Revista Contexto - 1ª edição

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1ª Edição

agosto 2013

Movimentos Sociais agosto 2013


Índice

EXPEDIENTE EDITORA CHEFE: Priscila Bellini JORNALISTAS: Leticia Naísa Ana Clara Abreu Ana Carolina dos Santos Lebre Khaled Youness Murilo Carnelosso POESIA: Beatriz Guimarães ILUSTRAÇÃO: Matheus Bagaiolo DESIGN: Nathalia Lampiasi Leonardo Rodrigues FOTOGRAFIA: Gabriela Batista 432 - Enzo e Thaís Brunno Marchetti TRADUÇÃO: Priscila Bellini Olívia Mota Caio Barrocal REVISÃO : Priscila Bellini

Editorial

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p. 3

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Ilustrações Matheus Bagaiolo p. 4

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O poder da Mídia no pensamento coletivo p. 8

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Não enterrem meu coração na curva do rio p. 12

Poemas de Beatriz Guimarães p. 15

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Guerra Interna

p. 16

A marcha da incerteza p. 18

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Egito: Correção do desvio p. 20 Protestos MPL p. 22

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# EDITORIAL

Pela mídia democrática É difícil precisar o que foram as movimentações populares de junho deste ano. Certamente, os movimentos sociais já estavam lá, há anos, assim como partidos e grupos apartidários que, por décadas, foram violentamente reprimidos. O que faz essa nova onda de protestos ser diferente, e o que exatamente podemos alcançar através delas? Para tentar esclarecer tais questões, a revista Contexto, em sua primeira edição, aborda alguns dos aspectos principais das grandes manifestações por todo o país. Garantir que os jovens entendam as variáveis nesse jogo político faz parte do que a revista entende por democracia. Os membros da direita nos protestos, a postura da mídia, os protestos em outros lugares do mundo: é essencial compreender tais fatores e ter base para emitir uma opinião sobre. O que o gigante que acordou tem a aprender com os que nunca dormiram? Nesta edição, você encontra matérias sobre diversas das questões levantadas, além de fotos dos confrontos e protestos, assinadas pela 432 e pela fotógrafa Gabriela Batista. Além de tudo isso, há uma série de poemas de Beatriz Guimarães e os trabalhos de Matheus Bagaiolo sobre cultura e política. Todas as matérias foram idealizadas e escritas por jovens da equipe da Contexto e apoio de tradutores ligados à revista. Já na primeira edição, cabem agradecimentos aos membros da equipe e aos que apoiaram o projeto, ainda que indiretamente. O apoio do YALLAH (Youth Allied to Lead, Learn And Help) e da Qatar Founda-

tion International desde o início da revista foi essencial para colocar em prática o projeto, graças ao Service Project Grant oferecido pela instituição e a ajuda sempre oferecida pelos membros da QFI. Essa equipe tornou a Contexto um espaço para debates e pautas de relevância nacional e internacional, essa equipe começou a Contexto. É essa equipe que convida você a participar e entender melhor o que acontece pelo mundo todo, seja você do Brasil, dos Estados Unidos, do Qatar ou qualquer outro país. Faça parte dos debates, sugira pautas, escreva, ilustre, divulgue seu trabalho. A intenção da Contexto é ser também a sua voz, é batalhar por uma mídia democrática.

Priscila Bellini Editora-chefe

Bem-vindo à Contexto! Welcome! Ahla wa sahla!

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# ILUSTRA

Correndo da correria

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Matheus Bagaiolo, estudante de jornalismo na PUC -SP, apresenta três de seus trabalhos ligados a política e cultura para a primeira edição da revista Contexto. Mais trabalhos seus podem ser vistos em http://www.raphaelli7. blogspot.com.br Sobre Adorno agosto 2013


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# BRASIL

O poder da mídia no pensamento coletivo

Por Murilo Carnelosso de Jesus

A influência dos meios de comunicação no perfil e na aceitação dos protestos que se espalharam por todo o país mostra a força da mídia na formação de opinião pública O Brasil vive um dos momentos políticos mais marcantes de sua recente história. As manifestações, que tiveram seu estopim por causa do aumento das tarifas do transporte público, ganharam repercussão durante protestos organizados pelo Movimento Passe Livre (MPL) duramente reprimidos em São Paulo pela Polícia Militar. Logo após, espalharam-se por diversas cidades brasileiras, levando multidões às ruas. As milhares de pessoas que foram às ruas reivindicaram seus direitos nos maiores protestos que o país viveu, desde o impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello, em 1992. Entretanto, o que começou devido ao aumento do preço das passagens - no caso de São Paulo, um aumento de vinte centavos (de R$ 3,00 para R$ 3,20) - logo tomou as mais variadas formas. As pautas das manifestações se diversificaram, manifestantes agora também pediam mais investimentos em serviços públicos, como saúde e educação, criticavam os abusivos gastos com estádios de futebol, desaprovavam o trabalho de políticos, pediam o fim da corrupção. Por que tantas bandeiras diferentes, e muitas vezes tão distantes, foram levantadas? Como, do dia para a noite, tantas pessoas foram às ruas bradar gritos contra tudo e todos? Muitos fatores explicam esta postura, a exemplo da insatisfação geral da população perante as condições de vida nas metrópoles brasileiras, além da falta de credulidade na ação dos políticos. Um fator decisivo para esta virada foi a atuação das grandes empresas de comunicação na cobertura das manifestações. A mudança de posicionamento da grande mídia acerca dos protestos, que até então eram duramente criticados pelos mesmos veículos e reprimidos pelas forças policiais, coincidiu com a subsequente adesão maciça da população às manifestações e pluralidade de 8

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demandas que surgiram nas ruas.

