Revista da Estrutura de Aço - REA

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Revista da Estrutura de Aço | Volume 6 | Número 3

Volume 6 | Número 3 Dezembro de 2017


Revista da Estrutura de Aço | Volume 6 | Número 3

ARTIGOS Análise teórica-experimental da capacidade resistente à flexão em ligações tubulares flangeadas Caio Orsi Vieira Ramos Pereira, Arlene Maria Cunha Sarmanho, Guilherme Cássio Elias, Luiz Henrique de Almeida Neiva e João Alberto Venegas Requena 153

Piso misto de pequena altura com laje alveolar: lima solução inovadora Patrícia Tavares de Souza e Ana Lúcia Homce de Cresce El Debs 169

Avaliação do método simplificado da ABNT NBR 14323:2013 no cálculo da elevação da temperatura em pilares de aço inseridos em parede Yagho de Souza Simões, Fábio Martin Rocha e Jorge Munaiar Neto 189

Projeto estrutural para adaptação de um edifício histórico em centro cultural Banco do Brasil Ricardo Hallal Fakury, Sebastião Salvador Real Pereira, Ana Lydia Reis de Castro e Silva, Márcio Lúcio Gomes e João Eduardo de Paula Carvalho 209


Recebido: 09/09/2016 Aprovado: 16/10/2017 Volume 6. Número 3 (dezembro/2017). p. 153‐168 ‐ ISSN 2238‐9377 Revista indexada no Latindex e Diadorim/IBICT

Análise Teórica‐Experimental da Capacidade Resistente à Flexão em Ligações Tubulares Flangeadas Caio Orsi Vieira Ramos Pereira1, Arlene Maria Cunha Sarmanho1*, Guilherme Cássio Elias1, Luiz Henrique de Almeida Neiva1 e João Alberto Venegas Requena2

1

Programa de Pós‐Graduação em Engenharia Civil – PROPEC – DECIV/EM/UFOP, caio.orsi.pereira@gmail.com, arlene.sarmanho@gmail.com, gc.elias@yahoo.com.br, lhalmeidaneiva@gmail.com 2 Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo, UNICAMP, requena@fec.unicamp.br

Theoretical‐Experimental Analysis of bending strength in Circular Hollow Sections Flanged Connections Resumo Devido às prescrições normativas não considerarem a flexão das ligações flangeadas para a determinação de sua capacidade resistente, se entende como necessário estudar esta influência teoricamente e experimentalmente. Neste trabalho, a flexão foi simulada considerando‐se a excentricidade do carregamento axial de tração, variando‐a de 0% até 24% do diâmetro externo do tubo. Com isso foi possível estudar a flexão dos flanges e o efeito alavanca gerado. Os resultados teóricos apresentaram valores menores que os experimentais, indicando que a equação estudada pode ser utilizada no dimensionamento destas ligações. Palavras‐chave: Estruturas metálicas, Perfis tubulares circulares, Ligação flangeada. Abstract

Due to the normative prescriptions do not consider the bending in the flange connections in order to predict the connection strength, it is necessary to study this influence theoretically and experimentally. In this work, the bending was simulated considering the eccentricity of the tension axial load, varying it from 0% to 24% of the external diameter of the hollow section. With this, it was possible to study the bending of the flanges and the prying effect. The theoretical results presented smaller values than the experimental results, indicating that the studied equation can be used in order to predict the strength of these connections. Keywords: Steel structures, Circular hollow sections, Flanged connection.

* Autor correspondente


1

Introdução

Com o passar dos anos há uma necessidade cada vez maior de desenvolvimento de novas técnicas na indústria da construção civil, tornando‐se necessárias a utilização e a aplicação de materiais cada vez mais eficientes. A exemplo do aço, um dos materiais mais eficientes dentro da construção civil devido às suas inúmeras características positivas. Dentre elas, sua flexibilidade, fazendo com que possa ser utilizado tanto em estruturas constituídas por elementos de seções transversais abertas como fechadas. As seções fechadas se destacam por apresentar uma alta resistência quando solicitadas a esforços de compressão, como por exemplo, as suas aplicações em sistemas treliçados e em pilares. A alta resistência dos perfis com seções fechadas se justifica pelo fato destes apresentarem inércias praticamente invariáveis em qualquer eixo coordenado que passe pelo centro de gravidade de suas seções. Para a aplicação da estrutura metálica em canteiros de obras, têm‐se as ligações, que podem ser soldadas ou parafusadas, destacando‐se a ligação flangeada, que é largamente utilizada em estruturas treliçadas de telhado devido à sua facilidade de execução. A Figura 1 ilustra a ligação flangeada dos tipos circular e retangular, para aplicação em uma estrutura de telhado do aeroporto Tancredo Neves em Confins, Belo Horizonte – MG.

Figura 1 – Ligações flangeadas circulares e retangulares do aeroporto Tancredo Neves em Confins ‐ MG (Pereira, 2016)

154


Este trabalho tem como objetivo avaliar o efeito da flexão (oriunda de carregamentos excêntricos) em ligações flangeadas com flanges de seção inteira, por meio de um estudo teórico‐experimental em que a capacidade resistente e o comportamento da ligação foram observados. Atualmente há um número reduzido de pesquisas realizadas sobre o tema, onde é importante destacar as pesquisas de: Kato e Hirose (1985) realizaram um dos primeiros estudos experimentais dos efeitos da variação da geometria da ligação; Cao e Bell (1996) estudaram os efeitos da variação da geometria dos flanges; Fidalgo (2014) estudou a ligação por meio de um estudo numérico da ligação, considerando a excentricidade e por fim, chegando a equações que permitiram o cálculo das espessuras dos flanges conforme seu carregamento excêntrico; Pereira (2016) estudou as equações propostas por Fidalgo (2014), e as comparou com resultados experimentais para a validação das mesmas. 1.1

Efeito alavanca

O efeito alavanca, conhecido também como prying, é causado pela flexão de chapas. Este efeito faz com que os parafusos da ligação fiquem solicitados por um carregamento extra, podendo fazer com que os mesmos falhem. A Figura 2 representa o efeito alavanca, segundo a norma ABNT NBR 8800:2008 – Projeto de Estruturas de Aço e de Estruturas Mistas de Aço e Concreto de Edificação.

Figura 2 – Efeito alavanca (ABNT NBR 8800:2008) 155


A influência do efeito alavanca é proporcional à esbeltez das chapas da ligação, ou seja, quanto mais finas as chapas, maior será o efeito transmitido aos parafusos da ligação. Há também outros parâmetros da geometria de ligação que influenciam na transmissão desse efeito para os parafusos. Tais parâmetros são definidos por Cao e Bell (1996) como e1 e e2 representados no corte A‐A da Figura 2. No caso da ligação flangeada, este efeito ocorre no flange da ligação, fazendo com que os parafusos fiquem submetidos a um carregamento maior que aquele aplicado na ligação.

