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ano treze | nº 72 | novembro / dezembro 2020 R$ 10,00
ARTIGOS INÉDITOS, ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL, TURISMO EM TIRADENTES
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FOTO DE JEFERSON PRADO – RPPN SESC PANTANAL (BARÃO DE MELGAÇO/ MT)
ENTREVISTA COM A JORNALISTA ANA PAULA ARAÚJO SOBRE O LIVRO DE ESTREIA – “ABUSO”
AÇÃO | CIDADANIA | AMBIENTE
ESPECIAL PANTANAL:
AS LIÇÕES QUE FICAM DOS INCÊNDIOS
FOTO DE LUCIANA TANCREDO – TIRADENTES (MG)
Lírica e histórica, Tiradentes (MG)
reabre para turistas, por Luciana Tancredo
24.
Culinária amazônica, por Ana Carolina Maia
Especial Pantanal: que lições ficam dos incêndios?, por Sônia Araripe
44 Óculos sustentáveis, por Luciana Bezerra
Artigos inéditos: Denise Pires de Carvalho, Anatricia Borges, Giuliana Preziosi e Fábio Rocha
46 Acesso à vacina da Covid-19, por Viviane Tavares, da Fiocruz
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8.
Ecoturismo, por Isabella Araripe
62 Cinema verde, por Isabel Capaverde
66 Pelas empresas, por Felipe Araripe
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FOTO DE LÉO AVERSA – EDITORA GLOBO - DIVULGAÇÃO
53 Ópera contemporânea, por Maurette Brandt
12.
DIVULGAÇÃO
56.
FOTO DE JEFERSON PRADO- SESC PANTANAL - DIVULGAÇÃO
Contexto
Entrevista com a jornalista Ana Paula Araújo sobre o seu livro de estreia – “Abuso, a cultura do estupro no Brasil”
40.
Alimentação saudável, por Nícia Ribas
E ditorial
Especial Pantanal, artigos inéditos, a vacina para o Coronavírus, Tiradentes reabre para turistas, entrevista com Ana Paula Araújo, alimentação natural e muito mais FOTO DE JEFERSON PRADO - RPPN Sesc-PANTANAL - BARÃO DE MELGAÇO (MT)
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Por Sônia Araripe, Editora de Plurale
á perdemos a conta de quantas vezes estivemos no Pantanal fazendo reportagens aqui para Plurale em revista. Podemos seguramente dizer que o Pantanal faz parte de nossos 13 anos de história. Nestas “andanças”, tivemos o privilégio de conhecer a maior Reserva Particular de Patrimônio Natural do Brasil, a RPPN Sesc Pantanal, localizada no município de Barão de Melgaço, no Mato Grosso. Com área de 108 mil hectares, 23 anos de história e pesquisas, só em sobrevoo de avião é possível ter a sua melhor dimensão. Mas foi de barco, caminhando e de cavalo que captamos fotos fantásticas. Algumas foram capas de Plurale e outras tiveram destaque na recente exposição de fotos dos principais momentos de nossa trajetória. Quando vimos as fortes imagens dos incêndios que assolaram o Pantanal - destruindo por onde passava o fogo a fauna, a flora e atingindo também ribeirinhos e moradores da região, queimando 17% de todo o bioma e 90% da RPPN Sesc Pantanal - decidimos que era necessário mudar esta Edição 72. Ou “fazer uma virada” na edição, como costumamos falar no jargão jornalístico. Assim foi feito: em tempo recorde, em menos de um mês, conseguimos produzir este Especial #SOSPantanal. Com foco não tão somente nas causas desta verdadeira tragédia socioambiental, mas, principalmente, ouvindo especialistas sobre como será daqui para a frente. Como será o clima daqui para a frente? De que forma a fauna e flora sobreviventes irão reagir? Será preciso replantar? Como lidar com a centenária cultura
do fogo para “limpar terreno” no Pantanal? Enfim, muitas perguntas a serem respondidas. A pandemia é outro tema em destaque nesta edição. Como ainda estamos enfrentando as suas severas consequências trazemos artigos inéditos para ajudar a entender a cenário para a frente: da Reitora da UFRJ, Denise Pires de Carvalho; do consultor Fábio Rocha; da especialista em voluntariado, Giuliana Preziosi e da consultora de Comunicação e Storytelling, Anatrícia Borges. O pesquisador do Instituto Gonçalo Moniz (Fiocruz Bahia), Manoel Barral, alerta que a forma de distribuição de vacina de maneira global ainda é um dos desafios a serem enfrentados. Nossa Editora de Fotografia, Luciana Tancredo, esteve na bucólica e histórica Tiradentes (MG), logo de-
pois de ter sido reaberta aos turistas. A repórter especial Nícia Ribas, preparou reportagem sobre a busca por uma alimentação mais natural nestes tempos de confinamento. Já a colunista Maurette Brandt “mergulhou” na ópera contemporânea em homenagem à eterna Maria Callas pela serva Marina Abramovic. Da Amazônia, Luciana Bezerra conta a história da designer que está lançando óculos sustentáveis e Ana Carolina Maia apresenta o sucesso do “bacon” de peixe, a base de pirarucu. Também são destaque nesta edição as colunas de Isabella Araripe (Ecoturismo), Isabel Capaverde (Cinema verde) e Felipe Araripe (Pelas empresas). Desejamos um 2021 de melhores notícias do que este 2020, tão difícil e triste. Com saúde, harmonia e paz. Porque é só disso que precisamos.
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Quem faz
Diretora e Editora-Chefe Sônia Araripe soniaararipe@plurale.com.br Fundadores Carlos Franco e Sônia Araripe Plurale em site: www.plurale.com.br Plurale em site no twitter, facebook e instragram: http://twitter.com/pluraleemsite https://www.facebook.com/plurale @revistaplurale Comercial comercial@plurale.com.br Arte Amaro Prado e Amaro Junior Fotografia Fotografia Luciana Tancredo (Cia da Foto); Agência Brasil e Divulgação Colaboradores nacionais Felipe Araripe (Estagiário), Hélio Rocha, Isabel Capaverde, Isabella Araripe, João Victor Araripe, Lília Gianotti e Nícia Ribas. Colaboradores internacionais Aline Gatto Boueri (Buenos Aires), Elisabeth Cattapan Reuter (Hamburgo/Alemanha), Vivian Simonato (Dublin), Wilberto Lima Jr.(Boston) Colaboraram nesta edição: Ana Carolina Maia, Anatrícia Borges, Christiane Caetano, Daniel Vidal, Denise Pires de Carvalho, Fábio Rocha, Gabriela Sant`Anna, Giuliana Preziosi, Jeferson Prado, Léo Aversa, Luciana Bezerra, Maurette Brandt, Oscar Araripe, Peter Illiciev (Fiocruz) Rodrigo Tavares Leite e Viviane Tavares (EPSJV/Fiocruz). Os artigos são de inteira responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião da revista.
Impressa com tinta à base de soja Plurale é uma publicação da SA Comunicação Ltda CNPJ 04980792/0001-69 Impressão: Imprimindo Conhecimento Editora e Gráfica
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Cartas “A edição 71 de Plurale em revista está linda! E a matéria sobre os nonagenários está maravilhosa. Delicada, para cima, sem chavões, adorei! Parabéns à Nicia Ribas! Mantem sua pena (ou seu teclado) bem afiado e cheio de tinta!” Lúcia Koury, Editora, do Rio de Janeiro (RJ), por e-mail “Gostamos muito da Edição 71 de Plurale em revista! Que alegria poder receber em minha casa esta linda edição. Como sempre, matérias lindas e recheada de muitas informações. A reportagem sobre a Flórida, por Paula Martinelli, está belíssima - fotos fantásticas e muito inspiradora. Parabéns Plurale!” Patrícia Martinelli e Claudete Martinelli, de Várzea Paulista (SP), por email “Sônia, me emocionou com esta edição dos 13 anos, que nos põe a pensar na longevidade, viajar por uma Veneza deserta e pelas memórias de Elisabeth Cattapan Reuter e a homenagear o ambientalista Alfredo Sirkis e o cartunista boa-praça Bruno Liberati. Vida longa à Plurale!” Ítala Maduell, professora de Jornalismo da PUC-Rio, Rio de Janeiro (RJ), pelo Instagram “Se não fosse por Plurale, muita gente já teria esquecido os desastres de Mariana e Brumadinho, tão bem resgatados pelo jornalista Hélio Rocha na Edição 71. Não porque não foram graves, mas porque coisas graves têm acontecido todos os dias no Brasil, e a imprensa não tem como acompanhar tudo. Plurale faz, há 13 anos, um trabalho essencial nos lembrando da importância da sustentabilidade na mineração. Que seja assim por muitos anos a mais." Simone de Albuquerque Mendonça, escritora, de Juiz de Fora (MG), pelo e-mail
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“Parabéns, Sônia Araripe e equipe Plurale pelos 13 anos, comemorados com uma Edição tão especial. Artigos relevantes de Adriana Boscov, Christian Travassos e Pedro Garrido. Tema mais do que atual na entrevista com o economista Marcelo Néri e matérias excelentes sobre longevidade, por Nícia Ribas; Flórida pouco explorado por brasileiros, de Paula Martinelli; dança na era virtual, de Maurette Brandt e a poesia em Veneza, por Elisabeth Reuter. Feliz por acompanhar esta trajetória como parceiros. A cada edição a revista está melhor. Que venham muitos mais anos!! “ Nelson Tucci, jornalista, Editor da Coluna Via Sustentável, de São Paulo (SP), pelo instagram “Amigos da Plurale, foi com grata surpresa que li a edição Especial de 13 anos da revista. Explico. Tive a oportunidade de ler texto sobre dois intelectuais que muito admiro. Um foi o economista Marcelo Neri, profissional que entrevistei algumas vezes e nele reconheço o compromisso com a verdade e a discussão acadêmica de alto nível. Ver sua fala sobre o tema "Renda Básica" mostra que Plurale continua na vanguarda do tema Sustentabilidade em sua forma mais ampla, que envolve o planeta e o ser humano. O segundo foi o texto de Sônia Araripe em homenagem ao nosso eterno Alfredo Sirkis, o nosso descarbonário. Sirkis foi daquelas pessoas de voz mansa e inteligência arguta que muito fez pelo Brasil na área de sustentabilidade, quando muitos ainda discutiam apenas o meio ambiente. Sirkis foi um líder global na luta pela defesa do planeta Terra. Fará falta a todos nós. Parabéns equipe Plurale! Que venham muitos anos a mais!” Fernando Thompson, jornalista e consultor de Imagem, por e-mail, do Rio de Janeiro, RJ "Christian Travassos, que texto! Estou impressionado com a técnica, com a coerência de sua produção. Achei o texto sólido, coeso e para lá de atual." Antonio Roberto Petali Júnior, Consultor Pedagógico, pelo site, do Rio de Janeiro (RJ)
Entrevista
“NOSSA CULTURA É EXTREMAMENTE MACHISTA. E ISSO SE REFLETE NÃO SÓ NO ALTO NÚMERO DE CASOS, MAS TAMBÉM NO DESAMPARO DAS VÍTIMAS. ANA PAULA ARAÚJO, JORNALISTA Por Sônia Araripe, Editora de Plurale Fotos de Léo Aversa – Divulgação/ Editora Globo Livros
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epois de apresentar sozinha, na bancada do Rio de Janeiro, o relevante “Bom Dia Brasil” nas manhãs da TV Globo por seis meses consecutivos no período de pandemia, as férias seriam perfeitas para descansar em família longe de tudo. Certo? Não para a jornalista Ana Paula Araújo, uma das mais relevantes de sua geração. Viajou e descansou sim, mas aproveitou para acelerar a divulgação de seu primeiro livro. Na semana que nos atendeu, participou de uma verdadeira maratona de entrevistas. Abuso – A cultura do estupro no Brasil (Editora Globo, 320 págs) é reportagem de fôlego, denso e urgente como tudo que Ana Paula se engaja. A carioca-mineira, de 48 anos, mudou-se para Juiz de Fora ainda criança: estreou no Jornalismo na Rádio Globo aos 18 anos e nunca mais tirou o pé do acelerador nas redações jornalísticas. Foi neste ritmo frenético que nos conhecemos. Ana faz parte do time do Jornalismo da TV Globo há 24 anos. Fez parte da equipe da emissora que, em 2011 conquistou o Prêmio Emmy Internacional pela ocupação do Complexo do Alemão pelas forças policiais, ficando oito horas, ininterruptas,
narrando ao vivo. Levou quatro anos de pesquisa até chegar ao resultado do livro de estreia. Ao longo deste período, viajou para acompanhar de perto alguns dos casos relatados: fez diversas entrevistas com vítimas, famílias, criminosos e também, ouviu Juízes, Desembargadores, psiquiatras, psicólogos e outros especialistas. A autora acredita que há uma cultura na qual a vítima deste crime é desamparada e o autor nem sempre é criminalizado. “Nossa cultura é extremamente machista. E isso se reflete não só no alto número de casos, mas também no desamparo das vítimas. Por medo, culpa ou vergonha, 90% delas não denunciam. A minoria que denuncia sai quase sempre sem a punição do culpado, seja pela investigação policial malfeita ou inexistente, seja pela justiça que muitas vezes desconfia da vítima e não tem sensibilidade para compreender a dificuldade em recolher provas nesse tipo de crime. Sem punição e sem uma educação que combata a violência de gênero, não há solução. E essa educação tem que chegar inclusive aos nossos policiais, juízes e médicas.” A depender de seu engajamento, outros virão. “Meu próximo livro será sobre violência doméstica”, revela. Acompanhe os principais pontos desta entrevista especial para Plurale. Plurale em revista - Ana, o seu relevante trabalho desenvolvido ao longo dos anos como uma das principais âncoras da TV Globo, lhe trouxe fama e muitos fãs. A televisão tem este “charme”, digamos assim. Você sempre se posiciona como uma jornalista de noticiário, acima de tudo? Ana Paula Araújo - A televisão te torna uma pessoa pública, mas continuo sendo jornalista acima de tudo. Em qualquer veículo. Este é o seu primeiro livro. Quando surgiu a ideia e a escolha deste tema tão corajoso?
Ana Paula Araújo - Comecei a pesquisar o tema há quatro anos. E acredito que a ideia tenha vindo do conjunto de todas nós, mulheres. O movimento feminino se fortaleceu nos últimos anos. Aumentaram as denúncias e, principalmente, a empatia. A tão falada rivalidade feminina vem cada vez mais dando espaço à compreensão, apoio e solidariedade. Escolhi esse tema porque diz respeito a todas nós. Não conheço uma mulher que não tenha passado por uma história de abuso sexual, seja mais ou menos grave. Piadinhas absurdas e assédio no transporte público, por exemplo, são algo que todas nós conhecemos bem. Podem parecer pouco, mas fazem parte de uma cultura de desvalorização da mulher que também está por trás dos casos mais graves de estupro. Precisamos em definitivo nos unir e falar sobre isso. Conhecimento, discussão, informação são a base para qualquer mudança. Quis deixar minha contribuição para todas nós e para as gerações futuras, como a da minha filha. Plurale em revista - Ana, como foi o trabalho de produção do livro? Soubemos que foram cerca de 100 entrevistas, várias viagens, etc. Favor contar um pouco deste processo. Ana Paula Araújo - Continuei com meu trabalho normalmente na televisão, então, para conseguir viajar pelo Brasil, tive que concentrar a maior parte das entrevistas nos fins de semana de folga e feriados. Partes das férias também foram investidos no projeto. Em lugares menos distantes, cheguei a fazer ida e volta no mesmo dia. Foi cansativo fisicamente e também psicologicamente, porque eram entrevistas sempre muito pesadas e quase não tive tempo de respirar entre uma e outra. Mas valeu a pena. Acho que consegui cumprir o que me propus: traçar um retrato da violência sexual pelo Brasil, levantar o debate, esclarecer sobre os direitos das vítimas e trazer caminhos sobre como
Não conheço uma mulher que não tenha passado por uma história de abuso sexual, seja mais ou menos grave. Piadinhas absurdas e assédio no transporte público, por exemplo, são algo que todas nós conhecemos bem.”
Ana Paula Araújo
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podemos ao menos melhorar essa realidade. Plurale em revista - Imagino que tenha sido bem doloroso para você ouvir vítimas, familiares tanto quanto para estes? Este é um assunto que gera medo e vergonha para as vítimas. Sabia que tinha um compromisso - como jornalista - de contar esta verdadeira “tragédia” brasileira? Ana Paula Araújo - Para as vítimas e familiares havia dois momentos. O começo do depoimento era sempre mais doloroso, é muito difícil retornar a essas lembranças. Mas, em geral, ao fim, a maioria se sentia muito aliviada. Era como se tivesse conseguido desabafar e dividir comigo um pouco daquele peso. Com a primeira vítima que entrevistei, tive uma conversa de duas horas. Ela me contou detalhes que nunca tinha revelado para ninguém. A filha dela depois veio me contar que, após a nossa conversa, a mãe virou outra pessoa, bem mais leve, como se nossa conversa tivesse funcionado como uma sessão de terapia. Só esse resultado já me deixou muito feliz. Cada vítima que for ajudada pelo livro já vai ser uma alegria enorme para mim Plurale em revista - Este é um tema ainda “tabu” na sociedade brasileira. Que tanto se choca, quando descobre um caso absurdo, como o recente estupro da menina de 10 anos pelo próprio tio, no norte do Espírito Santo, mas pouco tem feito para denunciar e evitar novos crimes. O que é a “cultura do estupro”? Ana Paula Araújo - É um conjunto de pensamentos e atitudes entranhados que acabando criando uma sociedade onde a violência sexual é normalizada. Inclui ideias equivocadas, como a de que a vítima pediu, de que homem é assim mesmo, que não é tão grave assim, de que é fácil esquecer. É reflexo de uma cultura que dita que o ho-
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FOTO DE LÉO AVERSA – DIVULGAÇÃO/ EDITORA GLOBO LIVROS
Entrevista
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mem é superior, mais importante, que o desejo dele é que tem que ser levado em conta sempre. Começa desde cedo, quando ensinamos que meninos são fortes e meninas são delicadas, que meninos devem ser agressivos e meninas ficam na retaguarda deles, que tarefas de casa e filhos são função só das mulheres. Plurale em revista - Você ouviu especialistas - psicanalistas, psicólogos, médicos, etc. Qual a opinião destes? O que leva que estes casos continuem avançando no Brasil? Ana Paula Araújo - Nossa cultura extremamente machista. E isso se reflete não só no alto número de casos, mas também no desamparo das vítimas. Por medo, culpa ou vergonha, 90% delas não denunciam. A minoria que denuncia sai quase sempre sem a punição do culpado, seja pela investigação policial malfeita ou inexistente, seja pela justiça que muitas vezes desconfia da vítima e não tem sensibilidade para compreender a dificuldade em recolher provas nesse tipo de crime. Sem punição e sem uma educação que combata a violência de gênero, não há solução. E essa educação tem que chegar inclusive aos nossos policiais, juízes e médicas Plurale em revista - O livro comprova que a maior parte dos casos de estupro acontece por parentes das vítimas, muitas vezes crianças. Você ouviu o pai que estuprou a filha de 12 anos na Ilha de Marajó. Conta um pouco sobre este caso. Ana Paula Araújo - A mãe saía para trabalhar com o filho na coleta de açaí e o pai ficava sozinho com a menina. Ao longo de quase um ano, ela foi violentada. A mãe via que a filha estava diferente, mais triste, mas não podia imaginar o que acontecia. A menina era ameaçada pelo pai e por isso não contava nada. Um dia a mãe voltou mais cedo do trabalho e pegou o marido em flagrante. Criou forças e bateu
nele, jogou móveis. O homem fugiu e até hoje não foi encontrado, mas não voltou a incomodar a família. Quando encontrei mãe e filha, o caso era muito recente, elas estavam muito sofridas, mas via-se a união das duas. Isso é fundamental na superação do trauma. O sonho da menina é se formar policial Plurale em revista - Como é possível tentar “evitar” casos de estupros? Muitas vezes são crianças...como identificar que são vítimas? Ana Paula Araújo - As crianças dão muitos sinais quando estão sofrendo algum tipo de violação sexual. Podem fazer desenhos exagerando na hora de desenhar as partes íntimas, ter comportamentos regressivos como voltar a chupar chupeta ou falar com voz de bebê, podem ainda ficar agressivas. É preciso prestar atenção e estar sempre pronto a ouvir. Para prevenir, é muito importante desde cedo ensinar às crianças quais são as partes íntimas e que ninguém pode tocar, a não ser as pessoas mais próximas que precisem cuidar da higiene. E orientar que qualquer toque diferente disso ou que a incomode deve ser dito a algum adulto de confiança. Professores também tem que fazer parte dessa educação sexual que protege contra os abusos. No caso de o abusador ser alguém da família, como em geral acontece, a criança pode se sentir mais à vontade para buscar ajuda na escola. Plurale em revista - Pensa em novos livros reportagens? Tem novos/futuros projetos que vão além do trabalho atual? Ana Paula Araújo - Sim. Meu próximo livro será sobre violência doméstica. Mais uma vez, quero discutir a desigualdade de gênero. Cresci nesse contexto e volta e meia ainda me dou conta de momentos e maneiras diferentes em que fui prejudicada ou vitimada só por ser mulher. Quero ajudar a mudar isso.
Acho que consegui cumprir o que me propus: traçar um retrato da violência sexual pelo Brasil, levantar o debate, esclarecer sobre os direitos das vítimas e trazer caminhos sobre como podemos ao menos melhorar essa realidade.”
Ana Paula Araújo
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Artigo Denise Pires de Carvalho
A centenária maior Universidade Federal do Brasil - conquistas e perspectivas
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omemoramos, no dia 07 de setembro de 2020, cem anos de existência, o que não é muito tempo para uma instituição de ensino, pesquisa e extensão. Evoluímos muito neste curto espaço de tempo, apesar das inúmeras crises que enfrentamos. Entretanto, ainda há muito a ser construído para chegarmos ao país que sonhamos, menos desigual e com a perspectiva de pleno emprego. A cada crise, as universidades ressurgem ainda mais fortalecidas. Essa é a história que acompanha as sociedades desde o surgimento dessas seculares instituições mundo afora, porque se tornaram berços da ciência contemporânea. Desde o renascimento, com a consolidação do método científico, houve avanços inimagináveis para a humanidade e isso é inquestionável. No Brasil, houve demora na implantação do ensino superior, pois éramos uma colônia de exploração e, portanto, durante alguns séculos não houve intenção da corte em promover o desenvolvimento do país. No entanto, a partir do aumento da produção de bens de consumo na Europa, se inicia paralelamente o processo brasileiro de transição Império-República que se entrelaça com a transição do trabalho escravo para o trabalho livre. Sendo assim, apenas a partir do final do século XVIII e inicio do século XIX as primeiras escolas de ensino superior começaram a surgir, mas eram escolas isoladas, voltadas à formação profissional da elite brasileira que anteriormente
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estudava na Europa. Seguia-se no Brasil daquela época o modelo napoleônico de formação profissional de nível superior, desconectado da produção cientifica, artística e cultural, que na França acontecia principalmente nos institutos de pesquisa e nas escolas de artes. No início do século XIX, um novo modelo de ensino superior foi implantado na universidade de Berlim, associando o ensino à produção do conhecimento. A partir de então, esse modelo se fortaleceu nas principais universidades do mundo, tanto na Inglaterra quanto nos Estados Unidos da América, e prevalece nos países desenvolvidos da atualidade. A UFRJ, assim como a USP, fora formada inicialmente pela junção de escolas de nível superior pré-existentes, mas a partir da década de 1940 decidiu-se que exerceriam também atividades de pesquisa e desenvolvimento e, assim, serviriam de modelo para as demais instituições públicas de Ensino superior do Brasil. Naquela época, um novo projeto de Estado brasileiro começava a ser estabelecido, o projeto de nação desenvolvida, que depende de instituições especializadas na produção de conhecimento de ponta. A UFRJ foi denominada a “Universidade do Brasil” em 1937 e certamente fomos um dos berços brasileiros deste modelo que hoje congrega mais de cem instituição de pesquisa: as universidades públicas brasileiras que são locais de alta produção cientifica, artística e cultural em todas as regiões do país, associando a
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geração do conhecimento à formação de pessoas altamente qualificadas, com liberdade de pensamento, emancipadas e críticas. A UFRJ atual forma anualmente cerca de 7.000 profissionais no nível da graduação, além dos mais de 2.500 mestres e doutores nos programas de pós-graduação de excelência. Há riqueza estrutural e de pessoal nessa instituição centenária. Nossos servidores estão entre os mais qualificados do país e funcionamos em três campi, com mais de 10 prédios tombados, mais de 15 museus, mais de 45 bibliotecas e mais de 1.600 laboratórios de pesquisa, que se associam a empresas nacionais e internacionais, gerando riqueza e renda para o nosso país. Conquistamos lugar de destaque entre universidades da América Latina e do mundo, mas podemos melhorar se o financiamento for restabelecido, a burocracia diminuir, a gestão se modernizar e o desenvolvimento da indústria nacional finalmente ocorrer. O sistema de ciência e tecnologia brasileiro depende das instituições públicas que produzem mais de 95% do conhecimento brasileiro, o que proporcionou, como exemplos: o avanço do agronegócio, a possibilidade de extra-
FOTO DE SÔNIA ARARIPE – ARQUIVO PLURALE
ção de petróleo em águas profundas e o correto enfrentamento de novas doenças como a Zyka, a Chikungunya e mais recentemente a COVID-19, devido ao desenvolvimento de novos testes diagnósticos, medicamentos e vacinas. Esse é o verdadeiro Brasil do futuro e corresponde ao modelo de nação que não deve ser ameaçado. Devemos seguir trilhando esse caminho para nos tornarmos uma nação soberana, com o necessário fortalecimento da indústria nacional, mas com o devido cuidado para preservar o meio ambiente. É mister nos distanciarmos cada vez mais do paradigma de colônia exportadora de “commodities”. Para isso, precisamos olhar para o futuro, com a quarta revolução industrial batendo à nossa porta: a indústria 4.0, a inteligência artificial, a convivência cada vez maior com robôs e a fundamental inovação social e disruptiva. Nessa nova era, as universidades cumprirão um papel ainda mais importante para a sociedade, por serem as instituições mais preparadas, nos dias atuais, para enfrentar os enormes desafios que essa nova revolução tecnológica impõe à humanidade. Nossa centenária universidade está pronta para vencer
Devemos seguir trilhando esse caminho para nos tornarmos uma nação soberana, com o necessário fortalecimento da indústria nacional, mas com o devido cuidado para preservar o meio ambiente. É mister nos distanciarmos cada vez mais do paradigma de colônia exportadora de “commodities”. Para isso, precisamos olhar para o futuro, com a quarta revolução industrial batendo à nossa porta: a indústria 4.0, a inteligência artificial, a convivência cada vez maior com robôs e a fundamental inovação social e disruptiva. Nessa nova era, as universidades cumprirão um papel ainda mais importante para a sociedade, por serem as instituições mais preparadas, nos dias atuais, para enfrentar os enormes desafios que essa nova revolução tecnológica impõe à humanidade.” Denise Pires de Carvalho mais esses desafios, porém o país precisa escolher o seu rumo. A emenda que impõe teto de gastos (EC95) às áreas de educação, ciência e tecnologia precisa ser urgentemente revista, sob a pena de perdermos o bonde do futuro e ingressarmos de volta ao passado como nação subserviente e periférica. Oxalá possamos trabalhar para deixar o legado de um país mais bem posicionado no cenário internacional, mais integrado às demandas atuais da sociedade nacional e internacional, mais moderno e equânime. Precisamos voltar a acreditar no verdadeiro Brasil do futuro, que deveria estar se preparando adequadamente no presente, o que é impossível sem o adequado investimento per capita comparado àquele de nível internacional. As instituições públicas de ensino, pesquisa e extensão são hoje as joias da nossa coroa. Não podemos perdê-las, sob a pena de estarmos definindo um futuro cada vez mais incerto para os nossos jovens. (*) Professora do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da UFRJ e Pesquisadora nível 1 do CNPq. Atua como docente nos cursos de Gradua-
ção da área da Saúde e nos Programas de Pós-graduação em Medicina (Endocrinologia) e Ciências Biológicas-Fisiologia da UFRJ. Foi orientadora na turma fora de sede da UECE e no Mestrado Profissional da UFRJ para Formação Científica de Professores de Biologia. Médica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1987 (diploma Cum Laude), possui mestrado em Ciências Biológicas (Biofísica) (1989) e doutorado em Ciências (1994), ambos pelo Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho. Pós-doutorado no Hôpital de Bicêtre, Unité Tiroïde, Paris, e na Universitá Degli Studi di Napoli, Itália. Foi Diretora do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (2010-2013), Coordenadora Acadêmica da Pró-reitoria de Graduação da UFRJ, Diretora Adjunta de Graduação (1998-1999) e de Pós-graduação (2001-2005) e vice-Diretora do Instituto de Biofísica da UFRJ (2007-2010). É a primeira mulher eleita Reitora da história da UFRJ para o período 2019/2023 por eleição que começa em consulta à toda a comunidade e depois eleição no colégio eleitoral, formado pelos colegiados superiores.
