apresentações aos filhos, o jantar teve início. A conversa começou amena: Há quanto tempo não se viam, como as crianças cresceram... Quando serviam a sobremesa, Ramiro pediu para falar. E começou em um tom quase inaudível:
– Nuestra visita puede traer problemas. Quizá a ustedes los busquen por esto. Parece que ahora están más tranquilos, pero nunca se sabe. Digan que fue una visita de viejos amigos. Capaz que quedan satisfechos. La madre de Mila no se contuvo y volvió a hablar con los decibeles italianos de siempre: – ¡Pues que vengan! ¿Quién va a prohibir que nos encontremos? – Ellos pueden. Tengo que contar lo que pasó. En el golpe de 1964, mi batallón se mantuvo leal a la Constitución. Sin embargo, después que el presidente se fue para Uruguay, nos quedamos sin condiciones de resistir. Fuimos detenidos, oficiales y soldados. Entonces empezaron casi ocho meses de torturas, toda suerte de humillaciones. Nunca imaginé que aquello pudiera suceder en nuestro cuartel. Pero lo peor fue lo que les hicieron mis hijas, niñas de seis y cinco años. Yo estaba en una celda hacía casi cuarenta días, sin noticias de mi familia. Una tarde, cuando las campanadas de la iglesia llamaban a la misa de las cinco, la puerta se abrió y me hicieron salir. En el inicio del pasillo estaban mis hijas. Cuando me vieron, echaron a correr: ¡Papá! !Papá! Antes que me alcanzaran me empujaron para adentro de la celda, y pude solo oír solo los gritos de ellas alejándose. Eso se repitió muchas veces, siempre con las campanadas de las cinco de la tarde. Mila todavía se acuerda del silencio después de aquel relato. Tarde en la noche los amigos partieron. Ella nunca más los vio, pero no pudo olvidar aquella historia, la forma silenciosa como la contaron. Hasta hoy, pasados tantos años, resuenan en su memoria las campanadas llamando a la misa de las cinco.
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– Nossa visita pode trazer problemas. Talvez vocês sejam procurados por isso. Parece que agora estão mais sossegados, mas nunca se sabe. Digam que foi a visita de velhos amigos. Talvez se satisfaçam. A mãe de Mila não se conteve e voltou a falar com os decibéis italianos de sempre: – Eles que venham! Quem vai proibir que nos encontremos? – Eles podem. Preciso contar tudo o que aconteceu. No golpe de 1964, o meu batalhão se manteve leal à Constituição. Mas, depois que o presidente partiu para o Uruguai, ficamos sem condições de resistir. Fomos detidos, oficiais e praças. Aí começaram quase oito meses de torturas, toda sorte de humilhações. Nunca imaginei que aquilo pudesse acontecer em nosso quartel. Mas o pior foi o que fizeram com minhas filhas, crianças de seis e cinco anos. Eu estava em uma cela há quase quarenta dias, sem notícias da minha família. Uma tarde, quando as badaladas dos sinos da igreja chamavam para a missa das cinco, a porta se abriu e me fizeram sair. No início do corredor estavam minhas filhas. Quando me viram, correram gritando: papai, papai! Antes que me alcançassem fui empurrado para dentro da cela, e pude apenas ouvir os gritos delas se afastando. Isso se repetiu muitas vezes, sempre com as badaladas das cinco horas da tarde. Mila ainda se lembra do silêncio após aquele relato. Tarde da noite, os amigos partiram. Ela nunca mais os viu, mas não conseguiu esquecer daquela história, a forma silenciosa como foi contada. Até hoje, passados tantos anos, ecoam em sua memória as badaladas dos sinos chamando para a missa das cinco.
Heloisa Helena Rodrigues
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VINO TINTO DE SANGRE Puedo escribir los versos más tristes esta noche. Escribir, por ejemplo: La noche está estrellada, Y tilitan, azules, los astros, a lo lejos. Puedo escribir los versos más tristes esta noche. PABLO NERUDA
La copa implora su atención, pero Mila la ve sin mirarla. Preparó la cena, puso la mesa, sirvió el vino, siguiendo un ritual inútil: será la única en sentarse. Ya no tiene más gracia, está harta de hacer de cuenta que no está solita. Se cansó de las reuniones virtuales, a pesar de que, contradictoriamente, las anhela. Se dan algún consuelo y la sensación de que aquellas risas, abrazos y besos le tocan el cuerpo y el alma. Pero solo mientras la pantalla del aparato brilla. Después, viene el silencio de la soledad. Hasta el próximo encuentro. Hace meses es así, desde que la pandemia se adueñó del mundo. Todos los días una nueva batalla en busca de motivación, de esperanza. Un día todo volverá a la normalidad. Esa frase es el mantra que hay que repetir como única forma de sobrevivencia. Por fin, atiende la llamada de la botella de vino. Colchagua Valley Chile, dice la etiqueta. Si es chileno, es bueno, piensa. No que otros orígenes no merezcan esa evaluación. Es solamente una conexión afectiva que mantuvo con el país en el inicio de los años setenta, antes de que toda la 116
VINHO TINTO DE SANGUE Posso escrever os versos mais tristes esta noite. Escrever, por exemplo: A noite está estrelada, E cintilam azuis, os astros, à distância. Posso escrever os versos mais tristes esta noite. PABLO NERUDA
O cálice implora a sua atenção, mas Mila olha sem enxergá-lo. Preparou o jantar, arrumou a mesa, serviu o vinho, seguindo um ritual inútil: será a única a sentar-se. Já não tem mais graça, está farta de fazer de conta que não está sozinha. Cansou das reuniões virtuais, apesar de, contraditoriamente, ansiar por elas. Dão-lhe algum conforto e a sensação de que aqueles risos, abraços e beijos tocam-lhe o corpo e a alma. Mas só enquanto a tela do aparelho brilha. Depois, vem o silêncio da solidão. Até o próximo encontro. Há meses é assim, desde que a pandemia tomou conta do mundo. Todos os dias, uma nova batalha em busca de motivação, de esperança. Um dia tudo voltará ao normal. Essa frase é o mantra a ser repetido como única forma de sobrevivência. Finalmente, atende ao chamado da garrafa de vinho. Colchagua Valley, Chile, diz o rótulo. Se é chileno, é bom, pensa. Não que outras origens não mereçam essa avaliação. É apenas uma ligação afetiva que manteve com o país no início dos anos setenta, antes que toda a região do Cone Sul
región del Cono Sur se volviera oscura y ácida. La dictadura que gobernaba Brasil reprimía, arrestaba, desaparecía con lo que sobraba de los cuerpos torturados. Entre los que se rebelaban y la combatían había un código de sobrevivencia que los guiaba mientras no fueran presos: siempre tendremos Chile. Era la certidumbre del acogimiento, del amor venciendo el odio: Casablanca era aquí. París estaba allí, en Santiago… Hasta que la sensación de seguridad por contar con un puente de salvación se acabó el 11 de setiembre de 1973. Supo eso cuando cruzó por un quiosco y el título gigante en uno de los diarios derrumbó el puente: GOLPE MILITAR EN CHILE, ALLENDE MUERTO. El resto de la historia es conocido… ¡Qué recuerdos para una noche de soledad! Y Brasil sumergido otra vez en las tinieblas de la ignorancia y del autoritarismo más feroz. Mejor cambiar el rumbo de los pensamientos… Va hasta una pequeña pieza que transformó en biblioteca y busca algún consuelo. ¡Sí! Aún tiene un lugar para buscar refugio, amor y acogimiento. Siempre tendrá a Pablo Neruda, Gabriela Mistral, escritores y escritoras que la acogerán y tranquilizarán en la esperanza de días mejores. Vacía la copa de vino y siente que recupera un poco de las fuerzas. La lucha es inmensa, pero tiene que vencer su pequeña batalla e intentar cambiar el verso de la canción que dice que la copa está llena de vino tinto de sangre para un vino de Colchagua Valley.
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se tornasse escura e ácida. A ditadura que governava o Brasil reprimia, prendia, desaparecia com o que sobrava dos corpos torturados. Entre os que se rebelavam e a combatiam existia um código de sobrevivência que os guiava enquanto não fossem presos: sempre teremos o Chile. Era a certeza do acolhimento, do amor vencendo o ódio. Casablanca era aqui. Paris estava ali, em Santiago... Até que a sensação de segurança por contar com uma ponte de salvação acabou em 11 de setembro de 1973. Soube disso quando cruzou por uma banca de jornais e o título garrafal de um deles derrubou a ponte: GOLPE MILITAR NO CHILE, ALLENDE MORTO. O restante da história é conhecido... Que lembranças para uma noite de solidão! E o Brasil mergulhando outra vez nas trevas da ignorância e do autoritarismo mais feroz. Melhor mudar o rumo dos pensamentos... Vai até a pequena sala que transformou em biblioteca e procura algum consolo. Sim! Ainda tem um lugar para buscar refúgio, amor e acolhimento. Sempre terá Pablo Neruda, Gabriela Mistral, escritores e escritoras a lhe acolher e acalentar na esperança de dias melhores. Entorna o cálice de vinho e sente que recupera um pouco das forças. A luta é imensa, mas tem que vencer a sua pequena batalha e tentar mudar o verso da canção que diz que o cálice está cheio de vinho tinto de sangue para um vinho de Colchagua Valley.
Heloisa Helena Rodrigues
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DE PORTO ALEGRE A KANDAHAR Mila siempre se despierta temprano, aunque está jubilada. Aquella mañana, escapó de la rutina cuando encendió la tele. Quedó paralizada por lo que vio: Afganistán en guerra total. Las escenas le hacen acordar la caída de Saigón, al final de la Guerra del Vietnam, en 1975: violencia, desesperación, fugas alucinadas. Aún en choque con las imágenes de los Talibanes volviendo a Cabul, y sus consecuencias, decide salir. Respirar el aire frío de aquel domingo de invierno travestido de primavera: el cielo azul, las azaleas floridas, un escenario de paz. El reverso de aquella matanza mostrada en la televisión. Camina sin rumbo, hasta que es interrumpida por un olor muy agradable. Se da cuenta de que está enfrente a la confitería del Francés: son las empanadas fritas, exclama. No se resiste y entra. La alegría es mayor cuando la vendedora dice que ella tiene que esperar porque están terminando de freírlas. ¡Empanadas recién salidas del sartén! La pandemia no permite que las coma allí. Sale apurada hacia la casa. En el semáforo, aparece un niño al lado suyo. Debe tener ocho, nueve años, debilucho, poca ropa para aquel frío. Esos niños habían desaparecido de las calles, abrigados en escuelas, en hogares mínimamente surtidos. La crisis los hizo volver. Él ofrece dos bolsas plásticas de basura por tres reales, cuatro bolsas por cinco: Necesito vender para ayudar en casa, 120
DE PORTO ALEGRE A KANDAHAR Mila sempre acorda cedo, mesmo aposentada. Naquela manhã, fugiu da rotina quando ligou a TV. Ficou paralisada pelo que viu: o Afeganistão em guerra total. As cenas lembram a queda de Saigon, no final da Guerra do Vietnã, em 1975: violência, desespero, fugas alucinadas. Ainda chocada com as imagens dos Talibãs retornando a Cabul, e suas consequências, resolve sair. Respirar o ar frio daquele domingo de inverno travestido de primavera: o céu azul, as azaléas floridas, um cenário de paz. O avesso daquela carnificina mostrada pela televisão. Anda sem rumo, até que é interrompida por um cheiro muito agradável. Se dá conta que está em frente da Confeitaria do Francês: são os pastéis, exclama. Não resiste e entra. A alegria é maior quando a vendedora diz que ela precisa esperar porque estão terminando de fritá-los. Pasteis saindo da frigideira! A pandemia não permite que os coma ali. Sai apressada em direção à casa. Na sinaleira, surge um menino ao seu lado. Deve ter oito, nove anos, franzino, poucas roupas para aquele clima frio. Essas crianças tinham sumido das ruas, abrigados em escolas, em lares minimamente supridos. A crise os fez retornar. Ele oferece dois sacos plásticos de lixo por três reais, quatro sacos por cinco reais: Preciso vender pra ajudar lá em
dice. Contra sus convicciones de no dar dinero a niños en la calle, Mila le da cinco reales. Y no acepta las bolsas: Vendélas de nuevo… Él agradece con entusiasmo y ella se da cuenta de la mirada del gurí, que se fija en la bolsa de la confitería. Le da una empanada, aún calentita, envuelta en una servilleta. Con la alegría de quien está con hambre y acaba de ganar un mundo de abundancia, él parece no creer en lo que está ocurriendo. En ese momento, surge otro niño, tal vez su hermano por la semejanza, ofreciendo las mismas bolsas de basura. – Ya le compré a él, contesta Mila. – Sí, ella me compró a mí. Bajo la mirada de decepción, ella agarra en la bolsa la empanada que había sobrado y se la ofrece. Antes que la agarre, el hermano le grita: ¡No, esa es de la señora! Yo comparto la mía. – No, hay una empanada para cada uno. – Yo comparto la mía, dice él, apoyado por el otro. – Está decidido, una empanada para cada uno. Ella cruza la avenida con los ojos llenos de lágrimas. No volverá al Francés aquel día, pero no hay problema. Se acuerda de las escenas de Kandahar: niñas y mujeres oprimidas, sin el derecho de dejar que el sol les ilumine el rostro. Niños y hombres enseñados a odiar y a matar, sin saber que es la solidaridad. Pero siempre hay esperanza de cambios. Tal vez un día los niños de Kandahar aprendan con los niños de Porto Alegre a compartir empanadas.
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casa, diz. Contra suas convicções de não dar dinheiro para crianças de rua, Mila entrega a ele cinco reais. E recusa os sacos: Vende novamente... Ele agradece com entusiasmo e ela percebe o olhar do guri fixo na sacola da confeitaria. Entrega-lhe um pastel, ainda quentinho, enrolado em um guardanapo. Com a alegria de quem está com fome e acaba de ganhar um mundo de fartura, ele parece não acreditar no que está acontecendo. Neste momento, surge outro menino, talvez seu irmão pela semelhança, oferecendo os mesmos sacos de lixo. – Já comprei dele, responde Mila. – É, ela comprou de mim. Sob o olhar de desapontamento, ela pega na sacola o pastel que sobrara e lhe oferece. E, antes que ele o agarre, o irmão grita: – Não, esse é da senhora! Eu divido o meu pastel contigo. – Não, é um pastel para cada um de vocês. – Eu divido o meu, diz ele, apoiado pelo outro. – Está decidido, um pastel para cada um. Ela atravessa a avenida com os olhos cheios de lágrimas. Não voltará ao Francês naquele dia, mas não tem importância. Lembra-se das cenas de Kandahar: meninas e mulheres oprimidas, sem o direito sequer de deixar o sol iluminar seus rostos. Meninos e homens ensinados a odiar e a matar, sem saber o que é solidariedade. Mas sempre há esperança de mudanças. Talvez um dia os meninos de Kandahar aprendam com os meninos de Porto Alegre a dividir pastéis.
Heloisa Helena Rodrigues
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Maria Dalva Rodrigues Sempre gostei de ciências exatas. Português, meu tormento. Mas adorava ler. E a literatura foi cutucando em mim a vontade de escrever. Aos poucos, fui criando histórias reais e imaginadas. Sem tempo e sem disciplina, foi adormecendo a inspiração para narrar contos. Agora, aposentada da Caixa e graças à AGEA e à Oficina do escritor Alcy Cheuiche, o entusiasmo para a escrita reacendeu e eis-me aqui participando de um livro com contistas brilhantes. Siempre me gustaron las Ciencias Exactas. Portugués, mi tormento. Pero me encantaba leer. Y la literatura me fue despertando la ganas de escribir. Poco a poco, fui creando historias reales e imaginadas. Sin tiempo y sin disciplina, fue durmiéndose en mí la inspiración para narrar cuentos. Ahora, jubilada de la Caixa y gracias a la AGEA y al Taller del escritor Alcy Cheuiche, el entusiasmo para la escritura volvió a encenderse y heme aquí participando de un libro con cuentistas brillantes.
CALLEJÓN DEL LODO Silvia anda con destreza, equilibrándose en el lodo resbaladizo. El callejón, bordeado por una zanja con mal olor, es estrecho. El suelo está encharcado por la lluvia torrencial que cayó toda la noche. Lleva al hijo de cuatro años en los brazos. Va a cargarlo hasta la casa de la esquina donde está escrito en una tabla en el portón: Se cuidan niños. Este chiquilín está pesado, piensa, mientras acomoda mejor al niño en sus brazos. Le duele la espalda, la mochila sobrecargada agrava el dolor. La luvia vuelve a empezar. Las personas vienen y van despacio, con cuidado, pero Silvia tiene prisa. No puede perder el ómnibus, no quiere llegar tarde, necesita el empleo. En la guardería improvisada, bajo el intenso aguacero, Silvia deja al hijo y la mochila con alimentos, una muda de ropa y juguetes. Hoy, va a buscar una oferta de carne o pollo en el supermercado. Hace más de una semana, su niño no come ni siquiera un pedacito. Las hijas de la patrona mandan algunos juguetes para su hijo. En su mayoría están rotos o son de nena, pero ¿quién se fija? No soy prejuiciosa y mi niño tampoco será, dice, con orgullo. Desea evolucionar cada día más y está decidida a cursar Secundaria y, quién sabe, la facultad de Trabajo Social. Quiere ayudar a sus iguales, promoviendo bienestar y protección a los desamparados. Necesita mucho estudiar. Cuando pequeña, se recusaba ir a la escuela. Disléxica, sufría bullying de los compañeros y profesores.
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BECO DA LAMA Silvia anda com destreza, equilibrando-se na lama escorregadia. O beco, ladeado por valão mau cheiroso, é estreito. O solo está encharcado pela chuva torrencial que caiu a noite toda. Leva o filho de quatro anos no colo. Vai carregá-lo até a casa da esquina onde está escrito em uma tábua no portão: Cuida-se de crianças. Este guri está ficando pesado, pensa, enquanto ajeita melhor o menino em seus braços. As costas lhe doem, a mochila sobrecarregada agrava a dor. A chuva recomeça. As pessoas vêm e vão devagar, com cuidado, mas Silvia tem pressa. Não pode perder o ônibus, não quer chegar atrasada, precisa do emprego. Na creche improvisada, sob intenso aguaceiro, Silvia deixa o filho e a mochila com alimentos, uma muda de roupa e brinquedos. Hoje, vai procurar uma oferta de carne ou frango no supermercado. Há mais de uma semana, seu menino não come um pedacinho sequer. As filhas da patroa mandam alguns brinquedos para o seu filho. A maioria está quebrada ou é de menina, mas quem liga? Não sou preconceituosa e o meu menino também não será, diz, com orgulho. Deseja evoluir cada dia mais e está decidida a cursar o ensino médio e, quem sabe, a Faculdade de Assistência Social. Quer ajudar seus iguais, promovendo bem-estar e proteção aos desamparados. Precisa muito estudar. Quando pequena, recusava-se a ir à escola. Disléxica, sofria bullying dos colegas e dos professores.
A pesar de la dificultad para la lectura, a Silvia le gusta escribir. No muestra a nadie sus escritos. Los errores de ortografía, según ella, son vergonzosos. ¿Y quién tendría interés en leer sobre su vida y sus dolores? ¿O en historias nada brillosas o poéticas sobre la favela y sus favelados? ¿O sobre casas de tablas desteñidas, sin instalaciones de saneamiento, construidas lado a lado, donde todos comparten el ruido, el olor a comida y a aguas servidas? Antes de subirse al ómnibus, mira, una vez más, la zanja peligrosamente llena. ¡Ojalá no se desborde! Pinté la casa hace tan poco… Los muebles están puestos sobre ladrillos, pero el agua fétida trae suciedad, ratones y víboras. Silvia sabe que si estuviera casada, la vida sería más fácil, pero permanecer al lado del marido violento o tener el mismo destino amargo de la madre no era una opción. En el ómnibus, una muchacha lee un artículo sobre Frida Kahlo. Sabe un poco sobre el personaje: mexicana, pintora, feminista. Quiere saber más. Admira mujeres valientes. Le gustaría ser igual, pero considera a Frida muy lejana a su realidad: brasileña, disléxica, madre soltera, limpiadora, favelada, vecina del Callejón del Lodo, casa azul.
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Apesar da dificuldade para a leitura, Silvia gosta de escrever. Não mostra para ninguém os seus escritos. Os erros de ortografia, segundo ela, são vergonhosos. E quem teria interesse em ler sobre a sua vida e as suas dores? Ou em histórias nada brilhosas ou poéticas sobre a favela e os seus favelados? Ou sobre casas de tábuas desbotadas, sem saneamento básico, construídas lado a lado, onde todos dividem o barulho, o cheiro de comida e de esgoto? Antes de entrar no ônibus, olha, mais uma vez, para o valão perigosamente cheio. Tomara que não transborde! Pintei a casa há tão pouco tempo... Os móveis estão assentados sobre tijolos, mas a água fétida traz sujeira, ratos e cobras. Silvia sabe que se estivesse casada, a vida seria mais fácil, mas permanecer ao lado do marido violento e ter o mesmo destino amargurado da mãe não era uma opção. No ônibus, uma moça lê uma matéria sobre Frida Kahlo. Sabe um pouco sobre a personagem: mexicana, pintora, feminista. Quer saber mais. Admira mulheres valentes. Gostaria de ser igual, mas considera Frida muito longe da sua realidade: brasileira, disléxica, mãe solteira, doméstica, favelada, moradora no Beco da Lama, casa azul.
