“SÓ TEM AMOR QUEM TEM AMOR PRÁ DAR”: O jingle da Pepsi-Cola como resposta à ditadura militar ¹ Ariane Andrade D’AVILA ² Hans Peder BEHLING ³ Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, SC RESUMO
A ditadura militar apresentou inúmeras mudanças no Brasil, inclusive nos meios de comunicação. Com o decreto do Ato Institucional nº 5, AI-5, a repressão e a censura só aumentaram e os meios de comunicação tiveram que se adaptar às regras que o governo impunha. O rádio, que era o meio de comunicação mais popular da época, conquistava o público com os programas de entretenimento e jingles. A partir desse contexto, este estudo se propôs a identificar elementos presentes no jingle “Só tem amor quem tem amor prá dar”, da Pepsi-Cola, que servem como forma de manifestação e respondem à repressão imposta pelos militares. Para alcançar os objetivos, foram apresentados o período da ditadura militar, um pouco da história do rádio e o jingle em questão. Para isso, foi realizada uma pesquisa exploratória, bibliográfica, com abordagem qualitativa, pelo método da análise de conteúdo. O jingle foi desconstruído e analisado, e percebeu-se a forte presença do movimento hippie. Por fim, o jingle apresentou a revolta dos jovens com a ditadura que o país ainda vivenciava na década de 1970.
PALAVRAS-CHAVE: Ditadura militar. Jovens. Jingle.
INTRODUÇÃO
O golpe dos militares, que deu início a ditadura militar ou regime militar, deu origem a um período de repressão aos movimentos sociais, perseguições, torturas, mortes, privação de direitos, pela censura aos artistas e aos meios de comunicação, acompanhados inicialmente pelo crescimento econômico. Diversos Atos Institucionais foram decretados, dentre eles, o decreto do Ato Institucional nº 5, AI-5. Assim, a partir desse decreto o direito à liberdade foi barrado e a __________________________________ ¹Trabalho apresentado como quesito parcial para aprovação na disciplina de Iniciação Científica do 6º período do Curso de Comunicação Social - Publicidade e Propaganda da UNIVALI. ²Estudante de graduação do 7° período do Curso de Comunicação Social - Publicidade e Propaganda da UNIVALI, email: arianedavila@gmail.com ³Orientador do trabalho. Doutor em Ciências da Linguagem (UNISUL). Professor de graduação do Curso de Comunicação Social - Publicidade e Propaganda da UNIVALI, e-mail: hanspeda@terra.com.br 1
repressão aumentou, ocasionando grande mudança nos meios de comunicação de massa. As produções musicais, publicitárias, imprensa, TV e cinema, deveriam passar pelo controle do Estado, que aprovaria ou não a veiculação das produções. (GASPARI, 2002). O rádio, como outros meios de comunicação, teve seus programas, músicas e anúncios censurados pelo governo. A censura não vinha sozinha, era acompanhada por severas punições, o que acabou inibindo os locutores que não podiam mais expressar suas opiniões, sem pensar nas consequências que poderiam sofrer. No regime militar, a propaganda no rádio que, muitas vezes era utilizada através de jingles, também foi prejudicada. Para Camboim (2011), o jingle é um anúncio musicado, com uma mensagem simples e direta, que busca a memorização rápida. Assim, um jingle consegue vender um produto ou serviço e ao mesmo tempo encantar o consumidor, fixando a mensagem de forma descontraída e criativa. Durante o período da ditadura, a marca do refrigerante norte-americano, Pepsi-Cola, soube se apropriar das características dos jovens da década de 1970, com uma comunicação inovadora e ousada, através do jingle “Só tem amor quem tem amor prá dar”. O espírito hippie e a busca aos movimentos de paz e amor estavam presentes na peça publicitária. (RESENDE, 2013). Com base nesse contexto, este estudo se propôs a identificar elementos presentes no jingle “Só tem amor quem tem amor prá dar”, que servem como forma de manifestação e respondem à repressão imposta pelos militares. Para alcançar tal objetivo, o trabalho foi elaborado através de uma pesquisa exploratória, bibliográfica, com abordagem qualitativa e pelo método da análise de conteúdo. Buscou-se também, levantar aspectos repressores da ditadura militar, relatar as características que compõem um jingle e analisar o jingle “Só tem amor quem tem amor prá dar”. A pesquisa é pertinente por, explorar a dinâmica da produção publicitária nesse período, e apresenta possibilidades variadas para a compreensão. Esse recorte no tempo e espaço traz ao debate a liberdade de expressão, e a maneira como uma marca adequou sua comunicação, desafiou o governo e conquistou um público: os jovens. Portanto, este trabalho inicia abordando a ditadura militar e o contexto social da década de 1970. Consta também, o que foi o AI-5, qual era a importância do decreto para o Estado, o que implicava para a sociedade e a sua ligação com a censura. Os temas rádio e jingle foram abordados na sequência, onde é apresentado um pouco sobre o histórico do rádio e sobre a composição de um jingle. O artigo apresenta os procedimentos metodológicos utilizados nesta pesquisa, e então o 2
jingle “Só tem amor quem tem amor prá dar” é analisado. Por fim, são expostas as considerações finais.
