contexto 8ª edição
agosto 2014
Direito à cidade 1
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Índice #editorial
p.4
#ilustra
p.5
#Brasil Vergonhoso, caro e excludente FLM – Edifício Elisa
p.8 p.13
#internacional Hafradá, a “separação” palestina
p.17
A revolução digna
p.21
Hamas: tudo sobre ou o pouco que sei
p.24
#opinião Negligência e descaso: os absurdos das obras de mobilidade urbana em BH
p.33
#prosa&poesia
p.35
#fotocontexto
p.36
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#editorial
Diagnósticos necessários
A
s eleições se aproximam e, no Brasil, é mais do que necessário avaliar o que faz e fará parte de nosso projeto político para o país. Nessa avaliação, cabem aspectos do Brasil a serem amplamente criticados e, é claro, a análise das propostas de melhorias. Nesta edição da Revista Contexto, você encontra reflexões sobre a questão palestina e mais detalhes sobre o Hamas, e encontra um pouco do descontentamento de uma jovem síria quanto ao silêncio da comunidade internacional frente a um conflito que se estende há três anos. Você ainda confere matérias sobre mobilidade urbana e a questão da moradia e o diagnóstico de muitos problemas que devem pautar as eleições de outubro. Na seção de poesia, Farah Chamma, palestina que vive nos Emirados Árabes, dá uma amostra de seu talento e da construção da própria identidade. Nas ilustrações, destaque para o trabalho de Carol Rossetti e sua abordagem feminista. Novamente, agradecemos o apoio da equipe que desenvolveu, este mês, tantas matérias jornalísticas e artigos. Neste último mês, a Revista Contexto contou com debates sobre os direitos reprodutivos e o aborto com a participação de Jarid Arraes, bem como uma conversa sobre a Palestina e a mais recente operação, com partipação de membros da FFIPP-Brasil. Outros agradecimentos incluem a Qatar Foundation International e seu apoio ao projeto da revista desde o início.
Priscila Bellini Editora-Chefe
Seja bem-vindo à Contexto! Welcome! Ahlan wa sahlan! 4
Expediente Editora-Chefe
Priscila Bellini Jornalistas
Abeedah Diab Dafne Braga Isabelle Rumin James A. Matheus Moreira Raphael Lagnado Poesia
Farah Chamma Ilustração
Carol Rossetti Design
Fernanda Tottero Fotografia
Larah Camargo Tradução
Priscila Bellini João Victor Pereira
#ilustra
Carol Rossetti ĂŠ uma ilustradora mineira e feminista.
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#Brasil
Anonymous Brasil
Vergonhoso, caro e excludente O transporte de São Paulo levou às grandes manifestações de insatisfação popular em junho de 2013, mas o tema continua sendo tratado como um problema das grandes cidades e não como um direito dos cidadãos Por Isabelle Rumin
A Mobilidade é a chave da sociabilização dos habitantes em uma cidade. Ela propicia o acesso a seus mais importantes recursos como a educação, sustento, saúde e cultura. Assim, o direito à cidade é um dos direitos maiores das sociedades modernas, e isso vai além dos transportes. Permitir que pessoas sejam excluídas da mobilidade urbana é negálas do seu direito à cidade. Os problemas de transporte em São Paulo começam quando a maioria de sua população precisa enfrentar grandes distâncias para ter acesso aos postos de trabalho, serviços públicos, locais de educação ou de cultura. Transporte não é um fim em si, é um meio. Durante anos o poder público e a especulação imobiliária estimulou a produção de
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movimentos pendulares na cidade, com a criação de conjuntos habitacionais para a população de baixa renda nas periferias. Enquanto isso permane cer, continuaremos nossos horários de pico com ônibus, metrô e trens lotados, com a população tendo que gastar em média duas horas para se locomover de suas casas ao trabalho, à escola e de volta à residência. A ineficiência desse setor faz com que grande parte da popu lação opte pelo transporte privado, que oferece maior conforto e segurança. São Paulo privilegia a fluidez dos veículos particulares. Eles paralisam a cidade, são responsáveis por 70% da polui ção do ar, atropelam e matam 2 pessoas por dia e geram um custo social enorme. Segundo o Denatran, São Paulo possui
mais de 5 milhões carros desde junho, que em sua maioria carregam apenas uma ou duas pessoas dentro deles. Um ônibus transporta 10 vezes mais pessoas. Falta democratização do uso do espaço viário, que é limitado. Houve muito investimento na construção de pontes e avenidas e viadutos que, muitas vezes, não permitem sequer a passagem de pedestres, de ciclistas ou mesmo de ônibus, e muito pouco em transporte público. O investimento do governo estadual em trens e metrôs para as periferias também é pequeno. Nos projetos de linhas de trens até 2020, a Zona Oeste é privilegiada. Os beneficiários da futura Linha 6 (Laranja), por exemplo, não serão os habitantes dos bairros mais vulneráveis socioeconomicamente, mas segmentos menos sujeitos à exclusão, já com uma boa infraestrutura de transporte coletivo. Já na Zona Leste, só há o feixe de linhas (Metrô e CPTM) que corre em paralelo à Radial. Todo o restante da Zona Leste não tem atendimento de transporte de massa e é atendido apenas por ônibus, sendo que essa região possui mais de 4 milhões de habitantes. É mais gente do que o Uruguai inteiro. O transporte coletivo no Brasil é operado em regime de demanda reprimida. A futura Linha Prata (Linha 15), que ligará os distritos de Vila Prudente e Cidade Tiradentes, já vai nas cer saturada, isso porque o monotrilho tem capacidade de transporte bastante inferior ao metrô. A Linha 3 (Vermelha) atendia mais de 1 milhão de pessoas por dia em 2012, segundo o Sindicato dos metroviários. E é também a mais afetada pelas panes do sistema, que têm aumentado nos últimos anos. Estatísticas do Metrô divulgadas também pelos Metroviários mostram que 2009 teve uma pane grave, que leva mais
de 6 minutos para ser resolvida, a cada 6 dias, nesse ano, são uma a cada três. Na CPTM ocorre 1 falha grave a cada 10 dias. Alguns motivos explicam o aumento das ocorrências, crescimento da rede, desgaste dos trens e aumento da demanda que causa superlotação e aumento o risco de acidentes, como quedas na via. Esse tipo de acidente poderia ser prevenido com portas de plataforma, como as que existem na estação Vila Matilde e que, até hoje, depois de 4 anos, não funcionam. Se as portas de plataforma tivessem instaladas em todo o sistema, tragédias como a de Maria da Conceição de Oliveira, que foi empurrada na estação Sé e foi atropelada por um trem teriam sido evitadas.
Corrupção no Metrô coloca usuário em perigo O Ministério Público pediu ao Metrô uma cópia da licitação, do contrato de reforma e um relatório de problemas técnicos sofridos pelos trens da frota K de 2012 até agora. Em fevereiro, o trem K07 abriu as portas em movimento, o que o fez ficar parado na Estação Sé em pleno horário de pico. Passageiros nas composições que ficaram paradas durante até 30 minutos, sem ar condicionado, acionaram botões de emergência para sair dos vagões superlotados num dos dias mais quentes da cidade. As pessoas andaram nas vias, o que obrigou o Metrô a desenergizá-las. Seguranças agrediram usuários, houve revolta e depredação na plataforma, muitas pessoas passaram mal e foram socorridas pelos bombeiros. No dia seguinte, o governador Geraldo Alckmin chamou os usuários do Metrô de “vândalos”. E disse que o tumulto foi causado não por pessoas que estão cansadas da precariedade do transporte 9
Jornal GGN
público que suga seu dinheiro com ta rifas, mas por “alguns exaltados” que gritavam “palavras de ordem para que as pessoas pulassem na linha”. O trem K07 é o mesmo que descarrilou em agosto do ano passado na Estação Palmeiras Barra Funda. Funcionários avaliaram que houve risco de tombamento dos vagões. Mas a companhia escondeu a causa do acidente. Como primeiro descarrilamento da história da companhia, os trabalhadores e usuários têm o direito de conhecer os riscos a que estão sujeitos diariamente nos trens, vias e estações do sistema, e as causas do acidente e seus responsáveis. A frota K, com apenas 7 trens, somou 696 falhas num período de 30 dias. Sendo mais de 300 somente no K07. “A cada dia que passa aumenta o número de acidentes e panes no Metrô. Em vez de comprar trens novos, a empresa preferiu reformá-los. Gastou-se muito com a reforma. Inclusive, se fossem comprados 10
trens novos, a despesa seria menor”, disse à Contexto Rogério Malaquias, Assessor do Sindicato dos Metroviários de São Paulo. Denúncias de desvios de dinheiro no Metrô começaram a ser reveladas no ano passado. Ele seria feito em duas formas. Através da combinação de preço entre as empresas “concorrentes” nas disputas das licitações do governo, superfaturando os contratos, e por meio da terceirização de serviços públicos. As fraudes teriam acontecido durante os governos de Mario Covas, José Serra e Geraldo Alckmin, em São Paulo, nos anos 1990 e 2000. O MP solicitou a suspensão da reforma de 98 trens do metrô.
