Bibliotecas: Centro de Informação e Cultura

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Bibliotecas: centros de informação e cultura


Bibliotecas: centros de informação e cultura Iniciativa da Rede Marista de Solidariedade Concepção e Coordenação Técnica: Diretoria Executiva de Ação Social – DEAS Direção: Irmão Jorge Gaio Coordenação Educacional: Bárbara Pimpão Ferreira Coordenação de Planejamento e Administração: Jean Carlo Azolin Coordenação de Projetos: Juliana Kuwano Buhrer Organização: Angélica Maria de Almeida Forster Rodrigues, Marília Gabriela Tegacini e Viviane Aparecida da Silva Textos dos Projetos: Angélica Maria de Almeida Forster, Camila Guimarães, Denise Farias, Fernando José Correia, Leda Maria Araújo Lima, Marília Gabriela Tegacini, Maria Scottini Testoni, Morgana Tissot Boiask e Ricardo Tomasiello Pedro Revisão de Conteúdo: Bárbara Pimpão Ferreira, Irmão Jorge Gaio e Maria Helena T.C. de Barros Revisão Ortográfica: Anna Paula Michels Coordenação do Projeto Gráfico: Alexandre Lourenço Cardoso e Kelen Yumi Azuma Coordenação Editorial: Irmão Jorge Gaio, Juliana Buhrer e Viviane Aparecida da Silva Diagramação: Clarissa Martinez Menini Fotos: acervo da Rede Marista de Solidariedade Contato: solidariedade@marista.org.br 4

Os projetos, os conceitos, os textos assinados e as opiniões expressas compõem esta publicação a título de contribuição ao debate e são de responsabilidade exclusiva dos autores. Reprodução permitida, desde que citada a fonte.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Bibliotecas: centros de informação e cultura/ Rede Marista de Solidariedade. 1a ed. – São Paulo: FTD, 2011. 128 p. ISBN 978-85-322-7900-2 1. Bibliotecas Maristas 2. Cultura 3. Informação 4. Irmãos Maristas – Educação I. Rede Marista de Solidariedade. 11-03640

CDD 370.1

Índices para catálogo sistemático: 1. Biblioteca e proposta socioeducativa: Educação marista 370.1


Sumário Apresentação, 5 Prefácio, 9 Proposta Socioeducativa Marista para bibliotecas: leituras do mundo e fortalecimento da cultura local, 9 Bibliotecas Maristas: centros de informação e cultura, 12

1. Biblioteca: núcleo cultural vivo e edificante, 16 2. Relatos das experiências nas bibliotecas, 35 1. Através da arte, 36 Angélica Maria de Almeida Forster Rodrigues

2. Clube de Leitura, 46 Denise Farias

3. Navegar, 62 Angélica Maria de Almeida Forster Rodrigues

4. Samba na Biblioteca, 68 Marília Gabriela Alves Brigido Tegacini

5. Literatura em Ação, 76 Leda Maria Araújo Lima

6. RPG, leitura e escrita na Biblioteca, 82 Fernando José Correia

7. Lendas Urbanas, 96 Camila Guimarães, Maria Scottini Testoni, Morgana Tissot Boiask

8. Projeto Sarau, 104 Ricardo Tomasiello Pedro

Bibliotecas: da leitura ao desenvolvimento humano, 115 Referências, 117 Outras fontes, 121 Endereços das bibliotecas citadas nos relatos, 123 Outras bibliotecas da Rede Marista de Solidariedade, 125 Agradecimentos, 127

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Apresentação Diz a lenda que o homem não inventou a escrita, mas a escrita que inventou o homem, tornando-o capaz de registrar sua trajetória individual e coletiva e, assim, ser portador das mensagens de sua época. Dessa forma, ele torna-se eterno em suas crenças, artes, valores e sentimentos, embora isso lhe seja mutável, instável e sazonal. Em palavras mais alegóricas ainda, a escrita fez o homem exercer com mais eficácia no tempo e no espaço seu indefectível destino de ser histórico. A faculdade da escrita trouxe ao homem e à humanidade o fôlego de existir por memória acumulada em signos gráficos, e poder refinar para suas subsequentes linhagens os instrumentos para melhor dominar a natureza a seu bem-estar e sobrevivência. O domínio da lecto-escritura disseminou os passos e segredos que explicam vigorosamente nosso presente a partir do acontecido, do ido, do vivido. Essa decodificação das nuances geracionais de sua humanidade forneceu ao homem os ingredientes daquilo que se convencionou modernamente chamar civilização. De Gutenberg ao twitter, a humanidade trafega quase seis séculos de convivência com a palavra escrita, invenção que teve sua anunciação como precursora do Renascimento. Desde o papiro e o pergaminho aos copistas, o livro concentrou um saber denso, profundo e ameaçador do status quo da sociedade. Enquanto produto artesanal só era acessível a muito poucos, com censura absoluta de seus conteúdos. Com o advento do papel, até o palimpsesto1 foi dispensado, mas as restrições se mantêm no ocidente, como por exemplo, pelo Index Librorum Prohibitorum (Índice dos Livros Proibidos), extinto somente em 1966. Essa providência serviu para manter afastados da sociedade temas e assuntos considerados impróprios para consumo público. 1  Palimpsesto significa “riscar de novo”. Designa um pergaminho (ou papiro) cujo texto foi eliminado para permitir a reutilização. Esta prática foi adotada na Idade Média, entre os séculos VII e XII, devido ao elevado custo do pergaminho. A eliminação do texto era feita por meio de lavagem ou, mais tarde, de raspagem com pedra-pomes. Disponível em: www.wikipedia.org.

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Não será por acaso se compreendermos que estes produtos históricos relegaram o livro e sua história a um papel proibido, represado. Manuscritos gravados em madeira e precursores diretos do livro coexistiam com os rolos de pergaminho e os primeiros livros impressos já no século XVI, em bibliotecas, grandes depósitos de livros com acesso exclusivo de religiosos e outras autoridades do Estado. Somente com a popularização do papel e da impressão de livros em escala, foi possível compreender que os antigos depósitos de livros, cerrados e proibitivos, começaram a ser atingidos por uma transformação que os especialistas e teóricos classificam como laicização, democratização, especialização e socialização das bibliotecas, tornando-as um lugar de circulação de conhecimentos e difusão de informações como concebemos e estimulamos ser hoje. No Brasil, desde 1810, temos a Biblioteca Pública Nacional, antiga Real Biblioteca da corte portuguesa. Localizada no Rio de Janeiro, é a primeira de todas no país e detém hoje um acervo de aproximadamente nove milhões de livros. A 8

despeito de seus duzentos anos de existência, a Biblioteca Nacional não parece ter feito escola, pois descortinamos a segunda década do terceiro milênio com pouco mais de duas bibliotecas para cada grupo de cem mil habitantes no país, onde ainda 77 milhões de pessoas se declaram não leitoras2. 2  Segundo dados de 2008 da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Livro, e do 1º Censo Nacional das Bibliotecas Públicas Municipais de 2009, do Minc.


Segundo esses levantamentos, cada brasileiro lê em média 4,7 livros por ano, as bibliotecas não funcionam nos fins de semana (99% não abrem domingo e só 12% abrem aos sábados pela manhã) e apenas 29% delas oferecem serviço de internet aos usuários. Destas, pouco mais de 4.000 bibliotecas municipais, menos de dez por cento, oferecem acessibilidade a deficientes e emprestam apenas 296 livros por mês. Próximo de 80% deles são para pesquisas escolares. O acervo das bibliotecas não excede 5.000 volumes e é conseguido, na ordem de 83%, por doação da comunidade. Biblioteca e leitura estão uma para a outra como educação e cultura, política e cidadania. Na sociedade do conhecimento que agora construímos, presenciamos as bibliotecas transcenderem de seus conceitos convencionais, tornando-se locais onde se disponibiliza muitos artefatos culturais e de promoção intelectual. Na leitura dos especialistas românticos, finalmente atingiremos o chamado mito de Alexandria, que buscava ser a biblioteca ideal. Agora o homem pode universalizar o conhecimento em suas dependências e fazer das bibliotecas um polo insuperável de sabedoria e humanismo.

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Iniciamos o século XX com 94% de analfabetos no Brasil. Hoje, cerca de 12% dos brasileiros não sabem ler e escrever e as bibliotecas têm a função vívida de pulsar conhecimento e oferecer, cada vez mais próxima ao cidadão, a oportunidade de usufruir de seus poderes de envolver a mente e influenciar decisões. Ler é uma das condições para qualquer um participar da vida como sujeito, agente, portador da justiça e anunciador do direito. Nesta publicação voltamos nossas atenções para as bibliotecas, espaços educativos que têm se reorganizado a partir de novos significados para a leitura, o conhecimento e o acesso à informação. São aliadas de todas as horas da escola e da comunidade. Por extensão estão na Política Básica, na cesta essencial das primeiras necessidades da cidadania, com destaque para crianças e jovens que mais precisam do acesso a elas. Buscamos disseminar práticas e fortalecer as ações educativas inovadoras para o incentivo à leitura, à produção cultural e ao desenvolvimento humano, por meio 10

de relatos de projetos realizados em algumas bibliotecas dos espaços educativos da Rede Marista de Solidariedade e da Rede Marista de Colégios. Quem conta as histórias são os bibliotecários, que assumem o papel de educadores e mobilizadores da utilização das bibliotecas pelas comunidades onde elas estão inseridas. Acreditamos na vitalidade das bibliotecas quando a comunidade se apropria delas, avivando projetos com autoria, prospectando futuro, colonizando sonhos. Por isso, investimos nela por meio da realização de projetos que contam com o protagonismo dos educandos, seus familiares e seus educadores, para que a proposta educativa seja realmente significativa para os sujeitos, na perspectiva da emancipação e da formação integral. Se para o homem conseguir escrever, que no princípio era o verbo, levou centenas de milhares de anos, em treinos de ensaios, continuaremos conjugando esforços para fazer da biblioteca uma das plataformas estratégicas para construirmos um mundo melhor. Boa leitura!


Prefácio

Proposta Socioeducativa Marista para bibliotecas: leituras do mundo e fortalecimento da cultura local Bárbara Pimpão Ferreira3 A Rede Marista de Solidariedade, ao contribuir com a construção de espaços socioeducativos que promovam a proteção integral de crianças e adolescentes, tem como pressuposto o desenvolvimento das ações a partir do contexto em que está inserida. Nessa perspectiva, os projetos de educação, arte e cultura sempre consideram as características locais, a articulação em rede e as perspectivas manifestadas pelos educandos, suas famílias e comunidade. O envolvimento de bibliotecários nos estudos sobre a prática em desenvolvimento e na identidade do educador resultou em novos paradigmas para a construção de projetos e sistematização de diretrizes comuns para a Rede de Solidariedade4 . Neste movimento de ação-reflexão-ação, o acervo, o acesso a internet, a contação de histórias, a mediação de leitura se estruturam em projetos com a participação do público. O princípio de construção coletiva, de planejamento e avaliação participativos e de escuta qualificada permitiram que as bibliotecas nos Centros Sociais se constituíssem em espaçotempo5 de produção de culturas, sa3  Pedagoga, Mestre em Educação pela UNESP/Marília, especialista em violência doméstica pela USP e em proteção integral de crianças e adolescentes pela PUC-PR. Coordenadora Educacional da Rede Marista de Solidariedade. 4  REDE MARISTA DE SOLIDARIEDADE. Referenciais teórico-metodológicos da proposta socioeducativa. São Paulo: FTD, 2010. 5  UMBRASIL. Projeto Educativo do Brasil Marista. Brasília: UMBRASIL, 2010.

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beres, linguagens e conhecimentos produzidos pelos sujeitos. A partilha de experiências entre a Rede Marista de Solidariedade e a Rede Marista de Colégios permitiu a ampliação dos cenários e repertórios. Se o conhecimento na perspectiva freireana6 exige presença curiosa do sujeito em face do mundo, a partir da invenção e reinvenção sobre o que conhece, o educador e o educando, ao assumirem o papel de sujeitos da ação socioeducativa se reconhecem e ampliam suas perspectivas a partir das leituras do mundo, que an12

tecedem a leitura da palavra. O direito à participação infantil, recomendado pela Convenção Internacional dos Direitos da Criança e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), pressupõe um sistema que envolve outros direitos, como o acesso à informação, liberdade de pensamento, direito de serem ouvidos. Gerardo Sauri7, ao sistematizar o Guia Metodológico e Conceitual sobre Participação Infantil, destaca que o acesso à informação adequada – tanto para crianças, adolescentes, jovens e adultos – facilita a participação, uma vez que garante sentido adequado e construtivo para a formação de opinião. Nesta perspectiva, as infâncias, juventudes e suas organizações familiares, ao participarem da biblioteca da Rede Marista de Solidariedade e Rede Marista de Colégios, contribuem também para significar o projeto educativo e inventar novas propostas de produção de conhecimento. Por que o samba na biblioteca do Centro Social Marista Ir. Elias em Campi-

6 FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. 7 SAURI, Gerardo. Guia Metodológico e Conceitual sobre Participação Infantil. México, 2009.


nas/SP? Ou as lendas urbanas no Centro Social Marista São José, em São José/ SC? Qual o papel da arte no Centro Social Marista Ir. Rui, em Ribeirão Preto/SP? E qual o impacto do projeto Navegar neste mesmo Centro Social? Como a literatura se insere no cotidiano das crianças e adolescentes no Centro Social Marista Ir. Acácio, em Londrina/PR? Como os jogos, como o RPG, contribuíram para promover a leitura de adolescentes no Colégio Marista de Cascavel/PR? Ainda neste município, como o Clube da Leitura fomentou a autoria das crianças no Centro Social Marista Marcelino Champagnat? Como se desenvolveram as diferentes linguagens no projeto Sarau do Colégio Marista Arquidiocesano, em São Paulo/SP? Cada localidade – com sua particularidade, singularidade e dinâmica, sua história e identidade – constitui novos cenários para o fortalecimento da convivência familiar e comunitária, para uma formação cidadã, autônoma e solidária. Em resposta às demandas educacionais e à política cultural brasileiras, a Rede Marista de Solidariedade contribui para a universalização das bibliotecas nas instituições de ensino no país (lei 12.244 de 2010), fortalecendo a garantia dos direitos de crianças e jovens. Nos espaços educativos Maristas as bibliotecas subsidiam os educadores nos projetos que desenvolvem, oferecendo espaços para o diálogo e acesso ao conhecimento à comunidade local, familiares e outras organizações. Se o que vale na vida não é o ponto de partida, mas a caminhada, a trajetória aqui relatada manifesta a preocupação com a qualidade da formação e participação de crianças e jovens, na elaboração de projetos que respondam às suas inquietações e aos desejos manifestados pela comunidade local. Assim, o exercício do direito universal à educação, aqui representado pelos projetos desenvolvidos na Rede Marista de Solidariedade e Rede Marista de Colégios, vem contribuindo na ampliação da participação dos cidadãos na vida política, social e cultural da sociedade. A formação do leitor, para além da vida escolar, pressupõe o convívio familiar e comunitário e a relação com a cultura. Portanto, esperamos que as experiências que partilhamos nesta publicação permitam o conhecimento de projetos de educação e cidadania. E que, além da ampliação do repertório educativo, contribuam para novos significados em outros espaços de participação.

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Bibliotecas Maristas: centros de informação e cultura Maria Helena Toledo Costa de Barros6 Como bibliotecária veterana, sinto-me gratificada por poder abrir um trabalho de colegas mais jovens, que encaram a biblioteca verdadeiramente como um centro de informação e cultura e não mais como o ambiente recluso dos copistas ou como um mero depósito de livros, como ela foi e tem sido considerada há tempos, ao longo da história. E isso faz uma grande diferença! No texto de apresentação e no que o segue, de acordo com o sumário, deno14

minado “Biblioteca: núcleo cultural vivo e edificante”, isso tudo já nos é mostrado com dados recentes sobre a realidade brasileira, contextualizando-a. O papel transformador da biblioteca, que nos foi apontado por Flusser durante o Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e Documentação realizado na Paraíba, no início dos anos 80 – ainda no século XX, caiu como uma bomba sobre um público, em sua maioria, com formação tecnicista. Felizmente, algumas lideranças entenderam então a mensagem inovadora e a propagaram. O “milagre” não se deu de um momento para o outro. Foi necessária muita pregação, por meio dos cursos e da publicação de textos motivadores, para que as gerações subsequentes de jovens profissionais percebessem – como os Maristas que aqui expõem suas práticas – que o usuário que adentra uma biblioteca, por exemplo, é antes de tudo o fruto de sua comunidade, em termos de cultura e de conhecimento, além de ser aquele elemento que também pode dispor de variados meios de informação e de comunicação proporcionados pela biblioteca, mesmo 6  Livre-docente em Disseminação da Informação pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Especialista em Ação Cultural pela Universidade de São Paulo (USP).


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apresentando, muitas vezes, dificuldade operacional para atingir a informação e o conhecimento pleno e/ou necessário para, a partir daí, ele próprio testar os recursos informacionais disponíveis para ser alguém na vida e um cidadão melhor. Entretanto, para nós que nos consideramos mediadores do processo e atuamos profissionalmente nessa “ilha de informação”, que sabemos organizar e administrar com competência, inclusive tendo consciência de que ela se comunica com outras “ilhas” e sistemas em rede, este é um universo que hoje podemos ampliar quase ao infinito, em benefício do indivíduo e de cada comunidade que atingimos. Mas tudo depende de iniciativas. Aqui, temos uma série de relatos em que bibliotecários Maristas contam como tomaram iniciativas (muitas delas pioneiras e de vanguarda), sob reflexões próprias em pontos variados do Brasil. Podemos imaginar, assim, que se multiplicam inúmeras e variadas comunidades ligadas de alguma forma e em alguma medida aos Centros Sociais Maristas, que consomem e/ou podem consumir informações e usufruí-las, no rumo do desenvolvimento, 16

criando-se o tecido de uma rede específica no cenário da informação e da cultura. É bom que se diga, neste ponto, que a ação cultural presente no texto “Biblioteca: núcleo cultural e edificante” não é uma prerrogativa nem da biblioteca, nem do bibliotecário. Há outras áreas do conhecimento que também se servem dela como recurso instrumental. Mas que ela se adapta “como uma luva” ao ambiente de qualquer biblioteca, por envolver o ambiente informacional organizado e poder criar oportunidade para o debate e a discussão, além de facilitar o processo criativo de mais e novos conhecimentos decorrentes, de acordo com o conceito emitido pelos autores básicos referidos no trabalho ora apresentado. Como se constata, num país tão grande e desigual como o Brasil, em que as injustiças sociais são perpetradas a cada pouco, é da maior importância que a ação cultural consiga espaço na biblioteca: primeiro, transmutando-a verdadeiramente em um centro de informação e cultura, e, segundo, apresentando-se como um instrumento de transformação, quer para o indivíduo, quer para a comunidade da qual ele é parte integrante. Evidentemente, como nos inspira Teixeira Coelho, não é o resultado de uma conta matemática, mas uma possibilidade que vale a pena ser tentada: “a metamorfose da lagarta”.


É lamentável que, mesmo quantitativamente, a situação das bibliotecas brasileiras deixe muito a desejar, conforme mostram os números e as estatísticas que estão expostos. Mas, vamos fazendo a nossa parte, num trabalho lento e custoso. Entretanto, os textos apresentados remetem-nos a resultados animadores, baseados em experiências que deram certo. É o que importa. Se esses resultados ainda não foram estudados cientificamente, o seu aspecto empírico não lhes tira o mérito; ao contrário, podem ser considerados como um estímulo para que a Academia abra espaço para a demonstração de novas teorias, critérios metodológicos e concomitantes pesquisas que os validem. Na seção “Relatos”, apresenta-se uma variedade de abordagens para os projetos culturais desenvolvidos pelos Maristas em suas bibliotecas, em diversos estados brasileiros: arte, leitura, internet, música popular, literatura, RPG (role playing game), folclore e sarau. Pressupondo-se que as bibliotecas da Rede Marista de Solidariedade estejam próximas de comunidades consideradas de risco (materialmente e intelectualmente), onde devem se inserir e eventualmente intervir, fazendo a diferença, cabe aqui um voto de louvor aos componentes das equipes, por terem compreendido a missão desafiadora à sua frente, por terem aderido de peito aberto a ela, com imaginação e criatividade, conseguindo provocar o sonho talvez amortecido e o alargamento de horizontes entre as comunidades atingidas pela sua ação.

