Revista Contexto - 4ª edição

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contexto 4ª edição

novembro 2013

Ano que vem tem mais 1

foto: Agência Brasil


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Índice #editorial

p.4

#ilustra

p.5

#Brasil Braços cruzados, aulas paradas

p.8

Estatuto do nascituro: uma agressão às mulheres

p.12

A questão indígena no Brasil: mortes, ameaças e invasões de terra

p.16

#internacional Espionagem, sociedade de controle e um teatro a ser interpretado

p.21

Entrevista: Betty Martins Filme: I wasn’t always dressed like this

p.25

#opinião Democracia nas universidades

p.28

#prosa&poesia

p.31

#fotocontexto

p.32

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#editorial

A luta necessária

O

Brasil passa por uma tentativa de criminalizar os movimentos sociais. De maneira covarde, mídia e governo esforçam-se para deslegitimar a ação de grupos que lutam – e sempre lutaram – pela real democracia. É necessário destacar a importância das pessoas envolvidas em tais movimentos e enxergar a parciali­ dade da cobertura das grandes mídias e a brutalidade das forças policiais. Nesta edição da Contexto, você confere matérias sobre os protestos de professores no Rio de Janeiro, o Estatuto do Nascituro, a greve na USP. Fotos de Gabriela Filippo mostram o que dizem os muros de Belo Horizonte. Há espaço também para a luta dos indígenas, a de­ fesa de suas terras, bem como os casos de espionagem por parte dos Estados Unidos. Todos os textos são escritos e revisados por membros da equipe da Revista Contexto. Agradecemos novamente à Qatar Foundation International e aos envolvidos no projeto, direta ou indiretamente. A Contexto também é um projeto para trazer mais igualdade social e apoiar os movimentos sociais tão legítimos e tão reprimidos. Priscila Bellini Editora-Chefe

Seja bem-vindo à Contexto! Welcome! Ahlan wa sahlan!

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Expediente Editora-Chefe

Priscila Bellini Jornalistas

Ana Almeida Andressa Vilela Igor Leonardo Marcela Reis Murilo Carnelosso Priscila Bellini Tiel Lieder Poesia

Anônimo Ilustração

Indio San Design

Fernanda Tottero Fotografia

Gabriela Filippo Tradução

Priscila Bellini


#ilustra

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Indio San é um artista gaúcho, de Santa Maria, radicado em São Paulo. Recomendação enviada por Jaqueline Araújo.

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#Brasil

Agência Brasil

Braços cruzados, aulas paradas

Por Murilo Carnelosso

Greve de professores durou mais de dois meses, sofreu com abusos policiais, e termina com uma promessa de que, ano que vem, a luta continua Uma paralisação de 77 dias, protestos, muita repressão policial e uma luta que promete não acabar tão cedo. Esse é o saldo da greve dos professores das redes municipal e estadual de ensino no Rio de Janeiro, que chegou ao fim no dia 25 de outubro após duas assembleias de trabalhadores com muita discussão e votações apertadas. Também houve críticas dos próprios grevistas à postura tomada pelo Sindicato Estadual dos Trabalhadores em Educação (Sepe) durante as negociações com o governo do estado, que contaram até com a intermediação do ministro do Superior Tribunal Federal (STF), Luiz Fux. Afinal, apesar de não haver o corte do ponto nos rendimentos dos professores sobre os dias parados desde que as aulas do período sejam repostas, o aumento dos salários será de 8% para a rede 8

estadual, o que já havia sido oferecido antes pelo governo, e de 15% para a rede municipal. O pedido da classe era de 18 e 19%, respectivamente. A Secretaria de Estado de Educação também prometeu, para 2014, a formação de um Grupo de Trabalho para discutir a viabilidade das propostas de destinar um terço da carga horário do professor para planejamento, de permitir que cada professor só possa se matricular em uma escola, além de rever a matriz curricular. Outras promessas dizem respeito a uma revisão do Plano Estadual de Educação e um censo sobre a formação dos funcionários administrativos, mas foi rechaçada a proposta de redução da carga horária semanal para 30 horas, pois “haveria risco jurídico”, segundo a Procuradoria Geral do Estado. O movimento que começou no dia 8 de agosto, portanto, terminou com


várias promessas e poucos ganhos imediatos. No dia da assembleia que deci­ diu pelo fim da greve na rede municipal, declarações de trabalhadores demons­ travam certa dose de desapontamento: “O movimento estava enfraquecido. O acordo feito em Brasília foi ruim para a categoria”, disse a professora Eumarilda Rodrigues em matéria publicada no portal Terra, por exemplo. Contudo, o acordo selado entre as forças estatais e o sindicato da categoria já não dava muitas esperanças aos grevistas, porque apesar de terem a possibilidade de levar sua causa até o Supremo Tribunal Federal, isso não garantiria que os pontos não pudessem ser cortados dos salários. E caso a greve não terminasse, teriam que aceitar a decisão do Tribunal de Justiça do Rio, que conside­ rou a paralisação ilegal, o que poderia acarretar em processos administrativos para os trabalhadores que faziam uso de

seu direito constitucional de greve. A maior vitória deste movimento foi a demonstração de capacidade de mobilização da categoria dos professores da rede pública no Rio de Janeiro, e uma promessa que ecoava entre os trabalhadores: “Ano que vem tem mais”. O governo do estado e a prefeitura do Rio de Janeiro perceberam que será necessário dialogar daqui para frente e receberam uma grande lição dos professores, que garantem não se deixarem mais esquecer dentro das pequenas salas de aula cheias de alunos e sem infraestrutura do estado do Rio.

PM nos protestos A greve dos professores também ficou marcada pela forte repressão policial aos seus atos. Houve uma sucessão de casos nos quais a polícia usou da força para conter as manifestações que tomaram o Rio de Janeiro durante setembro e outubro.

ArquivoAP

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Na noite do dia 28 de setembro, um sábado, o Batalhão de Choque entrou na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro a pedido do presidente da casa, o ve­ reador Jorge Felippe do PMDB, e reti­ rou a força os mais de 200 professores que ocuparam o prédio durante dois dias. Os grevistas criticavam na época a aprovação do Plano de Cargos e Salários pelos ve­readores do Rio e contra a composição da CPI dos ônibus, então resolveram ocupar a casa, juntando-se a manifestantes que já estavam nas escadarias da câmara há quase dois meses. A polícia utilizou bombas de efeito moral, gás de pimenta, bombas de gás lacrimogênio e cassetetes para reprimir os manifestantes, dos quais dois foram presos. O SEPE, sindicato dos professores da rede pública do Rio de Janeiro, afirmou em nota de repúdio à postura da polícia que também “foram usadas armas de choque, e um dos manifestantes, mesmo desmaiado, foi levado pela polícia”. Três dias depois, na terça-feira 1º de outubro, enquanto os vereadores aprovavam o Plano de Cargos, Carreiras e Remunerações dos professores e servidores de educação quase por unani­ midade – houve três votos contra -, havia protestos pela cidade do Rio, inclusive na frente da própria Câmara dos Vereadores. Mais uma vez, a Polícia Militar reprimiu os manifestantes com sprays de pimenta e bombas de gás. Além da ação truculenta que ocorreu de forma generalizada, houve casos nos quais policiais alegaram – de forma leviana - que um jovem carregava um morteiro na mochila, outro estava em cima do prédio da Câmara atirando objetos contra os manifestantes, e um terceiro resolveu postar uma foto no Facebook exibindo seu cassetete que­ brado zombando dos professores que ele agrediu, 10

