Revista Contexto - 7ª edição

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contexto 7ª edição

julho 2014

Os ninguéns 1


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Índice #editorial

p.4

#ilustra

p.5

#Brasil A Copa Gringos

p.6

Movimento Passe Livre e o estado de exceção brasileiro

p.11

O Marco Civil da Internet

p.15

Tempo em que não se diz mais: meu amor

p.19

Entrevista com Raphael Montes

p.22

#Internacional Eu tomo pílula

p.26

#opinião Os ninguéns da Palestina

p.29

#prosa&poesia

p.31

#fotocontexto

p.32

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#editorial

A luta continua

Q

uerem nos ver calados. Pode-se dizer que esse desejo é constante para muitas causas sociais e parte de grupos bastante privilegiados. Ainda assim, é tempo de gritar, de não se deixar calar. Nesta edição da Contexto, você encontra texto e foto sobre a situação da Palestina e o massacre desse povo, e muita luta em clima de Copa do Mundo no Brasil. A luta dos metroviários, a poesia combativa sobre mulheres, o esforço pelo estabelecimento do Marco Civil Regulatório e muito mais. Mais uma vez, agracedemos à Qatar Foundation International pelo apoio em todas as edições e a todos que participam da revista.

Priscila Bellini Editora-Chefe

Expediente Editora-Chefe

Priscila Bellini Jornalistas

Emily Stetson Heloisa Vieira Júlia Dolce Priscila Bellini Rafael Leite Rodrigo Borges Delfim Vanessa Panerari Poesia

Marina Barbosa Ilustração

Júlia Dolce Design

Fernanda Tottero Seja bem-vindo à Contexto! Welcome! Ahlan wa sahlan!

Fotografia

Priscila Bellini Tradução

Priscila Bellini

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#ilustra

JĂşlia Dolce ĂŠ estudante de Jornalismo da PUC-SP.

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#Brasil

A Copa Gringos

Por Rodrigo Borges Delfim

Sem Fifa, “gringos” montam Copa e fazem sucesso em São Paulo Torneio de times formados por estrangeiros agita e conquista colônias paulistanas de imigrantes; nova edição deve vir já em setembro Uma Copa para a qual não foi preciso fazer nenhum estádio novo, mais barata e acessível ao público, e muito mais democrática e inclusiva que o Mundial organizado pela Fifa. Essas são apenas algumas das características da primeira Copa Gringos, torneio de futebol amador society disputado por 24 times formados por imigrantes que vivem no Brasil. Disputada entre 13 de abril e 8 de ju­ nho, a Copa Gringos teve como ideali­ zador o francês Stéphane Darmani, que vive há dez anos na capital paulista e organizou o torneio por meio de sua produtora, a La Vista Eventos. Apaixonado por futebol e fã do ex-jogador Juninho Pernambucano (que fez sucesso no Lyon, time do coração de Darmani), usou a experiência adquirida na organização da Virada Esportiva – que acontece 6

anu­almente em São Paulo – para tocar o novo projeto e atender a uma demanda dos estrangeiros que tinha contato na cidade: criar um evento no qual eles pudessem jogar futebol. “São Paulo é uma das cidades mais cosmopolitas do mundo, mais de 70 nacionalidades estão representadas em São Paulo, ou seja, o mundo inteiro está em São Paulo! É o momento ideal para oferecer um ‘Mundial dos Estrangeiros’ da cidade”, explica. Na Copa Gringos foi possível torcer­ para seleções que não conseguiram se classificar para o Mundial da Fifa: Bolívia, Paraguai, Peru, Congo, Canadá e China. Completaram a conta Alemanha, Argentina, Bélgica, Camarões, Chile, Colômbia, Equador, Espanha, Estados Unidos, França, Inglaterra, Itália, Japão,


México, Nigéria, Portugal, Alpino (combinado de Áustria e Suíça) e Esperanto – formado por jogadores de diversas nacionalidades. “Tem perfis muito diferentes aqui, de executivos e funcionários de multinacionais a estudantes, refugiados políticos, operários. Não é só uma mistura de nacionalidades, é também uma mistura social e isso é o que acho legal. Todo mundo em campo é igual, e é isso que eu gosto no futebol, algo universal. Aqui pelos menos eles podem se cruzar e o futebol amador ainda permite isso”, explica Darmani.

O torneio As 24 seleções foram divididas em seis grupos (de A a F), nos quais os dois me­ lhores de cada chave e os quatro me­ lhores terceiros colocados passaram às oitavas de final. Os oito times restantes disputaram a Série Prata, uma espécie de “Série B” da Copa Gringos, cuja final foi uma das preliminares da decisão do torneio, no dia 8 de junho. Quase todas as partidas foram disputadas nas quadras do Playball Pompeia, na zona oeste de São Paulo – exceto pela final e jogos preliminares, que aconteceram no Parque da Aclimação, zona sul da capital paulista. O pontapé inicial foi dado pelo jogo Alpino x Equador, que terminou empa­ tado em 5 a 5. A média de gols, aliás, foi um dos destaques da Copa Gringos, que teve como placar mais elástico a goleada da Bélgica por 22 a 1 sobre o Canadá, já durante a Série Prata. Após quase dois meses de competição, Camarões e Bolívia fizeram a grande final, na qual os camaroneses conseguiram a virada na prorrogação por 2 a

1. O resultado, embora tenha frustrado a numerosa torcida boliviana presente, não ofusca o belo papel que ela desempenhou ao longo da competição, incentivando e marcando presença nos jogos do time. “Nunca tinha jogado com uma torcida como essa, se fosse somente por ela a gente teria ga­nho de 10 a 0”, disse Israel Correia Silva, um dos jogadores da Bolívia, após o vice-campeonato. Já a comunidade camaronesa em São Paulo pode amenizar a decepção de ver o país natal eliminado do Mundial da Fifa com o título na Copa Gringos, conquistado poucos dias antes do começo do torneio profissional. “Sem palavras, sem palavras”, disse o goleiro camaronês Bernard Happi, apontado como o melhor jogador da final e responsável por segurar o ataque boliviano na decisão. Após as finais, aconteceu a cerimônia de premiação no Hotel Pullmann, próxi­ mo ao Parque da Aclimação, na qual os jogadores receberam cumprimentos e prêmios das mãos do ex-jogador Raí. “O esporte e a integração dos povos é que ganharam. Os imigrantes fizeram um gol de letra”, disse ele sobre a Copa Gringos. Já o terceiro lugar da competição ficou com o Peru, após vitória por 5 a 1 sobre o Chile. Na Série Prata o vencedor foi a seleção do Congo, que derrotou a Bélgica nos pênaltis.