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1. Biblioteca: núcleo cultural vivo e edificante A palavra biblioteca tem sua origem nos termos gregos biblío (livro) e thek (caixa). Significa caixa ou casa de livros, um local para colocar e organizar livros, para consultas e leitura. A biblioteca atual pode ser chamada de Unidade de Informação, Centro de Informação, Centro de Documentação, entre outras denominações. A história das bibliotecas antecede a dos livros. As primeiras bibliotecas tinham seus acervos formados por placas de argila, depois as constituídas por rolos de papiros e pergaminhos. Mais tarde, com o surgimento do papel no século II antes de Cristo, pelos árabes, surgem as bibliotecas de “papel”. A biblioteca mais antiga é a do rei Assurbanipal, na Assíria no século VII, com 18

acervo formado pelas placas de argila. A Biblioteca de Alexandria, no Egito, é considerada a mais famosa, por conta do seu acervo que era formado por grande número de documentos e também por ter passado por três incêndios. A partir do século XVI, as bibliotecas passaram a ser local de democratização da informação e a possuir acervos especializados em diversas áreas. A Biblioteca Nacional, fundada em 1810, foi constituída num primeiro momento por livros do rei de Portugal trazidos para o Brasil em 1807. Hoje, recebe o nome de Fundação Biblioteca Nacional. Desde os tempos em que os monges nos mosteiros copiavam documentos, conservar foi, durante séculos, o principal objetivo da biblioteca. Com o passar do tempo este conceito foi sofrendo transformações. A velha concepção de biblioteca como um lugar cheio de poeira, sombrio, silencioso, frio e hostil, que mais afasta do que aproxima, faz parte do passado. Segundo o Plano Nacional de Livros e Leitura (PNLL), instituído em 2006 por iniciativa conjunta do Ministério da Cultura e Ministério da Educação, a biblioteca:


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[...] deixa de ser um mero depositário de livros, como muitas vezes é apresentada, mas assume a dimensão de um dinâmico pólo difusor de informação e cultura, centro de educação continuada, núcleo de lazer e entretenimento, estimulando a criação e a fruição dos mais diversificados bens artístico-culturais; para isso, devem estar sintonizadas com as tecnologias de informação e comunicação, suportes e linguagens, promovendo a interação máxima entre os livros e esse universo que seduz as atuais gerações. De local fechado sobre si, onde a presença do leitor era considerada uma profanação, a biblioteca abre-se ao mundo e aos seus usuários, tornando-se um lugar de informação e cultura.

ação cultural nas bibliotecas

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A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil8 mostra que o brasileiro ainda lê pouco e não reconhece a leitura como instrumento para a melhoria de suas condições futuras. Dados facilmente explicáveis, se recorrermos à longa história de colonização pela qual passamos. Foram exatos 322 anos com restrições à entrada de livros, à abertura de escolas e de faculdades e à criação de uma imprensa local e livre. Assim, fomos diretamente de uma cultura ágrafa, basicamente transmitida com a oralidade, para uma cultura inicialmente radiofônica, depois televisiva e agora multimidiática, sem termos tempo para nos habituarmos à dimensão escrita da palavra, muitas vezes restrita às populações com padrões sociais mais elevados. Na última década do século XIX, o índice de analfabetismo era de 84%. Hoje sentimos o peso dessa desagradável herança: 32% da população com mais de 15 anos é constituída por analfabetos funcionais9, a maioria filhos de pais analfabe8 Disponível em:<www.prolivro.org.br/ipl/publier4.0/dados/anexos/48.pdf>. 9 Criado em 2001, o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) pesquisa a capacidade de leitura, escrita e cálculo da população brasileira adulta. Entre 2001 e 2005, o Inaf foi divulgado anualmente, alternando as habilidades pesquisadas. Assim, em 2001, 2003 e 2005 foram medidas as habilidades de leitura e escrita (letramento) e em 2002 e 2004, as habilidades matemáticas (numeramento). A partir


tos, segundo dados do Instituto Paulo Montenegro. Contrapondo-se a nossa rica cultura oral, corporal e visual, nos deparamos com a falta de habilidade para leitura e a escrita. Para ler, não é preciso apenas decodificar o alfabeto, é necessário atribuir-lhe sentido. Ler mal é uma barreira para a formação de leitores. Para Garcez (2008, p. 68) “como a leitura faz variadas solicitações simultâneas ao cérebro, é necessário desenvolver, consolidar e automatizar habilidades sofisticadas para pertencer ao mundo dos que leem com naturalidade e rapidez”. Com o desenvolvimento e a popularização das tecnologias de informação e comunicação, a leitura e a escrita ganham novos espaços cedidos anteriormente à televisão. Nunca se escreveu e leu tanto como agora com a internet. Mesmo que não consideremos essas produções como academicamente corretas, é preciso admitir que as ferramentas tecnológicas reinventaram a utilização do código escrito de modo singular e efetivo. Para Assumção (2008, p. 92) “o sujeito contemporâneo só consegue ser interativo com a mídia, sendo, ele mesmo, multimeios. E, para ser multimeios, um dos meios que ele precisa ter é o da leitura.” Sabemos que pessoas com maior escolaridade e renda leem mais, porém, as bibliotecas brasileiras, que poderiam democratizar o acesso aos livros, são subutilizadas. Apenas um, em cada quatro brasileiros entrevistados, frequenta as bibliotecas e grande parte da população desconhece sua existência nos municípios onde vive. Outro agravante é que na maioria dos municípios as bibliotecas são consideradas por muitas administrações municipais como um serviço público de segunda classe. Nelas faltam profissionais preparados para o atendimento e direcionamento de ações e atividades que promovam a leitura, a cultura e o lazer. Considerando que temos bibliotecas em quase 90% dos 5.564 municípios brasileiros, nos perguntamos por quê esses munícipes desconhecem a existência das bibliotecas. Dos que sabem que elas existem muitos dizem que não as frequentam

de 2007, a pesquisa passou a ser bienal, trazendo simultaneamente as habilidades de letramento e numeramento e mantendo a análise da evolução dos índices a cada dois anos. Disponível em: <http:// www.ipm.org.br>.

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porque não estão estudando, o que pode demonstrar que não a associam como espaço de lazer, cultura e acesso à informação, mas a associam apenas com a escola. Outro dado que demonstra a baixa familiaridade com os livros é que dos municípios brasileiros, estima-se que 89% não possuem livrarias. As bibliotecas são pouco utilizadas e as livrarias só existem em cidades de maior porte. A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil levantou dados considerando pessoas com mais de cinco anos de idade. Desses, 95 milhões aparecem como leitores, pois leram ao menos um livro nos três meses anteriores à pesquisa, 77 milhões como não-leitores, 26% disseram que a leitura significa conhecimento e a mesma propor-

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ção de entrevistados não soube ou não opinou. Apenas 8% disseram que a leitura é uma atividade prazerosa, resposta dada por maioria de crianças, e 35% disseram ler em seu tempo livre, 78% dos que gostam de ler possuem renda superior a 10 salários mínimos e 79% têm formação superior. Pode-se, a partir destas informações, concluir que o hábito de leitura está associado com a escolaridade. Quanto maior a formação, mais aumenta o interesse pela leitura. A renda é outro fator que contribui para a compra de livros ou para o tempo disponível para a dedicação à leitura. Dos que se declararam leitores, 50% são estudantes e estavam principalmente lendo livros indicados pela escola, 7% estavam lendo a Bíblia e 12% utilizavam o espaço da biblioteca para ler livros. Percebemos, pelos números apontados, que a leitura está ligada à escola ou à religiosidade. A leitura por prazer e fruição figura timidamente, sinalizando para a criação de projetos que disseminem o gosto pela leitura. É importante ressaltar que, ao contrário da utilidade da maioria dos serviços públicos, as bibliotecas têm um valor simbólico anterior ao seu valor utilitário. O seu valor real passa pela informação disponibilizada, e principalmente pelo conhecimento como ferramenta importante para a diminuição das diferenças sociais, para a melhoria de vida e principalmente para o desenvolvimento pessoal e coletivo. Portanto, as bibliotecas precisam buscar leitores, precisam seduzir, ir além de seus muros, ouvir a cidade e a comunidade onde estão inseridas, oportunizando que ampliem seu olhar para desejar algo mais, algo que só a cultura permite. Concordamos com Alquéres (2008), ao afirmar que “a cultura representa a melhor maneira de integração do indivíduo na sociedade e a leitura é o mais eficiente instrumento para o acesso ao conhecimento.” O ver além, construído individualmente e no convívio com o outro, auxilia a compartilhar e construir novos saberes. Paulo Freire já dizia que a leitura do mundo precede a leitura da palavra. Este olhar se amplia a partir do que vemos, lemos, discutimos, acessamos e refletimos. Acrescentamos a este pensamento a afirmação de Scliar (2008, p. 39) ao dizer que “lendo, adquirimos saber; ora, saber é poder, e essa verdade se afirma dia a dia, no tipo de sociedade em que vivemos, uma sociedade em que a informação é decisiva.” Por isso, é fundamental que as ações educativas com propósito de

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cidadania ampliem o acesso à leitura. A biblioteca é historicamente identificada com a ideia de culto, status que difere o homem intelectualizado do homem comum. Tal ideia colocou por muito tempo os livros e a biblioteca num patamar elevado e distanciado das necessidades da maioria da população, pois diferiu-se do gosto popular. Assim, ninguém ousa dizer que bibliotecas são desnecessárias, entretanto, não se constrói, especialmente no Brasil, o convívio com essas instituições de maneira prazerosa e amigavelmente próxima, a ponto de tornar-se uma necessidade de toda a população. A biblioteca deve figurar como um ativador cultural, um espaço de integração para a comunidade, ponto de encontro, onde se tenha acesso a todo tipo de informação, nos mais variados suportes, principalmente quando inseridas em comunidades socialmente vulneráveis. A ampliação da oferta de materiais a essas comunidades, desenvolvendo projetos de ação cultural que tornem o ambiente acolhedor e propício à apropriação da informação, ao debate, e à criação, forma 24

usuários que deixam de ser meros receptores e passam a consumir e produzir arte, informação e cultura. Assim, a ação cultural é uma possibilidade de dinamização e atribuição de sentido para as bibliotecas que, atraindo o público, adquirem novo papel social, político e cultural.

O que é ação cultural nas bibliotecas O conceito de ação cultural advém dos anos 80, concomitantemente com a educação popular defendida por Paulo Freire, para quem a ação cultural é ferramenta que pode ser utilizada para a liberdade e para a quebra do silêncio, dando às pessoas a palavra-poder. Os principais teóricos que versaram sobre ação cultural foram: Victor Flusser, Teixeira Coelho, Luiz Milanesi e o próprio Paulo Freire. No quadro a seguir, elaborado por Fonseca (2005, p. 78), temos uma síntese desses autores e suas concepções acerca da ação cultural.


Autores

Ação cultural: conceitos

Paulo Freire

A ação cultural nasce do diálogo e este só é possível quando os sujeitos podem dizer a palavra – a comunicação do que pensam, sem coação, sem imposição, isto é, num clima de liberdade. Envolve ação e reflexão. O conceito de ação cultural está ligado a dois outros conceitos: cultura do silêncio e o conceito antropológico de cultura. A ação cultural ou está a serviço da dominação – consciente ou inconscientemente por parte de seus agentes – ou está a serviço da liberdade dos homens.

Victor Flusser

A ação cultural é a transformação estrutural da biblioteca tal como existente hoje, em uma biblioteca que participa do processo de dar a palavra ao não-público. A ação cultural é emergente, libertadora e se articula em torno de três problemas: a invenção, a formulação e a criação.

Luiz Milanesi

A biblioteca como centro de informação e convivência só pode existir dentro da perspectiva de transformar, ir além da forma. Um acervo sem censura é uma coleção de discursos contraditórios.

Coelho Neto

O objetivo da ação cultural não é construir um tipo determinado de sociedade; mas ela não é apática, indiferente ou imobilista. A ação cultural é uma aposta conjunta. Se aposta que o grupo se descobrirá, descobrirá seus fins e seus meios.

As bibliotecas vistas como centros de promoção e ação cultural buscam reunir diversos bens culturais, criando a possibilidade de discuti-los e de criar novos produtos, por meio do exercício e fomento da criatividade dos participantes. Esta seria a evolução natural das bibliotecas, que passam a desenvolver atividades culturais de natureza instigante, perturbadora e incômoda. Oferecendo serviços informativos variados e facilitando o acesso à informação, criando espaço para a conjugação dos verbos: informar, conhecer, discutir e criar, verbos esses, cernes da ação cultural.

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Neste sentido, promover o encontro de ideias quebrando o silêncio – esse compactuador do conformismo que impede a transformação almejada – com uma contínua revisão do pensamento, instiga a movimentos fundamentais: o exercício da dúvida e a criação da necessidade de aquisição de conhecimento. Para Teixeira Coelho, é preciso estabelecer uma diferenciação entre ação cultural e animação cultural. Animação cultural era a ideia corrente desde o início do século XX, ideia essa considerada inadequada pelo autor, uma vez que a animação cultural prevê a existência de um animador. Centralizando a realização das atividades em si, o animador torna-se essencial, tirando do grupo o papel principal da ação. A ação cultural, ao contrário da fabricação cultural, tem um início planejado, mas não tem um fim previamente definido. O fim se dará com o movimento do grupo, que estabelece para onde deseja ir e como o fará. Os sujeitos do grupo é que são fundamentais. Para Coelho (2001, p.14) “um processo de ação cultural 26

resume-se na criação ou organização das condições necessárias para que as pessoas inventem seus próprios fins e se tornem assim sujeitos da cultura, não seus objetos”. A ação cultural só faz sentido por meio da ação do coletivo, do social, esperando-se ativar três esferas que são do universo da arte, na qual a ação cultural se enxerta: a imaginação, a ação e a reflexão. A biblioteca, como um fator de inclusão, incorpora informação e ambiente informacional e oferece possibilidade de acesso à informação, ao meio cultural, com projetos construídos a partir do público e com ele. As ações culturais nas bibliotecas envolvem imaginação, ação e reflexão, além da preparação de ambientes propícios à exteriorização de experiências. São ações que geram e instigam interações e apropriação do conhecimento.


Direito à leitura e ao acesso à informação A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, nos garante a igualdade perante a lei. Segundo ela, todas as pessoas deveriam ter plenamente assegurados os seus direitos. Daremos aqui destaque especial aos seus artigos I e XIX que dizem: Artigo I – todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade. Artigo XIX – toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras. 27


Entretanto, principalmente quando nos referimos aos países mais pobres do planeta e países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, a realidade é excludente e não respeita o princípio da isonomia. Os dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil10 mostram que a mensuração dessa violação de direitos é evidente, pois a procura, recepção e transmissão de informações ainda são difíceis por parte das populações de baixa renda, o que poderia ser minimizado com bibliotecas públicas atuantes e atrativas. Nos últimos anos são perceptíveis muitos movimentos governamentais, da sociedade civil e de profissionais da informação para a vitalização e valorização das bibliotecas, contribuindo para que o Artigo XIX dessa mesma Declaração Universal possa se tornar real. Segundo a Federação Internacional das Associações e Instituições Bibliotecárias (IFLA/UNESCO)11:

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A liberdade, a prosperidade e o desenvolvimento da sociedade e dos indivíduos são valores humanos fundamentais. Só serão atingidos quando os cidadãos estiverem de posse da informação que lhes permita exercer os seus direitos democráticos e ter um papel ativo na sociedade. A participação construtiva e o desenvolvimento da democracia dependem tanto de uma educação satisfatória, como de um acesso livre e sem limites ao conhecimento, ao pensamento, à cultura e à informação12.

10  Pesquisa disponível na íntegra no site www.prolivro.org.br 11  Mais informações em: www.febab.org.br 12  Disponível em: www.ifla.org/III/misc/im-pt.htm


São missões da biblioteca pública, segundo a IFLA/UNESCO13: 1. Criar e fortalecer os hábitos de leitura nas crianças, desde a

primeira infância; 2. Apoiar a educação individual e a autoformação, assim

como a educação formal a todos os níveis; 3. Assegurar a cada pessoa os meios para evoluir de forma

criativa; 4. Estimular a imaginação e a criatividade das crianças e dos

jovens; 5. Promover o conhecimento sobre a herança cultural, o apre-

ço pelas artes e pelas realizações e inovações científicas; 6. Possibilitar o acesso a todas as formas de expressão cultural

das artes do espetáculo; 7. Fomentar o diálogo intercultural e a diversidade cultural; 8. Apoiar a tradição oral; 9. Assegurar o acesso dos cidadãos a todos os tipos de infor-

mação da comunidade local; 10. Proporcionar serviços de informação adequados às empre-

sas locais, associações e aos grupos de interesse; 11. Facilitar o desenvolvimento da capacidade de utilizar a in-

formação e a informática; 12. Apoiar, participar e, se necessário, criar programas e ativi-

dades de alfabetização para os diferentes grupos etários. As bibliotecas escolares articulam-se com as redes de informação e de bibliotecas de acordo com os princípios do Manifesto da Biblioteca Pública da

13  Disponível em: www.ifla.org/VII/s11/pubs/portuguese-brazil

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UNESCO14 , que assim as descreve: A biblioteca escolar (BE) propicia informação e ideias fundamentais para seu funcionamento bem sucedido na atual sociedade, baseada na informação e no conhecimento. A BE habilita os estudantes para a aprendizagem ao longo da vida e desenvolve a imaginação, preparando-os para viver como cidadãos responsáveis. Como exemplos de algumas das políticas públicas preocupadas com a democratização do acesso ao livro, à leitura e à informação, podemos citar cronologicamente: 1937 – criação do Instituto Nacional do Livro (INL); 1992 – criação do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP), com o objetivo principal de fortalecer as bibliotecas públicas, órgão subordinado à Biblioteca Nacional; 2005 – criação do Programa Fome do Livro, com o objetivo principal de articular as ações realizadas pelo Estado, empresas e sociedade civil; 30

2006 – lançamento do Programa Nacional do Livro e da Leitura (PNLL), com o objetivo principal de reunir e organizar as ações relacionadas ao livro, à leitura, à literatura e à biblioteca; 2007 – lançamento do Programa Mais Cultura, que propôs investimentos na área da cultura, com os objetivos principais de: ampliar o acesso aos bens e serviços culturais, qualificar o ambiente social, ampliando a oferta de equipamentos e dos meios de acesso à produção e expressão cultural, e gerar oportunidades de trabalho e renda. Entretanto, diferentemente dos esforços dos governos federal e estaduais, a maioria dos municípios brasileiros não possui políticas públicas para suas bibliotecas, que ainda permanecem à margem das transformações necessárias para se efetivarem enquanto serviço público de primeira necessidade.

