contexto 5ª edição
janeiro 2014
Carlos Brickmann, Entremundos
O Propinatudo Tucano 1
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Índice #editorial
p.4
#ilustra
p.5
#Brasil O Propinatudo Tucano
p.7
Periferia em movimento
p.12
A hora e a vez dos imigrantes
p.15
A censura das biografias não autorizadas
p.20
#opinião Dia da Consciência Negra: Importância histórica e atual
p.25
#prosa&poesia
p.32
#fotocontexto
p.33
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#editorial
À luta (sempre)
A
o fim do semestre da revista, é necessário lembrar alguns aspec tos essenciais da Contexto. Em suma, é necessário que nos lembremos da luta e de continuar lutando. Dias como o da Consciência Negra e da Visibilidade Trans* deixam clara a desigualdade presente no Brasil. Todos os dias nos mostram o quan to é essencial lutar contra tais desigual dades e de preconceitos. Nesta edição da Revista Contexto, você confere matérias sobre a trans* Daniela Andrade, sobre a corrupção do PSDB e o cartel no metrô, sobre a questão das bio grafias. Também dá pra ver o trabalho do “Periferia em movimento”, o racismo no Brasil e as iniciativas para políticas públi cas voltadas para os imigrantes no Brasil e outros países da América Latina. Na parte de prosa e poesia, bem como na de ilus tração, você encontra trabalhos reunidos de todos os que já participaram da revista, para essa última edição de 2013. Depois de meses de trabalho, os agrade cimentos para todos os que participaram do projeto e para os que pretendem par ticipar em 2014. Um grande “obrigada” à Qatar Foundation International e to dos os que apoiaram a iniciativa desde o começo.
Priscila Bellini Editora-Chefe
Seja bem-vindo à Contexto! Welcome! Ahlan wa sahlan!
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Expediente Editora-Chefe
Priscila Bellini Jornalistas
Júlia Dolce Marcela Reis Muriel Vieira Rodrigo Borges Delfim Vanessa Panerari Poesia
Jaqueline Araújo Ilustração
Júlia Dolce Design
Fernanda Tottero Fotografia
Victoria Azevedo Tradução
Priscila Bellini
#ilustra
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JĂşlia Dolce ĂŠ estudante de Jornalismo da PUC-SP.
#Brasil
Carlos Brickmann, Entremundos
O Propinatudo Tucano Após diversas reclamações da popu lação em relação ao transporte público, as reformas do metrô se iniciaram. Porém, essas reformas trouxeram mais compli cações do que se era esperado, e menos satisfação do que era desejado. Isto foi comprovado com os documentos des cobertos que mostram movimentações bilionárias feitas pelo governo tucano em uma conta denominada “Marília”, no Multi Commercial Bank. Através de investigações, o Tribunal de Contas chegou a Arthur Teixeira e Geraldo Vilas Boas, lobistas responsáveis por intermediar a entrega de propina às multinacionais que estavam disputando a licitação da CPTM. Indícios apontam que Arthur Teixeira teria maior proximi dade com Jurandir Fernandes, Secretário de Transportes Metropolitanos, o que te ria facilitado os acordos fraudulentos que foram finalizados por José Luiz Varolete, Diretor de Operação e Manutenção
Por Muriel Vieira
da CPTM e responsável por distribuir a propina. O esquema ocorria desde 1998 e permaneceu ativo por todos os gover nos tucanos sem ser interrompido ou ao menos disfarçado, levando empresas como Siemens, Bombardier, CAF, Mitsui e Alston a assinarem mais contratos a cada ano, recheando as contas suíças e super faturando as obras do Metrô e CPTM. O cartel foi formado entre tais empresas, garantindo o monopólio do mercado através do combinado de preços e man tendo sua liderança entre as licitações superfaturadas. O contrato firmado entre 2000 e 2007 aumentou cerca de 30% o valor das obras, o que levou a um fatura mento, em dados atualizados, de cerca de R$1,9 bilhão. Recentemente, o esquema foi confir mado e denunciado pela Siemens, o que garantiu, a ela e seus executivos, leniência (isenção caso o cartel seja confirmado),
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Edson Aparecido – divulgação
livrando-a da possível multa que pode al cançar até 20% do faturamento bruto de cada empresa e possibilitando redução da pena de prisão para alguns envolvi dos. Sua parte no acordo com a polícia Federal vem sendo executada através da doação de informações e acompanha mento do esquema, auxiliando no anda mento das investigações. Foi confirmado um superfaturamento de aproximadamente R$12,5 bilhões ape nas entre as empresas Siemens e Alston, demonstrando o sucesso do propinodu to que atravessou diversos governos impunemente. Não há previsão para o fim das investigações, mas estas vêm avançando e levando a novos nomes a cada passo. O Governador Geraldo Alckmin afirma que é necessário máximo rigor no processo investigativo e eficiên cia, exigindo uma resolução rápida e efi caz. Além disso, Alckmin sugeriu também que todo o dinheiro desviado deverá ser devolvido aos cofres públicos e destina do aos fins corretos, às construções do metrô e CPTM. 8
As boas intenções do Governador, porém, são questionadas no relatório en tregue ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) no dia 17 de abril, em que dados apontam para Edson Aparecido, secretário da Casa Civil e braço ativo do governo Alckmin, e Arnaldo Jardins (PPS – SP), como bene ficiários de comissão. Além disso, den tre os governos que realizaram os atos fraudulentos desde 1998 está o de Mário Covas (1995 – 2001), José Serra (2007 – 2011) e o próprio Geraldo Alckmin (2001 – 2006). Aparentemente, o obje tivo dos superfaturamentos era engor dar os cofres do DEM e PSDB. Segundo a Siemens, mais de 8 milhões de Euros, cerca de 24 milhões de reais, foram pa gos a dois representantes de funcionári os públicos durante o mandato do atual governador, além da afirmação de um executivo da empresa, em e-mail a seu superior em 2008, dizendo que o então governador, José Serra, havia sugerido à Siemens que entrasse em acordo com a espanhola CAF para evitar disputas na
compra de 40 trens da CPTM, fato este negado por Serra. Os dados fornecidos por Arthur Teixeira também apontam a proximi dade de mais três políticos envolvidos com a Procint Projetos e Consultoria – pertencente a Arthur Teixeira – acu sada de intermediar o pagamento das propinas. Estes são o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB – SP), José Aníbal (Secretário de Minas e Energia) e Rodrigo Garcia (Secretário de Desenvolvimento Econômico). Everton Rheinheimer, um dos lenien tes (que afirma ser o responsável pela carta anônima enviada ao ombudsman da Siemens em 2008), firma em seu relatório que, em relação a Aparecido e Jardins, “seus nomes foram menciona dos pelo diretor-presidente da Procint, Arthur Teixeira, como sendo os des tinatários de parte da comissão paga pelas empresas de sistemas (Alstom, Bombardier, Siemens, CAF, MGE, T’Trans, Temoinsa e Tejofran) à Procint”. Ao men cionar Aloysio, Jurandir e Garcia, diz ter tido “a oportunidade de presenciar o es treito relacionamento do diretor-presi dente da Procint, Arthur Teixeira, com estes políticos”, e ao tratar de Aníbal, pontuou, “Tratava diretamente com seu assessor, vice-prefeito de Mairiporã, Silvio Ranciaro”. Quando se tratava de propina atra vés de subcontratações, a empresa MGE Transportes contava com o apoio do vice-governador do Distrito Federal Filippelli (PMDB), que entrou com uma interpelação judicial contra Rheinheimer, negando “conhecer ou ter qualquer tipo de contato com o autor dessa suposta denúncia ou com a empresa citada pelo