Os obstáculos Organizar e formar os times foram dois dos grandes desafios da Copa. “Conseguimos nos acréscimos do segundo tempo fechar dois ou três times para chegarmos aos 24 e estou muito feliz porque não foi fácil. Para alguns deles não foi fácil conseguir contatos e jogadores. Foi uma luta que começou em

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setembro”, lembra Darmani. Uma regra da Copa Gringos permitiu que cada time pudesse contar com até dois brasileiros natos e outros dois com dupla nacionali­ dade, o que ajudou a montar vários dos times que disputaram a competição. Uma das seleções formadas no apagar das luzes para as inscrições foi a batizada de Esperanto, uma mistura de vários países que não conseguiram formar um time. “Tentei juntar o time polonês, mas não deu. Então os organizadores resolveram juntar os jogadores sem time para montar um time internacional. Achei a ideia muito boa e deu a oportunidade para jogar esse evento que é muito interessante. E dá para sentir a emoção de jogar uma Copa do Mundo”, diz o polonês Marek Zarzycki, funcionário da Embaixada do país no Brasil e um dos 8

integrantes do time Esperanto, que contou também com jogadores da Turquia, República Tcheca, Egito e Irlanda. Outra seleção formada às vésperas do torneio foi a chilena, em grande parte graças ao empenho de Maghie Contreras, presidente do grupo folclórico QuinchamaLi de Chile. “Peraí, estamos em ano de Copa do Mundo, como não vamos montar uma seleção chilena? Fui chamando um por um, batemos de porta em porta. Até recentemente não tínhamos sete chilenos par montar o time, e agora temos 14 chilenos e um brasileiro no time”, explicou Maghie, ainda na primeira rodada. O esforço dela acabou recompensado, já que o Chile foi um dos grandes destaques da Copa Gringos e terminou o torneio na quarta posição.


A questão financeira foi outro fator a ser contornado pela organização. Embora tenha contado com apoio de algumas empresas, Darmani conta que não foi possível fazer investimentos em outras áreas que desejava, como contratar uma equipe para registrar a competição em imagens – ele próprio fazia as fotos de divulgação do torneio. “Muitas marcas ainda não se interessam pelo mundo amador do futebol e estão voltadas demais para o profissional. Infelizmente o futebol foi para esse lado”.

Simpatia e legado de amizade Nos dois meses de duração da Copa Gringos foi possível acompanhar torcedores e jogadores empenhados em apoiar e representar seu país de origem, mas também uma bela e importante

forma de integração com outras comunidades presentes. “Você vê muitos jogadores que fizeram amizade entre si. Acho que esse é o grande legado da Copa Gringos. Não sei qual será o legado da Copa do Mundo, mas pelo menos na Copa Gringos – pelo que vejo no time francês e outros, como Chile e Peru, que foram montados às pressas – pessoas que não se conheciam pessoalmente antes hoje frequentam a casa um do outro, são amizades reais. Criamos grupos de amigos, e isso é outra coisa que eu valorizo muito, além do resultado esportivo. Essa visão também é compartilhada por jogadores e torcedores que participaram do torneio. “Esse é o objetivo da Copa Gringos, fazer os gringos se encontrarem para jogar futebol, fazer novas amizades, entre os austríacos, suíços 9


e outros povos. Já fomos até chamados para festas de outras comunidades”, diz Stefan Nemetz, vice-cônsul comercial da Áustria em São Paulo e integrante da seleção alpina, que acabou eliminada ainda na primeira fase e depois disputou a Série Prata. A oportunidade de representar o próprio país, mesmo que de forma amadora, também atraiu e motivou os jogadores das seleções. “Nossa, é da hora poder representar seu país. Se a Bolívia não vai para a Copa, pelo menos em algum lugar você pode torcer por ela e representar”, disse o mecânico Wilfredo Macias, goleiro do time boliviano, vicecampeão do torneio. A diversidade de nacionalidades presentes surpreendeu o alemão Bastian Barnbeck, que está há apenas cinco meses no Brasil e trabalha em uma companhia chilena. “A primeira vez que cheguei aqui vi pessoas de muitos países, não sabia que tinha tanta gente de tantos lugares aqui no Brasil. Espero que seja a mesma coisa em 2015”.

Liga Gringos a caminho? É bem provável que não seja preciso esperar até o próximo ano para as seleções da Copa Gringos voltarem a campo. Devido ao sucesso de crítica e público – e especialmente entre os jogadores –, uma nova competição, de caráter permanente, deve começar já em setembro, chamada de Liga Gringos. A ideia é que as seleções possam jo­ gar por um período mais longo, em um torneio de pontos corridos. Uma consulta feita pela organização junto aos jogadores apontou que 93% deles são

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favoráveis a um torneio permanente. Questões como o valor de inscrição a ser pago pelas equipes, quantidade de jogadores por time e o intervalo entre uma rodada e outra ainda estão sendo discutidas, mas seleções que participaram da Copa Gringos já se movimentam junto às próprias comunidades para conseguir novos jogadores e apoio para continuarem no projeto. Darmani ainda não tem certeza quanto ao número de times que o novo torneio terá e aposta em patrocínios e em um possível apoio da Prefeitura de São Paulo para conseguir viabilizar a participação de seleções que provavelmente não teriam condições financeiras de ingressar sozinhas na futura Liga. “O evento não está ligado à Copa do Mundo, ele nasceu para ficar. Os estrangeiros gostaram, alguns times já tem novos jogadores e estão se preparando e com certeza vão chegar mais fortes para setembro. Não é o jogo apenas em si, mas o churrasco que acontece depois, se encontrar durante a semana, a amizade em si. Isso não pode parar. Por todos esses motivos esperamos que pelo menos uns 12 ou 18 times possam fechar um campeonato para setembro. Os resultados das partidas ou os prêmios obtidos por esta ou aquela seleção são meros detalhes diante dos reais frutos que a Copa Gringos gerou. Além dos novos círculos de amizades e a iminente continuidade do projeto, o torneio permitiu uma nova forma de integração dos imigrantes que vivem em São Paulo, independente da origem, ocupação profissional ou situação migratória.