2

Prescrições existentes

Para a definição da geometria da ligação, foi utilizado um carregamento solicitante semelhante à força axial de tração resistente de cálculo correspondente ao escoamento de toda a seção bruta do tubo. Porém, como o objetivo do trabalho é avaliar a flexão no flange, foi considerada uma redução de 30% da força axial resistente e o fator de ponderação com valor de 1,0, gerando uma geometria de ligação com flanges menos resistentes, de forma que o modo de falha se apresentasse o flange. Essa mesma relação foi utilizada por Requena e Santos (2007). Sendo assim, as fórmulas utilizadas (Equações 1 a 7) para o dimensionamento dos flanges, foram as da norma ABNT NBR 16239:2013 – Projeto de Estruturas de Aço e de Estruturas Mistas de Aço e Concreto de Edificação com perfis tubulares. 2.

.

,

1 2 .

,

.

.

.

4. ln

2

2

(2)

(3)

2

(4)

2.

2

(1)

(5)

(6)

(7)

156


Sendo,  Nt,Sd – Força axial de tração solicitante de cálculo; 

fy – Tensão de escoamento do aço do flange;

f3 ‐ Coeficiente de forma da ligação;

r1, r2 e r3 – Valores de raios do flange, parafusos e tubos, respectivamente conforme demostrado na Figura 3;

e1 – Valor referente à distância entre a borda externa dos tubos ao centro dos furos dos parafusos.

Figura 3 – Representação da ligação flangeada e dos raios definidos pelas equações 5, 6 e 7.

3

Equação proposta

Com a utilização da equação que considera a flexo‐tração foi possível considerar os efeitos impostos na ligação de tração centrada e de carregamento excêntrico: ,

(8)

Com isso, tem‐se uma equação que simplifica o carregamento na ligação com a utilização de um valor de carregamento axial de tração solicitante de cálculo, representado pela forma abreviada por Neq (carregamento sem excentricidade): .

157

(9)


Com a utilização da equação da norma ABNT NBR 16239:2013 (Equação 10) para o cálculo das espessuras dos flanges, tem‐se o coeficiente de forma da ligação: 2.

.

,

.

.

.

. .

2.

(10)

(11)

Generalizando a Equação 11 para a consideração de carregamentos de flexo‐tração, tem‐se: 2.

. .

,

.

(12)

Isolando os termos em comum das Equações 11 e 12 e igualando‐as, chega‐se à Equação 13: ,

.

(13)

Substituindo a Equação 8 na Equação 9, chega‐se à Equação 14: ,

.

(14)

Em que o valor do momento solicitante de cálculo, MSd, é determinado pela Equação 15, onde e é a excentricidade de carregamento: .

(15)

,

Substituindo as Equações 14 e 15 na Equação 13 e fazendo as devidas simplificações, chega‐se à Equação 16: .

1 .

1

158

(16)


Da Equação 16, variando o valor de excentricidade para zero, fi torna‐se igual a f3, e conforme aumenta‐se o valor da excentricidade, o fator fi diminui, fazendo com que os valores finais de espessura de flange, Equação 10 (trocando o f3 pelo fi), fiquem maiores.

4

Programa experimental

O programa experimental foi desenvolvido no Laboratório de Estruturas Altamiro Tibiriçá Dias da Universidade Federal de Ouro Preto. 4.1

Caracterização mecânica

Foram realizados ensaios de tração para obter a tensão limite de escoamento, fy, o alongamento residual após a ruptura, ΔL, e a tensão limite de resistência à tração, fu, dos aços utilizados nos tubos e nos flanges. As Tabelas 1 e 2 representam os valores encontrados. Tabela 1 – Resultado de caracterização mecânica dos tubos. Tubos ‐ Protótipos Dt x tt [mm] fy [MPa] fu [MPa] ∆L [%] 1

61,1 x 6,0

381

479

34,5

Tabela 2 – Resultado de caracterização mecânica dos flanges. Flanges tf [mm] fy [MPa] fu [MPa] ∆L [%] Aço A36

9,5

302

467

41,0

4.2

Geometrias

Os ensaios experimentais foram realizados utilizando as geometrias de cálculo definidas com a utilização das equações existentes da ABNT NBR 16239:2013, e com a redução das espessuras dos flanges para que os protótipos demonstrassem o efeito da flexão nos flanges. A Tabela 3 representa as dimensões dos protótipos ensaiados. 159


Tabela 3 – Geometria dos protótipos ensaiados (Pereira, 2016) Flanges

Protótipo

Tubos Dt tt [mm] [mm]

A [cm²]

W [cm³]

Df [mm]

tf [mm]

Perna de Solda [mm]

Nº de Parafusos (½ polegada)

1

61,1

10,39

13,05

160

9,5

8,0

6

6,0

Os comprimentos dos tubos foram padronizados em 300 mm, permitindo deste modo um espaçamento suficiente entre a solda do flange e a solda do aparato de carregamento para que as tensões se uniformizassem ao longo do tubo, reduzindo o efeito do Shear Lag próximo aos flanges. A solda utilizada foi a de filete com perna de solda de 8,0 mm. A quantidade de parafusos utilizada foi padronizada em seis parafusos com ½ polegada (12,7 mm) de diâmetro. 4.3

Aplicação do carregamento

A ligação foi ensaiada utilizando uma prensa servo‐hidráulica INSTRON SATEC 5569, com a aplicação de deslocamentos nas extremidades dos aparatos de carregamento da ligação. Estes aparatos foram dimensionados para que a ligação fosse considerada como biapoiada em suas extremidades. As excentricidades foram consideradas com o deslocamento da soldagem dos centros de gravidade dos tubos da ligação em relação aos centros de gravidades das mesas dos perfis “T” conectados ao aparato por meio de um parafuso de diâmetro de 31 mm. A representação final da ligação excêntrica com o aparato de carregamento esta demonstrada na Figura 4:

Figura 4 – Representação da ligação com o deslocamento de soldagem referente à excentricidade de carregamento (Pereira, 2016) 4.4

Instrumentação e aquisição dos dados

A instrumentação utilizada é representada na Figura 5: 160


Figura 5 – Representação da instrumentação da ligação com a excentricidade de carregamento (Pereira, 2016)  2 extensômetros longitudinais colados à meia altura do tubo (a 150 mm dos flanges), um do lado (região de maior tração) e o outro do lado oposto (região de menor tração);  1 extensômetro longitudinal colado na alma do T (não representado na Figura 5), localizado próximo ao trecho da redução de sua largura (devido ao raio de concordância) e do lado referente ao posicionamento excêntrico do tubo;  1 roseta de deformações posicionada no flange entre os parafusos 1 e 2;  1 LVDT para medição do afastamento das mesas do perfil “T” indicando o alongamento da ligação flangeada;  1 LVDT medindo o deslocamento vertical do perfil “T” inferior;  1 LVDT inferior, medindo eventuais deslocamentos laterais oriundos da excentricidade projetada. Para a aquisição dos dados de instrumentação foram utilizados dois sistemas, um referente à prensa, que permite adquirir dados de deslocamento e carregamentos referentes à ligação; e outro sistema que permite adquirir os dados de extensometria e os demais deslocamentos. 161