denunciante.”, e o Ex- Governador tam bém do DF, José Arruda que por meio de sua assessoria, declarou “não conhecer a suposta empresa, os envolvidos no caso e jamais teve qualquer relação com ne nhum dos envolvidos nas investigações”. Diante das informações obtidas pelo Cade, Alckmin pediu cópias dos relatóri os de investigação e declarou que não irá afastar os acusados, uma vez que “Não tem sentido fazer afastamento se [o go verno] não teve nem acesso aos docu mentos”. Apesar dos dados serem claros, o secretário da Casa Civil insiste em negar seu envolvimento, afirmando que tam bém irá interpelar Rheinheimer, e o acusa de tráfico de influência, jogando a res ponsabilidade dobre os Petistas através do deputado estadual Simão Pedro, ao apontar encontros entre eles e o presi dente do Cade Vinícius Carvalho, para acertar os detalhes do “acordo de leniên cia firmado entre a Siemens e o órgão”. Agora, cerca de um ano e meio depois do início das investigações, ainda são pu blicados relatórios que indicam irregula ridades durante os governos acima, como as reformas nas linhas 1-azul e 3-verme lha durante o governo Serra entre 2008 e 2010, segundo o promotor de Defesa do Patrimônio Público Marcelo Milani. Segundo ele, 1,622 bilhão de reais do va lor inicial dos quatro contratos envolvi dos nas reformas saltaram para cerca de 2,5 bilhões de reais graças ao acréscimo de 875 milhões gerados com o fraciona mento em dez contratos. O fracionamen to, de acordo com Milani, era ilegal. Ele ainda afirma, “Isso é um escândalo total, um prejuízo total aos cofres públicos. Não existe fora de São Paulo outra cidade em que esses trens sejam reformados.”. 9
Além das óbvias infrações e da ligação dos contratos com a Siemens e Alston, segundo o promotor, o proble ma é complexo também quando levado em conta que, dos 98 trens reforma dos, cerca de 36 estarão parados até o ano seguinte. Cópias de e-mails envia dos por funcionários do metrô forneci dos pela Siemens também comprovam a operação do cartel nestes contratos, ao demonstrarem o encontro convoca do por ele com os diretores de ambas as empresas, para que as duas montassem um consórcio. “Ao menos nesse contra to, orçado em 708 milhões de reais, o cartel operou. Porque não houve com petitividade”, disse. “Uma das empresas envolvidas na licitação, e que também trabalha na reforma dos trens, recente mente fechou um contrato com o metrô de Nova York. E os trens novos lá de Nova York vão ter um preço menor do que os trens reformados aqui.”
Segundo o Ministério Público, três dos trens orçados nestes contratos e já en tregues ao metrô fora responsáveis por acidentes no decorrer dos últimos anos, entre eles, a colisão de dois trens na linha 3-vermelha no dia 16 de Maio deste ano.
O mensalão e o propinoduto No momento em que os olhos do Brasil voltaram-se para o Mensalão, de maioria petista, muito foi esquecido em relação às investigações referentes ao propinoduto. Entretanto, por mais desonroso que o mensalão também tenha sido ao país, este movimentou cerca de R$101 milhões, enquanto que, o desvio realizado durante os anos de fraude do governo tucano são de aproxi madamente R$1 bilhão. O esquema apontado pelo deputado Roberto Jefferson levou à investigação, julgamento e, em alguns casos, prisão, cerca de 39 políticos de participação ativa durante o governo Lula, entre
Everton Rheinheimer – divulgação
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eles, José Dirceu, na época Ministro da Casa Civil, José Genuíno, ex-deputa do federal, Katia Rabelo, presidente do Conselho de Administração do Banco Rural, Marcos Valério, chefe do esque ma, Delúbio Soares, ex tesoureiro (PT – SP), Valdemar Costa Neto, ex-deputa do federal, Henrique Pizzolato, ex-pre sidente da CUT e diretor de marketing do Banco do Brasil, foragido e procura do pela INTERPOL, o próprio Roberto Jefferson, etc. Nas últimas semanas, estes foram as principais manchetes do país, que acom panharam cuidadosamente os julgamen tos pelos crimes de lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta, corrupção ativa, pe culato, corrupção passiva, entre outros. Alguns dos acusados tiveram de devolver ao menos parte do dinheiro roubado aos cofres públicos e cumprem pena. No momento, é aguardado que o propinoduto volte a ganhar a atenção merecida, sendo este um esquema tão, se não mais, criminoso quanto o próprio mensalão, e que vem sendo executa do há tanto tempo. O STF, bem como o Cade e a Polícia Federal tratam de prosseguir com as investigações em sigi lo, publicando relatórios apenas após as necessárias averiguações, o que garante a veracidade da investigação sem com prometimentos, e prometem trazer à tona a real quantia desviada desde 1998 e os culpados, que serão julgado e en caminhados às suas respectivas penas. Muito ainda está para ser analisado, porém, a certeza que resta é o claro en volvimento tucano nas irregularidades e a necessidade extrema de reaver o di nheiro desviado dos cofres públicos e a moral de alguns importantes represen tantes públicos.
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Divulgação Periferia em Movimento
Periferia em movimento Por Vanessa Panerari A periferia ganhou visibilidade, tornou-se o público alvo de corporações e da mídia e luta para ter voz ativa e quebrar estereótipos Ainda hoje, em pleno século XXI, há quem acredite na velha ideia de que é preciso “levar cultura” às comunidades afastadas dos grandes centros finan ceiros e comerciais. Este ponto de vista, extremamente normativo, ignora a exis tência de outra acepção a respeito de cultura, que é completamente oposta à pregada e desenvolvida ao longo do pro cesso de colonização e imperialismo dos séculos passados, que associava cultura à “civilização” e elite. A periferia não necessita da “política do favor”, que surge a partir da desigual dade causada pela má distribuição de fundos públicos. Não precisa ser incluí da em uma realidade apresentada como melhor por aqueles que estão inseridos
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nela. Ela precisa que haja estrutura para firmar sua própria identidade política, cultural e exercer seu direito à cidade, que é um patrimônio construído social e historicamente, mas cuja apropriação é extremamente desproporcional. Nesse cenário , atuam os coleti vos de comunicação e cultura, no in tuito de preencher lacunas que não são preenchidas pelo Estado e nem por em presas, muito menos pela cultura “con vencional” que atua nos centros, por exemplo. São mais de 9000 coletivos apenas na cidade de São Paulo, fato con siderado positivo na visão do coletivo Periferia em Movimento, já que cada um desses coletivos atua em determinada área, reconhecendo suas necessidades,
amplificando as visões e trabalhando com públicos distintos a partir do meio de comunicação que adotam, impresso ou audiovisual.