DITADURA MILITAR E O AI-5
Em agosto de 1961, Gaspari (2002), diz que o então presidente da república Jânio Quadros renunciou ao cargo após estar apenas 7 meses no poder. A renúncia de Jânio Quadros criou um grande problema na República e legalmente a solução seria transferir o cargo ao seu vicepresidente, João Goulart, ou Jango, como ficou conhecido. Couto (1999) afirma que uma grande crise iniciou-se no país a partir daí, dividindo a política no Brasil em dois grupos: os defensores de João Goulart e os que se opunham a ele. Então, foi instituído o Ato Adicional de 03/09/61, que limitava as ações do presidente, causando grande descontentamento a ele e aos seus aliados. Os rumores de um golpe militar para tirar Jango do poder percorriam o país. No dia 2 de abril de 1964, uma enorme passeata era realizada em apoio à intervenção dos militares. O general Mourão Filho decidiu antecipar o golpe. Os outros generais se viram obrigados a acompanhar Mourão Filho para que o golpe não fracassasse, iniciando assim, o golpe militar contra João Goulart. (COUTO, 1999). Após o golpe de 1964, o General Castelo Branco assume o poder, e encontra o país com grandes problemas políticos, econômicos e sociais. Em julho de 1964, foi aprovada a emenda constitucional nº 9, prorrogando o mandato de Castelo Branco até 15 de março de 1967. Segundo o Arquivo Nacional (2001), novos atos institucionais foram aprovados, dando mais poder ao Executivo. Em 1966, o Marechal Costa e Silva foi eleito presidente do Brasil. Os dois primeiros anos de governo foram intensos, porque os movimentos contrários a ditadura, ou regime militar, cresciam pelo país. Em 1968, as manifestações estudantis ganharam força. Com a revolta da população e a intensificação dos protestos, foi aprovado Ato Institucional nº 5, AI-5, que dava plenos poderes ao presidente. Conforme Leite Junior (2009), em 30 de outubro de 1969, a junta militar passou a Presidência da República ao General Emílio Garrastazu Médici, que ficou no poder até 1974. Entre os governos Costa e Silva e Médici, houve o maior número de prisões, torturas e assassinatos de indivíduos contrários ao regime militar. O autor também afirma que o período de
3
melhorias econômicas no país deve-se às reformas feitas durante esses governos, que serviram como base para o período chamado de milagre econômico. Segundo o Arquivo Nacional (2001), o presidente criou a emenda constitucional nº 1, denominada Constituição da República Federativa do Brasil, incorporando medidas do AI-5. Então, iniciou-se o período de repressão política, censura aos meios de comunicação e tortura de presos políticos. O Ato Institucional nº 5, conforme Ridenti (2003), ficou conhecido como o golpe dentro golpe e instaurou o período mais cruel da ditadura militar. Seu intuito era reprimir as manifestações contra os militares, e por isso, a ordem era agir brutalmente contra os opositores, a fim de acabar com a liberdade. Os meios de comunicação também foram alvo do AI-5. Com ele, o presidente censurava qualquer forma de expressão, barrando veículos de comunicação, assim como artistas e autores de livros. Gaspari (2002), afirma que em 12 de dezembro de 1968, o general Jayme Portella de Mello, enviou censores aos jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo, e determinou que a Polícia Federal se preparasse para calar as emissoras de rádios e de televisão. No dia seguinte as redações foram invadidas e uma blitz foi realizada. Houve atos violentos, a fim de garantir e definir a permanência do regime militar. A partir 1970 a presença dos censores do governo, passou a ser constante nos jornais e nas rádios. Gaspari (2002), diz que, a Polícia Federal buscava controlar os trabalhadores das rádios de todo o país. O autor ainda ressalta que houve várias concessões de rádios e televisões para pessoas públicas que quisessem agir conforme o Estado. Foi na década de 1970, o período de maior força dos movimentos sociais e censura. Santos (2009) relata que os jovens foram a força da sociedade brasileira contra o governo. Através de manifestações de contracultura, os jovens contestavam os padrões sociais, as influências estrangeiras na cultura brasileira e lutavam por ideais de contracultura, políticos e revolucionários. Pereira (1992) afirma que as expressões artísticas e culturais do movimento de contracultura iniciaram-se com o Rock, pois o estilo musical, era a forma encontrada para falar de liberdade e de uma vida alternativa. Nesse período os movimentos da juventude transviada4 e hippie5, que até então eram tidos __________________________________ 4
Denominou-se movimento da juventude transviada os jovens da década de 1950 que usavam calça jeans, jaquetas de couro, fumavam cigarro, ouviam rock e eram considerados rebeldes. (SANTOS, 2009). 5 O movimento hippie surgiu no final da década de 1960, era adepto por jovens que usavam calça jeans rasgada, flores nos cabelos, drogas e repudiavam o capitalismo. (SANTOS, 2009).