Prefeitura pressiona transporte individual mas ainda erra com seccionamento de linhas A prefeitura deu um passo ao seguir pelo caminho que prioriza o transporte
coletivo na cidade. Com a meta de aumentar a velocidade média dos ônibus em horários de pico de 14 km/h para 25 km/h, a prefeitura pretende implantar 150 km de corredores de ônibus, 150 km de faixas exclusivas e mais 400 km de ciclovias, que substituirão principalmente as vagas de estacionamento nas ruas e avenidas para os veículos particulares. Logo após o aumento da tarifa ser barrado pelas manifestações, a prefeitura realizou uma “racionalização” nas linhas de ônibus, com o seccionamento e a extinção de várias delas, no intuito de deixar o sistema mais eficiente e mais lógico. Contudo, um estudo do grupo APÉ - Estudos em Mobilidade mostra como o seccionamento de linhas tem causado transtornos, especialmente nas bordas da cidade. Os moradores do chamado “Fundão” da estrada do M’Boi Mirim, por exemplo, tinham antes linhas diretas, que partiam dos bairros até o centro ou até terminais importantes, mas agora os usuários são obrigados a tomar ônibus até o já saturado terminal Jardim Ângela, e então em direção ao centro ou à rede metroferroviária. A intenção é construir um sistema tronco-alimentador. Esse tipo de sistema gera a obrigatoriedade da realização de baldeações. Para que ele seja eficiente e traga benefícios à população é necessária toda uma infraestrutura de corredores, pontos de embarque, terminais e outros elementos. O ônus da baldeação imposta por um sistema tronco-alimentador deve corresponder à vantagem de que a baldeação seja rá pida, segura e confortável. Ao impor um custo maior de tempo e de desconforto aos passageiros, a baldeação desencoraja as pessoas a utilizar o transporte público. A implantação desse sistema
visando exclusivamente maior veloci dade e otimização dos ônibus, sob a ótica da operação e não do usuário, fragiliza e precariza ainda mais a região periférica. A crítica não é ao sistema tronco alimentador, ou ao corte de linhas em si, mas à lógica da racionalização para o operador, sempre motivada por uma questão de diminuição de custos, e não para o usuário que é quem deve, ou deveria, ser o foco de todo planejamento e ope ração de transporte público. A criação de um sistema que privilegia o usuário e não o operador é o motivo da luta de inúmeros movimentos sociais que bata lham por um transporte melhor, que sirva as pessoas e que não seja uma forma de exclusão. Entre 2011 e 2012, empresas de ônibus de São Paulo aumentaram seu lucro líquido em até 2.056%. Segundo a SPTrans, a margem de lucro das empresas do setor é de cerca de R$ 400 mi lhões por ano, um terço superior à média nacional. Os valores foram comparados com dados da NTU (Associação Nacional de Transporte Urbano), que reúne 538 companhias do país. Isso enquanto 7,5 milhões de pessoas em todo o país não têm acesso ou têm dificuldades para usar os serviços de transporte coletivo por falta de dinheiro. Dados colhidos pelo Ipea entre 2003 e 2009 em 11 regiões metropolitanas do país mostrou que o uso do transporte público compromete 13,5% da renda dos 10% mais pobres no Brasil. Faltam dados que mostrem a exclusão resultante da tarifa em São Paulo. O transporte público deve ser enca rado como um item de política social. Num primeiro momento, pode causar rejeição a ideia de que o governo subsidie os transportes. Quando perguntados pela Contexto, uma absoluta maioria dos 11
usuários (93%) gostaria que o transporte coletivo fosse gratuito. Se mudamos a pergunta e questionamos se são a favor da Tarifa Zero, a maior bandeira de mo vimentos como o MPL, o número se reduz para 79%. É um número grande, mas demonstra que a proposta ainda não foi compreendida pela população. “O MPL entende que todos os proble mas do transporte, e da mobilidade urbana como um todo, derivam do fato do transporte ser uma mercadoria. A superlotação, o corte de linhas, o privilégio ao transporte individual e a ausência de transporte público à noite, tudo vem da lógica que só quer mais lucro”. Em entrevista à Contexto, a integrante do MPL Monique Clio respondeu o que é a Tarifa Zero e porque ele seria a forma mais justa para os usuários. “A Tarifa Zero é a gratui dade do transporte coletivo para todos os usuários. Só assim o transporte vai ser efetivamente público, sem excluir quem não pode pra pagar a tarifa e promoven do uma transformação do transporte mercadoria, mostrando pra população que o transporte é delas e que são elas que devem mandar nele”. A tarifa atual de transporte já é subsidiada pelo poder público. O orçamento do governo se dá principalmente pelos impostos pagos pela população. Quando o poder público realiza obras que privilegiam o transporte individual, a popu lação mais pobre está pagando duas vezes. Quando os usuários do transporte coletivo pagam a tarifa, estão pagando pelo mesmo serviço, que é péssimo, duas vezes, direta e indiretamente. A ta rifa zero não é transporte grátis, é uma mudança na forma de pagamento, aprofundando um método de cobrança que já é utilizado, a cobrança indireta.
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Estamos acostumados a pagar pelo transporte, mas ele é um serviço público. Assim como a educação e a coleta de lixo. Um direito fundamental, que assegura o direito a outros direitos. Alguém pode imaginar que o contribuinte pagando por cada vez que se retira o lixo das ruas? Claro que não.
Como a Tarifa Zero seria sustentada pelo governo A ideia é que Tarifa Zero seja bancada por um fundo de transportes, que seria financiado por impostos cobrados progressivamente, pelo IPTU. Essa forma transforma o atual “paga quem usa”, para o “paga quem se beneficia”. Pois os grandes empreendimentos se beneficiam do transporte público que seus trabalhadores utilizam muito mais do que os próprios trabalhadores. A Tarifa Zero ainda contribuiria para a redução do trânsito, da poluição, dos gastos com infraestrutura em vias e no setor de saúde e numa melhor convivência social. Além disso, ao fazer com que milhões de cidadãos tenham acesso aos serviços essenciais, são criadas oportunidades reais de prosperidade que podem extrapolar inclusive programas sociais, gerando um crescimento econômico e desenvolvimento social que também beneficia a todos. Hoje em dia essa conta está sendo paga pelo mais pobre. Isso é uma decisão política. Beneficia uns e prejudica outros. É possível mudar esse modelo. Esta cidade é feita de pessoas, são elas que a criam, a movimentam cultural e economicamente e fazem de São Paulo o que ela é. A mobilidade urbana precisa ser entendida como parte fundamental da cidade e finalmente voltada para elas.
FLM – Edifício Elisa O ano começou bastante agitado, com protestos que iam desde os gastos abusivos da copa do mundo até a luta por moradia, esta última já contabiliza 30 dias de protestos orquestrados somente pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto. A luta por moradia digna e acessível, não é de hoje e vem se intensificando. Somente na cidade de São Paulo, exis tem diversos grupos que lutam por este direito, entre eles, a Frente de Luta por Moradia (FLM). Em 2003 a Frente ocupou simultaneamente três prédios de São Paulo, dando início as atividades que visam articular os movimentos de habitação da cidade em uma frente única de luta pelo direito à habitação. É nos mutirões de autogestão que o FLM vê o caminho para garantir a famílias com renda igual ou inferior a 3 salários mínimos, casa e serviços básicos como saneamento e eletricidade.