Periferia em movimento O Periferia em Movimento é um co letivo de comunicação que tem por ob jetivo criar espaço para divulgar o que acontece na periferia de São Paulo, prin cipalmente na zona sul, onde residem seus idealizadores. Buscam pautar assuntos que a grande mídia não abor da, ou o faz de maneira estereotipada. O principal lema do coletivo é a frase de Hermano Vianna: “A periferia se cansou de esperar a oportunidade que nunca chegava, e que viria de fora, do centro”. Por serem moradores da periferia, os jornalistas que integram o coletivo vi ram-se com a oportunidade de falar com propriedade e dar espaço para voz es que já existem, mas que ninguém se preocupa em escutar. A iniciativa surgiu justamente do incômodo que sentiam por não se sentirem retratados nem pela grande mídia e nem pela mídia alternati va, que geralmente se coloca com uma visão do centro da cidade. “Somos educados para ser o que es peram que sejamos, para modificar a própria realidade e sair da periferia, não há valor em permanecer ali”, afirma Thiago Borges. “E isso tudo acontece por conta de estruturas que existem: edu cação, igreja, sistema político, a mídia”, completa. O trabalho do coletivo está na construção do olhar crítico, em fazer com que as pessoas olhem com outros olhos para a própria realidade. Apesar de poderem se articular, prin cipalmente pela internet e redes so ciais, a mídia tradicional ainda detém
fortemente o poder de tornar as coisas públicas e propagar discursos normati vos, fatos que limitam o alcance do tra balho que realizam. Para contornar esses obstáculos e atrair mais gente ao debate, o coletivo trabalha falando de movimen tos sociais, fazendo cobertura de even tos, entrevistas com artistas que atuam nas periferias, realizando palestras e ofi cinas de comunicação.
O sentimento de pertencer “Tem a questão de um sentimento de pertencer. As coisas que acontecem nos centros culturais me pertencem?”– Aline Rodrigues da Silva. Foi pensado por quem? Foi pensa do para quem? A questão das atividades culturais não se restringe a ser gratuito ou não. O poder de consumo na perife ria aumentou, mas os espaços criados na própria periferia sob a “política do favor” pelo poder público ou por empresas não correspondem às necessidades reais da população. Os coletivos culturais não conseguem desenvolver atividades em tais locais, devido à burocracia para rea lizar qualquer projeto, desestimulando o uso desses locais. Assim como centros culturais e parques no centro das cidades, mui tos destes espaços são gratuitos, com a proposta de levar cultura a todos. Entretanto, além da questão da mobili dade urbana que torna inviável gastar, por exemplo, 3 horas para chegar a estes locais, existe a questão do sentimento de pertencer. Por mais fácil e econômi co que seja o acesso a estes espaços, os moradores da periferia não se identifi cam com aquilo, não sentem que per tencem ao local. Por outro lado, na zona Sul, em frente 13
Divulgação Cooperifa
a um centro de cultura, há um calçadão que se tornou local de encontro entre os jovens, fazendo contraponto aos lo cais que vivem vazios por não terem sido pensados com a comunidade, para atender às necessidades dela. A gestão dessas áreas é centralizada no poder pú blico, que não vive aquela realidade e se ria preciso repensar esses espaços. Hoje, acontecem vários saraus nas periferias da cidade de São Paulo, rea lizados em bares, espaços com os quais as pessoas já estão acostuma das. O Sarau da Cooperifa, por exemplo, começou nos bares. “A periferia produz cultura desde sempre, não existe isso de levar cultura para a periferia”, afirma Aline Rodrigues da Silva. “A cultura não está só nas expressões artísticas, a cultu ra está no jeito de enxergar o mundo. É uma questão de identidade”. 14
“O ideal é que não haja separação entre periferia e centro. A gente se posiciona assim como jornalismo da periferia e sobre a periferia por necessidade.“ – Thiago “Como exigir de uma pessoa que não tem onde morar que ela vá a um sarau? Elas não tem o básico. Essas pessoas estão a margem da margem.“ – Thiago “A periferia produz cultura desde sempre, não existe isso de levar cultura para a periferia. A cultura não está só nas expressões artísticas, a cultura está no jeito de enxergar o mundo. É uma questão de identidade.” – Aline.
Convite conferência: CPMig
A hora e a vez dos migrantes Por Rodrigo Borges Delfim
Conquistas recentes em São Paulo encorajam as comunidades a avançar em reivindicações históricas; o caminho a ser percorrido, no entanto, ainda é longo
Segundo estimativa da Prefeitura, 360 mil imigrantes estão vivendo em situação regular em São Paulo, cifra que pode passar de 500 mil com a inclusão dos estrangeiros que ainda estão indo cumentados (em todo o país são cer ca de 950 mil regularizados, de acordo com a Polícia Federal). Pode até parecer pouco frente ao total de 11 milhões de pessoas que vivem na capital paulista, mas é uma população facilmente no tada nas ruas, especialmente em bair ros como Brás, Liberdade, Bom Retiro, Barra Funda e Mooca. E uma vez partici pando ativamente da vida da metrópole, eles têm direito de reivindicar direitos e melhores condições de vida. Diante disso, não é – ou pelo menos não deveria – ser surpresa o fato de São Paulo ser um dos polos de debate
da questão migratória no país. Apesar de ter ficado adormecido durante dé cadas, o tema volta em meio a um contexto que engloba também a ne cessidade urgente de o Brasil se ade quar à realidade de ser também um destino procurado por estrangeiros – a situação econômica relativamente es tável e a imagem de local acolhedor são dois dos maiores atrativos. Não deveria ser surpresa porque a vida dos imigrantes em São Paulo e no Brasil não é nada fácil. Eles enfren tam dificuldades de acesso a serviços básicos para qualquer cidadão, como saúde e educação; também encontram empecilhos burocráticos para abrir conta em banco e obter documen tos que regularizam a situação deles em território nacional; existe ainda o 15
preconceito de parte do poder públi co e da sociedade, que os enxergam como “invasores” dos serviços públicos e “ladrões de empregos”. Mesmo diante desse quadro, os mi grantes que residem em São Paulo já conseguem colher os primeiros fru tos de anos de mobilização e reivindi cações. E tais conquistas já encorajam as comunidades a dar novos passos no debate migratório, com grande poten cial para influenciar a questão também em nível federal.