14  www.ifla.org/VII/s8/unesco/port.htm


O que vemos, sempre com honrosas exceções, são bibliotecas públicas atuando como bibliotecas escolares, o que ocorre também pela quase total inexistência dessas bibliotecas de forma adequada nas escolas públicas que formam atualmente mais de 80% dos estudantes brasileiros. Os estudantes que têm pouco acesso à palavra escrita em seus lares, geralmente chegam às escolas (que deveriam oferecer bibliotecas sedutoras e propositadamente aconchegantes) e encontram espaços pouco atrativos. Felizmente, em 24 de maio de 2010 foi sancionada a Lei 12.244, que dispõe sobre a universalização das bibliotecas nas instituições de ensino do país. Teremos, segundo a lei, em 10 anos, uma biblioteca em cada escola. Prevê também que cada uma dessas bibliotecas tenha um profissional bibliotecário. Fazemos nossos votos de que a lei se efetive e que as faculdades de Biblioteconomia incluam em seus currículos matérias adequadas para os profissionais que irão atuar na biblioteca escolar. Que as escolas que receberão as bibliotecas estejam preparadas para trabalhar conjuntamente, fazendo delas espaços privilegiados de acesso e produção de saberes. Na Rede Marista de Solidariedade e na Rede Marista de Colégios, as bibliotecas sempre tiveram seu papel estratégico devidamente reconhecido, estando presentes em todos os seus colégios e na grande maioria de suas unidades sociais. Antecipando-se a obrigatoriedade da lei, abriu bibliotecas, investiu em infraestrutura e acervo constantemente atualizado. Contratou bibliotecários, não apenas por seus diplomas, mas também pelo entusiasmo e desejo de desenvolver trabalhos que têm a informação como instrumento. Profissionais que consideram as técnicas biblioteconômicas necessárias, mas sabem que são apenas um meio, e não um fim. O fim é o próprio público e a informação está a serviço da criação e da imaginação. Do trabalho realizado na Rede Marista de Solidariedade resulta o Programa Biblioteca Interativa, com suas propostas e projetos, mobilizando a comunidade e dando vida aos espaços destinados à mobilização das pessoas em busca de informação e cultura.

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Programa Biblioteca Interativa As bibliotecas interativas são espaços abertos aos educandos, educadores e comunidade, onde acontecem projetos voltados para a informação, promoção cultural e produção de conhecimento. Com um amplo acervo de livros, revistas, entre outras publicações, as bibliotecas oferecem acesso à informação, à inclusão digital e a exposições culturais. De 2007 a 2010, o Programa já realizou cerca de 221.806 atendimentos. O acervo de qualidade, o acesso à tecnologia e as ações culturais direcionadas à comunidade por estas bibliotecas contribuem para o desenvolvimento de valores humanos e de cidadania, propiciando a interação com as fontes de informação, bens culturais, e a construção de novos conhecimentos. Ao percorrer a história das bibliotecas interativas na Rede Marista de Solidariedade, constatamos que, em resposta ao apelo de qualificar o atendimento, constituiu-se um grupo de trabalho com bibliotecários, coordenadores pedagógicos e assessores, desde 2006. O grupo conheceu outras experiências, buscou referências, pesquisou e conversou com especialistas a fim de encontrar caminhos eficazes e edificantes para o atendimento nas bibliotecas. A partir do trabalho deste grupo, definiram-se algumas linhas de atuação da Biblioteca Interativa: a. Atendimento a crianças, adolescentes e comunidade para consulta do acervo; b. Mediação da aprendizagem por meio de diferentes linguagens; c. Desenvolvimento de projetos que despertem o prazer da leitura e da interação com o livro; d. Promoção do acesso à rede de informação; e. Integração com outros espaços de informação e produção cultural.

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São orientações para a realização de projetos nas bibliotecas15: a. Realizar um diagnóstico e análise das características do pú-

blico atendido; b. Considerar a participação das pessoas que utilizam a bi-

blioteca na elaboração dos projetos desenvolvidos; c. Propor estratégias de incentivo à leitura, contação de histó-

rias e inclusão digital; d. Identificar temáticas relacionadas ao contexto e de relevân-

cia social e cultural; e. Elaborar critérios e indicadores de avaliação do projeto que

permitam visualizar se os objetivos propostos foram alcançados; f. Planejar um cronograma das atividades e divulgar em espa34

ço acessível a todos; g. Organizar o tempo e o espaço para os atendimentos, e os

recursos disponíveis: humanos, tecnológicos, eletrônicos, audiovisuais e pedagógicos; h. Realizar a formação de mediadores de leitura; i. Organizar atividades interativas e lúdicas, num espaço aco-

lhedor e prazeroso; j. Garantir o intercâmbio dos repertórios culturais entre edu-

cadores e educandos, com interdisciplinaridade; k. Fortalecer a mediação com rodas de conversa e histórias; l. Promover interação com materiais em diferentes lingua-

gens.

15  Estas orientações foram definidas coletivamente por bibliotecários, coordenadores pedagógicos e assessores da Rede Marista de Solidariedade.


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As Bibliotecas Interativas Maristas sempre tiveram como tônica a garantia de direitos, figurando como bibliotecas de acesso público a toda a comunidade onde estão inseridas. Para garantir o acesso à informação, direito de toda pessoa, as Bibliotecas Interativas significam a informação oferecida por meio de ações que propiciam a reflexão e a criação de novas informações e conhecimentos. Deste modo, deixam de ser um espaço apenas de recebimento de leitores para ser um espaço ativo de partilha e de ação cultural. Alguns projetos que acontecem nas bibliotecas da Rede Marista de Solidariedade e da Rede Marista de Colégios serão relatados nesta publicação.


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2. Relatos das experiências Não importa o enredo das histórias: o que vale é o êxtase de quem as escuta. O mundo do sonho é silencioso submarino. Por isso é que faz bem sonhar. As pessoas sem imaginação podem ter tido as mais imprevistas aventuras, podem ter visitado as terras mais estranhas... Nada lhes ficou. Nada lhes sobrou. Uma vida não basta ser vivida: também precisa ser sonhada. Nunca me dês o Céu... Quero é sonhar com ele. Um verdadeiro livro de um senhor autor não é um prato de comida, para matar a fome. Trata-se de um outro pão, mas que nunca sacia... E ainda bem! Mário Quintana

Provocar ações culturais a partir das bibliotecas exige dos sujeitos mediadores da utilização destes espaços pensar a mobilização da comunidade em que estão inseridos. Contribuir para a formação de cidadãos leitores, não só da palavra, mas do mundo, por meio das bibliotecas, é inovar ao criar condições para que a comunidade se aproprie do espaço, participe de projetos em colaboração, amplie seu universo cultural e provoque mudanças nas formas de se relacionar com a língua escrita e com as outras linguagens. Para ilustrar esta afirmação, apresentaremos neste capítulo o relato de alguns projetos desenvolvidos a partir das bibliotecas de alguns centros sociais e colégios Maristas, escritos a partir da perspectiva de seus autores, educadores bibliotecários que, com a sistematização de suas práticas, olharam para as experiências com os olhares aprendizes daqueles que reescrevem sua própria história e as de seus educandos, para, com elas, alimentarem novas histórias.

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Através da arte16 Angélica Maria de Almeida Forster Rodrigues17

A arte na biblioteca: provocações

A ideia de arte é uma ideia culturalmente desenvolvida, ela não existe por si só e nem mesmo em todas as culturas, não é imanente, depende do ser humano que a cria e a ela dá sentido e atribui-lhe significado. O que é considerado arte para um determinado grupo e em um determinado contexto não o é, necessariamente, para outro grupo em um contexto totalmente diverso, como nos aponta Coli em seu livro “O que é arte”, publicado em 1995. 38

Durante muito tempo a arte ocidental baseou-se no modelo da antiguidade clássica. Quanto mais aproximado desse modelo, mais a obra era considerada e reconhecida. Foi a partir do século XVII que nossa concepção de arte foi tornando-se mais abrangente (COLI, 1995). Mas, como herança desse período, ainda temos muitas pessoas que valorizam apenas o que parece belo, considerando como parâmetro de beleza os mesmos padrões utilizados na antiguidade clássica. Em nossa cultura ocidental existem alguns parâmetros que determinam o que é ou não artístico. Em geral, se um objeto é aceito em um museu ou galeria, ou é reconhecido por um grupo de críticos, a ele é conferido o status de obra de arte. Isso acaba restringindo o acesso, o uso, a interação com a arte e por muito tempo 16  A locução “através de” em seu sentido literal, equivale a: por dentro de, de um lado a outro, ao longo de, ou seja, expressa a ideia de atravessar. Entretanto ao nomearmos o projeto optamos pelo uso metafórico da expressão, uma vez que ao passar por dentro de algo, eu também me transformo, é o que existe de mudança e conhecimento quando me insiro nesse universo e passo por entre a arte, a “atravesso” metaforicamente, pressupondo um caminho de possíveis transformações. Por este motivo, coletivamente escolhemos o nome do projeto e não utilizamos a expressão “por meio de”. 17  Angélica Maria de Almeida Forster Rodrigues é bibliotecária do Centro Social Marista Irmão Rui, em Ribeirão Preto/SP.


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causou desvalorização da arte popular, produzida fora dos padrões habitualmente valorizados. Felizmente esse cenário vem se alterando, porque algumas iniciativas de incentivo à democratização da arte e à valorização da cultura vêm acontecendo. Mas, afinal, que papel a arte ocupa em nossa sociedade? O que queremos e o que podemos alcançar por meio da arte? Foi tentando responder a esses questionamentos que surgiu o projeto Através da arte, iniciado em 2006 no Centro Social Marista Ir. Rui, uma vez que acreditamos na arte e na informação como instrumentos democratizadores necessários à construção do conhecimento transformador da realidade pessoal e social, principalmente em comunidades periféricas.


O Centro Social localiza-se no Complexo Parque Ribeirão Preto que se constitui como: [...] região identificada como desprovida de equipamentos sociais, com uma população caracterizada em sua maioria por migrantes de outras regiões do país, onde as representações da questão social são evidentes: desemprego, subemprego, analfabetismo e/ou baixo índice de escolaridade, ocupação/favelização/assentamento, violência, uso/tráfico de drogas, pela ausência de direitos sociais básicos como saúde, alimentação, educação, lazer, dentre outros. O complexo possui uma estimativa de 82.771 habitantes e 20.802 domicílios, evidenciando bolsões de pobreza e indicadores de vulnerabilidade social em sua população. Nesse contexto surgiu a proposta de realizar na Biblioteca Interativa do Centro Social uma intervenção na realidade vivenciada, embasada na valorização e 40

resgate dos vínculos culturais da comunidade local, garantindo oportunidade de acesso à informação por meio da arte, utilizando-a como ferramenta para a formação de leitores de palavras e principalmente de leitores de mundo, críticos, criativos e reflexivos, acreditando ser esta uma alternativa à promoção humana de incentivo à leitura e inclusão social.


O Projeto traz para dentro da biblioteca exposições mensais de obras de artistas da cidade e região, bem como artistas da própria comunidade, propiciando o contato direto com os mesmos, em momentos de bate-papos, palestras e oficinas. O contato com a arte cria assim espaços imaginativos e lúdicos, onde temas diversos são trabalhados. O incentivo à leitura e escrita é feito a partir da leitura imagética por meio das obras expostas, criando uma série de possibilidades de trabalho, com a instigação do interesse dos usuários da biblioteca em pesquisar mais informações sobre o artista, estilo das obras, materiais e técnicas, com a divulgação de sites e livros relacionados. É estimulada a expressão oral, abrindo-se espaço para que possam dar suas opiniões, ampliando o repertório linguístico e estimulando o prazer de descobrir a diversidade da arte e da leitura. Para Teixeira Coelho (2001, p. 28-29): A cultura, em suas manifestações radicais (como a arte), procura e viabiliza o êxtase, o sair para fora de si, sair do contexto em que se está para ver outra coisa, para ver melhor, para ver além, para enxergar sobre, acima, por cima, para ver por dentro.

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Entender o valor de cada uma destas manifestações, que são divergentes, porém não excludentes, torna possível que o projeto una dois paralelos culturais importantes: o resgate e valorização da cultura popular, buscando os próprios valores e talentos da comunidade e a aproximação da arte mais restrita às exposições realizadas em museus e galerias, às quais nem sempre todos têm acesso. Para Milanesi (2003, p. 167): A distribuição de bens culturais de maneira mais igualitária poderia ser a base de uma política cultural preocupada com os desequilíbrios sociais, uma tentativa de reforçar o fraco pela distribuição de doses generosas de conhecimento.

A arte revela ainda a concepção que um determinado grupo tem sobre o mundo, ajuda na construção e fortalecimento dos vínculos que fazem pessoas se reco42

nhecerem enquanto comunidade, e revela também, um vasto e misterioso universo de possibilidades de expressão e de engajamento profissional. Segundo Brito (2008, p. 98), “a arte, por fim, se faz no pleno espanto de viver. Mais que indagar,


mostra a condição da existência humana, não em sua forma imediata, mas em todas as suas formas possíveis”. Com essa afirmação, estabeleceram-se os objetivos do projeto: (a) estimular o prazer pela leitura, escrita e outras linguagens partindo da leitura imagética; (b) fortalecer e enriquecer o repertório linguístico oportunizando a ampliação de vocabulário; (c) resgatar e valorizar a cultura popular local; (d) garantir o acesso a bens culturais e à construção de novos conhecimentos; (e) instigar o interesse pela arte; (f) favorecer a ampliação do saber crítico e reflexivo; (g) propiciar o contato com artistas diversos e suas artes; (h) criar público para exposições de arte e (i) incentivar valores estéticos e culturais.

Metodologia Inicialmente realiza-se um levantamento junto aos educadores do Centro Social e responsáveis pelos museus e galerias da cidade, sobre artistas que atendam aos interesses pedagógicos do projeto. Em seguida entra-se em contato com os artistas, divulgando o projeto e convidando-os para a realização de exposição, que é feita durante um mês no espaço da Biblioteca Interativa, adequando-se o mesmo para destaque e proteção das obras. É realizado um encontro entre o artista e os usuários da biblioteca, durante o período de exposição, para bate-papo, palestra e ou oficina, onde são realizadas criações e produções em forma de textos, desenhos, ou outros meios, a partir das obras. Materiais complementares de pesquisa, como endereço de sites, livros e revistas, são divulgados. Mantém-se o livro de visitas atualizado. As exposições são abertas irrestritamente à população e tem-se como público principal crianças e adolescentes, estendendo-se a participação para adultos e idosos.

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Resultados observados e algumas conclusões As reflexões e discussões realizadas a partir das obras expostas são por si só resultados esperados e alcançados, uma vez que podemos pensar e construir conceitos sobre o que é a arte e quem são os produtores de arte, o que é belo e porquê valorizamos alguns estilos e negligenciamos outros. Afinal a apreciação artística resume-se ao gostar ou não-gostar, ou pode ser aprendida e elaborada? Os participantes do projeto puderam ao longo desses anos compartilhar de reflexões sobre esses temas e em alguns casos, descobriram mais elementos a partir dos quais poderiam dialogar com a arte. Desde o início do projeto foram realizadas 29 exposições de artistas diversos, com propostas e técnicas igualmente divergentes e ricas: xilogravura18 , escultura, pintura figurativa e abstrata, desenho, ilustração, toy art19 , fotografia, mangá20 , grafite e caricatura já fizeram parte dessas exposições. Notou-se também um aumento no interesse em participar do projeto como 44

expositores. Muitas indicações e autoindicações de pessoas da comunidade e de educandos surgiram e vem sempre aumentando, o que nos indica que estão se reconhecendo enquanto produtores de arte. A interação do público com os artistas mais envolvidos com o universo acadêmico gera uma partilha de conhecimentos muito pertinente aos nossos objetivos, desmistificando o artista como um ser distante da realidade e a arte como privilégio das elites, à medida que há interação, disponibilidade e interesse para conversar, estarem próximos aos artistas e às obras e poderem perceber que independentemente do meio social, as manifestações artísticas existem. Proporcionar o acesso à arte é deveras importante, entretanto, instigar a reflexão e o debate é fundamental. Não se deseja uma ação alienada e sim inclusiva

18 Xilogravura é a técnica de gravura na qual se utiliza madeira como matriz e possibilita a reprodução da imagem gravada sobre papel ou outro suporte. 19 Toy art é manifestação contemporânea que se apropria do brinquedo para mesclar design, moda e urbanidade. 20  Mangá é a palavra usada para designar as histórias em quadrinhos feitas no estilo japonês.


e transformadora, que oferece a quem participa a possibilidade do maravilhoso espanto diante da existência.

“A exposição de fotografias do Fábio Melo foi importante pra mim porque ela trouxe conhecimentos sobre a área de jornalismo, área que pretendo fazer faculdade. O fotógrafo explicou foto a foto e ensinou as técnicas que usou nas fotografias. Essa experiência entre fotógrafo e público foi muito boa e produtiva.” Tharian Vinícius Moreira, 15 anos 45

“Eu participei da oficina de Toy Art, fiz uma menininha muito bonitinha, quando eu a levei pra casa, dei de presente para a minha mãe, que era aniversário dela. Ela amou, pôs até no quarto pra enfeitar e até hoje ela está lá.” Ana Carolina Carvalho Lima, 10 anos “Foi muito legal participar da oficina de Toy Art, o José Carlos ensinou passo a passo, para a gente aprender tudo direitinho e poder fazer outras vezes. Meu Toy Art foi uma centopéia chamada Absolim. Eu gostei de me sujar de tinta e cola.” Breno Aparecido dos Santos Rodrigues, 11 anos


“Com o educador Matheus eu aprendi muitas coisas sobre pintura abstrata, aprendi que quando a gente brinca com as cores, os desenhos ficam muito mais bonitos. São as cores que fazem o papel branco ficar bonito, formando desenhos que nem imaginei que podia fazer. A gente fez uma exposição com as nossas pinturas, foi muito bacana, todos participaram, formando uma grande pintura abstrata e colorida.” Francislaine Viana Pires, 17 anos

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“Poder ajudar é fazer, formar, construir um cidadão com valores e princípios. Como é bom dedicar um pedacinho do nosso tempo revertendo em interesses e debates. Descobrir afinidades diversas entre jovens de pouca idade [...], com a curiosidade de uma criança quando vê um brinquedo pela primeira vez. Tudo isso pelo simples exercício de cidadania. E se existe alguém que ganhou oportunidade não foram somente eles, pois palestrar para esses meninos e meninas para mim foi uma troca de experiência e conhecimento que, até então, estavam ali, em algum canto de nossas cabeças, despertados naturalmente, no convívio, embora que breve, entre esses futuros cidadãos brasileiros.” Artista: Fabio Melo , 34 anos foto jornalista – Ribeirão Preto/SP


“Foi muito importante participar da exposição e das oficinas. Esse projeto é muito bom, pois através dele os educandos e comunidade podem conhecer artistas diferentes e entender mais sobre arte. No nosso caso como somos grafiteiros, é legal, pois eles vêem os nossos trabalhos nas ruas, e acabam imaginando algo diferente do que somos e o contato com eles é revelador. Querem saber o porquê dessa manifestação, é isso que nos faz sempre querer continuar. A exposição é muito bem montada e é sempre um prazer expor nossos trabalhos, pois assim eles acompanham a nossa evolução bem de perto.” Artistas: Fernando de Stefano e Robson Braga

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Clube de Leitura Denise Farias21

Leitura e criatividade

A biblioteca, na definição tradicional do termo, é um espaço físico em que se guardam livros. Durante anos grande parte das bibliotecas era vista como meros depósitos de livros e o bibliotecário representava uma figura distante. Percebemos o reflexo disso na postura do usuário adulto, que ainda mantém-se distante da biblioteca até hoje. Diante disso, tornase fundamental oferecer espaços de fomento à leitura para que nossas crianças e adolescentes vivenciem serviços diferenciados e transformemse em leitores capazes de buscar informações e conhecimento. 21 Denise Farias é bibliotecária do Centro Social Marista Champagnat, em Cascavel/PR.