4
como base dos jovens das décadas 1950 a 1970, passaram a ser utilizados pela indústria da moda. As campanhas publicitárias apresentavam as calças velhas desbotadas e rasgadas ou boca sino, os cabelos compridos e bagunçados como mercadorias. Para Pereira (1992), mesmo a indústria e o próprio governo utilizando as características dos jovens dos movimentos sociais e culturais, para reerguer economicamente o Brasil, as manifestações da juventude cumpriam o principal intuito, o de contestar o poder e a ordem dos militares, debochar dos governantes e lutar pelo fim da censura e pela liberdade de expressão. O AI-5 esteve em vigência por 10 anos, sendo revogado em 13 de outubro de 1978 pelo Congresso Nacional. No que diz respeito à produção artística e cultural, foram censurados aproximadamente 500 filmes, 450 peças teatrais, 200 livros, dezenas de programas de rádio, 100 revistas, mais de 500 letras de músicas e 12 capítulos e sinopses de telenovelas. Este período é considerado a censura mais longa que o Brasil já teve. (GASPARI, 2002). João Baptista de Oliveira Figueiredo, foi o último presidente do período da ditadura militar, assumindo o poder em março de 1979. Seu governo ficou conhecido pela abertura política, onde assinou a lei nº 6.683, que deu anistia aos que tiveram os direitos políticos suspensos. Seu governo também ficou marcado pela crise econômica. Conforme Leite Junior (2009), Figueiredo saiu da presidência pelas portas dos fundos. Assumindo em 1985, José Sarney, vice-presidente de Tancredo Neves, que estava hospitalizado na época. Assim, encerrou-se o período de regime militar, dando início a uma nova República. Após a apresentação de algumas características da ditadura militar, da década de 1970 e do AI-5 pertinentes para o desenvolvimento deste trabalho, faz-se necessário apresentar um pouco sobre a história do rádio e o que é um jingle. RÁDIO E JINGLE Em 1922, tem-se o registro da primeira transmissão oficial de rádio no Brasil, na Exposição Nacional em comemoração ao Centenário da Independência do país. O rádio encantou o povo brasileiro, e o ano seguinte, já surgia à primeira emissora brasileira. Intitulada Rádio Sociedade Rio de Janeiro, fundada pelo cientista Henrique Morize e pelo escritor e antropólogo, Edgar Roquette Pinto. As primeiras rádios eram chamadas de associações ou clubes, pois eram financiadas pelos associados a elas, e tinham como objetivo transmitir a cultura e promover a 5
integração nacional. As demais rádios que foram surgindo pelo país, também utilizavam o método de associação. Essa era a única saída que tinham para sobreviver, porque o governo tinha o poder de concessão dos canais de transmissões, bem como da autorização da propagação de textos comerciais. Em 1924, o presidente Arthur Bernardes, aprovou o decreto 16.657, regulamentando assim, os serviços de radiotelegrafia e de radiotelefonia, e os serviços de radiodifusão, ou broadcasting, como era chamado na época, que foram incluídos nos serviços de telegrafia. (AZEVEDO, 2002). O decreto 21.111 regulamentou a propaganda no rádio em 1932, tendo um limite de 10% da programação. Martins (2006) afirma que a propaganda pode ser apresentada de uma forma simples, como ao dizer que “nasceu quando alguém disse a alguém que tinha alguma coisa a oferecer, fosse um produto, fosse um serviço”. Porém, a propaganda vai além de uma simples forma de oferecer um produto ou serviço. É um conjunto de ideias e ações que, após estudos, é concretizada e induz à compra. Também, para a comunicação ser eficiente, atualmente, existe uma empresa que faz todo o procedimento com a parceria de terceiros. Esta empresa chama-se agência de propaganda. Ferraretto (2000) relata que, na década de 1930, Ademar Casé, em seu Programa Casé, foi o primeiro a