Revista Contexto - 3ª edição

Page 1

contexto 3ª edição

outubro 2013

From Russia With Love 1

foto: kirill kalugin’s facebook


2


Índice #editorial

p.4

#ilustra

p.5

#internacional From Russia with Love Uma mulher corajosa no Afeganistão

p.8 p.12

#Brasil Cantadas, assédio e empoderamento

p.17

#opinião Músico - ame seu trabalho ou arranje outro emprego

p.21

#prosa&poesia

p.24

#fotocontexto

p.25

3


#editorial

À democracia, com amor Expediente

U

m dos desafios das democracias é garantir o respeito a expressões políticas e culturais do outro. Quem lida diariamente com homofobia, machismos e outros preconceitos sabe o quanto tais problemas expressam-se nas atitudes mais cotidianas. As piadas, os comentários... Tudo reflete a lógica da opressão. Nesta edição da revista Contexto, você encontra detalhes sobre a situação dos homossexuais na Rússia, fotos do graffiti na Alemanha atual, desenhos incríveis do Caio Timoneiro, e opinião sobre o “Chega de Fiu Fiu”. Além disso, um artigo sobre a situação da música atualmente e a história de Malalai Joya, ativista afegã pelos direitos humanos. Todos os textos são escritos e revisados por membros da equipe da Revista Contexto. Não é possível deixar de lado o agradecimento à Qatar Foundation International e aos envolvidos no projeto, direta ou indiretamente. A Contexto também é um projeto para trazer mais igualdade social e de gênero. Priscila Bellini Editora-Chefe

Seja bem-vindo à Contexto! Welcome! Ahlan wa sahlan!

4

Editora-Chefe

Priscila Bellini Jornalistas

Júlia Dolce Marcelo Renda Priscila Bellini Tiel Lieder Poesia

Jaqueline Araújo Ilustração

Caio Timoneiro Design

Fernanda Tottero Fotografia

Victoria Azevedo Tradução

Priscila Bellini


#ilustra

5


6


Caio Timoneiro é um artista de São Paulo e estudou árabe na BibliASPA. Seus trabalhos vão da ilustração ao graffiti e incluem técnicas de colagem e diferentes formas de arte.

7


#internacional

From Russia with Love

(De preferência entre um homem e uma mulher) Por Júlia Dolce

As mudanças homofóbicas na legislação russa ganham repercussão mundial. O país de maior território do mundo é conhecido por aniquilar exércitos opositores com seu inverno rigoroso, pelas bonecas matrioshkas e por possuir um histórico de oscilação da intolerância com a sexualidade. Passando por proibições de práticas homossexuais em certos regimes czaristas do Império Russo, seguindo para a suposta libe­ ração da homossexualidade durante um primeiro momento da União Soviética, e a criminalização da mesma no gover­ no Stalinista; culminando na política repressora de Vladimir Putin, em um contexto democrático no qual a Rússia é signatária da Declaração Universal dos Direitos Humanos. As recentes leis determinadas pelo Tribunal Superior de Moscou restringem os direitos LGBT mesmo com a última descriminalização da homossexualidade, presente na Constituição russa de 1993, e a retirada do termo da lista de doenças psicológicas, em 1999. Apesar de não serem considerados ilegais, 8

homossexuais não possuem uma legislação que os proteja de discriminação e assédio, o que resulta na possibilidade de criação das leis promulgadas res­ pectivamente em 2012 e 2013: A proibição de qualquer parada gay realizada nos próximos 100 anos e a proibição da “propaganda de relações sexuais não-tradicionais”. Ambas parecem não representar uma violação dos direitos humanos para o atual presidente, Putin, que assegura a igualdade entre os cidadãos: “As pessoas de orientação sexual não tradicional não são discriminadas nem profissionalmente nem em seus salários”. Porém, a ativista Anastasiya Smirnova, do grupo de direitos humanos Russian LGBT Network, discorda: “A lei em si não é uma ameaça no que diz respeito à sua aplicação prática. Mas é uma grande ameaça no que se refere ao tipo de opiniões que ela forma”. Os últimos eventos no país não re­ presentam exatamente uma situação de tolerância. Desde a promulgação da lei

firstpost.com


anti-propaganda gay, assinada na Duma (câmara baixa do Parlamento russo), no dia 30 de junho, por unanimidade de 436 votos, a ascensão da homofobia e violência contra homossexuais tem sido claramente observada. As medidas fazem parte da guinada conservadora do atual mandato de Putin, reeleito em maio de 2012, e têm como objetivo preservar os menores de idade da suposta ameaça representada por uma orientação sexual não-tradicional. As multas, variando entre 4 mil a 1 milhão de rublos, dependendo da caracterização do autor do crime (pessoa física, autoridade pública ou entidade jurídica), podem ser consideradas o menor dos problemas da comunidade LGBT, que vem sofrendo perseguições e ataques de grupos extremistas e neonazistas, e a truculência da própria polícia russa, durante as manifestações. Recentemente, a atenção interna­cional se voltou para o grupo Occupy Pedophilia, liderado pelo famoso neonazista russo Tesak (O Machadinha) Martsinkevich, que divulga em redes sociais (como a variação russa do facebook, o Vkontakte) e em seu site oficial, vídeos nos quais seus membros aparecem interrogando e torturando homossexuais, após enganá-los com falsos anúncios de encontros. Os vídeos são perturbadores e podem ser facilmente encontrados na internet, assim como comentários de aprovação dos atos violentos. As ações chamadas de ‘safáris’ são vendidas por 250 rublos (R$18), para que qualquer um possa participar da “caça contra os criminosos”. A justificativa para tal violência, repetida por membros do Occupy Pedophilia, está na “inevitável” ligação entre a pedofilia e a homossexualidade. Segundo Martsinkevich, “pedófilos e gays são a mesma coisa. Eles representam a degradação do ser humano”.