Sabemos que o incentivo à leitura e o estímulo à criatividade da criança e do adolescente desenvolvem habilidades de leitura para toda vida. A informação recebida e o aprendizado desenvolvido na infância e na adolescência consubstanciam para o protagonismo, o autoconceito e a socialização das pessoas. A leitura possibilita prazeres, saberes, reflexões e ações. É fundamental saber realizar a leitura do mundo, do contexto vivenciado que antecede a leitura da palavra. O conceito de leitura amplia-se a cada dia, de acordo com vivências e experiências e, em especial, com o avanço da tecnologia dos meios de comunicação e da mídia. No universo de textos, o leitor atribui sentidos ao que se mostra aos seus olhos. Dessa forma, torna-se fundamental na ação socioeducativa oferecer espaços para as diferentes leituras e para que as pessoas possam interagir, sentir o prazer, a liberdade e a importância da leitura do mundo em suas vidas. Diante disso, o incentivo do uso da biblioteca torna-se primordial para que as pessoas vivenciem serviços diferenciados e transformem-se em leitores capazes de gerir informações e conhecimento. O bibliotecário tem importante papel nesta ação, juntamente aos outros educadores. Para Ely (2003, p. 47), o bibliotecário, além de gerenciar todo espaço ao qual a biblioteca se encontra, precisa: [...] saber cativar os neoleitores da biblioteca, bem como seus leitores reais e os potenciais, a fim de que ela possa contribuir para a formação de uma geração de leitores [...]. Compreender cada leitor em suas necessidades e promover sua autoestima devem ser atitudes que o bibliotecário escolar precisa considerar. Estimular ao uso da biblioteca os indecisos e tímidos, principalmente as crianças, contribui para sua melhor e adequada utilização.

Esta afirmação coloca em evidência a imprescindibilidade da atuação do bibliotecário, para fazer das bibliotecas lugares aconchegantes para que as pessoas sintam-se bem e passem a frequentá-las.

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Clube da leitura A biblioteca do Centro Social Marista Champagnat, depois de longo tempo sem funcionamento, foi reinaugurada no início de 2008. Com a missão de ser um espaço acolhedor e interativo, de acesso à informação e ao conhecimento, atende educandos, educadores e a comunidade com aproximadamente mil empréstimos por mês e alguns projetos de fomento à leitura. O Clube de Leitura é um deles. Com foco no incentivo à leitura e escrita dos participantes, o Projeto Clube da Leitura contempla atividades diversificadas para crianças maiores de nove anos de idade e adolescentes. Esta geração tem fácil acesso às tecnologias da informação. Mas é preciso saber utilizá-la, geri-la e, ainda, saber realizar a leitura do universo de informações para que as ferramentas não se tornem apenas objetos em nossas mãos. O projeto foi construído com o intuito de oportunizar aos educandos a criação de algo novo, fazendo o uso das ferramentas de informação disponíveis, pas50

seando por diversas artes e pela criatividade de cada um. Desde agosto de 2008, o clube de leitura vem realizando diversificadas atividades, sempre oportunizando aos participantes a leitura, a escrita e outras formas de expressão. Para o ano de 2010 foi planejado e executado um projeto dentro do clube de leitura que propunha aos educandos a criação de um filme de animação em stop motion a partir de histórias criadas por eles próprios. Para execução desse projeto, o clube envolveu-se em varias atividades durante os meses de março a outubro de 2010, reunindo-se quinzenalmente e realizando cada etapa da criação dos filmes de animação. Alguns educandos participantes do clube de leitura, por vezes o fazem de forma esporádica, já outros participam regularmente de todos os encontros. Há também, além de educandos do Centro Social Marista, alguns ex-educandos que já participam do clube de leitura há bastante tempo, e ainda hoje retornam ao espaço da biblioteca. Neste projeto trabalhamos cada etapa de forma independente, a fim de que pudesse ser totalmente compreendida para então passarmos para a etapa poste-


rior. Primeiramente houve o tempo de trabalharmos a leitura de alguns textos para que depois a escrita de histórias próprias fosse mais facilitada. Em seguida trabalhamos a compreensão da técnica de stop motion, a fim de que os educandos pudessem criar as personagens em forma de desenho ou de modelagem para a realização da animação, a fim de concluir o projeto com as fotografias e a sonorização. A seguir, apresentamos algumas atividades:

1ª atividade: lendo, pesquisando, jogando e escrevendo Para a atividade, realizamos a leitura do livro Jogando conversa fora da autora Sylvia Orthof. É um livro de pequenos contos e de linguagem envolvente. O conto principal que trouxe as maiores discussões foi ‘A noiva Perpétua’, uma história de suspense, com pitadas de humor e um vocabulário fantástico que nos instigou a conhecer e procurar novas palavras na língua portuguesa. No conto encontramos várias palavras que não são de uso cotidiano, oportunas para buscarmos novas palavras para enriquecer o nosso vocabulário. Enquanto líamos o texto, cada educando anotou as palavras que desconhecia. Após a leitura do conto, cada um pôde socializar as palavras de significado desconhecido e usar o dicionário para dar sentido a cada uma delas. Palavras pesquisadas: • Merencória – Triste. • Orvalho – Gotas de umidade que se depositam durante a noite na superfície da terra. • Provinciana – Aquela que não é da capital; referente à província. • Mandinga – Feitiçaria; bruxaria. • Desleixado – Descuidado; relaxado. • Cítrica – Planta da família do limão. • Grinalda – Coroa de flores para a cabeça. • Nortista – Aquele que é do norte.

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• Tiracolo – Modo de colocar uma correia, passando por cima de um ombro e por baixo do braço oposto. • Diáfana – Transparente.

Depois da atividade, jogamos ‘stop22’, para ampliar o vocabulário. O jogo tinha as variantes: nome, lugar, comida, animais, objetos e o complemento da frase “aos domingos eu gosto de”. Em outro momento, para trazer à tona o novo vocabulário e as respostas do jogo stop, cada educando foi convidado a criar uma história com algumas daquelas palavras. Ficou a critério dos participantes decidir quantas e quais palavras usariam em suas histórias.

Desafio: escrever uma história com algumas dessas palavras:

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Palavras novas Merencória Cítrica Provinciana Mandinga Tiracolo Diáfana

Nomes

Lugares

Ações

Comidas

Animais

Objetos

Maria Matheus Mauricio Marilis Samanta Sara Sabrina Evandro Eduardo Erica Emilly Orlando Osmar

Minas Gerais Mato Grosso Maringá Mato Santa Helena Sala Estados Unidos Europa Escola Horta Ônibus

Montar Musica Sair Sambar Estudar Escrever Orar Ouvir

Macarrão Maçã Salsicha Suco Sopa Espaguete Estrogonofe Ovo

Minhoca Macaco Salamandra Sapo Esquilo Elefante Ema Ornitorrinco

Martelo Mala Massa Sabonete Saia Sapato Escova Escada Óculos

22 É um jogo de mesa que consiste em preencher uma tabela com palavras que iniciem com a mesma letra e que tenham relação com o tema central. Vence quem conseguir escrever o maior número de palavras.


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A mesma atividade foi realizada com um dos grupos, que era mais numeroso e demonstrava ser um pouco mais agitado. Eles tiveram dificuldades em criar suas histórias utilizando as palavras do jogo. Pareciam presos à regra de utilizar algumas daquelas palavras, e diversas histórias sem sentido começaram a surgir, sem um enredo coerente, e ao fim da atividade tínhamos poucas histórias com começo, meio e fim claros. Mesmo assim, todas as histórias foram lidas, e a bibliotecária instigou o grupo a refletir sobre os motivos desse resultado. Mais um jogo foi proposto. Baseado no jogo de tabuleiro ‘Academia’2t3, jogamos uma variante da seguinte forma: Cada educando recebeu lápis e pequenos pedaços de papel e a bibliotecária sugeriu para cada um definir a palavra sugerida sem mostrar aos outros jogadores. As palavras utilizadas em cada rodada foram: poial (banco de pedra), quiçá (talvez) e supérfluo (desnecessário). Sem conhecer o significado real das palavras, cada participante deveria inventar 54

um significado para levar os outros a acreditar que aquela seria a real definição das palavras. Ao final, todas as respostas foram lidas, inclusive a definição do dicionário. Os educandos que acertassem a definição que consta no dicionário ganhariam pontos, além disso, quem votasse na significação inventada pelo colega daria pontos para ele. Com esse jogo, novas palavras foram acrescidas ao vocabulário dos participantes e a cada quinta-feira o cartaz de novas palavras tinha palavras acrescentadas a ele, e ficava exposto na biblioteca para todos aprenderem aqueles significados.

2ª atividade: o que é stop motion? Novo encontro no clube de leitura. Alguns vídeos encontrados na Web foram mostrados aos participantes. Eram bastante simples, feitos com uma técnica chamada ‘stop motion’ em que, foto após foto, cria-se a ideia de movimento.

23 O jogador da vez propõe uma palavra difícil e cada jogador deve redigir uma descrição que pareça verdadeira. O jogador lê as descrições e inclui entre elas a definição correta. Cada um deve votar na que acha certa.


De acordo com Cardoso (2009), a técnica de stop motion (ou frame-by-frame) é uma das mais antigas técnicas de animação. Nela o animador trabalha fotografando objetos quadro a quadro, a fim de obter o movimento, na junção sequencial das imagens. Entre uma foto e outra, o animador muda um pouco a posição dos objetos. Quando o filme é projetado a 24 fotogramas por segundo, tem-se a ilusão de que os objetos estão em movimento.

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Nosso projeto, no clube de leitura, não teve pretensões de criar um filme tão complexo, com 24 fotogramas por segundo, mas sim algo experimental, para proporcionar aos educandos momentos de lazer e protagonismo, criando com arte um sentimento de capacidade para produzir um filme de animação, mesmo em escala reduzida.


As histórias lidas na reunião anterior foram relidas pela bibliotecária e novas discussões sobre elas foram feitas. Cada grupo escolheu uma das histórias como base do filme de animação que seria criado por todo o grupo. Entre várias histórias de terror da turma da manhã, a que recebeu maior número de votos foi “A Samanta Mandinga”, da educanda Anabelly Soares dos Santos. A história tinha um bom desenvolvimento e um final surpreendente, além disso, era inspirada no conto que havíamos lido, “A noiva Perpétua”. A educanda usou as palavras novas aprendidas durante as reuniões anteriores, visto que antes da leitura do conto de Sylvia Orthof, todos desconheciam o significado do termo ‘mandinga’. Um dos grupos, aquele que apresentou mais dificuldade para escrever as histórias, optou por escolher uma delas. Assim, uma historia inicialmente intitulada “Lá em Pato Branco”, da educanda Alana Lara Ritter, foi escolhida. A composição contava sobre um tímido romance de adolescentes, que envolvia uma tartaruga e um tigre em meio a um emaranhado de ações sem começo, meio e fim. Respeitou56

-se a escolha, porém a reflexão sobre a coerência do texto continuou. Escolheram o diretor de cada filme, delegaram funções, elencaram todos os materiais que seriam utilizados na confecção de personagens e cenários e selecionaram material para a execução das fotos. Com apenas um ou outro detalhe conduzido pela bibliotecária, os educandos foram criadores e produtores do filme.

3ª atividade: criatividade à flor da pele! Para o cenário um dos grupos utilizou pequenas caixas e material de sucata. Os personagens foram desenhados em forma de fantoche de vara. Outro optou por criar alguns personagens de massinha de modelar e outros em forma de desenho, num cenário desenhado na cartolina. O grupo da tarde mostrou disponibilidade para rever a história, porque vislumbrava a possibilidade de fazer um filme bem interessante, o que, de certa forma, os levaria a rever as limitações da história criada por eles. Com a opinião de


todos os participantes, a narrativa foi modificada, mas manteve as personagens principais e o gênero romântico. Cada educando sugeriu mudanças para compor novamente a história. Assim surgiu “Em busca de você”, uma história simples, bastante criativa, com a colaboração e autoria de todos. Eles estavam empolgados com as atividades que realizavam.

4ª atividade: fotografia e sonorização Tudo pronto para o momento da realização das fotos. Os grupos fizeram pequenos ajustes e testes para decidir sobre a claridade das fotos, uso do flash e melhor posicionamento da câmera. Alguns educandos foram responsáveis por fotografar e outros por movimentar as personagens no cenário. O grupo da manhã preferiu revezar as atividades, já o grupo da tarde optou pela definição da função de cada um: os fotógrafos e quem ajudaria na movimentação das personagens. Cada grupo realizou duas seções de fotos, a fim de ter material suficiente para a seleção das fotografias. Após a segunda seção de fotos, escolheram alguns educandos que gravaram as vozes e alguns efeitos sonoros. Explicamos a todos o programa utilizado para transformar as fotografias em filme, com o auxilio de alguns softwares livres e ainda outros do sistema operacional do Windows e pacote Office24. Os educandos gravaram suas vozes na mesma câmera que utilizaram para as fotos. Após feita essa gravação, foi utilizado o software Dvd Video Soft Free para transformar os arquivos de vídeo em apenas áudio (mpg para mp3). Com o áudio em mãos, partimos para o uso do editor de sons Audacity, fazendo as edições necessárias e incorporando sons de ambiente e trilha sonora. No programa também foram modificadas as vozes dos educandos, como alteração de tonalidades graves e agudas.

24  Partes laterais de algumas fotos precisaram ser cortadas e outras preenchidas, para isso foram usados os programas Picture Manager (Office) e o Microsoft Paint. 25  Disponível em: < - http://www.dailymotion.com/video/xg1y1g_samanta-mandinga-clube-deleitura-entrevista-e-filme_school>

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Para a criação do stop motion, utlizamos o software Windows Movie Maker, um programa de criação de vídeos bastante popular e de linguagem acessível. Nele as fotografias foram colocadas em posição e seus tempos de exibição foram ajustados para que a ideia de movimento pudesse ser criada. Juntamente com os arquivos sonoros, as fotos foram colocadas na sequência em que a história era narrada. Na reunião que se seguiu à edição dos vídeos, os filmes foram assistidos pelo clube, que indicou pequenas alterações e planejou sua pré-estréia. Cada grupo decidiu quem seriam os convidados, o local, o horário e confeccionou convites e cartazes para as exibições. Além disso, gravou uma pequena entrevista comentando sobre os pontos altos da criação dos filmes e suas expectativas em relação ao público espectador. A bibliotecária fez os ajustes necessários aos filmes e incorporou fotos de bastidores e a entrevista de cada grupo, para que os espectadores pudessem entender o processo de criação das animações. 58

26  Disponível em: < - http://www.dailymotion.com/video/xg1wyn_em-busca-de-voce-clube-deleitura-entrevista-e-filme_school>


Algumas considerações Para avaliar a relevância de um projeto educativo, entendemos que é preciso escutar os meninos e meninas que dele participaram, verificar o significado construído no grupo, perceber os sinais que apontam o interesse e o sentido que o projeto gerou. Neste caso, alguns dos educandos apontaram que foi a primeira vez que participaram ativamente, do início ao fim, da produção de um filme e que gostariam de continuar o projeto, utilizando outras técnicas, além do stop motion, para criar novas histórias. Para eles, realizar uma atividade diferenciada que abrangesse diversos tipos de arte, mesclando as ações ao uso das tecnologias da informação era um antigo desejo agora realizado em forma de filme. Com a experiência podemos perceber que os educandos têm inventividade suficiente para criar os mais diversos contos, com as ilustrações mais singulares e uma narração repleta de dramaticidade e entusiasmo.

“Eu gostei muito de participar do Clube de Leitura esse ano porque além de aprender, nós nos divertimos muito! Fizemos leituras, inventamos histórias e tudo foi muito legal. Foi a primeira vez que fizemos um filme, por isso aprendemos muitas coisas, e algumas foram difíceis porque nós nunca tínhamos feito um filme antes, mas acho que tudo foi importante, e quando todos assistiram o nosso filme, deu um pouco de vergonha, mas ao mesmo tempo achei legal ver que os meus colegas gostando do filme que nós tínhamos feito!” Rafaele Rodrigues, 10 anos

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A Samanta Mandinga25 Narrador – Emily e Maurício moravam nos Estados Unidos. Lá na escola deles havia uma sala meio assombrada, era a sala da 4ª série. Ninguém ia até lá. Mauricio – Oi Emily! Emily – Oi Maurício, tudo bem? Mauricio – Sim! E você? Emily – Tudo! Mauricio – Eu ouvi dizer que a sala da 4ª série é assombrada! Emily – É? Então vamos lá ver! 60

Narrador – Emily e Maurício queriam descobrir o que tinha na sala, mas ninguém deixava. Certo dia... Emily – Maurício, eu estou muito nervosa porque nós vamos entrar lá, e o que será que vamos descobrir? Maurício – Eu não sei, mas tive uma idéia para acabar com esse nervosismo! Nós podíamos tomar um calmante! Narrador – Emily e Maurício tomaram um calmante e criaram coragem! Marcaram o encontro na quinta-feira, depois da aula das turmas da noite, às 11h e 30min. Quando eles abriram a porta, entraram e viram uma goma de mascar no chão.


Emily – Olha! Tem uma goma de mascar no chão! Que mistério será esse? Maurício – Vamos descobrir! Tenho uma idéia, vamos perguntar para a professora. Narrador – E lá foram eles. Professora – Olá crianças! Então vocês querem saber sobre a sala assombrada, não é? A sala é assombrada porque a Samanta Mandinga dorme lá! Mas a Samanta só fica na sala até 1h e 30 min da madrugada! Narrador – Então na outra quinta-feira lá estavam os dois de novo na escola. E quando chegou 1h e 30 min eles abriram a porta e... Emily e Maurício – Ahhhh! A Emily e o Mauricio abrem a porta da sala assombrada, que está escura, e encontram um esqueleto.

Esta história, escolhida pelo grupo, foi escrita por Anabelly Soares dos Santos.

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Em busca de você26 Narrador – Num bonito dia de sol, Renata resolveu ir ao zoológico ver os animais. Mas o que ela não imaginava era que passaria por um menino misterioso, que ela sempre gostou mas nunca teve coragem de dizer. Os dois caminhavam pela rua, quando eles viram uma tartaruga e então resolveram parar e olhar de perto. Renata – Olha! É uma tartaruga! Jhonny – É mesmo! Acho que vou levar ela para minha casa e cuidar dela! 62

Renata – Ela é tão linda! Será que eu posso ajudar a cuidar dela? Jhonny – É claro! Você pode vir na minha casa quando quiser! Renata – Então, até amanhã! Narrador – E assim Renata e seu novo amigo seguiram seu caminho e todas as tardes eles se encontravam na casa dele para cuidar a tartaruga. Davam comida, água, e tudo mais de que uma tartaruga precisa. Mas um dia, algo muito estranho aconteceu: Renata – Você não acha que a nossa tartaruga está estranha hoje? Jhonny – É verdade! Ela não quer comer, nem


brincar, só tomou um pouco de água e mais nada! Estou ficando preocupado! Narrador – O que eles não sabiam era que aquela tartaruga já era velha demais, e logo ela ficou doente e morreu. Renata e Jhonny ficaram muito tristes pela perda da tartaruga, mas ficaram mais tristes ainda porque agora estavam sozinhos! Não se viam há dias, e a saudade começou a ficar muito forte. Foi então, que em outra tarde de sol, Renata resolveu sair para caminhar quando encontrou Jhonny. Os dois se abraçaram e mataram aquela saudade. Renata – É claro que quero! E tenho uma ideia: o que você acha se nós formos a uma loja de animais comprar um hamster pra ser nosso novo bichinho? Jhonny – Eu acho ótimo! Vamos? Narrador – E assim Renata, ­Jhonny e seu novo bichinho viveram felizes para sempre!

Alana Lara Ritter escreveu esta história, escolhida pelo grupo para a produção do filme.