Os primeiros protestos São Paulo, cidade que foi epicentro das revoltas que se alastraram pelo país, teve o Primeiro Grande Ato Contra as Passagens organizado pelo MPL no dia 6 de junho. Estima-se que entre duas e quatro mil pessoas participaram do protesto, e ele terminou em confrontos com a polícia que utilizou armas não letais para a repressão aos manifestantes. “Terminou em vandalismo e depredações protesto organizado por grupos de estudantes contra o aumento das tarifas de transporte público em São Paulo. A Tropa de Choque da Polícia Militar teve que usar gás lacrimogênio e balas de borracha para liberar uma das principais vias da cidade, a Avenida Paulista”: foi assim que o Jornal da Globo começou seu noticiário, na noite do mesmo dia. No dia seguinte, outro ato foi organizado pelo Movimento Passe Livre, com mesmo desfecho repressivo e mesma repercussão. “Para protestar contra o aumento da passagem do transporte público em SP, grupos de estudantes provocaram caos na maior cidade do país. Quando fecharam a Marginal Pinheiros, na hora da volta pra casa, a polícia teve que usar gás lacrimo-


gênio para romper o bloqueio”, anunciou mais uma vez o jornal noturno da TV Globo. O terceiro dia de protestos na cidade mais populosa do Brasil ocorreu no dia 11 de junho, e fontes oficiais divergem entre 3 e 12 mil o número de participantes. Mesmo com a multiplicação de relatos na internet denunciando os abusos de policiais contra os manifestantes que exerciam seu livre direito de expressão, a cobertura jornalística dos grandes veículos continuou tratando o movimento como algo irresponsável e controlado por vândalos. A manchete do jornal Folha de São Paulo do dia seguinte estampava “Contra tarifa, manifestantes vandalizam centro e Paulista”. O outro jornal de grande circulação da cidade, O Estado de São Paulo, não deixava por menos na manchete “Maior protesto contra a tarifa tem bombas e depredação”. Em suas coberturas, total atenção para os estragos causados na cidade, todos supostamente

causados pelos manifestantes, que estiveram em confronto com a polícia. No entanto, o protesto deste dia provocou uma reação descomunal de diversos órgãos de comunicação e jornalistas, que teceram seus duros comentários nos dias seguintes. “Por trás da confusão, há o Movimento Passe Livre, que inclusive está fazendo uma ‘vaquinha’ para livrar os arruaceiros do xadrez”, comentou Rachel Sheherazade, no Jornal do SBT do dia 12 de junho, sobre o auxílio financeiro que o MPL buscou

para pagar a fiança de manifestantes detidos por justificativas no mínimo exageradas, como formação de quadrilha. O jornalista Arnaldo Jabor, por sua vez, descreveu os jovens que foram às ruas como “a caricatura violente da caricatura de um Socialismo dos anos 50, que a Velha Esquerda ainda defende aqui”. E terminou de forma contundente: “realmente, esses revoltosos de classe média não valem nem 20 centavos”. O dia 13 de junho merece atenção muito especial, pois ficaria marcado como a virada das manifestações. Após três protestos em São Paulo e com o quarto ato anunciado para o começo de noite daquela quinta-feira, a cidade amanheceu com os seus dois principais jornais estampando os títulos “Retomar a Paulista” e “Chegou a hora do basta”. O primeiro, publicado na Folha de São Paulo, além de criticar a causa do protesto, afirmando que a revindicação de reverter o aumento da tarifa de ônibus não passava “de pretexto, e dos mais vis”, colocou quase como questão de honra negar o acesso à Avenida Paulista pelos manifestantes. “É hora de pôr um ponto final nisso. Prefeitura e Polícia Militar precisam fazer valer as restrições já existentes para protestos na Avenida Paulista”, sugeria o texto, que também exigiu a “força da lei” para conter os “vândalos”. O segundo, de autoria do jornal O Estado de São Paulo, foi ainda mais radical. Clamou por ação mais rigorosa da Polícia Militar, que até o momento “agiu com moderação”, segundo o jornal. Entre uma de suas sugestões, pede que o governador Geraldo Alckmin “determine que a PM aja com o máximo de rigor para conter a fúria dos manifestantes, antes que ela tome conta da cidade”. E tiveram seus pedidos atendidos. Os números apontam para pelo menos 100 pessoas feridas naquela noite em São Paulo - entre elas diversos jornalistas de grandes órgãos de comunicação. Inclusive a repórter da própria Folha, Giuliana Vallone, atingida no olho por uma bala de borracha disparada pela Rota, esquadrão de elite agosto 2013

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da polícia paulistana – e 300 manifestantes detidos. Mais de 100 destas detenções foram realizadas “para averiguação”, ou seja, sem nenhuma acusação. Muitos destes, entre eles o repórter Piero Locatelli, da revista Carta Capital, foram presos por portar vinagre, substância legal que atenua os efeitos das bombas lançadas pelas forças policiais. O flagrante destempero policial transformou a o p i n i ã o midiática sobre os protestos que seguidamente tomavam as ruas da capital paulista. O texto do colunista Elio Gaspari, que escreve para A Folha de São Paulo e O Globo, com o título autoexplicativo “A PM começou a batalha na Maria Antônia”, é um dos marcos deste processo. Ele escancarou que a situação não era tão simples como os jornais relatavam. Neste caso, a polícia havia, deliberadamente, atacado os manifestantes pacíficos. O Jornal da Globo iniciou seu noticiário naquela noite dizendo que “forte repressão policial impediu nesta quinta-feira que se alastrassem por todo centro de SP protestos contra o aumento da tarifa de transporte”. A grande imprensa começava a se dar conta de que a violência não partia dos manifestantes, e de que a atuação policial desastrosa colaborou para isso.