No mês de julho, entidades de ­direitos humanos denunciaram o grupo neonazista pela morte de um jovem gay do Uzbequistão. As fotos em que o jovem aparece ensanguentado, no perfil do Occupy Pedophilia, não foram o suficiente para que seus membros fossem presos. A maior parte das vítimas não denuncia os agressores à polícia por medo de represálias, afinal, o governo e a mídia aparentam estar ao lado da intolerância. Em abril de 2012, um âncora da televisão russa, Dmitri Kiselev, apareceu em rede nacional aplaudido, após afirmar: “Eu acho que apenas impor multas aos gays por propaganda entre adolescentes não é o suficiente. Eles deveriam ser impedidos de doar sangue e esperma. Os corações deles, no caso de um acidente automobilístico, deveriam ser enterrados no solo ou queimados como impróprios para a continuação da vida”. O vídeo com tal citação pode ser encontrado no Youtube.

Cartaz homofóbico russo com os dizeres: “Pise em um gay como merda”.

9


Ativismo internacional Apesar da sensação de estarem encurralados em um país no qual os poderes parecem conspirar contra sua existência, os membros da comunidade gay russa têm contado com uma importante atenção de ativistas internacionais, que têm organizado diversas manifestações a favor dos direitos LGBT na Rússia. A última grande onda de protestos mundiais em relação ao país foi relacionada à prisão das integrantes da banda punk rock feminista Pussy Riot, durante um concerto improvisado na catedral de Cristo Salvador de Moscou, em março de 2012, por intolerância religiosa e vandalismo. Atualmente, a integrante Nadezhda Tolokonnikova se encontra em greve de fome devido aos maus tratos aos quais diz estar sendo submetida na prisão. Enquanto isso, militantes LGBT ao redor do mundo unem forças contra o conservadorismo e homofobia russa. A cidade de Londres reuniu centenas de pessoas em uma manifestação no dia 10 de agosto, em frente à residência do primeiro-ministro inglês David Cameron. Os militantes pediam que o governo pressionasse a Rússia para a revogação das medidas homofóbicas. Infelizmente, a adesão da comunidade gay russa aos protestos diminui proporcionalmente ao aumento do temor da repressão. O militante Kirill Kalugin, conhecido por ter realizado um protesto individual durante um feriado militar em São Petersburgo, no qual foi atacado por soldados após gritar palavras de ordem contra a homofobia, conta em entrevista à Revista Contexto suas vivências e opiniões sobre a situação dos homossexuais no país. Kirill é facilmente encontrado nas redes sociais por possuir uma imagem 10

de exibição colorida com seus cabelos ruivos e a bandeira com o arco-íris da causa gay. Quando questionado sobre a situação dos homossexuais antes das leis restritivas serem aprovadas, o ativista afirmou que a comunidade LGBT se encontrava em um vácuo de informação: “o assunto não era discutido especificamente e a homofobia era expressa simplesmente pela rejeição dos comuns”. Porém, a mudança na legislação foi seguida por uma “histeria homofóbica, na qual qualquer homem pode ser agredido por usar calças jeans muito apertadas ou uma camiseta cor-de-rosa”. No seu perfil do facebook, Kirill tem postado relatos sobre o preconceito que vem sofrendo, como nas noites em que foi barrado e proibido de entrar em clubes gays, na sua cidade natal, São Petersburgo. Em relação à atitude policial, Kirill declara que os crimes realizados pelos grupos extremistas não foram investigados. “Talvez os policiais não sejam todos homofóbicos, mas estejam com medo de perder o emprego (ao condenar os agressores)”. Segundo o ativista, manifestações públicas continuam sendo constantemente organizadas, mas de maneira discreta, principalmente através da realização de abaixo-assinados. Sobre as expectativas para o futuro, Kirill acredita que a situação dos direitos humanos na Rússia continuará ruim enquanto o atual regime não mudar. “Putin está tentando mostrar uma independência do Ocidente, o que é uma mentira. Durante o último encontro do G20, nós (manifestantes) conseguimos organizar reuniões pacíficas, devido à grande pressão internacional, pois o governo estava com medo de causarmos um escândalo”. Os ativistas se encontraram com o presidente Obama, que aparenta


apoiar a causa e critica as leis anti-propaganda gay. Além do presidente dos EUA, outras personalidades de conhecimento internacional têm demonstrado apoio à comunidade LGBT russa. É o caso de Elton John, que pretendia fazer um show na Rússia em homenagem à comunidade, mas enfrenta um possível cancelamento de suas apresentações no país, exigido por um grupo de pais russos que alegam a ilegalidade da presença do músico gay. Já a cantora Cher recusou, em protesto, o convite para se apresentar na aber­ tura dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2014, na cidade de Sochi; e as atletas russas Kseniya Ryzhova e Tatyana Firova, ganha­doras de medalhas de ouro na prova de estafetas no Mundial de Atletismo em Moscovo, que celebraram a vitória com um beijo lésbico, também em apoio aos homossexuais. O tema das Olimpíadas de Inverno tem sido usado pelos ativistas como resposta à nova legislação, através da convocação de boicotes, ameaça de protestos e até mesmo transferência dos Jogos de Inverno para um local onde os