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Navegar Angélica Maria de Almeida Forster Rodrigues27

Navegação e Informação

A informação é um fator imprescindível para impulsionar o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade, constituindo-se em um insumo fundamental à geração de conhecimento que, por sua vez, possibilita de modo eficiente a satisfação de diversas demandas da população. As tecnologias de informação e comunicação alteraram sobremaneira a velocidade de produção e acesso à informação. No contexto atual é impossível pensarmos no pleno exercício da cidadania, sem entendermos que um indivíduo tenha 64

acesso à rede internet, uma vez que através dela tem-se o ingresso para uma infinita quantidade de informações e de possibilidades comunicativas. De acordo com o Serviço à Pastoral da Comunicação (SEPAC-2004), a internet surgiu nos Estados Unidos em 1969, com o objetivo de interligar os diversos departamentos de pesquisas norte-americanos. No Brasil, a Embratel implantou o serviço de internet em caráter experimental em 1994, sendo liberado seu uso comercial, pelo Ministério das Telecomunicações e o Ministério das Ciências e Tecnologias em 1995. Desde então, o uso da internet cresceu vertiginosamente no Brasil e no mundo, o uso de redes de comunicação mediadas por computador ocorre o tempo

27 Angélica Maria de Almeida Forster Rodrigues é bibliotecária do Centro Social Marista Irmão Rui, em Ribeirão Preto/SP.


todo, para realização das tarefas cotidianas, como acessar a conta bancária, o e-mail pessoal, utilizar uma rede social, ou para trabalhar. A internet alterou padrões de comportamento, como nos indica o SEPAC (2004, p. 10): E o que mudou com a internet? A resposta é: tudo. Há quem diga que a internet é a segunda invenção da roda, pois mexe com o comportamento humano e suas formas de relacionamentos. A roda, quando foi inventada, revolucionou as relações humanas, aproximou as pessoas, acelerou as relações comerciais e mudou o mundo. Qualquer pessoa que tenha acesso a um computador pode se conectar ao mundo pela internet, pois é um meio de comunicação rápido que incrementa significativamente os negócios, supre-nos com um vasto volume de informações e muitos outros benefícios. O acesso à internet é hoje um instrumento não apenas da chamada inclusão digital, mas também de inclusão social e de estabelecimento das oportunidades de formação continuada do indivíduo e de sua inserção e manutenção no mercado de trabalho. Silveira (2001, p. 18) questiona sobre a desigualdade de acesso à internet e suas consequências:

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Como um excluído terá a mesma destreza no uso do computador, na navegação e na pesquisa em rede, na conversa em um fórum de debates, na manipulação de um software, que um incluído? Quem obterá as melhores chances? Isso não significa que o desemprego será eliminado quando todos souberem utilizar o potencial básico dos computadores e das redes de comunicação. Sem dúvida alguma, é possível crer que com a maciça inclusão das pessoas na sociedade da informação teremos uma explosão de possibilidades da cidadania. E quanto mais cidadãs forem as pessoas, mais conscientes serão das necessidades de reinvenção da dinâmica social excludente e desigual. O acesso à rede ainda não é propiciado a todas as pessoas, existem muitas que estão à margem dessa poderosa revolução. São os excluídos digitais. Para Takahashi (2000, p. 7) “urge, portanto, buscar meios e medidas para garantir a todos os cidadãos o acesso equitativo à informação e aos benefícios que podem 66

advir da inserção do País na sociedade da informação”. Para ter esse acesso garantido é necessário, no mínimo, ter um computador com provimento à internet e formação para o uso de softwares e aplicativos. Neste contexto nasceu o Projeto Navegar, que possibilita a inclusão digital crítica, por meio do uso de computadores com acesso gratuito à internet, com acompanhamento para o uso e a realização de atividades formativas de pesquisa, de produção e de postagem de novos conteúdos, reforçando a função educativa da biblioteca por meio da inclusão no ambiente digital, alargando aquilo que o usuário vivencia em outros ambientes e contribuindo para a ampliação de seu repertório cultural. As Bibliotecas Interativas dos Centros Sociais Maristas estão inseridas em contextos de vulnerabilidade social, e têm a preocupação de oferecer produtos e serviços adequados aos seus usuários, incentivando o hábito da leitura e possibilitando a ampliação crítica de conhecimentos. O acompanhamento adequado e as atividades oferecidas buscam a valorização das pessoas e a participação ativa em sua comunidade.


Assim, o projeto abre novo horizonte para crianças, jovens e adultos do Complexo Parque Ribeirão Preto que não contam com este acesso e acompanhamento em suas residências ou nas instituições que frequentam. O projeto articula a integração da informação oferecida pela internet com a necessidade de novo processo do conhecer, buscando tornar as pessoas não somente capazes de receber, mas de analisar criticamente e de produzir informações, desenvolvendo o crescimento pessoal e a valorização da comunidade. Portanto, o projeto Navegar transcende a técnica e preocupa-se com a formação humana integral e o envolvimento de todos pelo bem comum, para alcançar os seguintes objetivos: a) democratizar o acesso à informação e à comunicação para criar igualdade de oportunidades; b) favorecer o surgimento de multiplicadores de conhecimento; c) desenvolver a ampliação do saber crítico; d) ampliar o acesso às tecnologias da informação; e) incentivar a busca de novos conhecimentos e métodos; f) desenvolver o senso crítico do usuário quanto à utilidade da informação adquirida pelas diferentes mídias; g) favorecer a expressão livre de ideias e a produção cultural; h) oportunizar a busca e a construção de novos conhecimentos; i) favorecer o exercício do direito à cultura; i) estimular o hábito da leitura, da pesquisa e da escrita; j) disseminar a informação utilizando materiais convencionais, aliados às tecnologias; k) criar um caminho de mão dupla para a recepção, produção e divulgação de informações e conteúdos digitais.

Inclusão digital participativa e crítica A utilização dos computadores é aberta a toda a comunidade, mediante agendamento. São disponibilizados cinco terminais de acesso28 , de segunda-feira a sexta-feira no espaço da biblioteca, que também oferece monitores capacitados para esclarecer dúvidas sobre a utilização. O acesso é de meia hora por pessoa, e pode ser prorrogado caso não haja fila de espera. 28 Os terminais de acesso foram adquiridos através de parceria com o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) de Ribeirão Preto.

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Há realização de cursos mensais, com aproximadamente 8 horas/aula, durante o horário de funcionamento da biblioteca. O conteúdo dos cursos visa à ambientação e à formação para utilizar internet, o gerenciamento de arquivos e a comunicação por e-mails, chats29 , blogs30 , mensagens instantâneas, produção e postagem de conteúdos, entre outros.

O atendimento constante, oferecido individualmente garante o desenvol-

vimento de cada pessoa no caminho que definir, porque aprende as informações básicas para buscar com autonomia a ampliação de seu conhecimento.

Resultados observados e algumas conclusões O projeto nos indica alguns caminhos da inclusão digital e demonstra o enorme desejo das comunidades em participar da revolução informacional. Todas as atividades propostas têm grande interesse e adesão. Os computadores funcionam, 68

muitas vezes, como atrativos para as demais atividades da biblioteca. Desde seu início, em 2005, foram possíveis 21.868 acessos e a realização de mais de 40 oficinas formativas com cerca de 350 participantes. Atividades simples têm significado para quem participa. Digitar um site na barra de endereço pode representar uma grande dificuldade para pessoas com baixa escolaridade, isso faz com que tenham que identificar letras, conseguir localizá-las no teclado e começar a se familiarizar com uma página da web. Encontrar os sites e saber como acessar os jogos é um bom exercício de integração com o ambiente digital. Em geral é o primeiro contato que as crianças têm com a internet. Inicia-se como lazer e amplia-se para fonte de pesquisa e de expressão. Os computadores são utilizados para realização de trabalhos escolares, criação de currículos, acesso às redes sociais, blogs, sites de entretenimento, cultura, pesquisa, enfim, para todas as possibilidades que a internet nos propõe.

29 Salas virtuais de bate-papo. 30 Blog é um site cuja estrutura permite a atualização rápida a partir de postagem de conteúdo.


Instigar e propiciar o uso cada vez maior e melhor dos recursos é desafio constante do projeto. Esperamos que o acesso à internet pela grande maioria da população brasileira, de forma rápida, segura e gratuita se efetive. Até lá continuamos com as ações de inclusão na biblioteca.

“Eu me chamo Michel, tenho 07 anos, e venho na biblioteca desde os 05 anos, foi aqui que usei o computador pela primeira vez, ainda estou aprendendo a ler e escrever, mas com a ajuda da minha irmã Michele e do pessoal da biblioteca, já sei usar o computador, gosto de sites de jogos, de desenhar e pintar.” Michel Garcia de Souza, 7 anos

“O projeto navegar contribui com a comunidade que nos cerca com um trabalho fantástico que é a inclusão digital, dando acesso à internet livre e tentando inseri-los nesse universo que acabam por estar alheios até mesmo pela acessibilidade ou conhecimento que dificulta o manejo dessa ferramenta. As oficinas desenvolvidas favorecem um conhecimento a mais a essas pessoas, percebo que alguns usuários que participam do projeto nem sempre têm leitura e encontram mais dificuldades, porém, são insistentes e buscam aprender a informática apesar de todo desafio.” Rafael Gila Gomes, educador

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Samba na Biblioteca Marília Gabriela Alves Brigido Tegacini31 “Porque o samba nasceu lá na Bahia E se hoje ele é branco na poesia Se hoje ele é branco na poesia Ele é negro demais no coração” Vinícius de Moraes

A História do Negro em Campinas

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Na segunda metade do século XIX, Campinas apresentava uma das maiores populações de escravos da Província de São Paulo, conhecida como Bastilha Negra, era a cidade mais cruel do país no que se referia ao tratamento e aos castigos infringidos aos negros. Após a abolição da escravidão, houve a migração dos escravos das fazendas de café de Campinas para serviços domésticos, iniciando a urbanização da cidade. Com a crise do café, a cidade realizou o loteamento de algumas fazendas mais próximas do núcleo urbano. Assim, Campinas iniciou uma nova fase de sua história e a urbanização se instalou de forma mais efetiva. A partir da urbanização, já em meados da década de 1950, Campinas recebeu considerável número de trabalhadores vindos de outras cidades e regiões do país. Entre eles, uma parcela elevada de negros formou a população da cidade. Na década de 1960, a política habitacional do governo promoveu a remoção 31 Marília Gabriela Alves Brigido Tegacini é bibliotecária do Centro Social Marista “Ir. Elias, em Campinas/SP.


da população encortiçada para vilas populares, distantes da região central da cidade, especialmente construídas para esse fim. Assim, a grande parcela de população negra foi deslocada para essas áreas, passando a viver uma nova experiência de convívio inter-racial. Para Lapa (2008):

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A escravidão estendeu seus tentáculos até muito mais longe do que as fazendas de café, chegando aos grandes sobrados nas cidades [...] até os humildes casebres, aos cortiços, onde viviam e sobreviviam os pobres de Campinas na virada do século XX. O negro percebe que precisa de um de um lugar social dentro do espaço urbano nascente. Dizer onde era esse lugar foi papel dos brancos, redefinir esses lugares é o destino dos negros. Na época houve um acentuado crescimento da periferia de Campinas. Bairros mais distantes do centro da cidade foram criados com diferenciação dos bairros mais nobres já existentes. Neste cenário nasceu o bairro Vila Rica, caracterizado por ser o primeiro conjunto habitacional do município, contando na ocasião de sua inauguração com a ilustre visita do Presidente Castelo Branco, acompanhado por Ernesto Geisel e demais autoridades de Campinas32. Em julho de 2007 foi inaugurado no bairro Villa Rica o Centro Social Marista 72

Ir. Elias, que atende crianças e adolescentes de 6 a 15 anos de idade no Serviço de Apoio Socioeducativo, e oferece também a toda a comunidade o Serviço de Orientação Sociofamiliar e Socioeconomia Solidária e o Programa Biblioteca Interativa. A biblioteca é aberta aos educandos e toda a comunidade do entorno, sendo o único espaço de acesso a acervos literários do bairro. Desde o início, verificamos a crescente utilização dos serviços da biblioteca pelos educandos. Mas observamos que não houve adesão dos usuários adultos da comunidade. Para mobilizá-los a utilizar a biblioteca, nos inspiramos no pensamento de Alves, Guerra e Alves (2005) , quando afirmam que “a biblioteca pública é também um centro cultural da comunidade, proporcionando reuniões de pessoas com os mesmos interesses, e para isso ela deverá dispor de espaço e material necessários para a realização dos eventos”. Para Cunha (2002) a biblioteca pública “tem o papel de ser a instituição capaz

32 Informação retirada do Plano de Ação 2010 do Centro Social Marista Ir. Elias.


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de contribuir para o contato e o cultivo de valores humanos, estimulando a convivência com outras culturas, levando ao conhecimento das raízes culturais, e o desenvolvimento de culturas locais”. Portanto, seria imprescindível criar estratégias para que o público adulto fosse atraído para a Biblioteca e consequentemente para o Centro Social, por meio de ações culturais de interesse específico desta comunidade.


Samba na Biblioteca A ideia de realizar o projeto “Samba na Biblioteca” nasceu da necessidade de atrair o público adulto para a biblioteca. Por meio de ações culturais este público poderia experimentar o espaço e o acesso à riqueza do acervo. O projeto tem como objetivo promover o reconhecimento da biblioteca pela comunidade do entorno do Centro Social Marista como espaço cultural, oportunizando um ambiente de maior interação entre as pessoas e as diferentes manifestações artísticas e culturais. Promover o fortalecimento da identidade cultural e da cidadania no bairro de Vila Rica e ampliar a procura dos serviços oferecidos pela biblioteca foram nossos desafios. Para isso, buscamos mobilizar as pessoas para participar de eventos e compreender aquele espaço como lugar de desenvolvimento. Lá poderiam demonstrar suas habilidades e talentos, o que fortaleceria a autoestima, o bem-estar das pessoas e a apropriação da biblioteca. 74

A história do bairro, eminentemente originária da cultura afrodescendente, foi determinante para a decisão de oferecer um espaço para a manifestação e difusão da cultura negra, oportunizando o acesso à literatura, documentários, filmes, fotografias, músicas, e toda manifestação artística alusiva à cultura negra. Descobrimos que algumas instituições no mesmo território mobilizavam o público adulto com a valorização da cultura popular, como a nordestina. Consultamos a comunidade sobre a realização de um encontro sobre cultura nordestina, com literatura de cordel e forró. Os participantes da reunião se olharam e um deles se manifestou explicando os olhares de surpresa: “mas, a gente é negro, tem que ter samba”. Nascia assim o Projeto Samba na Biblioteca, que teve como mote “O Negro e o Samba”. Pesquisas e conversas com a Prof.ª Olga von Simson, do Centro de Memória da Universidade de Campinas (Unicamp), nos deram informações significativas sobre a cidade de Campinas, bairros negros e bairros populares e, consequentemente, o samba. A professora nos contou que o bairro Vila Rica, assim como os bairros próxi-


mos, apresenta uma população predominantemente negra e uma característica comum entre eles é o interesse em propagar a tradição do samba. Após pesquisas, os educadores e os educandos fizeram produções com alusão à cultura negra, culminando no evento denominado Samba na Biblioteca, com apresentação do cantor Diogo Avelino, morador da comunidade e roda de samba com o grupo Sol e Samba à Vila Rica. Tivemos ainda apresentação de capoeira com o grupo Arteiros na Dança, participação dos educandos com apresentação de percussão, declamação de poesias, estudo dos escritores negros, exposição de painéis confeccionados com grafite, hiphop33, jongo34, projeção de filmes, exposição de fotografias, tambores e figurinos de jongo35 e ampliação de acervo bibliográfico sobre cultura negra. O caldo de feijão, alimento muito consumido pelos escravos, foi servido no evento. O reconhecimento da biblioteca como local para manifestações artístico-culturais possibilitou o aumento significativo no número de empréstimos de livros, nosso objetivo inicial. Portanto, foi fundamental escutar alguns representantes da comunidade, participantes do Serviço de Orientação Sociofamiliar e Socioeconomia Solidária, e aproveitar a cultura local para envolver a comunidade no espaço da biblioteca. Como o evento repercutiu positivamente na comunidade, o projeto continua. Durante cada Semana da Consciência Negra, no mês de novembro, terá mais samba na biblioteca.

33  A dança hip hop inclui uma grande variedade de estilos, nomeadamente breaking, locking, popping, e krumping. Foram desenvolvidos na década de 1970 por negros e latino-americanos. O que separa a dança do hip hop de outras formas de dança são os movimentos de improvisação (freestyle) e que os dançarinos de hip-hop frequentemente se envolvem em disputas nas competições de dança. Disponível em:<pt.wikipedia.org/wiki/Hip_hop> 34  Jongo é uma manifestação cultural essencialmente rural diretamente associada à cultura africana no Brasil e que influiu na formação do samba carioca, em especial, e da cultura popular brasileira como um todo. Mais informações em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Jongo. 35  Material cedido pela Comunidade de Jongo Dito Ribeiro.

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“O ‘Samba na Biblioteca’ foi uma grande festa! Que boa ideia unir samba com biblioteca, tudo é arte. Na biblioteca observei livros educativos, afros e muitas crianças matando suas curiosidades. Um caldinho de feijão lembrando os bons tempos da “mãe preta” no fogão de lenha. Este projeto serviu para encontrar os amigos e fico feliz por participar.” Aparecido Donizete Augusto (Pare), morador da comunidade

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“Observei que a participação dos educandos foi muito positiva e todos se empenharam muito para que tudo desse certo, principalmente os que trabalharam comigo o Hip Hop. O tema do evento “Samba na Biblioteca” contribuiu muito para o sucesso, pois além de ter sido escolhido pela própria comunidade, é a realidade deles: “o negro e o samba”. Leandro Nascimento, educador 77

“Poder proporcionar à comunidade o samba, valorizando a cultura negra, foi indescritivelmente importante, pois estamos localizados numa área onde a população é predominantemente negra e a mistura de samba, cultura, biblioteca e caldinho de feijão proporcionou interação e identificação. Vi pessoas felizes, à vontade. Foi muito bom poder participar.” Jaqueline Lima da Silva, Auxiliar de Apoio Administrativo


Literatura em Ação Leda Maria Araújo Lima36

Por uma sociedade leitora

Por muitos séculos a literatura foi voltada a uma pequena parcela da sociedade, aquela que, por fatores econômicos ou culturais, tinha maior acesso aos livros. A grande maioria era privada do acesso a obras literárias. Foram anos para que os armários das bibliotecas fossem aos poucos destrancados para a difusão do que é bem cultural coletivo. À medida que aumentaram as instituições de ensino e a escolarização da população, a circulação de obras literárias se expandiu. Porém, o que se vê na atua78

lidade é a leitura de clássicos cobrados em provas e vestibulares, ocasionando a leitura obrigatória, sem encantamento, em contraposição ao prazer pelo ato de ler. O processo para despertar o interesse, a imaginação e a curiosidade na criança deve iniciar-se na família. Abramovich (2001, p.16) afirma que o contato da criança com um texto inicia-se oralmente, com a voz da mãe, do pai ou dos avós, contando contos de fadas, trechos da bíblia, histórias inventadas que podem ter a criança ou os pais como personagens. Atitudes como esta estreitam laços entre os familiares. Sabe-se da dificuldade de acesso a bibliotecas e livrarias. São locais ainda restritos a poucos e nas escolas, onde o contato com o livro poderia ser maior, os professores nem sempre promovem a leitura que encanta e que instiga o interesse pelo livro. A leitura quando utilizada somente avaliação em provas e vestibulares é desestimulante. Os índices de desempenho dos brasileiros no quesito leitura, o déficit de aprendizagem que apresentam e as dificuldades encontradas na hora de interpretar uma notícia ou uma imagem, estampam a necessidade de criar políticas de 36 Leda Maria Araújo Lima foi bibliotecária do Centro Social Marista Irmão Acácio. Atualmente é bibliotecária de uma Biblioteca Municipal da Prefeitura Municipal de Londrina.


incentivo à leitura37 . O projeto Literatura em Ação surgiu com a intenção de fortalecer essas políticas e propiciar às crianças de 6 a 10 anos, moradoras da Zona Norte de Londrina - PR, encontros emocionantes e novas descobertas no mundo da leitura, priorizando o prazer pelo ato de ler, para que os livros façam parte do cotidiano daquelas pessoas. Mas como? A pergunta de Alice Alice, perdida, perguntou ao Chapeleiro Maluco: – Onde vai dar este caminho? O Chapeleiro maluco respondeu com outra pergunta: – Aonde você quer ir, menina? Alice, surpresa com uma resposta-pergunta, disse: – Ah, não sei. O chapeleiro maluco concentrado em sua resposta, respondeu-lhe: – Ora... Ora... Para quem não sabe aonde quer ir, qualquer caminho serve! Lewis Carrol Ao contrário de Alice, o projeto sabe exatamente aonde quer ir, qual caminho trilhar, quais estratégias utilizar e quais resultados alcançar. Utiliza proposta pedagógica que possibilita às crianças, com ações sistematizadas de mediação de leitura, tornarem-se gradativamente leitoras efetivas, críticas, autônomas e reflexivas. O projeto utiliza-se da literatura e da arte dramática, que se transformam em meio fundamental para o desenvolvimento lúdico e intelectual das crianças. Elas mergulham nas histórias e desempenham papéis de narradoras ou personagens. A atuação teatral possibilita à criança pensar cognitivamente e metaforicamente, fazer inferências e associações, criar, se expressar, ir além do texto escrito

37 Mais informações na pesquisa “Retratos da Leitura do Brasil”, disponível em www.prolivro. org.br.

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e mediado, da história contada, entrelaçando fantasia e realidade, gerando experiência e um rico aprendizado a servir de inspiração para suas ações diárias. Coelho (2001) afirma que o teatro “é a melhor forma de ação cultural, pois faz o indivíduo refletir sobre sua realidade”. Além de formar leitores, de aprimorar e fortalecer a cultura nestas crianças, mostra a biblioteca como espaço de promoção cultural, o que possibilita às pessoas aprendizagem, crescimento, exercício da cidadania e o cultivo de valores. O livro é utilizado como instrumento de formação social e a literatura, assim como o teatro, gira em torno dos dramas humanos. Estas linguagens provocam debates e rodas de conversa, instigam leituras e dramatizações, informam e produzem conhecimento.