Maria Dalva Rodrigues
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TARDE DE AMOR La realidad, sin imaginación, es la mitad de realidad. LUIS BUÑUEL
En el reloj de péndulo suenan las diez campanadas. Funciona bien con relación a las horas, pero los golpes no coinciden. A Teresa no le importa y lo deja donde está, donde siempre ha estado. Le da cuerda siguiendo la rutina heredada de los padres. El tiempo no se detiene, estando el reloj calibrado o no. Y, así, en constante movimiento, marcó su rostro con surcos profundos y pinceló sus cabellos con blanco. Arrugas son historias de vida. ¿Pero qué vida? ¿Qué historia? Hija única, Teresa fue criada con rigor excesivo. Raras diversiones, comunes a los jóvenes de la época, le permitieron. Solo eran autorizadas después de una rigurosa investigación realizada por la madre. El padre daba el veredicto. Era exhaustivo, humillante. Muchachos nunca eran bienvenidos. Recibidos con desconfianza y desprecio arrogante, no volvían más. Con la muerte del jefe de la casa, su madre redobló los cuidados con la honra de la familia. Preocupada en exceso, controlaba la casa con mano de hierro. Teresa se fue cansando, encogiendo sus voluntades, sus instintos. No tenía profesión, empleo ni amigos. En casa, con la fachada sobre la calle y sin jardín, la ventana era una distracción para Teresa. Todas las tardes, se 130
TARDE DE AMOR A realidade, sem imaginação, é a metade da realidade. LUIS BUÑUEL
O relógio de pêndulo dá dez badaladas. Funciona bem em relação às horas, mas as batidas não coincidem. Teresa não liga e o deixa onde está, onde sempre esteve. Dá corda seguindo a rotina herdada dos pais. O tempo não para estando o relógio calibrado ou não. E, assim, em constante movimento, marcou seu rosto com sulcos profundos e pincelou seus cabelos com branco. Rugas são histórias de vida. Mas que vida? Que história? Filha única, Teresa foi criada com rigor excessivo. Raras diversões, comuns aos jovens da época, lhe foram permitidas. Só eram autorizadas depois de uma rigorosa investigação realizada pela mãe. O pai dava o veredicto. Era exaustivo, humilhante. Rapazes nunca eram bem-vindos. Recebidos com desconfiança e desprezo arrogante, não voltavam mais. Com a morte do chefe da casa, sua mãe redobrou os cuidados com a honra da família. Preocupada em excesso, controlava a casa com mão de ferro. Teresa foi cansando, encolhendo suas vontades, seus instintos. Não tinha profissão, emprego ou amigos. Na casa, sem recuo nem jardim, a janela era uma distração para Teresa. Todas as tardes, debruçava-se sobre o
asomaba al parapeto observando el ir y venir de las personas y coches. Un día, ella lo vio: no era bonito, pero, cuando sus ojos seductores encontraron los de ella, una llama casi extinta incendió a Teresa. Su madre, en la época, andaba a las vueltas con señoras que hacían tejido solidario. Tejían ropitas para bebés carenciados, mientras deshilaban la vida ajena. Instada a juntarse al grupo, Teresa recusó: no tenía edad, aunque no era tan joven. Las horas que pasaba sola las dedicaba a preparativos para el anhelado encuentro. Por el aura romántica que había creado en sus devaneos, a falta de un nombre, le decía Romeo. Con una sonrisa galante, él la saludaba. Teresa contestaba con aire enamorado. Una sorprendente tarde sin temores, lo esperó en la puerta de casa. Romeo se acercó, la empujó para dentro y con el pie cerró la puerta. La agarró por los brazos, la forzó contra la pared y puso el cuerpo pegado al de ella. La proximidad de sus labios, el olor de su piel, el perfume cítrico de la loción after shave despertaron en Teresa todos los deseos sepultados. Se entregó allí, en el hall de entrada, sobre las frías baldosas portuguesas. En los días siguientes y después y mucho después, Teresa esperó. Romeo nunca más volvió. No hubo tristeza ni arrepentimiento. No hubo decepción o despecho. Se siente agradecida a Romeo por su única tarde de amor.
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parapeito observando o vaivém de pessoas e carros. Um dia, ela o viu: não era bonito, mas, quando seus olhos sedutores encontraram os dela, uma chama quase extinta incendiou Teresa. Sua mãe, na época, andava às voltas com senhoras que realizavam tricô solidário. Teciam roupinhas para bebês carentes, enquanto desfiavam a vida alheia. Instada a juntar-se ao grupo, Teresa recusou: não tinha idade, embora não fosse tão jovem. As horas passadas sozinhas eram dedicadas em preparativos para o ansiado encontro. Pela aura romântica que criara em seus devaneios, na falta de um nome, chamava-o de Romeu. Com um sorriso galante, ele a cumprimentava. Teresa respondia com ar namorador. Em uma tarde de surpreendente destemor, esperou-o na porta de casa. Romeu aproximou-se, empurrou-a para dentro e com o pé fechou a porta. Agarrou-a pelos braços, forçou-a contra a parede e colocou o corpo junto ao dela. A proximidade de seus lábios, o cheiro de sua pele, o perfume cítrico da loção pós barba acordaram em Teresa todos os desejos sepultados. Entregou-se ali mesmo, no hall de entrada, sobre os frios ladrilhos portugueses. Nos dias seguintes e depois e muito depois, Teresa esperou. Romeu nunca mais voltou. Não houve mágoa ou arrependimento. Não houve decepção ou despeito. Sente-se grata a Romeu por sua única tarde de amor.
Maria Dalva Rodrigues
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ENTRE CUENTOS Y TORTAS La vida no es la que uno vivió, sino la que recuerda y cómo la recuerda para contarla. GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ
Yo aún no había hecho la valija. Como siempre, lo haría a último momento. El auto ya estaba revisado. Lo demás, todo listo. Hace seis años, desde el nacimiento de Luisa, cumplía la misma programación: en marzo, ir a su cumpleaños, en el interior del estado. Comparecía por amor a la niña y para rever a los parientes queridos. Estaba ansiosa por encontrarlos, me hace bien pasar un tiempo con ellos, ser envuelta en alegría y cariño. Las informaciones sobre la pandemia de COVID-19 empiezan a dominar los noticieros. Reportajes preocupantes muestran la tragedia en curso. Los relatos son cada vez más asustadores. El espíritu de la muerte abraza Europa. Atrás de tapabocas, el mundo llora. Hace mucho dejé de ser joven, formo parte del grupo de riesgo. Decido, a regañadientes, no viajar. No hago idea de que esa será la primera de una serie de renuncias que haré durante el año. Vivo solita y, además de la quietud, me gusta la autonomía que eso me proporciona. Entonces, ¿por qué la soledad pesa tanto, ahora, en el confinamiento? Es raro ver la vida 134
ENTRE CONTOS E BOLOS A vida não é aquela que a gente viveu, mas aquela que a gente lembra e como a lembra para contá-la. GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ
Eu ainda não havia arrumado a mala. Como de praxe, o faria na última hora. O carro já estava revisado. De resto, tudo pronto. Há seis anos, desde o nascimento de Luísa, cumpria a mesma programação: em março, ir ao seu aniversário, no interior do estado. Comparecia por amor à menina e para rever parentes queridos. Estava ansiosa para encontrá-los, me faz muito bem passar um tempo com eles, ser envolvida em alegria e carinho. As informações sobre a pandemia de COVID-19 começam a dominar os noticiários. Reportagens preocupantes dão conta da tragédia em curso. Os relatos são cada vez mais assustadores. O espírito da morte abraça a Europa. Atrás de máscaras, o mundo chora. Há muito deixei de ser jovem, faço parte do grupo de risco. Decido, a contragosto, não viajar. Não faço ideia de que essa será a primeira de uma série de renúncias que farei durante o ano. Moro sozinha e, além da quietude, gosto da autonomia que isso me proporciona. Então, por que a solidão pesa tanto agora, no confinamento? É estranho ver a vida passando pela
pasando por la ventana, sin mi interferencia, como simple espectadora. Sufro por los momentos que serán irrecuperables, como el crecimiento de los nietos lejos de mis ojos. Extraño los almuerzos de familia. Las visitas rápidas y a la distancia de los hijos me llevan del contentamiento a la melancolía. Hay mucho por hacer en casa, ¿por qué esta inquietud, esta desatención? Los días se volvieron largos, aburridos, empapados de alcohol en gel. Para aplacar la ansiedad, empiezo a hacer tortas y dulces para mandar a los nietos, junto con todo mi amor represado. El aroma de las tortas invade la casa, volviendo más leve y dulzón el confinamiento. El enorme silencio en casa no ayuda en nada a la falta de concentración. La literatura, amiga desde siempre, a principio fue difícil, arisca. Con mucha persistencia y gracias al Taller de Cuentos, ella vuelve despacito y va llenando de encantamiento los vacíos de la casa, y es un consuelo para el cuerpo y el alma. El compromiso asumido, el encuentro virtual con el maestro Alcy Cheuiche y los compañeros, el intercambio de informaciones y los conocimientos adquiridos pintan con nuevos colores el aislamiento. Envuelta en historias y sabores, me sumerjo en la literatura de lengua española. Entonces, si algún día me preguntan cómo pasé la pandemia, en paz, contestaré: – Entre cuentos y tortas.
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janela, sem a minha interferência, como simples espectadora. Sofro pelos momentos que serão irrecuperáveis, como o crescimento dos netos longe dos meus olhos. Sinto falta dos almoços de família. As visitas rápidas e a distância dos filhos me levam do contentamento à melancolia. Há muito por fazer em casa, por que esta inquietude, esta desatenção? Os dias se tornaram longos, monótonos, encharcados de álcool em gel. Para aplacar a ansiedade, começo a fazer bolos e doces para mandar para os netos, junto com todo o meu amor represado. O aroma dos bolos invade a casa, tornando mais leve e adocicado o confinamento. O enorme silêncio em casa não ajuda em nada a falta de concentração. A literatura, amiga desde sempre, a princípio foi difícil, arisca. Com muita persistência e graças à Oficina de Contos, ela volta de mansinho e vai preenchendo de encantamento os vazios da casa, sendo conforto para o corpo e a alma. O compromisso assumido, o encontro virtual com o mestre Alcy Cheuiche e os colegas, a troca de informações e os conhecimentos adquiridos pintam com novas cores o isolamento. Envolvida em histórias e sabores, mergulho na literatura de língua espanhola. Então, se algum dia me perguntarem como passei a pandemia, em paz, responderei: – Entre contos e bolos.
Maria Dalva Rodrigues
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NO PASA NADA Todos tenemos dentro una reserva de fuerza insospechada, que emerge cuando la vida nos pone a prueba. ISABEL ALLENDE
Martina, chilena, veinticuatro años, vive en Santiago con el marido, Carlos, brasileño, asilado político. Hace poco más de un año, se conocieron en un comicio de la Juventud Comunista. Los dos tienen gran sensibilidad ante las injusticias y ambicionan cambios que vuelvan la sociedad mejor. Ella trabaja, estudia y sus planes inmediatos son iguales a los de cualquier joven: simples y leves. En el momento, su preocupación mayor es la organización del casamiento del hermano el sábado. Hoy es martes, hay que agilizarse. Ayer, en función de los bloqueos militares, enfrentó dificultades para acercarse al aeropuerto, adonde fue a buscar la lona que ahora su padre y ella ponen sobre la parra. En verdad, mucho antes del fracasado Tancazo, en junio, cuando el Regimiento de Blindados se sublevó solito contra el gobierno de Salvador Allende, la vida en Santiago ya no tiene más las certidumbres del pasado. Tina no lo sabe, pero hoy su vida va a cambiar. En los próximos cinco meses, ella andará de casa en casa, escondiéndose amedrentada. Todos los días tendrá noticias de amigos llevados al Estadio Nacional, desaparecidos o muertos. En las 138
NO PASA NADA Todos temos dentro de nós uma reserva de força de forma insuspeita, que emerge quando a vida nos põe à prova. ISABEL ALLENDE
Martina, chilena, vinte e quatro anos, mora em Santiago com o marido Carlos, brasileiro, asilado político. Há pouco mais de um ano, conheceram-se em um comício da Juventude Comunista. Os dois têm grande sensibilidade diante de injustiças e ambicionam por mudanças que tornem a sociedade melhor. Ela trabalha, estuda e seus planos imediatos são iguais aos de qualquer jovem: simples e leves. No momento, sua preocupação maior é a organização do casamento do irmão no sábado. Hoje é terça-feira, é preciso agilizar. Ontem, em função de bloqueios militares, enfrentou dificuldades para chegar perto do aeroporto, onde foi buscar a lona que agora ela e seu pai colocam em cima da parreira. Tem escutado fortes rumores de um golpe de Estado no Chile. Na verdade, muito antes do fracassado Tancazo, em junho, quando o Regimento de Blindados se sublevou sozinho contra o governo de Salvador Allende, a vida em Santiago já não tem mais as certezas do passado. Tina não sabe, mas hoje sua vida vai mudar. Nos próximos cinco meses, ela andará de casa em casa, escondendo-se amedrontada. Todos os dias, terá notícias de amigos levados
Embajadas, será inútil buscar refugio, no habrá más lugares para perseguidos políticos. Después de muchas cartas enviadas a diversos países y una angustiante espera, conseguirá autorización de asilo. Humillada y escoltada por varios militares, será embarcada en un avión para Lima, en Perú. Al día siguiente, La Habana. Carlos podrá quedarse como invitado en Cuba, pero ella tendrá que partir. Solita, embarazada y sin hablar una palabra en francés, Tina llegará a París, en 1974, como asilada política. Después de un corto período, será transferida para la ciudad de Besançon, en la región de Borgoña, donde tendrá clases del idioma y trabajará en una peluquería. Reencontrará a Carlos solamente tres años después. Con la amnistía brasileña, ellos fijarán residencia en Brasil. Solo en 1987, Tina podrá volver a su amado Chile y rever a sus padres. A las once y cincuenta minutos, del día 11 de setiembre de 1973, Tina piensa en el lindo vestido azul que jamás usará en el casamiento del hermano, cuando escucha el ruido de una explosión para los lados de La Moneda. – ¡¿Papá?! – ¡Tranquila, hija! No pasa nada.
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para o Estádio Nacional, desaparecidos ou mortos. Nas Embaixadas, será inútil procurar refúgio, não haverá mais vagas para perseguidos políticos. Depois de muitas cartas enviadas a diversos países e uma angustiante espera, conseguirá autorização de asilo. Humilhada e escoltada por vários militares, será embarcada em um avião para Lima, no Peru. No dia seguinte, Havana. Carlos poderá ficar como convidado em Cuba, mas ela terá que partir. Sozinha, grávida e sem falar uma palavra em francês, Tina chegará em Paris, em 1974, como asilada política. Após um curto período, será transferida para a cidade de Besançon, na região de Borgonha, onde fará aulas do idioma e trabalhará em um salão de beleza. Reencontrará Carlos somente três anos depois. Com a anistia brasileira, eles fixarão residência no Brasil. Apenas em 1987, Tina poderá voltar ao seu amado Chile e rever seus pais. Às onze horas e cinquenta minutos, do dia 11 de setembro de 1973, Tina pensa no lindo vestido azul que jamais usará no casamento do irmão, quando escuta o barulho de uma explosão lá para os lados de La Moneda. – ¡¿Papá?! – ¡Tranquila, hija! No pasa nada.
Maria Dalva Rodrigues
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Marinês Castilho Romeu Sou nascida e criada na capital rio-grandense, mas em minhas veias corre o sangue espanhol do povo das terras de Andaluzia. Meus contos, histórias e sonhos de vida, dedico aos meus antepassados que aqui chegaram buscando na América uma vida melhor. Gratidão por suas lutas, por seus ensinamentos e pelo legado de trabalho e honestidade! Soy nacida y criada en la capital ríograndense, pero en mis venas corre la sangre española del pueblo de las tierras de Andalucía. Mis cuentos, historias y sueños de vida, dedico a mis antepasados que aquí llegaron buscando en América una vida mejor. ¡Gratitud por sus luchas, por sus enseñanzas y por el legado de trabajo y honestidad!
BARCELONA DE GAUDÍ El invierno riograndense es casi siempre de hacer doler los huesos, pensaba Inés. Temperaturas muy bajas, vientos fuertes y, este último fin de semana de junio del 2021, lluvias intensas, rayos y truenos hicieron que ella quedara recluida en su cuarto. Una cama calentita, torta de chocolate, café negro humeante y pop fueron sus compañeros; entre una merienda y otra, dormía, en el embalo de la sinfonía de las gotas de lluvia que golpeaban la ventana, mientras pensaba en sus planes de viaje para conocer España. Se acordó de la amiga que siempre decía que ella no podría dejar de visitar Barcelona, a pesar de que Andalucía es la tierra de sus antepasados. Entre lecturas, investigaciones y fotos, descubrió las obras arquitectónicas de Antoni Gaudí. Necesitaría muchos días para conocerlas todas, pero empezó por la obra prima, la Sagrada Familia, empezada en 1882 y con término previsto solamente en el 2026. Se imaginó vestida de novia, en la cabeza una tiara engastada de brillantes, el vestido reflejando pedrerías bajo las luces de la iglesia que más parecía un castillo. Ella linda, caminaba hacia el altar donde un príncipe la estaba esperando. En un segundo él le agarraba la mano y bailaban al son de un piano, como en bailes de la realeza. Siguió y fue a conocer la Casa Milà. En la esquina, mirando desde el otro lado de la calle, imaginó un gran barco 144
BARCELONA DE GAUDÍ O Inverno gaúcho é quase sempre de doer os ossos, pensava Inês. Temperaturas muito baixas, ventos fortes e, neste último fim de semana de junho de 2021, chuvas intensas, raios e trovões fizeram com que ela ficasse reclusa em seu quarto. Cama quentinha, bolo de chocolate, café preto fumegante e pipoca foram seus companheiros. Entre um lanche e outro, cochilava, no embalo da sinfonia dos pingos de chuva batendo na janela, enquanto pensava em seus planos de viagem para conhecer a Espanha. Lembrou-se da amiga que sempre dizia que ela não poderia deixar de visitar Barcelona, apesar de que a Andaluzia é a terra de seus antepassados. Entre leituras, pesquisas e fotos descobriu as obras arquitetônicas de Antoni Gaudí. Precisaria de muitos dias para conhecer todas, mas iniciou pela obra prima, A Sagrada Família, iniciada em 1882 e com término previsto somente em 2026. Imaginou-se vestida de noiva, na cabeça uma tiara cravejada de brilhantes, o vestido refletindo pedrarias sob as luzes da igreja que mais parecia um castelo. Ela, linda, caminhava em direção ao altar onde um príncipe a estava esperando. Em um segundo ele pegava a sua mão e dançavam ao som de um piano, como em bailes da realeza. Seguiu e foi conhecer a Casa Milà. Na esquina, olhando do outro lado da rua, imaginou um grande navio ancorado,
anclado, con sus balcones, con vista hacia el mar, y los viajeros disfrutando el confort de un crucero. Podría ser allí su luna de miel. Como aún estaba muy frío, Inés decidió dejar para otro día la visita a la Casa Batlló. Quería conocer también la Casa Vicens, famosa por ser el primer proyecto de Gaudí, en la década de 1880. Inés entró y se imaginó viviendo allí con su príncipe. La Casa Vincens, inspirada en la naturaleza, le encantó. Las hojas de palmeras enanas sirven de modelo a las rejas de hierro que circundan la edificación; azulejos verdes con dibujos de clavos de olor, paredes de estuque, jardín de magnolias y rosas recuerdan un paraíso oriental. En el piso superior está el área íntima de la familia Vicens, los antiguos propietarios, con ocre y blanco como colores principales. Cansada, Inés se acuesta en la cama y ve a su príncipe entrando en la suite. Lindo, elegante, cabellos peinados, listo para tomarla en sus brazos después de la ceremonia en la Sagrada Familia. Sebastián se acerca y, cuando los labios se van a tocar, un relámpago acompañado de un fuerte trueno hace estremecer la cama. Inés se levanta asustada; sale tanteando en la oscuridad y se golpea en el escritorio. Entonces se da cuenta de que no le había dado el tiempo… La visita a la terraza quedará para la próxima siesta. Y el beso del príncipe, quién sabe, será bajo la luz de la luna en la terraza de la Casa Vicens.
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com suas sacadas, com vista para o mar, e os viajantes usufruindo do conforto de um cruzeiro. Poderia ser ali a sua lua de mel. Como estava ainda muito frio, Inês resolveu deixar para outro dia a visita à Casa Batlló. Queria também conhecer a Casa Vicens, famosa por ser o primeiro projeto de Gaudí, na década de 1880. Inês entrou e se imaginou morando ali com seu príncipe. A Casa Vicens, inspirada na natureza, a encantou. As folhas de palmeiras-anãs servem de modelo às grades de ferro que circundam a edificação; azulejos verdes com desenhos de Cravo-da-índia, paredes de estuque, jardim com Magnólias e Rosas lembram um paraíso oriental. No andar superior está a área íntima da família Vicens, antigos proprietários, tendo ocre e branco como cores principais. Cansada, Inês deita-se na cama e vê o seu príncipe entrando na suíte. Lindo, altivo, cabelos alinhados, pronto para tomá-la em seus braços após a cerimônia na Sagrada Família. Sebastian se aproxima e, quando os lábios vão se tocar, um relâmpago acompanhado de forte trovão, faz estremecer a cama. Inês levanta-se assustada; sai tateando na escuridão e bate na escrivaninha. Então se dá conta que não havia dado tempo. A visita ao terraço ficará para o próximo cochilo. E o beijo do príncipe, quem sabe, será ao luar no terraço da Casa Vicens.