direitos humanos sejam respeitados. Isso porque, além da indignação nacional com as questões financeiras implicadas na execução dos Jogos Olímpicos em Sochi, os militantes foram informados pelo ministro de Interior da Rússia de que as “leis antigay” do país seriam aplicadas durante as Olimpíadas, inclusive para atletas e espectadores estrangeiros. O possível boicote às Olimpíadas de Inverno foi comentado por diversos líderes internacionais, aumentando a preocupação de Putin, que ressaltou mais uma vez, sem enxergar qualquer contradição em suas falas, a igualdade de direitos entre heterossexuais e homossexuais em seu país: “Você pode estar absolutamente certo de que durante a realização de grandes eventos espor­ tivos, dos Jogos Olímpicos em parti­ cular, a Rússia vai se reger estritamente pelos princípios do olimpismo, que não admite nenhum tipo de discriminação, nem por nacionalidade, sexo ou orientação sexual”. Enquanto isso, a comunidade LGBT russa continua sob ameaça constante e buscando espaço para lutar pelos seus direitos.

Kirill Kalugin

Ativista Kirill Kalugin protestando durante feriado militar russo, momentos antes de ser atacado por soldados.

11


Uma mulher corajosa no Afeganistão Por Tiel Lieder

A ativista Malalai Joya já sobreviveu a sete atentados por lutar pelos direitos das ­mulheres e contra a criminosa invasão norte-americana no Afeganistão.

Você pode acabar com as flores, mas nunca vai impedir a primavera de chegar.” Nos versos do poeta chileno Pablo Neruda, a ativista afegã Malalai Joya (http://www.malalaijoya.com/dcmj/) busca inspiração para continuar sua luta em prol do Afeganistão, país há tantos anos vítima de guerras, invasões, corrupção, machismo, preconceito. Violências. Considerada uma das 100 pessoas mais influentes do mundo pela revista Time, e uma das 100 mais desta­ cadas pensadoras pela revista Foreign Policy, Malalai é, acima de tudo, coragem. Para seguir a desmascarar as intenções e consequências da ocupação ­criminosa por parte dos EUA, desde 2001. Para continuar a denunciar as atrocidades, estupros, assassinatos indiscriminados, perseguições, sobretudo às mulheres, mas também ao seu povo, muitas v­ e­zes por seus próprios conterrâneos. Por expor a tragédia cotidiana nesse país milenar, cuja capacidade de resistir e de se refazer, que também Malalai traz intrínseca em si, é notável. Tais motivos tornam a luta de Malalai Joya digna de aplausos. “Eu não tenho medo de morrer cedo, se isto for avançar a causa da justiça. O túmulo não pode silenciar minha voz, porque há outros que continuariam depois de mim”, fala. “Um dia vão conseguir me matar, mas não vão conseguir matar minhas palavras. Dois guarda-costas e eu fomos parar no hospital e quanto mais 12

ameaças de morte, mais determinação e coragem eu tenho.” Por estar situado em uma rota milenar comercial e militar, o Afeganistão foi alvo de invasões de conquistadores lendários, de Alexandre, o Grande a Gengis Khan, passando por invasões comandadas por três dos maiores “interventores mundiais” dos últimos 150 anos: o Império Britânico, a União Soviética e os Estados Unidos. Assim como a história de sua pátria, a trajetória de Malalai também impressiona, ao superar o medo, deixar de lado os anseios, sonhos e desejos que algumas mulheres têm, aos 35 anos (e em qualquer idade...), para se dedicar a ser a porta-voz de seu povo. Paga um alto preço por isso. Para levar a liberdade aos oprimidos de seu país, abdicou da própria liberdade. Não dorme mais do que um dia em uma mesma casa. Sempre está acompanhada por dois seguranças. Já sofreu sete atentados. E, mesmo sendo mãe de um garoto, ainda assim não pensa em desistir de denunciar a situação absurda que vigora no Afeganistão há muitas décadas e, especialmente, desde a invasão norte-americana, em 2001. “Todos os dias olho a morte nos olhos, e quando saio de casa não espero voltar viva. Isso não é uma particularidade minha, mas sim de todo meu povo, mas eu denuncio esses crimes. Meu poder é o poder dos ‘desimpoderados’. Espero que essa fama que ganhei ajude no futuro do meu país, pois acredito na causa”,


telegraph.co.uk

declarou recentemente, em entrevista ao jornalista Thiago Tufano, do portal Terra. Refugiada ainda na infância, Malalai nasceu em 23 de abril de 1978, quatro dias antes da invasão do Afeganistão pela antiga URSS. “Uma das minhas primeiras lembranças é a de me agarrar às pernas da minha mãe, enquanto a polícia saqueava a nossa casa, procurando por meu pai. Eles viraram tudo de cabeça para baixo em busca de pistas, esvaziando gavetas, rasgando colchões e destruindo travesseiros”, falou, em entrevista à Mehid Hasan, repórter da revista britânica New Statesman. Durante esse período de exílio, viveu no Paquistão e no Irã. Depois, voltou ao país natal e foi professora durante o regime Talibã. Criou uma clínica para mulhe­res e foi eleita deputada, em 2003 e 2005, em um país no qual as eleições tem como mote a frase: “não é importante quem está votando, mas sim quem conta os votos”. Como membro eleito da Wolesi Jirga, Malalai fez diversas críticas aos colegas congressistas, foi agredida e banida do

