Jornal Mural 2013.2 - Terra Vermelha - Priscila dos Anjos

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Florianópolis, 7 de novembro de 2013

Edição 1 - Ano 1

TERRA VERMELHA

TERRA VERMELHA

Curso de Jornalismo da UFSC Atividade da disciplina de Edição Professor: Ricardo Barreto Edição, textos, planejamento e edição eletrônica: Priscila Oliveira dos Anjos Serviços editoriais: Veja, veja.com e cptnacional.org.br Impressão: Duplic Novembro de 2013

Klester Cavalcanti denuncia impunidade O jornalista discute a violência agrária narrando histórias das vítimas

O

livro Viúvas da terra foi escrito com um objetivo claro, segundo Klester Cavalcanti: denunciar a violência e a impunidade nas propriedades agrárias no interior do Pará. Com a quantidade de documentos que o jornalista teve acesso, mais de três mil páginas de inquéritos policiais e processos judiciais, poderia ter escrito um livro repleto de dados, números e estatísticas. Mas o escritor escolheu uma abordagem diferente para chegar ao seu objetivo. Trocou os números pelas pessoas. Narrou histórias com riqueza de detalhes, fazendo com que as narrativas acontecessem em frente ao leitor, o que causa grande impacto. Seis histórias são retratadas na publicação. Exceto o capítulo três que tem como protagonista um homem, os cinco capítulos

restantes tem como personagens principais mulheres, que perderam seus maridos e filhos em conflitos de terra. Aproximando as narrativas dessas mulheres do leitor, Klester pretendeu mostrar uma realidade do Brasil que as pessoas não têm acesso. “São 20h aqui em São Paulo e certamente em algum lugar do Brasil há uma família que está chorando agora, por que perdeu alguém hoje. E a pessoa que matou está tranquila, tomando cerveja, certo de que nada vai acontecer a ele” explica o autor. O jornalista mostra como cada protagonista convive com seu trauma, Maria de Jesus, por exemplo, depois de 26 anos da morte de seu marido e de seu filho, tentou suicídio e sofre com crises de pânico. Seu filho de 31 anos, Antônio, não sai de perto dela, temendo que pior aconteça. A história de Maria, que é retratada no primeiro capítulo é uma das mais chocantes do livro.

Livro possui seis narrativas Aos 34 anos viu três pessoas serem assassinadas cruelmente na sua frente em um mesmo dia. Dois deles de sua família, marido e filho. Como nas outras histórias as vítimas eram trabalhadores que lideravam ou participavam de grupos que reivindicavam

terras em determinadas fazendas. Sebastião Souza, marido de Maria de Jesus, liderava um grupo de trinta famílias de lavradores que solicitavam uma área da Fazenda Baronesa, em Goianésia. Sebastião e Clésio, de apenas três anos, morreram com 13 e oito tiros respectivamente. Geraldina Canuto, apesar de possuir uma história não menos trágica que a de Maria de Jesus, seis anos após os assassinatos de José e Paulo Canuto, seu marido e seu filho, encarou com coragem os fazendeiros que foram os mandantes dos crimes, no Tribunal de Justiça do Estado, em Belém. Julgamento que os condenou a 19 anos de cadeia. Apesar de saber que não tem motivos para sorrir, Geraldina costuma dizer que só ficará tranquila quando os mandantes dos crimes estiverem na prisão, pois os fazendeiros recorreram e ganharam o direito de esperar

o segundo julgamento em liberdade. O livro nasceu em 1998, após Klester Cavalcanti, publicar a matéria de título As viúvas da terra, na revista Terra. Para transformar a matéria em livro o jornalista apurou durante cinco anos. Leu milhares de páginas de documentos e entrevistou cerca de 70 pessoas, entre advogados, sobreviventes de massacres, parentes de vítimas, sociólogos, acusados e policiais. Com a ajuda da Comissão Pastoral da Terra Klester traçou um mapa assustador da impunidade. De 1985 a 2003 ocorreram 1373 homicídios de agricultores, advogados, sindicalistas e religiosos envolvidos com a questão agrária no Brasil. Desses casos, apenas 122 foram levados a julgamento e nove mandantes de crimes foram condenados. Nenhum está preso.