Movimento Passe Livre e o estado de exceção brasileiro Por Júlia Dolce

Militantes lutam contra a criminalização de movimentos sociais e protestos O transporte público foi uma das pautas mais discutidas no Brasil em 2013, alcançando até mesmo os setores de maior exclusão social e indivíduos com significante alienação e desinteresse político, de todas as classes. O debate teve iní­ cio com o Movimento Passe Livre (MPL), que apesar de até então ter sido pouco conhe­c ido pela população, se tornou protagonista das nomeadas Jornadas de Junho, onda de protestos que reuniu milhares de manifestantes em diferentes cidades do país no ano passado. O MPL é um movimento social autônomo, apartidário, horizontal e independente, que surgiu oficialmente na cidade de Porto Alegre, em 2005 . O Movimento tem como objetivo a luta

por “um transporte público de verdade”, através da bandeira da Tarifa Zero. As Jornadas de Junhos porém, se originaram como uma reação do MPL ao aumento de vinte centavos da tarifa de ônibus na capital paulista, que chegou ao valor de R$3,20, considerado abusivo pelos militantes e população no geral. Apontadas como as maiores mobilizações no país em vinte anos, desde as manifestações pelo impeachment de Collor, as Jornadas de Junho logo se espalharam pelo Brasil, ganhando apoio popular paralelamente à mudanças na abordagem da grande mídia. As manifestações, marcadas por forte repressão da Polícia Militar (PM), tiveram suas pautas expandidas (e de certa forma, 11


Mariana Toledo cedendo entrevista coletiva para o COPA

neutralizadas), na medida em que mi­ lhões de pessoas saíam às ruas, convocadas principalmente através da viralização de eventos no Facebook. A pressão foi suficiente para que diversas cidades, inclusive São Paulo, revogassem o aumento das passagens dos transportes. A luta do Movimento Passe Livre porém, não se encerrou com a vitória da revogação do aumento, anunciada em São Paulo pelo Prefeito Fernando Haddad, no dia 19 de junho de 2013, após seis grandes protestos na capital. No último dia 19, o MPL convocou um ato para comemoração do aniversário de um ano da revogação do aumento e continuação da luta por uma tarifa zero, além de protesto político contra a 12

forma elitizada e antidemocrática que a Copa do Mundo no Brasil vem sendo realizada. O ato teve início na Praça do Ciclista (Avenida Paulista), seguindo em direção à Marginal Tietê, com o objetivo de ocupá-la com uma festa popular. A integrante do MPL, Mariana Toledo, cedeu uma entrevista coletiva ao COPA 412 (Centro Ocupado de Produção Alternativa), no último dia 3, explicando os objetivos e organização do Movimento, além de suas opiniões sobre o atual cenário de manifestações no país. Segundo a militante, “O MPL é só uma das forças que compõem a luta na rua atualmente”, e apesar do Movimento apoiar as causas que acredita - como a recente Greve dos Metroviários, ou a


Ocupação do Edifício Vicente Gravina pelo MMRC - continua tendo uma pauta única: a consolidação do transporte público. A bandeira da Tarifa Zero ainda é cons­ tantemente criticada e até mesmo ridi­ cularizada por uma parte significativa da população. Para Mariana, o desconhe­ cimento do significado dessa luta, ainda é grande. “Quando dizem que não existe almoço de graça, nós explicamos que não queremos ônibus gratuito e sim a Tarifa Zero, o que é bem diferente”. A Tarifa Zero propõe que o pagamento das passagens de transporte público deixe de ser feito diretamente, passando a ser pago indiretamente e distribuído pela sociedade. Isso ocorreria através da arrecadação de impostos progressivos (após uma mudança na carga tributária para um critério de justiça fiscal: quem tem mais paga mais, quem tem menos paga menos). Assim, o transporte se tornaria efetivamente um direito de todos, como a saúde e a educação. Além disso, seriam necessárias mudanças nas prioridades das gestões, para que se diminua o investimento em obras que prezem o transporte indivi­ dual. Para o MPL, o aumento das tarifas do transporte é uma decisão política, assim como a existência da própria tarifa, já que, segundo Mariana, a Tarifa Zero é viável para a realidade em que vivemos. “Se hoje a pauta parece de um bando de malucos militantes, ela já foi projeto de lei durante o governo da ex-prefeita de São Paulo, Luiza Erundina”, afirma Mariana. A proposta, submetida à Câmara no dia 28 de setembro de 1990, foi inviabilizada por interesses políticos. Na página do MPL, há diversos exemplos de experiências positivas

da implementação da Tarifa Zero, como a cidade de Tallinn, na Estônia, primeira capital europeia com transporte público gratuito para todos. Quanto à organização interna do MPL, Mariana acredita que seja um dos movimentos sociais mais horizontais da atualidade. É composto por um sistema de rotatividade de militantes entre diferen­ tes Comissões (Jurídica, Financeira, de Comunicação e de Trabalho Regional). Essa última, se responsabiliza pela luta por transporte público nos bairros pe­ riféricos, como o caso do Marsilac, distrito no extremo sul da cidade de São Paulo, onde os moradores precisam caminhar 10km para pegar um ônibus. Os militantes que se interessam em fazer parte do MPL precisam passar por um processo de formação, que segundo Mariana, não era uma preocupação antes das Jornadas de Junho. “Na primeira reunião aberta após as Jornadas, nós identificamos dois policiais infiltrados entre os militantes”, os famosos “P2”. Mariana afirma que o movimento não segue uma ideologia específica, não apoiando nenhum candidato ou partido político: “Priorizamos a autogestão. Nós pensaríamos com muito cuidado antes de fechar um programa com um partido”. Em relação à atual conjuntura dos protestos, o MPL luta, junto com outros movimentos sociais, pela descriminali­ zação de manifestações políticas, que vem sendo cada vez mais reprimidas pela PM, principalmente durante a reali­ zação do Mundial. Mariana acredita que os rumos tomados pelo Ato do MPL no último dia 19, tenham servido de justificativa para o aumento da repressão nos atos seguintes. 13


Isso porque, ao se manifestar antes do ato, por escrito, à Secretaria de Segurança Pública, em relação à presença ostensiva da polícia, o MPL afirmou que os movimentos sociais eram capazes de garantir sua própria segurança. Porém, mesmo com uma proposta de manifestação simbólica, que pretendia executar o trajeto até a Marginal Pinheiros sem maiores transtornos, uma concessionária e quatro agências bancárias foram depredadas por adeptos da tática Black Bloc. Apesar de não condenar tais ações e reconhe­ cer sua importância, Mariana afirmou que o MPL prefere seguir uma diversidade maior de táticas. Após as depredações, o Secretário de Segurança Pública de São Paulo, Fernando Grella, vem criminalizando diretamente o MPL e os protestos no ge­ ral. Os militantes do Movimento Passe Livre tem sido intimidados e ameaçados por policiais, que buscam retomar o “Inquérito Black Bloc”, um banco de dados ilegal sobre informações pessoais de ativistas políticos, levando as forças militantes para depor no DEIC. Segundo Mariana, “há um esforço muito grande, pós junho de 2013, para tirar a adesão e credibilidade dos protestos. Policiais se infiltram como Black Blocs e a grande mídia incentiva as depredações, em busca do espetáculo”. Desde a abertura da Copa do Mundo, e principalmente desde o Ato do dia 19, diversas arbitrariedades inconstitucionais vem sendo praticadas pela Polícia Militar. A tropa de choque, equipada com exoesqueleto e cavalaria, além de camburões e carros de água, tem cercado manifestantes e impedindo a

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concentração de protestos. Um protesto foi impedido de acontecer devido a ausência de lideranças. Um policial disparou com arma de fogo durante uma manifestação. O número de prisões para averiguação vem crescendo cada vez mais. Fábio Hideki, estudante da ECA e funcionário da USP, permanece preso, na penitenciária de segurança máxima de Tremembé-SP, após um flagrante forjado (cujo vídeo pode ser assistido na internet) em uma manifestação contra a Copa. Em reação ao estado de exceção estabelecido pelo poder público, o MPL continua promovendo protestos e debates, como o Acorrentamento na Defensoria Pública e o Debate sobre a criminali­ zação de movimentos sociais, que ocorreu na Praça da Sé, em frente ao Tribunal de Justiça, no último dia 2. Fernando Grella foi convidado formalmente pelo MPL para ambos os atos, mas não compareceu em nenhum. Já a PM, compareceu em peso no debate, com 200 policiais, em uma proporção de um soldado para cada ativista.