Por Matheus Moreira
As primeiras experiências brasileiras com os mutirões de autogestão aconteceram na administração de Mário Covas entre 1983 e 1985. Durante seu mandato, o governo oferecia terra e materiais de construção para que as famílias construíssem suas próprias casas. A iniciativa teve continuidade na administração de Jânio Quadros (1986-1989) e se consolidou com eleição de Luiza Erundina que, atualmente, é Deputada Federal pelo Estado de São Paulo. Nos anos em que esteve à frente da cidade (1986-1993), Erundina conseguiu fazer dos mutirões, política pública e, assim, até 2010, mais de 10.500 unidades de habitação foram criadas e construídas pelos mutirões de autogestão, segundo site oficial da FLM. Uma das ocupações da FLM é a Unidade Edifício Elisa, na Teodoro Sampaio (zona oeste), em frente ao metro Faria lima. A ocupação do Edifico Elisa
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(um dos primeiros prédios da região), tem como líder desde 2010 a belenense Maria Arlete de Almeida. O edifício tem quinze 15 salas e 34 apartamentos divididos em sete andares. Atualmente, vivem no Elisa 125 pessoas. Arlete se diz bastante contente em ver o prédio sempre cheio: “É uma comunidade né? Aqui na minha casa moram 15 pessoas”. A ocupação é administrada pela Associação de Movimento Moradia Digna (AMMD), criada pela própria Arlete; esta é uma das várias associações que integram a Frente de Luta por Moradia (FLM). Quando ocupado em 2010, o edifício Elisa já estava abandonado há oito anos. Após algum tempo afastada de movimentos de luta por moradia, Arlete voltou á ativa ao assumir de vez a liderança da ocupação do edifício Elisa. Entretanto, uma construtora “apareceu e disse que era dona do prédio”. A líder desconfiou e buscou nos cartórios registros que comprovassem a veracidade dos documentos apresentados pela construtora. Sobre o assunto, a líder é contundente: “Que a assinatura dessa construtora é falsa, isso eu tenho certeza absoluta! E toda vez que vem um jornal aqui só não sai essa palavra que eu falo: falsa”. Arlete diz saber quando começou o problema com a construtora; Segundo ela, foi quando seu parceiro de lide rança, denominado por ela apenas como “Adão”, decidiu cobrar aluguel pelo espaço do prédio. A belenense, que não concordava com a ideia, deixou o prédio e se mudou para São Roque (se afastando dos movimentos de luta por moradia). Adão a procurou posteriormente em busca de ajuda para retirar as famílias do prédio, pois, de acordo com ela, ele havia 14
vendido o edifício para uma construtora (a mesma que alega ter comprado o prédio do primeiro proprietário, já falecido). A ocupação edifício Elisa tem uma ordem de despejo marcada para outubro deste ano e a AMMD, junto com a FLM, tentará superar esta que é a quarta ordem de despejo e, assim, conseguir nova liminar para o mantenimento da ocupação até que todas as famílias desta unidade sejam registradas pela prefeitura e contempladas por programas habitacionais governamentais. Não obstante, a líder ainda diz que esteve com o prefeito Haddad em audiência no dia 21 de julho deste ano para discutir a melhor forma de garantir as famílias os seus direitos. Disse, ainda, não temer a nova ordem de despejo e que levará a justiça os documentos que afirma ter e que comprovariam a falsificação da assinatura no documento apresentado pela construtora.
Especulação imobiliária – Outorga onerosa do direito de construir e infraestruturação urbana. A luta de movimentos habitacionais, entre eles o MTST, contra a especulação imobiliária se dá, pois, o capital privado investido em prédios em altura não contribui para a melhora infraestrutural da região na qual o empreendimento esta sendo feito; Entretanto, estes empreendimentos são beneficiados pelas obras publicas de infraestrutura urbanística que visam melhorar as condições de acessibilidade e incrementar a qualidade de vida na região. Este beneficio é notado na supervalorização dos imóveis e, portanto, no lucro das construtoras; porém,
este lucro se pauta em ações governamentais, nas quais as construtoras não investiram seu capital. O governo vem buscando soluções para diminuir o ônus do investimento em infraestrutura, visto que a especulação e a supervalorização de algumas regiões geram o aumento do aluguel e custo de vide e, portanto, a migração das famílias de menor renda para as grandes periferias, culminando na subutilização dos investimentos públicos; entre essas medidas está a outorga onerosa do direito de construir, que visa recuperar parte do dinheiro gasto na revitalização e estruturação da região no qual se encontram os empreendimentos. A outorga onerosa do direito de cons truir constitui, basicamente, na contrapartida financeira da construtora para o governo (municipal) e, assim, a concessão governamental para que o
empreendimento utilize uma área maior que a estipulada pelo coeficiente de aproveitamento básico, que é de 1 para 1. O que significa, na pratica, que o proprietário pode construir em uma área maior do que a de seu lote, contanto que pague a outorga ao município. O problema da especulação imobiliária é que mesmo o dinheiro da outorga onerosa não pode ser utilizado pelo governo para obras de infraestrutura, mantendo assim a supervalorização das regiões onde agiram projetos de verticalização e infraestruturação e, em contrapartida, desvalorizando as regiões periféricas de maior densidade demográfica (o que dificulta a verticalização). Segundo o art.31 do Estatuto da Cidade, que cita os incisos I a IX do art. 26 da mesma lei, os recursos obtidos com a outorga onerosa deverão ser aplicados nos seguintes casos:
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I – regularização fundiária; II – execução de programas e projetos habitacionais de interesse social; III – constituição de reserva fundiária; IV – ordenamento e direcionamento da expansão urbana; V – implantação de equipamentos urbanos e comunitários; VI – criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes;
O novo PDE e as ZEIS O novo Plano Diretor Estratégico (PDE), sancionado pelo prefeito da cidade de São Paulo Fernando Haddad em 31 e julho deste ano, faz São Paulo, segundo o próprio prefeito, entrar finalmente no século XXI. O novo plano diretor traz em entre suas diretrizes um projeto que visa regular o uso e ocupação de áreas próximas às regiões de centralidades por meio de políticas que priorizem o transporte coletivo ao individual, melhorando a mobilidade urbana. Além disso, o novo PDE representa um avanço na luta por moradia digna com a implantação de zonas especiais de interesse social (zeis) e do programa de locação social (que auxilia famílias no pagamento do aluguel) nas regiões centrais formadas pela priorização do transporte coletivo; desta forma, as famílias de menor renda estarão próximas ao transporte e, portanto, dos centros comerciais.
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As zonas especiais de interesse social são áreas do território municipal demarcadas por lei e destinadas a diversas finalidades, entre elas as reformas urbanas, regularização fundiária e os projetos de habitação de interesse social (HIS), este que destina-se a famílias com renda igual ou inferior a seis salários mínimos. Essas zonas especiais abrangem, segundo o decreto Nº 44.667, de 26 de abril de 2004: favelas, cortiços, habitações coletivas em situação precária, habitações irregulares ocupadas por moradores de baixa renda, construções em estado precário de conservação, lotes não edificados, loteamentos irregulares ocupados por moradores de baixa renda e solo urbano subutilizado. Afora estes dois itens, o PDE mudou também a politica de cobrança da outorga onerosa, de forma que o prédio que quiser ter mais garagens terá acrescentado o valor referente a esse aumento no pagamento da outorga, ou seja, para fazer mais garagens as construtoras terão de pagar. O plano diretor previa também que moradias de interesse social fossem construídas próximo ou no próprio terreno de novos empreendimentos; entretanto, segundo a urbanista Raquel Rolnik, em entrevista para o El País, isso foi bastante enfraquecido durante as negociações e esse enfraquecimento permite que por meio da outorga onerosa, as construtoras possam “pagar para não ter pobre no seu terreno”.
#internacional
Hafradá, a “separação” palestina
Por Raphael Lagnado
Dentre todas as polêmicas que compõem o debate em torno do conflito Israel-Palestina, acentuadas nas últimas semanas devido ao recrudescimento do conflito entre Israel e o governo do Hamas na Operação Limite Protetor, provavelmente uma das questões mais espinhosas se refere à acusação de que Israel exerceria um regime de “apartheid” em relação à população palestina nos Territórios Ocupados, e talvez até mesmo dentro de Israel – emulando o apartheid (do africâner, “separação”) original, imposto pela elite branca da África do Sul à população negra, mestiça e indiana. Partidários desta visão apontam para a
situação na Cisjordânia, de gritante discrepância entre a situação econômica das vilas palestinas nas áreas B e C (sob controle total ou parcial israelense) se comparadas aos assentamentos israelenses, protegidos pelo exército e subsidiados pelas políticas governamentais e empresas privadas de Israel; os check points no coração do território, que dificultam significativamente a liberdade de movimento; chegando ao extremo de existir estradas separadas para colonos israelenses e para a população palestina. Já críticos do uso do termo apartheid chamam atenção para as diferenças entre Israel e a África do Sul: cidadãos 17
palestino-israelenses (i.e. somente nos territórios de 1948), por exemplo, possuem igualdade nominal e direitos civis, existem palestinos servindo na IDF e membros do Knesset, o parlamento israelense, etc. Também há quem argumente que descrever a política de Israel como apartheid diminui e desrespeita a memória coletiva das vítimas do regime segregacionista. Apesar da negativa das autoridades israelenses, e de seus aliados no exterior, de que Israel praticaria uma forma de segregação entre sua população judaica-israelense e árabe-palestina, grande parte das políticas de Israel para a Cisjordânia e Jerusalém Oriental pode
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ser enquadrada dentro do escopo de um termo da língua hebraica – surgido, supreendentemente, do interior do establishment político e acadêmico israelense e promovido pelos formuladores de suas políticas de segurança –; a palavra hafradá, cuja tradução literal seria, assim como apartheid, “separação”, “divisão” ou “segregação”. Ativistas pela causa palestina, como o americano-israelense Jeff Halper, do Israeli Committee Against House Demolition (ICAHD), argumentam que hafradá, guardadas suas semelhanças significantes com apartheid, constituiria uma descrição mais aguçada da “visão e política de Israel para com os palestinos nos Territórios Ocupados”.