Conferência municipal, olhar local e nacional A 1ª Conferência Municipal de Politicas para Imigrantes, realizada entre os dias 29 de novembro e 1º de dezembro na capital paulista, pode ser vista tanto como marco desses avanços como do longo caminho ainda a ser percorrido. A própria realização do evento era uma reivindicação antiga das comunidades migrantes, em busca de mais espaços para discussão e ela boração de projetos. Organizada pela Coordenação de Políticas para Imigrantes, criada neste ano e vinculada à Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo, a Conferência reuniu cerca de 400 pessoas de 40 na cionalidades e sintetizou alguns dos principais anseios dos migrantes no país: o direito a votar e de ser vota do; substituição do atual Estatuto do Estrangeiro por uma lei que contem ple os direitos humanos da população imigrante; melhorar o atendimento e garantir o acesso e a permanência nos serviços públicos; desburocratizar 16
procedimentos e agilizar os processos para emissão do Registro Nacional de Estrangeiro, entre outras. O resultado do encontro foi con siderado positivo pelos participantes e organizadores. “Saímos extrema mente felizes porque conseguimos estabelecer alguns consensos funda mentais para qualquer imigrante no país”, afirma o professor universitário Ailton dos Santos, militante na área de Direitos Humanos e um dos organiza dores do evento. “A Conferência é boa porque dá para falar aquilo que você sente, compartilhar ideias”, diz o jor nalista Alphonse Nyembo, da República Democrática do Congo e há quase dois anos vivendo no Brasil. Já o coordenador de Políticas para Imigrantes da Prefeitura, Paulo Illes, destaca a necessidade de concretizar essas reivindicações. “Precisamos es tar preparados para dar respostas à al tura do que se espera de São Paulo. A criação da Coordenação (de Políticas para Imigrantes) já é um avanço, mas agora temos de ir para a prática e im plementar essas políticas”. A criação de cursos gratuitos de por tuguês, a capacitação de servidores pú blicos para lidar com as comunidades estrangeiras e uma cartilha explicati va sobre os direitos dos migrantes es tão entre as metas da Coordenação para 2014.
Inclusão bancária e conselhos participativos A própria conferência foi precedida de dois avanços importantes para os mi grantes. Em 29 de novembro, o prefeito Fernando Haddad assinou um decreto
do país de origem. Eles terão acesso a conta corrente, poupança, microcrédi to, remessas ao exterior e educação fi nanceira. Por um prazo de seis meses, no âmbito desse acordo, as remessas de até US$ 3 mil serão isentas de co brança de tarifa. A medida é simples, mas representa um enorme ganho em questão de se gurança. A demora na emissão do RNE e a dificuldade na comprovação de en dereço (muitos vivem em residências coletivas) faz com que boa parte dos migrantes prefira guardar dinheiro em casa, tornando-os alvo fácil de assaltos.
COMIGRAR, pautas nacionais e expectativa Imigrantes_conferência: Rodrigo Borges Delfim
criando cadeiras para imigrantes nos conselhos deliberativos de 22 das 32 subprefeituras de São Paulo que têm mais de 0,5% da população composta por imigrantes, de acordo com o Censo de 2010 do IBGE. Impedidos pela legis lação nacional de votarem nas eleições, a medida do governo municipal abre espaço para que estrangeiros possam de alguma forma tomar parte nas de cisões sobre as regiões onde vivem. Outra vitória recente foi o acor do assinado em outubro passado en tre a Prefeitura de São Paulo e a Caixa Econômica Federal para facilitar a abertura de contas por imigrantes resi dentes. De acordo com a medida, o ban co passará a aceitar como documento de identidade o protocolo do RNE acompanhado da cédula de identidade
A conferência municipal serviu ain da como pontapé inicial para ou tro evento, a Conferência Nacional de Migração e Refúgio (COMIGRAR), or ganizada pelo Ministério da Justiça e prevista para maio de 2014 também na capital paulista. A exemplo da Conferência de São Paulo, a COMIGRAR também será pre cedida de etapas preliminares chama das de oficinas preparatórias, que tem como objetivo coletar propostas a se rem apresentadas na etapa nacional. Manaus e Rio de Janeiro são duas das cidades que já receberam essas oficinas. Para Jana Petaccia, uma das orga nizadoras da COMIGRAR, a conferên cia paulista foi um importante marco de referência para todo o processo da etapa nacional. “O evento demonstrou a relevância do tema para um conjunto bastante diversificado de organizações não governamentais e para o próprio governo municipal. Aliado a isso, o fato 17
de São Paulo ser um dos municípios brasileiros com maior intensidade de integração das comunidades mi grantes vivendo no país, nos sinaliza que um debate participativo para cons truir a agenda de migrações e refúgio para o conjunto das políticas públicas é uma iniciativa não somente necessária como oportuna”. Duas reivindicações têm potencial para concentrar as atenções durante a COMIGRAR. Uma delas é o direito aos migrantes de votar e de ser votado nas eleições – que deve ter ainda mais vi sibilidade em 2014 por se tratar justa mente de um ano eleitoral. O fato mais concreto nessa direção atualmente é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 347/2013, apre sentada no Congresso Nacional pelo deputado federal Carlos Zarattini. Ela altera o § 2º do artigo 14 da Constituição visando conceder direitos políticos a imigrantes residentes no Brasil há mais de quatro anos e que estejam em situ ação migratória regular. De acordo com a Constituição, somente brasilei ros natos e portugueses naturalizados têm direito a voto nas eleições. Outra questão que deve gerar fortes debates é a atualização da legislação migratória brasileira. O código vi gente hoje é o chamado Estatuto do Estrangeiro (1980), herdado da ditadu ra militar e que vê o migrante como um ser estranho e uma potencial ameaça à ordem social do país. Embora par te dele tenha perdido o efeito com a Constituição de 1988, somente o cresci mento da questão migratória levou o governo federal a estudar formas de atualizar sua legislação migratória. 18
Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante
A reivindicação das comunidades mi grantes e da sociedade civil organizada é que seja elaborada uma lei abrangen te, que trate das migrações sob o pon to de vista dos Direitos Humanos e não fique restrita a uma faceta meramente econômica e focada em selecionar ape nas estrangeiros com alta qualificação para suprir carências profissiona is. Ironicamente, esse tipo de política – já adotada pela maioria dos chamados países desenvolvidos – costuma ser criticada pelo próprio Brasil em eventos internacionais. “A expectativa é que nossa conferên cia municipal possa servir como base e referência para que venha a criar uma lei mais humanitária em relação ao mi grante em âmbito brasileiro”, acredita o professor Ailton sobre a influência que as etapas paulista e nacional podem e xercer sobre uma futura lei migratória. Já Paulo Illes enfatiza a necessidade de englobar essas duas reivindicações principais e garantir a presença mi grante no evento. “Vamos pautar o direito ao voto dos imigrantes, a nova lei de migração e que possa ter uma participação ampla de imigrantes. E,
sobretudo, que possamos ter uma pau ta progressista na Conferência”. Jana crê que, ao final da Conferência nacional, a sociedade brasileira terá fortalecido o tecido social em torno da integração dos migrantes na vida do país. “Muitas propostas surgirão que poderão aperfeiçoar as políticas públicas brasileiras para alcançarmos progressos substantivos na garantia de direitos dos estrangeiros que escolhem o Brasil como sua pátria”. Teriam tais conferências e outros lo cais de expressão e debate o poder de ajudar a influenciar o governo a adotar tais medidas? É importante não perder
de vista os efeitos que um tema tão complexo como as migrações exercem sobre um país igualmente diverso como o Brasil. “Temos problemas na conjun tura nacional e visões divergentes sobre imigração”, lembra Paulo Illes. No en tanto, os avanços já obtidos pelos mi grantes – especialmente em São Paulo – após anos de organização encorajam as comunidades a lutar e ajudam a mo bilizar cada vez mais seus integrantes e a conquistar simpatizantes em meio à sociedade. O caminho é longo e os resultados podem demorar anos, mas a persistência tem trazido suas recompensas.