com uma legenda de “foi mal fessor”. O vereador Renato Cinco, do Psol, chegou a questionar o quão democrático era votar algo naquela hora, enquanto havia um conflito aberto do lado de fora. “Não é possível aprovar um plano de carreira usando todo esse aparato militar lá fora”, disse o vereador. Brizola Neto, do PDT, por sua vez, chegou a dizer que teve que pular um muro para conseguir chegar à câmara. Mas o presidente da câmara classificou os professores como radicais e intolerantes e deu prosseguimento à reunião “secreta”. Segundo à Polícia Militar, 16 manifestantes foram detidos durante este dia de protestos. O abuso de força e de poder foi tanto, que o secretário estadual de Segurança do Rio, José Beltrame, teve que conversar com jornalistas alguns dias depois e assumir que os policiais se excederam. “Na minha opinião, em alguns casos, principalmente os que estão revelados publicamente, houve excessos”, disse o secretário, que criticou também a ação dos manifestantes, mas assumiu que a violência inicial partiu das forças do Estado: “mas também tenho que dizer que se houve intransigência e excesso dos policiais, isso veio de duas partes, da polícia e de alguns manifestantes. Houve, sim, preliminarmente, excesso dos policiais, mas esse excesso veio também, por vezes, dos dois lados”.

O Dia do Professor e a Lei de Organização Criminosa No dia 15 de outubro, não por acaso o Dia dos Professores, foi marcado um grande ato pelos professores do Rio de Janeiro em defesa da educação pública e dos direitos dos docentes. Dessa vez, muitos manifestantes foram detidos pela polícia, que desta vez estava ancorada


na recente lei de organização criminosa, na qual o governo do Rio de Janeiro resolveu enquadrar os “vândalos” dos protestos. A Lei 12.850/2013 foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff no dia 2 de agosto e entrou em vigor 45 dias depois. Ela considera que organização criminosa é a “associação de 4 ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 anos, ou que sejam de caráter transnacional”. A pena vai de 3 a 8 anos de prisão, ainda “sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas”. Outros artigos desta lei também são no mínimo questionáveis, já que autoriza o acesso do Estado, sem autorização judicial prévia, a dados de empresas telefônicas,

provedores de internet, instituições financeiras, além de dar a possibilidade de policiais se infiltrarem para atividades de investigação. Ao não garantir que movi­ mentos sociais e manifestações não pudessem ser enquadrados nessa lei, o governo federal facilitou a decisão como essa do governador do Rio de Janeiro que resolveu criminalizar manifestantes. No fatídico dia 15, a Polícia Civil garantiu que 190 pessoas foram condu­zidas para oito delegacias da capital do Rio. A PM afirmou que eram 182 e a OAB elevou este número para 208. O fato é que 64 pessoas foram presas e mais 20 menores apreendidos sob as égides d ­ esta nova lei em apenas uma noite, sob o pretexto de “vandalismo”. Destes 64 manifestantes, 60 foram presos, de forma inafiançável, sob a acusação de formação de quadri­ lha. 35 destes tinham essa como a única acusação contra si. A criminalização contra movimentos sociais, dessa forma, está institucionalizada.

Brasil de fato

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Estatuto do nascituro: uma agressão às mulheres Por Marcela Reis

O projeto de lei chamado de “bolsa estupro” está em trâmite e, se for aprovado, criminalizará o aborto em qualquer situação No dia 28 de setembro, inúmeras mu­ lheres, entre elas feministas, transexuais, mães e alguns homens, realizaram um ato contra o Estatuto do Nascituro na Avenida Paulista. A concentração foi no vão do MASP, onde se viam cartazes e corpos sendo pintados com mensagens impactantes e de defesa à legalização do aborto. “O corpo é meu e eu decido”, “se o papa fosse mulher, o aborto seria legal” e “eu aborto, tu abortas, somos todas clandestinas” foram algumas das frases expostas durante a marcha pela avenida, que foi guiada por um carro de som. Palavras de ordem eram bradadas a plenos pulmões em prol das vidas de inúmeras mulheres que morrem dia­ riamente no Brasil por não poderem realizar o aborto de forma segura. A Comissão de Finanças e Tributação do Congresso Nacional aprovou, no começo de junho, o projeto de lei mais conhecido como “bolsa estupro”. O Estatuto do Nascituro será votado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara e em seguida pelo Plenário. Se for aprovado, o Código Penal será alterado e o aborto, em toda situação, passará a ser crime. De acordo com a proposta dos ex-deputados Luiz Bassuma (PT-BA) e Miguel Martini (PHS-MG), o nascituro (feto) concebido a partir do estupro não poderá ser abortado, a mãe deverá dar à luz em quaisquer circunstâncias. Após o nascimento, a criança poderá ser

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encaminhada à adoção, caso seja o desejo da mãe e, se ela não tiver condições financeiras para arcar com as despesas de um bebê, o Estado lhe dará uma pensão até que o estuprador seja identificado e responsabilizado pelo pagamento. Ou seja, verdadeiro criminoso, que violentou uma mulher, não é procurado para ser julgado e condenado, mas para cumprir o direito de qualquer pai, o de arcar com as consequências de ter um filho. Conforme o artigo 13, inciso 2, o feto tem “direito à pensão alimentícia equi­ valente a um salário-mínimo até que complete 18 anos”. Para Nádia Lapa, blogueira e escritora da Carta Capital, “o que o projeto está oferecendo não é uma tentativa de ajudar a mãe estuprada, é uma tentativa de fazê-la manter uma gravidez. Hoje em dia a vítima já pode pedir pensão ao estuprador, é possível fazer essa investigação de paternidade. Então o que é novo é a proposta do Estado pagar uma pensão, no valor maior que o bolsa família, que é um projeto para pessoas que já existem”. A autorização do aborto de fetos anencéfalos é recente e o projeto vislumbra derrubá-la, além de proibir o procedimento nos casos de risco de vida da gestante. Proibições em relação às pesquisas com células-tronco, às mani­ festações públicas sobre liberação do aborto e ao uso da pílula do dia seguinte também são pautadas pelo estatuto. “O projeto fere princípios fundamentais da


constituição brasileira e dos direitos da mulher, que são institucionalizados e garantidos pela legislação. Principalmente, os direitos à integridade e à autonomia dos corpos. Toda mulher tem direito à liberdade, à segurança pessoal, ao acesso à saúde, à liberdade de pensamento e, inclusive, ao direito ao planejamento da família” defende Anna Feldmann, professora do Departamento de Jornalismo da PUC-SP. O Estatuto do Nascituro também fere o Estado Laico, pois considera que as células fecundadas já são uma pessoa, e essa teoria é análoga à ideia defendida pela igreja católica. Ao legalizar o aborto, o país não obriga a nação feminina a realizá-lo, apenas permite que as mulheres que desejam passar pelo procedimento tenham o direito a fazê-lo, portanto não é justificável que a igreja se incomode tanto com a legalização. O Conselho Federal de Medicina já se posicionou em relação à possibilidade de aborto seguro até a 12ª semana de gestação e um país laico deve se basear na ciência. Além disso, como aponta Feldmann, há divergência entre as religiões quanto ao período exato da passagem do embrião a um ser humano, não é uma unanimidade. E, portanto, não é aceitável que uma única postura religiosa seja assumida para definir quando o aborto é ou não aplicável. Segundo a Pesquisa Nacional de Aborto (PNA) de 2010, 64% das mulhe­ res que abortam são casadas, 81% são mães e 88% têm religião. Alguns países de maioria católica, como Portugal, ao legalizarem o aborto, também tornaram possível a constatação de que o problema não é de ordem religiosa, mas de discriminação de gênero, devido à