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Colunista Fábio Rocha
O Que as Empresas Esperam dos seus Líderes no Pós-Pandemia?
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uito se questiona dos conceitos e práticas de liderança no campo or g a n i z a c i on a l . Saímos da era do comando-controle realmente? Temos de fato líderes que entenderam que os maiores ativos são as pessoas? E vale uma reflexão inicial. Que efeito teve e tem a pandemia nestes questionamentos tão intensos sobre a maneira mais efetiva de exercer a liderança? De uma coisa não tenho dúvida, como se diz aqui na Bahia, quando a “maré baixa as pedras aparecem”. As fragilidades de um modelo de liderança baseado no controle, na hierarquia tradicional, no poder da função, na ideia do super líder, na separação entre pessoa e profissional, no carisma vazio e na imposição das vontades do líder ficaram ainda mais expostas com todo o cenário da pandemia e particularmente com o trabalho remoto. Outros elementos como a ideia também muita ultrapassada da competência para liderar apenas baseado em características comportamentais e/ou de que me torno líder apenas através de um “novo crachá” ou de um programa de desenvolvimento de lideranças excessivamente generalista também foram por terra. E números de pesquisas recentes, como por exemplo, de acordo com a Center for Creative Leadership – CCL traduzem este cenário, afirmando que 50% dos líderes são ineficazes em suas organizações. Com tantos anos ensinando a disciplina liderança em cursos de
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pós-graduação de renomadas universidades, de mais de 20 anos idealizando, coordenando e atuando como facilitador de programas de desenvolvimento de lideranças pela Damicos Consultoria e ainda com uma experiência rica em trabalhos de assessoramento direto/individual de líderes de organizações públicas, privadas e não-governamentais me pergunto o que realmente as empresas esperam dos seus líderes no pós-pandemia? O começo desta resposta se inicia com o entendimento do cenário atual e futuro das organizações, pensando tanto neste momento de transição quanto no pós-pandemia. Correndo o risco de uma generalização excessiva, percebemos que temos organizações que já tinham ambientes deteriorados, tóxicos e com relações muito negativas entre
Uma pesquisa feita pela Helthtech de Saúde Mental Ginger descobriu que para 69% dos colaboradores o coronavírus foi o período mais estressante de sua carreira. Além disso, 88% disseram que experimentaram estresse moderado a extremo nas primeiras semanas de pandemia.” Fábio Rocha
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líderes e liderados. Com a angústia, incerteza, suspensões de contratos de trabalho, demissões e o distanciamento físico temos um clima quase que irreversível. Também existem organizações que já tinham iniciado um bom trabalho de disseminação do seu propósito, de prática efetiva dos valores organizacionais, de muita transparência na comunicação e de líderes que construíram bons vínculos com seus times. Dito isto, fica ainda mais claro que o exercício da liderança, tanto em níveis estratégicos quanto táticos e/ ou operacionais, dão o tom no campo dos intangíveis organizacionais. O clima organizacional, o nível de engajamento, visão sistêmica, ética e espírito de dono não serão possíveis com ante exemplos cotidianos dos líderes de uma organização. E não existirá nenhuma chance de produtividade, conexão com o negócio e resultados sem este exercício de liderança que reforce na prática os elementos positivos de uma cultura organizacional voltada para pessoas. Todo este cenário e variáveis já existiam antes da pandemia, afinal de contas instabilidade, incerteza, pressão e mudanças emergentes já faziam parte do nosso cotidiano antes da COVID-19. Só que estes elementos se intensificaram e ainda serão permanentes no pós-pandemia, no qual teremos grandes e graves impactos econômicos, sociais e políticos a serem enfrentados. Uma pesquisa feita pela Helthtech de Saúde Mental Ginger descobriu que para 69% dos colaboradores o coronavírus foi o período mais es-
tressante de sua carreira. Além disso, 88% disseram que experimentaram estresse moderado a extremo nas primeiras semanas de pandemia. Sem nenhuma pretensão de esgotar o tema, vamos apresentar aqui que tipo de líderes ou aspectos da liderança as empresas esperam ou precisam agora e no pós-pandemia. Primeiro, o chamado líder de “verdade”, aquele que tenha coerência entre discurso e prática, fazendo no seu exemplo cotidiano um elemento de reforço continuo dos valores e comportamentos que devem ser praticados naquela organização. Segundo, um líder que realmente acredite nas pessoas e particularmente em seus times, que invista na construção de relações saudáveis, de confiança, criando vínculos efetivos seus com seus liderados. Que invista tempo no desenvolvimento dos
membros da sua equipe, não só no campo das competências técnicas, mas, principalmente nas competências comportamentais. Terceiro, um líder disposto a desenvolver um pensamento digital, entendendo que a tecnologia é um grande aliado neste desafio, mas, que o verdadeiro pensamento digital tem a ver com a capacidade de rever o seu mindset, de rever as suas crenças, de rever as suas percepções de mundo e de rever a própria forma de exercer a liderança. Quarto, um líder capaz de se livrar de preconceitos, estereótipos, sabendo gerenciar este mundo da diversidade, inclusive da diversidade geracional. Sendo capaz de não julgar o seu colaborador por serem ou fazerem opções diametralmente opostas das suas ou de tradições de outrora. Quinto, um líder que entenda que
pessoas, resultados, lucro e sustentabilidade andam juntos, sendo capaz de criar ou recriar estratégias, produtos e/ou serviços que dialoguem simultaneamente com estes elementos. E por fim, um líder que deseje diariamente evoluir no exercício da liderança, acreditando que o autoconhecimento é uma excelente ferramenta para dar suporte a esta evolução, que entenda que as individualidades e a empatia serão a base para uma liderança mais efetiva e humana. (*) Fábio Rocha (fabio@damicos.com.br) é Colunista Plurale. Especialista em Carreira, Consultor nas áreas de Liderança e Cultura Organizacional, Professor, Coach e Diretor-Executivo da Damicos Consultoria em Liderança e Sustentabilidade.
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Colunista Giuliana Preziosi
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ocê sabia que o Brasil é o segundo país mais estressado do mundo, perdendo apenas para o Japão? A pesquisa da International Stress Management Association em 2017 já apontava que o fator de maior causa de estresse é o trabalho, cerca de 70% das pessoas sofrem com isso. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde) desde 2019 o Brasil lidera o podium da ansiedade e com o maior número de pessoas ansiosas do mundo. O que será que vem acontecendo em 2020 e o que serão destes indicadores daqui para frente se não nos atentarmos para isso? É fato que a pandemia da covid-19 trouxe uma série de transformações e revelou muita coisa que antes passava desapercebida, mas será que também conseguiu provocar as reflexões necessárias para a gente entender qual o papel de cada um de nós neste contexto global de disrupção e emergência de ações conscientes? Talvez uma boa parte da população ainda esteja tentando lidar com a vida no piloto automático em tempos de crise, trabalhando longas horas ou desnorteadas sem emprego e perspectivas de futuro, não sabendo como administrar o tempo, com problemas de relacionamento na família, se debatendo com os conflitos econômicos e políticos e acima de tudo contribuindo para que os dados acima continuem batendo recordes no Brasil. Não é a toa que a pauta de saúde mental está a todo vapor. Mas acredito naquela parcela de pessoas que está disposta a refletir, sim porque começa por aí. Afinal um mundo em transformação requer pessoas em transformação. Quando nos deparamos com o contexto atual, podemos dizer que vivemos em um mundo exponencial onde passamos a discutir o que é essencial para lidar com a crise. Um mundo complexo que traz a ilusão de que estamos todos
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Reflexões para um ano mundialmente diferente FOTO DE ARQUIVO PESSOAL
separados quando na verdade tudo está interconectado. Um mundo com abundância de informações que faz com que saber engajar as pessoas seja uma das habilidades mais requisitadas do momento. Um mundo online que precisa valorizar o offline se quiser sobreviver. Entre as discussões infinitas sobre esse tal de novo normal, outro normal, quase normal, anormal etc., são tantos os desafios que muitas vezes sinto falta do básico. Aquela conversa em que você respira fundo, olha no olho da outra pessoa e pergunta: Ok, mas o que você quer? Claro que ainda estamos no olho do furacão, o estresse e a ansiedade só colocam mais lenha na fogueira desse panorama global. Agora, e se a gente voltar para o básico e perguntar: no fundo, no fundo, o que será que todas as pessoas querem? Dinheiro, amor, felicidade, saúde... será? Jim Haudan no seu livro “The Art of Engagement” responde essa pergunta com 3 propostas. A primeira delas é que todas as pessoas querem ser parte de algo grande. Só que o tamanho des-
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sa “grandeza” pode ser determinado pela visão de cada pessoa. Queremos ser importantes para alguém, seja nosso marido ou esposa, pai ou mãe, filho ou filha, ou porque não nossa comunidade, nosso estado ou nosso país? A segunda é que queremos ter uma jornada significativa. Ou seja, nossa vida precisa fazer sentido. Não é à toa que a busca por propósito tem se tornado cada vez mais discutida e procurada. As pessoas vêm cada vez menos sentido na vida que levam e vários estudos mostram que segurança material é importante, mas há um limite de até onde o dinheiro traz satisfação genuína. Para o economista indiano Subramanian Rangan “As pessoas parecem TER mais e ao mesmo tempo SER menos”. Por fim, todas as pessoas querem saber que suas contribuições causam impacto significativo e fazem a diferença. Tivemos um boom de solidariedade este ano, em apenas quatro meses foram mais de R$ 6 bilhões doados para organizações da sociedade civil, mais que o dobro do valor do investimento social privado do ano de 2019 inteiro
segundo o censo GIFE. Quando sabemos que nossas ações são significativas e fazem a diferença, a gente arregaça as mangas e faz acontecer. Dá até uma ponta de esperança quando pensamos assim e de fato é simples no âmbito individual, mas coletivamente será que buscamos as mesmas coisas? Nossa coletividade é a principal força do ser humano e também sua principal fraqueza. O ser humano não atingiu todas as suas conquistas de forma individualizada, é justamente a nossa capacidade racional e emocional de colaboração que diferencia a nossa espécie das demais. Neste sentido um grupo de pessoas comprometidas que compartilham os mesmos valores podem trazer soluções incríveis para muitos problemas. Por outro lado, muitos dos problemas com que nos deparamos atualmente vêm desta mesma coletividade: mudanças climáticas, degradação do meio ambiente, aumento das desigualdades sociais, crise hídrica, desperdício de alimentos, entre vários outros. Nada disso vem de um único indivíduo sozinho. “Por que estamos criando coletivamente resultados que ninguém quer?” questiona Otto Scharmer, co-fundador do Presencing Institute e da Teoria U. Dessa forma chegamos na famosa matrix e neste ponto cabe a você decidir que pílula você vai tomar. Você pode encarar este ano como um momento de aprendizagem ou continuar no piloto automático torcendo para acabar logo. A disrupção começa com a forma de enxergar as coisas. Então para fazer 2020 valer a pena e não ser aquele ano que a gente só quer riscar do calendário, proponho 3 reflexões importantes. Como é viver com você mesmo? Aposto que muita gente nunca se fez essa pergunta, mas ela pode ser bastante relevadora. Olhar para si mesmo é o primeiro passo de qualquer transformação. “O sucesso de qualquer intervenção depende da qualidade interior do interventor”, disse sabiamente Willian O’Brien. A energia que coloco no que estou fazendo, o quanto eu acredito no que estou fazendo, tudo isso tem relação
O ser humano não atingiu todas as suas conquistas de forma individualizada, é justamente a nossa capacidade racional e emocional de colaboração que diferencia a nossa espécie das demais.” Giuliana Preziosi com a qualidade dos resultados que estou entregando. Quais sentimentos esse contexto atual está me gerando e como estou lidando com isso são reflexões importantes que devem ser consideradas. Quanto mais clareza tenho destas respostas mais efetivas serão minhas atitudes. Autor do famoso livro “O poder do agora”, Eckhart Tolle, diz que “o que determina se estamos cumprindo nosso propósito não é o que fazemos, mas como fazemos”. A dica aqui é trabalhar a sua presença. Procure técnicas de meditação e mindfulness, fortaleça sua saúde mental. Pare de ser dominado pela mente que fica aflita com o futuro e rancorosa com o passado. Quanto mais você conseguir se conectar consigo mesmo, maior impacto terão suas ações. Como estão suas relações este ano? O olhar para o outro passou a ter um significado muito maior quando a distância passou a ser imposta. Cuidar da família, conviver mais tempo com os filhos, a preocupação com pais e avós, não poder abraçar os amigos, encarar o home office, são momentos que nos fazem pensar sobre nossa forma de se relacionar. Criar mudanças requer mudar conversas. A mudança é promovida quando as conversas do dia a dia são alteradas. A dica é atentar para a comunicação. Será que sei escutar o outro? Minhas conversas estão atingindo os meus objetivos? Em um mundo que
precisamos constantemente engajar as pessoas, seja para um projeto de trabalho ou um almoço em família, é preciso saber apreciar o diálogo. Não com olhar de rivalidade onde o que importa é colocar a minha opinião como sendo melhor do que as outras, mas com um olhar colaborativo onde minhas contribuições fazem parte de um contexto muito maior construído conjuntamente naquele momento de troca. Um bom diálogo não tem vencedores, tem ideias impossíveis de serem atribuídas a um único dono. Que mundo você quer construir? Podemos optar por enxergar um mundo cheio de problemas ou um mundo cheio de oportunidades. Os olhos do empreendedor veem inovação, colaboração, formas diferentes de fazer coisas conhecidas e usam a criatividade para mudar padrões e quebrar paradigmas. Precisamos ser empreendedores do mundo que queremos viver. Para resolver um problema, precisamos perceber o que não estamos percebendo. Mas se nosso olhar for somente para encontrar problemas, perderemos todas as oportunidades. A dica é repensar seu impacto. O que estou gerando e causando no mundo, será que estou aumentando problemas ou trazendo soluções? A vida é feita de vitórias e derrotas diárias, compreender a necessidade de ambas é se entregar por inteiro. (*) Giuliana Preziosi (giuliana@ preziosi.com.br) é sócia na Conexão Trabalho Consultoria, graduada em Comunicação Social, especialização em Planejamento Estratégico pela Universidade da Califórnia em Berkeley, MBA em Gestão da Sustentabilidade e mestranda pela Fundação Getúlio Vargas. Trabalha com Sustentabilidade há mais de 15 anos, é especialista em engajamento, relacionamento com stakeholders e comportamento, atuando com psicologia positiva e ciência da felicidade. Criadora do projeto “Histórias pelo Mundo”, viajou pelo mundo por 530 dias em busca de histórias e experiências inspiradoras. Consultora, facilitadora, palestrante profissional e Colunista Purale.
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Artigo Anatricia Borges
Os desafios e a responsabilidade da comunicação num mundo ESG
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a comunicação, sempre achei linguística uma disciplina fascinante e necessária. E, sem querer ser teórica, os conceitos de signo linguístico, de Ferdinand de Saussure, e de signo ideológico, de Mikhail Bakhtin, nunca ganharam tanto sentido quanto nesses novos tempos, que muitos de nós ressignificaram como “novo normal”. Inegavelmente, estamos num mundo em transição. Nos deparamos com uma pandemia global, tivemos que nos adaptar a uma nova realidade e, sob o risco de vida que ameaça o futuro de nossa existência e o sinal de alerta para outros que passamos a imaginar, o processo de revisão de valores e mudanças comportamentais nos leva ao retórico paradigma humano: qual é nosso propósito e sentido no mundo? Convido aqui a pensarmos mais uma questão vital a essa reflexão: como comunicamos responsavelmente esse propósito? Os impactos desse novo tempo são um desafio para todos nós, especialmente às ciências médicas e humanas. Há estudos importantes em curso, que certamente nos orientarão a um entendimento mais racional e científico das mudanças que estão provocando em nosso modo de vida e em como repensá-lo. A história se encarregará de contá-los. Mas, na comunicação, temos uma responsabilidade imediata: seus efeitos na língua viva (aquela que está em constante
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transformação) são em tempo real (real time), na forma em que somos impactados pelos fatos, os interpretamos, difundimos nossas mensagens e influenciamos pessoas. Em tempos de plataformas e redes sociais, de competitividade entre quem melhor rankeia no engajamento de conteúdos e onde todos somos storytellers (contadores de histórias), essas novas expressões, representações e terminologias surgem natural e massivamente nas mensagens de indivíduos e organizações, com a ressignificação de signos e sua associação a novos significantes na busca de conexão, identidade, interação e reputação entre personas. Vale pensarmos que, na corrida do relógio de quem tenta marcar a hora à frente, muitos estão sendo ressignificados de forma distor-
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cida e acelerada, esvaziando a força da narrativa de uma causa ou propósito, como já vimos em outros momentos da comunicação. Sabemos que o tempo (timing) em comunicação implica numa resposta ágil a um contexto atual, mas lembremos que ele nunca irá deixar de marcar um posicionamento autoral - capaz de formar opiniões, gerar diálogo e interação – sempre respaldado por uma história real que sustente essa narrativa. Não à toa, vemos recorrentemente tantas, esteticamente boas e caras campanhas - planejadas pelas áreas de comunicação, marketing e publicidade das organizações - em temáticas de diversidade, ética, meio ambiente, equidade de gêneros, diversidade e LGBTQI+ serem questionadas, ali-
mentando a polarização crítica, basicamente por não terem reconhecidas a autenticidade e autoridade necessárias de quem fala. Essa língua viva integra grande parte de nossa responsabilidade e trabalho como jornalistas, assessores de imprensa, consultores, storytellers (contadores de histórias), no papel de orientar as organizações a entender seu lugar de fala e no da imprensa em buscar fontes que estejam nesse lugar de fala, seja no conteúdo de marca (branded content) ou numa cobertura jornalística. Cito aqui a definição da filósofa Djamila Ribeiro sobre o que representa esse lugar de fala: “O lugar social não determina uma consciência discursiva sobre esse lugar. Porém, o lugar que ocupamos socialmente nos faz ter experiências distintas e outras perspectivas”. Nesse lugar que nós comunicadores ocupamos socialmente torna-se imensa a responsabilidade de contribuir na elaboração de narrativas que associem signos aos significantes que realmente tenham autenticidade e possamos usar ao contar nossas histórias, para que causas e propósitos não percam a força de suas mensagens, sua capacidade de mobilização e se esvaziem no curso da história. Neste final do inóspito ano de 2020, usemos, como exemplo, um imaginário estudo de word clouds (nuvem de palavras) nas postagens da rede profissional Linkedin dos últimos sete meses – a plataforma ainda não disponibiliza dados sobre os principais conteúdos publicados em um determinado espaço de tempo. A sigla ESG (Environmental, Social e Governance), sem dúvida alguma, lideraria o ranking das palavras mais utilizadas nas postagens de indivíduos e empresas, mas em centenas de conteúdos é ressignificada semioticamente de maneira errada como uma evolução da sustentabilidade. ESG não é algo novo, surgiu pela primeira vez num relatório da Organizações das Nações Unidas (ONU), intitulado “Who Cares Wins – Ganha quem se importa”-, de 2005,
“Estamos num mundo em transição, cada vez mais polarizado, onde as mensagens que emitimos ganham eco com textos que se costuram a hipertextos, embasam notícias falsas, alimentando reinterpretações nem sempre fiéis ao signo e seus possíveis significantes. Esse processo da comunicação tende a gerar mais ruídos e esvaziar o discurso e mensagens. Diante de toda essa disrupção, precisamos olhar o tempo da comunicação em sincronia com os signos e significantes, aqueles fiéis que, de fato, podemos representar.” Anatricia Borges
formulado por 20 instituições financeiras, de nove países, entre eles o Brasil. Evoluiu como uma das bases de pensamento que influenciou grupos de trabalho na formulação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e os desafios da Agenda 2030, lançados em 2015 pela ONU. Reduzi-la a “evolução da sustentabilidade”, portanto é um erro de ressignificação. Estamos num mundo em transição, cada vez mais polarizado, onde as mensagens que emitimos ganham eco com textos que se costuram a hipertextos, embasam notícias falsas,
alimentando reinterpretações nem sempre fiéis ao signo e seus possíveis significantes. Esse processo da comunicação tende a gerar mais ruídos e esvaziar o discurso e mensagens. Diante de toda essa disrupção, precisamos olhar o tempo da comunicação em sincronia com os signos e significantes, aqueles fiéis que, de fato, podemos representar. Também é muito bom reconhecer que, nesses últimos oito meses, houve um positivo boom na cobertura da mídia e na gestão da comunicação, com o uso da ESG associada a significantes importantes de preservação ao meio ambiente, da redução das desigualdades, de mais ética, mais diversidade, mais equidade de gêneros, mais empatia, que refletem e provocam mudanças, ampliando e fortalecendo essas mensagens. Há organizações que já possuem um histórico de evolução consciente das práticas, e há outras que passaram a reproduzi-lo somente pela necessidade de entrar na conversação. Ambas atitudes são válidas, como dizia um professor meu, despertam e fortalecem a mensagem. Me formei há mais de 20 anos, e penso que a gente não se dá conta de quanto da teoria da comunicação que aprendemos na faculdade de Comunicação Social, aplicamos inconscientemente em nosso dia a dia. O legado que podemos construir é esse da herança da língua viva, que Sausurre aponta como produto transmitido de gerações anteriores, de fatores históricos que explicam o signo como algo imutável, e o de Bakhtin, que é ideológico, pois tem um significado que remete a um fenômeno da natureza ou da consciência social. O mundo já é outro, estamos em transição, o capitalismo está em xeque e, mesmo com a pandemia, ele estava longe de ser visto como normal. (*)Anatricia Borges é jornalista, mãe dos gêmeos Gabriel e Sofia, e, nas horas vagas, diretora de Storytelling da Dostô Multimídia.