Marinês Castilho Romeu
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SOLAMENTE CINCO AÑOS Inés se despierta y, por la ventana, ve la niebla en este día frío y grisáceo. Recuerda el invierno del 2019 y su viaje con la familia al Uruguay. Del Chuy a Colonia de Sacramento, pasando por Punta del Este y por la encantadora Montevideo con sus playas, plazas, cafés, teatros y librerías. Cierra los ojos y se acuerda de que fue en Ciudad Vieja que conoció las obras de Mario Benedetti, en la Librería Más Puro Verso. No podría haber sido en mejor lugar, de belleza arquitectónica fuera de lo común, con su escalinata de mármol y los pasillos que nos abrazan culturalmente con sus inmensas estanterías de libros. En el piso superior, se tiene otra visión del universo literario y de un ascensor estilo antiguo con rejas de hierro, que agrega más belleza a aquel lugar. Y, para una pausa que calienta el corazón de los amantes de la literatura, aún se encuentra un acogedor espacio para café y chocolate, con vista para la Peatonal Sarandí. Mario Benedetti, nacido en Paso de los Toros el 14 de setiembre de 1920, falleció en 2009 y escribió más de ochenta libros de poesía, novelas, cuentos y también guiones de cine. A Inés le atrajeron los cuentos que vislumbró en la antología en el estante. – Mirá, Vic, qué título interesante: Historias de París, estoy curiosa por leer el cuento Cinco Años de Vida. – Me imagino, mamá. Me acuerdo siempre de tu alegría cuando lanzaron Revoada de Contos, del Taller de nuestro querido escritor Alcy Cheuiche. 148
CINCO ANOS APENAS Inês acorda e, pela janela, vê a neblina neste dia frio e cinzento. Relembra do inverno de 2019 e de sua viagem com a família para o Uruguai. Do Chuí à Colônia de Sacramento passando por Punta del Este e pela encantadora Montevidéu com suas praias, praças, cafés, teatros e livrarias. Fecha os olhos e lembra-se que foi na Ciudad Vieja que conheceu as obras de Mario Benedetti, na Librería Más Puro Verso. Não poderia ser em melhor local, de beleza arquitetônica rara, com sua escadaria de mármore e os corredores que nos abraçam culturalmente com suas imensas prateleiras de livros. No andar superior, se tem outra visão do universo literário e de um elevador estilo antigo com grades de ferro, que acrescenta mais beleza àquele local. E, para uma pausa que aquece o coração dos amantes da literatura, ainda se encontra um aconchegante espaço para café e chocolate, com vista para a Peatonal Sarandí. Mario Benedetti, nascido em Paso de los Toros em 14 de setembro de 1920, faleceu em 2009 e escreveu mais de 80 livros de poesia, romances, contos e, também, roteiros de cinema. Pelos contos, Inês foi atraída ao vislumbrar na prateleira sua coletânea. – Olha, Vic, que título interessante: Histórias de Paris, estou curiosa para ler o conto Cinco Anos de Vida. – Imagino, mãe, fico relembrando tua alegria quando foi lançado o Revoada de Contos, da Oficina do nosso querido escritor Alcy Cheuiche.
– Sí, fue pura emoción, un sueño realizado y el primer paso para tantos otros. Inés agarra el libro, va hasta el cajero. Algo en ese título le llama la atención. Ya en el cuarto del hotel, sus pensamientos le traen recuerdos de muchas épocas en que cinco años de vida cambiaron su futuro El relato del autor sobre el encuentro entre los personajes Raúl y Mirta en la estación de Bonne Nouvelle, los acontecimientos de aquella noche y el final de la historia hace que Inés cierre el libro y piense. Sí, casualidades y momentos de situaciones adversas pueden acercar a las personas, cambiar el rumbo de sus vidas y dejar marcas para siempre. Ella vuelve su pensamiento al año de 1977 y se da cuenta de cómo fue importante y decisivo: el primer empleo, el primer novio, el inicio de la facultad de Administración. Sus Cinco Años de Vida están en su memoria. En febrero de 1981 se casó, en agosto festejó su egreso en la Universidad Católica y luego empezó a trabajar en el banco Caixa Federal. A partir de entonces, su vida familiar y profesional siguieron juntas, pero no para siempre. Inés mira nuevamente por la ventana. El invierno de este año en Porto Alegre está riguroso. Se levanta y va a preparar un café, no tan delicioso como el de la Librería, pero que seguramente le calentará el corazón y le traerá más recuerdos.
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– Sim, foi pura emoção, sonho realizado e o primeiro passo para tantos outros. Inês pega o livro, se dirige ao caixa. Algo nesse título lhe chama atenção. Já no quarto do hotel, seus pensamentos lhe trazem lembranças de muitas épocas em que cinco anos de vida mudaram o seu futuro. O relato do autor sobre o encontro entre os personagens Raul e Mirta na estação de Bonne Nouvelle, os acontecimentos daquela noite e o desfecho da história fazem com que Inês feche o livro e pense. Sim, coincidências e momentos de situações adversas podem aproximar pessoas, mudar o rumo de suas vidas e deixar marcas para sempre. Ela volta o seu pensamento para o ano de 1977 e percebe como foi importante e decisivo: o primeiro emprego, o primeiro namorado, o início na Faculdade de Administração. Seus Cinco Anos de Vida estão em sua memória. Em fevereiro de 1981, casou-se; em agosto, comemorou sua formatura na PUC e logo foi admitida na Caixa Federal. A partir dali, sua vida familiar e profissional seguiram juntas, mas não para sempre. Inês olha novamente pela janela. O inverno deste ano em Porto Alegre está rigoroso. Levanta-se e vai preparar um café, não tão delicioso como o da Librería, mas que, certamente, aquecerá seu coração e trará mais lembranças.
Marinês Castilho Romeu
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UN LUTO Y DOS AMORES Su nombre era Vitor. Nació en 1927 en Rolante, en Río Grande del Sur. Era apenas un niño, huérfano de padre, que también perdió la madre quemada en un accidente doméstico, provocado por la epilepsia. A sus tres hermanos los dieron para adopción, pero Vitor Mateus Teixeira, dejado en la casa de parientes, tuvo que seguir solito en busca de sustento. Inés escucha a la madre que cuenta esta historia y pregunta cómo él se hizo famoso. – Trabajó mucho, en muchas lidias camperas, repartiendo diarios, como operador de máquinas agrícolas, pero fue con la música que se ganó la vida y quedó famoso. – Pero ¿por qué la muerte de la madre lo volvió tan conocido? – Porque, después de la tristeza que lo acometió, se volvió cantante, inspirado por el sufrimiento. Y su primera música de éxito internacional, Corazón de Luto, cuenta sobre la muerte de la madre. A partir de entonces, adopta el nombre artístico Teixeirinha, presentándose en las radios locales en la década de 1950. – ¿Y los amores, mamá? Los músicos viajan mucho, a cada lugar una nueva chance de enamorarse. – Hija, sobre eso solo puedo contarte lo que decía e, incluso, no me gusta esta parte de su vida. Inés ve en los ojos de la madre la reprobación. Esposa dedicada, amor a la antigua por el padre, les tenía terror a las conversaciones que dejaran cualquier vestigio de infidelidad. 152
UM LUTO E DOIS AMORES Seu nome era Vitor. Nasceu em 1927, em Rolante, no Rio Grande do Sul. Era apenas um menino, órfão de pai, que também perdeu a mãe, queimada em um acidente doméstico, provocado por epilepsia. Seus três irmãos foram entregues para adoção, mas Vitor Mateus Teixeira, deixado na casa de parentes, precisou seguir sozinho em busca de sustento. Inês ouve a mãe contando essa história e pergunta como ele se tornou famoso. – Trabalhou muito, em diversas lidas campeiras, entregando jornais, como operador de máquinas agrícolas, mas foi com a música que ganhou a vida e se tornou famoso. – Mas por que a morte da mãe o tornou tão conhecido? – Porque, depois da tristeza que o abateu, tornou-se cantor, inspirado pelo sofrimento. E a sua primeira música de sucesso internacional, Coração de Luto, conta a morte da mãe. A partir de então, adota o nome artístico de Teixeirinha, apresentando-se nas rádios locais na década de 1950. – E os amores, mamãe? Músicos viajam muito, a cada localidade uma nova chance de apaixonar-se. – Filha, quanto a isso só posso falar do que diziam e, aliás, não gosto desta parte de sua vida. Inês vê nos olhos da mãe a reprovação. Esposa dedicada, amor à moda antiga pelo pai, tinha pavor de conversas que deixassem qualquer vestígio de infidelidade. – Teixeirinha casou-se em 1957 com Dona Zoraide e teve sete filhos. Isso me parece um casamento tradicional.
– Teixeirinha se casó en 1957 con doña Zoraide y tuvo siete hijos. Esto me parece un casamiento tradicional. – Pero leí que tuvo dos hijos más, fuera del casamiento. – Los chismes de artistas son muy comunes. Mary Terezinha fue su fiel compañera y, por lo que dicen, ocupó un lugar muy especial en el corazón de luto de Vitor. Tuvieron dos hijos. Cuentan que en 1983 él fue sorprendido con un mensaje de Mary que decía: No me haré más presente en tu vida. Inés se acuerda de haber leído que Teixeirina, aquel año, había sufrido un infarto. ¿Habría estremecido su corazón con la pérdida de la acordeonista? – Si querés más detalles, hay un libro que puede ayudarte. A Gaita Nua, que sacó Mary Terezinha en 1992. – Él seguramente fue muy feliz con sus dos amores. Con la pérdida de la madre, buscó compensación de alguna forma. No debemos juzgar a quien ama. – Lo sé, y para los riograndenses lo que marcó fue su historia de luchas y éxito musical, canciones tocadas por toda América Latina, Portugal, España, Estados Unidos, Canadá. Fueron docenas de discos y álbumes, e incluso películas hizo. Por todo eso recibió el título de Rey del Disco. Inés camina hasta la estantería del living donde está el viejo tocadiscos, pone un LP en el aparato, se sirve un mate y escuchan: …late, late corazón, en el pechito de mi bien corazón que late, late quería saber por quién…
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– Mas li que teve outros dois filhos, fora do casamento. – Fofocas de artistas são muito comuns. Mary Terezinha foi sua fiel parceira e, pelo que dizem, ocupou um lugar especial no coração de luto de Vitor. Tiveram dois filhos. Contam que, em 1983, ele foi surpreendido com um bilhete de Mary que dizia: Não me farei mais presente em sua vida. Inês lembra de ter lido que Teixeirinha, naquele ano, sofrera um infarto. Teria seu coração estremecido com a perda da gaiteira? – Se você quiser mais detalhes, existe um livro que pode te ajudar. A Gaita Nua, lançado por Mary Terezinha, em 1992. – Ele, certamente, foi muito feliz com seus dois amores. Com a perda mãe, procurou compensação de alguma forma. Não devemos julgar quem ama. – Sei disso, e para os rio-grandenses o que marcou foi sua história de lutas e sucesso musical, canções tocadas por toda América Latina, Portugal, Espanha, Estados Unidos, Canadá. Foram dezenas de discos e álbuns, e até filmes ele fez. Por tudo isso, recebeu o título de Rei do Disco. Inês caminha até a estante da sala onde está o velho toca discos, coloca um LP no aparelho, serve um chimarrão e ouvem: ... bate, bate coração, no peitinho do meu bem coração que bate, bate queria saber por quem...
Marinês Castilho Romeu
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UNA MUJER Y SU DOLOR Cada tic-tac es un segundo de la vida que pasa, huye, y no se repite. Y hay en ella tanta intensidad, tanto interés, que el problema es solo saberla vivir. Que cada uno lo resuelva como pueda FRIDA KAHLO
Inés se despierta sobresaltada. Imágenes de un sueño que trae tristes recuerdos de una realidad ocurrida en un lugar pobre y sin medios, hoy conocido como Sentinela do Sul. Antes de dormirse, por una casualidad de la vida o no, Inés había hecho una lectura y conocido las obras de Frida Kahlo, la pintora mexicana que quedó famosa por retratar las propias angustias. Una pintura en especial, tantos recuerdos... Frida murió en 1954 y fue en ese año que Carmen sufrió el mismo dolor, un aborto a los ocho meses de gestación. El pueblo, conocido en la época como Fortaleza, poseía un pequeño hospital en condiciones precarias, sin aparatos para exámenes ni condiciones para una cesariana de urgencia. Carmen vivió allí el horror de ver un bebé sacado a fórceps, ya sin vida. Y aún más desesperador, ser dejado sobre el lecho hospitalar durante toda la noche, hasta que su padre o el marido fueran avisados. Los desplazamientos demoraban, hechos a caballo o en carreta. 156
UMA MULHER E SUA DOR Cada tic-tac é um segundo da vida que passa, foge, e não se repete. E há nela tanta intensidade, tanto interesse, que o problema é só saber vivê-la. Que cada um o resolva como puder. FRIDA KAHLO
Inês acorda em sobressalto. Imagens de um sonho que traz tristes recordações de uma realidade acontecida em um local pobre e sem recursos, hoje conhecido como Sentinela do Sul. Antes de adormecer, por uma coincidência da vida ou não, Inês havia feito uma leitura e conhecido as obras de Frida Kahlo, a pintora mexicana que ficou famosa por retratar as próprias angústias. Uma pintura em especial, tantas lembranças... Frida morreu em 1954 e foi nesse ano que Carmen sofreu a mesma dor, um aborto aos oito meses de gestação. O vilarejo, conhecido à época como Fortaleza, possuía um pequeno hospital em condições precárias, sem aparelhos para exames nem condições para uma cesariana de emergência. Carmen viveu ali o horror de ver um bebê retirado a fórceps, já sem vida. E ainda mais desesperador, ser deixado sobre o leito hospitalar durante toda noite, até que o seu pai ou o marido fossem avisados. Os deslocamentos eram demorados, feitos a cavalo ou de carroça.
Inés se acuerda de la escena contada por la madre, solamente en 2003, cuando nació la nieta. Fue una experiencia muy dolorosa que dejó marcas y no le gustaba revivirla. Frida Kahlo pintó esa escena, un aborto, en 1932. Uno de sus más famosos cuadros, que recibió el título Henry Ford Hospital¸ también conocido como La cama volando, que retrató el dolor más doloroso y dilacerante que una madre puede sentir. La pérdida de un hijo. Inés también la sintió en el año 2002. Y fue en ese momento, al despertarse, que pasó a entender por qué Carmen vivió ocho años con mal de Alzheimer antes de partir. Ella quería olvidar el dolor de aquel agosto de 1954, marcado también por otro dolor de la historia de Brasil, que ella siempre contaba, la extraña muerte de Getulio Vargas. Inés nunca supo exactamente lo que causó el aborto en un período tan adelantado de la gestación. Solo sabe que era una niña y del miedo que la madre le tuvo a un nuevo parto. Con la historia de su vida y de Frida Kahlo, piensa en los miles de mujeres que se exponen a ese dolor, conscientes o llevadas por decisiones ajenas. En 1958, la historia casi se repitió, pero Inés sobrevivió. ¿Habría vuelto aquella niña, por su espíritu, para vivir una vida de muchas luchas? Inés cree que sí y recuerda frases que Frida dejó. Una en especial nunca olvidará: Nunca pinto sueños o pesadillas. Pinto mi propia realidad.
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Inês relembra a cena contada pela mãe, somente em 2003, no nascimento da neta. Foi uma experiência muito dolorosa, que deixou marcas, e não gostava de reviver. Frida Kahlo pintou essa cena, um aborto, em 1932. Um dos seus mais famosos quadros, que recebeu o nome de Henry Ford Hospital, também conhecido como A Cama Voadora, que retratou a dor mais doída e dilacerante que uma mãe pode sentir. A perda de um filho. Inês também a sentiu no ano de 2002. E foi nesse momento, ao acordar, que passou a entender por que Carmen viveu oito anos com mal de Alzheimer antes de partir. Ela queria esquecer a dor daquele agosto de 1954, marcado também por outra dor da história do Brasil, que ela sempre relatava, a estranha morte de Getúlio Vargas. Inês nunca soube exatamente o que causou o aborto em período tão adiantado da gestação. Só sabe que era uma menina e do medo que a mãe sentiu de um novo parto. Com a história de sua vida e de Frida Kahlo, pensa nas milhares de mulheres que são expostas à essa dor, conscientes ou levadas por decisões alheias. Em 1958, a história quase se repetiu, mas Inês sobreviveu. Teria aquela menina, por seu espírito, retornado para viver uma vida de muitas lutas? Inês acredita que sim e relembra frases que Frida deixou. Uma, em especial, nunca esquecerá: Jamais pinto sonhos ou pesadelos. Pinto minha própria realidade.
Marinês Castilho Romeu
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Marinice Cecin Pisciana nascida no Paralelo 30. Na linguagem metafórica do que não foi esquecido, o desejo de contar o que sente através da fresta de encantamento em que vê o mundo. Conta, canta e se encanta com as vivências que a trouxeram até aqui. Para mim, escrever é libertar-se da separatividade imposta pela cultura e pelo medo. Grata pela oportunidade nesse processo. Pisciana nacida en el Paralelo 30. En el lenguaje metafórico de lo que no fue olvidado, el deseo de contar lo que se siente a través de la ranura del encantamiento en que ve el mundo. Cuenta, canta y se encanta con las vivencias que la trajeron hasta aquí. Para mí, escribir es liberarse de la separatividad impuesta por la cultura y por el miedo. Gracias por la oportunidad en este proceso.
SOLSTICIO Leocadia era bastante valiente para una niña de diez años. No temía ni el inicio del solsticio de invierno, la noche más larga del año. En verdad, quería andar solita por la mata tal cual la abuela. En la finca de doña Anita, en el interior de Canela, en la carretera que sigue para São Francisco de Paula, el paisaje de los Aparados da Serra era la exuberancia perfecta de una típica noche de invierno. Pero quienes quieren apreciar dicha belleza, no pueden temer el frío que la vuelve aún más linda. Un gorro de lana hecho por la tía Elena, bufanda, dos pares de medias, botas de goma hasta las rodillas, pantalones de abajo, pantalones de lana, dos pulóveres por debajo de la campera de nylon y guantes, la tía, entre risas, le dijo que su mayor temor era el frío. Estaba lista. Salió solita. Llevó la linterna a pila. No la encendió. Confió en la intuición que empezaba a florecer. Doña Anita la observaba desde la ventana, envuelta en un chal, orgullosa de la mujer que despertaba aquella noche. Bajó el campo abierto hacia la mata. Quería ir hasta la pedrera antes del arroyo a encontrar las inscripciones rupestres que doña Anita le había mostrado en fotos antiguas. La luna llena iluminaba su trayecto. Se acercó a las primeras araucarias, caminó sobre el pasto y reconoció los troncos de árboles caídos. Oía sus pasos en el hierba húmeda y el ruido de los grillos cri-cri-cri... cri-cri-cri... cri-cri-cri... Una que otra vez una luciérnaga pasaba cerca, como que queriendo ayudarla 162
SOLSTÍCIO Leocádia era bastante corajosa para uma menina de dez anos. Não temia nem o início do solstício de inverno, a noite mais longa do ano. Na verdade, queria andar sozinha pela mata tal qual a avó. No sítio de dona Anita, no interior de Canela, na estrada que segue para São Francisco de Paula, a paisagem dos Aparados da Serra era a exuberância perfeita de uma típica noite de inverno. Mas quem quer apreciar tal beleza, não pode temer o frio que a torna ainda mais linda. Um gorro de lã feito pela tia Helena, cachecol, dois pares de meias, botas de borracha até os joelhos, ceroulas, calça de lã, dois pulôveres por baixo do casaco de nylon e luvas, a tia, entre risos, disse-lhe que seu maior temor era o frio. Estava pronta. Saiu sozinha. Levou consigo a lanterna de pilha. Não a ligou. Confiou na intuição que começava a desabrochar. Dona Anita a observava da janela, envolta no xale, orgulhosa da mulher que despertava naquela noite. Desceu o campo aberto em direção à mata. Queria ir até a pedreira antes do riacho encontrar as inscrições rupestres que dona Anita lhe mostrara em fotos antigas. A lua cheia iluminava seu trajeto. Chegou perto das primeiras araucárias, pisou no pasto e reconheceu os troncos de árvores caídos. Ouvia seus passos na relva úmida e o ruído dos grilos cri-cri-cri... cri-cri-cri... cri-cri-cri... Vez que outra um vagalume passava perto, como querendo ajudá-la a chegar ao seu destino em segurança. A cada respiração via formar-se o vapor diante de seu rosto gelado. Às vezes ouvia a coruja:
a llegar a su destino en seguridad. A cada respiración veía formarse el vapor delante de su rostro helado. A veces oía el búho: mu-ru-cu-tu-tu... mu-ru-cu-tu-tu... pero la criatura no se asustaba. Estaba demasiado encantada para perderse con los miedos de la mente. Si los adultos alimentáramos ese mismo encantamiento, seguramente enfrentaríamos las dificultades, no seríamos paralizados por el miedo. La vida fluiría con espontaneidad y alegría. Atenta, busca la dirección del canto. ¿Por qué canta tan temprano en la noche: un enemigo acercándose o su cena escapando? El búho hace un vuelo rasante de cinco metros, ahuyentando a su posible predador. Cambia un poco el trayecto para no molestar a la pareja y los pichones. Ante la mata, Leocadia la observa atentamente y pide protección a la Pachamama como le enseñó la abuela. Mientras hace su oración percibe algo que se esconde en el arbusto de gardenias cerca de la araucaria macho. Es un arbusto enorme y, con el rocío de la noche, el perfume queda aún más embriagante. Llena bien los pulmones de aire perfumado y, en aquel silencio, percibe el sonido del arroyo. Está cerca, piensa. Sonríe y disfruta de la alegría y de la emoción que es estar allí viva, libre y sintiendo la fuerza y la belleza de aquella naturaleza salvaje… Respira profundamente, y sigue. Fin.