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A censura das biografias não autorizadas
Por Marcela Reis
O PL que garante a publicação de biografias sem autorização está em trâmite e tem sido muito criticado por artistas que tiveram sua arte inviabilizada durante a ditadura O projeto de lei 393/11, mais conheci do como “lei das biografias” foi aprovado em duas comissões da Câmara e ainda não em data para ser votado. A proposta, que altera o Código Civil, libera de forma expressa a publicação de biografias não autorizadas, além da divulgação de ima gens, escritos e informações biográficas sem autorização. Esse projeto, de au toria do deputado federal Newton Lima (PT-SP), começou a ser muito discutido na mídia, após algumas biografias terem suas publicações proibidas, por falta de autorização dos biografados ou dos fa miliares. Uma delas foi a quarta edição da biografia “Paulo Leminski - O Bandido que Sabia Latim” de autoria de Toninho Vaz, que foi barrada pela família do poe ta devido ao enfoque “depreciativo à imagem do retratado e seus familiares”. Artistas como Roberto Carlos, Gilberto Gil, Chico Buarque e Djavan prontamen te se posicionaram contra o projeto de lei e, em contrapartida, biógrafos como Ruy Castro e Mário Magalhães se mostra ram a favor. Para o poeta cearense Floriano Martins “nada justifica a existência de uma biogra fia autorizada, o texto em si é a história de uma vida e não a correção da mes ma; é tão indevido eliminar passagens controversas da vida de um biografado quanto o biógrafo passar a tecer críti cas a elas. Evidente que tampouco nada justifica a inserção de informações não confirmadas em uma biografia, fato tão danoso quanto a exclusão de passagens 20
que ajudem a compreender o caráter do biografado. A existência de profissionais incompetentes não legitima a censura sobre o exercício de nenhuma profissão, ela não pode ser evocada como medida preventiva em circunstância alguma”. O inciso IX, do artigo 5, da Constituição decreta que “é livre a expressão da ativi dade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Porém, o artigo 20 do atual Código Civil deslegitima o artigo 5 da Constituição ao defender que a uti lização da imagem ou exposição de uma
Biografia de Roberto Carlos, que moveu uma ação judicial para que a obra não circulasse mais – divulgação
Caetano e Gil, contrários à lei das biografias, em suas fases tropicalistas – divulgação
pessoa pode ser proibida. Ao afrontar a Constituição, o Código Civil também afronta um dos princípios fundamentais da sociedade aberta, que é a liberdade de expressão. Dessa forma, através da censura, a lei legitima a publicação das chamadas biografias “chapa-branca”. O escritor Ronaldo Cagiano defende que não autorizar biografias é antide mocrático e censurador, acrescentando que “é o dever de intelectuais, jornalistas e escritores fazer o registro da História e cuidar para que ela seja compreendi da à luz de uma inflexão dialética, para que os erros e mazelas jamais se repitam. Escrever é correr riscos, mas nunca se deve pecar pela ausência da verdade, pela omissão da realidade ou pelo escamotea mento de qualquer informação. A liber dade deve ser total, ampla e irrestrita para escrever e biografar o que quiser, porque se há algum desvio ou inverdade, se há erros a reparar, esses devem ser buscados
na via jurídica por quem se sentir atingi do, e não na força ou na mordaça”. De acordo com inciso X, do artigo 5, da Constituição “são invioláveis a intimi dade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a in denização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. O Código Civil também apresenta ações como o direito de resposta e processos por di famação. A lei já protege qualquer ci dadão que se sente lesado de alguma forma através da exposição de sua vida, reparando danos morais e até materi ais, com a devida punição do culpado. A justiça brasileira muitas vezes se mostra ineficiente e lenta, mas nesse caso é pre ciso melhorá-la e não privar a liberdade de expressão censurando obras. A associação Procure Saber, forma da por Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, Djavan, Roberto Carlos, en tre outros, faz lobby contra as biografias 21
não autorizadas com a justificativa de temor em relação às calúnias. Paula Lavigne, presidente da associação, afir mou recentemente que eles não querem censurar ou proibir alguma coisa, apenas discutir como a privacidade será prote gida. Esse posicionamento de artistas como Caetano, Gil e Chico, que na épo ca da ditadura tiveram sua arte inviabili zada, é oportunista, leviano e cerceador. Contrariando a letra da música “Como nossos pais”, de Belchior, nossos ídolos já não são mais os mesmos. “Eles estão repetindo a mesma trucu lência do estado autoritário que os pros creveu, só que com a sutileza de uma argumentação que não se sustenta, con trariando, inclusive, o jargão que ficou famoso a partir da música que tanto ce lebrizou a Tropicália, “É proibido proibir””, aponta Cagiano. Roberto Carlos, que moveu uma ação judicial em 2007 para que sua biografia, escrita por Paulo César de Araújo, não circulasse mais, voltou atrás há mais de um mês e não defende mais a necessi dade de aprovação prévia para a publi cação. Argumenta que deve haver um diálogo entre autores e biografados ou seus representantes, o que mostra clara mente que o cantor ainda mantém uma postura que continua na contramão da liberdade de expressão. “Não somos censores (...) não queremos calar nin guém. Mas queremos que nos ouçam”. Essas são palavras proferidas por Roberto Carlos, que só explicitam mais como os “Procure Saber” estão se enrolando em suas próprias contradições. Traçando uma analogia entre a asso ciação, que defende a manutenção do artigo 20 do Código Civil, e o PT, o poeta Luís Dolhnikoff aponta: “o PT, até che gar ao poder, era um partido moderno e 22
reformista, mas depois se aliou a gente como Sarney. É que a sociedade brasilei ra é marcada pela herança oligárquica. Todos são iguais perante a lei, mas al guns são “mais iguais”. Como o PT intoxi cado pelo poderio, esse pequeno grupo, que se encontra nessa questão ao lado de gente como Paulo Maluf e Ronaldo Caiado, defende uma legislação em causa própria, consciente ou inconsci entemente, acreditando que deveria ter direito a um “tratamento especial’”.