Marcela Reis

vulnerabilidade das mulheres diante da criminalização do aborto, e de classe social, pois mulheres com boa condição financeira têm meios para abortar de modo seguro, enquanto as de baixa renda não. O projeto não irá resolver ou melhorar esta situação, pelo contrário, fará com que mais mulheres optem por intervenções alternativas, menos seguras e mais letais. No Brasil, uma mulher morre a cada nove minutos devido a um aborto clandestino, e assumi-lo como crime irá penalizar ainda mais as mu­ lheres de baixa renda, que continuarão arriscando suas vidas, porque o Estado não lhes garante segurança diante de sua escolha. Aline Valek, escritora e blogueira, argumenta que “o Estatuto do Nascituro, além de dar a um embrião (que não é um ser humano) mais direitos que uma mu­ lher adulta, vai contribuir para a continuidade da morte de mulheres em abortos ilegais, especialmente de negras e pobres. Esse projeto é a própria expressão do patriarcado: é um instrumento que 13


Marcela Reis

vai legitimar ainda mais o controle sobre os corpos femininos”. A sociedade nos impõe valores desde que somos pequenas, ditando como uma mulher deve ser e o que deve fazer: precisamos nos casar com um homem, ter filhos e nunca exercer nossa sexualidade livremente. Se não desejamos a maternidade, o Estado nos priva de direitos e de segurança, agindo como dono de nossos corpos e de nossas escolhas. O aborto é uma prática comum entre mulheres de todas as classes e religiões, o PNA de 2010 provou isso. Em outubro de 2012, o aborto foi legalizado no Uruguai, o que fez o país não registrar um procedimento sequer reali­ zado durante os primeiros nove meses de descriminalização. O presidente José Mujica afirmou que a despenalização iria salvar mais vidas ao diminuir a prática de abortos clandestinos. Estima-se que de 33 mil abortos por ano, o Uruguai passará a ter apenas quatro mil. Além da garantia do aborto seguro no país, mulhe­res que vivenciam uma gravidez indesejada são orientadas por grupos de médicos, psicólogos e assistentes sociais que as informam sobre os riscos e alternativas ao aborto. Se, ainda assim, elas quiserem realizar o procedimento, 14

os centros privados e públicos de saúde atuam. “Para o Brasil implementar algo similar, o SUS deveria também assumir a mesma prática de atendimento transdisciplinar, com a dedicação e apoio de todas as esferas que envolvem a vida da mulher. A possibilidade de realização do aborto em centros de referência conhecidos diminui a necessidade de métodos alternativos e muito mais nocivos”, afirma Feldmann.

O feminicídio e a lei Maria da Penha A cada hora e meia uma mulher morreu de forma violenta no Brasil entre os anos 2001 e 2011. Cerca de 40% dos assassinatos femininos foram cometidos por um parceiro íntimo. Estes são dados fornecidos pelo IPEA (Instituto de Políticas Econômicas Aplicadas), que apontam que a Lei Maria da Penha não reduziu o número de mulheres assassinadas no país. Para Valek, “a lei tem uma grande importância, apesar de não ter sido capaz de diminuir o índice de feminicídios no Brasil. Ela funciona como um amparo às mulheres em situação de vulnerabilidade, agora sabemos a quem recorrer e como denunciar. A lei é muito importante, mas não é o suficiente, pois ela sozinha não é capaz de modificar a realidade: vivemos numa cultura extremamente machista, todos os seus aspectos legitimam e incentivam a violência contra nós”. A Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República tem a campanha “Mulher, Viver Sem Violência”, que prevê a construção de uma casa de acolhimento em cada capi­ tal. Lapa aponta que a iniciativa é ótima, mas não resolve; São Paulo, com milhões de habitantes, terá 20 leitos para abrigar as mulheres em situações vulneráveis.


Marcela Reis

Existem outras casas que acolhem as vítimas, muitas mantidas voluntariamente, mas as medidas protetivas precisam realmente funcionar, há inúmeros casos de mulheres que foram assassinadas depois de registrarem diversas ocorrências policiais, ou seja, não houve de fato segurança. “Finalmente, existe uma lei contra a vio­ lência doméstica no Brasil. O pro­ blema está em sua aplicação, que não ocorre como foi previsto. A mulher que sofre violência doméstica segue ainda sem medidas de proteção, permane­ cendo vinculada ao seu agressor e, o pior, sendo culpada pelo ataque sofrido” ­afirma Feldmann.

Medidas de proteção são necessárias, mas é preciso intensificar a conscientização em relação à estrutura misógina da nossa sociedade. Mais do que políticas públicas, é necessário alterar toda a estrutura cultural do Brasil. As relações de poder que tornam o corpo feminino uma propriedade masculina devem mudar, assim como o comportamento da mídia que “coisifica” e se apropria de uma imagem fetichista feminina e a cobertura da imprensa que transforma assassinatos de mulheres em meros crimes passionais. Enquanto essas mudanças ­ estruturais não se efetivarem, vamos continuar sendo massacradas e tratadas como as grandes culpadas.

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A questão indígena no Brasil: mortes, ameaças e invasões de terra Por Tiel Lieder Terra

Direitos indígenas são desrespeitados e bancada ruralista ameaça tomar ainda mais terras que são dos índios por direito O vídeo “Manifesto pelos direitos indígenas” feito por Wesley Rosa e divulgado na página da Comissão Guarani Yvyrupa no Facebook, mostra indígenas que protestam na Avenida Paulista, símbolo da civilização construída à base da força da grana que ergue e destrói coisas belas, como bem disse Caetano Veloso. A caminhada pacífica foi motivada como um grito de socorro contra os ataques que seu povo, bem como outros povos indígenas, vem sofrendo nos últimos tempos em todo o Brasil, em decorrência dos conflitos pela terra que acontecem há décadas, ou melhor, desde que a Terra Brasilis foi descoberta. Em 1500, quando as caravelas comandadas por Pedro Álvares Cabral aportaram na “ilha de Vera Cruz”, na verdade no local onde hoje se localiza a cidade de Porto Seguro, Bahia, mais de 5 mi­ lhões de índios, das mais variadas etnias, 16