A literatura em ação Os encontros acontecem semanalmente e a cada encontro, um novo encanto, novo 80

autor, história, gênero literário, conversa, atividade, poesia, uma nova descoberta. A literatura é oferecida por meio de atividades e ações lúdicas como teatro, jogos dramáticos, representação de textos e situações cotidianas. Os fantoches, dedoches e palitoches, deixam mais alegres os encontros e alguns são confeccionados pelas crianças. Para enriquecer ainda mais as atividades, utiliza-se de jograis, da palavra cantada, dos versos e rimas. O jornal aproxima as crianças das notícias do cotidiano. O trabalho com essa ferramenta pode inspirar as crianças a construir seu próprio periódico, com páginas artesanais. Contos diários e leitura livre seguida de um jogo com letras e palavras, de um quebra-cabeça literário, de uma roda de conversa, de uma pintura, de um desenho ou colagem, dão aos encontros a leveza e a ludicidade que provocam o desejo de voltar. Mensalmente acontecem as assembléias com a distribuição das caixas de escuta, em que as crianças escrevem e depositam suas opiniões sobre os assuntos relacionados ao Centro Social. As trocas solidárias de livros, o amigo oculto literário, as brincadeiras de roda, o jogo de soletrar palavras, os encontros com as


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famílias, os momentos de animação, espiritualidade e recreação, contribuem para a formação e desenvolvimento dos educandos inseridos no projeto. As ações, sem limites para a criatividade acontecem dentro e fora da biblioteca. Criam a atmosfera inventiva, permitindo ampliar horizontes, novos olhares, obter argumentos e ter várias interpretações sobre uma linha escrita, um objeto visto e a história lida ou vivida.

Questões sobre um poema

– Mas o que quer dizer esse poema? Perguntou-me alarmada a boa senhora. – E o que quer dizer uma nuvem? Retruquei triunfante. – Uma nuvem? Diz ela. – Uma nuvem, umas vezes quer dizer chuva, outras vezes bom tempo. 82

Mário Quintana38 A vida, o mundo ao nosso redor, muitas vezes permitem duplo sentido, duplo significado. Viver é também saber interpretar e compreender corretamente não só o texto escrito, mas a realidade em que se vive. Paulo Freire afirmou que a leitura do mundo precede a leitura da palavra e a leitura desta implica sempre na continuidade da primeira, mas para chegar-se a tal criticidade, vale o exercício do texto encenado, da interpretação da música, da poesia lida ao pé do ouvido. Questionar, fazer inferências, buscar elementos implícitos, tomar decisões, arriscar-se diante do novo e buscar na palavra escrita respostas para dúvidas e incertezas é escrever uma nova história de vida, acreditando na transformação de sua realidade por meio do aprimoramento de escolhas conscientes. Machado de Assis, órfão, criado pela madrasta, com problemas de epilepsia e gaguez venceu barreiras e alcançou grande sucesso em suas obras escritas e pro-

38 Disponível em: www.recantodasletras.uol.com.br.


duções, obtendo o título de maior escritor da Literatura Brasileira. Assim como ele mudou sua história, acredita-se que com as histórias dos livros, muitas histórias de vida podem ser mudadas. Percebe-se nos educandos que estão desde o início do projeto um crescimento cognitivo, nas formas de comunicação, na autonomia, nas escolhas de suas leituras e principalmente o prazer pela leitura. O aumento no número de empréstimo de livros é um dos resultados que podemos mensurar através das ações de um projeto que busca dar passos largos nos caminhos da literatura. Ana Maria Machado, jornalista, professora, pintora e escritora brasileira, em sua obra Abrindo Caminho escreve: “No meio do caminho de Dante tinha uma selva escura”. “No meio do caminho de Carlos tinha uma pedra”. “No meio do caminho de Tom, tinha um rio”. Era pau, era pedra, era o fim do caminho? Mais adiante, ela escreve... No meio do caminho de Dante teve uma estrada. No meio do caminho de Carlos teve um túnel. No meio do caminho de Tom, teve uma ponte. É pau, é pedra, é o fim do caminho? ... Mais adiante ela diz... No meio do caminho tem coisa de que não gosto, no meio do seu aposto que tem muita pedra também. Pedra? Ovo? Fim do caminho ou caminho novo? Caminho novo é o que o projeto Literatura em Ação busca constantemente, com certo potencial mágico, onde as crianças lêem brincando, num espaço de troca, discussões, criações e invenções, em que eles falam, se divertem, interagem, observam, correm, experimentam e transformam-se.

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RPG, Leitura e Escrita na Biblioteca Fernando José Correia39 O RPG, breve histórico

Jogo de interpretação, como é conhecido o RPG, surgiu por volta de 1974, como evolução dos Wargames, que nada mais eram que jogos de tabuleiro muito parecidos com o nosso War onde o objetivo era derrotar os inimigos, dizimando seus exércitos ou conquistando um objetivo. No entanto, os jogos eram mais elaborados, ao invés de simples fichas plásticas eles utilizavam miniaturas de soldados e montavam maquetes dos cenários de batalhas, para tornar o jogo mais interessante. 40

39 Fernando José Correia é bibliotecário do Colégio Marista de Cascavel. 40 Produzido pela Grow.


Influenciados pela obra de J. R. R. Tolkien, autor de “O Senhor dos Anéis”, dois amigos resolveram ousar. Diz a lenda que, após uma partida de wargame baseada em fantasia medieval, o rapaz que havia sido derrotado havia encontrado um remanescente de seu exército sob uma das estruturas da maquete, o que o fez pensar que ainda não havia acabado a guerra, pois um de seus soldados ainda estava em condições de batalha. Começaram a adaptar o jogo para ser jogado por apenas um soldado, infiltrado nas forças inimigas, e não mais um exército completo como era antes. Com isso, começava a ser testada a ideia de criação de personagens. O primeiro jogo de RPG foi Dungeons & Dragons (D&D) lançado em 1974, criado pelos amigos Gary Gygax e Dave Arneson. A primeira versão ainda trazia fortes laços com os wargames como os tabuleiros quadriculados para delimitação de espaço e área de ação. Este jogo foi não só o primeiro, mas o mais popular até hoje, e gerou um desenho animado homônimo, conhecido no Brasil como “Caverna do Dragão”, exibido ainda hoje. O RPG tem um incontável volume de títulos, desde os mais populares como o D&D ou Storyteller até títulos pouco conhecidos e, muitas vezes, feitos por fãs para diversão, e há também RPGs educacionais.

Violência e RPG Uma das polêmicas sobre o RPG reside no fato de que seus livros muitas vezes retratam espadas, armas de fogo, batalhas, socos, ou seja, violência em geral, que também está em filmes, livros e quadrinhos. Mas a flexibilidade do RPG faz com que a violência e as armas usadas em livros e filmes não cheguem ao jogo, é possível construir aventuras com as mais variadas temáticas e enredos, excluindo totalmente os confrontos e lutas. Em alguns casos é possível ceder à vontade dos jogadores e trazer alguns confrontos de espada e armas de fogo. No entanto, fazer com que os jogadores reflitam e sintam o peso de causar violência e suas consequências, faz com que a violência e as armas não mais fazem parte do jogo. Mas preocupados com a temática “violência”, buscamos informação a respeito

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e encontramos o livro de Gerard Jones (2004)41 , que discute como a violência é interpretada e usada por crianças e adolescentes. Jones relata diversos casos de pais e educadores às voltas com o tema violência, às vezes nos games, na TV ou cinema. Um caso estudado por Jones ocorreu com uma mãe, Gina, que estava com um problema: seu filho queria uma espada de plástico para brincar, depois de conversar com Jones, que havia orientado a liberação da brincadeira sob supervisão, mas não convencida procurou o psicólogo Eric Stein, terapeuta de adultos e crianças, que discute brincadeiras e fantasias infantis. Ao perguntar sobre os valores que transmitiria a seu filho se liberasse o brinquedo, Stein relatou:

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[...] um dos maiores desafios que as crianças enfrentam é fazer a distinção entre realidade e a fantasia. Um dos papéis mais importantes dos adultos é ajudá-las a fazer essa distinção. E o melhor modo para que isso aconteça é permitir que vivam suas fantasias. ( Jones 2004, p. 128). Brincadeiras violentas e conflituosas, como polícia e ladrão, estão presentes na infância, em muitas culturas. Outro exemplo é quando o ato de matar um dragão imaginário faz a criança sentir-se “poderosa”. No entanto, é necessário que familiares e educadores supervisionem tais brincadeiras, propondo um direcionamento saudável e evitando o reforço da violência. É importante ressaltar que vivemos em uma época de urgência pela cultura da paz, da solidariedade, do respeito a todas as manifestações de vida. Portanto, é também papel da escola ou de outros espaços de educação formal ou informal, discutir a necessidade de fortalecer o diálogo e a não-violência. Um exemplo é refletir sobre o que a criança vê nos noticiários e que muitas vezes pode confundi-la.

41 Jones é jornalista e crítico cultural, além de escritor de quadrinhos e estuda profundamente o tema violência na mídia.


A prática do RPG Você já montou em uma vassoura e brincou de cavaleiro? Colocou uma capa de lençol e saiu voando pela casa? Já vestiu suas bonecas e as levou para comer aquele bolinho feito com terra e areia nos fundos de casa, ou no playground ou no cantinho da sala? Se respondeu com um “sim” alguma das questões acima, você já jogou RPG e nem sabia, a única diferença do jogo que tratamos aqui para as brincadeiras infantis é a complexidade das regras. Apesar da ideia de que o jogo é algo complexo e de difícil assimilação, lembramos que é apenas uma sistematização de jogos já existentes desde a infância de todos nós, ou o “faz-de-conta”, porém com alguns elementos novos. Nas palavras dos autores de Dungeons and Dragons: O jogador adota o papel de um personagem e então guia-se através da aventura. O jogador toma decisões, interage com outros jogadores e, essencialmente, “finge” ser o personagem. Não significa que o jogador deva ficar pulando para lá e para cá, investir contra dragões imaginários ou agir como o personagem. Isso significa que sempre que o personagem é chamado a tomar alguma atitude ou decisão, o jogador finge que está naquela situação e escolhe o curso de ação mais apropriado (GYGAX, 1995, p.11).

Para definir, por exemplo, se aquele cavalgar foi bem sucedido, ou seus vôos alcançaram uma altitude satisfatória, usamos dados, que podem ter variadas formas, e ser usados para os diferentes sistemas. Consulta-se então a ficha do personagem para ver se ele tem alguma vantagem com relação a voos ou cavalgadas. Caso os resultados sejam positivos, o personagem continua a ação e escolhe sua próxima, caso contrário o mestre do jogo diz as consequências da falha.

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Figura 1 – Dados multifacetados (20, 12, 10, 8, 6 e 4 faces)

A primeira regra do RPG, também chamada de regra de ouro, e que nunca deve ser quebrada é: não existem regras. Como forma de guia de regras, os livros dos sistemas de RPG trazem regras idealizadas pelos criadores do sistema, mas em certos grupos de jogadores essas regras ficam confusas ou acabam se mostrando ineficazes, então o mestre tem liberdade para alterar, excluir ou incluir qualquer regra, a qualquer momento, desde que a harmonia do jogo e a diversão não sejam prejudicadas. 88

O mestre do jogo pode confundir o outro jogador durante uma partida. Mas, calma! Não é uma trapaça ruim, mas um artifício de narração, pois muitos rolamentos de dados são feitos às escondidas, assim ele pode ocultar o verdadeiro resultado. O ataque de um dragão que vitimaria a todos os personagens pode deixar apenas um ou alguns deles em pé, tornando a cena mais épica e emocionante; ou o mesmo ataque poderia ser mal-sucedido pelo monstro, e o mestre dizer que foi catastrófico. Tudo isso visa manter o ritmo da história, manejada pelo mestre durante todo o jogo.

RPG e educação no Brasil O RPG chegou no Brasil na década de 1980 trazido por alunos de intercâmbio dos Estados Unidos. Os livros eram fotocopiados e passados de grupo em grupo, primeiramente com o D&D e, posteriormente, com os demais títulos. No seu início, o jogo era apenas conhecido por poucos que tinham acesso à língua inglesa, já que o material vinha sem tradução, ou aos grupos de amigos que vinham do


exterior, o que se restringia à classe média-alta. Talvez por ter um começo muito restrito no Brasil, sua popularização nunca ganhou força suficiente e, até hoje, o jogo é conhecido por poucos, vendido geralmente em lojas especializadas e visto com estranheza pelos que não participaram ainda de uma sessão de jogo. Iniciativas de várias partes do mundo tentam desmistificar o jogo e utilizar de sua incrível maleabilidade para a educação. Existem livros, teses e comunidades sobre o tema, que multiplicam experiências com o jogo em sala de aula. Existem propostas para a utilização dessas atividades em empresas, como destaca Nunes (2004, p.8): As organizações, que buscam o conhecimento como fator de desenvolvimento, vêm criando ambientes que incentivam a criatividade, a cooperação e a interação das pessoas, levando em consideração que a aprendizagem muitas vezes ocorre por meio da brincadeira e da fantasia. Nesse sentido, o jogo RPG, tendo em vista suas características de cooperação, interação e troca, constitui uma possibilidade criativa para a aprendizagem e a socialização de conhecimentos.

Um dos pioneiros do RPG educacional no Brasil foi Alfeu Marcatto, com seu livro “Saindo do quadro” (1996). Em seu livro, o autor ensina os passos básicos de como transformar uma aula em uma aventura de RPG, levando os alunos a explorar vulcões, seguir as trilhas dos Bandeirantes e visitar o folclore nacional, como participante e não como expectador.

A experiência em Cascavel O trabalho com RPG na Biblioteca do Colégio Marista de Cascavel foi criado com o intuito de aproximar os alunos da leitura e escrita de forma lúdica, incentivando a leitura de mídias diversas, principalmente cinema e literatura. O grupo atual de jogadores é composto por cinco alunos, quatro garotos e uma garota, e

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um mestre do jogo, sendo quatro alunos do terceiro ano do ensino médio e um do segundo ano. Após montado o grupo inicial, optamos por trabalhar com o Advanced Dungeons & Dragons, pois em muitos casos a temática da fantasia medieval, seus monstros e dragões, é facilmente assimilada pelos participantes, além de ter indicação etária livre. À medida que os alunos evoluíram como jogadores, optamos por um jogo mais complexo e contemporâneo da franquia Storyteller – “Mago: a ascensão”, um cenário que em muito lembra o filme Matrix, onde os personagens vivem em um mundo contemporâneo, e descobrem que a magia ainda é presente, mas oculta dos seres normais por uma organização denominada Tecnocracia. É possível planejar as aventuras para que sigam um roteiro pré-definido, mas com margem a mudanças, pois os personagens dos jogadores não são controlados pelo mestre, o que deixa suas ações imprevisíveis. No entanto, por um tempo foi necessário trabalhar com aventuras criadas na hora, de acordo com cada perso90

nagem, de forma que a história pudesse ser adaptada a qualquer momento e com isso foi criado apenas o cenário e alguns PDMs (personagens do mestre) prontos para o jogo; além de uma história geral e algumas lendas. Após os preparativos, criação de personagens dos jogadores e explicação das regras iniciais, demos início à sessão de jogo. Em um início de campanha (conjunto de aventuras com os mesmos personagens) é importante que os jogadores já comecem sabendo boa parte das regras, mas isso não foi nesta experiência. Preferimos que os jogadores descobrissem as características à medida que o jogo fosse se desenvolvendo, para que aos poucos fossem consultando os livros de regras e sanando as dúvidas. Partindo das dúvidas dos alunos, iniciamos o primeiro passo do projeto, que é o incentivo à pesquisa. Por meio do jogo, aproximamos o aluno do acervo da biblioteca, pois é constante o questionamento sobre o significado de palavras e termos, muitas vezes, próprios do jogo, outras de algum texto de apoio utilizado, além da língua inglesa. Nesses casos, o aluno é orientado a buscar a palavra em um dicionário ou enciclopédia físicos, pois não utilizamos a internet durante as


sessões. Para assuntos mais complexos como funcionamento de armas, resistência de cavalos, suprimentos para viagem, tempo de viagem com diversos meios de transporte, entre outros, realizamos uma pesquisa, que pode ser pré, pós ou mesmo durante o jogo; são consultadas enciclopédias e livros de regras e, caso necessário, pesquisas individuais pós-jogo, utilizando qualquer meio que possa esclarecer as dúvidas. O incentivo à leitura ocorreu durante todas as sessões, os alunos foram estimulados em pontos específicos da narrativa do jogo com frases como: • Como naquela cena do filme X. • Assim como aquele personagem do livro Y. • Na parede havia uma pintura de Van Gogh.