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mu-ru-cu-tu-tu... mu-ru-cu-tu-tu... mas a criança não se assustava. Estava encantada demais para perder-se com os medos da mente. Se adultos alimentássemos esse mesmo encantamento, certamente enfrentaríamos as dificuldades, não seríamos paralisados pelo medo. A vida iria fluir com espontaneidade e alegria. Atenta, procura a direção do canto. Por que canta tão cedo da noite: um inimigo se aproximando ou seu jantar fugindo? A coruja dá um rasante de cinco metros, afugentando o seu possível predador. Muda um pouco o trajeto para não perturbar o casal e os filhotes. Em frente à mata, Leocádia a observa atentamente e pede proteção à Pachamama como lhe ensinou a avó. Enquanto faz sua oração, percebe algo se esconder no arbusto de gardênias próximo à araucária macho. É um arbusto enorme e, com o orvalho da noite, o perfume fica ainda mais inebriante. Enche bem os pulmões de ar perfumado e, naquele silêncio, percebe o som do riacho. Está perto, pensa. Sorri e desfruta da alegria e da emoção que é estar ali viva, livre e sentindo a força e a beleza daquela natureza selvagem... Respira profundamente, e segue. Fim
Marinice Cecin
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EL GAUCHO IDEAL Sepé terminaría el liceo sin nunca haber salido de São Luiz Gonzaga, si no hubiera sido por el arranque de sus diecisiete años para vencer el miedo. Al llegar a la capital del estado, su primera visita ya es en la entrada a la ciudad. Está encantado. Mira el Monumento al Lazador con la seriedad de quien admira un fresco renacentista. Lee en su bloque de anotaciones: El homenaje al gaucho esculpido por Antonio Caringi, uno de los más grandes artistas de nuestro estado, que tuvo como modelo al tradicionalista Paixão Côrtes, se inauguró en Porto Alegre el día 20 de setiembre de 1958. Reflexivo, tal cual la madre, relee el fragmento en voz alta y escribe a continuación: ¿Quién es esa figura forjada en el bronce, de vincha en la frente, que representa la identidad del gaucho más allá de la historia oficial? Mérito de la profesora que los estimulaba a pensar y cuestionar. Él ya sabía que, en el concurso realizado en San Pablo, cuando el Lazador ganó el primer lugar, la escultura Gaucho, de Vasco Prado, quedó en segundo lugar: esa con rasgos de un lancero indígena. Eso lo molesta. Él quiere el reconocimiento de esa etnia en la cultura de Río Grande del Sur, pues, ese inmenso legado fue reconocido por Vasco Prado y por el escritor Barbosa Lessa. Sepé se daba cuenta de que sus ancestros estaban huérfanos del merecido respeto y gratitud, en esta colcha de retazos denominada cultura riograndense.
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O GAÚCHO IDEAL Sepé completaria o ensino médio sem nunca ter saído de São Luiz Gonzaga, não fosse o arroubo dos seus dezessete anos vencer o medo. Ao chegar na capital gaúcha, sua primeira visita é logo na entrada da cidade. Está encantado. Olha o Monumento ao Laçador com a seriedade de quem admira um afresco renascentista. Lê em seu bloco de notas: A homenagem ao gaúcho esculpida por Antônio Caringi, um dos maiores artista do nosso estado, tendo como modelo o tradicionalista Paixão Côrtes, foi inaugurada em Porto Alegre no dia 20 de setembro de 1958. Reflexivo, tal qual a mãe, relê o trecho em voz alta e escreve logo abaixo: Quem é essa figura forjada no bronze, de vincha na fronte, que representa a identidade do gaúcho para além da história oficial? Mérito da professora que os instigava a pensar e questionar. Ele já sabia que, no concurso realizado em São Paulo, quando o Laçador foi o primeiro colocado, a escultura Gaúcho, de Vasco Prado, ficou em segundo lugar: essa com traços de um lanceiro indígena. Isso o incomoda. Ele quer o reconhecimento dessa etnia na cultura gaúcha, pois, esse imenso legado foi reconhecido por Vasco Prado e pelo escritor Barbosa Lessa. Sepé percebia que seus ancestrais estavam órfãos do merecido respeito e gratidão, nesta colcha de retalhos denominada cultura gaúcha. Os anos se passaram e Sepé, agora editor do jornal da cidade, escreve: O gaúcho indigenista idealizado por Vasco
Pasaron los años y Sepé, ahora editor de un diario de la ciudad, escribe: El gaucho indigenista idealizado por Vasco Prado es el que mejor simboliza la formación étnica del hombre riograndense. Traer los pueblos originarios para el centro de la historia es reconocer los verdaderos pilares étnicos de nuestra formación. La herencia dejada por los pueblos guaraníes, aquí establecidos hace nueve mil años, antes de la llegada del hombre blanco, está mucho más allá de cualquier mitología romántica. Injertaron en nuestras mentes la imagen de un conquistador, tropero, muchas veces marginado, saqueador y hostil y, posiblemente, sin valores culturales definidos. Relegar la contribución de sus antepasados en la formación de la cultura riograndense es negar su merecido destaque en lo que se constituye el gaucho ideal en la historia del estado. Es tomar de asalto sus costumbres que disfrutamos diariamente, como el hábito del mate, el cultivo ancestral de la yerba, del maíz, de la mandioca, la domesticación del caballo y la fijación de la raza Criolla, entre otros conocimientos sobre el manejo de la tierra, sus leyendas y tradiciones. Mientras escribe, Sepé admira la foto enmarcada que se sacó al lado del Monumento al Lazador, el día en que lo conoció, y agradece la importancia que tiene en su vida. Lo concientizó sobre el tema y lo hizo decidir, aquel día, seguir la carrera de historia, a ejemplo de su madre, la profesora Anahy. Fin.
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Prado é o que melhor simboliza a formação étnica do homem rio-grandense. Trazer os povos originários para o centro da história é reconhecer os verdadeiros pilares étnicos da nossa formação. A herança deixada pelos povos guaranis, aqui estabelecidos há nove mil anos, antes da chegada do homem branco, está muito além de qualquer mitologia romântica. Enxertaram em nossas mentes a imagem de um conquistador, tropeiro, muitas vezes, marginalizado, saqueador e hostil e, possivelmente, sem valores culturais definidos. Relegarmos a contribuição de seus antepassados na formação da cultura rio-grandense é negarmos seu merecido destaque naquilo em que se constitui o gaúcho ideal na história do estado. É tomarmos de assalto seus costumes dos quais desfrutamos diariamente, como o hábito do chimarrão, o cultivo ancestral da erva-mate, do milho, da mandioca, a domesticação do cavalo e a fixação da raça Crioula, dentre outros conhecimentos sobre o manejo da terra, suas lendas e tradições. Enquanto escreve, Sepé admira a foto emoldurada que tirou junto ao Monumento ao Laçador, no dia em que o conheceu, e agradece a importância que tem em sua vida. Conscientizou-o sobre o tema e o fez decidir, naquele dia, cursar história, a exemplo de sua mãe, a professora Anahy. Fim.
Marinice Cecin
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NOCHE SIN FIN Yo tuve un hermano No nos vimos nunca pero no importaba. Yo tuve un hermano que iba por los montes mientras yo dormía. Lo quise a mi modo, le tomé su voz libre como el agua, caminé de a ratos cerca de su sombra. No nos vimos nunca pero no importaba, mi hermano despierto mientras yo dormía, mi hermano mostrándome detrás de la noche su estrella elegida. JULIO CORTÁZAR (PARÍS, 29 DE OCTUBRE DE 1967).
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NOITE SEM FIM Eu tive um irmão Não nos vimos nunca mas não importava. Eu tive um irmão que ia pelos montes enquanto eu dormia. O amei a meu modo, tomei sua voz livre como a água, caminhei de tempo em tempo perto de sua sombra. Não nos vimos nunca mas não importava, meu irmão acordado enquanto eu dormia, meu irmão mostrando-me detrás da noite sua estrela escolhida. JÚLIO CORTÁZAR (PARIS, 29 DE OUTUBRO DE 1967).
Aquella noche fría de casi otoño, noche de fiesta, platea llena, entradas agotadas. El público en la calle Corrientes esperaba eufórico en la cola su turno de entrar en el Teatro Gran Rex, de Buenos Aires. Muchos compraban golosinas, mientras revendedores ofrecían entradas a precios exorbitantes a los incautos. Nadie se quejaba del frío o la demora. Aquella noche fría de casi otoño, la corriente de aire de los pampas mezclaba el glamour del desfile de tajes exhibidos para ver el primer espectáculo de la gira de Toquinho y Vinícius de Moraes. A pesar de todo el entusiasmo, había una fuerte tensión por el golpe militar que se avecinaba y que, en breve, derrumbaría el gobierno de Isabelita Perón. Era el inicio de la noche sin fin… Aquella noche fría de casi otoño, la Bossa Nova, movimiento musical de la mezcla de samba con el jazz y consolidado por músicos famosos, ofrecía otro gran talento más al mundo: el pianista Francisco Tenorio Júnior. Aquella noche fría de casi otoño, Tenorio Júnior mostró ser la promesa de éxito que daría continuidad al ritmo de la balada. Su piano acompañó a los dos íconos brasileños y, así, dio el salto cuantitativo para el reconocimiento de la calidad de su música. Aquella noche fría de casi otoño, después del concierto, Tenorio Júnior salió para comprar cigarrillos y algún analgésico y acabó confundido, por una patrulla de la policía militar, como un activista político contrario al golpe. Aquella noche fría de casi otoño, Tenorio Júnior fue secuestrado, torturado y, por fin, asesinado a los treinta y tres años, dejando esposa e hijos. Aquella noche fría de casi otoño, su música nunca más tocó. Fin.
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Naquela noite fria de quase outono, noite de festa, plateia lotada, bilheteria esgotada. O público na Calle Corrientes esperava eufórico, em fila, a vez para entrar no Teatro Gran Rex, de Buenos Aires. Baleiros ofereciam guloseimas, enquanto cambistas vendiam convites por valores exorbitantes aos incautos. Ninguém reclamava do frio ou da demora. Naquela noite fria de quase outono, a corrente de ar dos pampas mesclava o glamour do desfile de trajes exibidos para assistir ao primeiro espetáculo da turnê de Toquinho e Vinícius de Moraes. Apesar de todo o entusiasmo, havia forte tensão por conta do golpe militar que se avizinhava e que, em breve, derrubaria o governo de Isabelita Perón. Era o início da noite sem fim... Naquela noite fria de quase outono, a Bossa Nova, movimento musical da mistura do samba com o jazz e consolidado por músicos famosos, ofertava mais um grande talento para o mundo: o pianista Francisco Tenório Júnior. Naquela noite fria de quase outono, Tenório Júnior mostrou ser a promessa de sucesso que daria continuidade ao ritmo da balada. Seu piano acompanhou os dois ícones brasileiros e, assim, deu o salto quantitativo para reconhecimento da qualidade de sua música. Naquela noite fria de quase outono, após o show, Tenório Júnior saiu para comprar cigarros e algum analgésico e acabou confundido, por uma patrulha da polícia militar, com um ativista político contrário ao golpe. Naquela noite fria de quase outono, Tenório Júnior foi sequestrado, torturado e, por fim, assassinado aos trinta e três anos de idade deixando esposa e filhos. Naquela noite fria de quase outono, sua música nunca mais tocou. Fim.
Marinice Cecin
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EL UNIVERSO EN MÍ Hija del vientre de Teresa Hija del amor de María Del vientre; la fortaleza De la casa; se llevó la poesía De la sangre; se vio el enojo Del amor; la expansión en alegría Del amar… ¡ahhh, María! MARINICE CECIN
Con seis años, a Leocadia le regalaron una agenda nuevita para hacer las anotaciones y dibujos que quisiera. Se sentó en la mesa de la barbacoa, en el fondo del patio, y escribió su primera página en blanco a la izquierda, un cuento sobre un lobo malo y hambriento. En la página al lado, hizo el dibujo. La madre de la niña, al leer el cuento, encantada con la trama, lo exhibió a la primera visita que estuvo en la casa días después. Entusiasmada, decía: – ¡Mirá qué inteligente es! El lobo estaba hambriento y no se dio cuenta de que se trataba de una mariposa. ¡Pensó que fuera un bife volador! Decía juntando los dedos de las manos, enfrente al rostro, dirigiéndose a la persona que la escuchaba. – ¡Un bife volador! – repetía. Leocadia intentaba entender lo que había de tan especial en un lobo hambriento que confunde mariposas con bifes y, también, estaba preocupada por el final del caso. 174
O UNIVERSO EM MIM Filha do ventre de Teresa Filha do amor de Maria Do ventre; a fortaleza Da casa; levou a poesia Do sangue; viu-se a braveza Do amor; expansão em alegria Do amar... ahhh, Maria! MARINICE CECIN
Aos seis anos, Leocádia ganhou uma agenda novinha para fazer anotações e os desenhos que quisesse. Sentou-se na mesa da churrasqueira, nos fundos do pátio, e escreveu na primeira página em branco à esquerda, um conto sobre um lobo mau faminto. Na página ao lado, fez o desenho. A mãe da criança, ao ler a historinha, encantada com o enredo o exibiu à primeira visita que esteve na casa dias depois. Entusiasmada, dizia: – Veja como ela é inteligente! O lobo estava tão faminto que não percebeu que se tratava de uma borboleta. Pensou que fosse um bife voador! Dizia juntando os dedos das duas mãos em frente ao rosto, dirigindo-se à pessoa que a ouvia. – Um bife voador! Repetia. Leocádia tentava entender o que havia de tão especial em um lobo faminto que confunde borboletas com bifes e, também, estava preocupada com o desfecho do caso.
Después de algún tiempo, una noche de domingo, miró en el noticiero sobre el encuentro de los restos de un barco naufragado en la costa brasileña, en 1864, y que victimó al poeta Gonçalves Días. Terminado el reportaje, se dirigió inmediatamente a la madre para saber quién era. La madre la llevó hasta la repisa de libros, tomó uno de los volúmenes de Tesoro de la Juventud y la hizo buscar su nombre. Fue así como conoció Canción del Exilio y lo recitó hasta sabérselo de memoria. Viendo que la niña le tomó gusto a la poesía, le dio un ejemplar de la obra Primeros Cantos. El papel de diario, visiblemente envejecido y visitado por las polillas, de la época de mocedad de la madre, le encantaba. Él tenía un libro entero de poemas, pensó inocentemente. Recitaba sus versos en voz alta en el garage de la casa, mientras caminaba al ritmo de la rima, escuchando su propio eco. Con doce años, recibió la encomienda de escribir una carta de amor, pero la madre no lo vio con buenos ojos. En esa misma época, la profesora eligió redacciones suyas para publicar en el diario semanal de la ciudad, y la madre le hizo guardarlas como recuerdo de sus primeras publicaciones. Leocadia, cuando piensa qué escribir en un cuento, crónica o poema, reconoce el origen de su amor por la literatura, pues los recuerdos con la madre le asaltan la memoria con risas. Su mentora. Instigadora de su curiosidad, entusiasmo y alegría. Aquella que confió en su potencial creativo. Sumada a eso, la delicadeza de las palabras de Tolstói: El universo comienza en el patio de nuestra casa. Pinta tu aldea y pintarás el mundo. Es verdad. Empieza en el garage y en la repisa de libros. Historias entalladas en el papel, testimonios de nuestra existencia. Y, parafraseando a Tolstói: Encanta tu alma, que encontrarás tu mundo. Fin.
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Passado um tempo, em uma noite de domingo, assistiu no telejornal sobre o encontro dos restos de um navio naufragado na costa brasileira, em 1864, e que vitimou o poeta Gonçalves Dias. Terminada a reportagem dirigiu-se imediatamente à mãe para saber quem era. A mãe a levou até a estante de livros, pegou um dos volumes do Tesouro da Juventude e a fez procurar por seu nome. Foi assim que conheceu Canção do Exílio e o recitou até sabê-lo de cor. Vendo que a menina pegou gosto pela poesia, deu-lhe seu exemplar da obra Primeiros Cantos. O papel-jornal, visivelmente envelhecido e visitado por traças, da época de mocidade da mãe, a encantava. Ele tinha um livro inteiro de poemas, pensou inocentemente. Recitava seus versos em voz alta na garagem da casa, enquanto caminhava no ritmo da rima ouvindo seu próprio eco. Aos doze anos, recebeu uma encomenda para que escrevesse uma carta de amor, mas a mãe não a viu com bons olhos. Na mesma época, a professora escolheu redações suas para serem publicadas no jornal semanal da cidade, e a mãe a fez guardá-las como lembrança de suas primeiras publicações. Leocádia, quando pensa sobre o que escrever em um conto, crônica ou poema, reconhece a origem de seu amor pela literatura, pois as lembranças com a mãe lhe assaltam a memória com risos. Sua mentora. Instigadora de sua curiosidade, entusiasmo e alegria. Aquela que confiou em seu potencial criativo. Some-se a isso a delicadeza das palavras de Tolstói: O universo começa no pátio da nossa casa. Canta tua aldeia que cantarás o mundo. É verdade. Começa na garagem e na estante de livros. Histórias talhadas no papel, testemunhos da nossa existência. E, parafraseando Tolstói: Encanta tua alma que encontrarás teu mundo. Fim. Marinice Cecin
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Merci S. Schmidt Em família, com o cultivo da lavoura, aprendi a sonhar, planejar e realizar. Durante a caminhada pela vida, amealhei bons encontros de escuta com filhos amados, netos, alunos e pacientes. Hoje, com meus personagens: Vovô, Zada, Flávio e Roana, escrevo, realizando assim mais um sonho. Vou vibrar quando souber que cheguei ao coração de vocês. Bons momentos. En familia, con el cultivo de la plantación, aprendí a soñar, planear y realizar. Durante la caminada por la vida, hice madejas de buenos encuentros de escucha con hijos amados, nietos, alumnos y pacientes. Hoy, con mis personajes: Abuelo, Zada, Flavio y Roana, escribo, realizando así un sueño más. Me pondré muy contenta cuando sepa que llegué al corazón de ustedes. Buenos momentos.
HISTORIAS CON EL ABUELO Un hombre alto, fuerte, de ojos azules, abrazo caliente, regazo siempre disponible y contador de historias. Así era mi abuelo. Tenía un caballo de patas altas, pecho ancho, pelo oscuro, con manchas castaño-doradas que brillaban al sol. Al montar o apear, acariciaba el caballo con la mano, que movía la cabeza alrededor, tratando de refregarse con el hocico. El abuelo y la abuela vivían a cinco quilómetros de distancia, en tierras productivas y carretera de plantaciones. Él hacía el trayecto hasta el pueblo montado en su Alazán, para hacer negocios y llevar las semillas al molino. Volvía con la harina y otros productos que la abuela le pedía. Pasaba por la casa del hijo para un ritual sensible con los nietos: le acariciaban la barba, le encontraban alguna cana y se la arrancaban con pinza para negar el proceso natural de la vida. La visita se extendía hasta la noche cuando encendían el farol. La leña seca alimentaba el fuego. Papá enseñó a los niños a hacer un nido de paja en el medio de la leña para empezarlo. Las llamas subían, crepitaban y calentaban. Mamá sacaba tres rodajas de la chapa con un gancho para el calheiro, una olla para poner la polenta en las brasas. Papá daba vuelta la polenta sobre una tabla y la cortaba con un hilo; el salame en rodajas chamuscado en la chapa, el queso cuajado en abundancia. Vino, y leche para los niños. Todo casero. Después de la cena, los adultos se sentaban alrededor de la cocina, los niños se anidaban junto a él. Era cuando bajaba 180
HISTÓRIAS COM VOVÔ Homem alto, forte, olhos azuis, abraço quente, colo sempre disponível e contador de histórias. Assim era meu avô. Tinha um cavalo de pernas altas, peito largo, pelo escuro, com manchas castanho-douradas que brilhavam ao sol. Ao montar ou apear, acariciava o cavalo com a mão, que movia a cabeça em torno, procurando esfregar-se com o focinho. Vovô e vovó moravam a cinco quilômetros de distância, em terras produtivas e estrada de roça. Ele percorria o trajeto até a vila montado no seu Alazão, para fazer negócios e levar as sementes ao moinho. Retornava com a farinha e outros produtos que vovó lhe pedia. Passava na casa do filho para um ritual sensível com os netos, que lhe acariciavam a barba, catavam algum cabelo branco e o arrancavam com pinça para negar o processo natural da vida. A visita se estendia até a noite, quando o lampião era aceso. A lenha seca alimentava o fogo. Papai ensinou as crianças a fazerem um ninho de palha no meio da lenha para iniciá-lo. As chamas subiam, crepitavam e aqueciam. Mamãe retirava três rodelas da chapa com um gancho para o calheiro, panela para sentar a polenta na brasa. Papai virava a polenta na mesa em cima de uma tábua e a cortava com fio de linha; o salame em rodelas sapecado na chapa, o queijo talhado em abundância. Vinho, e leite para as crianças. Tudo feito em casa. Depois do jantar, os adultos sentavam-se ao redor do fogão, as crianças se aninhavam a sua volta. Era quando baixava a fada contadora de histórias. Os homens precisavam resolver
el hada que contaba historias. Los hombres necesitaban resolver sus problemas solitos; eso incluía las hazañas de pescaría o cazada. La historia que deslizó hasta los sótanos de mi memoria fue la del Caballo Blanco. – La última vez que estuve aquí, fui seguido por un hombre montado a caballo. Era una noche de luna llena y la claridad penetraba en la sombra de los árboles. Sentí el trote justo después de la curva en la entrada para el cementerio, animé al Alazán, y él también troteó rápido hasta que se emparejaron. Ahí me di cuenta de que un hombre montaba un espléndido caballo blanco. – La carretera de la plantación no siempre da espacio para dos caballos grandes. Se escucharon en la cocina varios suspiros, pero ningún movimiento, a la espera del final. – Sintiendo la protección del caballero, les puse atención al trote del Alazán y al equilibrio de las bolsas que traía del molino. Al llegar, apeé y me di cuenta de que ambos, el caballo y el caballero habían desaparecido. Cuando el abuelo terminó la historia, sintió que los niños estaban pegados a sus piernas, y sonrió. La lluvia empezó a toquetear el vidrio y el abuelo decidió que era hora de tomar el rumbo de su casa; parecía feliz. La historia se volvió leyenda y hasta hoy se invoca el caballero del caballo blanco para los viajes nocturnos en la región.