E agora, José? Os dias que se seguiram foram marcados por cada vez mais relatos de truculência policial na fatídica quinta-feira, e pela mudança de postura da imprensa perante os protestos. Os mesmos dois grandes jor10

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nais de São Paulo, que dois dias antes haviam exigido total repressão às manifestações, começaram a transformar seu discurso e trouxeram, em suas páginas da edição do sábado, editoriais que criticavam ferrenhamente a atuação policial e apontavam para uma suposta diversificação de reivindicações nos protestos. A Folha de São Paulo, que denominou os policiais como “agentes do caos”, ressaltou em seu texto que “a Polícia Militar do Estado de São Paulo protagonizou, na noite de anteontem, um espetáculo de despreparo, truculência e falta de controle”. Já O Estado de São Paulo, ao tentar “entender as manifestações”, deu destaque ao fato de “alguns manifestantes” afirmarem que “outros


participantes dos protestos já estão levantando, ao lado do aumento das tarifas de transporte coletivo, problemas nas áreas de saúde e educação”. Foi este ambiente, reafirmado muitas vezes nos jornais, de indignação com a repressão policial e de surgimento de mais causas nos protestos – que a esta altura já não se limitavam a São Paulo e ocorriam também em cidades como Porto Alegre, Rio de Janeiro, Maceió, Brasília – que propiciou o crescimento exponencial do número de manifestantes nas passeatas que se seguiram. Não era mais “apenas” a redução da tarifa do transporte público. O dia 17 de junho ficou marcado como o principal dia desta série de protestos. Se até então o número de manifestantes em cada cidade não passava de 5 ou 10 mil, neste dia multidões saíram às ruas. Foram mais de 100 mil pessoas no Rio de Janeiro, 65 mil em São Paulo, 10 mil no Rio Grande do Sul e em Curitiba, 13 mil em Belém, além de outras manifestações em praticamente todas principais capitais do país. Tudo isso com base em números oficiais, questionados por mídias alternativas e por usuários das redes sociais. A partir de então, os jornais começaram a posicionar-se a favor dos protestos e a diferenciar os manifestantes. “São Paulo também teve uma grande manifestação pacífica e depois tumulto provocado por um PEQUENO grupo na frente do Palácio dos Bandeirantes”, foi o que disse o Jornal da Globo do dia 17. Agora, havia a maioria pacífica e legítima, e a minoria desordeira, os “vândalos”. Entretanto, a mídia não conseguiu apenas incentivar milhares de pessoas a ir para as ruas do dia para a noite. As outras reivindicações que não apenas a tarifa do transporte público ganharam força nas manifestações Brasil afora, muito devido à influência midiática. “No calor de tantos anseios, a questão das passagens virou uma questiúncula. Emergiram revoltas mais profundas e até mais legítimas. As gentes agora marchavam contra a violência, a corrupção, as injustiças, o sistema, o desperdício de dinheiro público nos estádios da Copa”, afirmou Rachel Sheherazade. Arnaldo Jabor, além de pedir desculpas pelos comentários da semana anterior, também opinou sobre quais seriam causas justas a se lutar. “É preciso de uma política nova, se reinventando, mas com objetivos concretos. Como por exemplo, a luta contra a PEC 37,

que será votada semana que vem para limitar o Ministério Público, que defende a sociedade”, afirmou o jornalista que até a semana anterior tecia duras críticas aos manifestantes. Novamente, a voz da mídia rapidamente ecoou pelas ruas. Após a revogação do aumento das tarifas do transporte público em várias cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, os manifestantes continuaram nas ruas. Nos dias que se seguiram, os protestos contra os gastos em estádios de futebol multiplicaram e se tornaram rotina no lado de fora das construções que abrigavam os jogos da Copa das Confederações, em cidades como Rio de Janeiro, Salvador e Belo Horizonte. Outra infindável quantidade de reivindicações era ouvida no meio das multidões - principalmente causas genéricas, como fim da corrupção, e o repúdio absoluto à classe política e a qualquer organização partidária. Os manifestantes tinham orgulho de se autodenominarem apartidários, mas se portavam como antipartidários, negando a presença de bandeiras de organizações políticas e sociais. As grandes manifestações seguiram, sempre noticiadas da mesma forma pela imprensa. A “maioria pacífica” lutava por causas “legítimas”, como o “fim da corrupção”, e repudiava os políticos e tudo o que remetesse a eles. Houve também grandes manifestações organizadas durante a Copa das Confederações, exigindo explicações sobre os gastos nos estádios do evento. Por outro lado, outros protestos menores continuaram a ocorrer nas periferias, mas sem a mesma repercussão que as passeatas organizadas no centro da cidade. É inegável a influência que a mídia exerceu nos rumos das manifestações. Se antes os rebeldes eram “vândalos”, segundo a abordagem dos grandes veículos de comunicação, a população os via também como “baderneiros que atrapalhavam a volta pra casa”. Quando estes mesmos grandes órgãos de imprensa denunciaram os abusos policiais e, se não se posicionaram a favor tão rapidamente, ao menos pararam de criticar cegamente os protestos, milhares foram às ruas. Quanto mais uma causa era sugerida e evidenciada nas páginas dos jornais e na voz dos analistas de televisão, mais ela era ouvida entre os gritos dos populares das grandes passeatas. E assim a grande mídia influenciou mais uma vez a opinião pública.

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# BRASIL

Foto: Ruy Sposati

Não enterrem meu coração na curva do rio Por Ana Carolina dos Santos Lebre

Anteriormente à onda de manifestações, os povos indígenas já levantavam sua voz contra as propostas conservadoras do governo.