O termo hafradá começou a assumir seu caráter político-paradigmático e adentrar o uso corrente tanto dos meios oficiais quanto da população civil israelense a partir da década de 1990, com os trabalhos do professor da Universidade de Haifa Daniel “Dan” Schueftan, e com certas “políticas de segurança” adotadas pelo então primeiro-ministro Yitzhak Rabin, como a barreira que separa Israel da Faixa de Gaza. A palavra também apareceu em campanhas políticas, sempre carregada de uma conotação positiva, como na eleição de Ehud Barak para primeiro-ministro, em 1999, realizada sob o slogan “Nós aqui. Eles lá”. Na época, não estava explícito onde exatamente seriam “aqui” e “lá”. E em 2001 Ariel Sharon se elegeu prometendo prover “paz e segurança” fazendo uma “hafradá do comprimento e largura da terra”. No ano de 2002, a hafradá passou a ser associada à ideia, promovida por Sharon, de “desengajamento unilateral” (orig.: “Hafradá Chad Tzdadit”), da qual fazia parte a construção, iniciada neste mesmo ano, da barreira de separação (orig: “Geder HaHafradá”), que se estende em parte na Linha Verde que separa Israel dos Territórios Ocupados, em parte Cisjordânia adentro, mantendo do “lado de cá” grande blocos de assentamentos, como Gush Etzion e Ariel, e isolando cidades palestinas como Qalqilyah e Belém do “lado de lá”, e continua sendo construída até o momento. O nome original da iniciativa, “Plano de Separação”, foi trocado por “Plano de Desengajamento”, pois, como admitiu o próprio Sharon em sua biografia, “‘Separação’ soava mal, especialmente em inglês, pois evocava apartheid”. O plano de desengajamento de Sharon foi adotado oficialmente por Israel em
2005, e constituiu uma estratégia pragmática para o avanço e a normalização da ocupação na Cisjordânia. Foi e continua sendo executado unilateralmente, i.e. imposto sem o consentimento da Autoridade Palestina ou de sua população. Parte do plano incluiu, naturalmente, cessões; todos os assentamentos israelenses na desvalorizada Faixa de Gaza foram forçosamente demolidos, e seus nove mil colonos foram evacuados ou deixaram o território voluntariamente. Eleições foram convocadas para a Autoridade Palestina em 2006, resultando numa vitória apertada do islamista Hamas sobre o laico e moderado Fatah, vitória essa que não foi reconhecida por Israel, EUA, a União Europeia e a maioria do mundo ocidental, que se pôs a sancionar economicamente a Autoridade Palestina. Tensões entre ambas as facções acabaram explodindo com a Batalha da Faixa de Gaza em Julho de 2007, na qual o Hamas acabou por derrotar o Fatah em uma guerra civil de baixa escala, e estabeleceu controle total sobre o pequeno território. O Fatah, por sua vez, continuou a controlar a Área A da Cisjordânia. O resultado no longo prazo você confere em qualquer jornal ou site de notícias dos últimos dias. O doutor Schueftan, em uma entrevista ao The Jerusalem Report em 2005, após a adoção oficial do “Plano de Desengajamento”, afirmou que este constituía apenas o primeiro passo em um “processo histórico mais amplo”, e que a “característica subjacente” do desengajamento não é que ele trará paz, mas sim que impedirá o “terror perpétuo”. Qual é a importância do conceito de hafradá no contexto da Operação Limite Protetor? Pra começar, eu coloco minhas fichas que Israel não vai reocupar 19
militarmente a Faixa de Gaza, tendo ou não capacidade para isso. Além da divisão Hamas-Fatah ser benéfica pra execução do “Plano de Desengajamento”, o Hamas ainda garante alguma estabilidade ao território, contendo outros grupos mais radicais, como a Jihad Islâmica. Um retorno à situação pré-2005 seria extremamente custoso para Israel, exatamente o contrário do que pretende o “desengajamento”, i.e., manter uma ocupação estável e barata. Como parte do processo amplo e de longo prazo da hafradá, está previsto o estabelecimento de um Estado Palestino independente nas áreas mais densamente populosas (Ramallah, Belém, Jericó, Jenin, Nablus, parte de Hebron, etc.) – cabendo aqui perguntar, qual seria o grau real de independência de uma instância administrativa operando em
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território descontínuo (somente na área A da Cisjordânia), com uma autonomia imposta por Israel, ao invés de negociada, e economicamente dependente? Novamente, a semelhança com os bantustões sul-africanos é preocupante. O professor de Biologia Eitan Harel, da Universidade Hebraica de Jerusalém, disse ao Le Monde Diplomatique em 1996: “O sonho da Grande Israel foi substituído pela realidade de uma Israel menor. O que importa para as pessoas é viver melhor aqui, e se você lhes perguntar pelo que elas desejam e esperam, a resposta da maioria é: hafradá, separação”. Ao mesmo tempo em que a hafradá é a desistência de uma Grande Israel, representa, no entanto, também a consolidação da presença israelense na Cisjordânia – e, especula-se, o fim do paradigma da solução de “Dois Estados Para Dois Povos”.
A revolução digna Por Abeedah Diab
demotix.com
O ano de 2011 testemunhou a revolta contra o governo fascista e ditatorial na Síria. Esta luta sem medo para a liberdade provou ao mundo que, a qualquer custo, os sírios lutariam para obter a dignidade que mereciam como seres humanos. Mas esse custo tem sido desnecessariamente alto. E a falta de ação da comunidade internacional é o principal responsável. Os malefícios de apatia global para o sofrimento do povo sírio resultaram em graves consequências para a humanidade, que vão desde o deslocamento de 10 milhões de civis, até a morte de mais de 200.000 pessoas. As supostas razões atribuídas pela sociedade como um todo
para justificar o silêncio não são apenas superficiais, mas também desrespeitosas para aqueles que tomaram as ruas na esperança de alcançar as liberdades fundamentais que lhes foram prometidas pelo mundo (ou pelo menos, pela Organização das Nações Unidas). Em resposta a maus-tratos e tortura dos jovens estudantes que pintaram grafites anti-governo nas paredes de sua escola em Dara’a (uma cidade situada nos subúrbios de Damasco) inspirados na Primavera Árabe, protestos pacíficos floresceram em toda Síria, para exigir reformas imediatas. As reformas para garantir que não seria retirado do povo o direito à liberdade de expressão. As reformas para
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garantir que as pessoas não seriam oprimidas, mas sim respeitadas. As reformas para garantir que as pessoas teriam voz na Síria. Em vez de aderir aos fundamentos da democracia e dos direitos humanos universais (que o partido Ba’ath supostamente defendia desde o começo), Bashar Al-Assad começou uma repressão brutal sobre as rebeliões não-violentas. Estes atos desesperados para permanecer no poder rapidamente se transformaram em massacres, estupros, e outros tipos de torturas inimagináveis. Foi quando o povo sírio decidiu que eles ficariam paralisados pelo medo instaurado pelo regime de Assad. Assim, a digna revolução contra a opressão e a tirania começou. Após 8 meses de protestos pacíficos e da retaliação do governo com balas de sniper, o primeiro grupo armado de oposição surgiu. O Exército Sírio Livre (FSA) composto de soldados que desertaram do Exército Árabe da Síria (SAA) e moradores que decidiram que as execuções arbitrárias e ataques impiedosos tinham de ser desafiados e chegar a um fim. Hoje, o conflito se transformou em uma variedade de grupos de oposição, presença militar estrangeira e milícias armadas com a intenção de sequestrar e distorcer os fundamentos da revolução síria. Hezbollah, grupo extremista com base no Líbano, tem sido notório em lutar ao lado do AEA para atacar civis inocentes. Países como Rússia, China e Irã estão atualmente apoiando o governo sírio com armas para destruir e aterrorizar a Síria - uma das suas realizações notáveis sendo o massacre de armas químicas (que ocorreu em agosto passado), que tirou a vida de cerca de 1500 pessoas. Grupos extremistas como ISIS/L (Estado 22