Reportagem é material didático Sem imparcialidade Ensinar reforma agrária e conflitos de terra para alunos do ensino médio de um colégio particular, pode ser difícil. Justificável, pois entender a realidade de outras pessoas sem nunca ter tido qualquer contato com situações que elas vivem, é complicado. Nos nove anos que a professora de geografia, Clarice Lipinski, dá aula no colégio Tendência, o livro Viúvas da terra de Klester Cavalcanti foi sempre citado. Porém narrar as histórias de mulheres que perderam seus maridos e filhos em conflitos de terra, não é a única maneira que Clarice encontrou para aproximar os alunos da realidade rural. Filha de pequenos agricultores, a professora compartilha sua história com os estudantes. Única mulher entre três irmãos, Clarice e sua família, viveram 12 anos em Guaíra, no interior do Paraná, em uma média propriedade onde seus pais eram empregados. Desde pequena aprendeu a conciliar, mesmo que de forma sofrida, os estudos com o trabalho na roça. Clarice não tinha “gosto por aquilo”. Achava que a vida na área rural era muito dependente da natureza

“às vezes a nossa horta estava linda, mas aí vinha uma enchente e levava tudo embora”. E por saber disso insistiu em continuar a estudar até mesmo quando seu pai preferia que ela trabalhasse em tempo integral. Quando se formou na oitava série, de tanto insistir, ganhou de seu pai que a permissão de continuar estudando, com a condição que iria trabalhar nos finais de semana e em outros horários. A menina que só teve acesso à televisão aos dez anos começou a sonhar com algo diferente para o seu futuro. Tinha certeza que no campo não havia perspectivas de crescimento, e por uma coincidência e ajuda da mãe veio parar em Florianópolis, aos 16 anos, para fazer um prévestibular a fim de passar no vestibular de geografia na UFSC. A mãe de Clarice conheceu uma pessoa que tinha uma filha que morava em Florianópolis e precisava de alguém para prestar serviços domésticos em sua casa. Ela viu a chance de ter um futuro melhor. No dia de ir embora, Clarice precisava pedir autorização para seu pai, mas eles tinham brigado semanas antes. Ela deixou sua mala na porta e

se voltou para seu pai para pedir permissão, que veio seguida de um balançar de ombros e a frase “se você colocar os pés para fora desta casa, não conte mais comigo”. Mal sabia ela que não seria a primeira vez que ouviria essa frase na sua vida. Em Florianópolis, a menina, que não sabia como se fazia para entrar na faculdade, aceitou a proposta das pessoas para quem trabalharia e moraria: de janeiro a julho iria ficar trabalhando, e em agosto começaria o prévestibular. O cursinho seria pago com os salários do primeiro semestre, que ela não teria acesso até agosto. Na metade de outubro de 86, Clarice, ouviu pela segunda vez a frase, que a deixaria dormir nas ruas de Florianópolis. Uma colega do cursinho a convidou para passar alguns dias na sua casa, tempo para ela encontrar um novo emprego. Apesar de ter que passar por esta situação, ela reconhece que se não fosse essa primeira oportunidade poderia ser hoje uma boia-fria. No final de 86, Clarice passou no vestibular, e se sustentou na cidade dando aulas no ensino fundamental.

“A marcha dos radicais”, “A esquerda delirante”, “A força da UDR”. Essas são manchetes retiradas de capas da revista Veja que falam da reforma agrária no Brasil. Frases como essas, seguidas de subtítulos como “São apenas um dos grupos que se comportam como o braço armado do PT”, demonstram que a constante perseguição que a revista faz ao Partido dos Trabalhadores também é transferida para o Movimento Sem Terra. Segundo o autor de Viúvas da terra, Klester Cavalcanti, que trabalhou para a Veja em 1998, a publicação tem posição clara sobre vários assuntos. “Eles batem muito na politicagem do movimento. Só esquecem de mostrar que na base do movimento há pessoas muito boas.” completa o jornalista. Para o professor de Zootecnia da UFSC, Ademir Cazella, especialista em políticas para a agricultura familiar, a forma como o movimento se estrutura por todo o país, precisa de lideranças para cumprir o papel político. “Se

Veja tem discurso de direita eles não fizerem isso não conseguem se estruturar como movimento”. Explica Ademir. Em 2000 quando 5000 membros do MST ocuparam prédios em 14 capitais, a Veja publicou uma matéria de capa com título A tática da baderna. No conteúdo da reportagem, observa-se qual a opinião da revista sobre o MST, como é possível notar no trecho da matéria “O MST não quer mais terra. O movimento quer toda a terra, quer tomar o poder por meio da revolução e,, implantar aqui um socialismo tardio”.