trazer a propaganda no estilo musicado ao Brasil, sendo o pioneiro da propaganda do rádio no país. A primeira propaganda musicada, mais conhecida por jingle, foi da padaria Bragança, intitulada Pão Bragança e escrita por Antônio Gabriel Nássara, com o compositor Luiz Peixoto. O jingle é um texto acompanhado de musicalidade, que pode ter duração de 15, 30 ou 60 segundos, e tem por objetivo reforçar ainda mais a memorização. A música nos anúncios retém a atenção e se mantém na memória por muito tempo, podendo durar o ciclo de vida do produto ou serviço. A mensagem de venda do produto ou serviço, deve ser clara e objetiva. Através do jingle o ouvinte consegue identificar e imaginar tudo que está sendo apresentado como o cenário, a pessoa, a marca, o produto. Atualmente os jingles são produzidos por produtoras especializadas em áudio publicitário. (CAMBOIM, 2011). A música é dividida por gêneros musicais que o jingle se apropria para encantar o público. Segundo Camboim (2011), esses gêneros existem de acordo com a vivência cultural que o indivíduo que compôs a música está inserido. O gênero musical e o gosto dos ouvintes são
6
utilizados pela propaganda, por associar um jingle ao estilo musical do público a ser atingido, seja ele do Folk, Rock, Pop, Sertaneja, Funk ou gêneros que ainda possam surgir. O texto deve estar envolvido em um contexto para transmitir a mensagem do jingle. Com isso, pode-se conceituar de acordo com Carrascoza (2003) que o texto publicitário é a associação de palavras e de ideias. A associação de palavras conforme Saussure (apud Carrascoza, 2003), é a união de uma imagem (significante) a de um conceito (significado), como a palavra árvore, que constitui-se pelo aspecto sonoro (significante), e pelo abstrato, através da imagem mental (significado). Para Carrascoza (2003) a associação de ideia, é quando uma ideia está ligada à outra. Como a representação de uma paisagem em um quadro, em que o pensamento associa à imagem real. Martins (1997), diz que a linguagem publicitária tem como objetivo apresentar características reais e subjetivas de produtos ou serviços, podendo utilizar o sentido literal ou figurado das palavras. Com o intuito de persuadir os consumidores de forma criativa. Também, são utilizados no texto publicitário recursos linguísticos, como as figuras de estilo. De acordo com Sousa (2006), as figuras de estilo dão significados ao mundo, moldando um discurso. Após apresentar a composição de um jingle, é necessário apresentar adiante a marca para qual o objeto de estudo deste trabalho foi produzido e o jingle que será analisado. A PEPSI-COLA E O JINGLE “SÓ TEM AMOR QUEM TEM AMOR PRÁ DAR” Em 1893, na cidade norte-americana New Bern, no estado da Carolina do Norte, o farmacêutico Caleb Davis Bradham produziu uma bebida semelhante a um xarope que batizou de Brad’s Drink, feita de água carbona gasosa, açúcar, baunilha, aromas de canela, cravo e noz moscada, extrato de noz de cola e pepsina. A bebida tinha o intuito de amenizar os males provocados pelo desequilíbrio do ácido péptico no estômago. A bebida passou a ser comercializada em sua farmácia. O sabor agradou o paladar dos consumidores, que passaram a bebê-la mesmo sem ter nenhum mal estar péptico. No dia 28 de agosto de 1898, passou a ser comercializada como bebida gasosa e não mais como um remédio. O nome mudou para Pepsi-Cola, fazendo referência aos ingredientes pepsina e nos de cola, tendo seu primeiro logotipo. (ALVES; MATOS; RANGEL, 2013). 7