Parlamento. Após criticar, em uma entrevista para a televisão, o Talibã e o atu­ al presidente do Afeganistão, Hamid Karzai – que, não por coincidência, antes de assumir a presidência trabalhou na empresa petrolífera norte-americana Unocal, a mesma que está participando da criação do gasoduto que sairá do Mar Cáspio para o Ocidente através do território afegão – foi banida novamente do Parlamento. Suspensa de suas atividades legislativas, escreveu um livro, junto com o escritor canadense Derrick O’Keefe, com o título de “Raising My Voice” (Levantando minha Voz). Malalai esteve no Brasil em agosto, quando ministrou uma palestra, ao lado da brasileira Helena Hirata, da australiana Ariel Saleh e da filipina Jean Enriquez, durante o primeiro dia do 9° Encontro Internacional da Marcha Mundial das Mulheres, realizada no Memorial da América Latina, em São Paulo. Na ocasião, proferiu palavras fortes: disse que o Talibã foi criado e financiado pelos EUA; que o congresso do 13


malalaijoya.com

Malalai discursa no Parlamento.

Afeganistão é dominado por traficantes e “pessoas selecionadas”; que a pobreza atinge 80% da população de seu país, levando mães a venderem seus filhos e filhas por 10 dólares; que o país é o segundo mais corrupto do mundo. Ela também falou sobre os “senhores da guerra”, que lucram com o tráfico de drogas, problema que cresceu exponencialmente desde o 11 de setembro de 2001: se antes de 2001 o Afeganistão era responsável por 20% da produção de papoula (planta da qual derivam a heroína e o ópio), hoje a nação responde por cerca de 90% da produção mundial, e que “mulheres e crianças são os que consomem a droga localmente”. “O presidente não vai nem ao ba­ nheiro sem consultar a Casa Branca. Os Estados Unidos que criaram o Talibã e esses traficantes, eles são o padrinho des­ses movimentos. Falo explicitamente que os Estados Unidos criaram isso e até hoje eles investem dinheiro lá e mandam recursos para manter esses interesses sujos. A árvore da liberdade do Afeganistão está sendo regada com sangue.” Para Malalai, o governo de Barack Obama é mais perigoso que o de George W. Bush, pois ao mesmo tempo em que 14

afirma desejar encerrar a guerra, manobra para a instalação de nove ­bases mili­ tares permanentes em território afegão. “A chamada comunidade internacional deu mais de US$ 65 bilhões e tudo isso foi para o bolso dos traficantes. Quem tem que ser criminalizada é a Casa Branca, que está lá há 11 anos praticando crimes de guerra. O Barack Obama é o segundo Bush e ainda mais perigoso que o próprio Bush. Por isso (a ocupação) é fachada. Lá no Afeganistão urinam nos corpos dos civis, por exemplo. A demo­ cracia não vem pela invasão militar, invadindo casamentos e festas, não vem pela ocupação, vem justamente com hospitais e educação.” O que Malalai disse ao repórter do portal Terra, também havia declarado na entrevista à Mehid Hasan, da New Stasteman, em 2010: “Aqueles que apoiaram Obama como uma esperança para a mudança deveria ter revisto seu passado. Durante seu tempo no Senado dos EUA, ele votou a favor de duas guerras, no Iraque e no Afeganistão, votou a favor da Patriot Act, recusou-se a apoiar um projeto de lei para a saúde de pagador único, apoiou a pena de morte, e assim por diante. Ele chegou ao poder com apoiadores corporativos. Eles querem que ele continue o militarismo dos EUA e Obama obedece. Espero que Obama seja uma lição para o povo dos Estados Unidos que, desde que o sistema político atual esteja em vigor, nenhum presidente, branco ou preto, vai trazer qualquer grande ‘mudança’. Na melhor das hipóteses, eles vão causar algumas alterações estéticas, nada mais.”


Totalmente desesperançada em relação às próximas eleições no Afega­ nistão, por considerar que os EUA definirão os vencedores, a quem chama de “fantoches da Casa Branca”, Malalai segue com seu projeto, financiado por pessoas que sofreram e sofrem com as sucessivas guerras que assolam o Afeganistão. A ativista afegã enxerga as manifestações que tiveram seu ápice em ju­nho e julho no Brasil como um indício de que o país está no caminho certo. Porém, ela acredita que o Brasil precisa “seguir o caminho de Líbia e Egito”, e mesmo de outras nações, como Cuba e outros países latino-americanos, como Venezuela e Bolívia. “Isso teria um grande impacto em países que vivem em guerra, como o Afeganistão.” Malalai defende os direitos das mu­ lheres, mas, acima de tudo, defende os direitos dos seres humanos. “O feminismo fala sobre igualdade e não soberania. É como se a sociedade fosse um pássaro com duas asas, uma delas é o homem e a outra é mulher, voando juntas.” Apesar dos medos, do cansaço, das dúvidas, , Malalai segue concedendo ­entrevistas ao redor do mundo. Apoiando causas como a dos palestinos e pessoas como Edward Snowden e Bradley Manning, que desafiariam os “podres poderes”, e que agora pagam o preço por isso. Sua voz é a voz de todos nós, que queremos um mundo sem guerras, sem machismo, sem tráfico de drogas, sem mentiras, sem ditaduras, nem impérios. “Temo que não vou viver para ver a liberdade aportar no Afeganistão e resultar em uma vida feliz para o meu povo. Para ver uma sociedade democrática e

justa. Mas tenho grande esperança de que o meu país acabará por ser livre, democrático e próspero, e que isso pode ser alcançado por suas mulheres e homens. Nos últimos 30 anos de conflito, perdemos tudo. Mas também, tais dificuldades nos ensinaram muitas coisas. A consciência política do nosso povo e certo esclarecimento foram levantados, e por isso já não se aceita a dominação dos invasores nacionais e estrangeiros ou forças criminosas. Este é um grande trunfo na luta do povo afegão pela liber­t ação e me dá esperança de um futuro brilhante.”