4.5

Imperfeição dos protótipos

Antes da execução dos ensaios foram medidas as imperfeições que poderiam causar erros de análises. Estas imperfeições foram conferidas, considerando tanto a excentricidade teórica como a excentricidade real. A Tabela 4 apresenta o resultado do levantamento de imperfeições. Tabela 4 – Excentricidades dos protótipos (Pereira, 2016) Protótipo

P1

Excentricidade teórica

8%

Excentricidade real

16%

24%

5,93% 12,81% 25,90%

5

Resultados experimentais

Assim como esperado, os ensaios experimentais apresentaram a flexão dos flanges. Como por exemplo, o ensaio com excentricidade real de 5,93% do diâmetro externo do tubo utilizado, representado na Figura 6.

Figura 6 – Representação da flexão do flange do ensaio com excentricidade real de 5,93% (Pereira, 2016) O Gráfico 1 apresenta as curvas com a rigidez proporcional às excentricidades por meio dos valores de carregamento versus deslocamento longitudinal das ligações ensaiadas.

162


Percebe‐se que quanto mais excêntrico for o carregamento aplicado ao protótipo, menor é o carregamento suportado pelo mesmo. 300

Carregamento [kN]

250 200 P1 Exc 5,93%

150

P1 Exc 12,81% 100

P1 Exc 25,90%

50 0 0

1

2

3

4

5

Deslocamento das extremidades dos tubos, Δ [mm]

Gráfico 1 – Carregamento x deslocamento dos ensaios experimentais (Pereira, 2016) Os Gráficos 2 e 3 apresentam, respectivamente, os valores de carregamentos nas ligações versus as deformações axiais obtidas dos lados mais e menos tracionados dos tubos. Com os valores de extensometria dos tubos das ligações foi possível verificar o efeito da flexão criado pelos carregamentos excêntricos impostos às ligações, podendo observar que os valores apresentam uma simetria entre os valores de deformações dos tubos do lado mais e menos tracionado (Gráficos 2 e 3), considerando‐se como base a curva referente ao protótipo menos excêntrico. Analisando os Gráficos 2 e 3 é possível observar que, quanto maior a excentricidade imposta na ligação, maior será a variação das deformações entre os lados mais e menos tracionados. Para a maior excentricidade estudada, em função do binário de forças do momento, ocorreu compressão no lado menos tracionado do tubo para níveis de carga inferiores a 100 kN (Gráfico 3).

163


300

Carregamento [kN]

250 200 P1 Exc 5,93% 150

P1 Exc 12,81% P1 Exc 25,90%

100

Escoamento 50 0 ‐100

400

900

1400

1900

Deformação longitudinal dos tubos, ε [µm/m]

Gráfico 2 – Carregamento x deformações do lado mais tracionado dos tubos da ligação (Pereira, 2016)

300

Carregamento [kN]

250 200

P1 Exc 5,93%

150

P1 Exc 12,81% P1 Exc 25,90%

100

Escoamento

50 0 ‐100

400

900

1400

1900

Deformação longitudinal dos tubos, ε [µm/m]

Gráfico 3 – Carregamento x deformações do lado menos tracionado dos tubos da ligação (Pereira, 2016) Também foram estudados os valores de deformações referentes às deformações principais das rosetas posicionadas nos flanges. Com estes valores foi possível observar que a maioria dos ensaios apresentaram deformações superiores aos valores de deformação de escoamento do aço do flange, comprovando a flexão dos flanges. Os valores das deformações dos flanges são apresentadas no Gráfico 4 com valores de carregamento na ligação versus deformações principais. 164


Carregamento [kN]

300 250 200

P1 Exc 5,93%

150

P1 Exc 12,81% P1 Exc 25,90%

100

Escoamento 50 0 0

1000

2000

3000

4000

5000

6000

Deformação principal, ε1 [µm/m]

Gráfico 4 – Carregamento x deformações principais dos flanges (Pereira, 2016) A Tabela 5 representa os valores de carregamento de tração referente à falha, Nt,Rd‐exp, e os respectivos modos de falhas associados, observados no programa experimental. Para os valores de carregamento de falha, foi definido como o carregamento em que o primeiro dos modos de falha descritos a seguir ocorria: 

Escoamento do ponto mais crítico dos flanges;

Escoamento da seção bruta dos tubos;

Escoamento do aparato de carregamento;

Ruptura da solda.

Tabela 5 – Carregamentos e modos de falha dos protótipos (Pereira, 2016) Protótipo P1Exc 5,93 % P1Exc 12,81 % P1Exc 25,90 %

Nt,Rd‐exp 199 kN 158 kN 154 kN

Falha Escoamento do flange Escoamento do flange Escoamento do flange

Da Tabela 5, observa‐se que os valores da capacidade resistente dos protótipos tendem a diminuir conforme a excentricidade aumenta, provando a fragilidade da ligação quando há excentricidade.

165


6

Comparação dos resultados experimentais e a equação proposta

A partir dos resultados experimentais, considerando a geometria dos protótipos ensaiados, foi realizada uma extrapolação dos resultados utilizando a equação desenvolvida neste trabalho (Equação 16), determinando os valores teóricos de capacidade resistente a carregamentos axiais de tração, através do fluxograma apresentado na Figura 7.

Nt,Rd = 181,76 kN tf = 9,5 mm fy = 302 MPa (Caracterização A36)

2. .

,

.

.

1 1

.

.

,

. . 2

Figura 7 – Determinação dos valores teóricos de capacidade resistente. Na Tabela 6 são apresentados os valores teóricos e experimentais de capacidade resistente à carregamentos axiais de tração dos protótipos estudados. Tabela 6 – Valores teóricos e experimentais de capacidade resistente a carregamentos axiais de tração. Protótipo 1

Excentricidades 5,93%

12,81%

25,90%

fi

3,2950

2,6156

1,8786

Nt,Rd‐teo [kN]

141,07

111,98

80,43

Nt,Rd‐exp [kN]

199,00

158,00

154,00

Diferença

29,11%

29,13%

47,77%

166


7

Considerações finais

Com os resultados apresentado nas Tabelas 5 e 6, é possível observar que os valores estão na mesma ordem de grandeza, porém com valores diferentes. Esta diferença pode ser explicada se considerado os pontos de extensometria, que caracterizam os modos de falha da ligação, podendo indicar valores que não são máximos. A Figura 8 ilustra o ponto onde foi posicionada a roseta que indicou a falha na ligação por escoamento dos flanges e também apresenta um diagrama de tensões de von Mises.