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Pelo Brasil Entre janeiro e agosto, Mesa Brasil Sesc distribuiu mais de 33 milhões de quilos de alimentos Só em agosto, as doações para entidades assistenciais cadastradas ultrapassaram mais de 5 milhões de quilos, um aumento de 53% em comparação ao mesmo mês do ano anterior DIVULGAÇÃO – Sesc BRASIL
O Do Rio
Mesa Brasil Sesc registrou um aumento de 29% nas doações de alimentos em todo o país entre janeiro e agosto deste ano, em comparação com o mesmo período do ano passado. O programa distribuiu mais de 33 milhões de quilos de alimentos em todo o país nestes oito meses. Em agosto, esse aumento foi ainda maior: 53% a mais que o mesmo mês em 2019. Os dados do Mesa Brasil Sesc sobre a o incremento das ações de solidariedade no país estão em linha com o levantamento da Associação Brasileira dos Captadores de Recursos (ABCR) sobre os seis meses de pandemia de Covid-19 no país, quando as doações para atender às famílias mais vulneráveis ultrapassaram R$ 6 bilhões. O Mesa Brasil Sesc é a maior rede de bancos de alimentos da América Latina e foi criado há 26 anos com o objetivo de conectar doadores com entidades sociais para chegar até pessoas que necessitam de assistência alimentar. Desde o seu início, o programa tem como foco o combate à fome e ao desperdício de alimentos. Antes da pandemia, as doações vinham, na maioria dos casos, de estabelecimentos comerciais, centros de distribuição, produtores rurais, indústria alimentícia, que disponibilizavam os alimentos próprios para o consumo, mas não para a comercialização. Durante a pandemia, com o aumento do número de famílias em situação de insegurança alimentar, o Mesa Brasil passou a receber ainda mais doações de empresas dos mais variados setores, instituições estrangeiras, além de doações de pessoas físicas através das lives. O Mesa Brasil também começou a arrecadar e doar produtos de limpeza e higiene para apoiar o enfrentamento à
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pandemia. A gerente de Assistência do Departamento Nacional do Sesc, Ana Cristina Barros, explica que a crescente demanda fez o programa passar por importantes adaptações. “Seguimos com uma ampliação e diversificação no número de parcerias com empresas privadas. Passamos a doar refeições prontas, distribuir cartões de alimentação, atender a famílias com cestas básicas e intensificar a arrecadação de fundos junto a empresas internacionais, nacionais e pessoas físicas, o que antes não estava no foco do programa”, explica. O programa conta com 91 pontos de distribuição em todos os estados do Brasil que beneficiam mais de 6 mil entidades assistenciais cadastradas. Só em agosto, o programa de arrecadou mais de 5 milhões de quilos de alimentos e produtos de higiene e limpeza, atendendo cerca de 3,4 milhões de pessoas por meio das entidades cadastradas. Dentre os parceiros, estão empresas dos mais variados setores. A BRF, por exemplo, que é parceira do Mesa Brasil
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há vários anos, doou 91.409 unidades de aves congeladas e outros produtos a grupos vulneráveis, em 14 estados do país. Os produtos estão sendo entregues até o início de outubro. A ação beneficiará famílias em 18 cidades brasileiras com a doação de 255 mil quilos de alimentos. Já com a rede francesa de material de construção Leroy Merlin, as doações são viabilizadas por meio de um QR Code no site da loja, no qual todo o valor arrecadado é revertido para a compra de cestas básicas, distribuídas pelo Mesa Brasil a instituições sociais que atendem a pessoas em situação de vulnerabilidade. A campanha de combate à fome, que começou em julho, se estende até a primeira semana de outubro e conta com a participação tanto de clientes quanto dos próprios funcionários da companhia varejista. Outra parceria que contou com o apoio da tecnologia envolveu o aplicativo de transporte Uber, que viabilizou a compra de mais de 220 mil refeições coletivas, distribuídas pelo Mesa Brasil Sesc.
Ex-diretora do Igam assume comando da Semad DIVULGAÇÃO / SISEMA / VIVIANE LACERDA
De Belo Horizonte (MG)
O governador Romeu Zema empossou, no dia 22 de setembro, a nova secretária de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais. Marília Carvalho de Melo é a primeira mulher a comandar a pasta responsável por conduzir a gestão ambiental mineira e a liderar o Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema). Servidora de carreira do Sisema desde 2006, ela representa a valorização, por parte do Governo de Minas, pelo setor técnico do meio ambiente e também pela pauta dos recursos hídricos, já que ocupava o cargo de diretora-geral do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam). Doutora em recursos hídricos, Marília destacou que vai dar continuidade aos avanços conquistados, especialmente na modernização dos serviços ambientais, para intensificar a relação dessas melhorias com os indicadores de qualidade ambiental. “Gostaria de agradecer a confiança no meu trabalho, que é parte de um trabalho de equipe. Toda equipe do Sisema está representada
aqui e, a partir de agora, a cada dia com mais afinco e dedicação, ampliaremos os resultados da secretaria”, afirmou. O governador Romeu Zema frisou que confia na competência da nova secretária para conciliar desenvolvimento econômico e preservação do meio ambiente. “Fico extremamente satisfeito de uma funcionária competente, de carreira, estar assumindo uma secretaria tão importante, que já começou a dar frutos e, com toda a certeza, dará muito mais sob a sua gestão. O que nós queremos em Minas Gerais é preservar o meio ambiente, sermos
responsáveis, mas conciliarmos essa preservação com empreendimentos que geram empregos e benefícios para a sociedade”, disse. Diretrizes Marília destacou que um ponto fundamental de sua gestão à frente da Semad e do Sisema será a relação entre a modernização dos serviços e os indicadores da qualidade ambiental. “A ideia é fazer com que serviços mais céleres, com menos burocracia e mais modernos, resultem em um meio ambiente com mais qualidade. Precisamos ter sempre em foco os indicadores ambientais no resultado final. Qualidade ambiental é medida com a qualidade da água, com a qualidade do ar, com a redução de áreas contaminadas”, afirmou a secretária, lembrando que os recursos naturais são a base para o desenvolvimento econômico.
Dia Nacional do Trânsito: Seguro DPVAT prevê queda de quase 20% nos acidentes em 2020 Mesmo com a redução, Brasil permanece com média de 30 mil mortes por ano. Dados estatísticos estão disponíveis em novo painel online Do Rio
No Dia Nacional do Trânsito, 25 de setembro, sob o tema ‘Perceba o risco, proteja a vida’, a Seguradora Líder, administradora do consórcio que gere o Seguro DPVAT, divulgou um levantamento inédito com projeções de acidentes até o final de 2020. O estudo prevê uma queda de 19% no número de ocorrências em todo o país, considerando o período de isolamen-
to social por conta da pandemia da Covid-19. A estimativa é que 229.646 vítimas sejam indenizadas pelo seguro em acidentes ocorridos neste ano. Todos os dados estatísticos agora estão disponíveis num painel online inédito para consulta pública (https://www.seguradoralider.com.br/dadosdpvat). Apesar da redução, segundo dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DataSUS) o Brasil permanece com uma
média de 30 mil mortes causadas por acidentes e cumpriu, até 2019, 30% da meta da Década de Ação pela Segurança no Trânsito da Organização das Nações Unidas (ONU). Com o acordo, esperava-se que, até 2020, houvesse uma redução de 50% no número de mortes. Segundo o Departamento, em nove anos, o Brasil saiu da marca de 43.256 mil mortos no trânsito em 2011 para 30.371 mil mortos em 2019.
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Pelo Brasil ONU reconhece acolhimento a migrantes e refugiados Por Nícia Ribas, de Plurale Do Rio de Janeiro
Numa parceria com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), o V Concurso Nacional de Teses de Doutorado e Dissertações de Mestrado da Cátedra Sérgio Vieira de Mello divulgou os três premiados em 2019 com teses de doutorados nas áreas de Letras (UFPR), Relações Internacionais (PUC-Rio) e Educação (USP). A Agência da ONU para Refugiados no Brasil protege os refugiados e busca soluções para seus problemas: “ele dispõe da proteção do governo brasileiro e pode, portanto, obter documentos, trabalhar, estudar e exercer os mesmos direitos que qualquer cidadão estrangeiro legalizado no país”, diz em seu site. O Brasil é internacionalmente reconhecido como um país acolhedor, entretanto aqui pessoas refugiadas também encontram dificuldades para se integrar à sociedade brasileira. Plurale conversou com uma das premiadas (com menção honrosa), Bruna Pupatto Ruano, 38 anos, graduada em Letras Português/Alemão pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), com estágio na Université Grenoble Alpes, França. Atualmente é professora substituta no Departamento de Polonês, Alemão e Letras Clássicas do Curso de Letras da UFPR. Feliz com o reconhecimento, Bruna contou à Plurale que trabalha com migrantes e refugiados desde 2013, quando participou da criação do projeto Português Brasileiro para Migração Humanitária (PBMIH): “O prêmio é importante principalmente pelo reconhecimento do nosso trabalho da UFPR dentro do campo das migrações e do refúgio. É um trabalho gigante, construído coletivamente e são muitos os envolvidos, alunos e professores das áreas de Direito, Letras, Psicologia, História, Sociologia, Informática, Medicina e Comunicação”. Atualmente, a UFPR mantém um Programa de Extensão denominado Política Migratória e Universidade Brasileira (PMUB), que se concentra no tema dos fluxos migratórios contemporâneos. A
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Banca no dia da defesa da tese: Da esquerda para a direita: Bruna, Elias Ribeiro da Silva (UNIFAL), Leandro Rodrigues Alves Diniz (UFMG), Lúcia Peixoto Cherem (UFPR), Mariza Riva de Almeida (UFPR) e Lucia Maria de Assunção Barbosa (UnB).
iniciativa se insere no quadro institucional da UFPR e cumpre o estabelecido no Termo de Parceria firmado em 2013 com a ACNUR, estando inserida na Cátedra Sérgio Vieira de Mello. Bruna trabalhou diretamente com migrantes e refugiados em sua tese: “O contato com eles foi essencial para o sucesso da pesquisa. Com alguns apliquei questionário, com outros realizei entrevistas individuais; e também formei um grupo focal sobre as suas experiências como migrantes e refugiados dentro da UFPR e essas diversas perspectivas contribuíram imensamente para que eu alcançasse os objetivos da minha tese. Acho que a contribuição do meu trabalho se dá, principalmente, para refletirmos sobre a (re) inserção de migrantes e refugiados nas universidades brasileiras. Além disso, é essencial pensarmos para além do acesso: quais condições/políticas/ações são necessárias para que, além de garantir o acesso às universidades para a população migrante e refugiada, possamos garantir a permanência desses alunos em nossas instituições e o sucesso ao final de sua trajetória acadêmica. Tento responder essas questões ao longo da tese.” Segundo dados da ACNUR, o deslocamento forçado afeta mais de 1% da humanidade (uma em cada 97 pessoas), sendo que um número cada vez menor de pessoas forçadas a fugir consegue voltar para suas casas. Até o fim de 2019, 79,5 milhões de pessoas em todo o mundo foram forçadas a deixar suas casas. O deslocamento forçado praticamente dobrou na última década. O número de crianças deslocadas está entre 30 e 34
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milhões, sendo dezenas de milhares desacompanhadas. Demais premiados O Concurso foi realizado no âmbito do X Seminário Nacional da Cátedra Sérgio Vieira de Mello, avaliando 28 dissertações de mestrado e 14 teses de doutorado. Dentre as teses de doutorado, além de Bruna, com o trabalho Programa Reingresso UFPR – Aproveitamento de vagas remanescentes para a reinserção acadêmica de migrantes e refugiados: Ações de Acolhimento, , foram premiados André Luiz Morais Zuzarte Bravo com o tema Entre a “crise do refúgio” e a “crise das cidades”: uma análise sobre a inserção de refugiados no meio urbano, defendida no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio; e Giovanna Modé Magalhães , com o trabalho Entre muros e passagens. Imigração, refúgio e mobilidades no debate educativo, fragmentos do global ao local, defendida no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de São Paulo. Dentre as dissertações inscritas, as três selecionadas foram defendidas nas áreas do Direito, Arquitetura e Urbanismo e Serviço Social e tratam de diferentes temas do refúgio no âmbito de grandes centros urbanos. Os premiados pelas dissertações foram Daniel Bertolucci Torres, da Universidade de São Paulo; Natália da Cunha Cidade, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade da Federal do Rio de Janeiro; e Roberta Gomes Thomé do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da PUC-Rio.
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O Pantanal envia S.O.S.
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ECI ESP AL
N TA N A
Incêndios fora de controle este ano devastaram 28% do bioma e a maior RPPN do Brasil – RPPN Sesc Pantanal - teve 90% de sua área queimada
FOTOS DE JEFERSON PRADO, Sesc PANTANAL/ DIVULGAÇÃO – DE BARÃO DE MELGAÇO (MT)
Por Sônia Araripe, Editora de Plurale Fotos de Jeferson Prado, Sesc-Pantanal/ Divulgação – De Barão de Melgaço (MT)
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nimais, a flora, a terra e as águas não falam a “língua dos homens”. Mas, se falassem, poderiam expressar a angústia e o desespero com o “bicho-homem” pela maior tragédia ambiental vivida pelo Pantanal na sua história. A maior planície inundável do planeta, patrimônio natural da humanidade, enviou S.O.S, que demorou a ser ouvido, segundo ambientalistas. De acordo com acompanhamento do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Lasa/ UFRJ), com base em dados de satélites, a gigantesca região – que atravessa dois estados e chega ao Paraguai e à Bolívia – teve 28% de sua área, ou seja, 4,1 milhões de hectares, queimados no lado brasileiro (Mato Grosso e Mato Grosso do Sul), quase o tamanho da Dinamarca. O fogo – impulsionado pelos fortes ventos – devastou o que tinha pela frente. A foto de capa desta edição – trabalho de Jeferson Prado – simboliza o que aconteceu em diferentes partes do bioma. Foi tirada na região norte do Pantanal, na maior Reserva Particular do Patrimônio Natural do país – a RPPN Sesc
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Pantanal, em Barão de Melgaço (MT). O jovem veado-mateiro, assim como diversas outras espécies, até tentou fugir, mas acabou sendo atingido pelo fogo. Répteis, anfíbios e outros bichos sem muita agilidade de locomoção, assim como antas, queixadas e porcos-do-mato, foram os mais atingidos. Bombeiros e brigadistas foram valentes e incansáveis para resistir ao máximo, mas, infelizmente, após 50 dias de combate árduo, com a força dos ventos, 98 mil hectares do total de 108 mil
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hectares da Reserva foram queimados. Felizmente, a floresta remanescente mantém diversos animais vivos e monitorados. O trabalho agora é pesquisar em campo, contar as carcaças por amostragem, saber que espécies sobreviveram e garantir alimento e água enquanto a natureza se regenera. Este trabalho incansável tem sido realizado não só na RPPN Sesc Pantanal, mas também em diferentes regiões do bioma, com o apoio de pesquisadores, veteriná-
Da esq. para a dir.: Voluntárias da ONG Mata Ciliar, de São Paulo, ajudaram no resgate de animais da RPPN Sesc Pantanal, como este tamanduá. No alto, vista aérea da maior Reserva Particular do Patrimônio Natural do país, em Barão de Melgaço (MT), que teve 90% da área queimados. Brigadistas e bombeiros foram valentes: conseguiram “segurar” o fogo mais ou menos 40 dias. Com isso deu tempo para salvar muitos animais, que fugiram para áreas que não queimaram, como este tatu. Agora os animais vêm sendo alimentados com ajuda de cochos instalados emergencialmente.
rios, forças militares, brigadistas e voluntários de ONGs, todos engajados na alimentação e no resgate de animais. No Mato Grosso do Sul, na outrora preservada Serra do Amolar, a destruição pelo fogo também foi intensa. Famosos como a modelo Gisele Bündchen e empresas estão se mobilizando para apoiar a criação da Brigada do Alto Pantanal. A onça-pintada Ousado, ícone de toda esta tragédia, encontrada por equipes de biólogos e veterinários com as patas queimadas e debilitada, foi resgatada, passou por tratamento com células-tronco pela ONG Nex e parceiros, e já foi devolvida para área próxima de sua região original. Ao longo de outubro, Plurale entrevistou cerca de 40 pesquisadores, professores, ambientalistas, especialistas, bombeiros, autoridades e líderes comunitários envolvidos - direta ou indiretamente – com o Pantanal. Procuramos não nos limitar à responsabilização pelos incêndios, uma vez que esta apuração está em curso e caberá à Polícia Federal e policiais locais encontrar a resposta: se foram provocados naturalmen-
te ou impulsionados pela ação do homem – acidental ou intencionalmente. Tentamos encontrar respostas com estas fontes que justifiquem a escalada de tantos focos de fogo este ano e a sua propagação em tão curto espaço de tempo. Procuramos nos debruçar no aspecto cultural da relação do fogo com alguns moradores da região – ainda visto por muitos moradores como “necessário” para “limpar terreno” – e como repensar este aspecto cultural tão forte daqui para frente. Há riscos de novas temporadas como esta nos próximos anos? Será preciso replantar algumas espécies tradicionais de árvores da região? Como garantir alimento para toda a cadeia de animais pantaneiros para fugir da chamada “fome cinzenta”, por conta da fuligem e cinzas? O que acontecerá com as famosas águas do Pantanal e os microorganismos que alimentam peixes? Enfim, muitas perguntas e dúvidas: quais são as lições que ficam dos incêndios? Acompanhe neste Especial Pantanal, estas entrevistas, os questionamentos e as esperadas respostas.
O Pantanal vivenciará cada vez mais este fenômeno climático, com secas mais longas e estação chuvosa mais curta.” Carlos Nobre, professor, especialista em clima
Não foi um desastre ambiental e sim um crime.” Paulo Artaxo, professor, especialista em clima
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Fogo: amigo ou inimigo? Mesmo quem conhece bem o Pantanal espantou-se este ano com a longa estiagem, a secura e a falta de chuvas. Para os que ainda não conhecem bem a região, o Pantanal sempre foi regido por dois momentos bem distintos ao longo do ano: estação das águas (cheias), de outubro até abril, e a vazante, do fim de maio até setembro. Este sistema natural dita toda a dinâmica há séculos: nas planícies, com as cheias, os rios enchem e transbordam, decompondo o material orgânico. As águas avançam sobre os campos, no desabrochar espetacular da flora. Começam a surgir, aí, os animais de grande porte como os cervos pantaneiros, os tamanduás e as antas. Um espetáculo na natureza de encher os olhos e os corações de alegria. O que aconteceu este ano, explicam os especialistas, foi que o Pantanal foi mais uma “vítima” dos perversos efeitos das mudanças climáticas: interferindo em toda a dinâmica com o aquecimento global, a Amazônia transpirou menos e o ar que chegou ao Pantanal, vindo de lá, está cada vez mais quente. Nunca foi tão seco por tanto tempo. Um cenário, alertam os pesquisadores, que veio para ficar. “O Pantanal vivenciará cada vez mais este fenômeno climático, com secas mais longas e estação chuvosa mais curta”, alerta o conceituado climatologista Carlos Nobre, da equipe do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), que recebeu o Prêmio Nobel da Paz de 2007. Ele reforça que, em se tratando de biomas e clima, está tudo conectado. “O desmatamento maior na Amazônia e no
Cerrado está impactando as chuvas e isso atinge em cheio o Pantanal. O ar fica mais quente, a vegetação esturricada e pega fogo com mais facilidade.” Os alertas de desmatamento na Amazônia subiram 68% em agosto de 2020 na comparação com o mesmo mês do ano passado, de acordo com o Imazon. Isso não significa, alerta o respeitado Professor Carlos Nobre, que os incêndios teriam surgido naturalmente. “A Polícia Federal está investigando as causas. Mas havia uma moratória do fogo decretada. O fogo não surge sozinho. Alguém não respeitou a moratória”, adverte. Na sua opinião, é preciso repensar a questão cultural na região sobre o uso de fogo para “limpar terreno”, como alguns fazendeiros e moradores pensam. “Há um setor de pecuária sério e comprometido com a sustentabilidade e melhores práticas. Mas não se pode deixar que alguns poucos usem o fogo achando que podem depois controlá-lo. Não existe fogo controlado neste cenário.” O professor acredita que o ideal seriam campanhas de conscientização, com apoio do Governo, da Academia e da sociedade civil, advertindo que esta cultura do fogo não está em linha com a agricultura moderna. Dados foram decisivos - De janeiro a outubro deste ano foram 194 mil focos de incêndios no país, dos quais 20 mil só no Pantanal. Dados do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Lasa/ UFRJ) mostram como o fogo avançou rapidamente a cada mês. “Foi
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uma situação sem precedente em 40 anos para o fogo na região do Pantanal. Tivemos a combinação de temperaturas muito elevadas, baixa umidade do ar e ventos fortes. Ficou incontrolável. Mas isso, por si só, não deflagra fogo. É preciso ter uma causa para a ignição”, reforça a professora/doutora Renata Libonati, pesquisadora do Lasa/UFRJ. Alguns raios até caíram na região, mas em outra época. A pesquisadora avalia que a causa desta tragédia ambiental “foi provocada por ação antrópica (ou seja, provocada pelo homem), intencional ou por negligência.” Renata Libonati lembra que a região tem muitos locais de difícil acesso, e ainda se caracteriza pela turfa, com várias camadas de matéria orgânica, até chegar o solo, permitindo o fogo subterrâneo, o que prejudicou o combate aos focos. Na avaliação da professora, é mais do que urgente trabalhar a conscientização, para alertar aos moradores e fazendeiros que o fogo sai do controle. “Teremos cada vez eventos mais extremos de clima e precisamos de políticas públicas para mitigar este cenário, com manejo de paisagem e muita prevenção. E nada disso se resolve no curto prazo. Temos que começar a agir logo” O professor Paulo Artaxo, especialista em mudanças climáticas e que também recebeu o Prêmio Nobel da Paz de 2007 pelo trabalho em equipe no IPCC, é enfático na análise do que aconteceu. “Não foi um desastre e sim um crime.” Com a experiência de muitos anos de estudos nesta área, o professor alerta que “toda a estrutura de prevenção de incêndios florestais foi desmontada e que é preciso punir quem vem praticando crimes ambientais. A tese do “boi-bombeiro” usada pelo Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em audiência no Senado em outubro, e apoiada por outras autoridades, justificando que, com mais bois no Pantanal não haveria tanto material orgânico e o fogo seria mais controlado – também foi criticada pelo cientista. O professor Paulo Artaxo lembra que o fogo avançou sobre todas as áreas do Pantanal – de pasto ou preservadas. “A região não é própria para criação de gado. É cínico dizer que se fosse uma fazenda não haveria incêndio porque o “boi é bombeiro.”
O jornalista e escritor André Trigueiro, da TV Globo e GloboNews, está acompanhando a tragédia ambiental no Pantanal desde que os primeiros focos começaram. Em entrevista à Plurale, ele avalia que tem um forte conteúdo não só climático, mas também político como um “combustível” deste desastre. “A maior tragédia da história do Pantanal expôs, de uma só vez, dois grandes fatores de instabilidade que ameaçam o Brasil. O agravamento da crise climática e o antiambientalismo do governo federal. A maior planície inundável do planeta está situada num país onde o negacionismo segue em alta e o desmonte das políticas ambientais já vem nos custando muito caro.” Trigueiro, em parceria com a repórter Cláudia Gaiguer, da TV Morena, afiliada da TV Globo no Mato Grosso do Sul, fez série de reportagens para o horário nobre do Jornal Nacional, sobre a tragédia no Pantanal. A série mostrou, por exemplo, como faltam equipamentos para bombeiros e brigadistas no combate ao fogo – um avião no Canadá carrega até 7 mil litros de água para apagar as chamas, enquanto aqui usamos aviões agrícolas, que carregam somente 500 a 800 litros. E que houve demora no envio de forças públicas e brigadistas. “É impressionante o imobilismo de certas esferas do Poder Público - especialmente a Justiça - no enfrentamento dos que solapam as bases de uma gestão ambiental minimamente eficiente e responsável. Não há precedentes na história da República de um governo antiambiental. Até quando?”, questiona André Trigueiro. Na avaliação do cientista político e sociólogo Sérgio Abranches, há muito do ingrediente político-institucional neste cenário. “No Pantanal, como no Cerrado e na Amazônia, estamos, hoje, por conta própria. Não se pode esperar que o governo federal faça qualquer boa ação, contra as queimadas ou o desmatamento.” Abranches afirma que o ministro da Meio Ambiente, Ricardo Salles, “é irresponsável, atende aos piores interesses da região, que cobiçam terras e água. É um disseminador de desinformação.” Lembra de uma de suas recentes declarações, sobre o Governo Federal ser responsável por apenas 6% do Pantanal. “Ele está falando das terras sob controle da União, que se resumem às poucas unidades de conservação. Que
a propriedade privada domina o Pantanal, é óbvio. Mas a obrigação constitucional do Governo Federal é atuar como o principal responsável pela integridade do Meio Ambiente, não só de suas unidades de conservação. A responsabilidade constitucional dos governos estadual e municipal é complementar.” O cientista político acredita que a “única opção é mobilizar autonomamente, os empresários sérios do Pantanal, do Cerrado e da Amazônia e voluntários da sociedade civil para tentar evitar o desastre completo”, conclui Sérgio Abranches. Poucas verbas - E quanto ao começo do combate aos incêndios e as verbas liberadas? De janeiro a agosto deste ano, o Ibama investiu somente 19% de seus recursos previstos para contenção e prevenção de incêndios florestais. De R$ 35,5 milhões destinados pelo Ibama para este fim, apenas R$ 6,8 milhões foram investidos. A explicação do instituto oficial foi que “os recursos foram executados principalmente a partir de julho, quando as queimadas ocorrem.” E ressaltou que todas as ações foram feitas, com apoio de bombeiros, brigadistas, aeronaves e forças militares. O que ambientalistas advertem é que os recursos são poucos, os equipamentos também, faltou coordenação e os incêndios estão começando a cada ano muito mais cedo. “A tendência é que esses eventos sejam mais frequentes. Agora, é importante que seja criada uma estrutura de combate e prevenção que conte com brigadas voluntárias devidamente treinadas e equipadas. Sem esquecer do aumento da capacidade de mobilização de estrutura de aeronaves e forças públicas, o fortalecimento dos centros de resgate e reintegração de fauna, além da expansão de técnicas de manejo integrado de fogo, que permitam que esta ferramenta seja utilizada da maneira correta e com o devido controle por parte dos órgãos de meio ambiente”, declara Cássio Bernadino, analista de Conservação
para o Pantanal do WWF-Brasil. O ambientalista Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, avalia que a tragédia do Pantanal foi causada por dois fatores: a seca extrema, agravada pelo aquecimento da Terra, e a ação humana. Cita que investigações preliminares apontam para fazendeiros terem iniciado incêndios em suas fazendas “para limpeza do pasto ou mesmo para incorporar mais áreas de produção”. Adverte que estes fatores são potencializados pelo governo atual, que, “ao mesmo tempo em que nega a ação contra as mudanças do clima, desmonta a governança ambiental do Brasil e dá aos maus produtores a certeza da impunidade.” Com a experiência de quem estuda e acompanha de perto o tema há anos, ele recomenda que – neste cenário de secas recorde – será preciso mudar completamente o modo de produção no Pantanal e repensar o uso do fogo como ferramenta de manejo agrícola. “Não podemos mais insistir em práticas agropecuárias do passado, porque elas funcionavam numa realidade climática que não existe mais. Além disso, é necessário combater o desmatamento de forma incansável e retomar as políticas de comando e controle ambiental, que foram abandonadas neste governo.” Rômulo Batista, porta-voz do Greenpeace em Amazônia, lamenta profundamente que com 28% da área total do bioma queimados, houve uma perda irreparável, milhões de animais e plantas. “Não é só a biodiversidade que perde, pois o Pantanal é um dos principais polos de ecoturismo do Brasil, logo haverá uma perda econômica para a região.” Fora esses problemas, alerta o ambientalista, com os incêndios recordes também foram emitidos milhares ou milhões de toneladas de gases do efeito estufa, agravando ainda mais a crise climática que vivemos e que é o principal desafio que irá afetar este século.