O Marco Civil da Internet

Por Rafael Leite

A proposta Em meados de 2007 o congresso brasileiro avaliou um projeto de lei cuja motivação principal era o combate aos cibercrimes. A proposta tornou-se conhecida como Lei Azeredo, sobrenome do deputado de sua autoria. O projeto sofreu incisiva oposição da sociedade civil, em função do seu caráter fortemente penal que, sob o pretexto de combater os crimes virtuais, previa a adoção de medidas que potencialmente reduziriam as liberdades dos cidadãos na internet. Como resposta à tramitação de tal projeto, organizações sociais e setores do governo se articularam para dar origem à uma nova legislação com o objetivo de regulamentar a internet no país, mas sem ferir as liberdades dos internautas. Entre outubro de 2009 e maio de 2010 uma proposta preliminar foi

alvo de expressiva consulta pública online que contou com a participação de milhares de cidadãos. Também foram realizadas audiências públicas em diversas regiões do país. De forma iné­ dita, um projeto de lei foi desenhado colaborativamente após extensas consultas presenciais e virtuais. O Marco Civil da Internet, como a proposta ficou conhecida, busca regular o uso e a gestão da internet no país. Estabelece princípios, garantias e direi­ tos para os atores presentes na rede: usuários, empresas e governos. O projeto visa estabelecer direitos e deveres para internautas, provedores de cone­ xão e conteúdo, regulando também o papel dos governos com relação à rede. Por esse motivo muitos passaram a referir-se ao Marco Civil como a “Constituição da Internet”. 15


O conteúdo Dentre os principais pontos do projeto, é possível destacar que 1) os provedores de acesso ou conteúdo passam a não responder mais pelo comportamento dos usuários na rede, 2) fica assegurado o princípio da neutralidade da rede, 3) apenas ordens judiciais com fins investigativos podem violar as comunicações online, 4) a suspensão do serviço de internet só ocorrerá em caso de interrupção do pagamento e 5) fica proibido o fornecimento à terceiros, por parte dos provedores, dos dados de navegação dos usuários. O projeto de lei estabelece que os usuários são os únicos responsáveis pelo conteúdo que publicam na rede, não mais os provedores de acesso (res­ ponsáveis por oferecer o serviço de conexão à internet) ou conteúdo (os responsáveis por administrar os sites na rede, como o Google ou Facebook). Tal regra visa impedir a censura privada, muito comum em casos onde os provedores, temendo processos judiciais, realizam censura prévia ao comportamento dos usuários, decidindo isoladamente quais conteúdos devem ou não permanecer online. Com o Marco Civil, o conteúdo publicado na rede só poderá ser retirado do ar pelos provedores após ordem judicial (exceto em casos de violência, racismo ou pedofilia). O princípio da neutralidade da rede, um dos principais pontos do Marco Civil, proíbe os provedores de discriminar os dados em razão de seu conteúdo, origem ou destino. O princípio garante

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que os dados deverão ser tratados de forma isonômica, sem distinção de velocidade do tráfego nas redes (http:// www.bbc.co.uk/portuguese/noticias­­ /2014/03/140325_neutralidade_­­­­inter­ net­­­­_eua_pai_ac.shtml). A ideia é evitar acordos entre provedores de acesso e conteúdo, o que poderia tornar a cone­ xão aos sites de poderosos grupos de mídia mais veloz do que o acesso aos demais conteúdos da rede, virtualmente tornando a internet em uma grande TV à cabo (http://www.ihu.unisinos.br/ entrevistas/516826-marco-civil-da-internet-a-disputa-pela-rede-entrevista-especial-com-sergio-amadeu). O Marco Civil estabelece a inviolabilidade da comunicação privada no âmbito da internet, assegurando a proteção da privacidade e dos dados pessoais. Somente ordens judiciais com fins investigativos poderão permitir o acesso às correspondências em rede, segundo o projeto. Ativistas afirmam, no entanto, que o texto apresenta brechas nesse sentido e necessita ser regulamentado com a aprovação de uma lei exclusiva para garantir a proteção dos dados pessoais. A proposta de lei, por fim, defende que todas as instâncias de governo devem não só priorizar o uso de tecnologias, padrões e formatos livres e abertos, como também devem publicar abertamente seus dados na rede, desenvolver programas de capacitação para o uso da internet e estabelecer mecanismos de governança transpa­ rentes e participativos.


A aprovação O projeto de lei que institui o Marco Civil da Internet foi encaminhado à Câmara de Deputados pela presidenta Dilma Rousseff em meados de 2011, mas somente após o início do escândalo envolvendo a espionagem das comunicações brasileiras pela NSA, agência de inteligência norte-americana, a presidência declarou urgência para a votação do projeto (junho de 2013), cuja aprovação seria usada como resposta política (http://blog.planalto.gov. br/na-onu-dilma-propoe-governanca-global-para-internet/) ao escândalo provocado pelas revelações de Eduard Snowden. A aprovação do Marco Civil, no entanto, encontrou muitas dificuldades para prosseguir na Câmara de Deputados. A votação do projeto foi adiada inúmeras

vezes devido a um contexto de rebelião entre os partidos aliados contra o governo, dando origem a um agudo conflito político entre a base de apoio no legislativo e o governo. O projeto tornou-se então moeda de barganha entre o executivo e os aliados rebeldes. Nesse momento, o compromisso internacional assumido pela presidenta em matéria de defesa das liberdades na rede e a forte pressão popular - no auge da disputa pela aprovação do Marco Civil inúmeras organizações que colaboraram com a criação do projeto se uniram em sua defesa, incluindo nomes como Tim Berners Lee (http://www. webfoundation.org/2014/03/marcocivil-statement-of-support-from-sirtim-berners-lee/), o criador da web -, foram essenciais para que o governo 17


enfrentasse a resistência ao projeto no poder legislativo. Somente após incontáveis negociações foi debelada a crise no congresso e o projeto foi aprovado na Câmara, no dia 25 de março de 2014, pela virtual unanimidade dos deputados. O Marco Civil foi então encaminhado para a análise do Senado, onde espera-se que será rapidamente aprovado, para que então seja destinado à sansão presidencial e, logo em seguida, entre em vigor.