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As frases deixadas ao acaso nem sempre surtem efeitos instantâneos, o que é reforçado pela necessidade da consulta à obra para complementação do jogo. Muitas vezes uma sinopse é dada durante a sessão e sugerida a consulta do material completo posteriormente. A partir do momento em que o aluno mostra interesse por determinado assunto ou obra, é feito um trabalho de acompanhamento e auxílio à pesquisa, que tem como objetivo mostrar as fontes de informações e mecanismos de pesquisa mais adequados ao tipo de material preferido. A multiplicidade de mídias é fundamental para este trabalho, pois o mestre do jogo tem que ser conhecedor em diversas mídias, uma vez que apenas uma delas não sacia a curiosidade do aluno, visto que muitos se relacionam melhor com a música do que com a literatura e outros preferem o cinema, e para todos os interesses são necessários realizar diferentes tipos de leitura. Após a seleção do material básico, o aluno é instigado a buscar mais profundamente e avançar em suas pesquisas. 92

Constantemente os alunos nos procuram para conversar sobre as novas descobertas, sejam elas literárias, musicais ou cinematográficas. Materiais de atração estão presentes pelas salas da biblioteca, deixamos uma guitarra desplugada, alguns filmes da videoteca e alguns livros não-comerciais, mas que tenham alguma ligação com o tema do jogo ou literatura popular da época. Essas são algumas formas de atrair o aluno e impeli-lo a falar sobre suas experiências, além de colher informações sobre o que pode ser melhorado no espaço da biblioteca. Temos uma preocupação com o que é ou não literatura nos dias de hoje, o que indicar? O que realmente pode ser considerado literatura? Lajolo (2001, p. 9) trata das várias formas de literatura e fala dos nossos best-sellers como “A literatura hoje não é mais artesanal nem é produzida por umas poucas indústrias ou escrita por poucos escritores que têm o monopólio do mercado e da opinião” e completa; “é produzida por uma indústria tão sofisticada quanto à indústria de alimentos, que oferece molho de tomate para todos os gostos [...]”. A autora ainda relata que, “um professor de literatura inglesa contemporâneo de Shakespeare (1564-1616) ficaria espantado se lhe dissessem que Shakespeare


era literatura”, portanto devemos criticar com cuidado as leituras que nossos alunos fazem, mesmo que Crepúsculo não me agrade ou a menção de Harry Potter me faça revirar os olhos. Pelo contrário, indicamos sempre os livros, mas temos outra proposta caso ele queira se embrenhar ainda mais pelas sagas de fantasia, como um Bram Stoker ou J. R. R. Tolkien. Como educadores maristas, vemos a importância da comunicação interpessoal, também destacado no texto de Silva (2005), onde explicita que a comunicação não é um processo estático “emissor – receptor”, mas uma troca entre pessoas, um processo de interação e reação, que transforma os indivíduos a curto ou longo prazo, e em nosso caso, transforma também o texto, pois no RPG ele é construído coletivamente, e os jogadores são ao mesmo tempo: leitores e autores. O trabalho não se restringe apenas à obtenção de informações, mas também à produção de textos, sendo que após cada aventura os jogadores são convidados a escrever uma pequena redação, em forma de diário, sobre a aventura jogada, tomando o ponto de vista do personagem, não do jogador, e na redação são colocados todos os fatos que de certa forma foram tidos como importantes pelo jogador. Os diários não sofrem nenhum tipo de correção ou alteração, são apenas arquivados para consulta posterior, mas todos são cuidadosamente lidos e discutidos com os jogadores, para que eles tenham ciência de que há uma importância em escrevê-los. Dependendo da quantidade, os diários podem ter a orientação de professores de gramática ou literatura, ou pode-se desenvolver outro tipo de trabalho com eles, incluindo outras disciplinas. Os textos são utilizados como a memória do personagem e caso necessitem de alguma pista, ou dica sobre seu passado, estão livres para fazer consultas. Um exemplo é o texto da personagem Elisabeth, uma veterinária que descobre estranhos acontecimentos em sua cidade e começa a investigar, mas acaba presa: Recebi duas ameaças já por bilhetes, não sei de quem são. Acho que elas vêm do chefe da indústria. Há uns dias recebi uma carta sem remetente, onde apenas havia um número telefônico marcado, telefonei e acho que quem atende é uma pessoa boa, diz ser ex-funcionário na

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indústria. Não gosto do jeito que ele fala, com tantos enigmas, mas pelo menos ele está me ajudando, seu nome é Daniel. Recebi um telefonema do delegado para ir à fábrica, cheguei lá e tudo havia explodido. O diretor da empresa está morto, e acham que estou envolvida, agora estou presa, preciso continuar minhas pesquisas, mas tenho de dar um jeito de sair da cadeia. Apesar de o grupo atingir uma parcela pequena de alunos diretamente, notou-se um aumento significativo no uso dos materiais pelos alunos no projeto, uma vez que em conversas informais acontece a divulgação das obras do acervo.

Outras possibilidades Percebemos que a socialização dos alunos e a melhoria da capacidade de pensar antes de agir, medindo ato e consequência, foram ampliados a partir do proje94

to. Ato e consequência, ação e reação, são bases do RPG. O mestre/narrador expõe uma situação e os jogadores são impelidos a tomar decisões, e estas decisões geram outras situações, e assim a história vai se desenvolvendo. Após algumas situações de consequências desastrosas, notamos a cautela nas próximas decisões daquele personagem e seus companheiros, com isso é possível simular situações reais, conflitos e diálogos que possam ocorrer na vida do jogador. No entanto, tais situações precisam ser estudadas previamente, para não gerar desconforto no jogador ou fazer com que o narrador perca o controle. Um pequeno experimento foi feito com o grupo, com base em uma experiência vivenciada por Rodrigues (2004). A autora viveu um caso em que um dos participantes do jogo era excluído do grupo de amigos, e o mesmo se repetia nas sessões de jogo. Observamos que na sala da turma que se interessou pelo RPG havia um garoto que não se relacionava muito bem com os colegas, ele sempre estava isolado nos intervalos, imerso em leituras. Sempre lia trechos de um livro até sua conclusão, mas sem nunca emprestá-lo para ler em outro local, apenas em seus intervalos na biblioteca. Quando surgiu a oportunidade de implantação do


projeto, o convidamos. A primeira reação do grupo foi, em certo grau, contra o convite. Mas, posteriormente aceitaram a ideia. Nas primeiras sessões alguns comentários sempre surgiam e faziam com que o garoto se sentisse excluído. Após algumas sessões seu personagem ficou mais ativo no grupo e se tornou peça chave de alguns enigmas. Buscamos estratégias de interação com demais membros do grupo e demos voz ao garoto. Aos poucos, os membros do grupo foram trazendo o aluno para o círculo de convívio, e hoje ele interage com os outros membros da turma livremente, conversa e participa de discussões sobre todos os assuntos nos intervalos. Por ser um jogo extremamente cooperativo, o RPG é uma boa ferramenta de socialização.

Conclusões e planos de continuidade Chegamos à conclusão de que a experiência do RPG como disseminador cultural pode ser bastante proveitosa, caso seja trabalhado de forma lúdica. Um dos fatores mais importantes é fazer com que o aluno se apaixone pela leitura e escrita deixando que ele adquira o hábito de leitura de forma natural, lendo o que lhe dá prazer, e depois incentivando a leitura de obras mais complexas e densas. Faremos algumas alterações no projeto para o futuro. Primeiramente, procuraremos focar as atividades nos alunos dos primeiros e segundos anos do Ensino Médio e, ocasionalmente, do terceiro, pois nas turmas iniciais os alunos têm mais tempo para atividades extracurriculares, enquanto no terceiro o foco está no vestibular. A possibilidade de inclusão das séries do fundamental não será descartada, pois a variedade de alunos de idades diferentes faz com que a troca de informações e experiências seja mais rica. Para expandir o uso do RPG na biblioteca, iremos formar mestres entre os alunos, para que possam montar seus grupos e jogar em seus contra-turnos, assim podemos acompanhá-los e orientá-los de forma mais eficiente. Abriremos um diálogo com os professores sobre as possibilidades de trabalho dos textos produzidos pelos alunos nas sessões de jogo a fim de ampliar a divul-

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gação das técnicas de uso do RPG em sala de aula, como modo de transportar os alunos para o ambiente da disciplina, fazendo com que a experiência seja mais rica e completa. Neste sentido, Machado (2007) argumenta que “o aluno tem que construir seus conhecimentos, em vez de adquiri-los prontos, como acontece geralmente no ensino tradicional”. Ao incentivar a busca pelas respostas, notamos que o aluno se sente incluído no processo de aprendizagem, consequentemente, seu interesse e participação crescem juntos.

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Depois que eu comecei a jogar RPG, tive mais imaginação e criatividade. Comecei a pensar melhor, a ver o mundo de outra forma, não apenas como um lugar onde você faz apenas o que a sociedade manda. Eu pensava e agia do meu jeito não dependendo do que os outros pensam ou querem, o RPG me ajudou a mudar isso. No RPG você aprende bastante sobre trabalho em grupo, pois depende do outro e o outro depende de você, e se for parar pra pensar todos temos diferenças, e algumas qualidades que os outros não têm e o RPG nos “força”, de uma boa e divertida maneira, a trabalharmos em grupo tentando sermos “um só”, tentando achar uma solução viável a todos e que todos concordem, não apenas uma pessoa ou jogador egoísta e que quer fazer tudo sem depender do outro. Muitos não ajudam os outros porque agora a pessoa é um incômodo, mas quem garante que daqui a um tempo ela não seja a solução de que se precisa. Leonardo G. Angélico – educando

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Lendas Urbanas Camila Guimarães, Maria Scottini Testoni e Morgana Tissot Boiask42 O mito é o nada que é tudo. O mesmo sol que abre os céus É um mito brilhante e mudo. Fernando Pessoa

42 Camila Guimarães é bibliotecária, Maria Scottini Testoni é professora e Morgana Tissot Boiask é educadora social do Centro Social Marista São José, em São José/SC.


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A cultura de um povo e a oralidade

Antes do advento da escrita, o conhecimento, a memória e as recordações de um povo eram transmitidos às novas gerações e perpetuados por meio da oralidade. As culturas orais utilizavam-se do recurso visual e auditivo para lembrar e transmitir o conhecimento acumulado. Fatos cotidianos ou histórias fantasiosas que um ouvia do outro, armazenados na memória humana, eram transmitidos oralmente, de forma narrativa. Arautos transmitiam oralmente anúncios de guerra ou de paz de um povo para outro, e a palavra falada era utilizada por contadores de histórias, cantores e por sábios anciões, para perpetuar a memória e a cultura da comunidade.


As lendas surgiram assim, na tradição oral, combinando fatos reais com a imaginação, com o intuito de transmitir informação, assustar ou dar explicações para o que não tem explicação. De geração para geração, alguns desses mitos estão associados a ritos, dando origem a festas populares, danças e músicas hoje conhecidas como o samba de roda, o maracatu, o frevo, a quadrilha. Os mitos mais populares são do saci-pererê, curupira, boitatá, lobisomem e mula-sem-cabeça. As músicas e danças, geralmente, estão ligadas aos aspectos religiosos, fatos históricos e acontecimentos do cotidiano. As danças caracterizam-se pelas músicas com letras simples e roupas coloridas.

Lendas urbanas: renascimento e renovação A Carta do Folclore Brasileiro43 declara que folclore é sinônimo de cultura 100

popular e representa a identidade social de uma comunidade. Constituem-se fatores de identificação da manifestação folclórica: aceitação coletiva, tradicionalidade, dinamicidade e funcionalidade. Para a UNESCO, folclore e cultura popular são equivalentes e sua expressão se dá por meio de criações culturais individuais e coletivas. As lendas urbanas, composições da fabulosa imaginação humana, são exemplos das expressões folclóricas atuais e comprovam que as lendas não eram inventadas somente nas sociedades primitivas ou tradicionais. Seu estudo muito nos ensina sobre as culturas atuais e urbanas. Na atualidade, a facilidade de acesso às novas tecnologias e o tempo cada vez mais escasso das famílias provocam novas formas de comunicação. Hoje, as pessoas inventam e contam as lendas pela televisão ou internet. Para dar continuidade a tradição da

43 Conjunto de conceitos e recomendações a respeito da proteção, divulgação, documentação e pesquisa do folclore brasileiro, produzido ao longo dos trabalhos do VIII Congresso Brasileiro de Folclore, reunido em Salvador, Bahia, de 12 a 16 de dezembro de 1995, e organizado pela Comissão Nacional do Folclore . Diponível em: pt.wikipedia.org.


história oral, validar outras formas de conhecimento e expressão que não só a escrita, faz-se necessário resgatar e estimular o encontro das pessoas para, simplesmente, “jogar conversa fora”.

O projeto sobre as lendas “O gosto de ouvir é como o gosto de ler.” Cecília Meireles

Exercer a oralidade, desde criança, é fundamental para a boa comunicação, habilidade de escuta, memória, interpretação, imaginação, ampliação do vocabulário e aprimoramento da escrita. Cecília Meireles (1984, pg. 55) nos lembra que “não se pode pensar numa infância a começar logo com gramática e retórica: narrativas orais cercam a criança da antiguidade, como as de hoje”. Por isso, escutar histórias é um dos pontos fundamentais para desenvolvermos o gosto pela leitura. O Centro Social Marista São José está num bairro do município de São José – SC em que as crianças têm acesso restrito à cultura letrada, com indicadores expressivos de vulnerabilidade social. As famílias, na lida diária para seu sustento, convivem cada vez menos entre si. As conversas entre as famílias, vizinhos e amigos, para a maioria, são momentos raros. A biblioteca pode ser o local para promover estes encontros! No Centro Social Marista São José, a biblioteca tem um papel essencial para a comunidade educativa, que é o de garantir a crianças, jovens e seus familiares o acesso a informações e a inclusão digital, com projetos interdisciplinares. Nesse contexto, o Projeto Lendas Urbanas nasceu para resgatar a cultura da oralidade e redescobrir o prazer em contar e ouvir histórias. Para fortalecer e aprimorar a comunicação e a oralidade, dentre outras coisas, buscamos inserir a tradição oral nas atividades, aumentando e, até mesmo, contrapondo-se à valorização excessiva e desigual da televisão e do computador pelos edu-

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candos e familiares, habilitando-os como ouvintes, contadores, leitores, e produtores de textos orais e escritos. Inicialmente fazemos uma pesquisa e selecionamos lendas urbanas locais, para a leitura de uma dessas lendas com os educandos. A partir da leitura, eles preparam a narração para o próximo encontro. Inúmeras lendas urbanas também são disponibilizadas em uma caixa para escolha, e a proposta de uma pesquisa leva a discussão sobre as lendas para casa.


A mediadora mostra aos educandos o tom de voz, a pausa e a interpretação dos fatos com entonação da voz: espanto, alegria, surpresa, ao fazer uma narrativa. Nesse dia os educandos gravam suas lendas, utilizando a ferramenta gratuita Audacity44 . Depois das lendas gravadas, os educandos são instruídos para acrescentarem sons às suas lendas. No final do projeto, os cd’s são apresentados às outras turmas do Centro Social Marista, num ambiente especialmente preparado para a ocasião, com tapetes e almofadas. Os CDs gravados pelos educandos fazem parte do acervo da biblioteca para que, a qualquer momento, os colegas escutem as lendas gravadas pelo grupo.

Algumas considerações As pesquisas que os educandos realizaram com as famílias, os amigos, em livros e na internet ampliaram o interesse por contar e ouvir histórias nesses grupos. Algumas lendas muito conhecidas apareceram nas rodas de conversa, como a “loira do banheiro”, a “Boneca Xuxa”, “Maria Sangrenta” entre outras. Ao contar cada uma delas inventavam uma situação a mais, antes não contada, realçando o sensacionalismo ou o mistério escondido nos pequenos mitos. A preocupação dos educandos com a escrita e pontuação ao preparar o texto para a gravação, evitando que um erro textual atrapalhasse na entonação de voz, ampliou a percepção sobre a complementaridade entre a linguagem oral e escrita. Afinal, o objetivo das duas é o mesmo: a comunicação e a expressão humanas. Porém, para utilizar qualquer linguagem, há regras que devem ser aprendidas e respeitadas. O projeto Lendas Urbanas continuará acontecendo no Centro Social, pois o projeto aponta para o diálogo entre várias áreas do conhecimento, explora diferentes linguagens e avança para a ampliação da utilização da biblioteca.

44 Audacity é um software livre de edição digital de áudio.

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Lenda Urbana “Casa assombrada de Floripa” Gravada pela educanda Annelise Cristina Martins, 11 anos “Em Florianópolis, num lugar chamado Monte Verde, existe uma casa abandonada onde os moradores locais dizem ser assombrada. Muitas famílias tentaram morar nesta casa, inclusive já foi usada como marcenaria, loja, oficina, pois tem um galpão grande junto à lateral da casa e outro aos fundos, mas ninguém conseguiu suportar por muito tempo. Segundo eles, durante a noite, ouvem-se barulhos de copos e vidros quebrando, coisas arrastando, portas fechando e sons 104

estranhos, além disso, as pessoas que moraram ali contam que viam pessoas desconhecidas andando pela casa ou até sentadas em suas camas durante a noite, fumando, conversando, rindo e em seguida desapareciam. Teve um caso de uma família que se mudou pra lá num dia e no outro dia pela manhã estavam sentados na calçada apavorados esperando alguém vir buscá-los. É uma casa normal, tirando o clima pesado quando se entra nela. Está abandonada há muito tempo, mas seu estado de conservação não é dos piores, pois não foi invadida por ninguém apesar de estar aberta.


O atual dono da casa nunca mais apareceu e não existe nenhuma placa de vende-se ou aluga-se no local”. Emily – Olha! Tem uma goma de mascar no chão! Que mistério será esse? Maurício – Vamos descobrir! Tenho uma idéia, vamos perguntar para a professora. Narrador – E lá foram eles. Professora – Olá crianças! Então vocês querem saber sobre a sala assombrada, não é? A sala é assombrada porque a Samanta Mandinga dorme lá! Mas a Samanta só fica na sala até 1h e 30 min da madrugada! Narrador – Então na outra quinta-feira lá estavam os dois de novo na escola. E quando chegou 1h e 30 min eles abriram a porta e... Emily e Maurício – Ahhhh! A Emily e o Mauricio abrem a porta da sala assombrada, que está escura, e encontram um esqueleto.

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Projeto Sarau Ricardo Tomasiello Pedro45 O estímulo inicial das primeiras edições dos saraus realizados pela Biblioteca Central do Colégio Marista Arquidiocesano foi criar um espaço informal e descontraído, onde a poesia pudesse fluir livremente, para valorizar e incentivar o protagonismo dos alunos. Idealizava-se que essa atividade proporcionaria um momento especial para a interação e a partilha entre os participantes e por esse motivo optou-se pelo formato de “sarau”, pois este não define claramente os papéis daqueles que seriam “público” e “atores”. Os saraus começam a ser organizados no final de 2005, com uma parceria en106

tre a Biblioteca e a Área de Português, especificamente com professores dos 2ºs e 3ºs anos do Ensino Médio. A primeira edição Encontro com Drummond contou com 40 participantes. Uma das últimas alcançou um público aproximado de 220 pessoas (familiares, alunos, convidados, funcionários e professores). Apesar de não ter sido a intenção original da proposta, percebeu-se um aumento gradativo do envolvimento das famílias no processo. O que sempre impressionou e estimulou a continuidade dessas ações foi a paixão demonstrada pelos alunos envolvidos, mesmo com a simplicidade da proposta. Em 2009 com a mudança na composição do quadro de professores-parceiros, percebemos a necessidade de reestruturar o sarau. Em novembro de 2010 foi lançado o I Concurso de Poesia, cujo patrono foi “Adoniran Barbosa”. Com isso ampliou-se a conceituação da atividade para even-

45 Ricardo Tomasiello Pedro é bibliotecário do Colégio Marista Arquidiocesano, em São Paulo/SP.


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to dedicado a criar condições para estabelecer diálogos poéticos com outras áreas do conhecimento. Com essa mudança acredita-se que boa parte das estratégias utilizadas na montagem dos saraus migrará para a nova concepção, já que ainda não existem elementos conclusivos sobre esses aspectos. A maior parte das experiências destacadas aqui faz alusão às edições anteriores a 2009, por isso nestes casos optou-se utilizar genericamente o termo “sarau”. Um aspecto percebido, em ambos os formatos, foi que os alunos engajados tornam-se parceiros potenciais em outras atividades realizadas pela Biblioteca. Por conta de seu caráter intimista as edições do sarau tinham a biblioteca como espaço pré-definido. A escolha foi pautada pela preocupação de não caracterizá-lo como um “show” para um grande público. Para os organizadores-alunos, professores e equipe da biblioteca quanto menor o público, melhor seria a qualidade do encontro poético, pois isso possibilitaria maior interação entre os participantes. 108

O processo de montagem do sarau não era apresentado como uma forma diferenciada de avaliação na qual seria atribuída uma “nota” e nem os alunos recebiam qualquer tipo de benefício por participarem dessas atividades. A participação voluntária destes alunos demonstrou grande interesse e engajamento no desenvolvimento das ideias de criação. Para que se chegasse à apresentação final eram realizados diversos momentos de organização, conforme descritos abaixo: Definição de um tema e autores A equipe da biblioteca em conjunto com os professores-parceiros, a partir de conteúdos a serem trabalhados curricularmente, traçavam uma temática. Nesse primeiro momento discutia-se em linhas gerais algumas possibilidades para a estruturação do cenário.