Como que preparando terreno para as grandes manifestações de junho, um mês antes, os índios da etnia Terena ocuparam a fazenda Buriti em Sidrolândia (MS), no dia 15 de maio. O local já tinha sido delimitado como território indígena e aguardava o processo demarcatório para, enfim, ser regularizado. Porém, a ação judicial já se estendia por mais de 13 anos e os indígenas decidiram que a espera havia acabado. Sem aviso prévio, a Polícia Federal e o Batalhão de Operações Especiais (Cigcol) iniciaram o processo de reintegração de posse e invadiu o local, prendendo 15 índios por desacato à autoridade e agindo com violência. Foram 28 índios Terena 12

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vítimas de bala de borracha, e o indígena Oziel Gabriel foi morto na manhã do dia 30 de Maio. A morte de Oziel, contudo, acabou por incendiar ainda mais a revolta dos índios Terena, que, já na madrugada do dia 31, ocupavam 3 mil hectares da fazenda Esperança, em Aquiduana, próximo à terra indígena em Buriti. Em entrevista sobre o que ocorreu aos índios, Lindomar Terena afirma que “essas ações das comunidades (Terena) se devem ao fato de que o governo brasileiro não tem interesse em resolver a questão indígena. As retomadas são o nosso último recurso para que as leis e nossos direitos sejam garantidos”. Não é só o povo Terena que sofre com a espera


do reconhecimento de seus direitos. A situação dos GuaraniKaiowá e dos demais povos indígenas do Mato Grosso do Sul (estado com a segunda maior população indígena do país) é praticamente a mesma - só mudam os personagens. Sem terra e sem trabalho, os indígenas têm apenas duas alternativas: ou a escravidão ou o suicídio. Cerca de mil Guarani-Kaiowá escolheram a última opção, nos últimos meses. Desde a época da ditadura, com a política de ocupação do Centro Oeste, os indígenas são confinados em pequenas áreas, as chamadas reservas indígenas, que nada mais são do que territórios desapropriados pela União. Essas áreas diferemse dos chamados territórios indígenas, as áreas com valor histórico e cultural para determinada etnia e que são espaço para que tais índios exerçam de forma plena sua cultura e suas crenças (como o território de Buriti, por exemplo). A política tomada na década de 70 foi a de concessão dessas terras aos grandes proprietários e latifundiários. A política tomada hoje em dia, não difere muito. A pressão dos ruralistas e dos membros de um dos setores que mais crescem no país, o agronegócio, é forte no Congresso. No dia 28 de maio, em reunião com a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, os latifundiários defenderam o projeto que submete a decisão da demarcação de terras indígenas a órgãos como a Embrapa (Empresa Brasileira de Agricultura e Desenvolvimento), o Ministério de Agricultura e Desenvolvimento Agrário (MDA) e o Ministério de Agricultura, Pecuária e Abas-

2 de Maio de 2013- indígenas protestam contra os efeitos da construção da usina na região. Foto: Ruy Sposati

tecimento (MAPA). Além disso, a bancada também pressiona o governo a implantar a portaria 419, que restringe a atuação da Funai (Fundação Nacional do Índio) e de órgãos ambientais além da PEC 215, que concede ao Congresso o poder sobre as demarcações indígenas (atualmente, a responsabilidade sobre essas terras se encontra nas mãos da Funai e do Ministério da Justiça). Para evitar mais conflitos entre os indígenas e os fazendeiros, o governo decidiu suspender a demarcação das terras, até que mais estudos sejam realizados e concluídos. Segundo o Cimi (Conselho Indigenista Missionário), as mudanças propostas pelo governo e defendidas pelos ruralistas, na questão das terras, mantêm as estruturas de dominação dos latifúndios e burocratizam o acesso dos índios às suas ocupações tradicionais. Em declaração à Rede Brasil Atual, Cleber Cesar Buzzato, secretário-executivo do Cimi, alega que “o governo só está ouvindo o agronegócio”. Diante da conjuntura, os indígenas se organizam para garantir seus direitos na prática. No Paraná, logo no começo de junho, após a suspenção das demarcações das terras indígenas, lideranças de diversas etnias ocuparam a sede estadual do PT, em Curitiba. Houve também, na

mesma época, uma marcha organizada por movimentos populares, tais como o MST (Movimento do Trabalhadores Rurais Sem Terra), em solidariedade à luta dos povos indígenas. As mobilizações dos índios ganharam visibilidade. No dia 10 de julho, a presidenta Dilma reuniu-se, pela primeira vez em seu governo, com lideranças indígenas do Brasil todo para discutir a questão das terras e demais pautas envolvendo os direitos dos índios no país, como o acesso à saúde. Durante o encontro, a Aty Guasu (Assembleia Geral dos Guarani-Kaiowá) argumentou que as invasões realizadas foram decorrentes do descaso do governo perante as terras pertencentes aos índios, que continuam nas mãos dos latifundiários. Em carta entregue à presidenta, a Assembleia escreve: “Os fazendeiros continuam enriquecendo ilegalmente sobre essas terras indígenas”. A discussão não trouxe muitos avanços, ainda que a presidenta tenha garantido que pretende diminuir os conflitos - o que não necessariamente implica uma melhor política indigenista. agosto 2013

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As discussões ainda prosseguem. A comissão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publica o relatório final dos estudos no início de agosto. Os líderes indígenas declararam que, até a publicação do relatório, não irão reocupar as terras - e que só haverá uma discussão sobre o assunto no dia 9 de agosto, durante a 3ª Assembleia Geral dos Povos Indígenas do Mato Grosso do Sul, após a análise da decisão do CNJ. Nos últimos meses, o país passou por uma onda de mobilizações e paralisações. A juventude se levantou, os operários pararam o dia 11

de julho e os índios uniram-se para ir contra a lógica colonialista, que há 513 anos coloca-os como simples barreiras de uma lógica distorcida de desenvolvimento. Eles disseram não. Entre as pautas que levaram os índios a dizer “não”, estão a expropriação de suas terras, a desapropriação de sua cultura, o genocídio. Ocuparam o que é de direito, pararam a construção de Belo Monte por mais de duas semanas e fizeram com o mundo olhasse para o Maracanã, não como estádio do país da Copa e do futebol, mas como o local de preservação de suas crenças. Eles saíram de onde os confinavam e agora exigem que o país os escute, responda e olhe-os diretamente nos olhos.