‘’Biografia não autorizada’’ A expressão “biografia não autoriza da” é um completo equívoco, ela surgiu no mundo saxônico como “unautho rized bio graphy” e tem, originalmente, tanto um contexto legal quanto comer cial, mas se tornou popularizada no se gundo caso. De acordo com o mercado norte-americano, se trata de uma biogra fia “picante”, com revelações “quentes”, que uma versão autorizada não conteria. O problema é que no Brasil, a partir da implantação do artigo 20, essa expressão impregnou o gênero biográfico com o conceito de autorização. Obviamente não é o caso nos EUA, onde escrever uma biografia autorizada ou não é, na verdade, apenas uma opção. Uma “au thorized biography” não tem absoluta mente nada a ver com a necessidade da autorização do biografado ou da família, é apenas uma característica da obra. Mas a importação desinformada, descontex tualizada e deturpada da expressão aca bou por falsear toda a discussão, bem como suas implicações. “As biografias feitas de maneira inde pendente das vontades e dos favores do biografado e/ou dos herdeiros deveri am ser, no Brasil, chamadas assim mes mo, “biografias independentes”. Uma vez
chamadas por seu próprio nome, toda a discussão se aclara – e se inverte. Pois não se trata mais de permitir ou não a biografia não autorizada, mas sim de proibir ou não a biografia independente” explica Dolhnikoff. A biografia “John Lennon - A Vida”, de Philip Norman, foi inicialmente aprova da por Yoko Ono, viúva do beatle, mas depois o apoio foi retirado, sem que o autor entendesse a razão. A biografia passou a ser não autorizada, mas pôde ser publicada. Apenas o acesso à Yoko e aos documentos pessoais que ela guar dava se tornaram restritos. E o principal: em momento algum a viúva questionou a legitimidade da obra, alegando que não pudesse ser escrita e publicada. Proibir a publicação de biografias é limitar a liberdade de expressão, que é a base essencial de qualquer regime democrático. Nos países modernos e democraticamente consolidados como EUA, Inglaterra e França essa discussão soaria absurda, pois proibir gêneros literários não é uma opção. Biografias são instrumentos da História, “como es crever a história europeia do século XIX sem pesquisar a vida de Napoleão? E como pesquisá-la tendo que ficar refém de seus herdeiros? A história de toda a Europa deve ficar refém dos herdeiros de um só homem?” aponta Dolhnikoff. Esse projeto vem dar continuidade a um esforço de banir, de uma vez por todas, alguns resquícios autoritários da ditadura, que enxergava perigo e sub versão em tudo, principalmente nas opiniões e na expressão artístico-in telectual. Negar a publicação de biogra fias é um retrocesso para esse período conturbado e censurador. Para o escritor André Caramuru Aubert, essa discussão acerca das biografias
Biografia não autorizada do Beatle – divulgação
pode estar acontecendo no Brasil por ser uma democracia recente, que tem uma Constituição complexa e com aspectos contraditórios, portanto, uma série de questões que em outros países foram resolvidas há muito tempo, continuam sendo pauta entre nós. “Como bem es creveu Benjamin Moser, o biógrafo de Clarice Lispector, naquela carta aberta a Caetano, atualizando as palavras de Voltaire: “liberdade de expressão não existe para proteger elogios’” completa. A biografia é um trabalho literário, e não mero entretenimento como muitos pensam, é um tipo de obra importante em termos históricos e culturais. Quando tem cunho jornalístico é considerada re portagem, portanto é essencial para a construção da própria História. Há mui ta discussão acerca do pagamento dos biografados e do trabalho e ganho dos 23
biógrafos. No primeiro caso, não há jus tificativa plausível, pois as matérias jor nalísticas inúmeras vezes se valem da vida de figuras públicas sem lhes dar nenhum tostão. Já no caso dos lucros dos escri tores de biografias, é um equívoco achar que eles ganham fortunas e que seu tra balho não é tão louvável por relatarem histórias de vida de terceiros. As biogra fias refletem muito sobre um período e sobre a sociedade, proibi-las dessa forma empobrece o conhecimento humano. Há muitos argumentos contrários ao projeto, expressando que as biografias contam aspectos da vida privada, o que deslegitima o trabalho do biógrafo. Uma
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grande tolice. Como contar a história do Brasil sem estudar a vida de D. Pedro I e seu relacionamento com a Marquesa de Santos, que influenciou o primeiro reinado? A relevância de se conhecer a intimidade de figuras públicas é relativa, há situações em que isso influencia dire tamente o contexto social e histórico de uma época, já em outros casos não pas sa de mercadoria, de indústria cultural. A discussão sobre as biografias vai mui to além do direito de publicar fofocas e notícias “picantes” sobre alguém famoso, a natureza da esfera pública brasileira e a existência da censura (herança da di tadura) estão em jogo.
#opinião
Dia da Consciência Negra: Importância histórica e atual Por Júlia Dolce
Zumbi, Amarildo, Douglas Rodrigues e Mandela: terroristas de ontem, terroristas de hoje. No último 20 de novembro foi com pletada uma década da inclusão do Dia da Consciência Negra nos calendári os escolares, a partir da Lei de n°10.639, que também tornou obrigatório o en sino sobre a História e Cultura AfroBrasileiras. O Dia da Consciência Negra foi cunhado após a revelação da data do assassinato de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, como 20 de novembro de 1695, por membros do Grupo Palmares – que reunia militantes e pesquisa dores da cultura negra brasileira – em 1971. Porém, apenas em 2003 ganhou importância nacional entrando no calendário escolar, e em 2011 foi instituí do, através da aprovação da Lei n°12.519. Desde então, a data se tornou feriado em 1.047 municípios brasileiros. Ao pesquisar o Dia da Consciência Negra na Wikipédia e no Site da Secretária de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, assim como ao ler a Lei n°12.519 e observar as notícias public adas nos portais no ultimo 20 de novembro, algo chama a atenção: o verbo ‘comemorar’ é amplamente utilizado para designar a forma como devemos agir e agimos nes sa data. Apesar das legendas comemora tivas, as fotos do portal de notícias UOL exibiam jovens negras e negros em uma manifestação por direitos e igualdade. Um dos cartazes, segurado por uma mu lher, dizia ‘Não queremos ser globeleza’, enquanto em outro estava escrito “Cotas raciais nas universidades paulistanas Já!”.