Islâmico do Iraque e Sham/ Levant) afirmam estar lutando contra Assad, enquanto eles simultaneamente ocupam Aleppo e cometem atos terríveis não só em nome da revolução, mas também da religião. Grupos de oposição em toda a Síria estão crescendo rapidamente em número e estão encontrando dificuldades para se unir, devido à falta de assistência internacional nesse assunto. Enquanto isso, estima-se que 200 mil pessoas foram mortas apenas por causa de franco-atiradores e bombas de artilharia (e similares): isto não leva em conta os não-documentados que perderam suas vidas devido a detenção, estupro, fome, execução, falta de suprimentos médicos - é uma lista interminável. E 10 milhões (o que, para colocar as coisas em perspectiva, é quase a metade da população antes da crise) sírios foram empurrados para o exílio, quer dentro da Síria ou de países vizinhos - metade delas sendo crianças. Isto significa que, durante quatro anos, as crianças têm sido despojadas do direito à educação. Isto significa que, durante quatro anos, as crianças têm sido afastadas do direito de crescer com uma família. Isto significa que, durante quatro anos, as crianças têm sido privadas de ter um lugar para chamar de lar. A epidemia de refugiados também tem um custo aos países de acolhimento. Historicamente e atualmente falando, as nações vizinhas da Síria estão freqüentemente em algum tipo de tumulto civil, e a carga de acolhimento de requerentes de asilo inflama ainda mais os problemas socioeconômicos. Além disso, as instalações atuais que estão sendo oferecidas aos refugiados são meramente habitáveis, mas inadequadas apoiar e atender às necessidades das mulheres que foram estupradas, homens que são incapazes
de sustentar as suas famílias, e as crianças que sofrem de PTSD (transtorno do estresse pós-traumático). Onde está o mundo no meio de tudo isso? A pergunta acima é persistente na mente do menino na Yarmouk sitiada, que acaba de perder seu pai por causa da falta de suprimentos médicos. A resposta é simples. O mundo está aqui, mas resoluções estão sendo vetadas. Assad ainda está no poder. A geopolítica é mais valorizada do que a humanidade, a única coisa que nos liga como as pessoas que vivem neste vasto planeta. As Nações Unidas provou ser nada mais do que uma plataforma de promessas vazias e falsas desculpas por pessoas que deveriam nos mostrar a importância da fraternidade e da igualdade. Condenações das ações de Assad e seu regime são uma raridade, e sua “resistência contra o imperialismo ocidental” ‘é aplaudido por aqueles que nós pensamos que eram defensores de direitos humanos inalienáveis. Com resoluções no Conselho de Segurança, que continuamente não passam, por causa de interesses da Rússia e da China, mais importantes do que os sírios privados das liberdades fundamentais que lhes foram prometidas pelo mundo. Dessa forma, estamos certamente condenados a um lugar de divisão e desigualdade.
United4Syria
Kosovo. Ruanda. Guatemala. Apatia global teve seus danos no passado, mas de alguma forma ainda estamos todos dispostos a fechar os olhos para as questões que são capazes de aniquilar toda uma geração de crianças. É óbvio que o povo sírio foi traído pela comunidade internacional por ter sido despojado de seu direito de viver. No entanto, sabendo que a verdade sempre prevalecerá e lembrar dos meninos que pintavam slogans revolucionários é a força motriz da resistência síria. Viva o povo, e viva a revolução digna.
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Worldbulletin
Hamas: tudo sobre ou o pouco que sei Desde sua fundação, em 1987, o Hamas proclamou-se um “Movimento de Libertação Nacional”, cuja base ideológica é o Islã. O movimento, que tem posições profundamente conservadoras em relação a temas como o livre mercado e a liberdade sexual, rapidamente ganhou popularidade sobre organizações palestinas seculares e de esquerda. Entretanto, o Hamas e Hezbollah, ambas organizações islâmicas, são as únicas organizações de massa no Oriente Médio que continuam a resistir a Israel e aos EUA. É importante entender como o Hamas passou a ocupar esta posição privilegiada para entender a forma como suas políticas afetarão a região e os esforços pela libertação da Palestina. Neste contexto, ressalta-se que a 24
Por James A.
história do Hamas é inseparável do movimento islâmico mais popular e difundido do mundo árabe: a Irmandade Muçulmana, fundada pelo professor egípcio Hassan al-Banna, em 1928. Naquela época, o Egito era nominalmente independente, mas estava efetivamente sob controle britânico; tropas britânicas tinham suprimido uma revolta popular anti-colonial em 1919 e sedimentado seu poder na região. Nacionalistas liberais do partido Wafd, composto mormente por grandes proprietários de terras e alguns industriais, procuravam barganhar com os britânicos por mais autonomia, mas desencorajavam quaisquer mobilizações de massa que pudessem desafiar suas posições econômicas. Já os membros da
Irmandade Muçulmana, quando afrontads por esta nova onda de dominação imperial britânica e de desigualdade social, clamaram por um retorno ao que consideravam ser os princípios básicos das primeiras comunidades islâmicas. O Hamas é uma continuação desta tradição e destes anseios. A idéia de uma comunidade islâmica moralmente revigorada e capaz de repelir os poderes coloniais era muito interessante para determinados grupos sociais. A Irmandade Muçulmana, inicialmente financiada por doações de grandes fazendeiros e industriais com o intuito de difundir a idéia de ‘renovação islâmica’ entre os retirantes recémchegados às cidades, fundou centros de caridade e hospitais (instituições particularmente úteis para as classes desapossadas). O Hamas, em Gaza, que nasceu da Irmandade Muçulmana do Egito, tem seguido o mesmo padrão. Grande parte do financiamento do Hamas vem de empresários palestinos e de grandes capitalistas dos países do Golfo. A influência inicial da Irmandade egípcia advêm da situação territorial da Palestina entre 1948 e 1967, quando a Cisjordânia foi anexada pela Jordânia e Gaza ficou sob a administração do Egito. Voluntários da Irmandade Muçulmana lutaram contra o estabelecimento e a expansão de Israel em 1948, mas não adentraram a luta armada e rapidamente aceitaram o novo status quo do Território Palestino. Sheikh Ahmed Yassin, líder espiritual da Palestina que se tornou um ativista da Irmandade Muçulmana depois de dedicar a sua juventude aos estudos islâmicos no Cairo, pregou e realizou trabalhos de caridade na Cisjordânia e na
Faixa de Gaza durante a década de 1960. Tais territórios, entretanto, foram apreendidos pelas forças israelenses após a Guerra dos Seis Dias (1967). A ocupação israelense de Gaza após a Guerra dos Seis Dias (1967) não alterou a meta de Yassin de promover uma revitalização islâmica. Organizações seculares como o Fatah e, posteriormente, a declaradamente marxista “Frente Democrática pela Libertação da Palestina” e a “Frente Popular pela Libertação da Palestina”, assumiram a resistência à ocupação Israelense; a Irmandade Muçulmana não. Em 1973, Yassin estabeleceu o alMujamma al-Islami (Centro Islâmico) para coordenar as atividades políticas da Irmandade Muçulmana em Gaza; os Irmãos e o Centro Islâmico ganharam prestígio oferecendo os serviços de assistência social, saneamento básico e saúde que os ocupantes israelenses não estavam dispostos a fornecer. Sheikh Yassin cuidadosamente construiu uma base de poder entorno do Centro Islâmico de Gaza, em mesquitas e em universidades (que tinham começado a aceitar o ingresso de estudantes rurais e mais conservadores). A Majd, uma milícia do Centro Islâmico, foi criada para lutar contra a esquerda e intimidar as pessoas à observância religiosa. Dessa forma, uma estrutura armada de baixa complexidade já estava em vigor antes da primeira Intifada (levante palestino contra o controle israelense da Cisjordânia, Gaza, e Jerusalém Oriental). No entanto, foi somente em 1987, com a eclosão dessa primeira revolta popular na Palestina, que o Hamas foi oficialmente formado (como braço político local da Irmandade Muçulmana em Gaza). O 25
Hamas recusou-se a juntar-se à OLP durante a primeira Intifada, mas atuou essencialmente da mesma forma. A nova organização concebia-se principalmente como um movimento de libertação nacional, mas propunha o islã como a solução para a crise de identidade do nacionalismo palestino. Um ano depois, em 1988, o Hamas publicou sua Cartilha oficial, distanciando-se do ethospacifista da Irmandade Muçulmana. A Cartilha do novo movimento reivindicava toda a terra natal dos Palestinos para os Palestinos, incluindo a parte que se tornou Israel em 1948, e considerava o judaísmo um monoteísmo de respeito, a ser protegido por um governo islâmico, mas também replicava libelos antisemitas encontradas nos notoriamente falaciosos Protocolos dos Sábios de Sião. Embora essas falácias já tenham sido abandonadas pelos líderes do Hamas há tempo, estas passagens repugnantes e contraproducentes não devem ser interpretadas como fruto de um anti-semitismo inerente à cultura árabe e/ou islâmica, mas sim como um sintoma da perigosa confusão política que os palestinos sofrem por só encontram israelenses e judeus como agentes de um opressivo projeto colonial. Esta confusão só pode ser efetivamente desafiada a partir de um ponto de vista que apóia a resistência a essa opressão enquanto não admite a redução da questão ao anti-semitismo. Fazer o contrário é fazer com que a oposição ao anti-semitismo advenha somente do sionismo, restringindo os parâmetros do debate a este falso dualismo. De qualquer forma, o apelo principal do Hamas não estava em sua Cartilha, 26