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seus problemas sozinhos; isso incluía as façanhas de pescaria ou de caçada. A história que deslizou para os porões da minha memória foi a do Cavalo Branco. – Na última vez que estive aqui, fui seguido por um homem montado a cavalo. Era noite de lua cheia e a claridade penetrava na sombra das árvores. Ouvi o trote logo depois da curva na entrada para o cemitério, animei o alazão, e ele também troteou rápido até se emparelharem. Aí percebi que o homem montava um esplêndido cavalo branco. – A estrada da roça nem sempre dá chão para dois cavalos grandes. Ouviram-se na cozinha vários suspiros, mas nenhum movimento, à espera do desfecho. – Sentindo a proteção do cavaleiro, prestei atenção ao trote do Alazão e no equilíbrio dos sacos que trazia do moinho. Ao chegar, apeei e dei-me conta de que ambos, cavalo e cavaleiro, tinham sumido. Quando vovô terminou a história, sentiu as crianças grudadas em suas pernas, e sorriu. A chuva começou a cutucar o vidro e vovô decidiu que era hora de tomar o rumo de sua casa; parecia feliz. A história virou lenda e até hoje se invoca o cavaleiro do cavalo branco para as viagens noturnas na região.
Merci S. Schmidt
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FUERZA FEMENINA Zada nació con el sol en elevación. Ordenó a sí misma saborear el placer de estar viva. Época en que la autonomía nos invita a salvarnos por nosotros mismos, y todos aceptaban que ella se desarrollara así, pero no todos tenían fuerza suficiente para acompañarla. Mucho suelo fue retirado de debajo de sus pies. Cuando surgieron sus primeros rayos de mujer, Zada ya se había acostumbrado a andar por los senderos de la vida, pero ninguno de ellos la había impedido salirse bien. El arte de amarla y acompañarla, ella sabía, estaba reservado a un hombre con profundidad. Hoy las esposas no tienen más tanto tiempo. Compran alimento, auto y vivienda con su trabajo. Los hombres son compañeros de vida. Era el momento de seguir adelante y realizar su deseo más grande: ¡ser madre! Lo que todo y todos decían ser imposible. Tomada la decisión, la confianza brotó como agua de las entrañas de la tierra, y lavó los pensamientos sombríos con un chorro translúcido. Ubá, su compañero, dijo sí, pero después resbaló, cayó, se levantó y siguió a su lado. La bebé nació prematura y fue para el CTI neonatal, al mismo tiempo que Zada fue para un CTI de la maternidad donde luchó para mantener el cuerpo y el alma reunidos. Él
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FORÇA FEMININA Zada nasceu com o sol em elevação. Ordenou a si mesma saborear o prazer de estar viva. Época em que a autonomia nos convida a nos salvar por nós mesmos, e todos aceitavam que ela se desenvolvesse assim, mas nem todos tinham força suficiente para acompanhá-la. Muito chão foi retirado debaixo dos seus pés. Quando surgiram seus primeiros raios de mulher, Zada já se habituara a andar pelas trilhas da vida, porém nenhuma delas a tolhera de se sair bem. A arte de amá-la e acompanhá-la, ela sabia, estava reservada a um homem com profundidade. Hoje, as esposas não têm mais muito tempo. Compram alimento, carro e morada com o seu trabalho. Os homens são companheiros de vida. Era hora de seguir em frente e realizar o seu maior desejo: ser mãe! O que tudo e todos diziam ser impossível. Tomada a decisão, a confiança brotou como água das entranhas da terra, e lavou os pensamentos sombrios com um jorro translúcido. Ubá, seu companheiro, disse sim, mas depois resvalou, caiu, levantou-se e seguiu ao seu lado. A bebê nasceu prematura e foi para o CTI neonatal, ao mesmo tempo em que Zada foi para um CTI da maternidade onde lutou para manter o corpo e a alma reunidos. Ele sentou-se ao lado da filha, olhando-a, jurou ouvir um estampido
se sentó al lado de la hija, mirándola, estaba seguro de haber oído un estampido en su pecho, y permitió desaguar por los ojos el desamparo acumulado en su desarrollo. Se despertó de la modorra masculina y germinó el padre nutritivo. Con la mente vacía y una sonrisa hueca, su mano se movió hacia la hija y, al tocarla, ella hizo un movimiento que envolvió su dedo. Era todo lo que cabía en la pequeñita mano llena de huesos que transparecían. La cerró, acogiéndolo, eso lo conquistó para siempre. Jade, nacida com siete meses de gestación, sin fuerzas, supo simbolizar: – ¡Papá, quedate conmigo! ¡Y él lo entendió! Las lágrimas brotaron de sus ojos como una cesura que rompe de dentro de la tierra. Ahí nació un padre. Atrás suyo, discretamente, el equipo de guardia fue testigo y dejó fluir una profunda emoción. Para Zada, los días en el CTI son un limbo emocional. Vacíos que aparecen, haciendo desdoblamientos, con narrativa autónoma. Hasta el momento en que llega el cazador, que hace el reparo en el sufrimiento de Caperucita Roja y su abuela: cuando ella recupera la salud y vence. Dos meses pasaron em el sanatorio. La madre empezó a chorrear la leche, la nutricia del sentir, del pensar y del soñar nuevas narrativas. El padre daba apoyo con cariño. El baño se volvió su actividad preferida, pues fueron esas las manos que abrieron el camino para ser quién es él hoy. Día bendecido en que Jade, en los brazos y corazón caliente de los padres, fue para su nido en casa, ¡y llegó! Ahora sí, Zada está segura, tendrá una vida plena, sabe que, cuando muera, dejará a alguien atrás suyo, quien se referirá a ella como madre.
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em seu peito, e permitiu desaguar pelos olhos o desamparo acumulado em seu desenvolvimento. Acordou da sua modorra masculina e germinou o pai nutritivo. Com a mente vazia e um sorriso oco, sua mão se movimentou em direção à filha e, ao tocá-la, ela fez um movimento que envolveu seu dedo. Era tudo o que cabia na pequenina mão cheia de ossos transparecendo. Fechou-a, acolhendo-o, isso o conquistou para sempre. Jade, nascida com sete meses de gestação, sem forças, soube simbolizar: – Papai, fica comigo! E ele entendeu! Lágrimas brotaram de seus olhos como uma cesura que rompe de dentro da terra. Aí nasceu um pai. Atrás dele, discretamente, a equipe de plantão testemunhou e deixou rolar profunda emoção. Para Zada, os dias no CTI são um limbo emocional. Vazios que aparecem, fazendo desdobramentos, com narrativa autônoma. Até o momento em que chega o caçador, que faz a reparação no sofrimento de Chapeuzinho Vermelho e da sua avó: quando ela recupera a saúde e vence. Dois meses passaram no hospital. A mãe começou a jorrar o leite, a nutridora do sentir, do pensar e do sonhar novas narrativas. O pai dava costas quentes. O banho tornou-se a atividade preferida dele, pois foram essas as mãos que abriram o caminho para ser quem ele é hoje. Dia abençoado em que Jade, nos braços e corações quentes dos pais, foi para seu ninho em casa, e chegou! Agora sim, Zada está segura, terá uma vida plena, sabe que, quando morrer, deixará alguém atrás de si, quem se referirá a ela como mãe.
Merci S. Schmidt
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FLAVIO Inspirado en Luis Buñuel En 2007, María Paula tuvo la gloria de homenajear a cada uno de sus hijos con una merecida ceremonia de egreso de la facultad. Y prometió a sí misma honrar el universo. La elección fue apadrinar a un niño. Después del curso con el equipo del Instituto Amigos de Lucas, el encuentro social fue marcado en la Fundación O Pão dos Pobres São Antônio, en Porto Alegre, donde reunió: ahijados, representantes de la institución y acompañantes de los hogares. Una tarde en que el sol acechaba entre las nubes para suavizar las emociones. María Paula se puso la remera blanca, pantalones vaqueros, championes negros. Trescientas personas circulaban en el patio de cemento. En su fantasía, una criaturita podría gatear en su dirección, y entonces la tomaría en los brazos y diría: Yo voy a ser tu madrina y así todo quedará bien. No sucedió nada de eso, pero un joven negro, alto y esbelto, se acercó y le preguntó: – ¿Querés ser mi madrina? Escuchó la historia del chico sentado delante suyo. Él vivía en un hogar federal con sus hermanas menores en virtud de que los padres usaban drogas y eran portadores del VIH. Quería mucho tener un padrino.
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FLÁVIO Inspirado em Luis Buñuel Em 2007, Maria Paula teve a glória de homenagear a cada um dos seus filhos com uma merecida formatura de nível superior. E prometeu a si mesma honrar o universo. A escolha foi apadrinhar uma criança. Após o curso com a equipe do Instituto Amigos de Lucas, o encontro social foi marcado na Fundação O Pão dos Pobres Santo Antônio, em Porto Alegre, onde reuniu: apadrinhandos, representantes da instituição e acompanhantes das casas dos abrigados. Tarde em que o sol espiava entre as nuvens para abrandar as emoções. Maria Paula vestiu camiseta branca, calça de brim, tênis pretos. Trezentas pessoas circulavam no pátio cimentado. Em sua fantasia, uma criancinha poderia gatinhar em sua direção e, então, a tomaria nos braços e diria: eu vou ser tua madrinha e assim ficará tudo bem. Nada disso aconteceu, mas um jovem, negro, alto e esbelto, aproximou-se e perguntou: – Queres ser minha madrinha? Ouviu a história do menino sentado à sua frente. Ele morava em um abrigo federal com suas irmãs menores em virtude de os pais usarem drogas e serem portadores do vírus HIV. Queria muito ser apadrinhado.
El sábado siguiente María Paula fue a conocer el hogar. Un lugar agradable, con árboles frondosos, bien cuidado, con guardia en el portón. Un conjunto de once casas, una de ellas para actividades integrativas. En cada casa había una mujer que representaba la figura materna para los que vivían allí: chicas embarazadas, bebés, niños, niñas y jóvenes. Había un cuidador en el patio y chofer con auto para llevarlos al médico, a la escuela y actividades. Flavio iba al liceo y practicaba deportes. A la semana siguiente, lo invitó a almorzar en familia; después, juntos, compraron el regalo y participaron de la cena de Navidad. Cada paso fue construido como el de un niño pequeño. Flavio era simpático y agradable, le gustaban los deportes, jugaba al fútbol, practicaba salto de longitud en el club SOGIPA, pero fallaba en el aprendizaje y permanencia en el colegio. Su referencia era la calle. Se escapó del hogar, y María Paula fue a encontrarlo en el cerro. Ella fue aprendiendo cómo lidiar con su realidad. Le enseñó a cocinar, y él, poco a poco, se fue interesando; le gustaba el proceso de preparar el pescado en el horno como ella le mostraba. Reproducía el arte culinario en el hogar, con orgullo. Aceptar la frustración a las expectativas fue un aprendizaje para ella. Hacer hipótesis sobre lo que se esconde atrás de las actitudes fue lo que la ayudó a apoyarlo. Como en el momento en que sirvió siete veces en una comida. O en la compra de su regalo de Navidad. Habían pensado y decidido en casa; en la tienda, cambió tres veces mientras elegía. O cuando fue internado en el psiquiátrico por uso de drogas. Hicieron una buena caminada juntos. Aún no sabemos si algún día Flavio será un héroe para sí mismo. 190
No sábado seguinte, Maria Paula foi conhecer o abrigo. Local agradável, árvores frondosas, bem cuidado, com guarda no portão. Um conjunto de onze casas sendo uma para as atividades integrativas. Em cada casa havia uma mulher que representava a figura materna para os residentes: meninas grávidas, bebês, crianças e jovens. Havia zelador no pátio e motorista com carro para levá-los ao médico, escola e atividades. Flávio frequentava a escola e praticava esportes. Na semana seguinte, o convidou para o almoço em família; depois, juntos, compraram o presente e participaram do jantar natalino. Cada passo foi construído como o de uma criança pequena. Flávio era simpático e agradável, gostava de esportes, jogava futebol, praticava salto em distância na SOGIPA, porém falhava na aprendizagem e permanência na escola. Seu referencial era a rua. Fugiu do abrigo, e Maria Paula foi encontrá-lo no morro. Ela foi aprendendo como lidar com sua realidade. Ensinou-o a cozinhar, e ele, aos poucos, foi se interessando; gostava do processo para assar o peixe no forno do jeito dela. Reproduzia a arte culinária no abrigo, com orgulho. Aceitar a frustração às expectativas foi aprendizado para ela. Fazer hipóteses sobre o que se esconde atrás das atitudes, foi o que a ajudou a apoiá-lo. Como no momento em que serviu sete vezes o prato em uma refeição. Ou na compra do seu presente de Natal. Havia pensado e decidido em casa; na loja, trocou três vezes a escolha. Ou quando foi internado no hospital psiquiátrico por uso de drogas. Fizeram uma boa caminhada juntos. Ainda não sabemos se algum dia Flávio será herói para si mesmo.
Merci S. Schmidt
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LA VIDA TIENE ESPERANZA El problema de la realidad no se enfrenta con suspiros. JULIO CORTÁZAR
María Paula conoció a Roana acostada en el piso frío de la puerta del salón en la escuela donde estudiaba. En consecuencia, sus compañeros pasaban por sobre ella para tener acceso a la propia clase. En su mirada había soledad, y expectativa de algo sin norma ni nombre. Debajo de los párpados una apariencia cansada. Al asumir la función de orientadora, María Paula visitó todos los salones para familiarizarse con los jóvenes. Al llegar a la planta baja encontró lo inesperado. Buscó en la memoria algo para un insight respecto a los pensamientos y sentimientos que podrían ajustarse a los hechos. Pensó en las posibles experiencias que una joven de dieciséis años podría haber tenido para promover una actitud tan humillante respecto a sí misma. Se acordó de supersticiones y creencias en las diferentes culturas allí representadas para interpretar la escena tan melancólica, pero nada… A pesar de toda la experiencia que tenía trabajando en el interior, lo que veía jamás pasaría por sus pensamientos. Era una mujer de actitud, pero el escenario la agarró desprevenida, y decidió solo escuchar. Lo que se le ocurrió fue darle la mano a la joven para que se levantara, invitándola a tomar un té en la cocina de la escuela. 192
A VIDA TEM ESPERANÇA O problema da realidade não se enfrenta com suspiros. JÚLIO CORTÁZAR
Maria Paula conheceu Roana deitada no chão frio da porta da sala de aula na escola onde estudava. Em consequência, seus colegas passavam por cima dela para ter acesso à própria classe. Em seu olhar havia solidão, e expectativa de alguma coisa sem norma nem nome. Abaixo das pálpebras tinha uma aparência cansada. Ao assumir a função de orientadora, Maria Paula visitou todas as salas para se familiarizar com os jovens. Ao chegar ao piso térreo encontrou o inesperado. Procurou em sua memória algo para um insight a respeito dos pensamentos e sentimentos que poderiam se ajustar aos fatos. Pensou nas possíveis experiências que uma jovem com dezesseis anos poderia ter tido para promover uma atitude tão humilhante em relação a si própria. Lembrou superstições e crenças nas diferentes culturas aí representadas para interpretar a cena tão melancólica, mas nada... Apesar de toda experiência que possuía trabalhando no interior, o que via jamais passaria por seus pensamentos. Era uma mulher de atitude, mas o cenário a pegou desprevenida, e decidiu apenas escutar. O que lhe ocorreu foi dar a mão à jovem para se levantar, convidando-a para um chá na cozinha da escola.
Las apariencias demostraron que era una escena conocida, pues las cocineras se retiraron. Preparó una taza para cada una, y se sentaron. Roana contó sin rodeos que los padres estaban separados y vivía con la madre. El padre residía en una ciudad cerca de la capital. La buscaba el sábado de noche en auto y la llevaba hasta el cerro, donde le enseñó a usar drogas y a tener sexo, con él. – ¿Cómo te sentís? – Si mi padre me trata como prostituta y drogada, es lo que soy. Al principio luché, él me pegó. Dijo que me enseñaría a ser una mujer caliente. La joven lo dijo como quien da poca importancia a sí misma. – Y tu madre, ¿qué dice sobre eso? – Finge no saberlo. – Y vos, ¿qué pensás? – ¿Quién me va a ayudar? – ¿Y vos querés ayuda? – Si hay, y no se me pone peor, ¡por supuesto que quiero! Autorizadas por la Dirección, salieron juntas a buscar apoyo. Fueron recibidas por el Ministerio Público, que llamó a los padres y procedió a los debidos encaminamientos. María Paula la acompañó en las reuniones durante el período solicitado por el Defensor Público; posteriormente, por su orientación, Roana cambió de escuela. Pasaron los años. Hoy, María Paula vio a Roana caminando en la plaza al lado de un hombre; llevaban a un niño de la mano. Él daba saltos, hamacado por los brazos fuertes de los dos. El niño decía: ¡De nuevo, mamá! ¡De nuevo, papá! Y ellos repetían: ¡Solo una vez más! La escena agasajó el corazón esperanzado de María Paula. 194
As aparências demonstraram ser uma cena conhecida, pois as funcionárias se retiraram. Preparou uma xícara para cada uma e se sentaram. Roana contou, sem rodeios, que os pais estavam separados e morava com a mãe. O pai residia em cidade próxima à capital. A buscava no sábado à noite de carro e a levava até o morro, onde a ensinou a usar drogas e fazer sexo, com ele. – Como te sentes? – Se meu pai me trata como prostituta e drogada, é isso que sou. No começo lutei, ele me bateu. Disse que me ensinaria a ser uma mulher quente. Disse a jovem, como quem dá pouca importância a si própria. – E tua mãe o que diz a respeito? – Finge não saber. – E você, o que pensa? – Quem vai poder me ajudar? – E você quer ajuda? – Se existir e não piorar para mim. É claro que quero! Autorizadas pela Direção saíram juntas em busca de apoio. Foram recebidas pelo Ministério Público, que chamou os pais e procedeu aos devidos encaminhamentos. Maria Paula acompanhou-a nas reuniões durante o período solicitado pelo defensor público; posteriormente, por sua orientação, Roana mudou de escola. Passaram-se os anos. Hoje, Maria Paula avistou Roana caminhando na praça ao lado de um homem; seguravam um menino pelas mãos. Ele dava saltos, embalado pelos braços fortes dos dois. A criança dizia: De novo, mamãe! De novo, papai! Ao que eles repetiam: Só mais uma vez! A cena agasalhou o coração esperançoso de Maria Paula.
Merci S. Schmidt
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Paulo Franquilin Ser um dos escritores deste livro é muito gratificante, pois cada um contribuiu com seus escritos para mostrar nosso mundo, tão injusto e desigual. Pude escrever sobre Juan e sua família, rodeados pela pobreza, discriminação e sofrimento. Numa realidade tão semelhante, infelizmente, à de tantas pessoas. Agradeço à amada Lisiane e aos nossos filhos, Guilherme, Gabriel e Paulinho, por existirem. Ser uno de los escritores de este libro es muy gratificante, pues cada uno contribuyó, con sus escritos, para mostrar nuestro mundo, tan injusto y desigual. Pude escribir sobre Juan y su familia, roedados por la pobreza, discriminación y sufrimiento. En una realidad tan semejante, lamentablemente, a la de tantas personas. Agradezco a mi amada Lisiane y a nuestros hijos, Guilherme, Gabriel y Paulinho, por existir.
RADIO PARA ALEGRAR La radio es la única fuente de alegría en la casucha de Juana. La miseria es una constante en la vida de la familia, que comparte el pequeño espacio, sin ninguna comodidad, con pequeños pedazos de tabla haciendo de paredes y tejas agujereadas como techo. A Juana le gusta oír música; se despierta, enciende la radio y escucha a sus cantantes favoritos, entre ellos Teixeirinha, un ídolo a quien acompaña desde la infancia, con su voz conocida y ritmos alegres. Le gusta Corazón de luto, y canturrea: El mayor golpe del mundo, que tuve en mi vida, fue cuando con nueve años, perdí a mi madre querida, mientras va cortando las cebollas, que hacen que sus ojos lagrimeen, un poco también por la tristeza de la historia. Los hijos, amontonados sobre un pedazo de colchón, duermen tranquilos, sin imaginar que, aquel día, el arroz y los porotos se terminan. Otras músicas invaden la mente de Juana, que junta algunos palos para encender el fuego. Dentro de la pila de ladrillos, pone un pedazo de diario y enciende el fósforo. La reja sirve de base para la pequeña olla. Mientras las cebollas empiezan a dorarse, pone pequeñas porciones de arroz y la medida justa de agua. En otra olla los porotos hierven, llenando la casucha con el aroma de la comida.