Figura 8 – Pontos de extensometria dos flanges (Pereira, 2016) Com base na Figura 8, é possível observar que os pontos críticos de tensões nos flanges ocorrem nos pontos próximos ao contato destas com as soldas, e não nos pontos que as rosetas ficaram posicionadas. As rosetas foram posicionadas afastadas das soldas devido à dificuldade de colocação nos pontos próximo das mesmas. Outros fatores que podem ter contribuído para o afastamento dos valores experimentais dos teóricos são os possíveis erros de fabricação e erros no levantamento de imperfeições. Uma vez que para cada excentricidade de carregamento do protótipo houve apenas um ensaio experimental. Percebe‐se que para as menores excentricidades estudadas, a diferença encontrada entre os resultados teórico e experimental foi próxima (da ordem de 30%), todavia, conforme aumentou‐se a excentricidade, houve maior dispersão entre os valores encontrados. Indicando que para maiores excentricidades a equação precisa ser melhor ajustada para considerar o efeito da flexão. 167


Considerando‐se que os valores de capacidade resistente encontrados por meio da equação teórica apresentada foram inferiores àquele obtidos nos ensaios experimentais, percebe‐se que a proposição, para a geometria de tubos e flanges estudados, apresenta valores favoráveis à segurança, podendo ser utilizada na ausência de formulação mais adequada. É necessário, portanto, um estudo mais aprofundado, com realização de programa experimental com outras tipologias de ligações e excentricidades, que permita uma melhor calibração da equação proposta.

8

Agradecimentos

Os autores agradecem a FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais), CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).

9

Referências bibliográficas

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 8800:2008 ‐ Projeto de Estruturas de Aço e de Estruturas Mistas de Aço e Concreto de Edifícios. Rio de Janeiro, 2008. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 16239:2013 ‐ Projeto de Estruturas de Aço e de Estruturas Mistas de Aço e Concreto de Edificação com perfis tubulares. Rio de Janeiro, 2013. CAO, J. J.; BELL, A. J.. Determination of bolt forces in a circular flange joint under tension force. Elsevier, International Journal of Pressure Vessels and Piping, p.63‐71, 1996. FIDALGO, A. M. Estudo Teórico e Numérico do Comportamento de Ligações tipo Flange Circular para Estruturas Tubulares de Aço. Dissertação de Mestrado, UNICAMP, 2014. KATO, B.; HIROSE, R.. Bolted Tension Flanges Joining Circular Hollow Members. Elsevier, J. Construct. Steel Research, p.79‐101, 1985. PEREIRA, C. O. V. R. Análise numérico‐experimental de resistência a flexão em ligações tubulares flangeadas. Dissertação de Mestrado, PROPEC ‐ UFOP, 2016. REQUENA, J. A. V.; SANTOS, A. L. E. F. Dimensionamento de ligações em barras tubulares de estruturas metálicas planas. Coleção técnico‐científica V&M do Brasil, vol. 1. Campinas: V&M do Brasil, 2007.

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Recebido: 09/08/2017 Aprovado: 11/11/2017 Volume 6. Número 3 (dezembro/2017). p. 169‐188 ‐ ISSN 2238‐9377

Revista indexada no Latindex e Diadorim/IBICT

Piso misto de pequena altura com laje alveolar: uma solução inovadora Patricia Tavares de Souza¹* e Ana Lucia Homce de Cresce El Debs²

¹ Departamento de Engenharia de Estruturas, Escola de Engenharia de São Carlos, USP, Av. Trabalhador Sãocarlense 400, São Carlos ‐ SP, Brasil, patriciatsouza@usp.br. ² Departamento de Engenharia de Estruturas, Escola de Engenharia de São Carlos, USP, Av. Trabalhador Sãocarlense 400, São Carlos ‐ SP, Brasil, analucia@sc.usp.br.

Slim floor with hollow core slab: an innovative solution Resumo O piso misto de pequena altura com laje alveolar de concreto tem sido frequentemente utilizado no mercado internacional de construção devido à redução da altura do piso. Entretanto, existem poucos estudos sobre esse sistema com laje alveolar. Nesta pesquisa, dois ensaios de flexão em quatro pontos foram realizados para investigar o comportamento à flexão e a capacidade resistente ao cisalhamento dos pisos mistos, convencional e de pequena altura, com laje alveolar e conector tipo pino com cabeça. Para comparação, uma análise teórica foi realizada e o programa computacional DIANA em elementos finitos foi utilizado para estender o escopo da investigação experimental. Os resultados mostraram que o piso misto de pequena altura é 32% mais resistente que a viga de aço isolada e a transferência de forças de cisalhamento na interface é menor do que no sistema convencional, desta maneira é proposta a redução do grau de conexão para o piso misto de pequena altura. Palavras‐chave: Vigas Mistas; Piso Misto de Pequena Altura; Lajes Alveolares; Conectores Tipo Pino com Cabeça. Abstract The slim floor construction incorporating precast concrete hollow core slabs has been frequently used in the international construction market due to the reduced section depth. However, there are few studies about the slim floor with hollow core slabs. In this study, two full‐scale bending tests at four points were carried out to investigate the flexural behavior and shear strength of the conventional composite beam and the composite slim floor with hollow core slabs and stud bolts. To compare a theoretical analysis was carried out and the finite element package DIANA was used to extend the scope of the experimental investigation. The results showed that the slim floor is 32% stronger and stiffer than the equivalent isolated steel beam and the shear forces transfer at the interface is less than in the conventional system, therefore it is proposed to reduce the connection degree to the composite slim floor. Keywords: Composite Beams; Composite Slim Floor; Hollow Core Slabs; Stud Bolts.