Nos velhos te mpos em qu e o mocinho e casava com ganhava do a mocinha, n bandido inguém era m índio. Quand ais bandido q o os pacífico ue o s colonos vin terra prometi ham falando da, a câmera de uma ia para os a próximas e e ltos das esc ra inevitável: arpas lá estavam a s silhuetas o diadas Enterrem me

u coração na

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Curva do Rio

- Dee Brown


# PROSA E POESIA

Poemas Beatriz

s e ã r a m i Gu

doxo(,) – um para o c ti é n e oral o Vaso G o(,) atemp parnasian mais: o que dói no cais, do veleiro a id rt a p nos? a cia de ace n ê s u a a ou menos? que dura da Beleza fin rda, pois toda a e co o sonho s d to e d o recordar com há o que o ã n , ia v reu. toda no é só b o s o o d n qua sceu r como na , é belo ve ce ando fene e triste qu a a memóri mas resta : s o m ue so e é isso q mos. cromosso

Beatriz Guimarães faz Estudos L i t e r á r i o s , na Unicamp, e é também colaboradora do site Fala Cultura.

Água (III) há água doce, água salgada, até sem gosto. melhor aquela levemente salgada suavemente doce de uma mulher que mata a sede de outra.

(XI amo ) r mor em nas e mor enas cost as d mulh e er.

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# INTERNACIONAL

Guerra Interna A revolução no Egito que ainda não chegou para as mulheres Por Letícia Naísa No dia 3 de julho de 2013, o presidente egípcio Mohamed Mursi foi deposto pelo Exército, originando mais uma onda de protestos pelas praças públicas do país. Ao menos 88 pessoas já foram mortas, segundo dados da Anistia Internacional (consultados até o fechamento desta matéria), e a constituição do país foi suspensa temporariamente. O clima de guerra foi instalado no país entre os pró e contra Mursi. Infelizmente, essa guerra se estende para o campo do gênero: ao menos 200 mulheres já foram violentadas durante as manifestações desde o dia 28 de junho, de acordo com Diana Eltahawy, investigadora da Anistia Internacional no Cairo. A Praça Tahrir, símbolo das principais manifestações no Egito, também foi palco de horas de horror para inúmeras mulheres desde a eclosão da Primavera Árabe, em 2011. O caso que ganhou maior atenção na época foi o da jornalista norte-americana Lara Logan, que cobria a queda de Mubarak para a rede CBS. “Tudo o que podia sentir foram suas mãos me estuprando”, contou a repórter em uma entrevista meses mais tarde. Além de Logan, outras jornalistas também foram agredidas enquanto faziam a cobertura dos protestos. A organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) chegou a aconselhar as organizações de mídia

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internacional a não enviar correspondentes mulheres para os locais de conflito para evitar os casos de violência sexual, o que gerou bastante polêmica e fez com que a RSF alterasse seu texto e apenas indicasse que a segurança das repórteres fosse reforçada. Medo na Praça Se jornalistas estrangeiras em exercício de sua profissão foram agredidas, o que dizer das próprias egípcias em exercício de seu direito de se manifestar? Testemunhos de dezenas de mulheres agredidas têm surgido nos grandes periódicos internacionais. A jornalista Hanan Razek, da BBC, deu voz a algumas dessas mulheres no documentário “Women of Tahrir Square”. Elas contam que foram agredidas e humilhadas por policiais militares, que fizeram com que elas se sentissem culpadas por ocuparem as ruas - e elas chegaram a receber ameaças. Mona Eltahawy, uma jornalista egípcia-americana, publicou um artigo na revista Foreign Policy em 2012 intitulado “Why do they hate us?” (“Por que eles nos odeiam?”), questionando os padrões que diminuem as mulheres no mundo árabe. Para ela, a revolução das mulheres deve ser uma revolução à parte da Primavera Árabe. A jornalista e professora da Universidade Federal da Bahia, Maíra Kubík Mano, concorda que essa revolução das mulheres ainda é um assunto inacabado em todo o mundo, mesmo em tempos de mobilizações, pois as reivindicações das mulheres ficam em segundo plano frente à luta pela mudança do sistema político. Para ela, “não é porque na Primavera Árabe ou no Outono Brasileiro as pessoas estão se mobilizando que isso signifique automaticamente que elas deixarão de ser machistas ou homolesbo-transfóbicas”. Mona destaca que, no Egito, as mulheres são submetidas a “testes de virgindade” e ainda têm suas genitálias mutiladas – apesar da prática já ter sido proibida. Segundo dados de 2008, 83% das mulheres egípcias disseram que já foram estupradas. As origens dessa misoginia estão intimamente ligadas ao modo como as mulheres são trata-


das há séculos. “A violência contra a mulher não brota do nada. Ela é praticada e repetida cotidianamente há milênios, inclusive por líderes religiosos. Violência, vale dizer, não só a física, mas também a psicológica. Cria-se nas sociedades um clima de permissividade, onde a mulher é ‘naturalmente’ considerada inferior ou propriedade do homem e que, portanto, deve ser tratada como tal. Seja no islamismo, no cristianismo ou no judaísmo. O que não significa necessariamente falar contra as religiões, mas sim a maneira como elas são interpretadas e conduzidas”, aponta Maíra, “conheci mulheres que lutavam pela reinterpretação do Corão. Elas se reivindicavam muçulmanas, mas diziam que o livro sagrado não estava sendo tratado de maneira adequada e que ele por si só não pregava nenhum tipo de opressão à mulher”.