“Eu estive em regiões onde a violência agrária é muito pesada, e lá não viKlester o MST. ” Cavalcanti


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Florianópolis, 7 de novembro de 2013

Edição 1 - Ano 1

TERRA VERMELHA

TERRA VERMELHA

Curso de Jornalismo da UFSC Atividade da disciplina de Edição Professor: Ricardo Barreto Edição, textos, planejamento e edição eletrônica: Priscila Oliveira dos Anjos Serviços editoriais: Veja, veja.com e cptnacional.org.br Impressão: Duplic Novembro de 2013

A cidade tem dono Ideia do livro surgiu em nota Em outubro deste ano Bannach esteve em festa. A cidade de pouco mais de três mil habitantes comemorou 20 anos de emancipação. Fundada em 1993, pela família de sobrenome Bannach, suas terras não são do Estado, elas têm dono. O município tem a menor população do Pará, e por isso a menor receita, mas área é equivalente à cidade de São Paulo. Segundo o prefeito, Valber Mihomen, é difícil dar assistência às pessoas, como saúde e educação, pois há famílias a 120 km do centro. A situação se agrava quando a prefeitura precisa fazer obras “A prefeitura não tem terras, depende da família Bannach que são os donos das terras, qualquer construção de imóvel sendo posto de saúde, escola, tem que tá pedindo penico para eles e tem vezes que nem conseguimos” diz Valber. Nas décadas de 1960 e 1970 o governo militar temia que as terras amazônicas fossem invadidas pelos norteamericanos. Com o objetivo de habitar as terras, os militares não só criaram o slogan “Uma terra sem homens para homens

sem terra”, como vendiam uma área de um hectare, por um pouco mais do que seria hoje um real. No Natal de 1970 o patriarca da família Bannach, Otacílio, anunciou que compraria terras na selva amazônica, para que seus seis filhos prosperassem lá com a venda de madeira. Nas terras do sudoeste do Pará os filhos de Otacílio construíram uma serraria. A oportunidade de trabalho na serraria atraiu as pessoas que começaram a construir suas casas nas terras dos Bannach, com a permissão da família. Em 1991, já haviam 3500 habitantes. Começaram as tentativas para pedir a emancipação da vila, que pertencia ao munícipio de Ourilândia do Norte. Na terceira tentativa os irmãos Bannach mandaram fazer 500 camisetas com as frases: Queremos o munícipio de Bannach. Nós merecemos. Na Praça da República, em Belém, recrutaram 400 pessoas para participaram da audiência, prometendo, além da camiseta, um lanche. A farsa deu certo.

Melhores condições no campo é o desejo dos Sem Terrinha

A herança ideológica Caciane, autora do desenho a cima, sonha com terras para plantar, energia e água encanada. Ela faz parte do Movimento Sem Terrinha, que por meio de encontros anuais chamam atenção para as condições de moradia e educação de crianças sem terra. Em outubro deste ano camisetas e bonés vermelhos coloriram por três dias a Universidade Federal de Santa Catarina. 400 filhos de assentados e acampados do Movimento Sem Terra do Estado, entre 8 e 12 anos, participaram do Encontro Estadual dos Sem

Terrinha, evento que debateu questões sobre a permanência das crianças no meio rural. Na página da web administrada pelos setores de Educação, Cultura, Comunicação e Juventude do MST, o movimento possui uma lista de reivindicações intitulada Carta dos Sem Terrinha pela Reforma Agrária, o primeiro item da lista é “Queremos terra para plantação, cuidar das plantas e jogar lixo o orgânico na terra”. No final da carta há a frase “Brilha no céu, a estrela do CHE, somos Sem Terrinha do MST”.

Notícias de jornal do Pará alertam repórter

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jornalista recifense Klester Cavalcanti passou cinco anos pesquisando sobre a violência agrária no Brasil, viajou para regiões como a cidade de Marabá, no Pará, que desde 1985, já era conhecida como “Marabala” pela quantidade de crimes registrados. Para escrever as seis histórias do livro, o autor de Viúvas da terra, usou como principais fontes esposas e filhos de vítimas dos conflitos agrários. As entrevistas foram mediadas por pessoas da Comissão Pastoral da Terra, que já tinham contato com as famílias que Klester retratou no livro. A publicação rendeu ao repórter o Prêmio Jabuti em 2005, o Prêmio de Direitos Humanos de Jornalismo e o Prêmio de Melhor Reportagem Ambiental da América do Sul.