viviam nestas terras. A partir daí, deuse um genocídio lento, mas de grandes proporções e mínimas repercussões. Atualmente, calcula-se que apenas 400 mil índios ocupam o território brasileiro, principalmente em reservas indígenas demarcadas e protegidas pelo governo. São cerca de 200 etnias indígenas e 170 línguas. Porém, muitas delas não vivem mais como antes da chegada dos portugueses. O contato com o homem branco fez com que muitas tribos perdessem sua identidade cultural. Além disso, as invasões de terras indígenas demarcadas, promovidas por ruralistas e outros invasores, em geral feitas sob a mira das armas de fogo, são um crime que pode ser legalizado pelo Congresso Nacional Brasileiro através da PEC 215. Apresentada em 2000 pelo deputado Almir Sá (então PPB-RR), transfere para


o Legislativo a competência para demarcar territórios de ocupação tradicional no Brasil, indígenas ou quilombolas. Desde a Constituição, essa prerrogativa cabe ao governo federal, em basicamente três fases. A Fundação Nacional do Índio (Funai) realiza estudos que ates­tam a ancestralidade do território. O Ministério da Justiça assina um docu­ mento chamado Portaria Declaratória. E, por último, cabe a homologação da terra pela Presidência. Considerando que a bancada ruralista no Congresso Nacional é, obviamente, muito mais poderosa do que a bancada indígena, há o risco de que os deputados e senadores legislem em causa própria, garantindo o direito à posse de terras para plantações que gerarão grande lucro para poderosos latifundiários. Tais medidas confinariam os povos indígenas, principalmente aqueles que habitam as regiões sul, sudeste e centro-oeste, em pedaços de terra que não lhes permitem caçar, pescar, construir casas, e que colabora para degradar o seu modo de vida, bem como para criar ainda mais monoculturas agrícolas, viciando as terras e degradando a natureza. Em face deste perigoso cenário, desde o final de setembro, e talvez encorajado pela onda de protestos que acontecem no Brasil desde junho de 2013, o movimento indígena articula uma série de manifestações e ocupações para mostrar à sociedade civil como os seus direitos estão sendo atacados. Foi divulgada uma carta divulgada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, por conta da ocupação de duas áreas na cidade de São Paulo – uma pelos Tenondé Porã, na zona sul, de uma área desocupada há 10 anos, e outra ao lado do Pico do Jaraguá.

Hoje nós indígenas guarani de todas as aldeias de São Paulo fechamos pacificamente a rodovia dos Bandeirantes, que passa em cima da nossa aldeia no Pico do Jaraguá. Fizemos isso para vocês, brancos, saberem que nós existimos e que estamos lutando por nossas terras, porque precisamos delas para ter onde dormir e criar nossas crianças. Esse nome, bandeirantes, para nós significa a morte dos nossos antepassados. Mas muitos de vocês brancos tem orgulho deles e dos seus massacres contra nosso povo. Em homenagem a eles vocês batizaram o palácio do governador de São Paulo, e levantaram estátuas por toda parte. Há muitos que querem repetir o que fizeram os Bandeirantes no passado, nos exterminando e roubando nossas terras para enriquecer. Os políticos ruralistas, aliados do governo, querem aprovar a PEC 215, para parar todas as demarcações que ainda faltam, e ainda roubar terras que já estão demarcadas. Nossos guerreiros vão continuar resistindo, e faremos o que for necessário para ter uma parte das nossas terras de volta. Nós somos os primeiros habitantes desse território. Será que há muita terra pra pouco índio? Não é essa a nossa realidade. Vivemos no que sobrou da Mata Atlântica, nossas terras são minúsculas e somos muitos, enquanto alguns poucos políticos e empresários tem muita terra e ainda querem mais.” Por hora, ainda não houve reações vio­lentas a essas ocupações. Mas, infelizmente, essa não é a realidade verificada em todo o Brasil, em que os índios hoje vivem acossados por pistoleiros de aluguel, que defendem os interesses dos latifundiários e, pode-se dizer, até de grandes corporações que compram produtos desses latifundiários. 17


Um caso que exemplifica os poderosos movimentos contra os quais os indígenas agem é a luta dos Terena pela retomada da fazenda São Pedro Parantudal, em Miranda, região do Pantanal do Mato Grosso do Sul. No dia 03 de outubro, os Terana ocuparam o local, que incide sobre a Terra Indígena Cachoeirinha e que foi arrendada por criadores de gado. A intenção dos Terena foi a de pressionar para que proprietários de terras que incidem sobre Cachoeirinha aceitem o pagamento das indenizações, parte do processo de desintrusão, de modo que a comunidade possa finalmente ocupar seu território tradicional. A fazenda é de propriedade de Paulo Pedrossian, filho do ex-governador do Mato Grosso do Sul, Pedro Pedrossian. O pai também era proprietário da fazenda Petrópolis, com 1,2 mil hectares incidentes na Terra Indígena Cachoeirinha, mas passou para o nome da filha Maura Regina Pedrossian. A fazenda Petrópolis já foi ocupada quatro vezes pelos indígenas. Na primeira tentativa, foram expulsos por decisão judicial. Na segunda vez, o caso foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF) e o ministro Gilmar Mendes deu decisão favorável ao fazendeiro e os indígenas foram retirados de forma violenta da área pela Polícia Federal. Na terceira tentativa, um interdito proibitório os fez sair das terras da Petrópolis. Porém, o interdito também se estendeu a fazenda São Pedro Paratudal, mesmo que os Terena nunca tivessem tentado sequer uma retomada. No mesmo período, um ônibus escolar Terena foi atacado e incendiado, levando à morte uma jovem indígena e deixando diversas crianças queimadas. A investigação sobre o crime nunca foi concluída, mas os indígenas atribuem o ataque aos fazendeiros, numa tentativa 18

de intimidar o povo. Em 2012, outra tentativa de recuperar a Petrópolis: dessa vez foram expulsos por jagunços e parentes do fazendeiro fortemente armado com pistolas e metralhadoras. Os cerca de 8 mil indígenas que vivem em Cachoeirinha ocupam apenas 2,6 mil hectares da terra indígena, apesar da Portaria Declaratória determinar 36 mil hectares. O restante da área é tomada por 54 propriedades rurais. Outro caso emblemático, apesar da falta de provas, é o de Inácio Lopes, líder político e religioso Guarani Mbya encontrado morto em outubro, boiando na Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, próximo a uma ilha onde habitam algumas famílias do povo Guarani Mbya, no município de Palmares do Sul. A referida ilha vem sendo oferecida à comunidade Guarani Mbya por fazendeiros do município de Capivari do Sul, como alternativa à terra reivindicada pela comunidade indígena. A Funai iniciou os estudos de identificação e delimitação da Terra Capivari e desde então a comunidade passou a ser visitada por representantes dos fazendeiros que pressionam para que eles se mudem para a ilha. Inácio se destacou, ao longo dos últimos anos, por sua liderança junto à Comissão de Terra Guarani, posteriormente denominada de Conselho de Articulação do Povo Guarani-CAPG. Um atentado contra um ônibus escolar que retornava da Escola Estadual Indígena Tupinambá Serra do Padeiro, em Buerarema, sul da Bahia, a 450 quilômetros de Salvador, deixou, ironicamente, dois jovens não indígenas feridos. Segundo índios, era o início de uma nova série de investidas contra os tupinambás, que aguardam há nove anos a conclusão do processo de demarcação da


Terra Indígena Tupinambá de Olivença. Em face destes casos que se repetem, da má vontade da grande mídia para com a questão indígena, e da força da bancada ruralista no Congresso Nacional, um grupo de antropólogos da USP, Unifesp, puc, Universidade de Pádova e FUNAI divulgou a seguinte carta em defesa aos direitos do Povo Guarani, com a qual encerramos esta matéria.