para retirar as mulheres que estejam sendo violentadas. Ativistas da Tahrir Bodyguard, outra organização criada para o atendimento das mulheres agredidas, também fornecem atendimento médico e psicológico às vítimas de estupro. Essas medidas são necessárias enquanto elas correrem riscos, mas acabam perpetuando o medo de sair e lutar por seus ideais. Será preciso que essas mulheres sejam muito fortes para enfrentar a dupla revolução e serem ouvidas. Maíra desabafa: “é fácil, para mim, falar do conforto da minha casa, que elas devam ir para as ruas e se expor. No entanto, acredito que essa é a única maneira de transformar a sociedade. As mulheres, assim como gays, lésbicas e pessoas trans, que são notoriamente oprimidas, devem ser os protagonistas da mudança. Ninguém, mais do que uma mulher que foi humilhada, violentada, estuprada, sabe o quanto é preciso que isso nunca mais se repita. Vou falar uma frase clichê, mas que é real: a união faz a força. As mulheres têm que se unir, lutar juntas. Elas precisam compreender que são um ponto fundamental da verdadeira revolução que pode ocorrer em seus países. Porque, se não nos livrarmos do machismo, do racismo e de todos os preconceitos, não teremos uma sociedade de iguais, verdadeiramente democrática, onde todos podem expressar suas opiniões e disputar o espaço político. É necessário que as mulheres continuem nas ruas”. Entretanto, para que elas não deixem de ir aos protestos, membros dos grupos de resgate estimuMona Eltahawy, jornalista egípcia-americana, tratou da questão dos estupros em protestos no Egito.

Essa visão diminuída das mulheres no país acaba permitindo que os casos de agressão na Praça Tahrir aconteçam sem grandes consequências para os agressores, colocando as vítimas como culpadas. Em entrevista à BBC, jovens afirmaram que “não se pode evitar” que os estupros aconteçam, “se está aqui e vê uma menina vestida de forma indecente, o que vai fazer?”, disse um deles ao correspondente Aleem Maqbool. Vários deles afirmaram que iam à praça para olhar as mulheres. Pedido de ajuda Diante desse cenário, organizações de direitos humanos e outros grupos do Egito criaram grupos de voluntários para ajudar mulheres que sofrerem agressões durante as manifestações. Já foram computados dezenas de casos. Homens vestidos de amarelo criaram um corredor para proteger as ativistas durante o protesto do último dia 9 de julho. Desde janeiro, diferentes organizações como a Operation Anti Sexual Harassment (OpAntiSH) têm atuado no resgate de mulheres durante os protestos. Os voluntários fazem panfletagens com números de emergência para as mulheres em casos de agressão e entram no meio da multidão

lam as mulheres a não ficarem em silêncio sobre as agressões sofridas. Por isso, depoimentos de ativistas têm surgido na internet e nos jornais: elas não devem permanecer caladas. A instituição Nazra for Feminist Studies publicou quatro depoimentos anônimos de mulheres agredidas na Praça Tahrir e a musicista Yasmine El Baramawy deu seu testemunho à Folha de S. Paulo sobre o dia em que foi estuprada enquanto protestava, em novembro de 2012: “eles me estupraram de diversas maneiras com as mãos. Não com o pênis. Um homem veio por trás e me estuprou com um canivete. Outra mulher teve a vagina e o ânus a b e r t o s com uma faca, foi muito pior. O que acontece não é só uma violência sexual. São crimes violentos. Eles humilham as mulheres. Eles abusaram de mim na Tahrir e então me levaram a um canto próximo da praça. Continuaram. Fui arrastada a outra rua, depois mais adiante, então me puseram em cima de um carro e seguiram me estuprando”. São histórias de mulheres que foram humilhadas, tiveram suas roupas rasgadas e seus corpos tocados por desconhecidos. Histórias que nunca serão apagadas de suas memórias, de seus corpos e nem do chão da Praça Tahrir.

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# BRASIL

A Marcha da Incerteza Por Ana Clara Pires de Abreu Após movimentação em junho, membros da direita parecem tomar as ruas. O cenário é de insatisfação; política, principalmente. Mais de um milhão de pessoas tomaram as ruas das principais capitais brasileiras. Entoando o hino nacional, manifestam-se pela liberdade e pela ordem, contra a corrupção e medidas ditas “populistas”. Junho de 2013? Não, era março de 1964. A Marcha da Família com Deus pela Liberdade, aquela que antecedeu o famoso golpe civil-militar de 64 – e foi a voz do conservadorismo em apoio à intervenção dos militares. Os protestos por todo o Brasil desde meados de junho apresentam semelhanças com os de 1964, a primeira vista. O contexto atual é completamente diferente da situação da década de 60 e uma nova ditadura muito provavelmente não está à espreita. Ainda assim, esses traços similares revelam o incontestável: a direita tomou as ruas novamente. O que não é errado: o ato de manifestar-se contra ou a favor de algo, ir às ruas e lutar pelo que acredita não é uma exclusividade da esquerda; é um direito inerente – ou que deveria ser – a todo e qualquer cidadão, independente de sua posição política. No entanto, frente a algumas pautas e comportamentos dos novos manifestantes, uma série de análises foi levantada. Talvez o que mais se questione seja a súbita mudança de posicionamento dos grandes veículos de comunicação, em sua maioria aliados a setores conservadores. No início do mês de junho, quando os protestos organizados pelo MPL (Movimento Passe Livre) começaram a ganhar destaque na grande mídia, esta se posicionou fortemente contra o movimento, recriminando-o. Em vez de manifestantes, “vândalos”; em vez de protestos, 18