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RPPN Sesc Pantanal: a maior reserva particular do país teve 90% da sua área queimada Pesquisa, com apoio de aplicativo da Fiocruz, começa a ser realizada para avaliar impactos dos incêndios na fauna do bioma. Equipes se revezam para alimentar animais sobreviventes. Podemos dizer que Plurale tem um quê de “alma pantaneira”. Em 13 anos de história tivemos o privilégio de viajar por diferentes biomas no Brasil e exterior. Da Amazônia às geleiras da Patagônia, do Monte Roraima, extremo norte do país até a exuberância de diferentes áreas de Mata Atlântica, dos desertos do Arizona (EUA) e Atacama (Chile) ao Cerrado, Caatinga e Pampas. Mas foi, sem dúvida, no vasto Pantanal – tão bem retratado pela poesia de Manoel de Barros – que mais vezes voltamos para testemunhar novos ângulos de diferentes histórias. Porque se tem algo que o bioma nos oferece – conjugando com a exuberância natural da biodiversidade - são incríveis causos. Como recentemente, a história de Seu João da Silva e as borboletas, tema de capa da Edição 70. Conhecemos nestas andanças pantaneiras uma das áreas mais preservadas do bioma, a maior Reserva Particular do Patrimônio Natural – a RPPN Sesc Pantanal, em Barão de Melgaço (MT), distante aproximadamente quatro horas de carro de Cuiabá. A reserva vinha cumprindo o papel relevante da conservação de 108 mil dos 6 milhões de hectares do Pantanal mato-grossense, o que representa quase 2% do território. A extensa área preservada abriga não só um polo hoteleiro de ecoturismo - voltado especialmente para o trabalhador do
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comércio e turistas brasileiros de uma forma geral - como também funciona como um verdadeiro “laboratório a céu aberto” de pesquisas científicas importantíssimas. Ao longo destas duas décadas, cerca de 70 pesquisas científicas (nacionais e internacionais) foram desenvolvidas. Só para dar uma ideia da relevância, do total de peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos na Bacia do Alto Paraguai, uma incrível marca de 1.059 espécies, a Reserva registrava 630. Isso significa que 60% destas espécies estavam presentes na RPPN.
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Entre as espécies ameaçadas de extinção, a RPPN registrava 12. Agora será preciso refazer a pesquisa para levantar que espécies remanesceram. A criação da RPPN Sesc Pantanal, há 23 anos, pelo Sesc Nacional, aconteceu em 1997, após a famosa Conferência Rio 92 (em 1992), quando o Brasil começava a “despertar” para a importância das questões ambientais e a urgência da preservação e conservação de áreas, assim como a relevância da conscientização dos brasileiros. Dos 108 mil hectares, a maior parte era antes ocupada por fazendas de gado e foram comprados pelo Sesc Nacional para serem uma referência da cultura sustentável no Pantanal. Brigada de incêndio - Um trabalho rotineiro de prevenção e brigadas vinha sendo mantido ao longo da história. A prevenção contra os incêndios florestais, que têm sempre origem externa, acontece durante todo o ano, por meio de aceiros, monitoramento e campanha de conscientização com a população pantaneira, feitos com a mais preparada brigada contra incêndios da região. Outros períodos de incêndios já tinham sido enfrentados, mas nunca houve, na história da reserva uma tragédia como esta: os focos surgiram no dia 2 de agosto, de um lado, depois em outro e chegaram a atravessar os largos Rios Cuiabá e São Lourenço, “pulando”, impulsiona-
FOTOS DE JEFERSON PRADO, Sesc PANTANAL/ DIVULGAÇÃO – DE BARÃO DE MELGAÇO (MT)
Os brigadistas do Sesc Pantanal - verdadeiros guerreiros contra o fogo - fizeram tudo o que estava ao alcance para o combate aos focos de queimada , usando todos os equipamentos, como caminhões, tratores, equipamentos contra fogo, etc. Mas o combate na região não é como em outros biomas: áreas de difícil acesso, fogo subterrâneo e muito vento dificultaram o combate.
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A grave situação do Pantanal aflige a sociedade como um todo. Desde o início, o Sesc vem atuando em conjunto com os governos federal e estadual, as Forças Armadas e a iniciativa privada, no combate ao fogo que vem devastando a região.” Na RPPN Sesc Pantanal, muitas espécies conseguiram sobreviver ao fogo, como estes cervos-do-pantanal. Pesquisadores estão em campo e instalaram câmeras camufladas para estudar a vida dos sobreviventes na floresta.
do pelos ventos, de uma margem para outra. Desde o início, toda a estrutura de combate aos incêndios da reserva foi acionada para evitar a entrada desse foco na RPPN, mas o fogo avançou em uma extensa área da unidade de conservação em direção à divisa sul da reserva. A superintendente do Sesc Pantanal, Christiane Caetano, destaca que, de acordo com dados e perícia do Corpo de Bombeiros Militar do Mato Grosso, nenhum foco foi iniciado ou saiu da reserva. “Nossa brigada de incêndio trabalhou incansavelmente ao lado dos bombeiros para conter o avanço do fogo na área conservada há 23 anos. E fomos bem-sucedidos, mantendo, ao longo de 40 dias, 23 mil hectares ao leste da RPPN preservados. Até que, em 14 de setembro, a última frente de fogo entrou nesta área ao leste. As pesquisas vão comprovar, mas acreditamos que vários animais tiveram tempo para resistir, fugir e se abrigar nesta área preservada”, relata Christiane. O polo do Hotel (que ficou fechado aos hóspedes desde março por conta da pandemia) e sua infraestrutura foram usados como base da Operação Pantanal II, coordenada por Bombeiros do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Forças Militares e autoridades ambientais, para combater os focos de incêndio. Os brigadistas da RPPN
trabalharam dia e noite. A superintendente do Sesc Pantanal explica que o entorno da reserva - fazendas São Francisco, Santa Lúcia, Aldeia Perigara e o distrito de São Pedro de Joselândia, comunidades Retiro de São Bento e Pimenteiras - também foi atingido. Logo nos primeiros dias da Operação Pantanal II, deflagrada no dia 7 de agosto, as duas frentes de fogo, ao norte e ao sul, avançaram até se encontrar na parte central da reserva. O fogo avançou ao oeste e, durante 40 dias, 23 mil hectares ao leste da RPPN foram preservados. Até que, no dia 14 de setembro, a última frente de fogo entrou nesta área ao leste, totalizando cerca de 98 mil hectares queimados. O Hotel Sesc Porto Cercado, em Poconé, próximo à RPPN, foi reaberto para hóspedes no dia 9 de outubro, limitado a 50% da capacidade e seguindo o cumprimento às normas de prevenção a Covid-19. A equipe elaborou 15 protocolos de saúde e segurança e também está utilizando um aplicativo, que diminui o contato e facilita o acesso à informação. “Estamos em uma Assista ao documentário “Heróis do fogo” apontando o celular para este QR code
José Roberto Tadros, presidente da CNC – Confederação Nacional do Comércio e do Conselho Nacional do Sesc
Neste momento difícil, a experiência do polo socioambiental Sesc Pantanal vem sendo fundamental, com seus funcionários e brigadistas se revezando dia e noite no combate ao fogo e na preservação das áreas não atingidas. Agora é o momento de nos preparamos para ajudar a natureza a fazer seu trabalho e reerguer nossa imponente RPPN, a maior área de conservação privada do país."
Carlos Artexes Simões, diretor-geral do Departamento Nacional do Sesc 29
fase de adaptação, para garantir toda a segurança para a saúde de hóspedes e funcionários”, explica Christiane Caetano. Ela confia que o ecoturismo é – ainda mais – um bom vetor de fortalecimento econômico para a região e que a RPPN e seu papel de conservação mostra-se ainda mais relevante. E que em uma região tão grande, há espaço para outras atividades, como a pecuária e produção integrada. “Temos todos uma oportunidade única para um diálogo aberto entre todos os atores da região. Inserindo sempre as comunidades tradicionais, como quilombolas, indígenas e ribeirinhos, como já vinha sendo feito.” José Roberto Tadros, presidente da CNC – Confederação Nacional do Comércio e do Conselho Nacional do Sesc, destaca a ação integrada do polo socioambiental Sesc Pantanal com o governo Federal, Forças Armadas e iniciativa privada. “A grave situação do Pantanal aflige a sociedade como um todo. Desde o início, o Sesc vem atuando em conjunto com os governos federal e estadual, as Forças Armadas e a iniciativa privada no combate ao fogo que vem devastando a região. O polo socioambiental Sesc Pantanal cedeu suas instalações para abrigar a base da Operação Pantanal II. Além disso, investiu esforços, força de trabalho, materiais e veículos no auxílio à força-tarefa que há meses se empenha no trabalho de apagar os focos de incêndio e salvar a vida das variadas espécies de animais que habitam a região. Uma atuação articulada e integrada com os demais entes para proteger as pessoas, a fauna e a flora.” Na avaliação de Carlos Artexes Simões, diretor-geral do Departamento Nacional do Sesc, foi fundamental a ação de brigadistas da reserva. “Dentro de seu compromisso com a política nacional de conservação da biodiversidade, o Sesc desenvolve diversas iniciativas, sendo a mais representativa seu trabalho no Pantanal Mato-grossense. Há mais de 20 anos, o polo socioambiental Sesc Pantanal atua na região, preservando a fauna e flora, promovendo o conhecimento em parceria com universidades e instituições de pesquisa, incentivando a educação ambiental e o desenvolvimento de comunidades locais.
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Neste momento difícil, a experiência do polo socioambiental vem sendo fundamental, com seus funcionários e brigadistas se revezando dia e noite no combate ao fogo e preservação das áreas não atingidas. Agora, é momento de nos preparamos para ajudar a natureza a fazer seu trabalho e reerguer nossa imponente RPPN, a maior área de conservação privada do país.” Brigadistas - O guarda-parque Alesandro Amorim, 34 anos, comandou a equipe da Brigada na RPPN Sesc Pantanal. “Trabalhamos muito. Conseguimos segurar o fogo por muito tempo. Acreditamos que isso fez com que os animais pudessem fugir e sobreviver em área preservada”, conta. Destaca que tudo o que estava ao alcance foi mobilizado para este combate, com caminhões, tratores, equipamentos contra fogo subterrâneo, etc. Mas o combate na região não é como em outros biomas: áreas de difícil acesso, fogo subterrâneo e muito vento dificultaram o combate. Outro experiente guarda-parque do Sesc Pantanal, Manoel Domingos da Costa, 54 anos, confessa que nunca viu tantos focos de fogo com a força deste ano. “Quando eu era pequeno, os meus pais e os mais antigos diziam que pelos anos 60 teve uma queimada assim. Mas nunca tinha visto nada igual.” Seu Manoelzinho, como é mais conhecido, acredita que a natureza vai conseguir voltar a se recuperar das cinzas. “Pode até demorar. Mas teremos nosso Pantanal verde e alagado como sempre. A natureza é sábia.” Resgates e pesquisa – A convite da Secretaria de Meio Ambiente do Mato Grosso e da Universidade Federal de MT, ONGs como a Associação Mata Ciliar, de São Paulo, foram voluntariamente para a área da RPPN ajudar no resgate de animais silvestres atingidos pelo fogo. “Já tínhamos a experiência de resgate de animais atingidos pelo rompimento da barragem da Samarco em Brumadinho (MG) e fomos convidados para auxiliar”, conta a pesquisadora Cristina Harumi, coordenadora da Associação Mata Ciliar. Foi possível ajudar no resgate e recuperação de cerca de 100 animais, como tamanduás, antas e queixadas, em diferentes pontos do Pantanal. Com a experiência de quem lida com
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A maior tragédia da história do Pantanal expôs, de uma só vez, dois grandes fatores de instabilidade que ameaçam o Brasil. O agravamento da crise climática e o antiambientalismo do governo federal.” André Trigueiro, jornalista e escritor
No Pantanal, como no Cerrado e na Amazônia, estamos, hoje, por conta própria. Não se pode esperar que o governo federal faça qualquer boa ação, contra as queimadas ou o desmatamento.” Sérgio Abranches, cientista político e sociólogo
estas tragédias, Cristina acredita que o trabalho dos brigadistas foi decisivo para salvar muitas espécies. “Eles contiveram o fogo e pudemos ver muitos animais vivos.” Foram registrados por funcionários, pesquisadores e câmeras fotográficas do tipo trail (que ficam camufladas no meio da floresta) diversos animais vivos, como veados-campeiros, jaguatiricas, antas e queixadas. Em um trabalho contínuo foram espalhados 165 cochos diariamente abastecidos para alimentar e garantir água para os animais sobreviventes. As câmeras-armadilhas estão auxiliando os especialistas a acompanhar melhor de que forma a floresta e seus “moradores” selvagens estão reagindo a esta nova realidade. Felizmente não foi encontrada nenhuma carcaça de onça-pintada, mesmo assim, o cenário para quem conhecia a exuberância da reserva é desolador: carcaças de diversos animais foram encontradas em vários pontos. “Os répteis, anfíbios e animais de baixa locomoção foram os mais atingidos. A nossa luta virou luto quando viemos a última área ainda
bem preservada cair no dia 14 de setembro. Estamos agora começando a pesquisa para estimar o impacto para a fauna”, explica a gerente de Pesquisa e Meio Ambiente do Sesc Pantanal, a bióloga Cristina Cuiabália. Ao todo, 15 pesquisadores estão mapeando e estimando este impacto ao longo de 12 meses. Segundo ela, ainda é cedo para saber de que forma o bioma irá se regenerar. “Tínhamos aqui árvores de 40 anos ou mais, como jatobá. E há toda uma dinâmica do Pantanal. Não há como fazer previsão ou projeção. Somos a mão que ajudará a natureza a se recuperar no seu tempo. Mantemos o otimismo”, avalia. Cristina Cuiabália ressalta que não adianta tomar decisões de curto prazo, por impulso ou pelo emocional. “Estamos reforçando este trabalho conjunto, coletivo, como uma força-tarefa”, explica a gerente de pesquisa e meio ambiente do Sesc Pantanal. Neste trabalho coletivo, já está claro que será preciso unir todas as forças envolvidas: poder público, ambientalistas, sociedade civil, setor de turismo e moradores.
Foi uma situação sem precedente em 40 anos para o fogo na região do Pantanal. Tivemos a combinação de temperaturas muito elevadas, baixa umidade do ar e ventos fortes. Ficou incontrolável. Mas isso, por si só, não deflagra fogo. É preciso ter uma causa para a ignição. Foi uma ação antrópica (provocada pelo homem), intencional ou por negligência.” Renata Libonati, professora e pesquisadora do Lasa/UFRJ
Não existe um só Pantanal. O bioma está presente no Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraguai e Bolívia, onde é chamado de Chaco. O Pantanal é considerado a maior planície alagável contínua do mundo, com 140.000 km² em território brasileiro. De acordo com dados do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (LASAUfrj), 28% do bioma foram queimados este ano em diferentes focos de incêndio. A pesquisadora Renata Libonati destaca a velocidade que os focos avançaram. “Pudemos compartilhar os informes com o Prevfogo, Ibama, bombeiros, autoridades, etc. De janeiro a outubro, de acordo com dados do INPE, foram 194 mil focos de incêndios, principalmente no Pantanal, Amazônia e Cerrado.
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Pesquisadores fazem levantamento
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FOTO DE JEFERSON PRADO, Sesc-PANTANAL/ DIVULGAÇÃO – DE BARÃO DE MELGAÇO (MT)
A jovem bióloga gaúcha Gabriela Schuck, 25 anos, ficou arrasada ao acompanhar, de casa, imagens e relatos do impacto do fogo na extensa área do Pantanal, na qual trabalhou para sua pesquisa e que tantas alegrias lhe rendeu ao estudar a vida silvestre e a ecologia em geral. “Não dá para acreditar. Logo decidi que era preciso voltar para ajudar nas pesquisas na RPPN Sesc Pantanal”, conta. Engajou-se imediatamente como pesquisadora voluntária no grupo de colegas pesquisadores envolvidos na difícil tarefa de entender como a natureza está reagindo e vai reagir daqui para frente. “Com toda a ligação que tenho com a RPPN e com o Pantanal, não poderia ficar em casa esperando acontecer. Sei que estou sendo útil aqui.” Um aplicativo da Fiocruz está auxiliando na tarefa. Por meio do Sistema de Informação em Saúde Silvestre – SISS Geo, é possível registrar, online ou offline, informações sobre animais, sua localização e características do ambiente, além de tirar fotos. A pesquisa é realizada por meio do Grupo de Estudos de Vida Silvestre (GEVS), composto por pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Fiocruz, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Museu Nacional do Rio de Janeiro, A coordenação fica a cargo do experiente pesquisador José Luis Cordeiro, da Fiocruz, com pós-doc em Ecologia, que realiza pesquisas na RPPN Sesc Pantanal há 20 anos. No curto prazo estão sendo feitas ações emergenciais para ajudar a alimentar principalmente os animais herbívoros. “Os carnívoros estão com material, mas os herbívoros perderam sua cadeia alimentar. Destacamos que estes animais, como as antas e os porcos nativos, são como jardineiros na floresta, engenheiros de paisagem, como costumamos falar, ajudando a semear”, explica Cordeiro. Com a pressa e ansiedade urbana, perguntamos ao pesquisador
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A bióloga gaúcha Gabriela Schuck, 25 anos, voltou ao campo para ajudar na pesquisa que está levantando o impacto do foto na fauna e na flora na RPPN Sesc Pantanal, com apoio de aplicativo da Fiocruz.
quanto tempo este trabalho levará e em quanto tempo a natureza deve se regenerar. “O trabalho deve levar uns seis meses, para aferir o impacto na fauna e em torno de um ano, até termos a avaliação científica. Sobre o futuro... a natureza tem o seu tempo. Irá se regenerar, mas levará anos.” Flamarion de Oliveira é outro destacado pesquisador envolvido nesse importante trabalho: também já conhecia e estudava a maior RPPN do país há anos. “Aqui era possível entender como era o Pantanal sem interferência. Havia muitas espécies, algumas ameaçadas de extinção. Os anfíbios, répteis e pequenos mamíferos foram os mais afetados”, diz. A pesquisa, destaca, que terá grande valor científico, pois a Reserva será uma das poucas áreas que terá documentado o bioma como era antes e o que aconteceu após o fogo. O pesquisador destaca que unidades de conservação, como a RPPN Sesc Pantanal, têm este papel decisivo não
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somente para espécies da fauna e flora, mas também para a sociedade, pelo serviço ecossistêmico prestado. “Aqui é um laboratório vivo”, diz. Entre os benefícios que a RPPN presta à humanidade estão a purificação das águas, o controle das inundações, a reposição das águas subterrâneas, o controle do fluxo de sedimentos e nutrientes do solo, as reservas de biodiversidade e a mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Também a professora Christine Strussmann, 61 anos, gaúcha de nascimento, mas pantaneira de coração desde que mudou-se para a região, nos anos 1980, juntou-se à rede de pesquisadores. A médica veterinária, com doutorado em Ecologia e Zoologia, é professora de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). A realidade do clima mais quente, com menos chuvas, já vinha sendo estudada pelos cientistas, e mesmo o fogo faz parte da história do Pan-
FOTO DE ARQUIVO PESSOAL
A experiente professora de Medicina Veterinária da UFMT, Christine Strussmann, se uniu ao grupo de pesquisadores em campo. Lamentou ao ver muitos répteis, anfíbios e pequenos mamíferos mortos.
tanal. Mas não com a força e impacto desta tragédia deste ano. A veterana confessa que chorou ao ver, no campo, o impacto das chamas e das cinzas. “Foi devastador para serpentes e outros animais menores.” Ela se preocupa principalmente com o impacto sobre as matas ciliares, próximas dos rios e áreas alagadas, e para sua microfauna. “Ainda não é possível saber o que acontecerá”. Especialista em água, Ibraim Fantin da Cruz, professor no Departamento de Engenharia Ambiental da UFMT, lembra que o Pantanal é uma verdadeira caixa d`água, com as chuvas caindo e alagando a região: os rios transbordam e têm importante papel na decomposição da matéria orgânica. Como este ano teve a maior seca do bioma em 50 anos, acumulou-se matéria orgânica, sem água das chuvas para fazer o seu papel natural. “E aí veio este desastre ambiental provocado pelos focos de incêndio.” O impacto nos peixes e em seus alimentos – microinvertebrados e algas – ainda é uma incógnita. “Estamos monitorando o Rio Cuiabá, com receio quanto ao impacto da entrada de fuligem nas águas.” O professor explica que a baixa inundação e a fuligem tóxica na água podem alterar o PH da água do rio e gerar mortandade de peixes. E destaca que, além da fauna visível, há uma biodiversidade incrível nas áreas inundáveis pantaneiras. Com menos chuvas nos próximos três anos, o cenário já está modificado. E como o ciclo da vida da natureza está todo integrado, o reflexo dos incêndios nesta conexão terá que ser muito bem monitorado e estudado.
Queimadas impedirão o Brasil de honrar o Acordo de Paris, conclui estudo da Unemat e UFMS As florestas brasileiras estão queimando somente agora? Não. O Brasil sempre queimou suas florestas, campos e pastagens. As evidências são citadas no estudo liderado por pesquisadores da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) e da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), que acaba de ser publicado na Nature Scientific Reports. Entre os anos de 1999 e 2018, os pesquisadores avaliaram os focos de calor em todos os seis biomas brasileiros (Pampa, Mata Atlântica, Caatinga, Pantanal, Cerrado e Amazônia) e suas emissões, utilizando diversos dados provenientes de vários satélites, dentre os quais ATSR, TERRA, AQUA, GOES-13, NPP-375 e NOAA-18. Com base nesses levantamentos, os cientistas realizaram uma projeção para 2030, cujos resultados estimam que o Brasil emitirá, naquele ano, 5,7 GtCO² (gigatoneladas de dióxido de carbono), somente como resultado das queimadas. É importante considerar que, pelo Acordo de Paris, em 2030 o Brasil terá que emitir apenas 1,2 GtCO². Vale lembrar que cada Gt corresponde a um bilhão de toneladas.
Segundo Carlos Antonio da Silva Junior, professor da Unemat, doutor em Agronomia e autor principal da pesquisa, estes números impressionam e evidenciam a ausência de uma ampla política de combate aos incêndios no país, o que vem ocorrendo desde governos passados. “Além disso, demonstram que não conseguiremos atingir as metas do Acordo Climático de Paris”, reforçou o professor. Paulo Eduardo Teodoro, doutor em Genética e Melhoramento e professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), lembra que o estudo não avaliou os anos de 2019 e 2020, uma vez que a pesquisa foi realizada a partir do segundo semestre de 2018 e encerrada no primeiro semestre de 2019. “Mas os anos de 2019 e 2020 provavelmente estarão contribuindo para deixar o Brasil em uma posição cada vez mais distante do Acordo internacional”, considerou Teodoro. A pesquisa ainda contou com cientistas da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e da Université Rennes 2 (França).
FOTO DE GUSTAVO FIGUEIROA - SOS PANTANAL - PORTO JOFRE (MT)
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Entrevista com o Tenente-Coronel Dércio Santos da Silva Diretor-Operacional-Adjunto do Corpo de Bombeiros Militar de Mato Grosso (CBMMT) e CoordenadorGeral do Comitê Temporário Integrado Multiagências de Coordenação Operacional do Estado, o Ciman Plurale – O senhor poderia, por favor, relatar como foi o combate aos vários focos de incêndio na parte norte do Pantanal, no Mato Grosso, dentro da Operação Pantanal II? Tenente-Coronel Dércio Silva – Começamos o combate desde os primeiros focos de incêndio, no dia 17 de julho, e a Operação Pantanal II começou em 7 de agosto. Estivemos com um contingente de 800 pessoas e 6,5 mil agentes trabalharam direta ou indiretamente na Operação Pantanal II. Plurale – A sensação que passava para quem assistia na televisão era que faltavam equipamentos, condições para este combate. Ou que o combate teria chegado tarde, quando o fogo já estava fora de controle. Foi isso o que aconteceu? Tenente-Coronel Dércio Silva – É difícil ter esta resposta. Veja o caso da Calilfórnia, nos Estados Unidos. Lá eles tiveram 15 mil agentes no combate aos incêndios. O Corpo de Bombeiros do Mato Grosso tem 1.340 bombeiros. Então, a gente pensa que lá o incêndio poderia ser controlado e extinto, se for comparar recursos humanos. E não vou nem falar em equipamentos ou aviões. O estado da Califórnia é a metade do Estado do Mato Grosso. É um estado continental, extenso, com mais de 903 mil km2, com três biomas altamente distintos, que precisam de técnicas de combate diferentes. À medida que os incêndios foram se intensificando, várias agências se colocaram à disposição e fortaleceram as ações de combate. A questão é que lá no Pantanal havia locais que não nos permitiam nem combate direto, nem indireto. Há ineficiência do combate por ar; só lançar água não resolve. Diminui as chamas, mas não apaga. Tivemos ventos de mais de 50 km/h, a umidade relativa chegou a 7% de umidade relativa do ar... difícil, muito difícil. É preciso ter equipes de acesso no local. O
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fogo volta subterrâneo no Pantanal. Plurale – Já dá para saber como os incêndios começaram no Pantanal? Tenente-Coronel Dércio Silva – Já realizamos cinco perícias e as investigações estão em curso, realizadas em conjunto com autoridades nessa área, como a POLITEC, a DEMA e o IBAMA. Sabemos que há fatores climáticos, como falta de chuvas, baixa umidade... havia muito material orgânico, biomassa. E tivemos também, na região, alguns episódios de acidentes, como um caminhão que pegou fogo na Transpantaneira, um fio de alta tensão e o caso de um apicultor que usou fogo para extração de mel. Ainda não há respostas definitivas. Mas estatísticas mostram que 96% dos incêndios costumam ser provocados pelo homem – intencionalmente ou não. Plurale – Há uma cultura tradicional na região de uso de fogo para “limpar” terreno. Isso não precisaria ser revisto? Tenente-Coronel Dércio Silva – Foi decretada a moratória do fogo em 1º de julho. Temos feito várias campanhas, ações e punições através de multas. Mas não acredito apenas em punição, em multas. Precisamos fortalecer todas as áreas, avançar no diálogo para conseguir melhores resultados. Vimos incêndios de 25 a 30 quilômetros de extensão de fogo. Nos solidarizamos com a RPPN. Plurale – Ajudaria uma ação para formar brigadistas locais em comuni-
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dades, como ribeirinhos, indígenas, quilombolas, fazendeiros, peões etc.? Tenente-Coronel Dércio Silva – Os dados do clima realmente confirmam este cenário de baixa umidade e poucas chuvas. Isso tende a se acentuar. Não é só aqui no Centro-Oeste, mas o planeta com um todo está sentindo os efeitos do aquecimento climático. Mas é claro que tudo ajuda, tudo é um somatório de esforços. Não vou falar em solução. Gosto da ideia de fatores: técnicos, políticos, orçamentários...são vários fatores. E a tese do “boi-bombeiro”? Tenente-Coronel Dércio Silva – Desculpe, prefiro não falar. Já houve muita polêmica. Plurale - Mudando um pouco a pergunta. O fogo não passou por todos os lugares da mesma forma? E o boi já está no Pantanal há anos e sempre há incêndios.... Tenente-Coronel Dércio Silva – O fogo se propagou por todas as áreas, algumas mais rapidamente e outras não. Havia todas as condições da natureza. Aí, provavelmente, veio a ação antropogênica, o homem. Plurale – E a RPPN Sesc Pantanal? É a maior RPPN do país, tem um papel muito importante ... fauna, flora, rios, a biodiversidade...devastados em 90%. É uma tristeza,,, Tenente-Coronel Dércio Silva – Nos solidarizamos com os resultados adversos que os incêndios florestais tiveram para a RPPN Sesc Pantanal. É muito importante avaliar os danos e projetar políticas públicas para os anos vindouros. Vimos que o último grande incêndio no Pantanal foi há 14 anos. Então, em tese, acreditamos que teremos tempo para promover ações. E acreditamos na união de todos os atores – autoridades das três esferas, o Legislativo, sociedade civil, universidades etc. As instituições se juntam e buscam soluções.