* Autor correspondente


1

Introdução

As vigas mistas de aço e concreto consistem na associação de um elemento de aço simétrico a uma laje de concreto que trabalham em conjunto para resistir aos esforços de flexão. No sistema convencional, a laje de concreto é posicionada sobre o perfil de aço, elevando a altura total do composto e reduzindo a altura útil da edificação. A partir de 1970, os princípios do piso misto de pequena altura surgiram quando os pesquisadores do Swedish Institute of Steel Construction (SISC) descobriram como reduzir a altura total das vigas mistas. A mesa inferior do perfil de aço possuía uma largura maior do que a mesa superior de modo que a laje de concreto fosse suportada pela mesa inferior e o perfil de aço ficasse inserido na altura do piso. Além disso, esse sistema possui algumas vantagens, tais como o aumento da resistência ao fogo (Newman (1995), Rocha et al. (2013)), da capacidade resistente e da rigidez em relação à seção de aço, o aumento da capacidade resistente às instabilidades locais da seção de aço, a economia de material e de mão de obra. Para compor o piso misto de pequena altura, vários tipos de perfis e lajes têm sido estudados onde o perfil de aço sempre está contido na altura da laje, entre os quais destacam‐se: Rackham et al. (2006), De Nardin e El Debs (2012), Nádaskýa (2012) e Chen et al. (2015). Os primeiros trabalhos de vigas mistas com laje alveolar foram desenvolvidos por Lam et al. (1998, 2000), nos quais doze ensaios de cisalhamento direto e três ensaios de vigas mistas submetidas à flexão em quatro pontos com conector tipo pino com cabeça foram realizados. Em resumo, os autores concluíram que a variação da largura da junta entre as lajes alveolares modificou a capacidade resistente do conector quando essa largura era menor que quatro vezes o diâmetro do conector. Também eles observaram um elevado aumento do momento fletor resistente e da rigidez da viga mista em relação ao perfil metálico isolado. Entretanto, a grande proporção de vazios, a falta de armadura transversal e o tipo de apoio tornam as lajes alveolares protendidas suscetíveis à ruptura por cisalhamento. Hegger et al. (2009) estudaram a capacidade resistente ao cisalhamento de lajes alveolares apoiadas na mesa inferior de perfis de aço esbeltos. Os resultados indicaram que os perfis esbeltos podem causar um decréscimo na capacidade resistente ao cisalhamento das lajes de 30 a 40%. 170


No Brasil, De Nardin e El Debs (2009) ensaiaram três vigas parcialmente revestidas sem e com conectores tipo pino com cabeça, soldados na mesa inferior ou na alma. Com conectores, um pequeno acréscimo de capacidade de momento foi obtido. As autoras demonstraram expressões para o cálculo do momento fletor resistente positivo de vigas mistas parcialmente revestidas, adotando as seguintes hipóteses: interação total aço‐concreto e desconsideração do concreto tracionado (Figura 1). A partir da face da mesa superior do perfil de aço, a posição da linha neutra (yp) pode ser obtida através do equilíbrio de forças:

yp 

 A f2 f y  t w t f2 f y  bt f2 f ck  t w df y  t w t f1f y  A f1f y 2  t w f y  bf ck

(1)

Figura 1 – Geometria da viga mista parcialmente revestida, De Nardin e El Debs (2009).

Onde, Af é a área da mesa do perfil metálico; b é a largura efetiva da laje de concreto; d é a altura total do perfil de aço; fck é a resistência característica à compressão do concreto; fy é a tensão de escoamento do aço; tf é a espessura da mesa do perfil metálico; tw é a espessura da alma do perfil metálico. Considerando interação total aço‐concreto e seus módulos plásticos respectivos (Zxs and Zxc), o momento de plastificação total é expresso por (MR): M R  f y Z xs  f ck Z xc (2)

Outras expressões têm sido desenvolvidas para o cálculo do momento resistente considerando interação parcial (Limazie e Chen, 2015) e para o cálculo da capacidade resistente ao cisalhamento do conector com laje alveolar e capa de concreto (Araújo et al., 2016). Por outro lado, recomendações normativas que orientam o projeto e execução de pisos mistos de pequena altura com laje alveolar não existem no Brasil, somando‐se a isso, poucos trabalhos foram desenvolvidos nessa área como o estudo

171


da capacidade resistente ao cisalhamento de conectores em pisos mistos de pequena altura (Souza et al., 2017). Essa pesquisa tem por finalidade contribuir com a caracterização do comportamento dos pisos mistos de pequena altura, bem como da influência de suas ligações aço‐ concreto na distribuição dos esforços, através da investigação experimental da capacidade resistente da seção mista em ensaios de flexão.

2

Programa experimental e modelagem numérica

2.1

Programa experimental

A investigação experimental consistia em um ensaio de piso misto de pequena altura submetido à flexão em quatro pontos com controle de força para a determinação do momento resistente do piso misto com grau de conexão parcial (FSF). Para a comparação entre a viga mista convencional e o slim floor, um ensaio de viga mista convencional submetida à flexão em quatro pontos com controle de força foi realizado para determinação do momento resistente da viga mista com grau de conexão parcial (FC). Os modelos físicos eram compostos por lajes alveolares protendidas com resistência à compressão característica de 45 MPa e altura de 160 mm. A sua largura era de 1245 mm e possuíam comprimento de 500 mm para a confecção dos modelos (Figura 2a). Além disso, para compor a seção transversal, o perfil metálico laminado com seção transversal do tipo W 200x46,1 e comprimento de 3735 mm, em aço A 572 grau 50, foi utilizado (Figura 2b). Um corte na mesa superior do perfil metálico, utilizado no piso misto de pequena altura, foi realizado para facilitar a concretagem (Figura 2c). E por fim, os conectores tipo pino com cabeça possuíam o diâmetro e a altura constantes nos modelos, isto é, o diâmetro do fuste era de 19 mm, o diâmetro da cabeça era de 31,5 mm com espessura de 10 mm e a altura do conector era de 110 mm (Figura 2d). A Tabela 1 apresenta as propriedades mecânicas do perfil de aço, conforme o catálogo do fabricante, e do conector tipo pino com cabeça conforme o ensaio de tração recomendado pela NBR ISO 6892‐1 (2013). 172


Tabela 1 – Propriedades mecânicas do aço. Material Tensão de escoamento (MPa) Tensão de Ruptura (MPa) Perfil

345

450

Conector

345

430

Figura 2 – Os componentes da seção mista (mm). a) laje alveolar; b) perfil metálico; c) corte na mesa superior do perfil metálico; d) conector tipo pino com cabeça.

O traço do concreto da capa foi definido, a partir de um concreto de classe C25/C30 com alta trabalhabilidade e relação água/cimento, para facilitar o preenchimento dos alvéolos durante a concretagem da capa sobre as lajes alveolares. Para a caracterização do concreto em cada dia de concretagem e para cada betonada realizada, oito corpos de prova cilíndricos de 10x20 cm foram moldados e a Tabela 2 apresenta as propriedades mecânicas do concreto convencional que foram obtidas a partir dos ensaios de compressão e tração por compressão diametral para os corpos de prova cilíndricos. Como o cimento CPV – ARI foi utilizado, o ganho de resistência após o 14º dia não era significativo, por isso, alguns modelos foram ensaiados antes dos 28 dias e as betonadas foram denominadas por “B1” e “B2”.

173


Tabela 2 – Propriedades mecânicas da capa de concreto.