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RÁDIO PARA ALEGRAR O rádio é a única fonte de alegria na maloca de Joana. A miséria é uma constante na vida da família, que divide o pequeno espaço, sem nenhum conforto, com pequenos pedaços de tábua fazendo as paredes e telhas esburacadas como teto. Joana gosta de ouvir música; acorda e liga o rádio, ouvindo seus cantores preferidos, entre eles, Teixeirinha, ídolo que acompanha desde a infância, com sua voz conhecida e ritmos alegres. Gosta de Coração de Luto, cantarolando: O maior golpe do mundo, que eu tive na minha vida, foi quando com nove anos, perdi minha mãe querida, enquanto vai cortando as cebolas, que fazem seus olhos lacrimejarem, um pouco também pela tristeza da história. Os filhos, amontoados sobre um pedaço de colchão, dormem tranquilos, sem imaginar que, naquele dia, o arroz e o feijão acabam. Outras músicas invadem a mente de Joana, que junta alguns gravetos para iniciar o fogo. Dentro da pilha de tijolos, coloca um pedaço de jornal e acende o fósforo. A grade serve de base para a pequena panela. Enquanto as cebolas começam a dourar, coloca pequenas porções de arroz e a medida certa de água. Na outra panela o feijão ferve, enchendo a maloca com o aroma da comida. Mais uma canção de Teixeirinha invade a casa, nova cantoria de Joana: Eu sou gaúcho lá de Passo Fundo e trato todo
Una canción más de Teixeirinha invade la casa, nuevo canturreo de Juana: Yo soy gaucho de allá de Passo Fundo y trato a todo el mundo, con mucho respeto, pero si alguien me pisa el poncho, mi revólver habla y el barullo está hecho. Juana despierta a los hijos, diciéndoles que se laven la cara y se cepillen los dientes, en la vieja palangana de la casucha. Juan ayuda a su hermanita Carmen a arreglarse. Ella agradece, mientras él le lava la cara, le ajusta las ropas y le acomoda el pelo. Después, los dos hermanos van al patio, a calentarse al sol. La radio anuncia que, aquel día, la temperatura máxima será de 35 grados centígrados y sin lluvias, lo cual es bueno, pues así el piso de la casucha permanecerá seco, y no tendrán que huirles a las goteras. Juana empieza a cantar: Dios es gaucho de espuela y mango, fue maragato o fue chimango, este Río Grande gigante, una estrella brillante más, en la bandera de Brasil. Llama a los hijos para el almuerzo. Arroz y porotos de nuevo, se queja Carmen. Ella acaricia los cabellos de la hija, diciendo que mañana habrá fideos, sin saber de dónde va a sacar los ingredientes para cumplir su promesa. Juana cierra los ojos e imagina una inmensa cola de espetos con asado y ve a Teixeirinha cantando su música preferida: Me preguntaron si soy gaucho, está claro, fíjese en mí, Soy de Río Grande, de allá de Passo Fundo, trato a todo el mundo con mucho respeto… Abre los ojos y ve el plato vacío delante suyo. Hoy no sobró comida para ella.
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mundo, com muito respeito, mas se alguém me pisar no pala, meu revólver fala e o buchincho está feito. Joana acorda os filhos, mandando que lavem o rosto e escovem os dentes, na velha bacia no canto da maloca. Juan ajuda sua irmãzinha Carmen a se arrumar. Ela agradece, enquanto ele lhe lava o rosto, ajusta as roupas e ajeita seu cabelo. Depois, os dois irmãos vão para o pátio, aquecer-se ao sol. O rádio anuncia que, naquele dia, a temperatura máxima será de 35 graus centígrados e sem chuvas, o que é bom, pois assim o chão da maloca permanecerá seco, e não terão que fugir das goteiras. Joana começa a cantar: Deus é gaúcho de espora e mango, foi maragato ou foi chimango. Juan e Carmem seguem na cantoria com a mãe: Querência amada meu céu de anil, este Rio Grande gigante, mais uma estrela brilhante, na bandeira do Brasil. A mãe chama os filhos para o almoço. Arroz e feijão de novo, reclama Carmem. Ela acaricia os cabelos da filha, dizendo que amanhã tem massa, sem saber de onde vai tirar os ingredientes para cumprir sua promessa. Joana fecha os olhos e imagina uma imensa fila de espetos com churrasco e vê Teixeirinha cantando sua música preferida: Me perguntaram se eu sou gaúcho, está na cara, repare o meu jeito, Sou do Rio Grande, lá de Passo Fundo, trato todo mundo com muito respeito... Abre os olhos e vê o prato vazio na sua frente. Hoje não sobrou comida para ela.
Paulo Franquilin
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CARMEN SIN CARMÍN El deseo de comprar un labial rojo hizo que Carmen saliera de su casa, en el Morro da Embratel y, después de la espera de casi una hora, embarcara en el ómnibus adaptado y, después de otra hora, sacudiéndose, llegara al Centro de Porto Alegre. Las veredas estrechas y sus pisos irregulares hacen que el trabajo para mover las ruedas sea doble, sin que nadie tenga ganas de ayudar. Cada uno por sí en la gran metrópolis. Al entrar en la tienda, llega la vendedora y pregunta en qué puede ayudar; Carmen pide el labial y sale atrás de la muchacha por los pasillos estrechos. En uno de ellos su silla de ruedas se tranca. Se pone nerviosa y pide ayuda. ¿Por qué no andás, PA-RA-PLÉ-JI-CA? Así la vendedora de la tienda empieza a rezongarla, pues Carmen no logra avanzar con su silla de ruedas, trancada en una rajadura del piso, mientras le parece ridículo que la mujer le pida que ande. La palabra suena ofensiva, pero es la primera vez que la escucha y se queda imaginando el significado: debe ser muy grave, pues en su mente las palabras largas son más importantes. No dice nada, pero un señor viene a su auxilio, empuja la silla y ella logra salir de aquella situación; ni mira a la vendedora, yendo hacia la puerta de la tienda. Alguien comenta que aquello es discriminación contra personas con discapacidad motora. Una vez más no entiende las palabras. 202
CARMEM SEM CARMIM O desejo de comprar um batom vermelho fez com que Carmem saísse de sua casa, no Morro da Embratel e, após a espera de quase uma hora, embarcar no ônibus adaptado e, depois de outra hora, sacolejando, chegar ao Centro de Porto Alegre. As calçadas estreitas e seus pisos irregulares fazem com que o trabalho para movimentar as rodas seja redobrado, sem que ninguém tenha vontade de ajudar. Cada um por si na grande metrópole. Ao entrar na loja, chega a vendedora e pergunta em que pode ajudar; Carmem solicita o batom e sai atrás da moça pelos corredores estreitos. Num deles sua cadeira tranca. Fica nervosa e chama por ajuda. Por que não anda, sua PA-RA-PLÉ-GI-CA? Assim a vendedora da loja começa a xingá-la, pois Carmem não consegue avançar com sua cadeira de rodas, trancada numa rachadura do piso, enquanto acha ridículo a mulher pedir para andar. A palavra soa ofensiva, mas é a primeira vez que a ouve e fica imaginando o significado: deve ser bem grave, pois na sua mente palavras compridas são mais importantes. Não diz nada, mas um senhor vem em seu socorro, empurra a cadeira e ela consegue sair daquela situação; nem olha para a vendedora, indo em direção à porta da loja. Alguém comenta que aquilo é discriminação contra portadores de deficiência locomotora. Mais uma vez não entende as palavras.
Se acuerda del accidente, en un paseo de la escuela, con el novio Lucas al lado suyo, en el viejo ómnibus, con motor ruidoso y aspecto en ruinas, el cual no pudo parar, y se chocó contra la parte de atrás de otro ómnibus. Carmen es lanzada contra el asiento de adelante y cae, golpeándose la espalda en el piso; a partir de ahí no sintió más las piernas. Su vida cambió, nadie se le acercaba, era una niña lisiada, en la voz de sus compañeros de clase y familiares. La adaptación fue difícil, un cambio general de la rutina y de todos, en una ola de quejas y rezongos, como si ella fuera la culpable por el accidente; mientras la escuela y la empresa quedaron impunes, su familia sufrió para conseguir una silla de ruedas. La silla, ahora, circula lentamente por las veredas; sus ojos se inundan lágrimas, no sabe qué hacer, sin el labial ni el respeto de las personas. Inútil, es como su madre le dice, ni para tener un hijo serviste… Tuvo tres abortos, después de envolverse con algunos aprovechadores. Se para frente a un espejo, observa su rostro, muy pálido, nada de maquillaje. Parece un fantasma. Se acuerda de su abuela diciendo: Un labial carmín resuelve la tristeza sin fin… ¡Ahora es un buen momento para ponerse aquel labial!
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Lembra-se do acidente, num passeio da escola, com o namorado Lucas ao seu lado, no velho ônibus, com motor barulhento e aspecto em ruínas, o qual não conseguiu parar, batendo na traseira de outro ônibus. Carmem é jogada contra o banco da frente e cai, batendo com as costas no chão; a partir daí, não sentiu mais as pernas. Sua vida mudou, ninguém se aproximava, era uma menina aleijada, na voz de seus colegas de aula e familiares. A adaptação foi difícil, mudança geral da rotina e de todos, numa onda de reclamações e xingamentos, como se ela fosse a culpada do acidente; enquanto a escola e a empresa ficaram impunes, sua família sofreu para conseguir uma cadeira de rodas. A cadeira, agora, roda lentamente pelas calçadas; seus olhos são inundados por lágrimas, não sabe o que fazer, sem o batom, nem o respeito das pessoas. Inútil, é como sua mãe a chama, nem para ter um filho tu prestou... Teve três abortos, depois de envolver-se com alguns aproveitadores. Para diante de um espelho, observa seu rosto, muito pálido, nada de maquiagem. Parece um fantasma. Lembra-se de sua avó dizendo: Batom carmim resolve a tristeza sem fim... Agora é um bom momento para passar aquele batom!
Paulo Franquilin
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UN HOMBRE DELICADO Juan nació y creció con todas las características corporales masculinas. Al llegar a la pubertad, empezó a tener barba y bigote. Era un joven de buena apariencia, como decía la abuela, doña Malvina, pero traía el alma femenina dentro suyo. El primer beso de Juan sucedió en el patio de la escuela, durante un recreo, cuando su compañera Gilda apoyó los labios pequeños en su boca cerrada, él quedó paralizado, reaccionó empujando a la niña. Después salió corriendo, porque no le gustó. El convivio con las niñas se restringía a los asuntos del universo femenino. Abandonó la escuela, pues era víctima de palizas diarias, cuando sus compañeros le decían que se hiciera hombre y que dejara de mover las caderas por los pasillos. Sus lágrimas corrían el leve maquillaje que usaba en la adolescencia. Conoció su primer amor en la calles del barrio Gloria, Douglas, un poco mayor, que le atrajo inmediatamente. Fue la primera persona que no extrañó sus labios rojos y uñas pintadas, haciendo elogios a la suavidad de sus cabellos largos, los cuales agarró con delicadeza en el primer beso de lengua de su vida. La pasión se adueñó de su corazón, la vida se volvió colorida como un arcoíris, el símbolo de su sexualidad. El camino para la militancia en defensa de la comunidad homosexual empezó allí, cuando se sintió dueño de su cuerpo, de su alma y de su amor por Douglas. 206
UM HOMEM DELICADO Juan nasceu e cresceu com todas as características corporais masculinas, ao chegar à puberdade, começou a ter barba e bigode. Era um jovem bem apessoado no falar de sua avó, dona Malvina, mas trazia a alma feminina dentro dele. O primeiro beijo de Juan aconteceu no pátio da escola, durante um recreio, quando sua colega Gilda encostou os lábios pequenos em sua boca fechada, ele ficou paralisado, reagiu empurrando a menina. Depois saiu correndo, porque não gostou. O convívio com as meninas restringia-se aos assuntos do universo feminino. Abandonou a escola, pois era vítima de espancamentos diários, quando seus colegas diziam para tomar jeito de homem e parar de rebolar pelos corredores. Suas lágrimas borravam a leve maquiagem que usava na adolescência. Conheceu seu primeiro amor nas ruas do bairro Glória, Douglas, um pouco mais velho, que o atraiu imediatamente. Foi a primeira pessoa que não estranhou seus lábios vermelhos e unhas pintadas, fazendo elogios à maciez de seus cabelos compridos, os quais agarrou com delicadeza no primeiro beijo de língua de sua vida. A paixão tomou conta de seu coração, a vida ficou colorida como um arco-íris, o símbolo de sua sexualidade. O caminho para a militância em defesa da comunidade homossexual começou ali, quando sentiu-se dono de seu corpo, de sua alma e de seu amor por Douglas.
Creció y se volvió un hombre delicado, según las malas lenguas de los vecinos del Morro da Embratel, pues tenía el hábito de leer poesías de García Lorca, en español, a su abuela, y la voz hacía eco por las casuchas. Parece una mujer con esa voz suave, comentaba doña Lucía, la reina de las chismosas del barrio. Nuances, organización de defensa de los derechos LGBTQIA+, lo aceptó como uno de los representantes en la región de Gloria. Pasó a desarrollar su poesía. En seguida, dejó la casucha de su madre Juana y de su abuela Malvina. Se vino a vivir a un apartamento minúsculo en el Centro de Porto Alegre, junto con Douglas. Participó varias veces de la Parada Libre de la Redención, y fue la más bella Frida Kahlo en su vestido de colores, cabellos oscuros y la boca con labial carmín. La muerte de Douglas, debido a la paliza de un grupo neonazi, lo llevó al uso de alcohol y drogas, lo que acabó con su belleza. Se volvió andrajoso. Se despierta de un sueño, con las gotas de lluvia golpeándole la cara, a través de un agujero en la lona, su cuerpo está helado. En un momento de lucidez recuerda su actividad como líder homosexual. Tiene algunos modos femeninos, siente los golpes, las voces de su madre y abuela y el beso de su gran amor, Douglas, cuya muerte fue el fin de su lucidez, ahora es un Don Quijote viviendo en las calles.
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Cresceu e tornou-se um homem delicado, segundo as más línguas dos vizinhos do Morro da Embratel, pois tinha o hábito de ler poesias de García Lorca, em espanhol, para sua avó, e a voz ecoava pelos barracos. Parece uma mulher com essa voz macia, comentava dona Luzia, a rainha das fofoqueiras da vila. Nuances, organização de defesa dos direitos LGBTQIA+, o aceitou como um dos representantes na região da Glória. Passou a desenvolver sua poesia. Em seguida, deixou a maloca da sua mãe Joana e de sua avó Malvina. Vindo a morar num apartamento minúsculo no Centro de Porto Alegre, junto com Douglas. Participou por diversas vezes da Parada Livre da Redenção, sendo a mais bela Frida Kahlo em seu vestido colorido, cabelos escuros e lábios com batom carmim. A morte de Douglas, espancado por um grupo de neonazistas, levou-o ao uso de álcool e drogas, o que acabou com sua beleza. Tornou-se um maltrapilho. Acorda de um sonho, com os pingos da chuva batendo no rosto, através do buraco na lona, seu corpo está gelado. Num momento de lucidez lembra de sua atividade como líder homossexual. Faz alguns trejeitos femininos, sente as surras, as vozes de sua mãe e avó e do beijo de seu grande amor, Douglas, cuja morte foi o fim de sua lucidez, agora é um Dom Quixote morando nas ruas.
Paulo Franquilin
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SOLEDAD Los recuerdos invaden la cabeza de Juan. Son esparcidos y confusos, en una avalancha de imágenes que caen sobre él, aplastando su realidad. Pasea por los campos llenos de flores y árboles, acompañado de su madre y hermanos, un domingo soleado. Camina lentamente por la carretera de tierra, mira a lo lejos las enormes antenas que parecen sonreírle. De repente, acompañado por docenas de niños, empieza a correr hacia las antenas, que abren los brazos, esperando el cariño de aquella muchedumbre que se va acercando. La madre de Juan aparece sentada al lado suyo. Miran la ciudad y el cielo, con pequeñas nubes formando una enorme sonrisa, que se une a la de ellos. Abajo está el Presidio Central, con sus muros incandescentes, levantando llamas. Las personas se queman lentamente. Gritan: Estamos viviendo hace cien años en soledad. Juan se va a levantar; su madre no lo deja. Solo dice: Vamos a aprovechar el momento, quedate al lado mío, yo también estoy sola hace muchos años. Él queda indeciso, salvar la soledad de miles, o a su madre. El sol le da un cachetazo de realidad. Él mira el Molino de Viento girando. Douglas está allí, al lado suyo, siente el toque suave de la mano de él en la suya. Reconoce el perfume del cuerpo, la delicadeza de la suavidad de los labios que tocan, con cariño, su boca.
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SOLIDÃO Lembranças invadem a cabeça de Juan. São esparsas e confusas, numa avalanche de imagens a cair sobre ele, esmagando sua realidade. Passeia pelos campos cheios de flores e árvores, acompanhado de sua mãe e irmãos, num domingo ensolarado. Caminha lentamente pela estrada de terra, olha ao longe as enormes antenas que parecem sorrir para ele. De repente, acompanhado por dezenas de crianças, começa a correr em direção às antenas, que abrem os braços, esperando o carinho daquela multidão que vai se aproximando. A mãe de Juan aparece sentada ao seu lado. Olham a cidade e o céu, com pequenas nuvens formando um enorme sorriso, que se une ao deles. Embaixo está o Presídio Central, com seus muros incandescentes, levantando labaredas. Pessoas queimam lentamente. Gritam: Estamos vivendo a cem anos em solidão. Juan vai se levantar, mas sua mãe não deixa. Apenas diz: Vamos aproveitar o momento, fica do meu lado, eu também estou sozinha há muitos anos. Ele fica indeciso, salvar a solidão de milhares ou sua mãe. O sol dá uma bofetada de realidade no rosto de Juan. Ele olha o Moinho de Vento girando. Douglas está ali do seu lado, sente o toque suave da mão dele na sua. Reconhece o perfume do corpo, a delicadeza da maciez dos lábios que tocam, com carinho, sua boca.
Abre los ojos y sonríe, mientras se quema en su carpa improvisada en el parque. No teme morir, pues sabe que, en seguida, no estará más solo. En el mismo instante, Pablo Neruda observa el Océano Pacífico. A su lado, Matilde siente el viento golpeando, levemente, su rostro. La casa construida por ellos está abierta, recibiendo visitantes. Una casa con espacios específicos, según las ideas de Pablo. Isla Negra es un bello lugar, elegido por Pablo Neruda para vivir junto al Pacífico. Observando por la ventana, viajando en sus barcos, miniaturas de los sueños. Los juguetes son una parte importante de su vida. Están adornando algunos espacios, haciendo que los niños pregunten a los padres: ¿Por qué el dueño de la casa guardaba juguetes? La respuesta es porque él es un poeta. Juan observa el barrio, ve el Estadio Olímpico destruido, en plena descomposición. Recuerda en cuántos partidos estuvo allí, ahora solo hay escombros de aquello que fue el orgullo de una hinchada. Siente el viento que golpea su rostro, una caricia pequeña para aliviar su tristeza. No recibe visitas, está abandonado, sin identificación en la tumba, es solo un indigente más que destruyó su vida por el fuego. El contraste del número de visitantes en las tumbas de Pablo y Juan es evidente. ¿Cuántos se sientan al lado de la tumba en Chile, homenajeando al Premio Nobel de Literatura de 1972? Juan es un número olvidado en un cementerio público, posiblemente nunca será visitado por nadie. Solamente por el viento que viene diariamente a darle un abrazo...
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Abre os olhos e sorri, enquanto queima em sua barraca improvisada no parque. Não teme morrer, pois sabe que, em seguida, não estará mais sozinho. No mesmo instante, Pablo Neruda observa o Oceano Pacífico. Ao seu lado, Matilde sente o vento batendo, levemente, no rosto. A casa construída por eles está aberta, recebendo visitantes. Uma casa com espaços específicos, conforme as ideias de Pablo. Isla Negra é um belo lugar, escolhido por Neruda para viver junto ao Pacífico. Observando pela janela, viajando em seus barcos, miniaturas dos sonhos. Os brinquedos são parte importante de sua vida. Estão lá enfeitando alguns espaços, levando as crianças a perguntarem aos pais: Por que o dono da casa guardava brinquedos? A resposta é porque ele é um poeta. Juan observa o bairro, vê o Estádio Olímpico destruído, em franca decomposição. Lembra de quantos jogos esteve ali, agora só há escombros daquilo que foi orgulho de uma torcida. Sente o vento bater no seu rosto, uma carícia pequena para aliviar sua tristeza. Não recebe visitas, está abandonado, sem identificação no túmulo, é apenas mais um indigente que destruiu a vida pelo fogo. O contraste do número de visitantes nos túmulos de Pablo e Juan é evidente. Quantos se sentam ao lado da tumba no Chile, homenageando o Prêmio Nobel de Literatura de 1972? Juan é um número esquecido num cemitério público, possivelmente, nunca será visitado por ninguém. Somente pelo vento que vem diariamente dar-lhe um abraço...
Paulo Franquilin
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Rosa Bela Candida Rosa Ferraz Fonseca, pernambucana enraizada no Rio Grande do Sul há trinta anos. Quantas mulheres se expressando na arte da literatura! Muitas dessas vozes foram amordaçadas no século passado por uma cultura patriarcal. Entre elas, Antonieta Moreira Ferraz, que, com um talento nato, não teve o direito de desenvolvê-lo. Resolveu, então, lutar para que as suas filhas o tivessem. Obrigada, mãe. A ti dedico minha participação nesta obra. Candida Rosa Ferraz Fonseca, pernambucana enraizada en Río Grande del Sur. ¡Cuántas mujeres expresándose en el arte de la Literatura! Muchas de estas voces fueron amordazadas en el siglo pasado por una cultura patriarcal. Entre ellas, Antonieta Moreira Ferraz, que, con un talento nato, no tuvo el derecho de desarrollarlo. Decidió, entonces, luchar para que sus hijas lo tuvieran. Gracias, mamá. A ti dedico mi participación en esta obra.