A partir da década de 1950, novos produtos foram lançados e, na década seguinte, conforme Alves, Matos, Rangel (2013), o investimento em publicidade aumentou, e a empresa procurou tirar do mercado a imagem de refrigerante barato, vendendo um produto com estilo de vida. No ano de 1953, a Pepsi-Cola chegou ao Brasil. Em 1965, foi fundada a companhia PepsiCo (Pepsi-Cola Corporation). Na década 1970, iniciou-se a Guerra das Colas, em que a Pepsi-Cola e a Coca-Cola se atacam através de campanhas publicitárias, em busca dos percentuais do mercado norteamericano. Em 1973, foi lançado no Brasil o jingle “Só tem amor quem tem amor prá dar”6. Conforme o Blog Sanduiche Musical, o compositor principal do jingle foi Guarabyra que, na época, fazia parte de um trio, junto com Sá e Rodrix. Resende (2013) diz que a primeira voz da música era de Guarabyra, com os vocais de Sá e Rodrix. Foi produzido com instrumentos de percussão, bateria, baixo, violões e solos de guitarra. O estilo do jingle era do Rock Rural, que mistura Folk Rock com música Sertaneja de Raiz. A base do Rock Rural é o violão, que faz associação com o sertanejo. O Rock Rural utiliza arranjos de metais, trompete, e instrumentos típicos do rock, como guitarra, bateria e baixo, combinado ainda, com o som da viola caipira. Esse estilo musical acompanhava os jovens que participavam dos movimentos sociais. O Rock Rural, que foi criado por Sá, Rodrix e Guarabyra, buscava criticar e se posicionar perante o regime militar, onde várias músicas do trio levantavam questionamentos sobre o governo. Como na música Adiante do segundo CD do trio, que diz Eu ando bem normal / Como se deve andar, e refere-se aos limites impostos pelos militares que comandavam o país. Portanto, o jingle surgiu com o intuito da marca Pepsi-Cola se modernizar no Brasil e criar mais proximidade com o consumidor. (RESENDE, 2013). No período de lançamento do jingle, o país ainda vivia sob a opressão da ditadura militar, e os jovens favoráveis à cultura hippie e aos movimentos de libertação, se rebelavam contra os governantes. O Blog Sanduiche Musical ainda afirma que o refrão do jingle demonstra o espírito hippie e sua busca aos movimentos de paz e amor. De acordo com Sousa e Fonseca (2009), a cultura hippie foi mais um movimento de contracultura. Defendia a vida em comunidade e repudiava o capitalismo e a guerra. O lema paz e amor fazia parte da ideologia hippie, que era baseada num mundo em que a paz prevaleceria e não haveria desigualdade, fosse ela sexual, racial, __________________________________ 6 Jingle disponível no endereço virtual http://www.locutor.info/Jingles/Jingle%20Pepsi%20Anos%2070.mp3
8
étnica ou religiosa. Além das calças rasgadas, boca de sino e dos cabelos compridos e bagunçados, os hippies também tinham o costume de utilizar flores nos cabelos e roupas coloridas, que conforme as autoras, eram características desse público, e acabaram virando moda. O jingle “Só tem amor quem tem amor prá dar”, que fazia alusão ao movimento hippie, foi tão bem aceito, que Guarabyra lançou o single pela gravadora Odeon, colocando o disco à venda. Também foi adaptado para a televisão, através de três VT’s que fizeram sucesso entre os jovens. Segue a apresentação da letra do jingle da Pepsi-Cola, Só tem amor quem tem amor prá dar: Quadro 01: Jingle “Só tem amor quem tem amor prá dar”. 1
Hoje existe tanta gente que quer nos modificar
2 3 4 Refrão 5 6 7 8
Não quer ver nossos cabelos, assanhados, com jeito Nem quer ver a nossa calça desbotada, o que é que há? Se o amigo está nessa ouça bem, não tá com nada
9 10 11
Só tem amor quem tem amor prá dar Só o sabor de Pepsi lhe mostra o que é amar Só tem amor quem tem amor prá dar
12 13
Nós escolhemos Pepsi e ninguém vai nos mudar Só tem amor quem tem amor prá dar.
Só tem amor quem tem amor prá dar Quem tudo quer do mundo sozinho acabará Só tem amor quem tem amor prá dar Só o sabor de Pepsi lhe mostra o que é amar
Fonte: Quadro elaborado com base em Resende (2013).
A seguir, serão apresentados os processos metodológicos utilizados neste estudo.
