EXTENSÃO POPULAR E FORMAÇÃO DO NUTRICIONISTA: REFLEXÕES DE EXPERIÊNCIA EM JOÃO PESSOA-PB Pedro José Santos Carneiro Cruz1; Ana Claudia Cavalcanti Peixoto de Vasconcelos2; Ingrid D’Avilla Freire Pereira3;
INTRODUÇÃO Na atualidade, as possibilidades de atuação do nutricionista no âmbito da saúde coletiva têm apontado para várias frentes, sobretudo para a necessidade de se investir no papel de educador deste profissional. Contudo, encontram-se grandes desafios para a consecução deste objetivo, destacando-se o modelo da formação universitária na área da saúde, pautado pelo paradigma cartesiano, onde o conhecimento é fragmentado e a teoria dissociada da prática, dificultando o olhar do indivíduo como ser integral e a compreensão crítica da realidade. Nessa direção, as práticas de extensão universitária norteadas pelos fundamentos da educação popular (EP) têm se constituído num dos caminhos para superar tais desafios. O
presente
trabalho
pretende,
a
partir
da
experiência pedagógica
desenvolvida no Projeto de Extensão da UFPB “Práticas Integrais da Nutrição na Atenção Básica em Saúde” (PINAB), refletir sobre a contribuição da extensão popular para a formação de estudantes do curso de graduação em nutrição. Com base em nossas observações na coordenação deste Projeto, colocaremos em pauta potencialidades e limites da extensão popular na formação do nutricionista, através dos processos que estão se desenvolvendo na construção deste projeto, desde agosto de 2007. Para tanto, centraremos nossas reflexões nas muitas perplexidades, inquietações, acertos e descaminhos presentes em toda esta vivência.
DESENVOLVIMENTO O PINAB orienta-se pelo referencial da EP e desenvolve práticas de ação e reflexão da Nutrição no campo da Saúde Coletiva e da Segurança Alimentar e 1
Nutricionista, Mestrando em Educação pela UFPB, Vice-Coordenador do Projeto Práticas Integrais da Nutrição na Atenção Básica em Saúde (PINAB) da UFPB, pedrojosecruzpb@yahoo.com.br 2 Professora Assistente do Departamento de Nutrição da UFPB, Nutricionista, Coordenadora do Projeto Práticas Integrais da Nutrição na Atenção Básica em Saúde (PINAB) da UFPB, anacpeixoto@uol.com.br 3 Nutricionista, Núcleo de Apoio ao Saúde da Família (NASF) de João Pessoa, apoiadora pedagógica do Projeto Práticas Integrais da Nutrição na Atenção Básica em Saúde (PINAB) da UFPB, ingrid_nutri@yahoo.com.br.
Nutricional. Participam dele 25 estudantes do curso de nutrição, além de três nutricionistas
e
uma
docente.
As
atividades
ocorrem
semanalmente
na
Universidade, com uma reunião para organização do Projeto e reflexões teóricas; na Unidade de Saúde da Família (USF) Vila Saúde e na Escola Municipal Augusto dos Anjos (EMAA), estes últimos situados no bairro do Cristo Redentor, na cidade de João Pessoa-PB. O Projeto engloba cinco grupos operativos e cada estudante está inserido num deles: gestantes, idosos, famílias do Programa Bolsa Família, escolares e mobilização popular. As atividades de cada um destes grupos organizam-se em três eixos: 1) ações educativas coletivas; 2) visitas domiciliares; 3) aconselhamento dietético individual. Nas atividades coletivas, os estudantes organizam junto com profissionais e usuários vivências educativas como rodas de conversa e oficinas, sobre temas pertinentes a realidade de cada grupo. Nas visitas, realizadas juntamente com os Agentes Comunitários de Saúde (ACS), entram em contato com o cotidiano de famílias da comunidade, buscando desenvolver um acompanhamento de saúde neste âmbito a partir de um diálogo com as pessoas. Com os aconselhamentos dietéticos individuais, os estudantes participam da construção de uma proposta de cuidado em nutrição orientada pelos princípios da EP, com ênfase no diálogo entre nutricionista e usuário. Nestes espaços, procuramos construir uma proposta de formação do nutricionista balizada por princípios como: postura crítica, visão humanística e protagonismo. Além disso, utilizamos como pressupostos práticos: a inserção na realidade concreta do serviço e da comunidade; interação com profissionais e usuários por meio das atividades; participação na gestão compartilhada de cada grupo e do Projeto como um todo. Para tanto, estimulamos os estudantes a articularem as atividades a serem desenvolvidas, acompanhando-os em seu planejamento e orientando-os nos momentos de dúvidas e anseios. Por isso, em cada grupo operativo há a presença de um orientador responsável, e todos são coordenados pela docente responsável pelo Projeto. Cabe ainda destacar que realizamos mensalmente reuniões teóricas para aprofundamento de questões inerentes às atividades desenvolvidas nas diferentes frentes de atuação do Projeto. Ademais, nas reuniões semanais do Projeto