N

ós, estudiosos do povo guarani e outros pesquisadores, especialistas e professores, reunidos em São Paulo/SP entre os dias 16 e 18 de outubro, durante o Simpósio CEstA nas Redes Guarani, realizado pelo Centro de Estudos Ameríndios da Universidade de São Paulo, vimos a público nos manifestar a respeito do grave contexto de ataque aos direi­tos indígenas que está hoje em curso, e em cujo epicentro encontra-se o impasse relacionado ao não reconhe­ cimento dos direitos territoriais do povo Guarani. Com suas aldeias distribuídas em um vasto território, que abrange as regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste, e também algumas localidades na região norte do Brasil, os Guarani cons­tituem hoje o maior povo indígena no país, com cerca de sessenta e cinco mil pessoas. Entretanto, por ocuparem regiões com antigo histórico de colonização, e de grande inte­ resse para exploração econômica, têm hoje apenas uma fração insignificante e fragmentada de seu território reco­ nhecida pelo poder público. A falta de terras é causa fundamental do quadro

de marginalização a que foram submetidos em todas essas regiões, onde sofrem com a violência, o preconceito e a falta de efetivação de direitos fundamentais de cidadania. A história mostra como a mãode-obra de milhares de Guarani foi utilizada para a construção do país, deixando contribuições que hoje consideramos como elementos fundantes da cultura brasileira. Hoje, como ao longo dos últimos cinco séculos, grupos oligárquicos se esforçam em negar aos Guarani os seus direitos territoriais, com intuito de perpetuar as injustiças acumuladas ao longo de todo o processo de colonização do Brasil, evitando a construção de uma sociedade justa e solidária, que respeite seus Povos Indígenas. Enquanto os ruralistas desenvolvem uma campanha para convencer a população brasileira de que são ameaçados pelas demarcações de Terras Indígenas, o país segue com um dos mais altos índices de concentração fundiária do mundo, cenário que se reverte no acúmulo de poder nas mãos de oligarquias agrárias e nas grandes desigualdades que assolam a sociedade nacional. Como pesquisadores que atuamos junto a algumas das mais respeitadas universidades brasileiras, temos a percepção clara de que os ataques aos direitos indígenas ora em curso são uma ameaça para toda a sociedade, pois respondem aos interesses de um grupo minoritário que busca apropriar-se privadamente das riquezas nacio­­nais para seu próprio enriquecimento, e

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tornam nosso país palco dos mais graves desrespeitos aos direitos à vida, à dignidade, à diferença, envergonhando-nos a todos. O drama humanitário pelo qual atra­vessam as comunidades nas quais realizamos nossas pesquisas não é tolerável em um Estado Democrático de Direito, e não cessará enquanto o poder público se recusar a enfrentá-lo

com a seriedade e respeito que requer, preterindo a sua solução em proveito de interesses eleitorais. Nesse sentido, chamamos a todos os brasileiros para que nos empenhemos junto ao povo guarani e aos demais povos indígenas na defesa de seus direitos, para a cons­trução de uma sociedade iguali­ tária, multicultural e pluriétnica.

Futura Press

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#internacional

Espionagem, sociedade de controle e um teatro a ser interpretado Denúncias sobre a espionagem estadunidense geram reações diversas Por Andressa Vilela

Não era nenhuma novidade para o mundo que os Estados Unidos praticavam a espionagem. O país possui um aparato para isso desde os anos 40, que primeiro funcionava interna e depois passou a funcionar externamente, sobretudo no período pós-guerra. Entretanto, as denúncias feitas pelo ex-funcionário da CIA, Edward Snowden, de que o país espiona, através da NSA (Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos), diversos países, chefes de Estado e empresas, não poderia mostrar-se mais atual, uma vez que é em momentos de crise que o imperialismo procura posicionar-se como mais agressivo. A primeira denúncia foi veiculada no dia 02 de setembro e mostrava que a presidenta Dilma Rousseff e o presidente mexicano Enrique Peña Neto foram investigados. O estudo é chamado por Washington como “Filtragem inteligente de dados – estudo de caso México e Brasil”. O objetivo, diz o documento, era “melhorar a compreensão dos métodos de comunicação e dos interlocutores da presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, e seus principais assessores”. Segundo a apresentação, o programa possibilita encontrar, sempre que quiser, uma “agulha no palheiro”. Dias depois, foi revelado que a NSA espionou também a Petrobrás, além de países da União Europeia que são aliados estadunidenses. Conforme dados revelados por Snowden, os serviços de inteligência norte-americanos interceptaram na França mais de 70 milhões de

comunicações entre dezembro e janeiro de 2013, grampearam o telefone celular da chanceler alemã Angela Merkel, além de outros tipos de violações sofridas por outros países do bloco.

Interesses geopolíticos versus sociedade de controle Segundo Francisco Alambert, doutor em História Social, a hegemonia econômica dos EUA, que existe desde os anos 80, com o colapso da União Soviética, tornou muito mais fortes as práticas no ramo do controle dos Estados e dos negócios, sobretudo por causa das guerras constantes que os EUA iniciaram para controlar o petróleo e a política do Oriente Médio. “Por isso espionar tantos ‘aliados’. No caso do Brasil, a questão é apenas os negócios envolvendo as empresas que irão explorar o pré-sal”, afirma o professor. O assunto, entretanto, vai muito além de meros interesses econômicos. Na sociedade de controle em que se vive hoje, a busca por informações que possam ser usadas estrategicamente é vista como regra e ocorre em dife­rentes situações. Segundo o professor de Processos Políticos Contemporâneos, Rafael Araújo, todos os computadores são mapeados e todas as informações saem de uma máquina a partir da troca de protocolos. “Um terço de toda a informação que circula na web é controlada por apenas 30 empresas. É verdade que as empresas estão concentradas nos EUA, mas não são 21