METODOLOGIA A fim de entender quais elementos presentes no jingle “Só tem amor quem tem amor prá dar”, servem como forma de manifestação e respondem à repressão imposta pelos militares, foi elaborada uma investigação do tipo exploratória-qualitativa, realizada através da pesquisa bibliográfica. Foram consultados livros, periódicos, teses, dissertações, entre outros. A fim de se 9
aprofundar nos acontecimentos do período da ditadura militar e ao que se refere à marca PepsiCola. A população da pesquisa é de jingles produzidos durante a ditadura militar. A amostra é o jingle “Só tem amor quem tem amor prá dar”, produzido na década de 1970. A técnica de amostragem é não probabilística por conveniência. Sendo assim, optou-se pela amostra devido à mensagem do jingle “Só tem amor quem tem amor prá dar” ser ousada e contrariar o governo em um período onde a liberdade de expressão, principalmente na comunicação, era barrada. Também, por chamar atenção ao apresentar alguns elementos do regime militar e se voltar a um público que até então não era o da Pepsi-Cola. A investigação também foi feita através de técnicas da análise de conteúdo, que conforme Bardin (1977), é “um conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição de conteúdo de mensagens”. Bauer e Gaskell (2012) afirmam que tal análise é uma construção social, em que a realidade é considerada. Por isso, o jingle foi recortado a fim de compreender os processos de construção da peça publicitária, analisando a mensagem e as características da linguagem e, fazendo referência ao contexto social da época.
ANÁLISE DO JINGLE SÓ TEM AMOR QUEM TEM AMOR PRÁ DAR
O texto demonstra, nos quatro primeiros versos, a associação de ideias, ao reforçar as características dos jovens e associar à repulsa dos militares a eles, apresentando também a repressão imposta aos movimentos sociais e às escolhas dos jovens daquela época. A associação de palavras está presente no refrão e nos dois últimos versos, quando se associa ideologia hippie ao conceito principal da peça publicitária, à revolta com o governo autoritarista e à busca de um mundo em que a paz reine. A literalidade na mensagem do jingle, aparece nos três primeiros versos, ao apresentar ao público aspectos que estão associados à realidade do período, retratando o governo como controlador que buscava impor sua vontade de modificar as ideias da sociedade. Em contraponto, apresenta a realidade dos rebeldes, levantando as características dos jovens ao relatar os cabelos assanhados e as calças desbotadas.
10
No que refere-se à música, foi escolhido o estilo Rock Rural para a composição do jingle. Esse estilo representava a juventude da década de 1970, pois, estava em alta entre os jovens dos movimentos sociais. As letras eram compostas por manifestações contra a repressão, o autoritarismo, a favor da liberdade de expressão, e como no jingle “Só tem amor quem tem amor prá dar”, a junção de várias ideias que representavam a juventude da época, e que serão apresentadas adiante. O Rock Rural fica claro na música, ao se destacar o som do violão na entrada, recorrente em toda sua composição. O jingle é iniciado por um solo vocal feito por Guarabyra, e a partir do terceiro verso, até o final, o vocalista é acompanhado pelos demais cantores, onde se pode associar à questão do jovem não estar sozinho na luta contra a ditadura, mas, acompanhado por vários outros indivíduos contrários aos militares. O ritmo da música é acelerado no refrão fixando a mensagem e a melodia através do gênero musical, o Rock Rural. O jingle é encerrado com o verso “Só tem amor quem tem amor prá dar”, que reforça a mensagem central da peça, e conclui com todos os vocalistas. Ao analisar o contexto verso a verso, percebe-se que o primeiro verso do jingle, “Hoje existe tanta gente que quer nos modificar”, refere-se ao período vivido no momento de sua produção, a década de 1970. Marcada pelo anseio dos jovens em romper com o conservadorismo predominante na época, a peça publicitária demonstra o desejo de resistência de muitos deles e ao mesmo tempo indica a existência de setores da sociedade que não aceitam essa nova postura dos jovens. O jingle prega liberdade no estilo de se vestir e de cortar o cabelo nos seguintes versos: “Não quer ver nosso cabelo, assanhado, com jeito” e “Nem quer ver a nossa calça desbotada, o que é que há?”. Tal liberdade é transmitida através da ideologia hippie, em que jovens usavam calça jeans desbotadas ou rasgadas e cabelos bagunçados e compridos. O verso “Se o amigo está nessa ouça bem, não tá com nada”, revela que alguns indivíduos eram contrários a este estilo de vida, e talvez fossem favoráveis ao governo. A mensagem também demonstra a repulsa pelos que não aderiam às novas ideias. Os ideais hippies continuam presentes no jingle através do verso “Só tem amor quem tem amor prá dar”, que faz clara alusão ao lema paz e amor. O amor também é apresentado no verso “Só o sabor de Pepsi lhe mostra o que é amar”, relacionando o sentimento ao consumo do produto. Assim, o próprio estilo de vida dos hippies virou um produto, mesmo ele pregando o não consumismo. 11