Perspectivas para o futuro O Marco Civil da Internet inova ao estabelecer os princípios, direitos e deveres básicos para os múltiplos atores da rede, como usuários, provedores e governos. É o primeiro passo em direção à construção de uma internet livre, segura e democrática no país. Para continuar caminhando nesse sentido, ainda são necessárias novas iniciativas de lei capazes de regular usos específicos da internet, como o comércio eletrônico ou mesmo a proteção de dados pessoais, como visto anteriormente. Se o projeto tornar-se lei até a realização da conferência internacional

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que será realizada em abril, em São Paulo, por iniciativa do governo brasileiro - um encontro multissetorial global sobre a governança da internet, que discutirá princípios de regulação da rede em escala mundial: http://netmundial.br/ -, o Marco Civil poderá inspirar iniciativas de regulação da rede em todo o mundo. A aprovação do projeto não foi um processo simples. Em seu início, contou com uma robusta participação social. Sucederam-se uma série de momentos de conflito entre o governo e a base aliada no Congresso. Foram constantes os processos de negociação, marcados por situações de confronto e diálogo. Esse é mais um dos motivos que tornam a aprovação do Marco Civil uma vitória para a democracia brasileira: foi um processo profundamente delibe­ rativo. Enquanto países como China, Índia e Rússia aprovam legislações que restringem os direitos civis na internet, o Brasil dá um largo passo em direção à construção de uma web livre e democrática, o que é definitivamente histórico.


Tempo em que não se diz mais: meu amor

Por Heloisa Vieira

No dia 5 de junho, no Sindicato dos Metroviários, ocorreu uma assembleia dos trabalhadores do Metrô da cidade de São Paulo, que deliberou, de forma unânime, a paralisação da categoria. Na quadra do sindicato, onde as vuvuzelas e o coro das arquibancadas se resignifi­ caram, ficou marcado o início dos cinco dias que esgotaram as restantes “meias palavras” do governo do PSDB e intensificaram a polarização existente, desde o início do ano, no país. Certa vez, Drummond escreveu: Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus/ Tempo de absoluta depuração/ Tempo em que não se diz mais: meu amor. Esses três versos do poeta podem traduzir, de forma fiel, o acirramento da luta de classes, o caminhar da vida dos explorados e oprimidos e, também, o seu “destino”. Quando as condições materiais de vida da população se tornam insuficientes e insustentáveis, quando a fé já não abafa a impaciência das barrigas vazias, as pessoas se levantam e lutam. A princípio, pela resolução de questões imediatas - como o preço abusivo da tarifa do transporte público. Porém, os processos de luta, combinados com as condicionantes políticas, econômicas e sociais de cada época, deixam mais à classe trabalhadora e à juventude do que meras conquistas econômicas, pois ensinam que a organização e a mobilização mudam a vida. Isto foi Junho. Em 2013, se concretizou no imaginário dos brasileiros que é possível vencer e avançar verdadeiramente. Esse sentimento, que nasceu com a juventude, se irradiou a

outros setores da sociedade. A greve dos garis e dos operários do COMPERJ inau­ guraram 2014 e a classe trabalhadora como nova vanguarda das lutas no país. Assim como diversas outras categorias, os metroviários entraram em campanha salarial, exigindo condições dignas de trabalho. Dentre as reivindicações, estava um reajuste de 13,25% do vale refeição, o aumento do vale alimentação de R$ 247,69 para R$ 379,80, um reajuste salarial de 12,2% (sendo 7,95% de inflação) e um plano de carreira que possibilitasse a permanência dos trabalhadores na companhia. A negociação das pautas dos metroviários foi arrastada durante um mês pelo Metrô e pelo governador Geraldo Alckmin, sem nenhuma concessão por parte da empresa e do governo, que não mudaram em momento nenhum a proposta de 8,7% de reajuste salarial. O resultado foi a linda e legítima greve da categoria que, inclusive, para não prejudicar a popu­ lação, propôs trabalhar de graça, com as catracas liberadas. A companhia e o governador negaram a liberação das catracas, alegando que isso afetaria o lucro da empresa. Ou seja, o não diálogo com os trabalhadores e a negação das catracas livres são frutos de uma mesma precedência: os direitos, no neoliberalismo, são tratados como mercadoria. Os metroviários pararam e garantiram sua greve durante os cinco dias, a­través de piquetes, atos e assembleias. Como ­resposta a mobilização dos trabalhadores, Alckmin realizou prisões e mandou a tropa de choque para reprimir 19


suas manifestações. Para além disso, durante toda a greve, os grandes meios de comunicação, de maneira geral, caluniaram a categoria e o sindicato, tentando colocar a população contra a paralisação. O próprio site da Companhia lançou notas com títulos como “Manutenção da greve é crueldade com a população”. Porém, as tentativas desesperadas de garantir o silêncio dos trabalhadores, o conforto da FIFA e manipulação dos brasileiros, resultaram inúteis. Mais de 80% da popu­ lação disse apoiar a greve durante sua procedência e esta, por sua vez, durou bravamente até as “tampas” do início do mundial. A mídia e a companhia usavam o argumento de que a greve era política e por isso injusta. Como bem disse Wislawa Symborska, ”Todas as tuas, nossas, vossas 20

coisas/ diurnas e noturnas,/são coisas políticas”. A greve era, sim, política por que exigia não só questões materiais aos trabalhadores, mas também um transporte público menos caótico, o fim dos assédios e a manutenção do exercício democrático de se manifestar. A parali­ sação dos metroviários era, sim, política por que quando a juventude saiu às ruas para barrar o aumento da tarifa eles apoiaram, tomaram para si a luta e deram continuidade. A questão que se coloca, na verdade, não é se a greve era política e por isso ilegítima, mas que a empresa e o governo, diferente do sindicato e da categoria, tomaram decisões políticas durante o processo inteiro e as trataram como inocentes e despretensiosas, para enganar e confundir a população. A repressão, o não diálogo, a não liberação


das catracas, o recorrer ao Tribunal Regional do Trabalho para a colocação da greve na ilegalidade, as notas lançadas no site da companhia, as cartas de ameaça de demissão enviadas às casas dos grevistas, a demissão de 42 metroviários (sendo todos ativistas e 11 da diretoria do sindicato) tem natureza política e, diga-se de passagem, da mais suja. Todos os ataques sofridos pelos metroviários tinham como meta fazer recuar o movimento dos trabalhadores e a categoria. Isso por que os últimos meses vêm mostrando que o levante de um grupo de trabalhadores não é algo isolado, mas um avanço à classe como um todo. A greve dos metroviários de São Paulo se mostrou tão forte e tão corajosa que escancarou quem estava em qual lado da trincheira e que os explorados só podem confiar em suas próprias forças. A categoria se uniu como há anos não fazia e, com isso, também os movimentos populares, estudantis e sindicais. O anúncio do fim da greve aconteceu no dia 9 de junho, mas ele não significou o término da mobilização dos metroviários. Um plano de luta pela readmissão dos 42 trabalhadores está em curso, com indicativo de greve caso o Metrô e Alckmin não reintegrarem os lutadores. Na mesma assembleia em que o plano foi tirado, todas as centrais sindicais do país, alguns partidos políticos e diversos movimentos