Povos tradicionais lamentam o desastre ambiental O Pantanal está diretamente conectado com seus povos tradicionais, como indígenas, pantaneiros, quilombolas e outros. Os animais, a flora, os rios, tudo faz parte da vida destes moradores do bioma. Comunidades do Pantanal norte, parte do município de Barão de Melgaço (MT), estão sentindo os efeitos do desastre ambiental. “Moro aqui há 27 anos. Choro ao ver os animais mortos e tudo queimado. Que dor”, lamenta a moradora Angela Maria de Campos Caldas, 59 anos, agente comunitária de saúde da comunidade de São Pedro de Joselândia. Ela conta que os moradores passaram a demandar mais visitas, especialmente por conta do ar difícil de respirar, com a secura e as queimadas. “Não é este o Pantanal que conhecemos e amamos”, diz. Otimista, Angela sonha com a volta de dias de temperaturas amenas e sem fogo. “Foi de cortar o coração ver os bichos sem saber para onde correr.” Na comunidade do Capão do Angico, Rita de Cássia Lemos de Oliveira é líder de mulheres que fazem gamelas, vasos para plantas e outros objetos de cerâmica, comercializados para turistas que se hospedam no Hotel Sesc Pantanal. Este era o principal sustento das 200 famílias do lugarejo. “A pandemia já tinha afastado os turistas e depois veio o fogo. Que ano difícil”, lamenta. Rita espera que tudo passe logo e volte a ser como antes.
Comunidades tradicionais: o cacique Roberto, da Terra Indígena Perigara, recebeu cestas básicas para a aldeia, que teve a roça queimada. A agente de saúde Angela (no alto) chorou ao ver os animais morrendo queimados e Rita (ao lado) sente a falta de turistas para comprar cerâmicas.
Para amenizar a crise, o Sesc Pantanal, em parceria com o Mesa Brasil, realiza a Campanha de Doação Coletiva que já entregou mais de 30 toneladas em alimentos, água, produtos de higiene e limpeza, desde o começo da pandemia. Como na Comunidade dos Boe-Bororo, na Terra Indígena Perigara, também localizada no município de Barão de Melgaço. O cacique Roberto
Maridoprado agradeceu a ajuda e confessa que também está desolado. “Nossas roças foram queimadas e não sei mais onde estão os animais e as árvores. A nossa terra foi queimada.” Com a experiência da ancestralidade, o cacique espera que a natureza volte a florescer. “O Pantanal e o nosso povo são fortes. Pode demorar. Mas teremos o nosso Pantanal de volta”, espera o cacique.
Fazendeiros defendem a importância da pecuária para o Pantanal O desastre socioambiental provocado pelos diversos focos de incêndio no Pantanal acentuou a histórica divergência de visões entre pecuaristas e ambientalistas/moradores tradicionais. O que já era terreno pantanoso tornou-se solo inflamável. Muitos ambientalistas e pesquisadores acreditam que a maior parte dos focos de incêndio possa ter sido deflagrada por fazendeiros que – intencionalmente ou não – colocaram fogo em
suas propriedades para fazer o que chamam de “limpeza”. Este fogo acabou perdendo o controle e varreu diferentes focos do Pantanal em poucos meses. Plurale ouviu o presidente do Sindicato Rural de Poconé, Arlindo Márcio de Moraes. Segundo ele, a seca foi muito forte e, sem chuva, acumulou “sujeira”. Ele não concorda com a tese que fazendeiros foram culpados por deflagrar focos de fogo. “Havia uma moratória e não tivemos autorização
para limpar o terreno.” Mas acredita que o fogo, “bem manejado” pelos fazendeiros, pode sim ajudar a “limpar” o Pantanal. O que aconteceu, relata, foram acidentes, como o de um caminhão na Transpantaneira. Arlindo Moraes acredita na tese do ‘boi bombeiro” e diz que a pecuária está no Pantanal há centenas de anos, gerando renda e ajudando a controlar o que ele chama de “sujeira” de material orgânico.
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FOTO DO INSTITUTO NEX - CÉSAR LEITE
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Onças-Pintadas – Ícones da resistência Onças-pintadas Ousado e Amanacy foram resgatadas em Porto Jofre (MT) e se transformaram em ícones da resistência. Os animais foram encontrados e resgatados em helicópteros militares em Porto Jofre (MT) e levados pela recuperação para o Instituto NEX. O macho já voltou à natureza e a fêmea terá que viver em cativeiro, porque estava muito debilitada e perdeu as falanges e as garras ficaram comprometidas. As imagens viralizaram e simbolizam o esforço conjunto de resgate de animais e a força de recuperação da natureza.
Solidariedade - ONG SOS Pantanal é muito procurada para doações Por estas ironias da vida, um nome foi decisivo para unir “pontas” no desastre ambiental do Pantanal. Muitas pessoas e empresas, interessadas em doar e ajudar, fizeram a busca na rede usando as palavras “sos pantanal” e chegaram em um dos mais conceituados institutos com atuação voltada para o bioma, o Instituto SOS Pantanal. “Nosso foco é fazer advocacy, trabalhar com políticas públicas, em um momento no qual a necessidade da gestão do conhecimento e do diálogo intersetorial são fundamentais para a conservação da biodiversidade e dos recursos naturais do planeta. Não tínhamos esta ação na ponta, diretamente. Mas, da noite para o dia, após os incêndios, recebemos centenas de consultas para doações”, conta Felipe Dias, diretor-executivo do Instituto Socioambiental da Bacia do Alto Paraguai SOS Pantanal, com 11 anos de atividades, sede em Campo Grande (MS), mais conhecido como Instituto SOS Pantanal. No começo, a intenção foi repassar estes doadores diretamente para Ongs que atuaram diretamente no combate aos focos de incêndios no Pantanal, resgates de animais e distri-
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buição de cestas básicas para os moradores mais necessitados. Porém, não teve jeito: com a hastag #sospantanal já viralizando nas redes sociais (o número de seguidores do Instituto disparou), a solução foi arrecadar os recursos e repassar para os parceiros. Assim foi feito. Em parceria com a Rede União Brasil, foi criada a Rede União Pantanal, arrecadando recursos, materiais e alimentos. Doações de pessoas físicas e empresas também foram chegando. Artistas se engajaram na causa. O Instituto SOS Pantanal trabalhou em rede ajudando na logística, criou ´pontes’ virtuais e foi viabilizando diversas frentes de ações, como o resgate de animais através das Ongs G.R.A.D e Panthera. “Há uma grande mobilização em torno do Pantanal, felizmente. Ficou claro, para a maioria dos brasileiros, o valor do nosso bioma para o país e para a biodiversidade”, lembra Felipe. Uma das Ongs contempladas foi o Instituto Homem Pantaneiro, também muito conceituada na região, liderada pelo coronel aposentado do Corpo de Bombeiros, Angelo Rabelo, com foco na Serra do Amolar,
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Alto Pantanal (MS). “Os focos de incêndio atingiram muitas espécies. Mas a rede de solidariedade foi incrível”, destaca o coronel. A Serra do Amolar é um dos últimos redutos na região de Corumbá sem muita interferência do homem. A vantagem, neste caso recente transformou-se em problema: sem brigadistas e de difícil acesso, muitos animais acabaram sendo facilmente atingidos. A modelo Gisele Bündchen e Luciano Huck doaram para a criação da Brigada do Alto Pantanal e outros também estão seguindo o mesmo caminho. “O fogo entrou em todos os lugares, onde não tinha boi, nem gente... precisamos urgente de uma brigada na região”, recomenda Angelo Rabelo. Ele destaca que atualmente, o número de brigadistas não é suficiente para atender as grandes frentes e a ideia é termos uma capacidade operacional, o que inclui recursos humanos e equipamentos, para fazer o trabalho preventivo.” Rabelo frisa ainda que, atualmente, equipes do Prevfogo prestam auxílio nas frentes de trabalho, mas que o ideal é ter equipes atuando o ano inteiro.
Voluntários fizeram toda a diferença Por Viviane Faver, de Nova Iorque Especial para Plurale
Voluntários “vestiram a camisa” da causa pantaneira e estão fazendo toda a diferença na fase de resgate de animais e outras ações de mitigação dos incêndios. Como a jovem Eduarda Fernandes, mais conhecida como Duda, guia turística no Pantanal, fundadora da Wild Jaguar Safaris, que se uniu à ONG Ampara, comandada por Marcele Becker. Elas se conheceram durante a tragédia e se uniram para ajudar a salvar a floresta. Duda conta que, em julho, viu no Pantanal focos de incêndios e fumaças ainda distantes. “Três dias depois, o fogo aumentou drasticamente e comecei a encontrar diversos animais machucados precisando de auxílio”, conta. Foi nesta hora, que a jovem teve a ideia de montar um grupo de resgate de animais silvestres, em parceria com a Ampara. A guia turística tentou, mas não conseguiu, a autorização oficial para começar a agir na região. As imagens começaram a circular nas redes sociais, e o desastre ambiental chamou atenção de ONGS internacionais que se dispuseram a ajudar. Duda, seu grupo e outros parceiros voluntários abri-
A guia turística Eduarda Fernandes se uniu aos voluntários da Ong Ampara, liderada por Marcele Becker, para ajudar a resgatar e alimentar animais.
ram uma vaquinha no Instagram chamada “Pantanal Relief Fund” e conseguiram arrecadar U$ 75 mil, utilizados na contratação de veterinários, mais equipamentos para resgatar, cuidar e alimentar os animais. Ampara - A Ong Ampara Silvestre existe há quatro anos, e com seu departamento específico para reabilitar animais ajudando-os a retornar à natureza, começou a agir no Pantanal com 15 voluntários auxiliando nas ações
em prol dos animais resgatados das queimadas, como por exemplo, levando comida e água para eles e tratando queimaduras nas patas e no corpo. Assim como a Eduarda, a co-fundadora da Ampara, Marcele Becker, concorda que essa tragédia poderia ter sido evitada se o governo tivesse sido mais ágil. “Só depois que o assunto se tornou manchete nas mídias e que várias Ongs já estavam lá é que o governo tomou alguma providência.
Celebridades se unem para ajudar o bioma De Gisele Bündchen à Anitta, passando por Luisa Mell, Luan Santana e famosos artistas plásticos. Celebridades se engajaram na causa para ajudar no resgate de animais do Pantanal e também fortalecer ações de combate aos incêndios. Luisa Mell, ativista da causa animal, esteve na região, chorou com a morte de tantos bichos. A top model Gisele Bündchen anunciou, em outubro, que doou R$ 100 mil para a criação da Brigada Alto Pantanal (na divisa do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul). A doação foi feita por meio do seu Fundo Luz Alliance na BrazilFoundation, com foco no Brasil. Para Gisele, poder contribuir para a criação da Brigada Alto Pantanal significa ajudar a conservar a vida.
“Neste mundo, estamos todos conectados e o que acontece em um lugar tem reflexos em outros. Por isso, precisamos aprender a viver em equilíbrio com a natureza”, disse. A campanha de captação de recursos para a criação da Brigada Alto Pantanal Haroldo Palo Jr. foi um sucesso: em um mês foi captado mais de R$ 1 milhão por meio de doações. Nascido em Campo Grande (MS) e padrinho do Instituto Arara Azul há seis anos, o cantor Luan Santana não poderia ficar de fora desta corrente do bem. Marcou para o próximo dia 22 de novembro uma live em chalana no Rio Paraguai com renda revertida para o movimento “O Pantanal Chama”, liderado pela instituição SOS Pantanal. Um look exclusivo da cantora Anitta – usado no clipe “Me Gusta”- foi leiloado com renda totalmente revertida para a ONG Ampara Animal/Silvestre e
o Instituto SOS Pantanal. Anitta também gravou um vídeo demonstrando apoio ao trabalho das organizações para tentar preservar a fauna do Pantanal. O galerista Luis Maluf convidou nove artistas, que irão expor suas obras em evento fechado para apoiadores da causa. A maioria das peças tem como tema o Pantanal. Entre eles estão Luiz Escañuela, Edu Cardoso, Cranio, Apolo Torres, Vinicius Meio, William Mophos, Vermelho Steam, Gian Luca Ewbank e Vinicius Parisi. O valor arrecadado será destinado ao fundo de preservação do Pantanal, gerido pelas ONGs AMPARA Animal / AMPARA Silvestre. (Por Sônia Araripe)
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FOTOS DE JEFERSON PRADO RPPN Sesc PANTANAL – BARÃO DE MELGAÇO (MT)
Estante O tempo dos governantes incidentais, por Sérgio Abranches, Editora Companhia das Letras, R$ 58,00 Referência obrigatória nos estudos sobre o presidencialismo pós-1988 no país, Sérgio Abranches desvela as debilidades da ordem liberal-democrática e aponta possíveis soluções para sua superação. Na última década, a democracia liberal e as liberdades cidadãs sofreram numerosos retrocessos. Da eleição de Donald Trump à ascensão do bolsonarismo, da vitória do Brexit ao colapso dos partidos social-democratas, uma sucessão veloz de mudanças inesperadas alimentou a onda populista que varreu o planeta, potencializada por crises econômicas, ódios políticos e tensões raciais. A polarização ideológica, a insegurança e o medo, agravados pelas incertezas do presente e pela desesperança no futuro, se propagaram com a rapidez vertiginosa do crescimento da ciberesfera. O estado de direito se converteu no alvo preferencial de líderes oportunistas que souberam aproveitar a conjuntura de frustrações generalizadas e desigualdades agudas. Em O tempo dos governantes incidentais, Sérgio Abranches reflete sobre a saúde precária da soberania popular no Brasil e no mundo. O autor do célebre conceito de presidencialismo de coalizão propõe alternativas para a sobrevivência das instituições democráticas, únicos remédios eficazes contra tiranias e ditaduras.
Maíra, por Raquel Ribeiro (autora) e Fernando Zenshô (ilustrador), 30 págs, R$ 38, Encomendas: https://www.instagram.com/ raquelribeiroescritora/ ou https://www. facebook.com/raquel.ribeiro.184/ Maíra é uma menina branca e urbana que, ao conhecer a origem de seu nome indígena, encontra sua própria identidade e se fortalece. Neste livro, há uma história dentro da história, contada pelo pai de Maíra, um admirador de Darcy Ribeiro. E também uma história a ser contada fora do livro: convidamos os pais (ou cuidadores) a dizer porque escolheram os nomes das crianças. Maíra é um livro grávido de histórias. Autora - Por mais de uma década, a jornalista Raquel Ribeiro circulou pelo mundo das revistas de comportamento e viagem. Ao se engajar na causa ambiental, passou a ser colaboradora da Plurale e escreveu A Fuga das Minhocas (2011). Pegou gosto e, seis anos depois, lançou Pablo e o Ciclo da Água. Maíra, publicado em plena pandemia, é uma forma de resistência cultural. Ilustrador – Em parceria com a Monja Coen, Fernando Zenshô produziu O Monge e o Touro (2015). Foi criador da galeria Humus, em Garopaba (SC) e hoje mora em Floripa, onde produz e compartilha seus trabalhos artísticos. Maíra foi ilustrado manualmente em aquarela sobre papel 100% algodão.
POR FELIPE ARARIPE
Inteligência Verde, Pe. Josafá Carlos de Siqueira, Editora PUC-Rio, Download gratuito em http://www.editora.pucrio.br/cgi/cgilua.exe/sys/start. htm?tpl=home Inteligência Verde é o 19º livro do Reitor da PUC-Rio, Pe. Josafá Carlos de Siqueira, S.J., e acaba de ser lançado de forma remota no dia 21 de setembro, Dia da Árvore, com uma palestra do autor. Em um momento em que a sociedade assiste às alterações significativas de seus biomas e ecossistemas, destruindo outras formas de inteligência existentes na natureza, o autor traz à memória uma inteligência pouco conhecida, a saber, a inteligência das plantas. "Os progressos tecnológicos foram importantes para os avanços em novos campos de pesquisa como a neurobiologia vegetal, permitindo observar e comprovar as reações, os comportamentos e as estruturas morfológicas e fisiológicas das plantas, que embora não possuam estruturas não apoiadas em sistemas centralizados, são altamente funcionais e colaborativas, agindo, atuando e reagindo de maneira inteligente", afirma o autor no prefácio do livro. Em 20 capítulos, o autor apresenta, com uma linguagem acessível e apoiada na ciência botânica, como as plantas enfrentam e resolvem problemas triviais e complexos e acabam por constituir uma inteligência verde. Entre os temas abordados, estão: "Uma inteligência silenciosa nos processos de dispersão", "Uma inteligência solidária", "Viver inteligentemente em ambientes de estresse" e "Uma inteligência inspiradora de valores", entre outros.
Porque não podemos esperar, por Martin Luther King, Faro Editorial, 176 págs, R$ 39,90 Manifesto lançado em 1964, durante os protestos não violentos contra a segregação racial nos Estados Unidos, obra marca o movimento pelos direitos civis e aponta problemas que ainda precisam de debate e resolução. “É importante entender a história que está sendo feita hoje, porque ainda há mais por vir, porque a sociedade americana está perplexa com o espetáculo do negro em revolta, porque as dimensões são vastas e as implicações profundas.” Não, essas palavras não foram destaque nas mídias nos últimos meses. Esse é um trecho proferido por Martin Luther King em 1964... e demonstram o quando a questão racial é um debate atual, e que ainda segue a passos lentos. E é por isso que não podemos mais esperar... A Faro Editorial acaba de lançar este clássico de Martin Luther King, um dos mais importantes nomes na luta pela igualdade racial no mundo, e que se fez ressoar em todo o planeta. Trata-se de importante documento para entender as raízes do racismo e seus efeitos nas sociedades.
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REVOLUÇÃO ALIMENTAR: saudável para humanos e para o planeta Por Nícia Ribas, Repórter de Plurale Fotos de Divulgação
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m ditado antigo garante que “quando a água bate na cintura, a gente aprende a nadar.” Com o isolamento social e a preocupação com a saúde, as pessoas se tornaram autossustentáveis, ou seja, responsáveis pelo próprio sustento, de preferência com alimentos naturais. Muitos, principalmente os homens, nunca tinham dirigido um fogão antes, valendo-se dos serviços prestados por outros. Até mesmo donas de casa habituadas à lida diária das refeições para a família tiveram que mudar seus hábitos, sem poder contar com a ajudante doméstica e os restaurantes. Pode-se afirmar que a pandemia tem seus aspectos positivos. Donos de casa trabalhadores, que costumavam sair cedo, voltando só à noite, tiveram que conjugar o home office com o sustento de sua família. Para eles, foram de grande ajuda os sites de gastronomia, como o Panelinha, de Rita Lobo, que dobrou o número de seguidores no Facebook e passou de 1,2 milhão para 1,4 milhões no Instagram. Todos descobriram
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novas habilidades, preparando delícias e recebendo elogios gratificantes. Muitos confessam que gostariam de manter esse estilo de vida, mesmo depois da chegada da vacina. Livres do trânsito pesado, do corre-corre diário e mais próximos dos seus queridos. Quem também sai ganhando é o Planeta, com economia de energia nos ambientes de trabalho e de combustível nos intermináveis engarrafamentos.
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Gosto pela cozinha A nutricionista Priscila Ribeiro Silva, com graduação na Universidade Católica do Porto (Portugal), acredita na revolução alimentar: “Nossa rotina sempre foi muito corrida, não prestávamos atenção à alimentação. Muitas vezes pulávamos refeições ou fazíamos escolhas pouco saudáveis pela praticidade e pela falta de tempo. De repente, tivemos que desacelerar. O home office passou a fazer parte do dia-a-dia de muitas pessoas e, com isso, o tempo gasto no trânsito se deslocando para o trabalho, por exemplo, teve que ser destinado a
As dicas de Rita Lobo, no seu “Panelinha” ajudaram muita gente durante a quarentena: dobrou o número de seguidores no Facebook e passou de 1,2 milhão para 1,4 milhões no Instagram.
A nutricionista Priscila Ribeiro da Silva recomenda a praticidade de processar em casa alguns alimentos In natura, como leguminosas, legumes e frutas para montar uma refeição equilibrada nutricionlamente, sem gastar muito tempo.
outras atividades, como cozinhar e planejar as refeições. O fato de obesidade, diabetes e outras doenças crônicas serem fatores de risco para a Covid-19 também faz com que as pessoas se preocupem mais com a qualidade da sua alimentação e o gerenciamento do seu peso corporal.” Em seu consultório e nos atendimentos on-line devido à pandemia, Priscila constata o legado positivo da pandemia: “pessoas que antes tinham aversão à cozinha, hoje percebem que, para melhorar sua qualidade de vida, não há melhor maneira do que preparar
suas próprias refeições. E, para isso, verificaram que não precisam ficar horas na cozinha, fazendo pratos elaborados. A praticidade continua sendo fundamental. Com alguns alimentos in natura e pouco processados, como cereais, leguminosas, legumes e frutas, já é possível montar uma refeição equilibrada nutricionalmente, sem gastar muito tempo.” “Quando consumimos um alimento industrializado, não sabemos exatamente como aquele produto foi preparado e a quantidade exata dos ingredientes utilizados. Além de serem acrescidos de con-
servantes, estabilizantes e outras substâncias químicas que nosso corpo não precisa. Um exemplo que sempre falo em minhas consultas é o do biscoito amanteigado. Geralmente, consumimos a versão industrializada, embalada nos saquinhos ou adquiridas nas feiras livres. Mas, quando procuramos uma receita para tentar fazer uma versão caseira, pode-se perceber que a quantidade de manteiga utilizada é muito grande, maior do que a recomendação diária normalmente.” Aos leitores da Plurale, ela recomenda: “Planejamento é fundamental. Invista seu tempo em preparar uma boa lista de compras, priorize os alimentos in natura e minimamente processados, evite os alimentos industrializados e procure orientação de um profissional nutricionista para te ajudar a fazer a combinação certa de alimentos e criar planos alimentares e cardápios de acordo com as suas necessidades. Vocês irão perceber que não precisamos de suplementos, pílulas, dietas restritivas para alcançarmos nossos objetivos em relação à alimentação. A preferência sempre será por descascar mais e desembalar menos, priorizando a comida de verdade.” Mais dicas de especialistas O hábito de preparar os próprios
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Saúde
chuchu, vagem, brócolis, couve-flor podem ser preparados em maior quantidade. Aproveite para acrescentar sementes e frutas em suas saladas. - Por serem rápidas, as frituras acabam se tornando hábito na cozinha, mas o melhor é evitar. - Evite também o uso exagerado de manteiga, creme de leite e outros molhos prontos.
Os professores do curso de Nutrição do Centro Universitário Internacional Uninter, Thais Regina Mezzomo e Alisson David Silva, ensinam que o ideal é consumir verduras e legumes duas vezes ao dia, pois elas contêm baixo teor calórico e são ricas em vitaminas, fibras e minerais. Deixe as folhas lavadas e escorridas em pote com tampa para a salada diária
alimentos exige cuidados básicos. Algumas pessoas sofreram aumento do estresse e passaram a consumir alimentos prontos, ricos em açucares, gorduras e sódio. Para outras, a pandemia levou a uma melhor relação com a comida, com tempo para planejar as compras e preparar os alimentos com o cuidado necessário. Os professores do curso de Nutrição do Centro Universitário Internacional Uninter, Thais Regina Mezzomo e Alisson David Silva dão dicas em seu site para ajudar os novos cozinheiros: - Evitar comidas ultra processadas ou processadas, aquelas que normalmente estão prontas e de fácil alcance, como biscoitos, salgadinhos, chocolates, bolos e congelados. - Substituí-los por alimentos saudáveis que tragam saciedade: frutas, salada de frutas, cookies integrais e refeições equilibradas. - Incluir em pelo menos uma refeição diária alimentos proteicos: carnes vermelhas magras, como patinho, coxão mole e lagarto, mas também opções de frango (sem pele), porco, peixe e ovos. Tirar a gordura aparente das carnes antes
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de cozinhá-las ou assá-las. - Para agilizar o trabalho na cozinha, prepare legumes em quantidade para congelar em pequenas porções, como feijão, grão de bico, lentilhas e ervilhas. Essas leguminosas podem ser transformadas em bolinhos, sopas e saladas. - O ideal é consumir verduras e legumes duas vezes ao dia, pois elas contêm baixo teor calórico e são ricas em vitaminas, fibras e minerais. Deixe as folhas lavadas e escorridas em pote com tampa para a salada diária. - Legumes como beterraba,
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Denise Rodrigues, da Entrenozes
Comida de verdade Já aposentada da área de Comunicação Social da PSA Peugeot Citroën e formada no curso de Chef de Cozinha Executivo do Senai, a mineira Denise Rodrigues havia criado a Entrenozes e costumava participar de feiras de gastronomia, oferecendo suas geleias e bolos artesanais. Com a pandemia, seu pequeno negócio expandiu e ela partiu para cardápios elaborados oferecidos semanalmente pelo WhatsApp: “Chega uma hora na vida que você começa a buscar um sentido maior e mais propósito em tudo que faz. Foi isto que aconteceu com a minha vida profissional. ” Com o isolamento social decretado pela pandemia, Denise vislumbrou a oportunidade de apresentar este outro braço da Entrenozes, que é seu cardápio com as refeições. “Estou crescendo aos poucos, diria que de uma maneira artesanal e orgânica. A maior parte dos meus clientes chegou pelo boca a boca. O que me deixa feliz é que aqueles que experimentam, voltam.” A proposta de Denise é oferecer uma cozinha que se preocupa em elaborar pratos com ingredientes frescos, respeitando todos os processos e não utilizando os super processados. “Um prato artesanal requer tempo, amor e carinho para ser bem elaborado, considerando sempre que o seu público busca qualidade e sabor,” explica ela. Uma das diferenças
O arquiteto Luiz Del Guerra e a mulher Carol criaram a Tosta Pão Artesanal, especializada em pães de fermentação natural.
entre a cozinha artesanal e a industrial é a não-utilização de alimentos que passem por vários processos para chegarem às prateleiras dos mercados. Os caldos são bons exemplos de cozimento artesanal: “Nunca uso os caldos comercializados no mercado. Produzo-os artesanalmente na preparação dos meus pratos”. Outro, é a pectina, substância presente nas frutas e que dá consistência à geleia. Ela pode ser encontrada em casas especializadas em confeitaria, mas Denise a extrai da própria fruta. “Meu objetivo é oferecer aos meus clientes um momento de maior união, de conversa e alegria à mesa. E, através da minha comida, tocar o coração daqueles que a experimentam”, confessa Denise à Plurale.