GUERNICA Piedad tapa la olla sobre la cocina donde terminó de cocinar arroz con patas de pollo. Es la única mezcla para su cena y la del hijo Josué. Está oscureciendo, y él luego debe llegar de la escuela. Desde que al marido lo mataron, viene luchando para mantener el pan en la mesa. El Bolsa Família ayuda a pagar el alquiler de la casucha que pertenece a la milicia que se lo llevó. Mas allá de eso, consigue algo de plata lavando ropa, haciendo limpiezas o cuidando a alguien enfermo, mientras mantiene al niño en la escuela. Alimenta la esperanza de que un día él pueda asegurar una vida mejor para ambos. Una sonrisa casi se asoma a sus labios. Ese chiquilín, inteligente y amable, es el tesoro de su corazón. Va hasta el fondo a buscar algunas hojas de perejil, plantado a lo largo de la zanja por donde escurre el agua. Un ruido tenebroso, conocido en toda la vecindad, le llama la atención. Es el pájaro de la muerte buscando desde lo alto sus presas; un helicóptero que hace su vuelo nefasto sobre la comunidad. Ta-ta-ta-ta-ta-ta. El corazón de Piedad se acelera a medida que el ruido se acerca. Corre para adentro de casa y reza para que no sea la próxima dirección de las balas perdidas. Enfrente a la imagen de Nuestra Señora Aparecida, que consiguió esconder del pastor, ella pide protección a la Virgen. De repente, escucha tiros seguidos de gritos de hombres, mujeres, niños, todo en un bullicio de pánico y revuelta. En sobresalto, Piedad piensa en Josué. Sale como loca por la calle. 216
GUERNICA Piedade tampa a panela sobre o fogão onde terminou de cozinhar arroz com patas de galinha. É a única mistura para o seu jantar e do filho Josué. Está escurecendo, e ele logo deve chegar da escola. Desde que o marido foi morto, tem lutado para manter o pão na mesa. O Bolsa Família ajuda a pagar o aluguel do barraco pertencente à milícia que o levou. No mais, consegue algum trocado lavando roupa, fazendo faxina ou cuidando de alguém doente, enquanto mantém o menino na escola. Alimenta a esperança de que um dia ele possa garantir vida melhor para ambos. Um sorriso quase lhe assoma aos lábios. Aquele moleque, inteligente e amável, é o tesouro do seu coração. Vai até os fundos tirar umas folhas de cheiro verde, plantado ao longo ao longo da valeta de escoamento da água. Um ruído tenebroso, conhecido de toda a vizinhança, chama-lhe atenção. É o pássaro da morte buscando do alto suas presas; um helicóptero que faz seu voo nefasto sobre a comunidade. Tá-tá-tá-tá-tá-tá. O coração de Piedade acelera-se à medida que o barulho se aproxima. Corre para dentro de casa e reza para não ser o próximo endereço das balas perdidas. Em frente à imagem de Nossa Senhora Aparecida, que conseguiu esconder do pastor, ela pede proteção à Virgem. De repente, ouve tiros seguidos de gritos de homens, mulheres, crianças, tudo em um burburinho de pânico e revolta. Em sobressalto, Piedade pensa em Josué. Sai como louca rua à fora.
Baja la callejuela y llega a la calle mayor, iluminada desde abajo por una profusión de luces amarillas, azules y rojas, venidas de las camionetas de la policía que esperan el resultado de la cazada. Soldados gritan malas palabras y amenazan con golpes a los vecinos en hilera contra una pared, con las manos en la nuca y sin camisa. Piedad siente que está en medio de la pesadilla más cruel que alguien pueda imaginar, aunque ya lo haya presenciado muchas veces. Da vuelta en un callejón, sale en una transversal más oscura, donde hombres de uniforme fuerzan una puerta con sus fusiles en puño. Y allí, en el medio de la calle, sus ojos acompañan un filete de sangre que se extiende en un camino rojo, que empieza en un cuerpo negro. La mujer no escucha más los gritos, tiros, helicópteros, nada. Un zumbido en sus oídos la deja sorda y mareada. La boca seca. Reconoce el uniforme, las piernas, los brazos, la cara, aquel cuerpito amado salido de sus entrañas. Cae de rodillas, se lo pone en la falda y mira hacia arriba. ¿Dónde está Dios? ¿Y la Virgen María? Abre la boca y no sale nada, ni una oración, ni un gemido, ni siquiera sollozo. El dolor es un chorro de acero en fuego que se lanza, rompiendo su pecho, en dirección al infinito. Allí, en el suelo de la favela¸ está la Pietà con su único hijo muerto en los brazos, en la Guernica nuestra de cada día.
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Desce pela viela e chega na rua maior, iluminada lá de baixo por uma profusão de luzes amarelas, azuis e vermelhas, vindas dos camburões que esperam o resultado da caçada. Soldados gritam palavrões e ameaçam com coronhadas moradores enfileirados em uma parede, com as mãos na nuca e sem camisa. Piedade sente que está no meio do pesadelo mais cruel que alguém pode imaginar, embora já o tenha presenciado por diversas vezes. Dobra um beco, sai em uma transversal mais escura, onde homens fardados arrombam uma porta com seus fuzis em punho. E ali, no meio da rua, seus olhos acompanham um filete de sangue que se estende em um caminho vermelho, iniciado em um pequeno corpo negro. A mulher não ouve mais gritos, tiros, helicópteros, nada. Um zumbido em seus ouvidos a deixa surda e tonta. A boca seca. Reconhece o uniforme, as pernas, os braços, o rosto, aquele corpinho amado saído de suas entranhas. Cai ajoelhada, toma-o no colo e olha para cima. Onde está Deus? E a Virgem Maria? Abre a boca e nada sai, nem uma prece, nem um gemido, sequer um soluço. A dor é um jato de aço em fogo que se lança, rasgando seu peito, em direção ao infinito. Ali, no chão da favela, está a Pietà com seu único filho morto nos braços, na Guernica nossa de cada dia.
Rosa Bela
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HOJAS MUERTAS Tengo mucho miedo de las hojas muertas, miedo de los prados llenos de rocío. Yo voy a dormirme; si no me despiertas, dejaré a tu lado mi corazón frío. FEDERICO GARCÍA LORCA, AIRE NOCTURNO
Un grito corta la carne negra de la noche Sin embargo, solo el silencio responde El miedo se esconde detrás de cada puerta Botas de asalto resuenan Se alejan los cobardes La sangre rubra escurre Hace camino en la calle Mojando hojas muertas ¿De cuánto la esfinge horrenda se habrá alimentado? A un hombre que hizo de la pluma carmín La lucha con palabras de amor Lo sacan de la vida Con todo, ¿qué es eso que suena eterno? Es su arte, es su obra ¡VIVA FEDERICO GARCÍA LORCA!
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FOLHAS MORTAS Tenho muito medo das folhas mortas, medo dos prados cheios de orvalho. Eu vou adormecer; se não me acordares, deixarei a teu lado meu coração frio. FEDERICO GARCÍA LORCA, AR NOTURNO
Um grito corta a carne negra da noite No entanto, só o silêncio responde O medo se esconde atrás de cada porta Botas de assalto ressoam Afastam-se os covardes O sangue rubro escorre Faz caminho na rua Molhando folhas mortas De quanto a esfinge medonha terá se alimentado? Um homem que fez da pena carmim A luta com palavras de amor É tirado da vida Contudo, o que é isso que soa eterno? É sua arte, é sua obra VIVA FEDERICO GARCIA LORCA!
Tus insanos y grotescos enemigos están ahora Ahogados en la cloaca podrida y amorfa de la historia ¡VIVA FEDERICO GARCÍA LORCA! Duerme, amor mío Tu corazón a mi lado espera la aurora En cada verso, en cada rosa ¡No abandonemos la bandera! Tu pájaro llora ¡VIVA FEDERICO GARCIA LORCA!
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Teus insanos e grotescos inimigos estão agora Afogados no esgoto pútrido e amorfo da história VIVA FEDERICO GARCIA LORCA! Dorme, amor meu Teu coração ao meu lado espera a aurora Em cada verso, em cada rosa Não abandonemos a bandeira! Teu pássaro chora VIVA FEDERICO GARCIA LORCA!
Rosa Bela
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EL ARCÁNGEL Y LA FLOR Un Arcángel fue enviado a la Tierra con la misión de anunciar a la más bella Flor de la humanidad que ella sería la madre del Salvador. Cuando la vio, sintió un amor tan grande que pidió al Creador para volver como humano, para que pudiera regalarle una obra de arte a la altura de su gracia. Gabriel Joaquim dos Santos nació el trece de mayo de 1892, en São Pedro D’Aldeia, Río de Janeiro, en el seno de la numerosa familia de Joaquim dos Santos, esclavo emancipado, y Leopoldina Maria da Conceição, indígena convertida. Analfabeto hasta los treinta y seis años, tenía la inteligencia espiritual de los tamoyos y el alma poética africana del sueño de libertad. Por su alegre ingenuidad, los familiares lo consideraban un bobo, parecía vivir en las nubes. No extrañaron que nunca se hubiera casado. Necesitando la soledad creativa de los artistas, con veinte años construyó una casita de tapia en la colina del terreno de la casa paterna, de donde apreciaba la vista del mar y disfrutaba la exuberante Mata Atlántica. Su aura mística lo mantenía en armonía con la naturaleza y con los hombres. Para su sobrevivencia material, trabajaba en las salinas como la mayoría de los pobres de la región de los Lagos. Un día, en un momento de meditación, el Espíritu de los vientos de la mata y del mar le concedió un sueño y por la mañana, salió a buscar con qué concretarlo. Recogió pedazos de vidrio, de platos, de ladrillos, de azulejos y conchas de mar. 224
O ARCANJO E A FLOR Um Arcanjo foi enviado à Terra com a missão de anunciar à mais bela Flor da humanidade que ela seria a mãe do Salvador. Quando a viu, sentiu um amor tão grande que pediu ao Criador para voltar como humano, para que pudesse presenteá-la com uma obra de arte à altura de sua graça. Gabriel Joaquim dos Santos nasceu aos treze de maio de 1892, em São Pedro D’Aldeia, Rio de Janeiro, no seio da numerosa família de Joaquim dos Santos, escravo alforriado, e Leopoldina Maria da Conceição, indígena convertida. Analfabeto até os trinta e seis anos, possuía a inteligência espiritual dos tamoios e a alma poética africana do sonho de liberdade. Por causa de sua alegre ingenuidade, os familiares o consideravam um tolo, parecia viver nas nuvens. Não estranharam por ele nunca ter se casado. Necessitando da solidão criativa dos artistas, aos vinte anos construiu uma casinha de taipa na colina do terreno da casa paterna, de onde apreciava a vista do mar e usufruía da exuberante Mata Atlântica. Sua aura mística mantinha-o em harmonia com a natureza e com os homens. Para sua sobrevivência material, trabalhava nas salinas como grande parte dos pobres da Região dos Lagos. Um dia, em um momento de meditação, o Espírito dos ventos da mata e do mar concedeu-lhe um sonho e, pela manhã, saiu a procurar com que concretizá-lo. Recolheu cacos de vidro, de louças, de ladrilhos, de azulejos e conchas do mar. Foi trazendo tudo para casa. À noite, fazia suas preces
Fue trayendo todo para casa. De noche, hacía sus oraciones y pensaba en cómo usar aquel material. Al despertarse, transformaba su inspiración en lindos bordados en las paredes, en los muros y en el jardín. Hizo nichos, bancos, altares, paneles, mosaicos, jarros, escalinatas, esculturas, donde las flores predominaban como motivo. Denominó su obra Casa de la Flor. Los visitantes le preguntaban: – ¿Por qué hiciste esa casa, Gabriel? – Eso no es una casa… eso es una historia. Es una historia porque es hecha de pensamiento y sueño. – ¿Cómo aprendiste a hacer todo eso? – No tuve escuela, aprendí todo con el viento. Gabriel revistió toda la casa y el jardín, transformando los pedazos en belleza durante más de sesenta años. Dedicó su energía, tiempo e imaginación en aquel fantástico emprendimiento. La luz de sus ojos se fue apagando como consecuencia del trabajo en las salinas, pero permaneció lúcido y soñador, libre y feliz hasta el día en que Espíritu de los Vientos vino a avisarle que su Flor se consideraba satisfecha con el regalo. A los noventa y dos años, partió para recibir el agradecimiento de su Señora y con ella convivir en la eternidad. Por su obra original y magnífica, Gabriel Joaquim dos Santos quedó conocido como el Gaudí brasileño.
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e pensava em como usar aquele material. Dormia e sonhava com adornos que nunca tinha visto. Ao acordar, transformava sua inspiração em lindos bordados nas paredes, nos muros e no jardim. Fez nichos, bancos, altares, painéis, mosaicos, vasos, escadarias, esculturas, onde as flores predominavam como motivo. Denominou sua obra de Casa da Flor. Os visitantes perguntavam: – Por que você faz essa casa, Gabriel? – Isso não é uma casa... isso é uma história. É uma história porque é feita de pensamento e sonho. – Como você aprendeu a fazer tudo isso? – Não tive escola, aprendi tudo com a ventania. Gabriel revestiu toda a casa e o jardim, transformando os cacos em beleza durante mais de sessenta anos. Dedicou sua energia, tempo e imaginação naquele fantástico empreendimento. A luz dos seus olhos foi-se apagando como sequela do trabalho nas salinas, mas permaneceu lúcido e sonhador, livre e feliz até o dia em que o Espírito das Ventanias veio lhe avisar que a sua Flor se considerava satisfeita com o presente. Aos noventa e dois anos, ele partiu para receber o agradecimento de sua Senhora e com ela conviver na eternidade. Por sua obra original e magnífica, Gabriel Joaquim dos Santos ficou conhecido como o Gaudí brasileiro.
Rosa Bela
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MONUMENTO A LA MADRE PELOTENSE Thyele está sentada en un banco de la Plaza Coronel Pedro Osorio. Son las cinco de la tarde y ella espera conseguir un cliente. Enfrente está el Monumento a la Madre Pelotense. Desconoce el nombre de Antonio Caringi, su autor, pero algo en ella le atrae. Tal vez su subconsciente represente allí un derecho que le fue negado y que también no tuvo cómo dispensar a su propio hijo: sufrió abusos en la infancia y tiene un gurí que no ve hace más de tres años. Llevado por el Consejo Tutelar cuando la arrestaron, no sabe por dónde anda. Cruza bien las piernas y ofrece los muslos delgados, apenas envueltos por la minifalda. Vuelve la mirada hacia la obra de Caringi: La estatua es negra, pero tiene la cara y el cabello de gente blanca. Qué felicidad la suya, cuidar a su hijito. Seguramente hay mucha comida y ropa para él. Vive en una casa grande. Está aquí solo disfrutando la plaza. Mira hacia un costado y muestra su sonrisa de dientes estropeados a un muchacho que se acerca, pero pierde la esperanza. Los hombres que vienen a buscar sexo, en su mayoría, son colonos y viejos mal vestidos. El tipo se acerca y susurra: – Hola. ¿Tenés crack? – Andá ahí hasta la fuente, aquel hombre sentado cerca del vendedor de pop. – Dale, gracias. Y, con lástima por la mujer, le da un real por la información. 228
MONUMENTO À MÃE PELOTENSE Thyele está sentada em um banco da Praça Coronel Pedro Osório. São cinco da tarde e ela espera conseguir um cliente. À sua frente está o Monumento à Mãe Pelotense. Desconhece o nome de Antônio Caringi, o seu autor, porém algo nela a atrai. Talvez o seu subconsciente represente ali um direito que lhe foi negado e que também não teve como dispensar ao seu próprio filho: sofreu abusos na infância e tem um guri que não vê há mais de três anos. Levado pelo Conselho Tutelar quando foi presa, não sabe por onde ele anda. Cruza bem as pernas e as coxas magras são oferecidas, mal embrulhadas pela minissaia. Retorna o seu olhar para a obra de Caringi: A estátua é preta, mas ela tem cara e cabelo de gente branca. Que felicidade dela, cuidar o filhinho. Com certeza, tem muita comida e roupa pra ele. Mora numa casa grande. Está aqui só curtindo a praça. Olha para um lado e mostra o seu sorriso de dentes estragados para um rapaz que se aproxima, mas perde a esperança. Os homens que vêm procurar sexo ali, em sua maioria, são colonos e velhos malvestidos. O cara chega perto e sussurra: – Oi. Tu tem pedra? – Vai ali no chafariz, aquele homem sentado perto do pipoqueiro. – Tá. Valeu.
Thyele agarra la moneda y se la pone en la caña de la bota. No vende más droga, pues por eso se quedó en la cárcel los últimos tres años y, allá adentro, pasó las de Caín. Además, perdió el hijo, la casa, y el hombre que, aun preso, ya se consiguió otra. Vuelve a contemplar la madre de bronce que permanece allí, eternamente cuidando a su bebé gordito. ¿Cómo se llamaría? Los ricos generalmente tienen muchos nombres y apellidos. Debajo de la escultura hay una placa con las informaciones, pero la muchacha apenas sabe leer y no le interesa descifrarla. Para sí, eligió el nombre Thyele, mucho más lindo a Yolanda, nombre de la abuela con el cual la registraron. Extraña al hijo y eso le provoca un nudo en el pecho, pero las lágrimas no vienen a desatarlo. Recurre al traficante para comprar una piedra que la moneda puede pagar. Para fumar, se sienta cerca de una de las nereidas, obra de arte francesa que forma parte de los bellos adornos de la fuente, puesta allí a fines del siglo XVIII para esconder la llaga del pasado cruel de la ciudad, el pelourinho, donde los señores vendían y disciplinaban a los negros que ayudaron a hacer Princesa do Sul tan rica como los saladeros y las olerías. La noche va cayendo. La gente que vuelve del trabajo cruza la plaza apurada en todas las direcciones, con miedo a que las roben o las importunen. La mala reputación de la plaza es histórica. Thyele logra, al final, su cliente y va a un hotel de mala muerte de la calle Quince, donde va a repartir las ganancias del día con el dueño. Aún no sabe que está embarazada.
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E, com pena da mulher, dá a ela um real pela informação. Thyele pega a moeda e põe no cano da bota. Não vende mais droga, pois foi por isso que puxou cadeia nos últimos três anos e, lá dentro, comeu do pão que o diabo amassou. Além disso, perdeu o filho, a casa e o homem que, mesmo preso, já arranjou outra. Volta a contemplar a mãe de bronze que permanece ali, eternamente cuidando seu bebê gorducho. Como seria o nome dela? Rico geralmente tem muitos nomes e sobrenomes. Logo abaixo da escultura há uma placa com as informações, mas a moça mal sabe ler e não se interessa em decifrá-la. Para si, escolheu o nome Thyele, muito mais bonito que Iolanda, nome da avó com o qual foi registrada. A saudade do filho causa-lhe um nó no peito, mas as lágrimas não vêm desatá-lo. Recorre ao traficante para comprar a pedra que o pila pode pagar. Para fumar, senta-se perto de uma das nereidas, obra de arte francesa que faz parte dos belos adornos do chafariz, posto ali no final do século XVIII para encobrir uma chaga do passado cruel da cidade, o pelourinho, onde os senhores vendiam e disciplinavam os negros que ajudaram a tornar a Princesa do Sul tão rica com as charqueadas e as olarias. A noite vai caindo. Pessoas que voltam do trabalho atravessam a praça apressadamente em todas as direções, com medo de assalto ou de serem importunadas. A má reputação da praça é histórica. Thyele consegue, afinal, seu cliente e segue para um pardieiro da rua Quinze, onde vai dividir a féria do dia com o dono. Não sabe ainda que está grávida.
Rosa Bela
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Vilma Norma Loner Sou italiana, Trentina. A agradecer tenho tudo. Nasci com um quilo seiscentos e oitenta gramas, no domingo de um verão montanhês, em 1945. Sobrevivi. Quatro anos depois, vinte e seis dias pelo mar. Desembarco em Santos, esquelética. Sobrevivi. Passei por fazendas, cafezais, silos e usinas de cana-de-açúcar. Sobrevivi. Minha herança foi o respeito de meus pais pelo conhecimento humano. Livros, livros, sempre livros. Sobrevivo. Soy italiana, Trentina. Tengo todo que agradecer. Nací con un quilo seiscientos ochenta gramos, un domingo de un verano montañez, en 1945. Sobreviví. Cuatro años después, veintiséis días por el mar. Desembarco en Santos, esquelética. Sobreviví. Pasé por estancias, cafetales, silos y usinas de caña de azúcar. Sobreviví. Mi herencia fue el respeto de mis padres por el conocimiento humano. Libros, libros, siempre libros. Sobrevivo.
BANDIDOS, FEDERALES, RENEGADOS Sansón, un perro mixto de galgo y ovejero, atento, espera sobre los escalones de la iglesita de santa María de las Mercés. – Tú te quedas. Ven cuando silbe, dijo Ramírez, alejándose a pasos largos hacia el batallón de renegados, que espera al final de la calle polvorienta. Por todos los doscientos metros, él siente la mirada de odio de los pueblerinos. Llega a los árboles: las cuerdas se hamacan con la cinta del prefecto, el sombrero del juez y la sotana del cura, justiciados el viernes, por León Diego. El perro se sienta, manteniendo las orejas paradas y la mirada en el dueño, sin entender mucho por qué Ramírez lo dejó allí. ¡Ellos se volvieron inseparables! Pero el amor no se discute, entonces él obedece. Mientras espera la señal, Sansón recuerda flashes de sus vidas. Su recuerdo más reciente es el de esta mañana. Yo estaba acostado en los pies de la cama, aquí en el cuartel de la Villa, escuchando a Ramírez que decía: Sansón, esperé mucho por este día, Dios me hizo justicia, la mía también está lista. Hace mucho tiempo, pero duele, como si hubiera sucedido ayer, siguió: Fue antes de soltarte de la trampa, en Passo Manganegra. No sé quién de nosotros dos estaba más cerca de la muerte aquella noche. Solo sé que allí, el miedo por ella se evaporó. Creo incluso que nos casamos en aquel instante.
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BANDIDOS, FEDERAIS, RENEGADOS Sansão, um cão misto de galgo e ovelheiro, atento, aguarda sobre os degraus da igrejinha de Santa Maria de las Mercez. – Você fica. Venha quando eu assoviar, disse Ramirez, afastando-se a passos largos em direção ao seu batalhão de renegados, à espera no final da rua empoeirada. Por todos os duzentos metros ele sente o olhar de ódio dos aldeões. Chega à frente das árvores: cordas balançam com a faixa do prefeito, o chapéu do juiz e a batina do padre, justiçados sexta-feira, por Leon Diego. O cão senta-se, mantendo as orelhas em pé e o olhar no dono, sem entender muito do porquê Ramirez o deixou ali. Eles se tornaram inseparáveis! Mas amor não se discute, então ele obedece. Enquanto espera o sinal, Sansão relembra flashes de suas vidas. Sua lembrança mais recente é desta manhã. Eu estava deitado aos pés da cama, aqui no quartel general da Vila, ouvindo Ramirez falar: Sansão, esperei muito por este dia, Deus me fez justiça, a minha também está pronta. Faz muito tempo, mas dói, como se acontecido ontem, continuou: Foi antes de te soltar da armadilha, em Passo Manganegra. Não sei quem de nós dois estava mais próximo da morte naquela noite. Só sei que, ali, o medo por ela se evaporou. Acho até que nos casamos naquele instante.