malalaijoya.com

Malalai Joya discursa em protesto em Halifax - Canadá

15


malalaijoya.com

Malalai Onde ela estará agora... Talvez solitária, ou mesmo preocupada, inexata. Em algum lugar do Afeganistão, sua pátria, que tanto ama. E pela qual luta, enluta, refuta, mas não refuga. De coragem se arma, mesmo aparentemente insana, em verdade, verdadeiramente humana. Heroína. Papoula divina. Ao lado de seu povo, seus irmãos, tão sem chão, sob a ocupação. Usurpação. Do gás. Da autonomia. Da paz. Da liberdade. Da lua. Jovem ainda, Malalai iniciou sua luta, num dia inesquecível, em que sua voz ecoou como um trovão ensurdecedor

16

pelo parlamento afegão, estoica, a bradar contra o inferno que é ser mulher na Afeganistão, sob ocupação, ou não, e o purgatório que é ter estupradores, assassinos e torturadores como representantes do “estado”. Estado de Direito. Estado de sítio. Estado bruto. Estados Unidos. Seu clamor, amor, terror, como um estampido seco, pá, irrompeu os egos e as maldades e os medos de todos aqueles homens tristes, cujos recalques tão profundos os impedem de ser fecundos, restando o ser iracundo. Carrancudo. Distante da Deusa-Mãe. Gaia. E assim seguem a apedrejar tantas Isis. Tão lindas flores dos telúricos jardins. Simplesmente por usarem calça jeans. Malalai. Com a cabeça a prêmio, não se amedrontou. Seguiu a desnudar a opressão, com palavras, atos, pensa­ mentos. A falácia da ocupação. A luta contra Bin Laden e o Talibã, ontem e hoje. USA e abusa. Onde ela estará fazendo agora, penso eu, aqui sentado no sofá, numa chuvosa madrugada típica desta metrópole insana e frenética que é São Paulo. Estará lendo um livro, em um quarto desconhecido? Ou conversando com os amigos, sob o frio outono crepuscular? Estará fazendo amor em uma soleira? Ou cochilando depois do repasto, em uma esteira? A cuidar de seu filho, com paciência? Ou a pensar sem dor em sua essência? Confesso que, em minha rotina diária desgastante, mas não letal, é difícil conceber viver escondido, sob ameaça de morte, sem poder ir e vir livremente. Dentro de sua própria terra. Porém, se não mensuro tal opressão, ao menos sinto em meu coração. Emoção. Imensidão. Amor.


#Brasil

Cantadas, assédio e empoderamento

Por Priscila Bellini

Eu não sei bem se você já passou pela situação. Se você é mulher, há 99,6% de chance de ter passado, segundo a pesquisa do site Think Olga – e há ou­ tros dados alarmantes na pesquisa. O assédio sofrido por mulheres em locais públicos não é novidade alguma, e isso não é justificativa para que não falemos a respeito.

Não vou criminalizar Desde quando parar pra refletir sobre algo é censurar, criminalizar e derivados? A pesquisa trouxe estatísticas sobre o que quase 8 mil mulheres responde­ ram quanto ao assédio em lugares públicos. Assédio, pelo que comumente definimos por assédio, sem discussões jurídicas prolongadas (assédio sexual, estupro, injúria…). A ideia de “chegar em alguém” (sic) não está aí, se pressupõe que seja um interesse mútuo, se pressupõe que você encare a pessoa como indivíduo e não como objeto. Eu e você trocamos olha­ res, você puxa conversa e passamos a noite juntos – e eu queria isso, deixei isso bem claro. Você vai até a garota, puxa conversa em uma festa e ela não quer, não gostou de você. O que você faz? Vai embora? Sim, porra. A pesquisa traz também os dados sobre mulheres que foram agarradas, 82%, e é disso e de ou­ tros comportamentos que reproduzem

o mesmo discurso, em maneiras dife­ rentes, que estamos falando. Falamos de patriarcado, de opressão, de assédio e de achar que tudo isso é “normal” e não deve ser colocado em pauta. A pesquisa traz dados que deveriam fazer você, homem ou mulher, parar pra pensar se aquilo tudo faz sentido. E faz. Faz sentido por uma lógica de opressão da mulher que não é de hoje, faz sentido porque é só mais um traço da relação oprimido x opressor. Reagir a uma provocação do tipo chega, sim, a situações extremas. A menina diz que não quer ficar com fulano em uma balada e é agredida a ponto de quebrar o braço, por exem­plo. Que fazer em uma situação em que a estrutura oprimido x opressor está consolidada a esse ponto? Devemos tentar ao máximo reagir a comportamentos que julguemos abusivos, na rua, no trabalho, em alguma ins­tituição de ensino. Muitas de nós não conseguem e ficam intimidadas com a postura e o comportamento de quem vem até nós com os comentários des­ tacados na pesquisa (e outros ainda mais absurdos). Outros sugerem que a mulher passe a manifestar seu desejo dessa mesma forma também, dando ao oprimido a atribuição de mudar seu comportamento e incorporar a atitude do opressor. É necessário parar para analisar os argumentos usados por quem vê as cantadas, “fiu fiu” e provocações em locais públicos como algo inofensivo e normal. Além de estimular o empoderamento do oprimido, é necessário fazer com que esse comportamento de opressão seja discutido. 17