A vontade do governo militar em vigiar a sociedade brasileira também é referenciada ao dizer que “Quem tudo quer do mundo sozinho acabará”. Com o Ai-5 o governo tinha plenos poderes, como citado anteriormente, fecharam rádios e jornais, repudiaram os movimentos sociais, entre outras ações, tentando controlar o país. O jingle é encerrado com o verso “Nós escolhemos Pepsi e ninguém vai nos mudar”, que também faz menção aos militares, ao incitar que os consumidores escolheram Pepsi-Cola, como um estilo de vida, uma atitude, e o governo não poderia decidir suas escolhas. Com as análises apresentadas acima, pode-se fazer um cruzamento entre a ditadura militar e a produção do jingle. O objeto levanta aspectos da ditadura militar e demonstra como os jovens estavam firmes contra o governo. Assim, pode-se perceber que o decreto AI-5 teve contribuição para a produção do jingle, por impor a liberdade vigiada a quem fosse contrário à ditadura, reprimir os meios de comunicação e as manifestações feitas pelos jovens. Com isso, levanta-se a ideia de que o jingle da Pepsi-Cola apresenta que o governo queria modificar a sociedade através de decretos, mas que parte da sociedade discordava disso. E queria liberdade para se expressar e até mesmo, para se vestir sem a interferência de um governo ditatorial. Ao final da análise, percebeuse a ligação entre a ditadura militar, os jovens e o jingle em questão. A ligação é feita através do movimento hippie, que fazia parte do contexto social da década de 1970, e se manifestava contra a ditadura militar. Os hippies, propagavam a ideologia de paz e amor, que era implantada aos adeptos dos movimentos sociais. Eles persuadiam os indivíduos a serem contrários ao governo, a não aceitarem a sociedade ser capitalista, e a acreditaram que o melhor era a vivência em comunidades. Ao que se refere aos jovens da época em que o jingle foi produzido, percebeu-se o envolvimento deles nas manifestações do movimento hippie, tendo suas características apresentadas, no jingle, como a calça que usavam e o estilo dos cabelos. Após esta compreensão, observa-se que alguns elementos da ditadura militar, da manifestação dos jovens e da alusão ao movimento hippie, estão presentes na composição do jingle, assim como, o gênero musical Rock Rural, que também estava presente no movimento hippie. Portanto, identificou-se que movimento hippie, suas características e ideologia, são os elementos presentes no jingle “Só tem amor quem tem amor prá dar”, que serviram como crítica e resposta ao governo militar.
12
Após a análise, conclui-se que o jingle apresentado busca prender a atenção através da mensagem e do estilo musical, bem como envolver os indivíduos, afirmando que suas escolhas pessoais importam mais do que a decisão dos militares.
CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente estudo iniciou-se com a curiosidade de identificar elementos de manifestação à repressão imposta pelos militares. A fim de apresentar tais elementos, optou-se como amostra o jingle “Só tem amor quem tem amor prá dar”, da Pepsi-Cola. Para que este objetivo fosse atingido, buscou-se analisar o contexto social da época em que a peça publicitária foi produzida. Com esse intuito, foram levantados dados da ditadura militar. Para atingir o objetivo principal, houve um levantamento sobre um pouco da história do rádio e as características de um jingle. Partindo desses pontos, acredita-se que o jingle “Só tem amor quem temor prá dar” tenha alcançado seu objetivo, o de se manifestar contra o governo e conquistar os jovens contrário à ditadura militar, que acreditavam nas ideias apresentadas na peça publicitária. Ao estudar sobre a ditadura militar, identificou-se que o AI-5 foi o principal fator contribuinte para a repressão e censura no Brasil. Também, percebeu-se que a década de 1970, que vivia ainda o regime militar e era representada pelos jovens, foi o período da sociedade brasileira, durante o regime militar, de maior manifestação de movimentos sociais contra a repressão. Dentre eles, o movimento hippie teve forte influência no período. As características dos jovens hippies e rebeldes, e seus gostos musicais, estavam