estudantis e populares se colocaram ao lado dos metroviários na luta contra as demissões, corroborando a palavra de ordem que vem ecoando nas ruas: na copa vai ter luta. O momento que vivemos no país é excepcional. De um lado estão os trabalhadores e a juventude cansados e indignados e do outro os governos e as grandes empresas amedrontados e furiosos. Esses últimos, ao mesmo tempo em que nos atacam, tentam nos ganhar dizendo que nossa retirada das lutas é equivalente - senão melhor - à nossa esperança nas urnas e nossa espera pelo legado da Copa. Porém, as mentiras e a espera interminável não cabem mais nas vidas daqueles que começam a aprender a se organizar, titubeantes ainda, mas fortes e corajosos. Os metroviários, assim como todos os outros trabalhadores que se enfrentaram com os patrões, mostraram o caminho para a construção de uma nova sociedade. O sindicato da categoria deixou também bastante claro qual é o papel deste aparelho na luta dos trabalhadores, sendo a irradiação das vontades da categoria e o anúncio de como será a verdadeira democracia em uma sociedade nova, na qual os direitos e a vida dos trabalhadores serão prioridade. Eis o nosso tempo. O tempo em que se diz: nas ruas somos sonhos e o futuro.

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Entrevista com Raphael Montes O novo nome na literatura do crime Por Vanessa Panerari

Raphael Montes, escritor carioca, aparece como promessa no cenário da literatura policial brasileira. Aos 23 anos, possui dois livros publicados. Foi finalista dos prêmios São Paulo em 2013 e Machado de Assis em 2012, além de contar com elogios consideráveis de grandes nomes, como o estadunidense Scott Turow. - Como você começou? Eu comecei a gostar de ler sem ser obrigação escolar quando eu tinha 12 anos, por um presente que a minha tiaavó me deu. Foi um livro do Sherlock Holmes, chamado Um estudo em vermelho, que é o primeiro livro da série do Sherlock Holmes. Nessa época eu li, achei o máximo e na mesma hora eu pensei “nossa, quero fazer isso pro resto 22

da vida”. Decidi que era isso que eu queria fazer e comecei a escrever uns contos. Então escrevi vários continhos, na época do colégio e, dos contos, eu fui pro romance. Cheguei a escrever um romance que nunca publiquei, chamado Mera ilusão, e depois comecei a escrever o Suicidas, que foi a publicação que saiu - e a primeira que eu tentei publicar.


- Quais são suas influências no campo da literatura? O Sherlock Holmes foi o primeiro livro que eu li sem ser obrigação escolar, mas diria que minhas influências maiores são Agatha Christie e a Patrícia Highsmith. - Como é ser um autor conhecido sendo tão jovem? É meio louco, né? Não custa lembrar que há dois anos atrás eu sequer tinha um livro publicado. Dois anos depois eu tenho dois livros publicados. O último pela Companhia das Letras, com mais de 10.000 exemplares vendidos, com traduções e que vai virar filme. Então é uma coisa que nem eu esperava muito. Sempre acreditei que meus livros eram bons, eu gosto das coisas que escrevo, mas nunca esperei essa repercussão toda. O que eu busco fazer é evitar me deslumbrar com isso, ou achar que eu sou melhor que alguém ou que sou, de algum modo, especial. Depois de muito trabalho consegui isso tudo. Bem mais rápido que muita gente, é verdade, mas evito tomar isso como uma espécie de garantia. Evito achar que agora tudo que eu escrevo vai dar certo, não é bem assim. Sei que tenho que fazer sempre um bom trabalho. - Como você avalia o mercado editorial brasileiro? É difícil você ser publicado no Brasil. Mas eu percebo que as editoras estão cada vez mais interessadas em autores brasi­ leiros. Ao meu ver, o grande problema no mercado nacional é a distribuição de li­ vros . No meu caso, não tenho problemas com isso em relação ao Dias Perfeitos, porque ele está muito bem distribuído pela Companhia das Letras. Mas eu

vejo no geral, com os autores nacionais, que um dos problemas que nós temos é esse. Outro problema é o preconceito do leitor brasileiro em relação ao autor nacional. Uma coisa que ouço com frequência são pessoas que leram meu li­ vro e dizem: “nossa, adorei seu livro, nem parece que é de um escritor brasileiro”. Porque a gente tem essa coisa de beber muito do internacional, de modo que nacionalmente não seria possível fazer um livro que seja entretenimento e tenha qualidade literária. Enquanto na Europa e nos Estados Unidos, entretenimento e qualidade não são coisas dissociadas, no Brasil, infelizmente, se você vende muito bem e dá muito certo é porque o seu livro não é bom. A academia não enxerga com bons olhos. Ao mesmo tempo, se você faz uma coisa com qualidade, você não vende nada porque o livro é tido como chato. Eu acho essa divisão boba. É perfeitamente possível fazer bons livros, divertidos e ainda assim com qualidade literária. - Como você avalia a literatura policial brasileira? A literatura policial brasileira, infelizmente, é também muito incipiente ainda. Nós temos poucas manifestações de autores com uma produção recorrente de literatura policial, que é o que forma uma efetiva literatura policial, uma identidade. Ao longo dos anos, alguns autores se dedicaram ao gênero, como Luiz Lopes Coelho, e hoje em dia tem mais gente se dedicando. Nós temos Luiz Alfredo Garcia Roza e Tony Bellotto, bem como alguns outros autores que flertam com a literatura do crime - como Rubem Fonseca, Patrícia Melo, Jô Soares e eu mesmo que sou escritor policial. O que