“Mas ela se veste assim, tá querendo ouvir…” Não, ela não está. Você pode achá-la linda, maravilhosa, “gostosa”. Se ela quer se vestir de determinada forma, você não tem nada a ver com isso. O que te legiti­ ma a dizer o que você tão sabiamente avalia? Não é apenas a manifestação do desejo, não é um “direito natural” sair por aí atribuindo aos corpos (apenas corpos, sem preocupação quanto ao indivíduo) que passam uma avaliação. Faz com que a violência sexual alcance os níveis atuais. Faz com que homens estuprem “até mesmo” dentro do casamento. Não é só a cantada, é um sistema inteiro. Há uma lacuna no discurso de quem defende a cantada: a de não dizer que isso também serve de desculpa para os comentários nojentos do dia a dia, e de que também serve para reforçar a ideia da mulher como um objeto, um objeto a ser avaliado. Avaliado e exposto, olha só como ela é gostosa! Ah, aquele vestido curto! A justificativa da vestimenta, além disso, recai sobre o velho argumento usa­do na situação do “ela provocou”, em casos de estupro. Você não chega a esse extremo, claro. Jamais chegaria, você respeita (?) a menina, quem estupra é o outro, mas precisa mostrar o quão interes­s ado ficou. Ela se veste para provocar o tipo de reação que você natu­ralmente tem, é normal, todo mundo tem. E “algumas gostam” de ser elogiadas, segundo esse mesmo argumento. Não é aceitável que, para marcar, deixar clara, nítida e cristalina a sua masculinidade, isso implique uma ava­ liação sua do corpo de alguém dita bem alto, quase aos berros. E, se há mulheres que só se sentem bem ao receber a ava­ liação de um desconhecido enquanto 18

caminham por uma rua qualquer, o buraco é mais embaixo e elas estão longe de ser maioria.

Outro contexto Partindo desse pressuposto, algumas tirinhas da Deena não fariam o mínimo sentido – afinal, a burqa, o niqab, o chador impediriam tal comportamento. Isso tudo se, em um mundo ideal, ele não fosse o típico discurso de dominação,

reproduzido em diferentes esferas.

“É uma questão de desejo e manifestação de interesse” Fosse só isso… As cantadas e o assédio são só mais algumas demonstrações de que você tem o “direito” de expor se achou aquilo bonito. Aquilo, um objeto. Você não se preocupa se a emissão de um juízo de valor sobre aquela mu­ lher vai afetá-la de maneira positiva ou negativa, e não se preocupa minimamente com a existência daquela mulher como indivíduo, que tem um passado,


uma maneira de reagir e já pode ter ouvido coisa pior na rua. Acredite ou não, as cantadas não são a alegria do dia das mulheres – pelo contrário, a maioria esmagadora delas declarou que não gosta. Nessa hora, é necessário lembrar que boa parte de nós, mulheres, ouvimos esses comentários desde muito cedo (aos 12, 13 anos de idade), falados por homens muito mais velhos, em boa parte das vezes, o que intimida muitas de nós. Isso não quer dizer que você não pode achar as pessoas bonitas. Mas o ato de falar isso é privilégio, sim, a partir do momento que apenas um homem cis* (cujo gênero é o mesmo que aquele desig­ nado a eles no nascimento) e hétero pode colocar em palavras bem explícitas o seu desejo ou, melhor dizendo, sua avaliação. Não são apenas as mulheres que você chama de “gostosa” na rua, mas as que você chama de gordas, com a mesma naturalidade. Esse mesmo perfil de homem hétero sente-se à vontade para dizer se alguma pessoa que vê em local público é bonita, e se tem um corpo deste ou daquele jeito. No momento da cantada, seja ela em uma praça, uma rua, uma avenida, você cospe esse parecer e está tudo muito bem, obrigado. O que não pode deixar de ser analisado é a parte do privilégio que supostamente legitima tal prática de um grupo com determinadas características. O homem homossexual, por sua vez, não se sente seguro para aderir à lógica do “é só a manifestação do meu desejo/ interesse”, sob o risco de situações que conhecemos tão bem, como a do caso em que gays foram agredidos com lâmpadas em plena Avenida Paulista (mesmo que, nesse caso destacado, não tenha havido “cantada” alguma). A mulher, por sua vez, não deixaria de ser considerada

vadia, em situação semelhante, por boa parte desse grupo privilegiado, assim como é considerada em outras inúmeras situações: andando de saia mais curta, usando decote, etc. Essa manifestação de desejo só está acessível a um determinado perfil de indivíduo. A mulher trans*, o gay, a lésbica não podem e nem devem manifestar isso, pois não encontrariam, muito provavelmente, reação muito amigável. Afinal, onde já se viu “essa gente” falar esse tipo de coisa? As reações seriam uma risadinha, certo tom de espanto, uma agressão física isolada. Se isso acontecesse repetidas vezes, com a frequência que ocorre em “mani­ festações” tão espontâneas do homem heterossexual, a coisa mudaria de figura.