Stan Honda AFP

órgãos governamentais. São empresas que funcionam a partir dos humores do capital e podem servir aos interesses de quem puder pagar”, afirma o sociólogo. Já Julian Assange, fundador do site Wikileakes, responsável por expor docu­ mentos secretos dos EUA, afirmou em videoconferência realizada no Centro Cultural São Paulo, em 18 de setembro, que a espionagem significa um colapso do Estado de direitos no Ocidente, sobretudo de direitos humanos. “Estamos sendo invadidos por uma jurisdição estrangeira”, afirmou, ao reiterar que Barack Obama persegue, sob a Lei da Espionagem, duas vezes mais pessoas do que todos os presidentes anteriores juntos. O escritor do livro “Cypherpunks – Liberdade e o Futuro da Internet”, sobre vigilância em massa, censura e liberdade na internet, declarou ainda que “a estrutura da comunicação do Brasil foi roubada”. É inegável que a prática representa uma clara violação à soberania de qualquer país, além de reafirmar a existência de um imperialismo antidemocrático na fi­ gura dos Estados Unidos. A fim de dei­ xar isso claro e exigir explicações, Dilma 22

cancelou a visita de Estado que faria, pouco tempo depois, à Washington. França e Alemanha, num primeiro momento, anunciaram que tomariam medidas em conjunto para acabar com a espionagem estadunidense. A postura, entretanto, mudou de forma e resumiu-se a uma proposta de acordo de boa conduta e de cooperação entre os serviços de inteligência norte-americanos, franceses e alemães, ao que outros países da União Europeia podem se juntar. Os três chefes de Estado tiveram suas decisões fortemente criticadas pela mídia, pois é fato que muito mais poderia ter sido feito. Acredita-se que faltaram medidas categóricas, que de fato abalassem as vantagens econômicas e políticas que os EUA obtêm relacionando-se com esses países. Entretanto, todas as instâncias de poder, inclusive a imprensa hegemônica, sabem como funcionam tais relações geopolíticas: é perigoso mexer nas estruturas, o que nas palavras do presi­dente francês François Hollande significa “criar mais problemas” e não resolvê-los. Na opinião de Alambert, “Qualquer medida é apenas um jogo de cena entre vários


jogos de cena. Na situação de poder atual, os EUA pode fazer praticamente tudo o que quiser. Só não pode desagradar completamente os interesses da Rússia porque a questão nuclear ainda existe, como mostrou a mudança radical de posição dos EUA na decisão de invadir a Síria desde que os russos endureceram o jogo. Esse é o único limite, porque a Guerra Fria não ‘acabou’”. Uma posição mais enérgica de Dilma foi demonstrada em seu discurso de abertura da 68º Assembleia Geral da ­ ONU (Organização das Nações Unidas), que aconteceu em Nova York, dia 24 de setembro. A presidenta aproveitou o espaço para rechaçar a espionagem: “Sem o direito à privacidade não há verdadeira liberdade de expressão e opinião e, portanto, não há efetiva democracia. Sem respeito à soberania não há base para o relacionamento entre as nações”, afirmou a chefe de Estado, que também declarou que as tecnologias de informação e comunicação não podem ser o novo campo de batalha entre os países. Dilma ainda reiterou a necessidade da aprovação do Marco Civil da Internet, que garantiria privacidade aos usuários, neutralidade da rede, uma governança democrática e multilateral e uma sociedade mais inclusiva. A questão da invasão privacidade, entretanto, merece um olhar um pouco mais atento. A população mundial mostra-se assustada com a possibilidade de terem suas privacidades violadas, mas não percebe que contribui voluntariamente para esse processo. Isso acontece, por exemplo, toda vez em que um cidadão aceita os termos de uso de um aplicativo que baixa no celular sem ao menos lê-los. Vive-se uma era na qual existe tecnologia o suficiente para acumular dados a

partir de qualquer máquina, de qualquer cidadão. “A informação que mais interessa na sociedade de controle é aquela que permite mapear os comportamentos, porque isso é estratégico para o capital, no que diz respeito à produção e ao consumo. Ou seja, mais do que saber quais são as políticas econômicas de um país, interessa quais são os interesses dos cidadãos desse país e essas informações, embora possam ser (e sejam) rastreadas por robôs, nós as fornecemos como usuários das redes sociais e buscadores”, afirma Rafael.

Futuro Julian Assange, através da videoconferência, afirmou acreditar que uma nova civilização global está sendo formada porque um novo grupo pode comunicar-se de maneira ampla e harmônica. Entretanto, quando um terço do trabalho da NSA é ocupado com vigilância e 98% de toda a comunicação da América Latina passa pelas mãos dos EUA, isso representa um quadro terrível. O jornalista acredita que uma vez que a contemporaneidade está marcada por um novo corpo político internacional, é necessária também uma nova política internacional que dê conta dos problemas da globa­ lização da tecnologia. O professor Rafael, por sua vez, pontua que se o país norte-americano de hoje for comparado com o que ele foi durante o imperialismo do século XIX, pode-se dizer que há um declínio eminente. “Com a sociedade de controle, os EUA permanecem no centro do jogo, não como aquele que controla o mundo, mas como aquele que mais ganha economicamente com a nova realidade. Mas essa vantagem está relacionada mais a concentração desigual de capital que 23


Reuters

há nos EUA se comparada com outros países do que por seu poderio bélico ou político”, conclui. O certo é que muita coisa não irá mudar no limite das relações entre os países espionados e os Estados Unidos. O teatro do escândalo e da surpresa continuará porque faz parte da geopolítica mundial. Enquanto isso, a população busca meios para se proteger contra o abuso sofrido, exigindo medidas mais enérgicas de seus governantes, que apenas contornam a situação de forma superficial. Existe, entretanto, uma questão chave, que só será respondida com o tempo:

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por que as empresas norte-americanas se abstiveram de participar do leilão do campo de Libra, deixando o território livre para seus rivais chineses, quando a potência norte-americana é extremamente dependente de petróleo externo? Sobre o caso, a NSA afirmou: “Nós não usamos nossa capacidade de espionagem internacional para roubar segredos comerciais de companhias estrangeiras para dar vantagens competitivas à empresas americanas”, o que contradiz diretamente alguns dos relatórios vazados por Snowden. A Petrobras, por sua vez, não se pronunciou sobre o assunto.


Entrevista: Betty Martins Filme: I wasn’t always dressed like this

Por Priscila Bellini

estou no desenvolvimento do meu pró­ ximo documentário, que será com uma mulher fantástica, ex-militante da época da ditadura, de um universo único, uma mulher incrível! - Por que escolheu tratar do uso do véu?

Betty Martins

- Como começou o projeto do documentário? O documentário começou com uma questão que eu tinha ao ver muitas mu­ lheres usando o véu aqui em Londres, e por associar sempre o véu com atitudes opressoras e patriarcais. Comecei então a pesquisar e comecei a entender o outro lado da história. - Quais temas te atraem mais, para futuros documentários? Memória cultural, histórias pessoais, micro-narrativas, mulheres, feminismo, política, desconstrução de discursos. Isso tudo me interessa, intriga muito! Já

Por ser um “objeto” tão ridicularizado, e por ter tido seu significado tão manipulado ideologicamente. Me incomoda que o discurso mediado sobre essas mulheres seja tão grande que fazem com que as pessoas acreditem que possuem conhecimento sobre elas, e dentro desse jogo de discurso as pessoas ficam paralisadas, não conseguem refletir sobre suas próprias suposições. Me incomoda que são as mulheres muçulmanas e seu véu que são as vítimas de um sentimento preconceituoso anti-muçulmano. Que são atacadas nas ruas, e ainda hoje são usadas como instrumento político. Todos parecem conhecê-las, todos têm opiniões fortes sobre elas, e apesar das imagens fortes e mensagem que passam sobre elas pela grande mídia, não são elas quem está falando. - Qual era seu objetivo ao fazer o filme? Desconstruir o discurso mediado que existe sobre elas. O filme todo trabalha dentro de uma metodologia fílmica específica, que busca responder aos mecanismos de representação das grandes mídias quando se tratam as mulheres muçulmanas e o véu. - Como seus próprios pontos de vista e ideias mudaram ao longo da produção do documentário? 25