independentemente do conteúdo desta. Os palestinos foram atraídos ao Hamas pela rejeição do Hamas à proposta da Organização pela Libertação da Palestina (OLP) de acordar com Israel uma solução de dois Estados. A Declaração de Tânger da OLP, de 1988, e a renúncia da Jordânia ao território da Cisjordânia efetivamente ofereceram a Israel o reconhecimento do seu território, algo particularmente desagradável para a população de Gaza, cuja maioria era (e ainda é) composta de refugiados que teriam o retorno às suas casas negado sob um acordo de dois Estados nos moldes propostos por Israel. O recém-criado Hamas denunciou a participação da OLP nas negociações (infrutíferas) de Madrid, mas o Hamas continuava financeiramente e politicamente mais fraco do que o Fatah e a OLP. A balança tenderia a favor do Hamas à medida em que a OLP passava a ser identificada com a lenta rendição e usurpação dos remanescentes direitos palestinos, cuja destruição se consolidava no dito “processo de paz” que se seguiu à primeira Intifada. O referido processo de paz (também conhecido como o processo de Oslo, por causa do papel desempenhado pelos mediadores noruegueses) foi composto por uma série de acordos entre a OLP e Israel. O primeiro deles foi a Declaração de Princípios, assinada no gramado da Casa Branca em 1993. O principal princípio declarado era que os palestinos ‘reconheciam’ Israel em 78% das terras originalmente Palestinas. A OLP acreditava que isso faria com que Israel gradualmente se retirasse dos 22% restantes, ocupados em 1967: a Cisjordânia e a Faixa de Gaza. Israel havia concebido
uma retirada gradual dos Territórios Ocupados, mas uma em que ela manteria o controle sobre suas colônias e estradas. Embora Arafat e a OLP tenham reconhecido o direito de Israel existir, Israel apenas reconheceu a competência da OLP para negociar. Os acordos adiaram as questões das fronteiras, dos refugiados, de Jerusalém e dos assentamentos até as ditas ‘negociações finais’ (que, obviamente, nunca ocorreram). Esta manobra permitiu que Israel não só mantivesse seu controle sobre os Territórios Ocupados, mas ampliasse a ocupação por meio da construção de mais checkpoints, barreiras e assentamentos. O número de colonos israelenses na Cisjordânia e na Faixa de Gaza aumentou 50% no período inicial das negociações de Oslo (de 1993 a 2000). Estabeleceu-se, também, a Autoridade Palestina (AP), com um Poder Legislativo eleito democraticamente e um Presidente, mas cuja jurisdição se estendia somente às áreas palestinas mais populosas; o resto do território permaneceria sob controle israelense direto ou sob controle conjunto. O Hamas se opôs aos acordos de Oslo desde o início, insistindo na reivindicação palestina de todo o território originalmente Palestino e no direito de regresso dos refugiados às suas antigas vilas, cidades e casas. Eles também denunciaram os líderes da OLP que formaram a Autoridade Palestina e rapidamente enriqueceram à maneira de outros governantes árabes dos demais países da região. O Hamas se recusou a participar das eleições da Autoridade Palestina, não porque eles rejeitavam procedimentos democráticos, mas porque eles se recusavam a legitimar Oslo. Foi uma decisão
astuta. Como o processo de Oslo vacilou, a Autoridade Palestina tornou-se cada vez mais irrelevante. O Hamas não rejeitava (e não rejeita) uma solução de dois Estados; todas as suas grandes figuras expressaram vontade de celebrar um cessar-fogo de ao menos uma década com Israel, desde que Israel retirasse suas tropas e colonos para a fronteira de 1967. O Hamas não estava preparado, no entanto, para renunciar à resistência militar até que um acordo desse tipo fosse celebrado. Assim, o Hamas lançou uma série de ataques suicidas contra alvos israelenses ao longo das negociações de Oslo, a primeira delas sendo realizada em vingança ao massacre de Hebron (1994), quando um colono israelense da reserva do exército invadiu uma Mesquita (onde estariam os túmulos de Abraão e Sarah) e matou 40 fiéis islâmicos durante a reza. A posição do Hamas foi validada pelo colapso do processo de Oslo e pela erupção da segunda Intifada (em 2000) devido a erros táticos por parte de Israel – como a tentativa fracassada de assassinar Khaled Mesh’al, um importante líder do Hamas na Jordânia, ou o envio de centenas de membros do Hamas para o exílio no Sul do Líbano, reduto do Hezbollah. A principal razão pela segunda Intifada, no entanto, foi política. A segunda Intifada refletiu a raiva dos palestinos com um processo de paz que só tinha piorado as suas vidas. Nesse contexto, as pessoas identificavam o Hamas com a resistência a este processo. A segunda Intifada aproximou o Hamas e o Fatah, mas os contínuos ataques israelenses à infra-estrutura política e física da Palestina, especialmente a ofensiva israelense aos centros urbanos 27
Revista Fórum
na primavera de 2004, enfraqueceram o Fatah, que haviam se instalado nessas estruturas. No topo da estrutura política da Palestina estava Yasser Arafat, que manteve (ou recuperou) o seu prestígio como líder da resistência palestina. A morte de Arafat em novembro de 2004, entretanto, privou o Fatah de seu maior símbolo remanescente para clamar uma certa hegemonia sobre a luta palestina; Mahmoud Abbas seria o seu substituto. Enquanto Abbas comprometeu-se às iniciativas de George W. Bush para continuar o processo de Oslo, por meio do chamado “road map”, o Hamas conseguiu a única retirada de colonos e assentamentos israelenses em terras Palestinas até a presente data; quando as tropas e os colonos israelenses deixaram Gaza em 2005. Entretanto, o território permaneceu sitiado por forças aéreas, terrestres e marítimas de Israel. A retirada de Gaza tinha o intuito de livrar o Estado de Israel de uma população árabe grande e rebelde a fim de liberar recursos e forças para melhor manter as
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colônias israelenses na Cisjordânia. Esta retirada, portanto, fazia parte integral de um novo conceito de defesa israelense: de segregação unilateral e construção de uma barreira sólida para garantir essa segregação. Esta doutrina procura tornar a presença física dos palestinos uma realidade a-política. O Muro de Hasbará, que corta comunidades palestinas fisicamente umas das outras, é uma manifestação literalmente concreta desta estratégia. No entanto, as atitudes de Israel demonstram que os assentamentos não teriam sido retirados se os benefícios de ocupar Gaza superassem os custos da ocupação. Infelizmente, foi necessário o Hamas elevar os custos da ocupação para os israelenses se retirarem. Durante quase 30 anos os palestinos tinham sido convencidos de que fazer concessões a Israel era o caminho para recuperar ao menos uma parte de suas terras; a contínua apropriação de terras por Israel provou que não haveria acordos com Israel. A intransigência Israelense no tocante à terra, por sua
vez, legitimou as políticas do Hamas, como a do Hezbollah no sul do Líbano, ao mostrar que a única maneira de acabar com a ocupação militar Israelense era por meio da luta armada. Para o mundo, Ariel Sharon apresentou a retirada de Gaza como uma contribuição para a paz baseada em uma solução de dois Estados. Entretanto, no ano seguinte, 12.000 colonos se estabeleceram na Cisjordânia (enquanto somente 8.000 colonos foram retirados de Gaza), reduzindo ainda mais a possibilidade de se criar um Estado Palestino independente e contínuo. A apropriação de terra e a construção da paz são conceitos incompatíveis. Israel tinha uma escolha, e ela escolheu a terra. Enquanto a retirada de Gaza e a apropriação de terras na Cisjordânia se sedimentava, Gaza foi convertida da em uma prisão a céu aberto. Da retirada dos colonos em diante, a força aérea israelense passou a ter liberdade irrestrita para lançar bombas sobre os habitantes desta prisão. O sucesso do Hamas em forçar a retirada israelense de Gaza em 2005 abriu o caminho para a grande vitória eleitoral do Hamas nas eleições para o Poder Legislativo Palestino em 2006. O Hamas, cuja plataforma eleitoral baseava-se em uma plataforma de “Mudança e Reforma”, ganhou 60% do voto popular na Palestina. Apesar de “Mudança e Reforma” ser um slogan vazio, qualquer candidato do Fatah que proferisse tal slogan seria ridicularizado, tão consolidada era a visão dos palestinos sobre os fracassos do Fatah. O Fatah, liderado por Mahmoud Abbas, não só foi incapaz de garantir melhoras na condição