Eso fue hace veinte meses, Sansón, me acuerdo bien. Yo huía de todos. Nadé del puente de Sanga Verde, destruido, hasta el Cotovelo do Anão, contra la corriente, me tiré sobre las piedras para recuperar el aliento. Yo corría desde hacía más de cinco horas sin detenerme, las botas sangraron todas las ampollas. Corisco había dado su vida por mí: yo lo llevé al agotamiento. Subí el barranco, y encontré fuego con cenizas aún calientes. Bandidos o Rebeldes al frente y los Federales atrás mío. ¡Ayúdame Dios! Ramírez agarra de la pila de ropas una camisa de algodón crudo, se la pone, se la saca y agarra otra más grande. Es delgado, pero tiene la espalda y el pecho musculosos, fruto del trabajo pesado. Cierra, lento, los cuatro botones, mientras sigue su soliloquio conmigo: – Crucé todo mi maizal, rezando. Al final entré por debajo del palo borracho, era paso para la casa camuflada en la mata. Rosalia mantenía el fuego día y noche en la estufa donde cocinaba, y el hilo de humo me alegró tanto, que el corazón me ahogaba de ansiedad. Corrí para el cuarto, para hacerle una sorpresa. Entonces el infierno se abrió: – ¡Sansón, la cama estaba vacía! Demoré mucho, negociando en los pueblos, después hubo la pelea en el bar, la prisión, mi fuga. El federal borracho agarrándome, cayendo y muriendo, los otros a los gritos persiguiéndome. ¡Rosalia! La llamé yendo hasta la cocina. Había brasas rojas en el fuego. ¡Ella está aquí! Vi un pie entre los canastos de la cosecha, amontonados en un rincón. – ¡¿Rosalia!?
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Isso foi há vinte meses, Sansão, lembro bem. Eu fugia de todos. Nadei da ponte da Sanga Verde, destruída, até o Cotovelo do Anão, contra a corrente, joguei-me sobre as pedras para recuperar o fôlego. Eu corria há mais de cinco horas sem parar, as botinas sangraram todas as bolhas. Corisco havia dado sua vida por mim; eu o levei à exaustão. Subi a barranca, e achei fogo com cinzas ainda quentes. Bandidos ou Rebeldes à frente e os Federais atrás de mim. Ayuda-me Dios! Ramirez pega da pilha de roupas uma camisa de algodão cru, veste-a, tira-a e pega outra maior. Ele é magro, mas tem costas e peito musculosos, fruto do trabalho pesado. Fecha, vagaroso, os quatro botões, enquanto continua seu solilóquio comigo: – Atravessei toda minha roça de milho, rezando. Ao final entrei por debaixo da paineira, era passagem para a casa camuflada na mata. Rosália mantinha fogo dia e noite na lareira onde cozinhava, e o fio de fumaça me alegrou tanto, que o coração me afogava de ansiedade. Corri para o quarto, para fazer-lhe surpresa. Então, o inferno se abriu: – Sansão! A cama estava vazia. Demorei muito, negociando nas Vilas, depois houve a briga no bar, a prisão, minha fuga. O federal bêbado me agarrando, caindo e morrendo, os outros aos gritos me perseguindo. Rosália! Chamei indo para a cozinha. Havia brasas vermelhas no fogo. Ela está aqui! Vi um pé entre os cestos de colheita, amontoados no canto. – Rosália!?
Vilma Norma Loner
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BANDIDOS – ¿Rosaliaaaaa? Con el corazón y los pulmones ardiendo, alejé los canastos y encontré el cuerpo desnudo, violado, de Amelita, su hermana menor. Ramírez agarra sus botas, lustradas por la mañana, se sienta en el catre y sigue recordando: – Rosalia… llamé en un hilo de voz, consumiéndome en una terrible desesperación, y saliendo al fondo implorando a Dios por cualquier sonido. Fui atendido. El relinchar de un caballo en sufrimiento, traído por el viento de la madrugada, y venido de las montañas al sur, me daba la ruta de los fugitivos: el paso por Ravina das Sombras. Corrí entre la huerta y el arrollito, donde nace el río, sin acordarme del cansancio: ¡Yo tenía que rescatarla, Sansón! Dijo, golpeando la bota para sacar cualquier habitante y calzándosela. Yo, acosado por las malditas moscas del estiércol de las cabras, que insistían en morderme las orejas, sacudí la cabeza, me levanté, me senté delante suyo y lo miré con adoración: ¡Eso solo nosotros, los perros, logramos! Él vio que la media se había roto en el medio, pero era la única de la pila de restos. Se la puso y trenzó los cordones de la bota, siguiendo: – Sabes, Sansón, la esperanza de encontrarla me empujaba las piernas y forzaba los pulmones a respirar. Encontré un caminito de pasto, en medio de las piedras, y lo seguí. 238
BANDIDOS – Rosáááália? Com o coração e os pulmões ardendo, afastei os cestos e encontrei, o corpo nu, violado, de Amelita, sua irmãzinha. Ramirez pega suas botinas, engraxadas pela manhã, senta-se na cama de campanha e continua a relembrar: – Rosália… chamei num fio de voz, me esvaindo em pavoroso desespero, e saindo para o quintal implorando a Deus por qualquer som. Fui atendido. O relinchar de um cavalo em sofrimento, trazido pelo vento da madrugada, e vindo das montanhas ao sul, me dava a rota dos fugitivos: a passagem na Ravina das Sombras. Corri entre a horta e o riachinho, nascedouro da sanga, sem lembrar do cansaço: Eu tinha que resgatá-la, Sansão! disse, batendo a botina para tirar qualquer inquilino e calçando-a. Eu, acossado pelas malditas moscas do esterco de cabras, que teimam em morder minhas orelhas, sacudi a cabeça, me levantei, sentei-me a sua frente e o olhei com adoração: Isso só nós, cães, conseguimos! Ele viu que a meia se rasgou no dedo, mas era a única da pilha de espólios. Calçou-a e trançou os cordões da botina, continuando: – Sabe, Sansão, a esperança de achá-la empurrava minhas pernas e forçava os pulmões a respirar. Achei uma estradinha de relva, em meio às pedras, e a segui.
En una curva, recostada en un montón de piedras deslizadas, sus lindos ojos azules me miraban; el alivio hizo que mi boca riera, y el terror congeló la sonrisa: su rostro estaba pálido y de su brazo izquierdo corría un filete intermitente de sangre. Le habían cortado la arteria, y ella, desmayada, moría lentamente. Era la firma personal de León Diego en todas sus víctimas. Ramírez buscó el chaleco, mientras desahogaba conmigo su tristeza: – Si llorara, Sansón, no tendría fuerzas para nada. El odio y la venganza me fortalecieron. Le bajé las polleras y, abrazando el cuerpo que amaba, la llevé hasta nuestra casa, la puse en la cama y la cubrí con la colcha de encajes que había tejido en las noches en que esperaba que yo volviera. Debilitado por los recuerdos, lloré sobre ella, cerrándole los ojos e implorando su perdón. El sonido de la corneta me alertó: los federales estaban cerca. Pero ahora yo no quería más la lucha. Tenía un nuevo desafío: buscar a León Diego, encontrarlo y matarlo. En ese momento me volví un cobarde, Sansón, él dice, poniéndose la chaqueta y buscando el cinturón. Entre el odio a los Federales y a ese bandido cruel, Diego venció y hui para perseguirlo. Al pasar por la puerta de la cocina y desde allí a las montañas, tiré la lámpara sobre los canastos de mimbre. Lancé las últimas brasas y corrí. Ya lejos, me di vuelta para ver las llamas que consumían todo, Sansón. Amelia y Rosalia tuvieron vida de campesinas, pero su funeral, era de Reinas.
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Em uma curva, recostada no monte de cascalhos deslizados, seus lindos olhos azuis me fitavam; o alívio fez minha boca rir, e o pavor congelou o sorriso: seu rosto estava pálido e do seu braço esquerdo corria um filete intermitente de sangue. Haviam cortado sua artéria, e ela, desmaiada, morria vagarosamente. Era a assinatura pessoal de Leon Diego em todas as suas vítimas. Ramirez buscou o casaco sem mangas, enquanto desabafava comigo, sua tristeza: – Se eu chorasse, Sansão, não teria forças para nada. O ódio e a vingança me fortaleceram. Abaixei as suas saias e, abraçando o corpo que amava, a levei até a nossa casa, coloquei-a na cama e a cobri com a colcha de rendas que tecera nas noites em que esperava a minha volta. Enfraquecido pelas lembranças, chorei sobre ela, cerrando-lhe os olhos e implorando o seu perdão. O som da corneta me alertou: os Federais estavam próximos. Mas agora eu não queria mais a luta. Tinha um novo desafio: procurar El Leon Diego, encontrá-lo e matá-lo. Nessa hora me tornei um covarde, Sansão, ele fala, vestindo a jaqueta e procurando pelo cinto. Entre o ódio aos Federais e a esse bandido cruel, Diego venceu e fugi para persegui-lo. Na passada para a porta da cozinha e de lá às montanhas, derrubei o lampião sobre os cestos de vime. Joguei as últimas brasas e corri. Já longe, virei para ver as labaredas que consumiam tudo, Sansão. Amélia e Rosália tiveram vida de campesinas, mas seu funeral, era de rainhas.
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RENEGADOS Ramírez revolvía la pila de ropas, buscando el cinturón. Lo reboleó sobre la cabeza, como un látigo, recordando su dolor. – Me volví un renegado, galopaba, destruía, incendiaba, bajo el comando del Viejo. Todo para encontrarlo. Auu sé, Auuu vi, hablé. Él me miró, se detuvo y cubrió el rostro con las manos, angustiado. Ramírez, tu corazón no se endureció, solo perdió un poco el rumbo. Me acuerdo de que borró huellas para que inocentes escaparan, defendió mujeres y niños de los amigos, dejó paquetes de comida y dinero en los pueblos, le dije tocándole la pierna con el hocico. Una mano acaricia mi cabeza, la otra abrocha el largo cinturón. Agarra la alforja colgada en el clavo de la ventana y busca algo; nervioso, tira todo sobre la mesa: ¿Pero será que lo perdí, justo ahora? Revuelve y encuentra una larga navaja. Con el dedo, verifica cuidadoso el filo y dice despacio: Sansón, viví años buscando, perdí la consciencia de hombre en medio de los renegados, pero por fin lo encontré. Voy a matarlo; y hoy me encontraré con Rosalia en el paraíso de los amantes. Él encuentra una abertura en el cinturón, pone la navaja allí, casi invisible. Se pone un gorro y sale conmigo al sol, hacia la iglesita.
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RENEGADOS Ramirez remexia a pilha de roupas, procurando o cinto. Rodou-o sobre a cabeça, como um chicote, rememorando sua dor. – Tornei-me um renegado, galopava, destruía, incendiava, sob o comando del Viejo. Tudo para achá-lo. Auu sei, Auuu vi, falei. Ele me olhou, parou e cobriu o rosto com as mãos, angustiado. Ramirez, teu coração não endureceu, só perdeu um pouco o rumo. Lembro que desfez pegadas para inocentes fugirem, defendeu mulheres e crianças dos amigos, deixou pacotes de comida e moedas nas vilas, falei tocando o focinho em sua perna. Uma mão afaga minha cabeça, a outra afivela o largo cinto. Pega o alforje pendurado no prego da janela e procura por algo; nervoso, despeja tudo sobre a cama: Será possível que o perdi, logo agora? Revira e acha um longo estilete. Com o dedo, verifica cuidadoso o fio e fala devagar: Sansão, vivi dois anos a procurar, perdi minha consciência de homem em meio aos renegados, mas finalmente o achei. Vou matá-lo; e hoje me encontrarei com Rosália no paraíso dos amantes. Ele acha uma abertura no cinto, encaixa o estilete ali, quase invisível. Coloca um quepe e sai comigo para o sol, em direção à igrejinha.
Baja los escalones y empieza a contar sus pasos. Estoy prohibido de ir. – Quédate, me dijo, con una caricia en la cabeza. Ven cuando silbe. Me siento en los escalones y, de mala gana, obedezco. Yo lo quiero. Aquel pueblo, cercano a la frontera, era importante. Los soldados fueron todos muertos por los bandidos de León Diego. Los vencedores, con bajas de antes y de ahora, necesitan refuerzos. El Cuervo, el brazo derecho, nos había contratado en la Cova da Raposa. Ramírez, con la muerte de El Viejo, picado por una cascabel, era el actual capitán. Nosotros llegamos en el momento del Ave María del día anterior y estamos por toda la plaza. Pesa sobre las personas el poder allí expuesto. León Diego usa el miedo como arma. Son intimidados para colaborar, sin resistencia, ahora y en el futuro. Hoy, Don Diego, como se había intitulado al llegar, quiere demostrar todo su poder. Sale de la iglesia, su cuartel general, donde cambió las carrilleras cruzadas en el pecho por una camisa blanca arrancada de los Santos, y viene arrastrando atrás suyo, a pesar del calor, un largo manto rojo. Camina haciéndole adiós al pueblo. Al final de la calle, Ramírez repasa el plan: Los bandidos restantes siguen a Don Diego. Sansón va a correr en línea recta; van a espantarlo, van a distraerse. Yo, con la navaja ya en mano, voy hacia el perro y Diego. Soy rápido; los bandidos no van a darse cuenta y la garganta de Don Diego se encontrará con sus orejas en segundos. Después… Ramírez mira y calcula: Don Diego viene como un pavo real, orondo, y está a ochenta metros… sesenta… cincuenta… cuarenta… Ramírez silba... 244
Desce os degraus e começa a contar suas passadas. Sou proibido de ir. – Fica, ele me diz, num cafuné. Venha quando eu assoviar. Sento-me nos degraus e, relutante, obedeço. Eu o amo. Aquela vila, próxima à fronteira, era importante. Os soldados foram todos mortos pelos bandidos de Leon Diego. Os vencedores, com as baixas de antes e de agora, precisam de reforços. El Cuervo, o braço direito, nos contratara na Cova da Raposa. Ramirez, com a morte Del Viejo, picado por uma cascavel, era o atual capitão. Nós chegamos na hora da Ave Maria do dia anterior e estamos por toda a praça. Pesa sobre as pessoas o poder ali exposto. Leon Diego usa o medo como arma. São intimidados para colaborar, sem resistência, agora e no futuro. Hoje, Dom Diego, como se intitulara ao chegar, quer demonstrar todo seu poder. Ele sai da igreja, seu quartel general, onde trocou as cartucheiras transpassadas no peito por uma camisa branca arrancada dos Santos, e vem arrastando atrás de si, apesar do calor, um longo manto vermelho. Caminha abanando para o povo. No final da rua, Ramirez repassa o plano: Os bandidos restantes seguem Dom Diego. Sansão vai correr em linha reta; vão espantá-lo, vão se distrair. Eu, já com o estilete na mão, vou em direção ao cão e a Diego. Sou rápido; os bandidos não vão perceber e a garganta de Dom Diego se encontrará com suas orelhas em segundos. Depois... Ramirez olha e calcula: Dom Diego vem como um pavão confiante e está a oitenta metros...sessenta... cinquenta... quarenta... Ramirez assovia...
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LA LEYENDA El plan era sencillo. Todo salió mal. Sansón corrió hacia mí. El cálculo estaba correcto. Llegaríamos juntos a León Diego. Vi la guardia agitándose, Sansón esquivándose de ellos, que sorprendidos, lo espantan. Los niños rieron. Un perrito corrió para el medio de la calle, seguido de un niño y la familia: ¡No, Juanito, no! Vi a León girando la cabeza, con la furia en el rostro. Gritando para matar a todos. Vi a los guardias sacando las pistolas. El pueblo se agita, mis renegados, con Manolito, alertas. León llegó al quiosco de música, tiró del manto para sí, justo en el momento en que lo pisé. No pude parar y rodé por el piso. Él vio la navaja: – Traidor, gritó. Me levanté rápido, el arma en el aire; ahora no más la garganta, sino donde hubiera carne. Su grito alertó a El Cuervo, que disparó la pistola. Sentí una bala quemándome; me tiré sobre León Diego, aún tuve fuerzas para perforarlo. No vi a los guardias preparándose para disparar contra el pueblo, ni a mis renegados avanzando en mi defensa, ni a los bandidos huyendo asustados. Nada. Solo una saliva amorosa que me lavaba el rostro. Ramírez silbó, corrí hacia él; la guardia intentó aguantarme, yo me esquivé; ellos saltaban y zapateaban y yo escapaba. A los niños les encantó. Empezaron a reír. Uno de ellos 246
A LENDA O plano era simples. Deu tudo errado. Sansão correu para mim. O cálculo estava certo. Chegaríamos juntos a Leon Diego. Vi a guarda se agitar, Sansão se esquivar deles, que surpresos o enxotam. As crianças riram. Um cãozinho correu para o meio da rua, seguido da criança e da família: No, Juanito, no! Vi Leon virar a cabeça, com a fúria no rosto. Gritar para matar todos. Vi os guardas, sacando as pistolas. O povo se agita, meus renegados, com Manolito, alertas. Leon chegou ao coreto, puxou o manto para si, justo no momento em que pisei nele. Não pude parar e rolei pelo chão. Ele viu o estilete: – Traidor, gritou. Levantei-me rápido, a arma no ar; agora não mais a garganta, mas onde houvesse carne. Seu grito alertou El Cuervo, que detonou a pistola, senti uma bala me queimar; joguei-me sobre Leon Diego, ainda tive forças para perfurá-lo. Não vi os guardas se preparando para atirar contra o povo, nem meus renegados avançando em minha defesa, nem os bandidos fugindo desarvorados. Nada. Só uma saliva amorosa que me lavava o rosto. Ramires assoviou, corri para ele; a guarda tentou me segurar, eu me esquivei; eles pulavam e sapateavam e eu fugia. As crianças adoraram. Começaram a rir. Uma delas veio me
vino a ayudarme; yo seguí corriendo y huyendo. León Diego, indignado, gritó ordenando que mataran a todos. El pueblo bramó, los renegados se agruparon. Yo salté en el quiosco que León Diego había mandado a hacer bajo el árbol de los ahorcados. El sol hizo brillar la navaja justiciera de Ramírez, antes que él se tirara sobre el bandido apabullado. Después lloré por verlo irse con Rosalia. Él era pura felicidad. Los bandidos huyeron, y todos vieron a León muerto, Ramírez caído sobre él, y yo, aullando de dolor. Una pequeña mano me acarició, y un hocico me besó. Manolito, en el comando, dijo que iban a llevar todo para las montañas. Que el pueblo se cuidara y enterraran a los muertos. ¿Sansón? Llamó. Dudé; fui abrazado con fuerza por el niño y, además, dos ojos color miel me miraban llenos de promesas. Me quedé. Trajimos a Ramírez. Un manto de flores cubre la sepultura. Seguí en la hacienda, con Juanito. Después, él se fue a la capital a estudiar. Hoy no puedo atrasarme, Sansón dice, tosiendo y siguiendo el muchacho hasta el pueblo. ¿Adónde vamos, abuelo? Pregunta el pequeño. A las escuela, Pablo, la inauguración es hoy, y Juanito es el maestro. Él es recibido con respeto en el salón repleto. Empieza su discurso: – Soy Juanito. La leyenda cuenta que un bandido bueno murió para impedir que a un niño lo mataran los bandoleros. Ese niño era yo. Debajo de las ventanas, sentado en el pasto y con sus niños ante mí, el viejo perro siguió: La leyenda sintetizó el hecho, pero… Yo, Sansón, mixto de galgo y ovejero, atento, espero sobre los escalones de la iglesita de santa María de las Mercés.
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ajudar; eu continuei correndo e fugindo. Leon Diego, indignado, gritou para matarem a todos. O povo urrou, os renegados se agruparam. Eu, pulei no coreto que Leon mandara fazer sob a árvore dos enforcados. O sol fez brilhar o estilete na mão justiceira de Ramirez, antes dele se jogar sobre o bandido apavorado. Depois, chorei por vê-lo ir embora com Rosália. Ele era pura felicidade. Os bandidos fugiram, e todos viram Leon morto, Ramirez caído sobre ele, e eu, ganindo de dor. Uma pequena mão me acariciou, e um focinho me beijou. Manolito, no comando, disse que iam levar tudo para as montanhas. Que a vila se cuidasse e enterrassem os mortos. Sansão? chamou. Vacilei; fui abraçado com força pela criança e, mais além, dois olhos cor do mel me fitavam cheios de promessas. Fiquei. Trouxemos Ramirez. Um manto de flores cobre sua sepultura. Continuei na fazenda, com Juanito. Depois, ele foi à capital estudar. Hoje não posso me atrasar, Sansão fala, tossindo e seguindo o rapaz até a Vila. Onde vamos, vovô? Pergunta um pequeno. Para a escola, Pablo, a inauguração é hoje e Juanito é o professor. Ele é recebido com respeito na sala repleta. Começa seu discurso: – Sou Juanito. A lenda conta que um bandido bom morreu para impedir uma criança de ser morta pelos bandoleiros. A criança era eu. Debaixo das janelas, sentado na relva e com suas crianças à frente, o velho cão continuou: A lenda sintetizou o fato, mas... Eu, Sansão, misto de galgo e ovelheiro, atento, aguardo sobre os degraus da igrejinha de Santa Maria de las Mercés. Vilma Norma Loner
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© 2021 Almeri Espíndola de Souza et al., Direção de arte da capa:
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Ana Helena Rilho Revisão:
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Poá Comunicação Andrea Barrios
Betina Barreras Samara Kalil
Produção executiva:
Almeri Espíndola de Souza Coordenação geral:
Mãos à Obra Literária Texto revisado conforme as regras do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.