Concreto

Idade

Resistência à Compressão Média (MPa)

Resistência à Tração Média (MPa)

FSF – B1

21

36,20

2,53

27,30

0,47

FSF – B2

21

35,70

2,41

28,70

1,31

FC – B1

28

34,00

2,36

32,40

0,35

FC – B2

28

29,60

2,05

29,01

0,76

Módulo de Desvio Elasticidade (GPa) Padrão

*FSF – piso misto de pequena altura;

Para uma conexão parcial, quatro conectores foram soldados em cada face da alma do perfil metálico do piso misto de pequena altura na região entre o momento fletor máximo e o momento fletor nulo adjacente. Na viga mista convencional, cinco conectores foram soldados na mesa superior do perfil metálico na mesma região, considerando a contribuição da armadura na ligação aço‐concreto. O comportamento dos conectores tipo pino com cabeça é importante para o estudo do elemento misto, e como a força cortante máxima ocorre na região dos apoios, os penúltimos conectores foram instrumentados com extensômetros a cerca de 40 mm da base soldada no lado a ser tracionado. Na montagem dos modelos, as lajes alveolares no piso misto de pequena altura foram posicionadas sobre a mesa inferior do perfil metálico, deixando uma junta longitudinal de 48 mm para o lançamento do concreto de preenchimento (Figura 3). Dessa forma, a largura de apoio das lajes sobre o perfil metálico foi de 50 mm. A extremidade das lajes alveolares, na região de apoio sobre o perfil metálico, possuía um pequeno chanfro para facilitar a concretagem. Já as lajes alveolares na viga mista convencional foram posicionadas sobre a mesa superior do perfil metálico (Figura 4) e foram ligadas por meio de armadura transversal com 10 mm de diâmetro e 400 mm de comprimento, que foi colocada dentro dos alvéolos simetricamente a partir do centro do perfil de aço, totalizando 12 barras.

174


Figura 3 – Detalhes da seção transversal e da posição do conector até o meio do vão para o piso misto de pequena altura (mm).

Figura 4 – Detalhes da seção transversal e da posição do conector até o meio do vão para viga mista convencional (mm).

Tampões de EPS foram colocados em todos os alvéolos a uma profundidade entre 150 e 200 mm para que o concreto moldado no local envolvesse o conector no piso misto de pequena altura e a armadura transversal na viga mista convencional, e ao mesmo tempo não preenchesse os alvéolos por completo, formando assim, chaves de cisalhamento. A capa de concreto com espessura entre 40 e 50 mm era armada com uma tela soldada Q138, que era composta de fios com diâmetro de 4,2 mm espaçados 175


a cada 100 mm. A tela soldada foi colocada 30 mm acima da laje alveolar por meio de espaçadores para concreto. Previamente à concretagem, para a análise do comportamento do perfil de aço, seis extensômetros foram colados na alma e dois na mesa superior na seção central do modelo. Desse modo, as deformações na seção foram possíveis de se identificar, permitindo determinar a posição da linha neutra e a ocorrência de escoamento do aço. Após a concretagem e a preparação da superfície, os últimos extensômetros foram posicionados sobre a capa de concreto e na mesa inferior do perfil de aço para medir suas deformações (Figura 5). Cada uma das vigas mistas tinha 3735 mm de comprimento e duas forças verticais foram aplicadas a 1245 mm das extremidades, utilizando cilindros hidráulicos com capacidade para 1000 kN de carregamento estático e controle de força. Tanto a laje de concreto quanto o perfil metálico foram simplesmente apoiados nas extremidades (Figura 6). Os transdutores verticais, no meio do vão e de extremidades, foram utilizados para medir o deslocamento vertical e o deslizamento relativo entre o perfil e a laje, respectivamente.

Figura 5 – Instrumentação do ensaio de flexão para o piso misto de pequena altura (mm).

176


Figura 6 – Arranjo geral do ensaio de viga mista. a) viga mista convencional; b) piso misto de pequena altura.

2.2

Modelagem numérica

O software DIANA® é um pacote computacional de elementos finitos, baseado no método dos deslocamentos e o FX, concebido pela empresa Midas, é o pré e pós‐ processador do DIANA®. Este pacote computacional foi proposto para a modelagem numérica do perfil metálico isolado que foi simulado para a análise do ganho de capacidade resistente quando a ação mista aço e concreto é considerada (Figura 7).

Figura 7 – Modelo numérico do perfil de aço.

Para a simulação numérica do aço, um elemento sólido hexaédrico e isoparamétrico com 8 nós foi utilizado que baseia‐se na interpolação linear para deslocamentos. Na criação da geometria, optou‐se pela simetria para diminuir o tempo de processamento. O modelo constitutivo elasto‐plástico, que foi adotado para o aço, 177


considera o critério de ruptura de Von Mises. Em relação ao material aço, foi feito o uso das propriedades mecânicas do tipo utilizado, de acordo com os catálogos dos fabricantes (Tabela 1). Para evitar concentrações de tensões, foi gerada uma chapa de apoio para o perfil e também uma chapa para aplicação e distribuição do carregamento. Como condições de contorno na chapa de apoio, as translações dos nós da chapa foram restringidas nas direções y e z, e na face de simetria, os deslocamentos foram restringidos em x e y. Já no carregamento, os deslocamentos unitários foram aplicados em todos os nós da chapa sobre o perfil na direção z, localizada a um terço do comprimento total do perfil metálico em relação ao apoio. A técnica de solução adotada foi a de Quasi‐Newton com critério de convergência de deslocamento e como critério de parada considerou‐ se o escoamento do perfil metálico.

3 3.1

Resultados e discussões Previsão teórica

Uma vez que as características dos modelos físicos são definidas, a análise teórica foi realizada com o objetivo de se avaliar a sua adequação e de se obter uma previsão inicial da capacidade resistente. Essa análise foi feita com a utilização de expressões teóricas recomendadas pela Norma Brasileira ‐ NBR 8800 (2008) e expressões simplificadas de De Nardin e El Debs (2009), considerando a resistência à compressão característica do concreto (fck) igual a 33 MPa, o módulo de elasticidade do concreto (E) igual a 27500 MPa, a tensão de escoamento do aço igual (fy) a 345 MPa, a tensão de ruptura do aço do conector (fucs) igual a 430 MPa e a área da seção transversal do conector (Acs). O cálculo da capacidade resistente ao cisalhamento dos conectores (  Q Rd ) foi dado pela NBR 8800 (2008):

 Q Rd 

A cs f ck E

 897,9 kN 2 (3) A cs f ucs  810,7 kN

A cs  1885mm² No cálculo da área da seção transversal do conector, considerou‐se os cinco conectores soldados na região entre o momento fletor máximo e o momento fletor 178


nulo adjacente, mais a alça soldada na linha dos conectores de diâmetro de 16 mm e aço CA‐50, pois esta enrijecia a ligação aço‐concreto e foi considerada levando em conta sua capacidade resistente proporcionalmente (Figura 8a). O piso misto de alma cheia possuía interação parcial, pois:

 Q Rd  f ck bt c  7128 kN (4)  Q Rd  A a f y  2021,7 kN Ocorrendo essas condições, tinha‐se que C cd   Q Rd , portanto a determinação das variáveis Cad, Tad e yp foi feita a partir das expressões a seguir.