de vida dos Palestinos frente à ocupação Israelense, mas também era acusado de corrupção, má gestão e colaboração; a campanha do Fatah nas eleições legislativas foi fortemente apoiada por Israel e pelos EUA, mas o esforço foi inútil. Após a vitória do Hamas, o gabinete israelense se recusou a reconhecer os novos membros do Poder Legislativo Palestino e declarou que nunca iria negociar com “qualquer administração palestina que fosse parcialmente composta por uma organização terrorista armada que defende a destruição do Estado de Israel”. O Fatah retirou equipamentos e recursos dos ministérios, se recusando a cooperar com os ministros do Hamas. O Presidente da Palestina, o Sr. Abbas, estava abertamente em conflito (armado) com membros do Poder Legislativo Palestino e do Gabinete Presidencial. Milícias do Fatah receberam treinamento e recursos da Jordânia e dos EUA para encabeçarem um golpe de estado, mas o plano para se livrar do Hamas no verão de 2007 saiu pela culatra. Os combatentes do Hamas foram capazes de expulsar os combatentes do Fatah de Gaza; o oposto ocorreu na Cisjordânia. O bloqueio de importações e exportações a Gaza foi implementado depois do golpe fracassado do Fatah em 2007. Este bloqueio é um ato contínuo de punição coletiva, pontuado por atos de violência brutal destinados a aterrorizarem a população. Como resultado, de acordo com a ONU, a economia formal em Gaza entrou em colapso: mais de 70% da população vive com menos de um dólar por dia, mais de 75% depende de ajuda externa para conseguir alimentos e mais de 60% não têm acesso diário à água. 29
Apesar de tudo e mesmo com a tentativa de golpe de estado e o bloqueio, o Hamas provou-se impossível de desalojar; parecia que Israel teria que lidar com o Hamas. A perspectiva de ter que reconhecer o Hamas como um parceiro de negociações (e, portanto, de dialogar sobre o levantamento do bloqueio) estava por trás do ataque israelense a Gaza no final de 2008 (Operação Chumbo Fundido). Uma trégua de seis meses foi acordada entre o Hamas e Israel em junho de 2008. O Hamas condicionou a renovação dessa trégua à suspensão do bloqueio. Yuval Diskin, então chefe da Shin Bet (força de inteligência interna israelense) disse, em uma reunião de gabinete antes do início da Operação Chumbo Fundido, que o Hamas estava “interessado em continuar a trégua, mas queria melhorar seus termos [...] queria que Israel levantasse o bloqueio, parasse os ataques, e estendesse a trégua para incluir [a Cisjordânia].” (Tradução Livre) A despeito da ferocidade da Operação Chumbo Fundido, o Hamas não foi destruído, mas a guerra devastou a já arruinada infra-estrutura do território. De acordo com o grupo israelense de direitos humanos B’tselem, metade dos 1.387 palestinos mortos eram civis. Israel, é claro, garantiu uma supremacia militar ainda mais esmagadora sobre Gaza e sobre os palestinos, mas foi incapaz de usar essa supremacia militar para alcançar o seu objetivo político – derrubar o Hamas – mesmo enfrentando um povo desnutrido e cujo território era (e é) inteiramente controlado pelas forças terrestres, marítimas e aéreas de Israel. A incapacidade de Israel de usar seu poder 30
de fogo e supremacia aérea para efetuar a mudança política que desejava enfraquece a “doutrina Dahiya”, que tem sido a base das recentes operações israelenses. Esta doutrina, nomeada em homenagem ao subúrbio de Beirute (Dahiya) que foi sua primeira cobaia (em 2006), considera o uso de “força desproporcional” imprescindível em qualquer local que Israel considere como uma ameaça à sua segurança. No entanto, o uso da força bruta produziu (e produz) retornos escassos a Israel; durante as últimas guerras em Gaza, Israel não foi capaz de usar sua superioridade militar para atingir seus objetivos. Podemos estar perante uma situação similar hoje. Usando uma metáfora Netanyahuesca, a ‘linha vermelha’ do Hamas para parar os seus ataques é o levantamento do bloqueio. Isso é possível, mas apenas através de uma campanha sustentada pela pressão popular, especialmente pelos aliados ocidentais de Israel. Por outro lado, uma solução a longo prazo parece improvável porque a idéia de segurança do Estado de Israel tem como premissa a manutenção de um “Estado judaico”, que exclui os palestinos. Enquanto os palestinos existirem, esta ‘segurança’ jamais será conquistada. Por outro lado, o Hamas não é uma organização socialista ou da classe trabalhadora e, certamente, não prega uma visão de emancipação universal. Como a OLP, o Hamas evita desafiar os outros regimes árabes. Eles estão comprometidos com a luta contra a ocupação e o estabelecimento de um Estado palestino, mas querem garantir que esta luta não se estenda ao exercício de um poder popular que possa ir além dessas metas. Dentro
dos limites da Palestina, eles conseguem desafiar o poderio militar de Israel, mas não derrotá-lo. O impacto de quase duas gerações de ocupação, bloqueio e exclusão da economia colonial faz com que a perspectiva de uma transição interna, a la África do Sul, seja improvável. Os porta-vozes israelenses afirmam que Israel não tem outra escolha que não manter o bloqueio a Gaza porque o Hamas é uma organização terrorista fundamentalista islâmica que não reconhece o direito de Israel de existir. Porém, uma vez que ‘o direito de existir’ de Israel implica na negação do direito dos palestinos de retornarem à sua terra natal em condição de igualdade com os judeus israelenses, pode-se perguntar por que o Hamas, ou qualquer pessoa comprometida com a idéia de igualdade racial, é obrigado a reconhecê-la. Além disso, esta constatação sobre o Hamas é falsa: durante as quase três décadas de sua existência, o Hamas clamou por um cessar-fogo de dez anos (uma hudna), o que implicaria no reconhecimento de fato do Estado de Israel em suas fronteiras pré-1967, desde que Israel se retirasse a essas fronteiras e removesse seus assentamentos ilegais na em Cisjordânia e em Jerusalém Oriental. Khaled Meshaal, lider do Hamas desde 2004, falou claramente sobre o tema em 2009, quase 5 anos atrás: “Khaled Meshaal, de 53 anos, disse em uma entrevista de 90 minutos, na sede do Hamas na Síria, que o seu partido político e a ala militar do seu partido se comprometeriam a um cessar-fogo imediato e recíproco com Israel. [...] Ele também disse que sua organização aceitaria e respeitaria um Estado palestino com
base nas fronteiras de 1967 como parte de um acordo de paz mais amplo com Israel; contanto que os negociadores israelenses aceitassem o direito de retorno dos milhões de refugiados palestinos e o estabelecimento de uma capital para o Estado palestino em Jerusalém Oriental. [...] O Sr. Meshaal disse que o Hamas não seria um obstáculo para a paz. ‘Nós, juntamente com outras facções palestina,s em consenso, acordamos em aceitar um Estado palestino nas fronteiras de 1967’, disse Meshaal. ‘Este é o programa nacional. Este é o nosso programa. Esta é uma posição que defendemos e respeitamos.’” (Tradução Livre) O Hamas, entretanto, não é um partido inocente neste conflito. Tendo sido negado os frutos da sua vitória eleitoral e confrontado por adversários sem escrúpulos, o Hamas recorreu à arma dos oprimidos, dos desesperados: o terror. Além disso, apesar de toda a morte e destruição que Israel infligiu sobre o Hamas, o Hamas mantive a sua resistência e continuou disparando seus foguetes. Simplesmente não há solução militar para o conflito entre os dois grupos. O problema com o conceito de segurança de Israel é que ele nega até mesmo a segurança mais elementar para
Khaled Meshaal