Manifestação por democracia racial no Vão do Masp durante o dia da Consciência Negra
Após muito pensar sobre minha posição social e falta de propriedade para escrever um texto sobre racismo, cheguei à débil conclusão de que esses fatores, de certa forma, poderiam con tribuir para a argumentação. Sou branca, moro em um bairro nobre da cidade de São Paulo e estudo em uma faculdade particular, na qual entrei diretamente do ensino médio, pelo que a sociedade considera como ‘meu mérito’, mas eu entendo bastante como privilégio. Tenho pouquíssimos amigos negros, e nun ca estudei com mais de dois negros em uma sala de aula. A grande maioria de empregadas domésticas que já trabalha ram em casa são negras. Quando o dia 20 de novembro se tornou feriado em São Paulo eu fui para o litoral paulis ta “comemorar” a falta de aulas, que de maneira muito propícia se encaixou com o feriado da Proclamação da República, formando um recesso de praticamente 25
uma semana, quando emendado. A des crição do meu aproveitamento do Dia da Consciência Negra foi magistralmente ilustrada por Angeli, na seguinte charge:
O 20 de novembro de 2013 foi o pri meiro em que eu realmente entendi minha posição no Dia da Consciência Negra, assim como seu objetivo. E desde então, o uso da palavra “comemoração” começou a me incomodar, exatamente o que eu não queria fazer no dia 20 era comemorar. Passei o dia fazendo o que geralmente não se faz em nenhuma ou tra data do ano: reconhecendo minha posição histórica opressora como bran ca, lendo, ouvindo, e tentando de algu ma forma dar voz à população negra. Acreditei por um momento que a tal ‘comemoração’ tão divulgada não dizia respeito à mim, eu deveria me incomo dar sim, enquanto a população negra projetava seu orgulho racial e conquistas nessa data. Porém, usando mais uma vez a charge de Angeli como exemplo, qual a parte da população que realmente tem a possiblidade de comemorar o Dia da Consciência Negra, da forma como 26
nós brasileiros estamos acostumados a comemorar? Um texto escrito por Fernanda Sousa no blog Blogueiras Feministas, expôs es tatísticas assustadoras sobre a população negra brasileira: 70,8% da população que vive em extrema pobreza no Brasil é negra, assim como 60% da população carcerária. A chance e um jovem negro ser assassinado é 139% maior que a de um jovem branco e 60,9% das empre gadas domésticas são mulheres negras. A renda média de uma mulher negra equivale a 30,5% da renda de um homem branco e no ensino superior brasileiro apenas 8,9% dos estudantes são negros. A forma como nós brasileiros descar tamos a memória sobre os fatos históri cos do país é alarmante, e pode ser claramente observada durante os feria dos, quando a comemoração ultrapassa o debate a cerca das datas e seus obje tivos. É o caso do Dia Internacional do Trabalho, que nasceu como homena gem aos trabalhadores mortos nas lutas sindicais da Revolta de Haymarket, em Chicago, e hoje tem seu objetivo desco nhecido por grande parte da população. Também pode ser observada através da ineficiência da Lei n°10.639, exempli ficada nos inúmeros casos de profes sores criticados por pais e demitidos ao ensinarem a história e cultura AfroBrasileiras, e também na minha ‘exem plar’ formação acadêmica, que exige que eu procure ‘Quilombo dos Palmares’ no Google antes de escrever essa matéria. O Dia da Consciência Negra não pode perder o caráter que está repre sentado em seu nome, de conscien tizar o brasileiro sobre a luta histórica de emancipação dos negros, e principal mente, sobre a situação atual da popu lação negra em um país popularmente
caracterizado como ‘uma mistura de raças, onde não existe racismo’. A cele bração da cultura e história afrodescen dentes não pode ser confundida com o entretenimento barato que nos é ven dido, garantindo uma democracia racial que inexiste. O verbo ‘comemoração’ não pode ser usado como legenda para fotos de protestos por igualdade.
O Racismo Introjetado O ano de 2013 foi marcado pe los protestos das Jornadas de Junho no Brasil, que suscitaram críticas de várias questões anteriormente ignora das por boa parte da população, forma da principalmente por uma classe média alienada de temas políticos. Uma dessas questões foi o racismo evidente no tra tamento da Polícia Militar à população periférica, quando comparado ao trata mento dispensado aos jovens brancos e de maior poder aquisitivo, durante as manifestações. Entre os acontecimentos que pro moveram a revolta popular, alguns se destacaram. Foi o caso do assassinato do ajudante de pedreiro, e negro, Amarildo, considerado desaparecido após ser leva do por policiais à uma UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) da Rocinha, no Rio de Janeiro; do assassinato do jovem ne gro Douglas Rodrigues, estudante mor to por um policial em frente a um bar, que se tornou conhecido pela pergunta
que tem rodado a internet em forma de protesto: “Porque o senhor atirou em mim?”; e também do massacre pro movido no complexo da Maré, no Rio de Janeiro, quando policiais do 22° bata lhão da PM invadiram a favela em busca de traficantes, e mataram 9 inocentes, tornando famoso o bordão “Na periferia as balas não são de borracha”. Além da violência policial, situações como os protestos contra a vinda de cu banos para o Programa Mais Médicos, nos quais o médico negro Juan Delgado foi chamado de escravo; assim como a recente escolha da FIFA, ao trocar os atores negros Camila Pitanga e Lázaro Ramos pelo casal branco Fernanda Lima e Rodrigo Hilbert, para a apresentação do sorteio da Copa; têm conquistado a atenção popular. Esse último caso fo mentou discussões sobre racismo que tem sido desprezadas por muitos, inclu sive a atriz caucasiana, que respondeu em entrevista estar sendo injustiçada apenas por ser “branquinha”, além de acrescen tar o clichê argumento brasileiro para honestidade: “Eu pago meus impostos!”
Entrevista com Ailton Santos Após essa sucessão fria de dados e estatísticas, dou voz a quem realmente entende e sofre com a discriminação ra cial no Brasil: O professor universitário, militante do Comitê Contra o Genocídio da População Pobre, Preta e Periférica e do Movimento Pró-Cotas, Ailton Santos, que cedeu entrevista à Revista Contexto. Ailton dizia ter o tempo dividido em 80% questões acadêmicas e 20% militância, mas viu essa porcentagem se inverter após ganhar maior contato com a reali dade periférica brasileira, através de seus estudos sobre a cifra negra do genocí dio da população preta, pelos quais diz 27
ter se tornado um intelectual orgânico e de base. Você pode nos contar um pouco sobre suas pesquisas em relação ao genocídio da população negra? AS: O racismo no Brasil é estrutural, mas nós estamos vivendo ele de uma forma conjuntural. Nós estamos no Casa Grande e Senzala, a diferença agora é quem tem e quem não tem. Somos o país que mais mata o jovem, o preto, o pobre, o periférico. De cada 10 jovens que são mortos pela violência hoje, 7 são negros. Nós somos divididos em 96 distritos na cidade de São Paulo, e 60 deles não tem uma biblioteca. Quem mora nesses distritos? O negro, o pobre. Aí se torna uma área vulnerável, onde o Estado democrático é ausente. Quem paga o preço? Esse cidadão que geralmente demora 3 horas pra ir e voltar do trabalho. Um cidadão que paga impostos e não tem acesso à educação, saúde e lazer. Por isso esses números são impressionantes, mas verdadeiros. Eu reconheço de uma forma muito clara avanços e retrocessos de vários governos. Posso dizer que nesses últimos anos nós criamos muitos consumi dores e poucos cidadãos. Não tivemos mudanças claras e absolutas na estrutura brasileira, principalmente porque não existem instituições que tratam do racismo. Para que elas existam, tem que haver uma consciência de quem está no poder, que é justamente o branco racista. A construção do nosso processo é formada por negros, por índios e por brancos: é um tripé. Brasileiro é vira-lata, como dizia Darcy Ribeiro. Mas nós não aceitamos esse Brasil real, nós o 28