Pães artesanais, um capítulo à parte O isolamento social acabou com as filas nas padarias logo nas primeiras horas do dia. Rapidamente consumidores e fornecedores trataram de se adaptar à situação. Quem saiu ganhando foram os padeiros adeptos da fermentação natural. Um exemplo no Rio de Janeiro é o arquiteto Luiz Del Guerra, que havia acabado de se afastar do escritório de arquitetura onde trabalhava há dois anos, comprado um forno para instalar em sua casa – chegou a trocar de casa para que coubesse o novo forno, disposto a se dedicar exclusivamente ao que realmente gosta de fazer: pão. Luiz e sua mulher, Carol, trataram logo de criar a Tosta Pão Artesanal, divulgar no Instagram e montar um esquema de entrega a domicí-
lio. Ele pôs a mão na massa, literalmente, e hoje mantém uma carteira de assinantes, que recebem seus pães semanalmente em casa. A pandemia alavancou o seu negócio: “Num momento em que ainda me organizava, as pessoas passaram a buscar formas de resolver suas vidas sem sair de casa. Assim, a demanda foi impulsionada e nos conectamos às pessoas,” relata Luiz. Foi há apenas 150 anos que surgiu o fermento industrializado. Os pães com fermentação natural são conhecidos desde 3.700 a.C. Um pão com esse fermento leva mais tempo para ser feito, possui um aspecto rústico: casca crocante, miolo cheio de alvéolos irregulares e sabor levemente azedo. Sua digestão é mais fácil, até mesmo para aqueles que são sensíveis ao glúten, devido a sua fermentação mais lenta. Além disso, pode ser armazenado por mais tempo, pois o ácido acético que inibe o crescimento de bolor é produzido na fabricação de fermento; e para completar, aumenta o teor de bactérias benéficas no intestino. Entusiasta da fermentação natural, Luiz garante: “O pão artesanal nos conecta com esse fazer milenar e traz a possibilidade de produzir com mais qualidade e atenção ao processo, fora da proposta de quantidade da grande indústria. Aqui na Tosta, além do fazer artesanal, optamos por usar fermentação longa e natural e farinhas de qualidade, para conseguir um pão livre de aditivos químicos e melhoradores, mais leve e de melhor digestão, com menor índice glicêmico e mais saboroso. Um pão industrializado ou de fermentação curta não traz esses benefícios, razão pela qual as pessoas sentem-se pesadas após o consumo ou desenvolvem níveis de intolerância ao glúten.” Graças à Covid 19,a mesa dos humanos nunca mais será a mesma!
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Amazônia
No Pará, chef inova e cria bacon de peixe A carne do pirarucu, o gigante das águas amazônicas é utilizado no processo de cura, salga e defumação até chegar no ponto exato de bacon. De acordo com o Chef Ricardo Branches, a aparência, sabor, aroma e textura são idênticos ao bacon de porco Por Ana Carolina Maia, Especial para Plurale De Santarém (PA) Fotos de Divulgação
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á imaginou chegar em um restaurante no Pará, pedir o cardápio e ler carpaccio de bacon de pirarucu? Sim, você não leu errado, é bacon de pirarucu, um dos peixes mais famosos e saborosos da bacia amazônica. E quer saber? É uma delícia! O gostinho do defumado, a textura, o visual são exatamente idênticos ao bacon tradicional suíno. O responsável por fazer essa incrível transformação é o Chef de cozinha e professor, Ricardo Branches, dono do restaurante Palato, localizado em Santarém, no oeste do Pará. Amante da culinária amazônica, com especialização em cozinha italiana, Branches conta que seu trabalho nada mais é do que a fusão de técnicas especiais com a riqueza da culinária brasileira, contemporânea mundial, gerando assim uma explosão de sabores em todos os pratos que assina. A ideia de fazer um bacon que não fosse de porco surgiu quando o Chef Ricardo estava fazendo pós-
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-graduação na PUC do Rio Grande do Sul, onde teve contato com a arte da defumação, que posteriormente veio a ser uma das paixões do cozinheiro. Com o conhecimento em mãos, Branches decidiu colocar em prática a técnica, mergulhou de cabeça, se aprimorou, fez cursos de
Chef Ricardo Branches
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charcutaria e defumação em Minas Gerais. O pirarucu, foi o peixe escolhido, por ser um peixe de alto valor comercial, sabor único e muito conhecido fora da região norte. Mãos à obra e vários testes, experimentos e pesquisas foram feitos até chegar
ao corte ideal da carne, que no início era a barriga do animal. “Hoje em dia o pirarucu inteiro pode ser utilizado, no entanto o peixe tem que estar fresco e a carne deve conter uma boa porcentagem de gordura, pois são mais apropriados para fazer o bacon”, explica Branches. O processo Para obter o bacon de peixe perfeito é preciso levar com conta vários fatores que vão desde a origem do pirarucu, de acordo com o chef, o animal criado em cativeiro tem um sabor mais acentuado e é melhor de se trabalhar. “O pirarucu vendido na feira já meio complicado, devido às condições aquáticas, alimentação, armazenamento e conservação. O peixe tem que estar fresco, não pode estar muito tempo congelado quanto mais fresco melhor. Em seguida faz-se a salga do animal e isso evolui para a cura, é nesse momento em que os líquidos escorrem e vão entranhar na carne e o sal expulsa a água, que ao ser expelida, torna a carne mais densa e firme. Após isso ocorre toda a mágica da defumação, onde a temperatura de pico é meticulosamente controlada”, conta. A iguaria leva de cinco a 15 dias para ficar pronta, o processo de defumação dura por volta de 36 a 48 horas (dependendo do corte do peixe) e pode ser armazenado na geladeira ou freezer. O bacon de pirarucu defumado possui algumas diferenças em re-
lação ao bacon convencional. A principal delas é que o de pirarucu não é frito, passa por um processo artesanal de defumação. E pode ser considerado mais saudável por ser de peixe. Versatilidade O bacon de pirarucu pode ser servido como entrada, maionese e saladas. Harmoniza bem em sanduíches, acompanhada de uma massa ou mesmo servida em um risoto de bacon de pirarucu defumado. O chef Branches por exemplo, tem como uma de suas especialidades um carpaccio de bacon de pirarucu defumado ao molho pesto de jambu com castanhas. A intenção é que essa técnica ganhe o mundo e outras espécies de peixe também possam ser transformadas em bacon. Branches aponta que a expansão do bacon de pirarucu, o prato poderá ser incluído na dieta de pessoas que não consomem carne de porco, ou são adeptas de uma alimentação mais restrita, bem como judeus, adventistas e muçulmanos poderão comer o bacon de peixe. “Esse prato não é meu, ele é paraense, ele é santareno, é nosso!! Quero que essa iguaria faça parte da nossa cultura, nosso patrimônio. Meu trabalho é agregar! Unir técnicas profissionais, por exemplo cura e salga europeias com a defumação americana, é a fusão de várias técnicas nisso que consiste o meu trabalho, é a cozinha que eu gosto de fazer, é simples é pegar um produto nosso, da região e transformá-lo num
subproduto melhor ainda que possa alcançar mercado fora do país, que ultrapasse as fronteiras do Pará. Gastronomia paraense na rota do turismo Quando o assunto é gastronomia, o Pará se destaca como uma das estrelas nacionais com uma culinária de ingredientes indígenas, temperadas com influências portuguesas e africanas. O estado do Pará está no auge da rota do turismo, seja por suas belezas, como também pela deliciosa e peculiar cozinha. “A região do tapajós, tem uma culinária única, assim com Belém, Manaus e Santarém, é uma riqueza e hoje com a alavancada do turismo produtos que não tinha muita visibilidade, hoje estão conquistando muitos paladares. Eu vejo a gastronomia de mão dada com o turismo e não existe turismo sem gastronomia nossa comida é magnífica, temos peixe, sabores, é um atrativo e tanto”, afirma o chef de cozinha, Ricardo Branches. Spoiler Na busca incansável para descobrir, criar e proporcionar uma experiência gustativa aos seus clientes e amantes da boa gastronomia, o chef já adiantou que vem coisa boa por aí. Ricardo está estudando a possibilidade de criar um presunto de peixe! “é algo inovador, envolve muita técnica, muito estudo, muito teste. Mas com certeza o
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Moda
DESIGNER LANÇA ÓCULOS DE SOL SUSTENTÁVEIS COM PARTÍCULAS DE CARBONO E BATIZADOS COM NOMES DE RIOS DO ACRE Por Luciana Bezerra – Especial para Plurale Fotos – Divulgação – Flávia Amadeu
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ficialmente o verão só começa em dezembro no Brasil, mas os óculos escuros são protagonistas do clima tropical brasileiro o ano todo. Faça chuva ou sol este acessório está sempre presente no nosso dia a dia e adapta-se à inúmeras ocasiões, das mais casuais às mais elegantes. Antenada a uma vibe sustentável, seguida por sua marca que aliás — leva o nome e sobrenome dela —, a designer brasiliense Flávia Amadeu, lançou recentemente, em parceria com a Wiit Design Studio, a nova linha de óculos de sol A + W, que são as iniciais de ambas as marcas. A designer brasiliense assegurou que as peças são 100% sustentáveis e produzidas em impressão 3D, a partir da matéria-prima proveniente de carbono de fontes poluentes, borracha colorida da Amazônia e batizadas com o nome de três dos principais rios acreanos, Juruá, Tarauacá e Envira, em homenagem ao Estado do Acre, de onde vem a maior parte do insumo — a borracha nativa da Amazônia chamada Folha Semi-Artefato (FSA), que ela produz juntamente com as comunidades seringueiras —, utilizada na elaboração dos produtos desenvolvidos pela marca Flávia Amadeu. “A ideia de batizar cada modelo de óculos com os rios acreanos foi uma homenagem ao Estado de onde vem
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a maior parte da matéria-prima utilizada na confecção dos meus produtos, além de mostrar para as pessoas um pouco de conhecimento sobre o Acre, pois todos os rios que cortam o Estado deságuam na Bacia Amazônica, porém, os mais conhecidos são os Rios Negro e Solimões”, enfatiza a designer. A coleção tem três modelos, cada um com quatro cores diferentes: grafite escuro, marrom, vinho e azul escuro. Além disso, os óculos são leves, confortáveis e vêm com lentes de altíssima qualidade em um estojo de borracha colorida da Amazônia com lencinho em algodão orgânico. Os modelos são
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vendidos pelo e-commerce da marca a partir de UD$200.00. Flávia disse ainda que o produto é produzido no Brasil e apoia não apenas as comunidades seringueiras da Amazônia, mas também, projetos de tecnologia que retiram o carbono de fontes poluentes e o insere em produtos sustentáveis com valor agregado, atenuando assim, as mudanças climáticas, gerando emprego e renda no País. Início da parceria O ano era 2018 e Flávia estava participando do Brasil Eco Fashion Week,
maior encontro sobre moda sustentável do continente. Na ocasião, conforme disse ela à reportagem, estava a procura de uma empresa de óculos que tivesse um viés sustentável para fazer uma parceria. Dois meses depois já estava definindo a coleção com a equipe da Wiit Studio. O lançamento da coleção estava previsto para março deste ano, mas em decorrência da pandemia de Coronavírus foi cancelado. “Buscava uma empresa de óculos que trabalhasse com um viés sustentável e durante o Brasil Eco, encontrei a Wiit Studio e foi uma parceria perfeita, já que o produto produzido por eles é cem por cento sustentável. Em março a coleção de óculos de sol seria lançada, mas aí veio a pandemia e tivemos de cancelar. Agora, voltamos a divulgar o produto novamente no mercado, porém, sem data prevista para o lançamento oficial”, frisa Flávia. Produção à base de carbono poluente O processo de fabricação do produto é inovador e altamente sustentável.
A tecnologia captura o dióxido de carbono de fontes emissoras e transforma suas moléculas para se obter o carbono sólido, permitindo que este elemento seja utilizado na composição de diversos produtos. Segundo a designer brasiliense, uma pesquisa realizada pela @shaire.life, em parceria com a marca Flávia Amadeu e Wiit Design Studio, foi necessária para a produção do produto a partir de nanopartículas de carbono. Ao todo, são sete metros cúbicos de poluição a menos que seriam lançadas na atmosfera, utilizadas na produção do acessório. Gases do efeito estufa (dióxido de carbono e metano) são captados de fontes poluentes (aterro sanitário, suinocultura, entre outros) e suas moléculas são separadas com a tecnologia GasLimpo-CleanGas, resultando na disponibilização de carbono sólido. A empresa responsável por essa tecnologia é a Carbono Brasil, que detém patente global para a transformação de gases do efeito estu-
A designer Flávia Amadeu
fa e outros poluentes em matérias primas, elementos que podem ser posteriormente transformados em energia ou outros materiais. Foram investidos mais de R$ 1 milhão em estruturação, pesquisa e desenvolvimento nas tecnologias envolvidas. Sobre a designer Flávia Amadeu é PhD em design e sustentabilidade pelo London College of Fashion, mestre em artes visuais e bacharel em desenho industrial. A designer divide o tempo entre Brasília, Acre e Londres. Ela é pioneira na utilização da borracha na indústria da moda a designer é mais conhecida no hall internacional do que em solo brasileiro. As peças da empreendedora já foram expostas no Museu Victoria & Albert, em Londres e, na Art Basel de Miami, ambas em 2018. A grife também participou de duas edições do maior evento de moda do Brasil, o São Paulo Fashion Week. Além da criação de peças, a designer faz um trabalho intenso de capacitação, onde atua com a inclusão de mulheres e jovens na cadeia produtiva do Acre, geração de renda e incentivo a preservação dos recursos naturais da floresta Amazônica.
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Social
Instituto Claro apresenta novo relatório social com histórias de superação e transformação FOTOS DE DIVULGAÇÃO
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Do Instituto Claro
Instituto Claro acaba de lançar seu Relatório Social 2019 em um novo formato. A publicação conta com dez depoimentos de beneficiados pelos diversos programas de educação e projetos de cidadania desenvolvidos ou apoiados pela entidade. São histórias de transformação por meio de ações do Instituto Claro que impactaram profundamente a vida dessas pessoas. É o caso da estudante de direito de São Luís (MA), Brenda Abreu, que criou um aplicativo com o objetivo de informar as mulheres sobre a segurança dos locais que frequentam por meio do Campus Mobile. O concurso, que incentiva jovens universitários a desenvolverem soluções que resolvam problemas da sociedade com inovação e criatividade, recebeu no ano passado 685 inscrições de 994 jovens de 25 estados do país, com um aumento de 30% na participação feminina em relação a 2018. O relatório traz também o depoimento de Joelma Silveira, coordenadora pedagógica de Mogi das Cruzes (SP), participante do Educonex@o, que capacita profissionais da educação (coordenadores municipais e pedagógicos e professores que trabalham nas redes municipais de ensino de todo o Brasil) para o uso das tecnologias digitais e inovação na sala de aula. O programa beneficiou 456 professores
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Essa nova edição do relatório mostra a importância dos projetos sociais promovidos pelo Instituto Claro. São histórias que nos emocionaram e inspiraram ao longo de 2019, contadas pelos próprios beneficiados" Daniely Gomiero diretora de responsabilidade social e comunicação da Claro e vice-presidente de projetos do Instituto Claro
em 215 escolas do país, impactando indiretamente mais de 12 mil alunos. “Essa nova edição do relatório mostra a importância dos projetos sociais promovidos pelo Instituto Claro. São histórias que nos emocionaram e inspiraram ao longo de 2019, contadas pelos próprios beneficiados”, afirma a diretora de responsabilidade social e comunicação da Claro e vice-presidente de projetos do Instituto Claro, Daniely Gomiero. O relatório traz também os indicadores dos projetos realizados durante o ano, como o Trajetória
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de Sucesso Escolar, realizado em conjunto com o UNICEF, que desenvolve recursos educacionais para adolescentes em situação de atraso escolar. A ideia é usar tecnologias móveis para ajudar a desenvolver metodologias de ensino, recomendações e análises, além de material impresso e digital. Em 2019, o projeto atingiu 1.920 municípios e 10 centros urbanos. O Dupla Escola, projeto que oferece Ensino Médio integrado ao curso técnico-profissionalizante em telecomunicações na Zona Oeste do Rio de Janeiro, formou
109 alunos em 2019. Já o Conexão Voluntária, uma plataforma on-line que conecta as habilidades dos colaboradores Claro com instituições que precisam de ajuda, mobilizou 2.784 colaboradores da Claro, que geraram benefícios para 110 instituições em 33 cidades. Entre os projetos em prol do meio ambiente, o relatório traz alguns destaques. O Energia da Claro finalizou o ano com 35 usinas e 300.000 painéis solares instalados. Lançado em 2017, prevê o uso de fontes renováveis de energia e ações de proteção ao meio ambiente em todas as operações e instalações da empresa no Brasil. Até 2021, o programa vai gerar 80% da energia consumida pela empresa, mais de 600.000 MWh/ano. O Claro Recicla, que promove a logística reversa e a destinação correta do lixo eletrônico como baterias, celulares, tablets e acessórios, recolheu 10.055 itens e enviou 956 quilos
O Relatório Social 2019 do Instituto Claro conta com dez depoimentos de beneficiados pelos diversos programas de educação e projetos de cidadania desenvolvidos ou apoiados pela entidade. São histórias de transformação por meio de ações do Instituto Claro que impactaram profundamente a vida dessas pessoas."
de lixo eletrônico para reciclagem. O Bike Claro, uma iniciativa que permite que os técnicos façam atendimentos residenciais de bicicleta elétrica com o objetivo de reduzir as emissões em CO2, diminuiu em 79% os custos do deslocamento em veículos, com 77 carros a menos em13 cidades de quatro estados do Brasil. Com o incentivo à fatura fiscal, houve diminuição de 67,4% das emissões de boletos impressos só em 2019. E, no ano passado, 7.741 tracajás foram soltos pelo projeto Pé- de -Pincha, que visa a preservação destes quelônios e a conscientização ambiental por meio da capacitação para agentes ambientais em comunidades ribeirinhas, com a realização da Universidade Federal do Amazonas. Para mais informações dos projetos e depoimentos, acesse o relatório completo em https:// www.institutoclaro.org.br/wp-content/uploads/relatorio-social/2019/
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Ciência
Covid-19: Pesquisador aponta que acesso à vacina é tão crítico quanto a sua existência Por Viviane Tavares (EPSJV/ Fiocruz) Fotos da Agência Fiocruz Divulgação/ Paulo Schueler e Peter Ilicciev e Agência Brasil
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m entrevista para o site da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/ Fiocruz), em setembro, o pesquisador do Instituto Gonçalo Moniz (Fiocruz Bahia) Manoel Barral apresenta porque a vacina não deve ser vista como solução única de retorno das aulas presenciais. Além do acesso aos insumos, a forma de distribuição de vacina de maneira global ainda é um dos desafios a serem enfrentados. Barral explica ainda que todas as ações relacionadas ao enfrentamento da Covid-19 devem ser de forma coletiva. Não há solução única nem ações individuais que possam dar conta de tamanha complexidade. EPSJV/Fiocruz: De maneira geral, para que serve uma vacina? Manoel Barral: A vacina é um mecanismo seguro de induzir uma resposta protetora contra, normalmente, um agente infeccioso. Hoje em dia existe a possibilidade de combate a doenças não infecciosas. Mas o grande alvo delas ainda são as doenças infecciosas. EPSJV/Fiocruz: A gente pode atrelar a volta às aulas com a vacina? Ela é determinante? Manoel Barral: Eu acredito que não. Primeiro porque a gente não basta só descobrir, é preciso que essa vacina seja segura e protetora e não cause mais problemas do que a doença. E isso pode acontecer, a vacina agravar a doença. E depois, quando tudo isso se produzir, mesmo que rapidamente, como nós esperamos, ainda vai demorar um tempo
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bastante razoável para que a gente consiga vacinar uma grande parte da população. Não é um processo rápido proteger a população com uma vacina que é necessária para bilhões de pessoas. A gente não está falando de uma doença que é localizada, em que rapidamente se pode produzir a quantidade de doses necessárias. A gente está falando em vacinar em escala global, só aqui no Brasil são mais de 200 milhões de pessoas. Então ninguém sabe quando teremos uma vacina efetiva e segura e quando, após isso resolvido, conseguiremos vacinar uma grande parte da nossa população. Então pode ser um prazo que pode correr o risco de ser muito longo para o retorno às aulas. EPSJV/Fiocruz: Quais seriam os elementos que, apesar de não existir a vacina, podemos estabelecer para que com eles sob controle podemos pensar nesse retorno às aulas? Manoel Barral: O que a gente precisa basicamente é manter todas as medidas que já têm hoje do ponto de vista de proteção, como distanciamento, uso de máscara, mas começar dois aspec-
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tos fundamentais: o primeiro que é extremamente crítico que é a redução da transmissão através da identificação dos contatos e seu isolamento dos casos e quarentena dos contatos. Porque essa é a forma, na ausência de uma vacina, de reduzir o número de casos na comunidade. Isso tornaria o risco muito menor. Evidentemente, enquanto não houver uma vacinação em massa vai haver risco. Mas aí você tem que começar a ponderar o risco de infecções com o risco de atraso tão grande das atividades escolares, principalmente as presenciais, porque as atividades à distância cobrem uma parte, mas não cobrem tudo. Então, esse retardo de volta às aulas também tem impacto e a gente não pode desconsiderar o risco que representa. É preciso saber ponderá-lo. É claro que a vacina tem um elemento importante nisso. A minha cautela é a de que se a gente não tiver uma vacina muito rápido, que a gente comece a ter alternativas. Uma delas é ter baixa transmissão. E a gente no Brasil ainda está com uma taxa de transmissão ainda muito elevada na maioria dos locais, o que inviabiliza a volta às aulas. Não seria uma volta responsável. A gente precisaria reduzir a transmissão. EPSJV/Fiocruz: Muitas escolas estão se modificando e algumas privadas já anunciaram que estão aptas ao retorno. As condições escolares isoladas trariam segurança para o retorno dos estudantes? Manoel Barral: Lógico que por mais cuidados que as escolas ofereçam, se você não tiver uma redução comunitária vai ter reflexos importantes. Então, mesmo na escola privada você tem os trabalhadores que não tem a mesma condição de transporte dos estudantes e usam transporte público. E essas pessoas podem estar disseminando infecção.