19


“Os homens também sofrem com isso” O machismo também afeta homens, e isso não é novidade para uma boa parte das feministas. Desde a infância, o menino aprende que homem não chora, que precisa mostrar o quão másculo é, que certos comportamentos, ainda que abusivos são plenamente aceitáveis. Olha só que mulher bonita passando ali na rua! Não é apenas na esfera da família mas, na escola, esse comportamento também será compartilhado pelos coleguinhas. Em outros casos, até mesmo pela escola, pelos funcionários, como no caso da professora que apelidou um aluno de “Félix”, em referência ao vilão homossexu­a l da novela Amor à Vida. A pressão para que o menino, desde o começo, ade­que-se a uma série de comportamentos esperados também causa sofrimento ou a necessidade de ­aderir a tudo isso, como maneira de afirmar sua adequação ao meio, comprovar sua masculinidade. Em um comportamento que caracteri­ zemos como assédio, o homem vê-se no direito de expor sua avaliação, como já foi dito. O mesmo homem que, desde a infância, ouviu que esse comportamento seria mais do que natural e uma das maneiras de demonstrar sua masculinidade, ainda mais em público. Afinal, tomar a iniciativa é coisa de homem – e manifes­ tar o que você achou daquela ­m ulher em um momento determinado, seja isso positivo ou negativo, mostra para as ou­tras pessoas um comportamento tido como másculo. E a pressão de não ­fazer isso e ser considerado frouxo pelos amigos? A partir do momento que isso incomoda boa parte do grupo que você pensa que agrada, repensar esse tipo de atitude é necessário. 20

Se você, ainda assim, acha que é uma boa maneira de estabelecer uma relação com a pessoa e interagir, que não deve ser reprimida… Bem, uma boa parte das mulheres vai contra essa opinião – e essa maneira de interagir não vai funcionar, mas sim incomodar essas mulheres. Quando seu desejo manifestado e a sua avaliação de uma pessoa são pronunciados e cuspidos dessa forma, incomodam – e as mulheres, em geral, sofrem, por mais que você tenha uma intenção diferente. Ainda que sejam “só os outros” que façam isso, todas têm uma história para contar e já viram isso dezenas de vezes, desde os 12, 13 anos. Refletir sobre isso não é, nem de longe, censura. Não vamos criminalizar as cantadas. Afinal, nós só pedimos bom senso.


#opinião

Músico - ame seu trabalho ou arranje outro emprego Por Marcelo Renda

Você, com toda a certeza do mundo, já ouviu alguém dizer que músico não ganha dinheiro. De fato, são poucos os que conseguem contratos com gravadoras e patrocínio de grandes meios, mas muita gente se vira e vive da música, com exemplos variados, como o do sambista Jorge Mário da Silva (Seu Jorge), que foi morador de rua por três anos, e saiu dela por suas canções. Também vale citar o músico, artesão e andarilho Ventania, que viveu por duas décadas recebendo trocados em rodas de violão por vários estados brasileiros diferentes. Em 1932, o ícone maior do samba brasileiro, Noel Rosa, foi a um programa de rádio, comandado por Francisco Alves - o “Rei da Voz” - para concorrer a um prêmio. O desafio: compor um samba ali na hora, ao vivo. Dessa oportunidade, surgiu o samba “Estamos Esperando”. Cartola também participou do mesmo programa, e apresentou ao mundo, junto com Noel, a canção “Qual foi o mal que eu te fiz?”. Mas antes mesmo disso (bem antes!), exatamente no ano de 1816, uma das músicas mais conhecidas do mundo foi escrita para se pagar uma dívida. Nada menos que a ópera “Il barbiere di Siviglia (O Barbeiro de Sevilha) foi composta por Gioachino Rossini em menos de duas semanas. São poucas as pessoas que nunca ouviram (e cantaram!) a ária “Largo al factotum”, onde o persona­ gem Fígaro repete insistentemente seu nome. Em resumo, músicos sempre venderam sua arte. Mas isso está piorando. Entenda o porquê.

Ubirajara Derttmar

Cartola

Sell Out! Expressão no inglês para bandas ou artistas que abandonam seu estilo, sua assinatura, e tornam-se comerciais – que, como é dito no Brasil, se vendem. E esse é um motivo pra crer que os artistas estão amando menos - ou pelo menos honrando menos - suas composições, indo contra seus princípios ou até mesmo mudando bruscamente suas vertentes, para que tenham maior aceitação comercial. O álbum “Metallica”, da banda homô­ nima - álbum conhecido como “The Black Album” - contou com grandes mudanças no estilo musical da banda, o que muitos consideraram como selling out. As canções com riffs rápidos, guturais e melodias complexas, como “Whiplash” e “Battery”, marcas dos álbuns anteriores, foram substituídas por canções mais melódicas e teoricamente mais comerciais, como “Enter Sandman” e “Nothing Else Matters”. Apesar da crítica de uma parte dos fãs, o disco já atingiu, desde seu lançamento em 1991, a marca de 28 milhões de cópias vendidas, 21


ocupando atualmente o 26º lugar entre os discos mais vendidos de todos os tempos. Outras bandas de rock, algumas das mais aceitas pelo público, são também as consideradas mais comerciais, como Green Day, Simple Plan e Avenged Sevenfold. No Brasil, um caso famoso de Sell Out inclui o rapper paulista Emicida, que no início de sua carreira pregava em suas músicas contra o controle das grandes mídias, mas que aderiu ao sistema e fez participações em programas como Altas Horas, Esquenta e TV Xuxa, todos da Rede Globo. Alguns rappers, como Cabal e Nocivo Shomon, até escreveram músicas condenando essa atitude de Emicida. Quase toda banda com um grande tempo de estrada muda um pouco seu estilo com o tempo, procurando sua maturidade, e isso é perfeitamente normal. Mas é complicado aceitar que a música mude completamente de um álbum pra outro, que deixe de ser passional e passe a ser criada somente para vender. Todo músico deve sim ser reconhecido e ganhar por seu trabalho. Mas num estilo como o rap, em que um cantor assume o papel de ídolo e serve de exemplo pra muitos jovens nas periferias , não pode ser correto deixar de lado o caráter e as ideologias. Porém, creio que ainda pior do que adaptar músicas para que elas sejam vendidas, é tratá-las desde o início como negócio, como acontece, por exem­ plo, na frota de cantores lançados pela Disney na última década. E são muitos: Hilary Duff, Selena Gomez, Demi Lovato, Vanessa Hudgens, Miley Cyrus, Ashley Tisdale, Jonas Brothers, Jullie, Taylor Swift, etc. Disso tudo, saem inúmeras canções parecidas em assunto, afinação, melodia, estrutura... 22