Muitos, eu ainda me debato às vezes com o niqab. O importante aqui não é gostar ou desgostar de algo, você não pode somente achar que tem autoridade, ou po­ der de conhecimento sobre elas pelo fato do uso do véu. Aí que está o problema. Acho a discussão sobre o uso do véu válida, pois sua prática ainda é muito propícia a abusos. Mas é preciso então saber desvincular esse debate de suas veias colonialistas, machistas, orientalistas e islamofóbicas. Seguindo essa linha, logicamente, então podemos somente conce­ der esse debate a mulheres muçulmanas. - Você acha que mudou desde que começou a produção do filme? Com certeza eu mudei minha posição e entendimento sobre esse tema. Para um documentarista, saber se desconstruir é primeiramente mais importante do que desconstruir seu tema. - Como você avalia a abordagem da mídia quanto à situação da mulher muçulmana? Perigosa, manipuladora e orientalista. Exis­ tem veículos que claramente trabalham por trás de um interesse político, colonial e nacionalista, e com o objetivo de satisfazer tais interesses criam narrativas irreais, sensacionalistas, aqui na Europa. A gente percebe como as pessoas que são mediadas nessas narrativas possuem sempre uma opinião muito forte sobre o assunto, dos que são contra aos apologistas. Esquecem que existe uma mulher, que pensa, reflete e toma decisões. - O que te inspirou a fazer o documentário? Com certeza o problema dessas narrativas mediadas, e pelo fato da mulher e seu corpo novamente submetido a certas 26

ideologias que são externas a elas. Por nunca ter tido oportunidade de escutar essas mulheres. Eu sempre digo que o documentário não tem como objetivo dar a oportunidade a elas de falarem, mas sim, de nós escutarmos. - Como você selecionou as mulheres que apareceriam no documentário? Eu as conheci e foi bem assim. Não teve nenhum momento de seleção. Eu queria trabalhar com mulheres reais, do dia a dia. A mulher que usa o niqab que foi a maior surpresa. Estava atrás da terceira mulher para participar do documentário e estava achando difícil encontrá-la. Liguei uma vez para uma organização e a mulher que atendeu instantaneamente se prontificou, “sou muito apaixonada por esse assunto” ela me disse. Logo então nos encontramos na mesquita de Regent’s Park. Eu vi uma mulher com o niqab se aproximando e senti que era ela, e era mesmo. Claro, isso tudo chacoalhou todos os meus sentidos, todos os meus preconceitos. Claro que apesar de não ter tido esse objetivo, não poderia recusar trabalhar com ela, ainda mais ela que queria tanto participar. Como docu­mentarista, não temos compromis­ so muito menos devemos ter obsessão com a verdade, mas poder representar realidades, aí que encontramos o conhecimento das coisas. - O que te fascinou mais nas situações abordadas e nos relatos das mulheres? A relação privada do corpo, da esfera feminina. Inclusive foi algo que quis manter no nível da representacao. Eu as apresento ao público, da mesma maneira que elas se apresentariam pessoalmente, não ha intrusão nenhuma. Acho isso importante.


- Como você avalia o papel da mulher na sociedade, em países predominantemente muçulmanos? E nas revoltas da Primavera Árabe? A mulher está na frente das revoluções, tanto na política, na sociedade, quanto na religião. O que as pessoas não percebem (por serem contaminadas por narrativas ideologicamente construídas) é que essas mulheres não reproduzem rituais, elas produzem, recriam, resignificam. Há uma movimentação extremamente feminista dentro disso tudo! Mas as pessoas ainda estão bloqueadas por causa do preconceito com o véu! Elas acham que as barreiras são produzidas pelo véu, mas na verdade são barreiras que as pessoas mesmas produzem. Mas, dentro das estruturas ideológicas e autoritárias do colonialismo, aprendemos a vê-las como a “outra” e isso nos paralisa completamente, não nos desafiamos em repensar e refletir sobre nossas suposições. - Você já exibiu o filme em algum lugar? Qual foi a reação do público ao documentário? Já. A reação sempre é muito positiva. Mas tive resposta bem particulares. Uma mulher britânica que se incomodou muito com a mulher que usa niqab no filme. Basicamente, eu proponho um trabalho visual diferente com a mulher do niqab, pelo fato de ela mesma desafiar nossas perspectivas em relação ao corpo e ao conhecimento individual dela. A britânica se incomodou muito com isso. Ela queria ter visto a mulher de niqab da maneira como é normalmente representada, ela acredita não conseguir conhecê-la sem

vê-la. Achei interessante a colocação dela que estava claramente bem perturbada e desconfortável, claramente o filme a tocou num lado bem particular. Outra mulher me perguntou o porquê de eu filmar a mulher de niqab dentro do trem, já que essa “composição” visual gera polêmica. Claro, ela estava operando dentro de um discurso, o niqab relacionado a terrorismo, e assim relembrou os ataques em Londres. Então, essas questões são interessantes e válidas. Depois que discutimos sobre isso, me parece que ela repensou sua pergunta e até se sentiu envergonhada. - Planos para vir ao Brasil conversar sobre o documentário? Sim, estou indo ao Brasil dia 30 de outu­ bro ficar por um tempo indeterminado, em que farei apresentações do documentário e trabalharei no meu próximo. Caso qualquer instituição esteja interes­ sada em apresentar o filme com discussões, estou disposta. Podem entrar em contato comigo pelo email bettymartins@d-aep.org

Joerg Brunsendorf

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#opinião

Democracia nas universidades Por Ana Almeida e Igor Leonardo

A recente mobilização dos estudantes da USP foi marcada principalmente pela ocupação do prédio da reitoria e disposição dos estudantes em lutar por seus direitos, e pela indisposição da cúpula diretora da USP - o reitor João Grandino Rodas quem o diga. A intenção era negociar as pautas propostas pelo conjunto do Movimento Estudantil, e a greve não pode ser entendida por completo sem que se tenha em mente o que os levantes de Junho representaram para a sociedade brasileira - em especial para os movimentos sociais. A luta dos estudantes pela democra­ tização de sua universidade vai além de representar uma bandeira restrita à USP, pois visa garantir que todos os res­ ponsáveis por dar vida à universidade (professores, funcionários e estudantes) sejam também os responsáveis por dita­ rem os rumos da instituição. É necessário refletir os verdadeiros anseios da comunidade uspiana – e não apenas as vontades de um punhado de burocratas eleitos indiretamente e impostos por via direta. É também uma batalha contra um projeto elitista de universidade, que visa não à emancipação da maior parcela da popu­ lação, uma maioria claramente privada das condições mínimas para se ter acesso a uma educação pública de qualidade, mas sim à manutenção do conhecimento na mão daqueles que já detém o po­ der econômico, político e social. O espaço físico da Universidade de São Paulo, também utilizado pelos cidadãos como área de lazer e cultura durante os fins de semana torna-se cada

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vez mais restrito, de maneira que a sociedade cada vez menos faça parte da universidade. Nem mesmo os ônibus universitários, que ligam pontos da USP ao metrô Butantã, permaneceram gratui­ tos. O atual reitor da universidade, João Grandino Rodas, criou vínculos com a SPTRANS e instaurou um bilhete único próprio para as duas linhas de circulares, o BUSP, que garante passagens gratuitas apenas para alunos e docentes, excluindo a maioria de funcionários internos da universidade e toda a comunidade que circula pelo campus, devendo-se pagar pelo transporte. Além disso, a quantidade de ônibus que circulam por essas linhas é insuficiente, tornando-as duas das mais cheias da cidade de São Paulo. Todo esse cenário excludente pode ser explicado pela estrutura de poder vigente na USP, que reduz e limita a partici­ pação de estudantes e funcionários nos processos de decisão, desde os assuntos particulares aos cursos até aqueles que impactam em toda a vida universitária.