Os movimentos literários e o trabalho em sala de aula

Nas aulas de literatura trabalhavam-se aspectos literários/estéticos do tema que seria abordado durante o sarau. Nesse trabalho destacaram-se características e principais autores, ou a seleção de uma temática que tralhasse sua relação com alguma escola literária (o brega e sua relação com o Romantismo, Drummond, Florbela Espanca em contraposição a Fernando Pessoa, entre outros).

Disponibilização de materiais e incentivo para utilizar o acervo da biblioteca

O acervo da Biblioteca era ampliado, quando necessário, especificamente para atender a demanda de empréstimo gerada pelas ações do sarau (DVDs, livros, CDs, etc). Incentivamos também a utilização de outras mídias nas pesquisas dos alunos. Montamos “cantos” nos quais os materiais eram separados e disponibilizados para empréstimo. Os funcionários da biblioteca eram preparados, estudavam sobre o tema e também orientados a oferecerem ostensivamente esses itens do acervo.

Identificação dos talentos artísticos e literários

Em sala de aula o professor-parceiro identificava e convidava alunos que apresentavam afinidade com o gênero poesia e os estimulava na produção de textos a serem lidos no sarau. Além dessa frente, eram selecionados textos de autores para intercalarem com as produções dos alunos. Nessa atividade, envolvemos alunos que geralmente não se expunham em sala de aula. O formato intimista era uma argumentação poderosa para convencê-los a fazerem parte da apresentação.

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Seleção e produção de poesias pelos alunos a partir do tema definido

A partir do incentivo realizado pelo professor-parceiro produzimos ou resgatamos poesias influenciadas pela temática do sarau. Desse material selecionamos inúmeros trabalhos para leitura durante as atividades. Desde as primeiras edições houve grande preocupação em incluir músicas na estruturação do sarau, pelo fato da grande proximidade dos alunos com essa linguagem. Com os alunos mais habilidosos na linguagem musical, realizamos uma seleção musical coerente. Foram utilizadas músicas dos mais diversos intérpretes, entre eles podemos citar: Chico Buarque, Cartola, Pixinguinha, Sidney Magal, Ney Matogrosso entre outros. Eram convidados também os alunos que participavam de modalidades musicais oferecidas pelo Núcleo Cultural do Colégio. 110

Estímulo dos alunos na utilização de outras mídias e performances

Devido à grande flexibilidade da poesia era proposto o desafio de utilizar outras estratégias de apresentação, além da simples leitura. Abria-se com isso novas possibilidades de intervenção junto ao texto escrito.. A elaboração de um pequeno vídeo pelos alunos também foi uma das estratégias. Ainda contamos com leitura dramatizada, teatro, dança, e outras formas de expressão que foram utilizadas nas apresentações. Por conta da flexibilidade do projeto, não havia necessidade de serem realizados ensaios gerais com a presença de todos os integrantes, a exemplo daquilo que ocorre em outros formatos. Após a organização dos grupos por atividades e responsabilidades os próprios alunos gerenciavam seus “ensaios”. Apesar da liberdade, existia uma espécie de “supervisão à distância”, para solucionar questões pontuais.


Os alunos encarregados pela parte musical em alguns momentos eram acompanhados de forma mais direta pelo professor-parceiro (seleção das músicas, estruturação de subgrupos e primeiras ações de organização da apresentação). Depois de alguns encontros o grupo prosseguia de forma independente.

Orientação e auxilio dos processos de criação das demais mídias e performance

Conforme citado anteriormente os alunos tinham liberdade para criar intervenções ao longo do sarau utilizando mídias e estratégias qua extrapolassem a poesia e pudessem dar voz ao seu potencial criativo. Integrantes dos grupos de teatro do Colégio eram engajados nas atividades, bem como aqueles que tinham familiaridade com outras expressões artísticas. No entanto, a elaboração dos vídeos contava com a participação pontual da Videoteca (ligado à biblioteca). Esse departamento auxiliou na pesquisa e edição do vídeo que era montado e exibido no sarau. Conforme citado anteriormente os alunos tinham liberdade para criar intervenções ao longo do sarau utilizando mídias e estratégias qua extrapolassem a poesia e pudessem dar voz ao seu potencial criativo.

Montagem de um roteiro básico para nortear as apresentações e controlar a duração total

Após a montagem dos grupos, e definição de como se daria sua participação nas atividades, estruturamos um roteiro para organizar a apresentação. Esse material foi distribuído aos alunos participantes. Toda a ação ocorrida no “palco” era coordenada pelo professor-parceiro. Os imprevistos eram sempre bem vindos e davam uma tônica especial de humor, descontração e informalidade às atividades.

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Elaboração de proposta de cenografia coerente com a temática

Alunos que desenhavam, pintavam, grafitavam, tinham noções de decoração de interiores entre outras habilidades foram convidados para, em conjunto com a equipe da biblioteca, estruturarem a cenografia do sarau.


Realizamos diversos encontros para discutir quais aspectos do tema poderiam ser transpostos visualmente. Para isso, itens do acervo eram disponibilizados. Dentre os aspectos analisados consideramos características pessoais dos autores (racionalidade, inconformismo, saudosismo, sentimentalismo, sofrimento, angústia, entre outros), visão geral sobre o panorama histórico e também, em algumas proposta, resgates de referências pessoais (o que é “brega” para você? Quais objetos do cotidiano para você trazem à tona essa ideia? Você sabe o que significa ser kitsch?) O grupo que criava o cenário era também responsável por sua execução e deveriam convidar outros para auxiliarem na montagem. As discussões realizadas para a idealização do cenário eram utilizadas na elaboração dos materiais de divulgação, embora neste caso em especial eles fossem finalizados pela equipe da biblioteca. Em quase todas as edições foram selecionadas imagens que representassem o tema central do sarau. É interessante ressaltar que os convites esgotavam em menos de uma semana. Com as mudanças implementadas a partir de novembro de 2010, novas perspectivas se abrem para os eventos da biblioteca ligados à poesia. Em nosso entender, o interesse em participar e a criatividade demonstrada pelos participantes apontam para novos contornos e novas

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ideias que darão força para a continuidade do projeto, transformando-o num concurso de poesias.

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“Minha experiência com o sarau foi a deliciosa possibilidade de me livre expressar e expandir criativamente. Momento único de transformar toda a abstração de nossa bagagem artístico-cultural numa realidade concreta. Os saraus que participei permitiram-me um amadurecimento pessoal e social. Não importa o tipo de participação que se tem, se você escreve, atua, canta ou decora, o sarau possibilita um conhecimento mais profundo de nós mesmos, abre margem a autocrítica e intensa pesquisa. Contrastes. Minha participação nos saraus só seria completa por eles. Ah, quantos contrastes! Sentimentos e gestos se opondo para, enfim, combinarem-se sublimemente... É integração de todas as formas. Ao mesmo tempo, um evento cultural e a cena mais intimista que se pode imaginar! Prova disso, foi poder viver o sarau dentro do ambiente escolar! Evasão e encontro. Pura emoção. Esse é o meu sarau”! Ricardo Borghi, 18 anos, estudante de Direito da FDUSP, ex-aluno do Colégio Marista Arquidiocesano


“Poesia é arte. E, como toda arte, exige tonalidade, cor, brilho, criatividade, o artista e o admirador. Mas, acima de tudo, a alma de quem cria e de quem olha e enxerga! E foi justamente esse olhar criativo que os funcionários da Biblioteca Central do Colégio Marista Arquidiocesano tiveram ao brindar toda comunidade com a realização do I Concurso de Poesia “Adoniran Barbosa”. Música para alegrar nossos ouvidos, bálsamo para a alma e adrenalina para impulsionar mentes e corações. A poesia é assim: “serve para que a vida não passe em vão”. Palavras sábias da poetisa Cecília Meireles que servem para caracterizar os diversos momentos que permearam o concurso: leitura de poemas, dramatizações, músicas, declamações, danças... encontros d’almas. Telma Luciene Vidali de Faria, professora de Língua Portuguesa

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“Posso dizer que não fui apenas um participante do concurso, mas também ajudei um pouco nos bastidores e na divulgação. Além de um ótimo cenário, tivemos a presença de alunos que saíram do medo da exposição e do preconceito para recitarem suas emoções em forma de poemas, de muito nível. Fiquei honrado em ser gratificado com a segunda posição, dividindo os primeiros lugares com meu irmão Raony Braga, com seu poema “amor igual à morte”, e Marina, aluna do segundo ano, com seu poema “Luz negra” que, apesar de contar uma historia não tão feliz, foi escrito com maestria. Fora o concurso, o evento girou em torno de uma homenagem a Adoniran Barbosa e a cidade de São Paulo, contando com a presença de um excelente grupo de chorinho, e a participação do professor de Física “Pipoca”, meu Pai, Antonio de Jesus Braga, Vitor Ortona, aluno do terceiro ano do E.M que junto a mim e meu irmão, encenamos cidadãos da cidade de São Paulo em um bar, unindo música, poesia e muita conversa fora. Por último, gostaria de agradecer aos experientes jurados que participaram e me bonificaram com o segundo lugar pelo meu poema “Óculos escuros” e aos funcionários da biblioteca que, juntamente com o professor Silvio Bedani, construíram esse evento que incentiva a cultura e mostra que a juventude tem potencial para escrever poesias de alto nível.” Luan Iaconis Braga aluno do Colégio Marista Arquidiocesano


Bibliotecas: da leitura ao desenvolvimento humano A leitura é um importante instrumento para se interpretar o mundo de forma crítica e curiosa. Mas, na chamada sociedade da informação, ainda existem pessoas que não dominam seus códigos, fundamentais para o desenvolvimento pessoal e para o exercício da cidadania. Para que a leitura faça parte da vida das pessoas, é necessário ampliar políticas culturais de incentivo à leitura ou de subsídio à produção do livro, facilitando que a população usufrua desse bem cultural. Uma iniciativa bem importante para que se amplie o acesso ao livro é a Lei 12.244, que dispõe sobre a universalização das bibliotecas nas instituições de ensino do país. A biblioteca é um local privilegiado de acesso ao conhecimento. A diversidade de ações na biblioteca pode provocar nas pessoas o gosto e o prazer existente na leitura, o que requer construir uma nova imagem da biblioteca, que possibilite a descoberta deste lugar como fonte de diversão, aprendizagem e encontro. Cada biblioteca é um local de múltiplas possibilidades para promover a aproximação das pessoas com os livros, com as tecnologias, as artes plásticas e as demais linguagens utilizadas para o diálogo com o conhecimento. É um centro cultural que pode transcender o empréstimo de livros e se constitui com a participação da comunidade atendida pela biblioteca, com a colaboração entre bibliotecários e usuários, e isso solicita que as pessoas dialoguem e participem dos projetos, em todo seu desenvolvimento. De modo geral, para saber se estamos construindo um processo colaborativo, é importante que as ações tenham significado para as pessoas que participam, se dizem respeito ao seu cotidiano, se valorizam suas produções culturais, se ampliam o universo de conhecimento e de possibilidades. O entusiasmo é um indicador importante para sinalizar se os projetos são significativos para quem participa, porque provoca um clima de movimento e de aprendizagem.

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Percebemos nos relatos de projetos que compõem esta publicação, o entusiasmo com que meninas e meninos participaram das ações culturais nas bibliotecas. Entendemos que essas iniciativas fortalecem as ações de incentivo à leitura, à produção cultural e ao desenvolvimento humano. É importante que cada biblioteca amplie ao máximo suas possibilidades de envolver a comunidade, na busca de integrar a todos numa atmosfera de letramento cultural. Promover espaços de intercâmbio de ideias, formação, realização de atividades lúdicas, saraus, momentos de contação de história, rodas de leitura, bate-papo com autores são algumas estratégias possíveis para aproximar as pessoas e motivá-las a utilizar este espaço com frequência. Neste movimento é a própria biblioteca que se reinventa e se reconstrói, dialogando com os diversos atores envolvidos no processo de apropriação e construção de conhecimentos. A reflexão sobre aprender em diferentes espaços da comunidade está presente atualmente nos debates sobre educação. Pensar em uma cidade educadora im118

plica na consciência do papel de todos em um agir educativo nas comunidades, nos bairros e nas cidades. Ao favorecer experiências neste nível, as bibliotecas cumprem seu papel de promover educação e gerar mudança social. Para tanto, é importante constituir a ação comunicativa com a comunidade, e dispor de criatividade na proposição de estratégias mobilizadoras. É preciso lembrar que estabelecemos trocas recíprocas com o meio em que vivemos e, desta forma, internalizamos e transformamos culturas e damos significado ao mundo. Na medida em que expandimos nosso repertório, modificamos nossa relação com os outros sujeitos e transformamos nossa realidade. Nesse sentido, os relatos apresentados nesta publicação buscaram estabelecer um diálogo com bibliotecários, educadores, educandos e demais atores que estão comprometidos em reinventar, de um jeito próprio, com as especificidades de cada local, outras possibilidades de aprendizagem nas bibliotecas, sejam elas públicas, comunitárias ou escolares. Esperamos ter contribuído para esta reflexão, tão pertinente nos dias atuais.


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Outras fontes: Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC) www.ablc.com.br Biblioteca de Teses www.teses.usp.br Biblioteca Virtual www.biblio.com.br Biblioteca Virtual do Estudante de Língua Portuguesa www.bibvirt.futuro.usp.br Braille Virtual www.braillevirtual.fe.usp.br Cidade Escola Aprendiz www.aprendiz.org.br Coordenadoria do Sistema Municipal de Bibliotecas de São Paulo www.bibliotecas.sp.gov.br Escola de Escritores www.escoladeescritores.org.br Estante Virtual www.estantevirtual.com.br Fundação Biblioteca Nacional www.bn.br Instituto Brasil Leitor www.brasilleitor.org.br Instituto Museu da Pessoa www.museudapessoa.com.br Instituto Pró-Livro www.prolivro.org.br Ministério da Cultura www.cultura.gov.br Museu Lasar Segall

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www.museusegall.org.br Museu de Arte Contemporânea (MAC) www.macvirtual.usp.br Museu de Arte Moderna (MAM) www.mam.org.br Observatório do Livro e da Leitura www.observatoriodolivro.org.br Plano Nacional do Livro e Leitura www.pnll.gov.br Programa Petrobrás Cultural http://hotsitespetrobras.com.br Rede Biblioteca Viva http://blogs.cultura.gov.br/bibliotecaviva/rede-biblioteca-viva

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Endereços das bibliotecas citadas nos relatos: Centro Social Marista Ir. Rui | Ribeirão Preto – SP Rua Julio Ribeiro, 3.451, Parque Ribeirão Preto Ribeirão Preto – SP – CEP 14031-550 Tel.: (16) 3919-3939 E-mail: cesomarrp@marista.org.br Centro Social Marista Champagnat | Cascavel – PR Rua Corbélia, 1.967, Periolo Cascavel – PR – CEP 85817-440 Tel.: (45) 3225-7721 E-mail: cesomarcascavel@marista.org.br Centro Social Marista Ir. Elias | Campinas – SP Rua Professora Maria Cecília Tozzi, s/n, Vila Rica Campinas – SP – CEP 13050-530 Tel.: (19) 3227-6719 E-mail: cesomar.ir.elias@marista.org.br Centro Social Marista Ir. Acácio | Londrina – PR Rua Abílio Justiniano Queiroz, 350, Conjunto João Paz Londrina – PR – CEP 86087-000 Tel.: (43) 3321-3635 / 3339-8719 E-mail: cesomarlda@marista.org.br Colégio Marista Arquidiocesano | São Paulo – SP Rua Domingos de Morais, 2.565 Vila Mariana – São Paulo – SP Centro Social Marista São José | São José – SC Rua Nossa Senhora dos Navegantes, 2.302, Jardim Zanelatto São José – SC – CEP 88115-400 Tel.: (48) 3258-0964 E-mail: colegiosaojose@marista.org.br Colégio Marista de Cascavel | Cascavel – PR Rua Paraná, 2.680 Cascavel – PR CEP 85812-11

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Outras bibliotecas da Rede Marista de Solidariedade Centro Social Marista Ir. Rivat | Samambaia – DF QS 502 – Conj. 9 – Lote I – Samambaia Brasília – DF – CEP 72330-028 Tel.: (61) 3358-7215 E-mail: rivat@marista.org.br Centro Social Marista Ir. Beno | Maringá – PR Rua Nossa Senhora da Glória, 408, Jardim São Jorge Maringá – PR – CEP 87080-620 Tel.: (44) 3265-3131 E-mail: csbtomasoni@marista.org.br Centro Social Marista Santa Mônica | Ponta Grossa – PR Rua Roma, 360, Jardim Santa Mônica Ponta Grossa – PR – CEP 84016-658 Tel.: (42) 3238-2122 E-mail: stamonica@marista.org.br Centro Social Marista Ecológica | Almirante Tamandaré – PR Rua Cinfrônio de Andrade, 200, Jardim Norte – Sítio Itarumi Almirante Tamandaré – PR – CEP 83511-120 Tel.: (41) 3657-1762 E-mail: ecologica@marista.org.br Centro Social Marista Ir. Lourenço | São Paulo – SP Rua Chá dos Jesuítas, 559, Vila Progresso São Paulo – SP – CEP 08245-050 Tel: (11) 2052-5003 E-mail: cesomar@marista.org.br Centro Social Marista Ir. Justino | São Paulo – SP Rua Catleia, 50, União de Vila Nova São Paulo – SP – CEP 08071-100 Tel.: (11) 2031-3780 E-mail: cesomarirjustino@marista.org.br Centro Social Marista Dourados | Dourados – MS Rua Haiti, 330, Parque das Nações I

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Dourados – MS – CEP 79804-190 Tel.: (67) 3424-1311 E-mail: cesmardourados@marista.org.br Centro Social Marista Ir. Walmir | Criciúma – SC Rua Heitor Fraga de Oliveira, s/n, Bairro Renascer Criciúma – SC – CEP 88816-013 Tel.: (48) 3439-2048 / (48) 3439-6005 Centro Social Marista Curitiba | Curitiba – PR Rua Raul Pompeia, 188 Bairro CIC – Curitiba – PR CEP 81240-000

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Agradecimentos Os projetos relatados nesta publicação são desenvolvidos coletivamente e conjugam os saberes e o trabalho de muitas pessoas, nas diversas cidades onde a Rede Marista de Solidariedade e Rede Marista de Colégios estão presentes, formando leitores críticos e protagonistas. 129

Agradecemos especialmente a contribuição dos educandos, dos educadores, dos coordenadores, dos gestores de cada espaço educativo e dos assessores da Diretoria Executiva de Ação Social (DEAS) e da Diretoria Executiva da Rede de Colégios (DERC), por qualificarem e darem sentido à ação educativa aqui sistematizada.




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