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“baderna”. O jornalista e comentarista Arnaldo Jabor chegou a dizer que os revoltosos não v a l i a m “nem vinte centavos” – ironizando a causa. A frase gerou polêmica, a repressão policial aos supostos “arruaceiros” e a alguns jornalistas que cobriam o ocorrido não obteve aprovação por parte da opinião pública. No intervalo de poucos dias, o movimento cresceu exponencialmente; em cerca de duas semanas, o número de pessoas nas ruas passou de dois mil para mais de um milhão, espalhados por todo o país. Finalmente, em vez de críticas, desculpas. Em vez de vaias, aplausos. Até a mais extrema direita passou a apoiar um movimento que se pautava, de início, em reivindicações claramente esquerdistas. Essa súbita “mudança de lado” acabou levando, ainda que inconscientemente, milhares de pessoas às ruas - o que deu ainda maior dimensão aos protestos, a dimensão de um “gigante”. Em um primeiro momento eram somente vantagens, tudo parecia progredir bem, cada vez mais pessoas aderiam aos protestos organizados pelo MPL e o Brasil ganhava apoio internacional. Mas um crescimento tão repentino e, de certa forma, brusco trouxe algumas mudanças inesperadas por aqueles que integravam o movimento antes mesmo de ele aparecer na televisão. Foram postas em pauta outras reinvindicações, muitas de caráter direitista e, algumas, extremamente vazias e pouco politizadas. Um comportamento diferente passou a ser adotado pelos novos manifestantes. O gigante que acordara não se lembrava daqueles que nunca dormiram – e ignorara movimentos sociais e


partidos que lutaram pelas causas dos protestos há anos. O surgimento de novas propostas Uma das principais reinvindicações postas em pauta à qual grande parte dos novos manifestantes aderiu foi “o fim da corrupção”. Sob um olhar mais superficial, nada parece haver de estranho em tal proposta; afinal, não há quem seja a favor da “roubalheira”. No entanto, a pauta nada tem a acrescentar na prática. Também muitos cartazes pelo impeachment de diversos candidatos foram levantados, deixando de lado todo o processo político e burocrático que essas deposições acarretariam. Para Pablo Ortellado, professor de Gestão de Políticas Públicas da USP, a mudança de política adotada pela mídia “por um lado, deu enorme dimensão ao movimento, mas, por outro, gerou uma enorme difusão de pautas que está provocando um processo muito confuso, que a gente não sabe para onde vai, na verdade.”. Foram tantas as novas ideias, as reivindicações que surgiram, as mudanças desejadas, que mesmo a proposta inicial da redução da tarifa pareceu perder um pouco de sua relevância. Em Paris, os organizadores dos protestos acusaram a direita brasileira de “sequestro das pautas progressistas levantadas inicialmente pelos movimentos populares”. Foram muitos os casos relatados de manifestantes com atitude tida por neofascista e reinvindicações preconceituosas. Em São Paulo, depois de tais mudanças no perfil dos protestos, o MPL lançou uma nota anunciando que não convocariam novos atos. “A suspensão de novos atos é por dois motivos simples. A gente vai ter que analisar e fazer uma reflexão profunda com as pessoas que são aliadas da gente na luta contra o aumento de que atitude tomar. Nada é feito por acaso. A segunda coisa é que muita gente da direita, com pautas que a

gente discorda totalmente, estão se aproveitando dos atos”, explicou um integrante do MPL, com relação aos rumos que os protestos tomavam no final de junho. A criminalização do aborto e a redução da maioridade penal estavam entre as ideias levantadas pelos conservadores, além do uso de antigas siglas como o CCC (Comando de Caça aos Comunistas). A direita, de fato, tomava as ruas. Antipartidarismo aliado ao Nacionalismo “O ranço antipartidário é um componente negativo, antidemocrático.”, afirmou, em entrevista, o presidente nacional do PT, Rui Falcão, ao relatar a violência dos manifestantes contra os representantes do partido durante os protestos. Os casos de ataques a representantes de partidos de esquerda, bem como de movimentos sociais, marcaram as últimas manifestações. Foram muitos os relatos de bandeiras tomadas a força e queimadas, vaias perante gritos de reinvindicações populares e até agressão física aos representantes de partidos. Algo a se pensar dos manifestantes que frente a atos de vandalismo entoam o grito “sem violência”. Diante de tal situação, o MPL publicou em sua página oficial do Facebook uma nota repudiando tais ações “da mesma maneira que repudiamos a violência policial”. Em mesma nota, o MPL colocouse como “um movimento social apartidário, mas não antipartidário”, e afirmou que “desde os primeiros protestos, essas organizações t o m a r a m parte na mobilização. Oportunismo é tentar excluílas da luta que construímos juntos”. Em contraponto ao MPL, os novos manifestantes deixaram claro: nada de partidos políticos. O único sentimento que poderia os unir seria “o orgulho de ser brasileiro”. Em vez de bandeiras sociais, surge a bandeira do Brasil. Em vez de gritos por melhorias, o hino nacional. É o ufanismo tolo nas ruas novamente. Dessa vez, o ano é 2013 - mas seria tão absurdo assim pensar em 1964?