Folha Press


A escolha para reitor em três turnos Em um primeiro momento, cerca de 2% da comunidade universitária ­escolhe 8 nomes para concorrerem ao cargo. Essa porcentagem pouco representativa é composta pelos Conselhos Gerais e Congregações - 88% professores, 8% alunos (de graduação e pós-graduação) e 4% funcionários. Já no segundo turno, a participação diminui para apenas 0,5% da comunidade universitária, ou seja, apenas os Conselhos Centrais e o Conselho Universitário votam. Essa nova seleção faz com que sejam, dos votantes, 87% professores, 12% estudantes e apenas 1% funcionários. Como resultado, obtemos a “Lista Tríplice”, que contém os três candidatos mais votados no segundo turno. Esses nomes são encaminhados ao Governador do Estado de São Paulo, único responsável por decidir qual deles será o novo reitor da universidade. Em resumo: eleição indireta, imposição direta. Por ser escolhida a dedo pelo Governador do Estado de São Paulo, a nomeação do Reitor da USP sempre vai corresponder a um projeto político, o que não necessariamente - como muitos gostam de insistir - corresponderá à vontade da maioria da população. Embora eleito democraticamente, é bastante comum o governador e o governo implementarem políticas que não dialogam com as expectativas dos eleitores. A repressão desenfreada por parte da polícia militar a mando de Geraldo Alckmin é um exemplo claro disso: a maioria da popu­ lação, quando envolvida no debate da legitimidade ou não das manifestações de Junho, rechaçou veementemente a ação truculenta e os excessos da PM.

Vimos em junho um exercício de democracia em que a voz do povo emanava das ruas. Embora muitos fossem manifestantes de primeira viagem e até apresentassem certa confusão entre o que reivindicavam e o que combati­am, ainda assim se mostravam dispostos a arriscar uma nova forma de fazer política, em que as decisões não fossem toma­das exclusivamente por uma cúpula interessada em seus negócios, mas sim através do debate feito com um amplo setor da sociedade. Muitas mentiras caíram em Junho graças ao debate que se pode fazer. E o debate foi o que permitiu reve­ lar as reais intenções das mani­festações e a serviço de quem estava o governo municipal, o governo estadual e, não nos esqueçamos, governo federal: dos lucros das empresas de transporte. Mesmo ficando em segundo colocado nas eleições, ainda assim o atual rei­ tor foi escolhido pelo ex-governador José Serra, o que demonstra a completa falta de democracia no processo. Similar é a escolha de diretores de cada unidade (responsáveis por cuidar diretamente de cada curso), sendo que entre três nomes finais o reitor escolhe quem será o próximo diretor. Era de se esperar que a falta de representatividade gerasse insatisfação. Muitas das reivindicações de estudantes e funcionários são deixadas de lado, além de suas opiniões terem força mínima nas congregações hoje tão valorizadas nos processos de decisão da universidade. Nessa conjuntura de mobilizações, chegamos à atual e já histórica luta dos estudantes da USP por diretas para reitor. Durante o mês de julho, no calor das conquistas dos movimentos sociais, o reitor João Grandino Rodas criou uma página na Internet dizendo-se disposto 29


a falar sobre o tema de democracia. A partir de então, criaram-se debates para apresentação e discussão de propostas, em sua imensa maioria sem qualquer participação por parte da reitoria. No dia 1 de outubro, ocorreu a reunião do Conselho Universitário que decidiria as mudanças no sistema de eleições da universidade - um espaço a portas trancadas e com baixa representação de alunos e funcionários. Exigindo uma reunião aber­ta, para que todos os interessados pudessem participar da discussão, os dois setores reuniram-se em frente ao prédio da reitoria durante a realização do Conselho Universitário. Como decidido em Assembléia Geral dos Estudantes, os representantes dos estudantes presentes na reunião levaram a reivindicação para votação, sendo que a maioria dos membros votou por não abrir a reunião do Conselho Universitário. Quando tentaram sair para comunicar a decisão aos manifestantes, os estudantes que por direito poderiam participar da reunião foram impedidos de sair e também de voltar, sendo temporariamente retidos em uma antessala. Diante desse quadro, foi decidida a ocupação da reitoria. Estudantes e funcionários tomaram juntos a posse do prédio, no qual permanecem até hoje (até o momento em que essa reportagem foi escrita). Uma Assembleia Extraordinária realizada na mesma noite decidiu pela realização de ­assembleias de cursos no menor tempo possível, em que o resultado foi a incorporação de mais de 30 cursos à greve, inclusive vários de pouca tradição no movimento estudantil, como as gradua­ ções de Química, Educação Física e Farmácia. E o movimento, crescente, tornou-se ainda mais forte com a negação 30

do poder judiciário ao pedido de reintegração de posse da reitoria, deixando claro que se trata inquestionavelmente de reivindicações políticas legítimas, com amparo legal na constituição, condenando a reitoria por indisposição para negociação e conferindo ao Movimento Estudantil 60 dias para desocupação pacífica do prédio. No momento, manifestações e debates por toda a USP clamam por aber­ tura de diálogo. Na última reunião de negociação, realizada no dia 29 de outu­ bro, a reitoria mostrou-se ainda intransigente quanto ao debate sobre eleições diretas para reitor. Até que essa e o ­ utras reivindicações do movimento sejam atendidas, a reitoria seguirá ocupada e a greve na USP seguirá presente em todos os espaços, debatendo com a comunidade acadêmica e a sociedade a importância em se democratizar a universidade. Juntos, seguiremos na luta para derrotar a política excludente, repressiva e catalisadora de desigualdades. Viva a luta dos estudantes, docentes e funcionários da USP!

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#prosa&poesia

“Do metrô parado, vejo os bancos da estação cuidadosamente enfileirados. Todos ocupados. Trabalhadores sonolentos, extenuados. A cabeça de todos ligeiramente caída para um dos lados - e sempre o mesmo lado. Dormem a sono solto, cansados, esperando o trem que chega com vagões lotados - encolhidos, retraídos, dominados. É assim que o sistema deseja vê-los: domados. Fazê-los dormir, rendê-los: escravos. Deixá-los ali, vítimas da mais-valia, dos maus tratos. São a massa crítica do sistema - cuidadosa e silenciosamente desarmados. E os burgueses desalmados? Sonhem, proletários. Nada mais, nada menos: proletários dominados, atacados. Enquanto isso, as cabeças caídas tendem à direita. Ah, proletários...”

Anônimo

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#fotocontexto

Muros de Belo Horizonte Gabriela Filippo ĂŠ estudante de Publicidade e Propaganda na UFMG e trabalha na Cria Jr.

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contexto

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