As músicas nunca foram tão simples! Quem toca algum instrumento pode confirmar: As músicas populares de nossa época são relativamente mais fáceis de se tocar, seja em violão, teclado ou qualquer outro instrumento, do que as populares mais antigas. Cada vez mais a riqueza das composições vem perdendo espaço, e as canções vão ficando mais parecidas, mais repetitivas. E isso vale tanto pra cena internacional quanto pro nosso país. Lá fora, artistas pop com notável baixís­s ima qualidade de composição, como Nicki Minaj e Miley Cyrus, tiram cada vez mais roupa para continuar aparecendo, já que suas músicas (aparentemente) não são suficientes para prender a atenção do público. Junto a isso, vem bandas claramente comerciais, como RBD, Jonas Brothers e One Direction, onde é claro o único objetivo da música: Lucrar. E junto com isso vem a simplicidade ordinária das composições: O ritmo da música pop é sempre muito parecido, e a maior parte das composições de bandas desse naipe pode ser resumida a quatro acordes num violão ou guitarra, e conta com pouquíssimos instrumentos, escassos elementos que enriqueçam a gravação. No Brasil, não é muito diferente. Recentemente, foi lançada toda uma safra de artistas de baixa qualidade musical, mas grande influência na mídia, todos eles com grande apoio da Rede Globo: Naldo, Anitta, MC Koringa... E o alarmante é que eles já estão sendo ido­ latrados. O clipe de “Show das poderosas” já tem assustadores 59 milhões de visuali­zações no Youtube em pouco mais de quatro meses, e a página da cantora no Facebook já passa de 4 milhões de


MancheteAtual

Anitta

curtidas. Quanto às melodias, sofremos também: no funk carioca, quase todas as músicas utilizam bases muito parecidas, e só se pode diferenciá-las por uma ou outra inserção de sample que o DJ ou produtor fizer. Num dos ritmos mais populares atualmente, o sertanejo universitário, vemos novamente a questão dos quatro acordes. Quanto às letras, não preciso comentar, mas apenas citar alguns dos refrões que ouvimos tocando por aí: Tchê-tchê-re-re-tchê-tchê... Eu quero Tchu, eu quero Tchá... Extrema simplicidade e repetição.

- se não vende - some. Alguns, alguns, ao saírem das trilhas de novelas e dos programas de auditório, já sumiram (Felipe Dylon, Kelly Key, KLB...). Dado o cenário atual, faço um apelo aos músicos e apreciadores de música: não deem fama para músicas comerciais! Evitem ao máximo reproduzi-las, para que caiam no esquecimento. Seja qual for o estilo musical de sua preferência, existem canções feitas com carinho e dedicação. Basta procurar, a internet facilita muito. Quanto às que querem que você ouça, boicote! É a única maneira de elevar novamente o nível música popular! Não que toda música tenha de ser complexa, e que não se possa vender sua arte. Mas chegamos a um ponto onde em muitos casos a arte sumiu, e sobrou só o comércio (e isso é triste). O amor pela música deve prevalecer, seja rock, samba ou sertanejo o seu estilo. Não seja nem ouça mais do mesmo, não trate a arte como trabalho monótono e repetitivo. Além do amor pela música, notáveis compositores brasileiros, como Noel Rosa, Cartola e Vadico eram também exímios poetas . Possuíam também um manejo ímpar de seus instrumentos bandolins, violões, pianos. Então, senhor músico, separe um tempo de seus estudos musicais para estudar poesia. Ao criar uma nova melodia, faça de maneira que desafie a você mesmo. Ame seu trabalho, ou arranje outro emprego!

Solução? Por mais que existam fiascos que a mídia insiste em nos fazer engolir (Parangolé, Fiuk, Wanessa Camargo, Restart...), é o público quem decide o destino de um artista. Se não é ouvido 23


#prosa&poesia

Ser poeta Ser vida desvendada Ser rua Ser teu Ser tua Cultivar o nada Relevar o além Contra tudo que um dia se dissolve O líquido enxuga As veias vazam Os vasos escorrem Ser poeta Ser forte Ter porte Ser rumo Ser norte Polar Ou quadrada Retangular que seja Alguma ao menos Coordenada

Jaqueline Araújo estuda Edificações no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. Escreve, lê e respira poesia.

24

Sem meio Muito menos Fio Um vento noturno Um roteiro Infortúnio És vida És tudo És lamento És cura que cala Lápide e vala És o peso da pena És a veia serena.


#fotocontexto

Graffiti na Alemanha Victoria Azevedo ĂŠ estudante de Jornalismo da PUC-SP e apaixonada por fotografia. Em seu mochilĂŁo pela Europa, fotografou diversos graffitis pelas ruas de Berlim.

25


26


27


28


29


30


contexto

31


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.