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# INTERNACIONAL

Egito: A correção do desvio Por Khaled Yuness Protestos levam Egito para nova fase de transição pós-Morsi Conrad Hilson certa vez disse que “o sucesso está ligado às ações. As pessoas bem-sucedidas continuam – elas erram, mas não desistem”. Essa citação descreve perfeitamente a situação do Egito. Os egípcios cometeram muitos erros, e muitos desses equívocos foram enorme, levando a resultados desastrosos e à conjuntura atual do país. Entretanto, é normal que as pessoas errem, se o erro for corrigido em seguida. E foi exatamente isso o que o povo egípcio fez: eles corrigiram o desvio ocorrido durante sua revolução histórica, chocando o mundo todo com sua maneira de reescrever a História, em apenas um ano. Afinal, o que aconteceu? No começo de 2011, os egípcios foram às ruas para protestar contra o regime ditatorial de Mubarak. Muitos, em todo o mundo, pensavam que conseguir qualquer coisa contra o regime de Mubarak seria impossível, depois de 30 anos do ditador no poder. Ainda assim, o povo egípcio tirou-o do poder em apenas 18 dias. Mubarak deixou o poder sob controle do Conselho Supremo das Forças Armadas, para orientar um período de transição até as eleições presidenciais. Mais alguns erros foram cometidos – e a maioria deles ocorreu pela esperança de trazer estabilidade ao período de transição e fazer com que ele passasse sem grandes problemas. Naquele período, a Irmandade Muçulmana afirmou que teria apenas 25% do parlamento recém-eleito – mas, logo em seguida, teve para si a maior parte dele, em contradição com o que havia sido prometido, mas defendendo que não indicariam um candidato para as eleições presidenciais, como justificativa. Depois de algum 20

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tempo, os egípcios surpreenderam-se com a decisão da Irmandade de indicar não apenas um, mas dois candidatos à presidência. A partir daí, um outro erro foi cometido: com o problema de organização de outros partidos políticos, houve uma fragmentação dos votos. A decisão ficou entre o General Ahmed Shafee, conhecido durante o antigo regime de Mubarak, e o segundo candidato foi o indicado pela Irmandade Muçulmana, Dr. Mohamed Morsi. Se o primeiro fosse eleito, isso significaria um retorno ao regime do antigo ditador. O que muitas pessoas fizeram? Escolheram Morsi, para evitar que um novo regime comprometesse as conquistas do povo egípcio, seguindo a regra do “menos ruim”. Em junho de 2012, o período de transição comandado pela SCAF acabou e o novo presidente escolhido por eleições democráticas, Dr. Mohamed Morsi, passou a governar o país. Movidos por muito entusiasmo e esperança de um futuro melhor, crendo que a revolução havia dado certo, muitas pessoas celebraram a vitória de Morsi. Ele começou seu governo com um discurso entusiasmado na Praça Tahrir e disse que faria o melhor para desenvolver a nação e uma reconciliação entre todos os partidos políticos do Egito. “O poder de legitimar as decisões é de vocês: deem o poder a quem quiserem e tiremno de quem quiserem, também”, afirmou. Morsi, em seu programa eleitoral, afirmou que resolveria cinco dos maiores problemas do Egito em 100 dias. Esses problemas eram a falta de autoridades para garantir segurança, congestionamentos e trânsito, falta de combustíveis, escassez de comida e saneamento público de má qualidade. No começo, o povo apoiou suas


decisões, na esperança de que ele fizesse o prometido – mas Morsi não conseguiu governar o país, nem fazer medidas eficazes para atingir os cinco objetivos iniciais. A instabilidade começou por uma série de fatores. Falar em nome do Islã, como se fosse enviado por Deus, e arruinar sua imagem por atitudes que os muçulmanos jamais fariam – essas atitudes de Morsi mostraram que o programa eleitoral era uma espécie de show para conseguir votos, apenas. Eles não tinham maneiras práticas de fazer com que tudo aquilo acontecesse, e se concentraram em colocar membros da Irmandade em todos os cargos de destaque possíveis. Mohamed Morsi não parecia ser o líder da nação, mas apenas uma espécie de fantoche à frente dos líderes reais, Dr. Mohamed Badi, líder da Irmandade Muçulmana, e seu vice, Khirat El-Shater. A constituição elaborada em novembro de 2012, que dava a Morsi poderes praticamente ilimitados, como o de legislar sem qualquer supervisão por parte de quem quer que fosse, estimulou a deterioração da relação do Egito com outros países – inclusive os países árabes e a maioria das nações africanas. Dividindo o país entre dois grupos que brigavam entre si, surgiu a possibilidade de haver uma guerra civil – o que não havia acontecido nem nos momentos mais sombrios da era Mubarak. Em junho de 2013, depois de um ano do governo de Morsi, um número massivo de protestantes foi às ruas e praças por todo o Egito. As reivindicações eram simples: eleições presidenciais o quanto antes, para continuar o processo democrático, além do fim do governo de Morsi e do poder da Irmandade Muçulmana no Egito. Os egípcios pensaram que o governante cumpriria pela primeira vez o que prometera e que renun-

ciaria ao cargo, como era pedido pelo povo. Ao invés disso, ele se recusou a ouvir os cerca de 30 milhões de protestantes e passou a falar da legitimidade da constituição. Por conta da deterioração do governo, as Forças Armadas deram dois avisos aos partidos dos Egito, para que eles achassem uma solução para as reivindicações do povo egípcio – ou eles guiariam um novo processo de transição. Quando o tempo determinado pelas Forças Armadas chegou ao fim, sem qualquer solução proposta aos problemas, o Exército assumiu o poder, com Mohamed El-Bradai, declarando o fim do governo de Morsi. Ao designar o chefe da Suprema Corte Constitucional, Adly Mansour, como presidente do Egito, eles suspenderam a elaboração da constituição. Há três coisas importantes que devem ser ditas sobre a situação do Egito. A primeira é que a Irmandade Muçulmana não representa o Islã e está longe de representa-lo em qualquer aspecto. A segunda é que o acontecido no Egito não foi um golpe militar, mas uma espécie de “golpe popular”, apoiado pelas Forças Armadas. E o último é que as manifestações de 30 de junho não foram uma nova revolução – mas sim a continuação da revolução de 25 de janeiro, para corrigir os erros ao longo do processo revolucionário. No fim, os egípcios aprenderam com os erros cometidos – e certamente trabalharão por um novo futuro.

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Por: Gabriela Batista

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Por: 432 - Enzo e ThaĂ­s

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