As escolas não existem como uma bolha totalmente separada da comunidade. É preciso que haja condições compatíveis para que se possa fazer uma proteção adequada não somente dos alunos, mas também de toda comunidade escolar. É importante agir coletivamente e não de forma individual nesse processo. EPSJV/Fiocruz: A vacinação em massa significa o fim do risco de contaminação? Manoel Barral: A rigor não. O que acontece é uma diminuição grande do risco. O que a gente sempre pondera é quanto do risco está disposto a correr. É preciso sempre colocar nessa perspectiva. O grande problema é que além de ter essas características intrínsecas, que tenha uma vacina segura, que não agrave a doença. A gente não tem ainda essa vacina, temos bons candidatos, mas não tem ainda. Mas mesmo quando a gente tiver essa vacina a gente não deve esquecer que é uma solução que o mundo deseja. Nunca teve uma campanha de vacinação como a gente está prevendo para essa demanda contra a Covid-19. E, além disso, vamos pensar numa hipótese de que a vacina não será em dose única. Você terá que ter uma campanha de vacinação que vai atingir a pessoa para que ela seja vacinada duas vezes. Claramente estamos falando de um esforço enorme, em que podem faltar coisas básicas como seringa, agulha ou coisas desse tipo. Então, a produção para manter a cadeia funcionando em grande volume é algo que a gente não tem, e já deveria estar trabalhando nessa logística e estimar tudo que a gente deveria precisar. Isso já deveria estar sendo feito. De alguma maneira preparar essa logística para uma campanha desse porte. A gente viu que faltaram elementos básicos para atendimento nas UTI’s não só no Brasil como em outros países também. E entra também a questão de custo. Quanto vai custar essa vacina, como ela vai ser disponibilizada para uma demanda tão grande de todo mundo vacinar de uma vez só. No sarampo, por exemplo, a cada ano você vacina uma faixa etária específica de crianças. Diferentemente dessa que será para todos. E mesmo no caso de sarampo, que não precisamos fazer uma megaoperação de vacina, 140 mil
crianças morrem no mundo por falta de proteção, por não receberam a vacina. O acesso à vacina é tão crítico quanto a existência dela. É um processo mais global. Não basta ter a vacina e começar a produzi-la. É preciso que a vacina chegue nas pessoas na época adequada. E todos nós não podemos pensar em proteger só uma parcela da população e achar que o problema está resolvido. É preciso que a gente atinja realmente toda a população. EPSJV/Fiocruz: A participação da Fiocruz traz algum tipo de prioridade para os brasileiros no acesso à vacina? Manoel Barral: É claro que há uma vantagem nesse caso porque a própria Fiocruz está se preparando para produzir localmente. Então isso faz com que a gente tenha uma garantia de acesso. É importante lembrar que houve até interceptação de aviões para pegar carga de respiradores… Uma situação semelhante a essa pode acontecer com a vacina. Os países poderosos vão querer garantir as doses de vacina. Isso mostra mais do que nunca como é importante para um país ter ciência e tecnologia produzidas localmente. A gente vai ter uma certa vantagem na vacina porque temos capacidade de produção. Se o material fosse produzido nos Estados Unidos, na China ou na Inglaterra, evidentemente, que iríamos receber muito pouco até que eles conseguissem vacinar quase toda a sua população. Esse é um elemento que a OMS [Organização Mundial da Saúde] tenta adequar, discutindo e colocando em questão o acesso universal, mas se a gente não tiver uma produção em massa e viável, evidentemente que os países vão acabar saindo desses esquemas cooperativos e defender o seu quinhão primeiro. É necessário pensar nessa crise e no futuro. Se a gente não investir em ciência e tecnologia nacional, se a gente não tiver alternativas nossas com capacidade de desenvolvimento de uma vacina do zero e de produção local, a gente tem uma dependência muito grande no contexto internacional. Vários países da Europa e o próprio Estados Unidos têm tomado medidas de produzir novamente insumos que a China passou a centralizar a produção, por conta do preço como máscara de proteção, entre outros
itens. Tudo isso faltou no mundo porque só quem produz hoje é a China, e em alguns casos, a Índia. Mas como isso começou na China, eles fecharam essa remessa para ter disponibilidade local, além de todo impacto que teve em suas próprias fábricas etc. Se a gente não tiver essa visão de que a produção local continua sendo importante para essas situações de emergência internacional isso também é um elemento de fragilidade. Não precisa ser nada muito sofisticado. Não é para fazer grandes drogas. Ou drogas novas, ou vacinas novas, mas a produção local é importante até por essa questão de pane no sistema de logística internacional por uma razão como uma emergência sanitária como essa. Claramente a gente tem que repensar nosso sistema de produção no complexo industrial da saúde. Tanto o desenvolvimento científico e tecnológico quanto a produção local são estratégias que vimos com essa experiência que são importantes e devem ser fortalecidos. EPSJV/Fiocruz: Estamos com três vacinas, digamos, mais midiáticas que são a de produção em parceria com a China, a da Rússia e essa da Fiocruz. Queria que o senhor pudesse esclarecer algumas questões relacionadas a elas que circularam nas redes sociais. Existe vacina sendo realizada com feto humano? Qual é a questão de segurança da vacina russa? Podemos dizer que uma é mais segura que a outra? Manoel Barral: Essa questão de que temos vacinas de produção de vacinas com substâncias mais estranhas não têm nenhuma base. Todo esse processo de produção de vacina hoje é muito conhecido. E seria muito mais caro esse processo se pensássemos em produzi-las com feto ou coisa assim. Tudo isso é uma produção que depende muito de química e bioquímica que já está muito estabelecido, barato e seguro se produzir da forma que já se conhece do que começar uma produção. A gente tem vacinas, como a da febre amarela, que usa ovo de galinha porque são vacinas desenvolvidas há muitos anos, quando não se tinha o desenvolvimento que tem hoje e ainda nos dias atuais não existe investimento para modernizar essa vacina. Mas hoje não tem a menor lógica
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Ciência pensar que uma vacina será desenvolvida por uma metodologia igual a de muitos anos e não vai utilizar toda tecnologia disponível. Seria completamente ilógico uma vacina dessa. Não interessaria a ninguém. Nem ao produtor. Sobre a segurança da vacina, hoje não podemos afirmar que uma é mais segura que a outra porque nenhuma vacina chegou ainda na conclusão da fase 3. O processo de produção de uma vacina envolve as fases que têm sido muito faladas: a fase 1 que você testa em poucas pessoas e atesta se a vacina não causa muitas lesões, se ela não causa uma febre absurda. É um produto que está sendo inventado. Não é uma vacina ainda. Na segunda etapa, a fase 2, você expande isso para um maior número de indivíduos e passa a avaliar também o efeito no homem, no sistema imune humano. Já na fase 3, que é a fase que deve ser testada em dezenas de milhares de pessoas, você se certifica que a vacina é uma substância que não dá reações adversas importantes e é capaz de induzir uma resposta imune boa, correta, protetora. E é nessa fase que tem uma variedade de pessoas que você pode ver outras reações mais raras, que não dá para ver nas fases anteriores. O grande problema que a comunidade científica está enfrentando agora é a pressão da sociedade quanto dos políticos para reduzir a fase 3. Já na avaliação da vacina russa não há nenhuma evidência que ela seja melhor ou pior do que as outras. O que a comunidade científica tem criticado é o fato dos resultados das primeiras fases não terem sido divulgados como todas as outras candidatas. E isso é um pacto internacional. Mas não podemos dizer que ela não protege ou é danosa, a comunidade científica só não sabe quais foram eles, portanto, gera especulação. EPSJV/Fiocruz: Existem dois conceitos que é o de bloqueio de infecção e de doença. Há alguma diferença entre eles para o retorno às aulas? Manoel Barral: Quando a gente consegue bloquear a infecção significa que as pessoas não vão conseguir transmitir. Se a vacina só proteger da doença a pessoa pode estar infectada e transmitir. Isso, portanto, não é tão eficiente para ter uma proteção comunitária do vírus. A vacina que bloqueia a infecção vai ter uma efi-
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ciência muito maior no sentido de diminuir a transmissão e proteger os indivíduos que ainda não foram vacinados. EPSJV/Fiocruz: Podemos dizer que estamos vivendo a imunidade comunitária? Isso pode ser considerada uma estratégia sem vacina? Manoel Barral: Quando um vírus chega numa comunidade em que nunca ninguém havia tido contato com o vírus antes, todos ficam suscetíveis a pegar a doença. Então, se alguém se infectar, ele tem condições de transmitir para uma, duas, dez pessoas. Isso que se chama taxa de transmissão do vírus. Uma coisa que se demonstrou e que foi bastante verificada é que ele tem uma taxa de transmissão muito elevada. Então, se você chega numa comunidade onde ninguém está protegido, a chance de transmitir é muito alta e rápida. Quando você tem uma parte da população que está protegida, e isso também se faz com a exposição ao vírus, e o corpo faz sua resposta imune isso vai diminuindo a possibilidade de infecção do vírus. Imunidade comunitária é quando muitas pessoas forem resistentes menor a chance do vírus se espalhar. Você tem duas maneiras de atingir isso. Uma delas é muita gente ficar infectada. O problema é que você terá muita gente sofrendo, muita gente morrendo para chegar num nível necessário para a proteção. A forma mais segura de chegar à imunidade comunitária é ter isso através da vacina porque as pessoas se protegem sem o risco. A imunidade desenvolvida naturalmente é um risco muito elevado. E, portanto, não pode ser vista como solução de chegar à imunidade comunitária com a exposição natural. Ainda mais com uma doença grave como essa que mata. Se fosse uma doença que não tivesse mortalidade, que casos graves fossem raros, ainda seria questionado, mas
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numa situação como essa não é razoável falar de imunidade comunitária atingida por infecção. EPSJV/Fiocruz: A vacina deve ser encarada como um pacto social? Manoel Barral: A vacinação obrigatória teria justificativa para alguns casos sanitários, mas isso realmente é uma outra esfera. Sempre temos que fazer o equilíbrio entre riscos. E no caso da vacina teria que ter condições sociais e políticas para torná-la obrigatória. Do ponto de vista científico sanitário faz todo sentido que a gente tivesse uma forma mais efetiva de vacinação. Para ilustrar, um jovem infectado com o grau de doença mais leve poderia pensar em não tomar vacina, mas ele estará prejudicando outras pessoas que teriam a possibilidade de se proteger, caso ele não tivesse a infecção. É uma responsabilidade social. Não é uma doença que fica só para você. Então, claramente, você tem que proteger os outros também. Mas, ainda que não haja compulsoriedade da vacina, o esforço governamental deve ser feito de forma a vacinar em grande quantidade e convencer a população desse benefício. Os mitos em relação a vacina deveriam estar sendo desconstruídos e os benefícios, que são fáceis de comprovar, sendo divulgados. A vacinação é, talvez, a medida mais importante do século 20 e que permitiu a sobrevivência de pessoas, aumento da expectativa de vida e tem um impacto na qualidade e sobrevida das pessoas extremamente importante. Você deixar de convencer as pessoas de tomar a vacina não é uma boa medida no âmbito da educação em saúde. Deveria ter um esforço oposto a isso, de convencimento da importância e segurança que a vacina confere, mesmo que não obrigatório, por meio de vários meios educacionais.
ISABELLA ARARIPE
NN
Ecoturismo
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PREFEITURA DE TERESÓPOLIS/DIVULGAÇÃO
ERICK CALDAS XAVIER
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Maior trilha aquática do Brasil Parque da Serra dos Órgãos é reaberto O Parque Nacional da Serra dos Órgãos, administrado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), foi reaberto para visitação, com regras, obedecendo todas as orientações e medidas de prevenção, conforme recomendação do Ministério da Saúde e da OMS. O acesso só será permitido mediante agendamento prévio, com antecedência mínima de 48 horas de sua visita. O uso de máscara de proteção também é obrigatório. Mais informações: https://bit.ly/2HCizd9
A Rota dos Pioneiros, maior trilha aquática do Brasil, está retomando suas atividades. No Paraná, passeios de caiaque pelo rio voltaram a ser oferecidos por guias locais. Além disso, voluntários retomaram o trabalho de sinalização e demarcação do percurso para ampliação da trilha, que percorre o Rio Paraná e seus afluentes e conecta unidades de conservação do Oeste e Noroeste e também no Mato Grosso do Sul e São Paulo. A previsão é que a trilha de longo curso passe a ter 400 quilômetros de extensão e que este trecho seja percorrido de caiaque ao longo de dois dias, passando por ilhas e canais em uma região rica em biodiversidade e vegetação. DIVULGAÇÃO
SETUR-ES/DIVULGAÇÃO
Aruba anuncia medidas para turismo mais sustentável Pedra Azul reabre no Espírito Santo
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O Parque Estadual da Pedra Azul, em Domingos Martins, no Espírito Santo, já está recebendo visitantes, seguindo os protocolos sanitários. A Pedra Azul, que dá nome ao parque, é o cartão-postal da serra capixaba A visitação é feita em dois turnos, de 50 visitantes cada, das 8h às 11h e de 13h às 16h. É necessário agendamento prévio, pelo telefone (27) 3248-1156.
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No Parque Nacional Arikok, tesouro nacional de Aruba, foram tomadas novas medidas de proteção à natureza, promovendo um turismo mais consciente e sustentável, incluindo a criação de experiências digitais para ajudar a reforçar o distanciamento social, como visitas virtuais guiadas, e diretrizes para limitar o tamanho das caravanas e reduzir o fluxo de pessoas. Os planos incluem ainda a promoção de programas de aventura sustentáveis e de baixo impacto, com foco na conectividade e acessibilidade para todas as operadoras de turismo ligadas ao parque.
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Logística reversa
Vivo cria movimento sustentável para recolher mais de 9 toneladas de resíduos eletrônicos
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De São Paulo
mpresa neutra em carbono e comprometida em gerar impacto positivo no meio ambiente, a Vivo lança um movimento para estimular o consumo consciente e a sustentabilidade. Na campanha Recicle com a Vivo, lançada em setembro, a marca convida a sociedade a refletir sobre as ações necessárias para tornar o mundo mais sustentável e incentiva o descarte correto do lixo eletrônico, que pode ser feito diretamente nas lojas da Vivo. Com o mote “A Vivo cuida do seu lixo eletrônico e juntos cuidamos do meio ambiente”, a marca quer engajar o consumidor a fazer parte desse movimento, ampliando a destinação correta e a reciclagem de materiais como aparelhos de celular, cabos, tablets e notebooks no Brasil. Segundo o relatório The Global E-waste Monitor 2020 da ONU, o Brasil foi o quinto país que mais produziu lixo eletrônico em 2019, ficando atrás apenas da China, EUA, Índia e Japão. “Como marca comprometida com a sustentabilidade e conectada a assuntos relevantes e atuais, queremos envolver os consumidores e engajá-los na reciclagem de resíduo eletrônico, que é de grande relevância para o planeta”, revela a diretora de Imagem e Comunicação da Vivo, Marina Daineze. Em 2019, as lixeiras do programa Recicle com a Vivo receberam o equivalente a 113 mil itens eletrônicos, entre celulares, cabos e baterias. Com esse novo projeto, o objetivo é ampliar em pelo menos 20% este volume em 2021, fortalecendo as iniciativas da Vivo voltadas ao consumo responsável.
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O movimento será apresentado ao público em uma nova campanha que convida as pessoas a participar dessa iniciativa e mostra como o descarte consciente e correto pode ser acessível em todas as lojas Vivo. A novas lixeiras estarão presentes nas lojas em todo o Brasil com uma nova identidade visual para o programa “Recicle com a Vivo”. Ações com influenciadores e grupos de afinidade nas redes sociais também fazem parte da estratégia de divulgação. Toda a identidade visual do movimento é uma criação da agência Africa. A Vivo foi pioneira no setor a implantar, ainda em 2006, um programa de logística reversa, o Recicle com a Vivo, e oferecer aos clientes e não clientes a coleta e destinação de equipamentos eletrônicos que estão sem uso. Por meio da iniciativa, a empresa mantém pontos de coleta disponíveis em lojas e revendas em todo o País e dá aos consumidores a opção pelo consumo responsável. Desde que foi implantado, o programa já recolheu quase 5 milhões de itens, sendo mais
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de um milhão de celulares e garantiu a destinação adequada de 111 toneladas de resíduos, que voltam para a cadeia produtiva sob a forma de matéria prima para produção de equipamentos como novos cabos e baterias. “O movimento pela economia circular ganha ainda mais relevância à medida em que o consumo aumenta e os recursos naturais tornam-se cada vez mais escassos”, afirma a executiva de Sustentabilidade da Vivo, Joanes Ribas. “Como empresa atuante em Governança Ambiental, Social e Corporativa, a Vivo cumpre seu papel de forma eficiente na cadeia produtiva e alinhada aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS)”, revela a executiva. O valor que resulta da reciclagem do lixo eletrônico é destinado à Fundação Telefônica Vivo, que desenvolve projetos de formação e fluência digital voltados para educadores e alunos. Como Funciona o Descarte Em todas as lojas da Vivo é pos-
do de usados. Dessa forma, a Vivo amplia o acesso dos clientes às novas tecnologias e dá ao equipamento usado uma destinação adequada.
sível encontrar lixeiras identificadas para o descarte de resíduo eletrônico. Qualquer pessoa, sendo ou não cliente Vivo, pode descartar cabos, celulares, baterias e carregadores que não utiliza mais. A operadora recomenda que antes de deixar seu smartphone, o consumidor remova o SIMCARD e todos os dados pessoais do aparelho, como mensagens, fotos e vídeos, garantindo assim a privacidade dos seus dados. Clientes dos serviços de banda larga e TV por assinatura também podem levar às lojas Vivo equipamentos como modem/roteador e decodificadores. Neste caso, é necessário preencher um Termo de Devolução junto ao Consultor de Venda na loja. https://www.vivo.com. br/para-voce/ajuda/resolva-agora/ devolucao-de-equipamentos. Processo de Reciclagem Smartphones, carregadores e baterias depositados nas lixeiras especiais são coletados por empresa especializada certificada, a GM&C, que faz a coleta, transporte armazenagem, separação materiais, como metais ferrosos, não ferrosos, baterias, vidros e plásticos, de acordo com a legislação ambiental. Na fábrica de reciclagem, os materiais são transformados em matéria prima para serem novamente inseridos na cadeia produtiva. Vale destacar que os equipamentos são 100% reciclados e nada vai para aterro. O que não é aproveitado para produção vira fonte de energia para a
indústria. Todo o processo e parceiros são auditados e homologados em atendimento às normas e legislações ambientais. No caso de modens e decodificadores, os operadores de logística da Vivo recolhem o material, que passa por uma avaliação minuciosa do equipamento, para que ele seja higienizado e possa voltar a proporcionar conexão em outra casa. Caso não estejam em condições de reuso, estes itens também são destinados à reciclagem. Outras iniciativas A Vivo mantém ainda diferentes iniciativas de estímulo ao consumo responsável para permitir aos clientes e não-clientes uma experiência cada vez mais sustentável dentro das lojas e ao consumir produtos e serviços da operadora. Vivo Renova No programa Vivo Renova, clientes que querem trocar seu aparelho em bom estado por modelos mais novos podem optar pelo programa que oferece descontos em smartphones mediante a entrega do aparelho usado. Em 2019 foram recolhidas neste programa 16,7 toneladas de aparelhos, o equivalente a 114,5 mil itens. Desde o início do projeto em 2013, quase 300 mil celulares foram substituídos, um total de 41,60 toneladas. Os aparelhos em bom estado são recondicionados e comercializados por empresa parceira no merca-
Selo Ecorating para smartphones A Vivo foi pioneira em trazer para o Brasil o selo EcoRating, que classifica com uma nota de 0 a 5 o impacto ambiental dos smartphones considerando mais de 100 critérios socioambientais. A avaliação, desenvolvida pela ONG Forum for The Future, do Reino Unido, disponibiliza aos clientes uma opção de compra mais sustentável. Atualmente, a Vivo possui mais de 130 modelos de aparelho com o selo EcoRating em seu portfólio. Acessórios Sustentáveis Da mesma forma, a Vivo oferece produtos sustentáveis no segmento de acessórios, que vão desde capinhas biodegradáveis para smartphones, feitas a partir de resíduos de materiais naturais como cascas de cebola e cenoura, serragem, aveia e terra, que se decompõem na natureza em até 1 ano após o descarte -, até soluções inteligentes que auxiliam no consumo de energia elétrica, como plugues e adaptadores de tomada inteligentes, smart lâmpadas wi-fi, controle remoto smart. Eles permitem que o cliente acione ou desligue os equipamentos de sua casa de qualquer lugar, via aplicativo instalado no smartphone. Venda Sustentável e Conta Digital A Vivo também oferece aos clientes a Venda Sustentável, na qual os contratos são assinados de forma digital por meio de tablets. Os clientes podem acessá-lo a qualquer instante pelo app Meu Vivo ou ainda recebê-lo por e-mail. Da mesma forma, a Vivo incentiva que o cliente opte por receber sua fatura na opção Conta Digital, o que reduz drasticamente o consumo de papel e ainda pode resultar em bônus de internet no celular dos clientes. As lojas da Vivo também já trabalham com o sistema de Paper Less, com vitrines digitais para comunicar as ofertas dispensando, o uso de papel na positivação, folders ou contratos.
Turismo
TIRADENTES reabre para turistas Texto e fotos de Luciana Tancredo, de Plurale De Tiradentes (MG)
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iradentes, uma das mais icônicas e procuradas das cidades que compõem a famosa Estrada Real, sofreu bastante com a pandemia da Covid-19. Tombada como patrimônio histórico e artístico Nacional, a cidade vive quase que exclusivamente do Turismo e passou “aperto” durante os cinco meses em que ficou fechada. Durante o período no qual a cidade esteve fechada aos turistas, a Prefeitura de Tiradentes trabalhou na restauração do acervo do patrimônio histórico e cultural da cidade. Em parceria com o Instituto Histórico e Geográfico de Tiradentes, o município remodelou várias igrejas e pontos turísticos, dando nova identidade visual. Vários restaurantes e pousadas fecharam as portas e muitos tiveram que se reinventar para sobreviver. Lojistas viveram das vendas on-line. E agora, recém-aberta para os turistas, ainda se adapta aos novos protocolos de segurança. Nas pousadas, o café da manhã é servido com o necessário afastamento das mesas ou até no jardim, ao ar livre. A limpeza dos quartos passou a não ser mais diária, apenas quando o hóspede solicita. Nos restautantes além do número reduzido de mesas, álcool gel é presença obrigatória. Todo mundo passeia de máscara, até nas famosas charretes que levam o turista por um tour pelos principais pontos de interesse da cidade. Em setembro, quando lá estivemos, as igrejas ainda permaneciam fechadas à visitação e as fotos agora só com as portas fechadas. Mas o casario antigo, a natureza, os pássaros, as borboletas e as flores continuam encantando quem vai a procura de um descanso. O novo normal chegou à boa e histórica Tiradentes. Recomendamos a visita!
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POR LUCIANA TANCREDO, DE TIRADENTES (MG)
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Turismo
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POR LUCIANA TANCREDO, DE TIRADENTES (MG)
OSCAR ARARIPE LANÇA NOVA COLEÇÃO: TIRADENTES REDIVIVA O artista Oscar Araripe, 79 anos, é carioca de nascimento, mas um cidadão do mundo sempre de alma leve como cabe a todos os poetas. O pintor paisagista autodidata - jornalista e escritor de formação - conheceu as cores e as composições ainda garoto, nas pipas que aprendeu a fazer no subúrbio carioca. Ganhou fama e amigos em mais de 100 exposições por diferentes pontos do Brasil e do mundo, como na China, Itália e a mais recente na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos: para lá foi convidado a voltar, em 2019 para dialogar com alunos, onde já foi também como aluno-convidado em 1968. Bacharelou-se em Ciências Jurídicas e Sociais em 1968 pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, foi eleito para o Centro Acadêmico Cândido de Oliveira (CACO), e militou no movimento esquerdista Ação Popular (AP). Foi anistiado em 2012 pelas punições sofridas nos anos de Ditadura. Foi jornalista cultural no Correio da Manhã, Jornal do Brasil e Última Hora. Escreveu China, o Pragmatismo Possível em 1974 e editou, com o arte-educador Augusto Rodrigues, o jornal Arte & Educação. Autor da trilogia literária Maria, Marta e Eu, sua obra
foi analisada pelo crítico literário e diplomata Antônio Houaiss, pelo crítico e acadêmico Eduardo Portella, pelo crítico e poeta José Paulo Moreira da Fonseca e pelo escritor Márcio Souza. Em Tiradentes fincou raízes e criou família. Lá estão a sua casa, a Galeria e Fundação, com foco no ensino e exposições. Na pandemia, viu a cidade se esvaziar do burburinho de turistas e visitantes. Mesmo assim, continuou a criar. Nascia a coleção “Tiradentes Rediviva”. Oscar nos conta como foi este processo de criação, em um texto que elucida o isolamento, a dor e o medo, mas também a esperança e a solidariedade:
“De repente, fantasmagórica, a grande cidadezinha tira o homem da paisagem. O silêncio, imenso, resplandece o belo casario imortal. Só os sinos da Matriz, tímidos, longínquos, anunciam as horas, que logo calam. Soberanos, multiplicados, os pássaros encantam, e as borboletas ressurgem em sonhados panapanás. Como sempre, a vida coexiste e se insinua na morte. O Outono é invernal, mas o céu é de anil, como nunca, e as flores florescem a bonança, que há de ser florida. Indiferente, brilha o Sol que outrora brilhou, quase sem calor, enquanto a Nova Humanidade, tão esperada, parece sorrir. Só as flores podem vencer os fantasmas.”