Tad

1 A a f y  C cd  605,5 kN (5) 2  C cd  C ad  1416,2 kN

C ad 

Onde, Aa é a área do perfil metálico; Cad é a força resistente de cálculo da região comprimida do perfil de aço; Ccd é a força resistente de cálculo da espessura comprimida da laje de concreto; Tad é a força resistente de cálculo da região tracionada do perfil de aço. A posição da linha neutra foi definida a partir do topo do perfil metálico e para C ad  A f f y  22,33  34 ,5  770,4 kN , a linha neutra passava na mesa superior:

yp 

C ad t f  0,86 cm (6) Af fy

A linha neutra na laje foi definida por:

a

C cd  2,3 cm (7) f ck b

A linha neutra na laje estava localizada na capa de concreto, portanto a consideração da largura efetiva como a largura total da laje estava correto, pois desprezou‐se a participação do concreto na zona tracionada. O momento fletor resistente foi dado (MR):

 a   M R  β vm C ad d  y t  y c   C cd  t c   d  y t   352,7 kN.m (8) 2    179


Onde a é a espessura da região comprimida da laje; tc é a altura da laje de concreto; yc é a distância do centro geométrico da região comprimida do perfil de aço até a sua face superior; yt é a distância do centro geométrico da região tracionada do perfil de aço até a sua face inferior. Porém, considerando somente a área dos cinco conectores (Acs = 1418 mm²) e refazendo os cálculos, obteve‐se um momento fletor resistente (MR) de 312,4 kN.m. O piso misto de pequena altura possuía interação completa pela formulação apresentada por De Nardin e El Debs (2009) e essa formulação só considera o concreto entre as mesas do perfil. A posição da linha neutra foi dada:

yp 

 A f2 f y  t w t f2 f y  bt f2 f ck  t w df y  t w t f1f y  A f1f y 2  t w f y  bf ck

 2,87 cm (9)

Através da determinação da linha neutra, o módulo resistente plástico foi calculado e o momento fletor resistente foi dado: M R  f y  Z xs  f ck  Z xc  180,7 kN.m (10)

3.2

Configuração final dos modelos

A partir da configuração final dos pisos mistos, para a viga mista convencional, a fissuração teve início no trecho de cisalhamento constante com o surgimento de uma fissura inclinada para uma força equivalente a 67% da força máxima. Após o surgimento dessa primeira fissura, novas fissuras surgiram no trecho entre os pontos de aplicação das forças e os apoios e, por fim, uma fissura longitudinal de fendilhamento foi formada por todo o comprimento da viga mista, com o descolamento da capa de concreto, para uma força equivalente a 82% da força máxima. Enquanto para o piso misto de pequena altura, a fissuração do concreto teve início na região tracionada no trecho de momento fletor constante para uma força equivalente a 75% da força máxima e, em seguida, novas fissuras surgiram ao longo do comprimento em direção aos apoios. E por fim, uma fissura longitudinal de fendilhamento foi formada. A análise visual dos conectores e a verificação de que esses se mantinham praticamente intactos foram possíveis, pois um dos lados dos modelos de piso misto

180


foi escarificado, sendo retirado o concreto em volta dos conectores (Figura 8). Portanto, o modo de falha por ruptura do conector por cisalhamento não ocorreu.

Figura 8 – Configuração final dos conectores nas vigas mistas. a) viga mista convencional; b) piso misto de pequena altura.

3.3

Força de ruptura e deslocamentos verticais

Os valores máximos experimentais e teóricos de força aplicada e flecha para as vigas mistas, tanto para a convencional (FC) quanto para a de pequena altura (FSF), estão apresentados na Tabela 3. Tabela 3 – Principais resultados das vigas mistas e do perfil metálico. Elemento

Força Máxima (kN)

Flecha (mm)

Momento máximo experimental (kN.m)

Momento máximo teórico (kN.m)

FC

274,5

23,5

341,75

312,4 ‐ 352,7

FSF

194,1

37,1

241,65

180,7

Perfil Isolado

135,0

168,1

*FSF – piso misto de pequena altura; FC – viga mista convencional.

Comparando os valores de momento fletor teórico e experimental, o valor experimental diverge do teórico em 25% para o piso misto de pequena altura. Essa diferença foi devido ao fato da formulação considerar uma laje maciça e a não caracterização das propriedades mecânicas do aço do perfil metálico. Para viga mista convencional, divergiu entre 3 a 9% devido à consideração da alça na ligação aço‐ concreto e à norma ser mais conservadora, respectivamente. No piso misto de pequena altura com os conectores soldados horizontalmente na alma, o resultado indicou a eficiência dos conectores nessa posição, pois o valor de momento resistente 181


experimental é 25% maior que o teórico, que considera interação total. A força máxima do perfil metálico isolado foi obtida numericamente. Notou‐se que há um ganho de 32% de capacidade de momento à flexão quando a ação mista entre o aço e o concreto foi considerada no piso misto de pequena altura (Figura 9). Por meio de uma análise elástica, através da Equação 11, os deslocamentos teóricos (d) foram obtidos para a viga mista convencional com conexão completa (Figura 10). A curva foi plotada junto com as curvas dos modelos experimentais. De acordo com os procedimentos normativos, para os pisos mistos com conexão completa, o momento de inércia efetivo (Ief) é igual ao momento de inércia da seção homogeneizada (Itr). Notou‐se que o grau de conexão influenciou a rigidez das vigas mistas. Na viga mista convencional com grau de conexão próximo a 0,4, o momento de inércia efetivo foi menor que o momento de inércia efetivo considerando conexão completa, portanto os deslocamentos teórico e experimental foram próximos até certo limite de proporcionalidade (Figura 9).

Figura 9 – Curva de força versus deslocamento vertical nos ensaios de flexão e modelo numérico.

Figura 10 – Arranjo do carregamento nos ensaios de flexão.