veiculamos de uma forma burra e li mitada. Acontece que o negro foi negado, visto como objeto até pelos Jesuítas. Negro não tinha alma, não precisava nem ser catequizado. O brasileiro precisa assumir primeiro que o racismo existe, que não existe uma tentativa de integrar o outro na sociedade e que a nossa elite econômica é alienada culturalmente e politicamente. Como você vê a importância do Dia da Consciência Negra e o modo como ele vem sendo encarado pela sociedade? AS: Eu gosto de lembrar da citação de Gramsci que fala que o pessimismo da realidade não pode tirar o otimismo da ação. Eu acho que estou mais ou menos nessa situação. Acho que o dia 20 é um primeiro passo de uma longa caminhada. Eu participei da passeata no último dia 20 em São Paulo, e fiquei muito feliz com a grande maioria de negros participando, mas também com uma parcela de 30% de brancos e pessoas de outras nacionalidades. Isso demonstra que a importância do Dia da Consciência Negra é que ele permite que mais um dia se torne oficial, mesmo que não seja um feriado nacional e que a gente não tenha um herói nacional negro. A presidenta Dilma precisa continuar a política que o governo Lula iniciou, ele foi o presidente que mais abriu embaixadas no continente africano, e a primeira Lei que ele assinou foi a Lei 10.639. Então é um retrocesso falar que nem 25% dos municípios estabeleceram essa data como feriado, e também que as pessoas não utilizam esse feriado pra refletir. Não existe uma conscientização, então temos que fa zer um trabalho de base, educacional, de comunicação, pra que esse dia seja não
Geledes Instituto da Mulher Negra
só de um movimento negro, mas de vários outros grupos sociais. Como você encara a efetividade da Lei n°10.639, principalmente em relação ao artigo que torna obrigatório o ensi no da cultura e história afro-americana nas escolas. AS: Eu não sei se ainda vou ter tempo pra ver essa lei se fazer presente de fato no currículo de todas as escolas, sejam elas públicas ou particulares, porque muitas escolas ainda são resistentes por uma questão claramente ideológica. Não adianta a existência da Lei n°10.639 se ela não se faz presente. Se o Estado colocasse o Art. 5° (todos são iguais perante a lei) em ação, não precisaríamos criar hoje as cotas, que permitem que grupos de etnias oriundas principalmente de escolas públicas, tenham acesso à facul dades como a USP. Mesmo São Paulo sendo o estado mais rico da União, continua negando nas suas universidades a condição das cotas, coisa que já foi
aprovada pelo Supremo Tribunal Federal. Isso demonstra que a nossa elite continua ainda extremamente racista. Você já foi discriminado na condição de professor negro, principalmente ao tra tar da história e cultura afro-americana em aula? AS: Olha, eu vou ser muito franco: claro que eu nunca fui diretamente destratado em sala pela minha condição de ser negro, mas já deixei de ser melhor acolhido justamente por essa condição. Você relaciona a democracia racial à de smilitarização da polícia? AS: Eu acabei de ler uma tese que foi defendida na faculdade de Direito do Largo São Francisco sobre direitos humanos e educação na Polícia Militar, na qual os números claramente mostram que a PM é racista e classista. Por conta disso, ela faz com que o pobre, preto e periférico, seja o mais sujeito a uma abordagem, 29
que infelizmente não é determinada pela condição do direito de ser. Se a polícia criasse protocolos de abordagem, nos quais seria justificada a razão pela qual o policial parou aquele cidadão, a gente conseguiria observar com maior pontualidade as razões muitas vezes racistas da abordagem. A Polícia militar, infelizmente desrespeita imensamente os direitos humanos, e isso não sou eu militante negro que falo, mas números e estudos sobre a PM. Você acha que o fato da atenção públi ca ter se voltado para negros periféricos nos casos recentes de violência policial (como o caso do Amarildo e do Douglas Rodrigues), significa um progresso na luta por democracia racial? AS: Se a gente não criar instituições e políticas que pressupõem uma axiologia da sociedade brasileira, não vamos avançar. Recentemente, um representante da Secretária de Segurança falou na Assembleia Legislativa que não existe racismo na polícia. Esse discurso não é real para o negro e pobre, o genocídio é claro para essa população. O racismo não está só na atitude física, mas já está introjetado. As vezes questionam até quando eu falo que sou professor, porque exis tem estereótipos de quem são os negros, esses criados pela elite branca. Qual a sua resposta pra afirmações que negam a existência do racismo no Brasil? AS: Na faculdade de Direito eu perguntava muitas vezes quantos professores negros eles tinham, e não era uma surpresa quando falavam que eu era o único. Quantos médicos ou engenheiros negros eles tinham visto? O que acontece, 30
os negros são preguiçosos, não gostam de trabalhar? Quantos negros na história brasileira eles tinham referência? A Avenida Rebouças em São Paulo por exemplo, ou a Teodoro Sampaio, tem o nome de negros. O criador da Academia Brasileira de Letras, Machado de Assis, era negro. Mas ouve uma negação, e o Brasil é feito dessa negação. Já está na hora de quebrarmos essa estrutura e reconhecermos a nossa história.
Mandela Aos 45‘ do segundo tempo na pro dução dessa matéria, tive contato com a notícia da morte de Nelson Mandela. Mandela, ou Madiba, como é conhecido na África do Sul, faleceu na quinta feira 5 de dezembro, aos 95 anos, após ser leva do para sua residência em Johanesburgo depois de ficar três meses internado para tratamento de uma infecção pulmonar. Meios de comunicação do mundo in teiro veicularam a imagem do ex-presi dente sul-africano, construindo uma opinião pública positiva através de uma áurea de pacifismo atribuída à Mandela. A morte de Mandela trouxe os fatos históricos da luta pela democracia racial para o nosso cotidiano e o luto interna cional por um líder negro tem um valor inquestionável. Porém, veículos conser vadores que por tantos anos apoiaram o apartheid, ou se abstiveram de denunciar esse sistema opressor, têm utilizado uma imagem conciliadora de Mandela para não assumir uma divergência de valores que em si os criminaliza. São os mes mos veículos que ignoram diariamente o genocídio da população negra bra sileira. É o caso da Revista Veja, coman dada pelo grupo midiático sul-africano
Naspers (sócio da Editora Abril), que du rante décadas esteve estreitamente vin culado ao Partido Nacional, organização partidária que legalizou o apartheid. Mandela foi um revolucionário, co munista e adepto da resistência arma da, classificado como “terrorista” pelos EUA até pouco tempo atrás. Apesar de sua importância histórica, sua revolução ainda não aconteceu: o racismo ainda é uma questão presente em todo o mun do. O fenômeno de distorção dos valores de líderes políticos, neutralizando-os, tem um potencial alienante tão grande quanto a “comemoração” rasa de datas que deveriam pregar a conscientização. Que a morte de Mandela alimente a dis cussão sobre o apartheid enrustido dos dias de hoje, para que a indignação e o luto por sua morte se estenda à periferia e aos negros assassinados diariamente. “Veículos conservadores que por tantos anos apoiaram o apartheid, ou se abstiveram de denunciar esse sistema opressor, têm utilizado uma imagem conciliadora de Mandela para não assumir uma divergência de valores que os criminaliza. São os mesmos veículos que ignoram diariamente o genocídio da população negra brasileira.”
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#prosa&poesia
Na força da luta revelo a mulher que sou o peso da vida sobe o pretencioso olhar espectro da alma Carne viva do amor Lembrança de viagem Armadura de cor De dor Rancor e mágoas, Desfeitas em puras e singelas lágrimas Simples e fugazes Exacerbam o peito Penetro o tempo e eternizam-se no toque Vida vida vida, querida, quem dera um dia dedicar uma ode a ti uma fugaz memória uma triste filosofia um desapego, regado pelo desejo de um dia compor a ti simples e puramente poesia
Jaqueline Araújo é estudante de Direito da Universidade de Guarulhos.
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#fotocontexto
Beco do Batman Victoria Azevedo ĂŠ estudante de Jornalismo da PUC-SP
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contexto
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