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eu acho que é preciso é que apareçam novos autores. Eles existem, eu tenho contato com varias pessoas que escrevem e não estão publicados ou estão por editoras pequenas. É preciso que as editoras grandes se interessem. Seria interessante que houvesse um incentivo a esse gênero que no exterior é tão popular e aqui não. - Como você gostaria de se definir no cenário da literatura policial? Cada vez menos eu sou tido como um escritor policial, mas pra evitar discussões eu ando dizendo que sou um autor de literatura de crime. Acontecem crimes e mortes nas minhas histórias. Não necessariamente o interesse está em desvendar quem é o assassino. Meu interesse é pela psicologia dos persona­ gens, o que leva alguém a cometer um crime. São causas e consequências de um crime, não exatamente a identidade do assassino ou a investigação policial. Eu quero ser tido como uma pessoa que escreve bons livros, independentemente de serem policiais ou não. Gosto muito de ser lido, receber retorno dos leitores, emocionar as pessoas, ou deixá-las com medo, ou tensas. Fico muito feliz quando recebo reconhecimento de acadêmicos, escritores conhecidos, reconhecimento pelo cuidado que eu tenho ao trabalhar a linguagem do texto, pensar na forma como a história vai ser contada. Desde que me conheçam como um bom escritor, já me dou por satisfeito, porque já é bem difícil. - Como foi recepcionado pelo público cada um dos seus dois livros? O Suicidas não teve esse furor todo que o Dias Perfeitos está tendo, mas foi um 24

livro que deu certo, para os padrões de autor nacional publicando o seu primeiro romance. Esgotou a primeira edição, foi reimpresso. É um livro que deu certo e foi muito bem falado. Então quando o segundo saiu, havia uma pressão de fazer um livro melhor que o anterior. Confesso que não me rendo a esse tipo de coisa, e acredito que cada livro é um livro. É ine­vitável a comparação entre os dois li­ vros e leitores dos dois lados, leitores que preferem o Suicidas e leitores que prefe­ rem o Dias Perfeitos. Ao meu ver isso, é ótimo, é sinal de que são dois livros dife­ rentes. Queria fazer livros que fossem bastante diferentes um do outro, já que foi um cuidado meu para não me repetir nas minhas histórias.


- Como é o seu processo criativo? Eu fico com os personagens na cabeça por um bom tempo. Por exemplo, quando eu estava terminando de escrever Dias Perfeitos eu já tinha a história desse próximo que estou escrevendo. Eu acabo convivendo com o personagem na minha cabeça e pensando nele, em como ele reage e pensa, do que gosta ou não gosta, quais manias ele tem. Eu meio que convivo mentalmente com os personagens e vou fazendo anotações bem avulsas sem qualquer método maior. Quando eu efetivamente sento para escrever o livro, que é o momento em que estou agora para o próximo romance, aí sim faço uma espécie de roteiro com o que vai acontecer. Também escrevo uma pequena divisão de capítulos, uma lista do que vai acontecer em cada capítulo ou qual sua função, de duas linhas no máxi­ mo. Feito isso, eu escrevo. Meu processo de escrita é bem lento, releio muito, tenho muita preocupação com repetição de palavras, com frases mal formuladas, palavras dúbias. - Quais são seus planos para os próximos livros? Eu sempre começo a escrever dois li­ vros, aí vejo qual deles engrena e é o livro

seguinte que eu publico. Ou seja, junto com Dias Perfeitos eu estava escrevendo um livro e, ao longo de Dias Perfeitos, eu tive ideias pra outro livro. Agora estou escrevendo o que eu abandonei e a nova ideia. Não sei qual delas é a que vai vin­ gar e vou acabar por fazer, mas são livros bem diferentes dos anteriores. Um deles traz o primeiro personagem fixo meu, um personagem que vai aparecer em outros livros. Todos seguem pela linha de suspense e crime. Mas, mesmo fazendo uma série com o mesmo personagem, pretendo continuar escrevendo romances independentes. Acho essa liberdade importante, me canso um pouco dos personagens quando escrevo. Quando acabei Dias Perfeitos, não aguentava mais falar do Téo e da Clarice. - Você tem planos para os dois livros já publicados? Eles vão virar filme. Vou começar a trabalhar no roteiro do Suicidas no segundo semestre, com o diretor do filme, e o Dias Perfeitos ainda está numa fase mais embrionária em relação ao cinema. O Dias Perfeitos vai atingir um público estrangeiro, vai ser levado pra 8 países. Mas não pretendo escrever continuações ou fazer alguma versão em quadrinhos.

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#internacional

Eu tomo pílula “Eu tomo pílula”. Eu não deveria ter receio de pronunciar essas três palavras, mas há interpretações demais relacionadas a medidas de controle de natalidade. Eu me preocupo com a opinião das pessoas, que podem me achar promíscuas, apesar de ser virgem. Eu tenho medo dos julgamentos que fazem quanto à minha vida sexual, quando penso que tomo remédio desde que tenho 16 anos, porque a minha menstruação não funcionava como a das minhas amigas com a mesma idade. Ainda assim, a cada vez que eu penso na minha situação, mais eu sinto esse mal-estar, que é plenamente justificado, se considerarmos os julgamentos que mulheres como eu recebem todos os dias. 26

Por Emily Stetson

No primeiro dia de julho, eu e uma amiga fomos a um espetáculo circense em Brockton, Massachusetts. A apresentadora era linda, magnificamente vestida com um short branco, sutiã e um casaquinho. Em um momento do show, um palhaço apareceu e fingiu que tiraria a roupa, mas a apresentadora o repreendeu por agir de maneira inapropriada em um espetáculo livre para todos os públicos. É claro, era tudo parte do show, mas me fez pensar: por que não há nada errado com o corpo feminino hipersexua­ lizado, mas retratar o corpo masculino e seu sexo é um problema? Não me leve a mal, eu não vejo nada de errado em mulheres que se orgu­ lham de sua sexualidade, que são sexy.


Apesar disso, a mídia estadunidense não parece concordar. De acordo com a atriz Kat Dennings, a Motion Picture Association of America acha “ok” retratar o prazer masculino na tela sob um nível menos restrito do que o de uma mu­lher. Entre o picadeiro e o cinema, parece haver uma atitude contraditória quanto à sexualidade feminina, em que as mulheres ora tem de encarar a objetificação, ora tem sua liberdade sexual restrita. Enquanto a mídia nos representa como seres sexuais que devem oferecer o prazer aos homens, as mulheres arcam com as consequências. Recentemente, essa ameaça aos direitos da mulher e à autonomia sobre seus corpos aumentou consideravelmente. Um dia antes da minha ida ao circo, a Suprema Corte dos Estados Unidos tomou sua decisão quanto ao caso Burwell v. Hobby Lobby, e permitiu que as empresas neguem alguns tipos de contraceptivos às funcionárias, de acordo com suas crenças religiosas. Tomando como base a ideia de que a vida começa na concepção, a Suprema Corte, por uma pequena margem, permite que as corporações recusem quatro tipos de medidas para controle de natalidade, incluindo os chamados contraceptivos de emergência e dispositivos intrauterinos. Uma das insinuações de que havia algo errado com essa decisão era que as três mu­ lheres na Suprema Corte votaram contra o Hobby Lobby e outras corporações, bem como um outro homem. A maioria, cinco dos nove juízes, era homem. Talvez nós não possamos determinar de quem é a culpa da atitude ne­ gativa quanto aos contraceptivos. O termo “controle de natalidade” pode