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Turismo
Salve a linda pequena Grande cidadezinha que se aninha Na Serra de São José de Tiradentes, Magnífica, Verde, preta e branca, A colorir seu casario sempre branco. Quantos santos! José, Antônio, João e Francisco, Quantas igrejas! barrocamente simples, E ricas, como o chão que a sustenta... Heróica Tiradentes de Tiradentes, Inconfidente e confidente, Sua história, sua gente, Amo. Oscar Araripe
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POR LUCIANA TANCREDO, DE TIRADENTES (MG)
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Cultura
Marina Abramovic
recria em ópera o universo emotivo de Maria Callas Por Maurette Brandt, Especial para Plurale Fotos - Divulgação - Cortesia Bayirische Staatoper
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orquestra da Ópera Estadual da Baviera está a postos em seu fosso. Alguns pequenos coros escondidos em camarotes revelam suas sombras na contra-luz. O jovem e atirado maestro Yoel Gamzou se concentra em movimentos arrebatados. Em tempos pandêmicos, o Teatro da Ópera Estadual da Baviera, em Munique, recebe, com todos os preceitos do isolamento social, a mais recente obra da polêmica e sempre interessante Marina Abramovic, Sete mortes de Maria Callas. Entre ópera, vídeo e atmosferas visuais, o espetáculo não cabe em definições precipitadas: aliás, ele se precipita literalmente sobre nós sem cerimônia alguma – e se estende, com a maior delicadeza e contundência possíveis, por todo o teatro e além dele, até aonde a vista e a sensibilidade alcançam. - Não sei o que estava fazendo, mas estava na cozinha com minha avó – e lembro que congelei. O tempo parou literalmente; nada se movia. Coloquei o rádio no volume máximo e aquela voz foi simplesmente preenchendo o espaço... havia eletricidade no ar – foi assim que Marina descreveu seu primeiro contato com Maria Callas, em conversa com Nikolaus Bachler, diretor da Ópera Estadual da Baviera. A concepção de Marina para o espetáculo Sete Mortes de Maria Callas é fruto de uma longa obsessão, como explica no website do Marina Abramovic Institute – MAI: - Há 31 anos que desejo fazer um trabalho dedica-
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do à vida e à arte de Maria Callas. Li todas as suas biografias, ouvi sua voz extraordinária e a vi no cinema. Uma sagitaria, como eu. Sempre fui fascinada por sua personalidade, sua vida – e por sua morte. De todo o conhecimento e interesse que acumulou, Marina concluiu que Maria Callas morreu por amor. E como a ópera, seu lugar no mundo, está cheia de personagens que morreram também por amor, Marina foi buscar essa conexão entre vida e
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arte: encenou sete mortes de Maria Callas no palco, que culminam com sua morte real, sozinha em seu vasto apartamento em Paris, vítima de um ataque cardíaco, aos 54 anos. São sete formas de morrer de amor no palco, associadas a sete óperas lendárias do repertório de Callas: doença incurável (La Traviata), saltando para a morte (Tosca), estrangulamento (Otello), hara-kiri (Madama Butterfly), esfaqueamento (Carmen), loucura (Lucia di Lamer-
moor) e incendiada (Norma). Duas delas – Carmen e Otello – não foram vividas por Maria Callas no palco, mas foram registradas em magníficas gravações em áudio, aclamadas pela crítica especializada na época de seu lançamento. Sete cantoras escolhidas a dedo interpretam no palco árias dessas óperas, enquanto Marina/Callas reflete, em sonho, sobre sua vida, deitada em sua cama. Vídeos criados e encenados por Marina Abramovic, com a participação do ator Willem Dafoe, recontam a história de cada uma das personagens. Nesses vídeos, Dafoe simboliza Aristóteles Onassis, o armador grego que partiu o coração de Maria Callas. – Nos vídeos está sempre me matando, enquanto personagem, de várias formas– explica. – É uma analogia, mas bem real. Em cena O time de intérpretes é de tirar o fôlego: Hera Yesang Park vive Vio-
letta Valéry, da Traviata; Tosca é encarnada por Selene Zanetti; Desdêmona, de Otello, é interpretada por Leah Hawkins. Cio-Cio-San, a Madama Butterfly, é interpretada por Kiandra Howarth; Nadezhda Karyazina é Carmen, da ópera homônima; Adela Zaharia é Lucia; e Norma é vivida por Lauren Fagan. Para criar a música do espetáculo, Marina Abramovic convidou o compositor Marko Nikodijević, um dos mais proeminentes da música contemporânea atual. Marina Abramovic e Peter Sklavan assinam o texto. A artista assumiu também a direção, com a colaboração da co-diretora Lynsey Peisinger (veja todos os créditos no final). De morte e ressurreição Em entrevista ao site Dazed (www.dazeddigital.com), conduzida pela repórter Emily Dinsdale em setembro último, por ocasião da
estreia, Marina conta que quis falar da questão do coração partido, mas também da cura. – Maria Callas sempre mexeu muito comigo – conta. – Vivi uma experiência muito parecida com a dela, de desilusão amorosa e coração partido. Ela morreu, mas eu não, e meu trabalho realmente me salvou. Sempre quis tratar desse tema, porque a questão de morrer por amor está sempre presente. Todos nós já passamos por pelo menos uma experiência de amar tanto a ponto de querer morrer – ou a gente não morre, mas fica de coração partido – diz. Para Marina, a ideia de morrer por amor é muito romântica, mas precisa ser curada. – A cura é muito importante para mim. Quando a gente faz alguma coisa para tratar o coração partido e passa por essas emoções pesadas, sai da tormenta curada. Um dos efeitos deste trabalho deve ser mostrar às pessoas que sempre podem projetar nessa obra os seus próprios sentimentos e podem se curar. O co-
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Cultura FOTOS - DIVULGAÇÃO - CORTESIA BAYIRISCHE STAATOPER
ração partido precisa de tempo, mas é possível passar por tudo e sair curado no final da travessia – resume. Uma ópera encenada em plena pandemia Para quem nunca desiste de uma ideia, o tempo não conta. Marina Abramovic levou 12 anos para conseguir permissão para cruzar a Muralha da China, mas conseguiu. No entanto, sentiu que era urgente encenar Sete Mortes no meio da pandemia. - Tivemos sucesso em realizar os ensaios da ópera com o distanciamento social. Fui testada oito vezes durante os ensaios. Todo o elenco da ópera – 600 pessoas – era testado semanalmente no teatro. Cada pessoa que entra ainda usa máscara, respeita distanciamento social e todos nós somos testados. Os alemães levaram
isso a um outro nível. Nos Estados Unidos você é testado e os resultados levam de 5 a 7 dias para sair – e já estão velhos. Então, aqui, temos excelentes condições para trabalhar convivendo com o vírus e mantê-lo em perspectiva – conta. Estreia e percurso Sete Mortes de Maria Callas estreou no Teatro da Ópera Estadual da Baviera em 1º de setembro, com apresentações nos dias 3, 5 (transmissão ao vivo), 6 e 7. Durante 30 dias o espetáculo ficou disponível gratuitamente no site STAATSOPER.TV e, em 2021, fará uma turnê por Florença (Maggio Musicale Fiorentino), Atenas (Ópera Nacional da Grécia), Berlim (Ópera Alemã) e Paris (Ópera Nacional). As datas ainda não foram marcadas.
CRÉDITOS DO ESPETÁCULO Direção e cenários: Marina Abramović Co-direção: Lynsey Peisinger Regente: Yoel Gamzou Música: Marko Nikodijević Libreto: Petter Skavlan e Marina Abramović Direção de filmagem: Nabil Elderkin Intermezzos visuais: Marco Brambilla Design de Som: Luka Kozlovacki
Figurinos: Riccardo Tisci para Burberry Concepção do Design de Cenários: Anna Schöttl Iluminação: Urs Schönebaum Dramaturgia: Benedikt Stampfli Corais: Stellario Fagone Atriz cinematográfica e performance: Marina Abramović Ator cinematográfico: Willem Dafoe
Cantoras e personagens Violetta Valéry: Hera Hyesang Park Floria Tosca: Selene Zanetti Desdemona: Leah Hawkins Cio-Cio-San: Kiandra Howarth Carmen: Nadezhda Karyazina Lucia Ashton: Adela Zaharia Norma: Lauren Fagan Orquestra da Ópera Estadual da Baviera (Bayerisches Staatsorchester) Coro Extra da Ópera Estadual da Baviera (Bayerischen Staatsoper)
ENTREVISTA: ANTONIO BENTO Bailarino, ator e grande aficionado de ópera, Antonio Bento classificou como incrível o espetáculo Sete Mortes de Maria Callas. - É, de longe, a melhor obra que conheço da Marina Abramovic – diz. – É uma ópera criada por uma mulher que não é poeta nem musicista; ela chamou um grupo, mas a ideia inteira da ópera estava em sua cabeça. Tem a marca da Abramovic, com relação a isto não resta a menor dúvida. Sua visão operística é muito mais de instalação, mas eu diria que é uma ópera absolutamente contemporânea. Antonio gosta muito da concepção do espetáculo. – Ali estão as duas – ou as três – Callas; a primeira é a Callas vista pelo repertório que cantava; a segunda Callas é a própria Abramovic, que aparece nos curtas, nos quais interpreta as árias da forma que achou melhor, acompanhada por essa maravilha de ator que é o Willem Dafoe. E a terceira é a Callas vivendo a própria morte, na pele de Marina. Para Antonio, as cantoras escolhidas são extraordinárias, mas ele visualiza, no futuro, uma nova filmagem, desta vez com estrelas absolutas da ópera. – Achei interessante as cantoras estarem vestidas como funcionárias de hotéis de luxo, e depois todas elas entrarem para fazer faxina no quarto da Callas após sua morte (Marina explicaria, numa entrevista, que o figurino das cantoras reproduz o de Bruna, go-
vernanta de Callas e sua grande amiga, para quem deixou todos os seus bens). – Mas em se tratando de Callas, eu sugeriria uma filmagem com grandes estrelas - imagina. Do ponto de vista musical, Antonio destaca a composição de Marko Nikodijević, que tem tido sucesso na Europa. – Ele tem escrito música para muitos espetáculos, mas acho que este é seu primeiro trabalho para uma ópera, ou seja, com música dramática. A abertura é impressionante, assim como algumas intervenções feitas na primeira parte. Já na segunda parte é puramente a música composta
por ele, já no apartamento da Maria Callas. Para mim, é interessantíssima a música original criada para a ópera, porque as árias famosas nesse caso não contam, fazem parte da cena. - Depois de assistir um espetáculo em estreia mundial, a gente sempre se pergunta: qual é a sensação? Eu diria que, aqui, a sensação é de dever cumprido – da Marina. Pois a obra-prima, aqui, é Maria Callas, nisso eu e Marina concordamos. A intenção dela era fazer um espetáculo homenageando a Callas, por todo o amor que tem por ela. E isso ela conseguiu. Imagina, ter mexido com um “monstro” e sair ilesa, ou seja, sem queimaduras? Eu, por exemplo, acho Maria Callas a maior figura das artes cênicas de todos os tempos. Nós temos grandes atores, grandes cantores, mas num contexto absoluto, aí está o mito maior, que é Maria Callas, que ultrapassa todo mundo. Enfim, não tem paralelo. Então é a sensação de dever cumprido, uma vitória para a Abramovic e para nós, que assistimos. Porque não é brincadeira fazer um espetáculo como este e sair com um resultado bastante positivo, como ela saiu – resume.
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CINEMA
Verde
ISABEL CAPAVERDE
i s a b e l c a p a v e r d e @ p l u r a l e . c o m . b r
A verdade por trás do sorriso dos golfinhos O documentário “Enganado por um Sorriso” mostra a realidade em que vivem golfinhos mantidos em cativeiro para o entretenimento, rebatendo o discurso da indústria, que movimenta cerca de 5,5 bilhões de dólares todos os anos. O documentário conta com a participação de Lorena Lopez, ex-treinadora de golfinhos no México que, após 10 anos trabalhando para o entretenimento, hoje dedica a vida para defender os animais das barbaridades do setor. Em parceria com a ONG Proteção Animal Mundial, o documentário revela situações como a redução do espaço que ocupam. Animais que na natureza ocupam uma área superior a 100 quilômetros quadrados, em cativeiro ficam confinados em tanques de concretos 200 mil vezes menor. Para assistir o documentário vá ao You Tube no endereço: https://www.youtube.com/watch?v=WHNyQSH4HUg
Racismo e intolerância no Carnaval “30 Dias - Um Carnaval entre a alegria e a desilusão” é um documentário que investiga o racismo e a intolerância que ameaçam a viabilidade da tradição popular de herança africana, em detrimento aos benefícios econômicos gerados pela festa conhecida mundialmente: os desfiles das escolas de samba no Rio de Janeiro. Dirigido e roteirizado por Valmir Moratelli, o filme narra os preparativos da agremiação Alegria da Zona Sul, formada por integrantes das comunidades Pavão, Pavãozinho e Cantagalo, em Copacabana, há um mês do Carnaval 2019. Despejada do centro do Rio de Janeiro, a Alegria foi sublocada em terreno baldio próximo à apoteose sem a subvenção que custearia o enredo sobre 120 anos da Umbanda. Produção independente, sem recursos públicos investidos, o documentário está sendo exibido no canal por assinatura Prime Box Brasil.
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Vozes do meio ambiente O Filmambiente – que reúne anualmente as melhores e mais recentes produções nacionais e internacionais sobre questões ambientais em exibições gratuitas e legendadas – propôs a convidados, jurados, produtores, palestrantes e parceiros que nesses tempos tão incertos, refletissem sobre o mundo pós-pandemia. São 15 vozes em vídeos de no máximo cinco minutos. Para assistir vá ao site: http://filmambiente.com/site/vozes/
Fica 2020 será realizado em novembro A 21ª edição do Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (Fica 2020), que ocorrerá de 16 a 21 de novembro, em Cidade de Goias(GO) irá inovar. Além do formato, que será totalmente adaptado ao ambiente virtual, a premiação também chega reformulada. Pela primeira vez o festival irá contemplar não só as obras vencedoras, mas também todas as produções que forem selecionadas para a mostra. Mais informações acesse: http://www.fica.go.gov.br/
O impacto do artista na cultura do Brasil Documentário inédito tem como tema Ney Matogrosso e o impacto de sua arte na cultura brasileira. Intitulado “Ney — À Flor da Pele”, apresenta uma antologia audiovisual, composta por entrevistas históricas e clipes musicais, contemplando toda a sua bem-sucedida carreira. Das primeiras aparições públicas no lendário grupo Secos & Molhados, na década de 1970, até os dias de hoje, o documentário mostra a transformação do artista. A roupa e a maquiagem extravagantes dos primeiros anos como cantor dos Secos & Molhados vão sendo deixadas de lado a partir da carreira solo. Em entrevista exibida no filme, Ney comenta que foi tirando a maquiagem aos poucos, a partir do momento em que se sentia mais seguro. Com produção da Nepomuceno Filmes e direção de Felipe Nepomuceno o documentário foi viabilizado pelo Curta! através do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). Para assistir, mais detalhes no site: https://tamandua.tv.br/filme/default.aspx?name=ney_a_flor_da_pele&f bclid=IwAR3PHjb1Lb4Va2Nf0Nntv-teX05XUXFIkgT-4GDiCLuZyqrU2ZMFIbipTKs
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Pelas Empresas
FELIPE ARARIPE
Bradesco adere à iniciativa global para avaliar impactos climáticos dos negócios Banco entra na Partnership for Carbon Accounting Financials, iniciativa de aproximadamente 80 instituições financeiras que somam US$ 13,8 trilhões em ativos
O De São Paulo
Bradesco anuncia sua adesão à Partnership for Carbon Accounting Financials (PCAF), tornando-se o primeiro banco brasileiro a fazer parte da iniciativa. A PCAF é uma colaboração internacional entre bancos, investidores e gestores de fundos com foco em desenvolver uma metodologia para mensurar e divulgar as emissões de carbono geradas pelas atividades financiadas pelas instituições. A participação do Banco na colaboração está em linha com sua estra-
tégia frente às mudanças climáticas e histórico de avanços na gestão do tema na Organização. Desde 2015, o Bradesco faz parte de iniciativas com
o Financial Stability Board (FSB) e a Organização das Nações Unidas (ONU) para estudar os impactos climáticos nos negócios. Em 2019, o Banco foi a única entidade brasileira a participar da construção dos Princípios para Responsabilidade Bancária da ONU, compromisso que busca fortalecer o apoio dos bancos ao Acordo Climático de Paris. Já esse ano, o Bradesco assumiu as metas de, ainda em 2020, ter 100% de suas operações abastecidas por energia de fontes renováveis e de neutralizar 100% das emissões de carbono geradas pelas atividades operacionais da Organização.
Sede da Ball, líder em embalagens sustentáveis de alumínio no mundo, chega a São José dos Campos e reforça seu compromisso com os projetos locais De São José dos Campos (SP)
A sede sul-americana da Ball, líder mundial em embalagens sustentáveis de alumínio, acaba de iniciar suas atividades em São José dos Campos, região do Vale do Paraíba (SP). Respeitando todos os protocolos de segurança estabelecidos pelas autoridades de saúde, a operação no novo escritório começará ainda de maneira gradual e reduzida. A decisão de mudança do Rio de Janeiro para a nova localidade foi pautada pela sustentabilidade do negócio, proximidade a clientes e a outras operações da própria Ball na região. Com a nova sede, a empresa passa a mais de 500 empregos diretos no Vale do Paraíba e mais de 600 indiretos. A Companhia já possui seu centro de serviços compartilhados (Global Business Services) em São
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José dos Campos desde 2018, além de uma de suas plantas de latas em Jacareí (SP), unidade que abriga ainda o Can Experience – maior centro de design de latas do mundo. Produtora da embalagem mais sustentável da cadeia de bebidas, as
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latas de alumínio, a Ball tem a inovação como um de seus principais pilares e chega à cidade almejando contribuir com os demais esforços de inovação da região, que se destaca pelo pioneirismo no desenvolvimento de novas tecnologias.
COB é finalista em premiação do COI por ações de incentivo à igualdade de gêneros Do Rio de Janeiro
O compromisso do Comitê Olímpico do Brasil (COB) em desenvolver ações que proporcionem uma maior equidade de gêneros no esporte foi reconhecido pelo Comitê Olímpico Internacional em setembro. O COI selecionou a entidade nacional como uma das finalistas do Prêmio Mulheres e o Esporte 2020 (Women and Sport), uma homenagem às organizações e
pessoas que realizaram contribuições para o desenvolvimento, incentivo e reforço da participação de mulheres e meninas no esporte através de ações de oportunidade, reconhecimento e empoderamento feminino. “É motivo de orgulho ter o COB selecionado pelo Comitê Olímpico Internacional como umas das entidades finalistas a este importante prêmio. Temos o compromisso de construir um ambiente melhor no esporte não so-
mente para as mulheres, mas para todos. No que tange à igualdade de gênero, nos últimos anos vimos realizando uma série de ações para criar uma cultura inclusiva no esporte brasileiro”, afirmou o presidente do COB, Paulo Wanderley.
DEL VALLE lança primeiro refresco retornável do mercado brasileiro Do Rio
A Coca-Cola Brasil traz ao mercado brasileiro o primeiro refresco em embalagem retornável do país. A marca Del Valle, líder da categoria, será a pioneira com o lançamento de Del Valle Frut, nos sabores laranja e uva, na garrafa PET retornável de dois litros, que pode ser reutilizada até 25 vezes e, se comparado à embalagem descartável de 1 litro, chega a ser até 40%
mais econômico. O produto chegou em agosto, em Manaus, e a intenção é expandir para outras regiões do Brasil em 2021. Em sintonia com a economia circular e de olho nos consumidores, que cada vez mais buscam produtos acessíveis e com menor impacto ambiental, o projeto foi desenvolvido e executado em apenas dois meses.
"Buscamos reproduzir ao máximo o modelo de retornáveis na categoria de refrigerantes. Agilidade e simplicidade foram as premissas desse projeto. Identificamos a demanda de mercado, a oportunidade de negócio e a sintonia com o novo consumidor, que busca produtos que geram menos impacto, dentro do espírito da economia circular", afirma Pedro Rios, vice-presidente de Novas Bebidas da Coca-Cola Brasil.
Em comemoração ao Dia Mundial das Aves Migratórias e ao Dia das Crianças, Instituto Neoenergia e Save Brasil lançam livro de colorir Do Rio
Outubro é um mês mais do que especial para as crianças, com a comemoração de um dia dedicado a elas (12/10). Muitos podem não saber, mas é neste mês que se comemora o Dia Mundial das Aves (5/10) e também das Aves Migratórias (10/10). Em homenagem às datas, o Instituto Neoenergia e a SAVE Brasil criaram o Livro de Colorir-Aves Migratórias, que traz, em linguagem infanto-juvenil, informações curiosas e didáticas sobre seis espécies de aves
limícolas – aves que se alimentam de invertebrados escondidos na lama – das quais cinco são migratórias. Essas aves aparecem em determinadas épocas do ano, na Bacia Potiguar, no estado do Rio Grande do Norte. “Sempre pensamos em desenvolver algo exclusivamente dirigido às crianças, com informações didáticas sobre espécies de aves no Brasil, com fruto de nosso apoio já há cinco anos ao projeto Flyways Brasil, em parceria com a SAVE. O livro tem outro aspecto bem legal, o de ajudar aos pais e responsáveis
na realização de atividades de interação com crianças nestes tempos de aulas online em função da pandemia, mas com um conteúdo bem elucidativo e curioso a qualquer idade. É só imprimir e pintar”, afirma Renata Chagas, Diretora Presidente do Instituto Neoenergia.
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Por Jorge Luiz Valente, jornalista e artista
E
ra uma vez um país que tinha bicho, vida, terra. Besouro, vespa, lesma, laranja, vermelha, branca, preta, amarela, roxo, rosa, sépia. Que tinha verde escuro e claro sobre a relva. Quando ventava, soprava a bem-aventurança nos campos e ali vivia em paz o guaxe, a seriema, o rouxinol. Mamífero, pássaro, réptil, anfíbio. Bicho que voa. Bicho que enterra-se. Bicho que esturra. Bicho de guelra. Bicho que come semente, que come outro bicho, que come planta, que come folha e erva. Bicho de rio, de árvore, de selva. E tinha onça e feras a dar com pau, onde bicava à vontade o pica-pau, que tinha dias e noites de chuva e sol. Que tinha água às vezes verde musgo, às vezes turmalina, às vezes prateada, às vezes azul-marinho, onde se via, cinza e rosa, muito golfinho. E onde o céu de tão azul era azulzinho. Onde até bicho de outra plumagem e latitude ali vinha e, estação em estação, se aboletava e se entocava, a fazer ninho. Havia árvores de grande copa, onde as famílias penduravam seus filhotes. Muito bugio, muito sagui, muito guariba, sempre no cio, sempre a saltar, sempre a nascer e a morrer no próprio ciclo. E lá nos chapadões, muita aranha, tamanduá, bicho peludo, bicho pelado, preá. Uma pá. Bicho dormindo, bicho acordado. De olho aberto, olho fecha-
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do. E na Amazônia seca ou encharcada, abelha que dá mel, boto que dá beijo, preguiça que dá abraço. Índio e índia pelada. Escorpião do mato. Gavião que voa alto, morcego que voa baixo. E sempre havia cantoria: de dia, canta o sanhaço; de noite, a coruja pia; de tarde, papagaio, cacatua, maritaca, canário, pardal, calopsita importada, japira. E a sinfonia do sabiá-laranjeira, chamando ao longe, sedutor e afinado, a companheira. E agora, tudo calado. O fogo é a besta fera. Calcina a terra. A cascavel arrasta o ventre por entre a lava. Estão a salvo só o boi mugidor e a vaca. Berra, aqui e ali, a motosserra. Tudo isso, um dia, vai ser só fotografia? Tudo isso, um dia, vai ser digitalizado? Quem me dera ver de novo o céu anil. E dar uma topada em uma toupeira ou num pau-brasil. Antes, tinha surucucu, jararaca, car-
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ILUSTRAÇÕES DE JORGE LUIZ VALENTE
POEMA DA SALVAÇÃO DA FLORESTA
cará, caititu. Hoje, uma jiboia se enforcou num jatobá. Gato do mato, jaguatirica. Andorinha, cotovia, beija-flor, biguá. A quem irão beijar no meio de tanta dor? Que arca haverá pra lhes salvar do vulcão? Caparam a capivara. Apagaram o vagalume. Garfaram o gafanhoto. Pintaram com o pintassilgo. O socó pediu socorro. A piranha pirou. Corroeu-se a corruíra. A lagarta se largou. O trinca-ferro se ferrou. O mergulhão se afogou. A cambaxirra acabou. A garça se esgarçou. Não se viu o bem-te-vi. A rolinha não rolou. Pra onde foram o colhereiro, o suiriri? E há pouco, uma tarântula atarantada, no afã de se salvar, grudou na língua em brasa de uma sucuri engasgada. Antes, tinha cerrado, pantanal, floresta, canal, praia, baía, rio, restinga, lagoa, lírios, gardênias, flores às pampas, igarapés, ararinhas, ariranhas,
pororocas e bosques com amoras e frutas apetitosas, manacás, begônias, morangos vermelhos, bromélias abertas, joaninhas e centopeias, palmeiras quilométricas, castanheiras altivas e outras diversas plantas, nativas, girassóis soprando ao vento, toda a botânica às margens do Atlântico e do pacífico. Sabiás aqui cantavam como não cantam nos Açores. E gorjeavam os azulões como não fazem na França, em Angola, na Espanha, na Tanzânia, na Transilvânia, em Istambul, na Mongólia, em Seul, na Patagônia e Ucrânia. Antes, abriam as asas as harpias e tinham onde aterrissar no lusco-fusco, das caatingas, dos sertões, nas lonjuras de um pomar, e tinham árvore de onde espiar. Cadê você João-de-Barro? Perdeu a casa e foi viver ao Deus-dará? É tudo agora uma lembrança? É tudo agora um recordar? Cadê você, tucano? Que pena eu
sinto da tua pena e do teu canto. Pra onde foram o uirapuru, o tangará, o tuiuiú, a arara azul? Voar prá onde, se a terra sangra, o fogo inflama? O ar enforca o curió e a urutu, asfixia o tatu bola, resseca o brejo, machuca a flora, cancela a lua, mata o jacu, cala o canário, e o cururu. Cadê você, sapo-kambô? Teu berro agora é uma nota de langor? Cadê você, urubu-rei? Quem se atreveu a destruir o teu reinado? Quem foi o Nero que tacou fogo no teu castelo? Quem violou no Amapá a tua lei? E a abelha-rainha, onde vai reinar? Como fazer o mel em meio ao fogaréu? Ali, havia um jabuti. Aqui, voava um colibri. O helicóptero espantou o coleóptero. O teco-teco abafou o tico-tico. E o trator passou por cima do umbuzeiro. Prá onde foi o tamanduá-bandeira? Onde se esconde o belo urso-formigueiro?
Cadê você, maracajá? A tua casa está em chamas, queimaram o céu, queimaram o chão. Pra onde vai tua família? Pra onde vão os teus bichanos, sem torrão? Cadê você, macaco prego? Pra onde foge o primata inzoneiro? Cadê você, cravo-do-Maranhão e flor de Carajás? O mico leão, aflito, olha pro Norte e se pergunta, prostrado e aflito: até quando, nessa tragédia, terei um lar? Serei, também, nessa epopeia, um homeless? E o que será do Guarani Kaiowá? Como vencer a artilharia, com que arma? Que pode a flecha contra as ondas de um braseiro? Como beber de um rio que é vermelho? Pra que buá se a terra seca, esturricada, já não se pode irrigar com um lamento? Quem aprendeu a combater em campo aberto, como enfrentar numa cilada, num embuste, a naja em forma de um covarde pistoleiro? Cadê você cobra coral, corais tigrados, gambás grudados, os emplumados, corujas grandes, águias gigantes, peixes dourados, tucunarés? Cadê vocês, sapos listrados? Cadê você, ô jacaré? Cadê você, veado-campeiro? Cadê você, ô saruê? Cadê o degradê do sol se pondo, indo e voltando? Quem vai salvar o peixe-boi desse melê? Quem vai salvar o boto e o mico brasileiros? Senhor Deus dos sabiás, dizei-me vós, senhor Deus, se eu deliro ou se é verdade o fim do lobo-guará? Ó floresta milenar, por que não apagas com a força das tuas matas de teu chão esse tição?
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I m a g e m FOTO DE ANA LÚCIA ARAÚJO
A
creditamos que as palavras e os sentimentos verdadeiros têm força. Assim, desejamos a todas e todos que 2021 seja um ano de renovação, após este ano tão difícil com a pandemia, de partidas e privações. Renovação da fé, do propósito, da esperança, da amizade e dos laços fraternos que nos unem. Esta imagem da fotógrafa carioca ANA LÚCIA ARAÚJO - professora de tantos futuros jovens jornalistas e publicitários - traduz este nosso desejo. Uma orquídea que a presenteamos há quase quatro anos e que está linda, renascendo e florescendo a cada período. Paz e bem! Harmonia e luz! Feliz 2021!
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ABRAPP - ABVCAP - ANBIMA - ANCORD - APIMEC NACIONAL - APIMEC SÃO PAULO CFA SOCIETY BRAZIL - FACPC- IBEF SP - IBGC - IBRACON - IBRADEMP
ENCONTRODECONTABILIDADE.COM.BR Evento sujeito a pontuação no programa de Educação Continuada do CFC