apoiamos as dificuldades que emanam do seu cotidiano e investimos nas potencialidades que surgem neste trabalho. Apesar de ser uma proposta educativa recente, já podemos perceber repercussões que a extensão popular gera como espaço formativo, as quais têm se expressado de maneira bastante significativa com os estudantes do PINAB. Evidentemente, são repercussões vivenciadas de maneira diferente e em tempos distintos em cada pessoa. No geral, inicialmente ocorre a sensibilização destes estudantes, ao perceberem a realidade concreta e os problemas com os quais convivem as camadas populares. São momentos permeados de choques, perplexidades e indignações. Conforme se estabelece a sensibilização e se trabalha a percepção mais crítica da realidade, os estudantes passam a compreender melhor a educação popular como "ferramenta" ou "caminho" com o qual ou pelo qual poderão realizar um trabalho social e útil com a intencionalidade de promover emancipação. Acreditamos que tudo o que as pessoas têm aprendido no Projeto somente tem sido possível mediante um contato comprometido e organizado com a comunidade (a população e a equipe de saúde local). Com a vivência, com o “pé” na prática, com freqüência exigida, compromisso com o projeto e com o grupo que o compõe. Mas não basta a vivência por si mesma, é preciso um esforço de associar este aprendizado da prática com as teorias e as metodologias aprimoradas em cada área do conhecimento com a qual esta experiência interage, através de momentos de reflexões pedagógicas, políticas e teóricas. Entretanto, encontramos limites neste processo. Uma dificuldade relevante tem sido pautar a educação popular em saúde como estratégia de promoção da saúde no espaço do serviço. Em muitas ocasiões, os estudantes do Projeto organizam as atividades sem a presença dos profissionais da USF, que ficam atrelados às atividades curativas. Por outro lado, quando as ações são realizadas em conjunto, esbarramos na dificuldade em dialogar com a lógica mais tradicional, que muitos profissionais ainda trazem consigo, onde valorizam a prescrição de condutas adequadas e palestras em detrimento de metodologias ativas do cuidado em saúde. Pela coordenação do projeto, sentimos dificuldades em acompanhar da maneira mais próxima possível o desenvolvimento das atividades, procurando estar presente no apoio pedagógico às iniciativas estudantis. Por outro lado, sentimos a
necessidade de não aproximar demais. Percebemos que às vezes interferimos demais. Diante disso, no sentido de favorecer a autonomia estudantil, tomamos algumas decisões como: delegar para os estudantes a construção da pauta, coordenação e elaboração da memória das reuniões; incentivá-los a organizar as atividades educativas a partir de suas idéias, sem sugestões diretas nossas; estimular a produção de relatos e sistematizações de experiência. Outro limite importante encontrado é construir a compreensão da extensão como atividade tão importante quanto o ensino e a pesquisa. Em muitas ocasiões, os estudantes faltaram a momentos importantes do Projeto por precisarem estudar para suas provas. Aqui também cabe uma reflexão sobre o compromisso, que também é um elemento cuja pactuação é bastante tensa com alguns estudantes, os quais não compreendem ainda a extensão como um trabalho que eles são coresponsáveis, assumindo portanto os ônus e bônus dele decorrentes. Mas encaramos todos estes entraves enquanto obstáculos a serem superados. Obstáculos com os quais devemos aprender para poder avançar. E, assim, caminhamos buscando ser mais e fazer mais. A nossa prática não é de extensão popular porque "é" e ponto. É extensão popular porque constitui uma busca prática e vivencial com intencionalidades claras de transformação e promoção da vida, do respeito ao ser-humano, em todos os aspectos.
CONCLUSÃO De modo geral, podemos afirmar que esta experiência tem permitido vivenciar a Nutrição para além da prescrição clínica ou dos estudos técnicos, onde o conhecimento científico é super-valorizado. Priorizamos um processo centrado mais nas pessoas do que na técnica em si. O contato do estudante com a realidade das classes populares tem fomentado um processo de sensibilização para um exercício da nutrição mais crítico, pró-ativo e reflexivo, articulado com os anseios e interesses da população. O diálogo, o protagonismo estudantil e a horizontalidade nas relações, como eixos centrais do PINAB, se contrapõem às práticas autoritárias e verticais, hegemônicas no ensino universitário brasileiro, contribuindo para a formação de estudantes autônomos, capazes de desenvolver iniciativas éticas, comprometidas e educativas no fazer em saúde, em busca da superação dos problemas sociais, visando a promoção da saúde.