iludir algumas pessoas. Mulheres podem utilizar diferentes recursos do tipo para motivações que não o sexo. Por exemplo, algumas pílulas costumam ser receitadas para regular a menstruação, combater alguns sintomas da TPM, tratar acne e até mesmo proteger contra o câncer de ovário. Graças a essa interpretação errônea, a confusão quanto a esses métodos leva a entendê-los como apenas uma forma de impedir a gravidez. E aí biologia e preceitos religiosos entram em conflito. Com todo o respeito a crenças religiosas e morais, a vida não necessariamente começa logo após uma relação sexual. De acordo com a Planned Parenthood, “pode levar até seis dias para que o esperma encontre o óvulo após o ato”. Enquanto isso, ainda há “pílulas abortivas”, mas a chamada pílula do dia seguinte é frequentemente classificada como um tipo de aborto. Esse último medicamento, cujo nome remete ao uso imediatamente após sexo desprotegido, funciona até cinco dias depois do ato sexual. As medicações podem não 27


impedir o espermatozoide de fertilizar o óvulo, mas retarda a liberação do óvulo para que a fertilização nunca ocorra. O mesmo ocorre com os dispositivos intrauterinos (DIUs): o óvulo nunca deixa os ovários. Diferentemente dos contraceptivos de emergência, o DIU dura até 12 anos, e é um tipo de contraceptivo “a longo prazo”. É claro, a Suprema Corte não conse­ gue impedir que as mulheres obtenham tais recursos. Apesar disso, as finanças podem. Pílulas a serem tomadas todos os dias podem custar de 15 a 50 dólares, e contraceptivos emergenciais chegam a $65, e o DIU pode alcançar mil dólares. Essa nova decisão permite que uma pessoa, o CEO, recuse-se a oferecer um apoio a tais medidas para suas funcionárias, que podem não mais ter acesso ao controle de natalidade. No noticiário da CBS, uma enquete confirmou que a maioria dos eleitores concorda que organizações 28

não-lucrativas possam negar tal apoio, mas discorda que corporações e organizações não-religiosas possa optar por isso e, consequentemente, impor suas crenças religiosas. No fim das contas, os Estados Unidos distanciam-se mais uma vez dos direi­ tos das mulheres. Graças às novas decisões, o chefe de uma mulher tem o direito de interferir em questões relacionadas à saúde dela, baseado em seus próprios credos. Homens ainda encontram apoio para tratar a disfunção erétil através de medicações como o Viagra e para procedimentos como a vasectomia, mas as mulheres não tem um direito semelhante. Às mulheres, são reservados inúmeros obstáculos na ora de obter contraceptivos, independentemente de suas motivações e o contexto de sua necessidade. Agora, nós perdemos mesmo o controle sobre nossos corpos.


#opinião

Os ninguéns da Palestina Por Priscila Bellini

Trinta bombardeios a Gaza Em uma noite, trinta bombardeios Dois palestinos mortos Dois palestinos encontrados mortos Mais um palestino morto Corpo de palestino encontrado em Jerusalém Mais um palestino morto pelo exército israelense São 105 mortos pelos ataques israelen­ ses a Gaza Difícil especificar o dia em que fechamos os olhos para Gaza - e, mais do que isso, para a Palestina. Confortavelmente, sentados no sofá da sala, fica fácil saber o porquê de um constante apagamento dos palestinos em nossas memórias, em nossos discursos e em nossos noticiários. No caso das dezenas de civis mortos desde o dia 8, o espetáculo é montado aos poucos: uma palavra ali sobre o Hamas e a caracterização do massacre aos palestinos como uma “reação” à morte de três jovens israelenses. É preciso ressaltar que, no espaço de uma reportagem, uma matéria, uma nota no horário nobre do jornal, o que é oferecido ao telespectador (ou ao leitor) não passa de recorte. O que aparece na mídia assume contornos que favorecem um ponto de vista - e, portanto, contrariam a ideia de uma imprensa imparcial. Se levarmos em conta a mídia dita “grande”, (entre muitas aspas), qualquer um que esteja em Gaza torna-se sinônimo de Hamas. Nesse mesmo espetáculo,

vêm à mente associações que as produções hollywoodianas já nos davam de bandeja a cada filme: o árabe malvado, o selvagem a ser civilizado, o vilão irremediável de nariz avantajado e sotaque forte. Acontece que, se olharmos atenta­ mente à situação, enxergaremos o quadro em que, de um “lado”, na Faixa de Gaza, o número de mortos ultrapassa a centena (são 105, de acordo com o Washington Post, até o dia 11). Lembremos que Gaza não tem poderio militar, não tem poderio naval, tampouco força aérea, e é a região do mundo com maior densidade populacional. São 1,5 milhão de pessoas que se espremem nesse fragmento de território, sem um mínimo de dignidade, nem serviços básicos (incluo aí água, esgoto, acesso a alimentos e outros tantos fatores essenciais). Essa mesma população, ao ser atacada pelas forças armadas is­raelenses na última ofensiva, recebe apenas um “aviso”: um míssil falso atirado em seus telhados. E, logo depois de 58 segundos, esses civis são atacados pelos “mísseis verdadeiros” - sem tempo para salvar a si mesmos ou a própria família. E nós fechamos os olhos a isso, mas os arregalamos na hora em que o âncora classifica os ataques como “reação” ao Hamas. O que escapa às lentes e ao discurso é que tais vítimas não são números, muito menos o correspondente em carne e osso ao estereótipo que construímos sobre elas. São pessoas assassinadas em 29


ataques covardes, vítimas de um genocídio. Assim, com todas as letras. São pessoas que tinham rosto, nome e família. Cada um deles teve um passado, teve amigos, relações que construiu ao longo da vida (aliás, não vamos mencionar as crianças e bebês mortos em pelo menos 700 ataques?). Cada um tinha um apelido, cada um deles tinha metas. Cada um deles tinha uma vida - que parece

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valer menos do que a de outras pessoas. Afinal, eles de fato importam para os grandes conglomerados de mídia? Os palestinos são “ninguéns”. “Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata”, como descreveu Galeano. (Quando vamos nos debruçar sobre a situação da Palestina e perceber que há um massacre - de pessoas, não de “ninguéns” - acontecendo agora?)


#prosa&poesia

Andarei NUA na RUA exibindo nuances curvas peitos pêlos direitos gordura alma e liberdade! Estarei em peito aberto sem exibição tem mais a ver com projeção... daquilo que já é meu e levo onde quiser como quiser. Aos que querem me invadir me mutilar lhes peço sem qualquer delicadeza que invadam seu próprio espaço sujo áspero carregado de pretensões grotescas e me deixem com minhas vergonhas tapadas ou não que carregam minha alma livre e não permitem qualquer invasão.

Marina Barbosa é estudante de Ciências Sociais da FESPSP. 31


#fotocontexto

ImpressĂľes sobre a Palestina Priscila Bellini ĂŠ estudante de Jornalismo da PUC-SP.


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contexto

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