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a comunidade Palestina. A única maneira de Israel alcançar alguma segurança não é através da força bruta, mas através do diálogo com o Hamas, que tem declarado repetidamente a sua vontade de negociar um cessar-fogo de longo prazo (de 10, 20 ou até mesmo 30 anos) com o Estado israelense com base nas fronteiras pré-1967. Israel rejeitou essa oferta e continua rejeitando-a pela mesma razão que rejeitou o plano de paz da Liga Árabe de 2002: tais ofertas envolvem concessões. Na presente guerra, Israel acusou o Hamas de seqüestrar e assassinar três colonos perto de Hebron sem produzir uma prova sequer. Quatro semanas e 1000 vidas depois (de ambos os lados), Israel ainda não produziu qualquer prova demonstrando o envolvimento do Hamas naqueles trágicos assassinatos. Durante os dez dias subseqüentes aos assassinatos, Israel realizou a Operação “Brother’s Keeper” na Cisjordânia, prendendo cerca de 800 palestinos sem mandatos judicias, acusações formais ou prospectos de julgamento, matando nove civis e invadindo cerca de 1.300 edifícios (residenciais, comerciais e públicos). Foram essas provocações israelenses que precipitaram os disparos de foguetes do Hamas. Israel é a décima-primeira potência militar do mundo – a mais forte, de longe, no Oriente Médio – e uma potência nuclear que não ratificou os acordos de não-proliferação nuclear da ONU. Com o uso de drones, F-16s e um arsenal de tecnologia e armamento moderno, Israel tem plena capacidade de evitar as mortes em massa de civis. Mas Israel já matou
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ao menos 800 palestinos; demoliu 3.175 casas (ao menos uma dúzia com famílias dentro); destruiu cinco hospitais e seis clínicas; parcialmente danificou sessenta e quatro mesquitas e duas igrejas; parcialmente destruiu oito ministérios; e deixou 4.620 feridos nos últimos vinte e tantos dias. E o ataque continua. A ONU estima que mais de 74% dos mortos são civis. Isso era de se esperar em uma população de 1,8 milhões onde o número de membros do Hamas é de aproximadamente 15.000. Os grandes meios de comunicação israelenses, no entanto, insistem em dizer que estes palestinos queriam morrer, encenaram suas próprias mortes, ou foram vítimas trágicas do Hamas; o poder militar Israelense está culpando as vítimas por suas próprias mortes, acusando-as de desvalorizar a vida humana e atribuindo esse desrespeito a uma dita “falência cultural”. Os dados, entretanto, indicam flagrantes violações de Direitos Humanos e infrações às normas basilares do Direito Humanitário Internacional por parte de Israel (lembremos que Israel tem status de Potência Ocupante, como definido pela IV Convenção de Genebra, e tem o dever legal de proteger a população civil ocupada). Israel não conseguirá bombardear os palestinos à submissão e, certamente, não conseguirá bombardeá-los à paz. Quem sabe algum dia entenderão que é necessário dialogar com os palestinos, fazer concessões e terminar a ocupação militar que perdura há quase 50 anos para que exista algum prospecto de paz. Ou isso, ou terão que matar todos eles.
#opinião
Negligência e descaso: os absurdos das obras de mobilidade urbana em BH Por Dafne Braga
A queda do viaduto Batalha dos Guararapes no dia 3 de junho que, matou duas pessoas e deixou 22 feridos, trouxe choque e indignação a todos os brasileiros. Um pouco eclipsada pela fratura do Neymar, mas ainda assim. Infelizmente, essa tragédia não foi ne nhuma surpresa tão grande para quem mora em BH. Desde o inicio das obras de mobilidade urbana, apareceram várias irregularidades e absurdos, e a queda do viaduto era uma tragédia anunciada. O projeto BRT foi proposto como uma alternativa para o transporte público de Belo Horizonte, que contava com duas opções de médio porte: o trem urbano e o sistema de ônibus. O problema já começa aí, pois o BRT é também um sistema de médio porte e a principal reivindicação dos belorizontinos era a implantação de um metrô que atendesse a cidade inteira, ao invés da única linha do trem urbano. Como complemento ao sistema BRT, nomeado aqui de MOVE, foram propostas também obras de mobilidade urbana, que incluíram a cons trução de viadutos na Antônio Carlos e Pedro I com objetivo de, segundo o site da Prefeitura de Belo Horizonte, atender a todos os movimentos do fluxo de circulação e distribuir esse fluxo. Essas obras deveriam ficar prontas antes da Copa e não ficaram. Algumas delas, como o viaduto dos Guararapes e o viaduto João Samaha, às vésperas da copa tiveram sua construção acelerada a olhos vistos. Durante a construção,
vimos descortinar diante de nossos o lhos absurdos, que ganharam menos repercussão nacional, mas que eram comentadas aqui. Em maio de 2013, uma das plataformas do MOVE construídas na Avenida Cristiano Machado, foi demolida por erro de cálculo, a plataforma não seguia a altura padrão necessária para o desembarque dos passageiros. Uma cratera abriu-se na Pedro I, na região do viaduto em abril desse ano por mais uma negligência, e já em 2012, diversos bairros haviam ficados sem água pois a obra danificou uma adutora da Copasa. Em todos os erros e absurdos, nos marcou também o descaso da prefeitura em prestar contas dos seus erros. No caso da plataforma da Cristiano Machado, a desculpa esfarrapada do prefeito foi que a plataforma era apenas um protótipo e a sua demolição estava nos planos da obra. E que isso não aumentaria de forma alguma os custos da obra. Dez dias depois, outro trecho da obra foi demolido em função de má qualidade no resultado, 105 metros quadrados de concreto, e mais uma vez a prefeitura se pronunciou falando que isso não arrecadaria custos extras. Entretanto, as obras de mobilidade urbanas ultrapassaram em muito o orçamento inicial e custaram até agora R$ 210 milhões a mais do que o previsto. Ao ser questionado sobre a tragédia do viaduto, Márcio Lacerda deu mais uma mostra do descaso com o cidadão. 33
Disse que em 5 anos de gestão nunca havia acontecido um acidente grave, e que “acidentes como esse acontecem”. Acidente ou negligência? Desde 2012 as obras do viaduto Batalha dos Guararapes estão sob investigação do Ministério Público de Defesa do Patrimônio de Belo Horizonte e do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais por erros na execução do projeto, atraso nas obras e superfaturamento. E mesmo assim, libe rou-se o trecho para o tráfego. Como se não bastasse isso, a perícia apurou que o bloco de sustentação do viaduto foi construído com apenas um décimo da ferragem necessária e que esse erro já
veio no projeto apresentado pela prefeitura, que determinava um número inferior de materiais do que o usual para o porte da obra. Não foi nenhuma surpresa para nós belorizontinos, mais uma vez, pois além dos erros nas obras e um planejamento urbanístico caótico, já estamos também familiarizados com a falta de humanidade do prefeito, que em diversas situações já mentiu e deu declarações insensíveis. Já estamos acostumados com descaso da prefeitura, com as desculpas esfarrapadas e com obras feitas para financiar campanha, e não para servir ao cidadão.
Lucas Prates
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#prosa&poesia
Eu não sou Palestina Eu não sou uma patriota corajosa, valorosa, nobre, orgulhosa, aventurosa, altruísta Eu sou uma alma no exílio Expresso meu pensamentos em todos os idiomas Tirando o meu “Olá, eu sou Palestina “Hi... I am Palestinian” “Salut je suis palestinienne” Cortei minha língua materna pela metade A poetisa palestina Rafeef Ziadeh tinha razão quando disse “Me deixa falar a minha língua materna Antes que eles a colonizem” A isso eu devo adicionar Permita-me ser a “árabe” que sou Dê-me o direito de estudar, viajar, orar Permita-me andar pelas ruas estrangeiras Sem ter que sentir essa vergonha Sem ter que hesitar ou pensar duas vezes em minhas roupas, em minha face e em meu nome Ou no visto maldito que sofri para ter Porque no final, a culpa não é minha: Bin Laden, 9/11, em todos seus esquemas Eu sou uma alma no exílio Não estou no Palácio da Fama
Tenho que optar por ser alguém que não sou Só para me adaptar ao seu quadro Apesar da agonia que passei Apesar dos problemas que superei Apesar dos diplomas, dos mestrados, dos prêmios que tenho Eu ainda não sou palestina Não importa quantos adesivos “Eu Amo Palestina” colei em meu carro Não importa o quanto chorei por Gaza e argumentei sobre os assentamentos israelenses Não importa o quanto amaldiçoei os sionistas, culpei a mídia ,e xinguei os líderes árabes Ainda assim Não sou Palestina Mesmo se memorizei os nomes de todas as cidades Palestinas Mesmo se declamei a poesia do Mahmood Darwich E desenhei Handala em minhas paredes E mesmo aqui onde estou em frente a vocês , hoje Não sou Palestina E nunca serei É isso é exatamente o que faz ser a palestina Em mim.
Farah Chamma é uma poeta palestina que reside nos Emirados Árabes. 35
#fotocontexto
Bahia Larah Camargo é fotógrafa e estuda Multimídia no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo.
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contexto
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