Terra Vermelha - No Pará havia jornais, revistas ou outro meio que publicava as notícias dos assassinatos? Klester Cavalcanti - Quando eu morava em Belém do Pará, eu era correspondente da Veja na Amazônia. Eu via quase todos os dias em notas nos jornais, notícias de assassinatos de agricultores. Só que eram apenas notas. Por exemplo: morreram cinco agricultores em Marabá, a polícia suspeita que o mandante seja o fazendeiro fulado de tal. Depois de dois a três dias tinha no jornal uma nota parecida com está. Toda semana eu via três notas assim. Aí eu comecei a perceber que a coisa era muito mais pesada do que as pessoas imaginam. E foi ai que comecei a juntar esse material para um dia fazer uma reportagem sobre esse assunto. Comecei a prestar atenção nisso em 1998, e em 2003 eu fiz uma matéria na revista Terra, o título da matéria foi As viúvas da terra. T.V - Na apuração você teve acesso a mais de três mil páginas de documentos, entre eles inquéritos policiais e processos judiciais. Quais foram as dificuldades para conseguir esses documentos? K.C - Foi muito complicado, muito difícil. Esse tipo de coisa é muito difícil de conseguir no Brasil. Eu tive ajuda de

justiça, a juíza encarregada viu que eu tinha prova de tudo que eu escrevia, e arquivou o caso sem nem começar. Mas a matéria que eu fiz antes do livro rendeu algumas ameaças de morte. Telefonaram para a redação, deixaram bilhete na minha casa.

Klester entrevistou 70 pessoas

“Eu coloquei essa frase de propósito. Lula deixou de fazer pela reforma agrária.”

advogados do Comissão Pastoral da Terra. Mas também houve casos de eu conseguir a cópia de um processo judicial, no Pará na cidade de Marabá, com o pagamento de R$ 50 ao office-boy do Fórum da cidade. Ele tirou uma cópia para mim do processo. Tentei ir pelo caminho convencional. Falei com a juíza do Fórum e ela disse que não tinha o documento, mas eu sabia que era mentira.

“A matéria que eu fiz depois do livro me rendeu algumas ameaças de morte”

T.V - Nas histórias você cita nomes de fazendeiros, policiais, advogados e matadores de aluguel. Houve alguma reação negativa por partes que se sentiram prejudicadas pelo o que você escreveu no livro? K.C - Uma juíza me processou por eu citar um caso que envolvia ela no livro. Mas o processo não deu em nada porque, mesmo ela sendo uma pessoa da justiça, quando o processo chegou à

T.V - Em Viúvas da terra você não fala sobre o Movimento Sem Terra, só cita outras organizações de agricultores, como o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará. Como você observa o MST hoje? K.C - Eu acho que têm pessoas muito boas na base do movimento, agricultores que só querem um pedaço de terra para plantar e para viver. Mas a direção do movimento é totalmente política. Eles não estão preocupados com o bem-estar do agricultor, eles estão preocupados em ganhar poder político. Tanto é que todas as manifestações que eles fazem é sempre em Brasília, na Avenida Paulista, para aparecer na mídia. Eu estive em regiões onde a violência agrária é muito pesada, e nessas regiões eu não vi ninguém, não vi nada do MST. Os diretores e líderes do MST querem ficar em São Paulo, Porto Alegre, Brasília para ficar em segurança e com vida boa. T.V - No livro você colocou falas de um discurso do Luiz Inácio Lula da Silva feito em 1991. Na época Lula era presidente do PT. No discurso ele defendeu a reforma agrária. Qual a sua opinião sobre o que o ex-presidente fez no seu governo pelos sem terra? K.C - Eu coloquei essa frase de propósito no livro. Ele deixou de fazer pela reforma agrária. Eu achei o discurso contraditório, pois antes de ser presidente ele falou muito sobre reforma agrária, de dar condições para os trabalhadores do campo. Criticou muito os antecessores dele. E ai quando ele vira presidente não faz nada. Ele não fez nenhuma alteração para melhorar a questão da política no Brasil. Eu fui á vários assentamentos sem terra que tinham recebido milhões de reais para investir, segundo os documentos do governo. Mas chegando lá não tinha nada. As famílias não tinham água encanada, energia, só barracos de madeira. O fato é que o dinheiro não foi empregado.

“O governo não está nem ai só quer assinar papel para dizer que fez alguma coisa.” Klester Cavalcanti


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