presentes na sociedade e eram utilizadas até mesmo como uma mercadoria. Na seção sobre rádio e jingle, pôde-se compreender a composição de um jingle e a sua eficiência como ferramenta de auxílio para a propaganda. Através do entendimento de que um jingle bem elaborado, onde a música está de acordo com o estilo do consumidor e o texto persuasivo, consegue fixar a mensagem de uma campanha publicitária na memória do público que deseja-se atingir. Após tais aprofundamentos, a análise de conteúdo do jingle “Só tem amor quem tem amor prá dar” foi realizada. Através da análise, observou-se que o contexto social da época em que o jingle foi produzido está presente na peça. Os aspectos de linguagem, o estilo musical, as ideias 13
implícitas e o ideal transmitido, fazem parte do contexto vivido na década de 1970, em que os jovens eram considerados a força do Brasil, sendo favoráveis ao movimento hippie. Identificou-se também que o movimento hippie foi o principal elemento presente no jingle, que serve como crítica ao governo militar. As características do vestuário dos jovens hippies estão presentes na peça, ao destacar os cabelos bagunçados e as calças desbotadas, e a ideologia de paz e amor também. Sendo assim, percebeu-se que o movimento hippie e seus ideais serviram para a produção do jingle “Só tem amor quem tem amor prá dar”, como forma de manifestação e de resposta à repressão imposta pelos militares. O presente estudo teve como limitação o fato de não ter conseguido contato com o compositor do jingle, o que possibilitaria compreender o que foi solicitado a eles. Para trabalhos futuros, sugere-se a aplicação do mesmo método em jingles da década de 1970 que foram censurados, a fim de apresentar elementos que contribuíram para isso. Por fim, conclui-se que este trabalho contribuirá como base para estudos futuros na área de propaganda radiofônica e a relação com a ditadura militar.
REFERÊNCIAS
ALVES, Graziele RANGEL, Érica; MATOS, Inara. Análise mercadológica da Pepsi-Cola no Brasil. 2013. Disponível em: <http://ifba.gov.br/>. Acesso em abr. 2014. ARQUIVO NACIONAL. Os presidentes e a ditadura militar. Brasília, 2001. Disponível em: http://arquivonacional.gov.br/. Acesso em: 05 mar. 2014. AZEVEDO, Lia C. No tempo do rádio: radiodifusão e cotidiano no Brasil, 1923 – 1960. UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE, Niterói, 2002. Disponível em: <http://www.historia.uff.br/>. Acesso em: 05 mar. 2014. BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Portugal: Edições 70, 1977. BAUER, Martin W. e GASKELL, George. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2012. Blog Sanduiche Musical. Disponível em:<http://sanduichemusical.blogspot.com.br/>. Acesso: 28 abr. 2014. 14
CAMBOIM, Cristina R. Anatomia de um jingle premiado: análise do jingle rola, rola do jornal Zero Hora. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL, Porto Alegre, 2011. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/>. Acesso em mai. 2014. CARRASCOZA, João Anzanello. Redação Publicitária: Estudos sobre a retórica de consumo. São Paulo: Futura, 2003. COUTO, Ronaldo C. História indiscreta da ditadura e da abertura Brasil: 1964-1985. 2. ed. Jorge Zahar: Ed. Record, 1999. FERRARETTO, Luiz A. Rádio: o veículo, a história e a técnica. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 2000. GASPARI, Elio. A Ditadura Escancarada. São Paulo: Companhia, 2002. LEITE JÚNIOR, Alcides D. Desenvolvimento e mudanças no Estado brasileiro. UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA. São Pessoa, 2010. Disponível em: <http://www.ufp.com.br/>. Acesso em abr. 2014. MARTINS, J. S. Redação publicitária: teoria e prática. São Paulo: Atlas, 1997. MARTINS, Zeca. Propaganda é isso aí!: um guia para novos anunciantes e futuros publicitários. São Paulo: Futura, 2006. PEREIRA, Carlos A. M. O que é contracultura. Coleção Primeiros Passos. 8. ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1992. RESENDE, Victor H. O Rock Rural de Sá, Rodrix & Guarabyra: romantismo contracultural no Brasil dos anos 1970. São João: Del-Rei, 2013. RIDENTI, Marcelo. Cultura e Política: os anos 1960 – 1970 e sua herança. In: FEREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O Brasil Republicano. O tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. SANTOS, Jordana S. A repressão ao movimento estudantil na ditadura militar. 2009. Disponível em: <http://www.marilia.unesp.br>. Acesso em mar. 2014. SOUSA, H.; FONSECA, P. As tribos urbanas – as de ontem até as de hoje. Nascer e Crescer, 2009. SOUSA, Jorge P. Elementos de Teoria e Pesquisa da Comunicação e dos Media. 2. ed. Porto, 2006.
15