182


d

M 3L2  4a 2 (11) 24EI ef

Como esperado, a viga mista convencional demonstrou ser mais rígida em relação ao piso misto de pequena altura, devido ao maior momento de inércia proporcionado pela maior altura da seção transversal. Para uma força aplicada entre 125 e 150 kN, respectivamente,

as

vigas

mistas

demonstraram

um

comportamento

aproximadamente linear. A partir deste ponto, o comportamento dos deslocamentos verticais apontou para uma mudança de rigidez próxima à força máxima, ou seja, o comportamento Força versus Deslocamento Vertical foi mais dúctil. O piso misto de pequena altura alcançou uma flecha de 37,1 mm maior do que a flecha obtida pela viga mista de 23,5 mm, embora a força máxima seja 30% menor, demonstrando assim, menor rigidez. 3.4

Ligação aço‐concreto

O comportamento só é considerado misto se mecanismos realizarem a transferência de esforços entre os materiais. Para isso, os conectores de cisalhamento são utilizados, os quais têm como objetivo restringir o deslizamento relativo longitudinal e impedir a separação vertical na interface aço‐concreto. Para verificar a eficiência dos conectores, os deslizamentos foram medidos para os dois tipos de pisos mistos e não apresentaram comportamento e ordem de grandeza semelhantes, como ilustra Figura 11. Em geral, os modelos apresentaram assimetria no deslizamento, ou seja, um dos lados do modelo deslizou mais que o outro. O piso misto de pequena altura com conectores horizontais apresentou para até 77% da força máxima aplicada, ou seja, 150 kN, um comportamento semelhante dos dois lados do modelo sem deslizamento relativo aço‐ concreto, indicando que havia interação total. A partir deste ponto, um lado obteve maiores deslizamentos do que o outro lado para pequenos incrementos de carga, contudo esse modelo se mostrou mais rígido com deslizamento médio de 0,4 mm do que a viga mista convencional, com conectores verticais, com deslizamento médio de 3,5 mm. Esse efeito ocorreu por causa do diferente grau de conexão entre os pisos mistos, da configuração da seção mista e da posição dos conectores, pois a ligação aço‐ concreto com os conectores inseridos dentro dos alvéolos da laje pré‐fabricada ficou 183


mais rígida devido à influência do confinamento gerado pelos próprios alvéolos. Concluiu‐se que o início do escorregamento implicou no aparecimento das primeiras fissuras por tração na laje de concreto no piso misto de pequena altura.

Figura 11 – Curva de força versus deslizamento médio aço‐concreto nos ensaios de flexão.

As deformações foram medidas para os penúltimos conectores das extremidades localizados na região de força cortante constante e estão apresentadas na Figura 12.

Figura 12 – Deformações nos penúltimos conectores.

Observou‐se que os conectores da viga mista convencional foram mais solicitados do que os conectores do piso misto de pequena altura. Portanto, concluiu‐se que a transferência de forças de cisalhamento na interface do piso misto de pequena altura é 184


menor do que da viga mista convencional devido à menor força máxima atingida e, assim, os conectores não plastificaram, sugerindo que cada elemento estrutural suportou uma parcela da força aplicada de maneira conjunta. 3.5

Deformações na seção mista

As deformações médias no concreto e no perfil metálico no meio do vão e ao longo da altura da seção transversal, para as duas vigas mistas ensaiadas, estão apresentadas na Figura 13. Verificou‐se que a deformação de compressão no concreto para o piso misto de pequena altura foi aproximadamente o dobro da deformação registrada para a viga mista convencional e a ordem de grandeza das deformações indicou que o esmagamento do concreto não ocorreu. A linha neutra do piso misto de pequena altura estava localizada na alma a 41 mm da mesa superior. Observou‐se que as deformações da superfície superior do concreto e da mesa superior do perfil metálico foram próximas e o diagrama de deformações foi contínuo até o passo de carga F150, indicando que possuía interação total. A plastificação da seção metálica na região tracionada foi percebida pela ordem de grandeza das deformações. O perfil de aço plastificou na região tracionada do piso misto de pequena altura sem apresentar modos localizados de ruptura.

Figura 13 ‐ Posição da linha neutral durante o ensaio de flexão onde F é o passo de carga em kN.

185


Na viga mista convencional, a análise da posição da linha neutra ficou comprometida, pois um problema com o extensômetro posicionado na mesa superior inviabilizou as leituras de deformação neste ponto. Contudo, a linha neutra no perfil metálico provavelmente estava localizada na mesa superior e a plastificação do perfil metálico não ocorreu.

4

Conclusões

Este estudo tem como objetivo principal avaliar o comportamento estrutural de pisos mistos de pequena altura, em particular a capacidade resistente e o modo de ruptura. As principais conclusões são resumidas a seguir. 

O comportamento de pisos mistos de pequena altura e a eficiência dos conectores tipo pino com cabeça soldados na alma do perfil, na promoção do comportamento conjunto aço‐concreto, foram avaliados experimentalmente através do ensaio de flexão em quatro pontos. Os resultados experimentais foram comparados a valores teóricos de modelos normativos e simplificados, pois o pequeno número de amostras ensaiadas não tem caráter representativo para se propor critérios de dimensionamento específicos para tais elementos mistos. Porém, constata‐se que a utilização de análises simples pode ser aplicada para pisos mistos de pequena altura. Comparando os valores de momento fletor teórico e experimental, verifica‐se que o valor experimental diverge do teórico em 25% para o piso misto de pequena altura. Essa diferença é devido ao fato da formulação considerar uma laje maciça e a não caracterização das propriedades mecânicas do aço do perfil metálico. Para viga mista convencional, divergiu entre 3 a 9% devido à consideração da alça na ligação aço‐concreto e à norma ser mais conservadora, respectivamente.

Como esperado, a viga mista convencional é mais resistente que o piso misto de pequena altura devido ao maior momento de inércia proporcionado pela altura total da seção mista e, assim, apresentou menores deformações no aço e no concreto. Entretanto, a transferência de forças entre a laje e o perfil foi maior na viga mista convencional devido à maior deformação no conector e à maior força de ruptura. Portanto, o piso misto de pequena altura possui menor capacidade 186


resistente e menor transferência de forças de cisalhamento na interface, indicando que o grau de conexão pode ser reduzido para este sistema. 

O grau de conexão mostrou ter grande influência na rigidez das vigas mistas. Na viga mista convencional com grau de conexão próximo a 0,4, o deslocamento vertical é semelhante ao deslocamento teórico, considerando a análise elástica, até o limite de proporcionalidade. Em relação ao deslizamento na interface, nota‐se que o deslizamento relativo entre o concreto e o aço é nulo, enquanto existe interação total entre eles.

A combinação de aço e concreto apresenta algumas vantagens em relação aos elementos de aço e de concreto isolados e, em certas situações, é a melhor opção. Em comparação ao perfil de aço isolado, o piso misto de pequena altura proposto possui capacidade resistente 32% maior, demonstrando que esse sistema misto é interessante no ganho de capacidade resistente e rigidez. Além de aumentar a estabilidade estrutural e a resistência ao fogo, a utilização de pisos mistos de pequena altura reduz a altura do pavimento e, consequentemente, diminui a altura total da edificação. Somando a isso, o uso de lajes pré‐fabricadas gera um aumento de produtividade com menos desperdício. Portanto, o arranjo proposto é interessante e viável para edificações de múltiplos andares com necessidade de rapidez de execução, ganho de altura útil e redução de custos.

5

Agradecimentos

As autoras agradecem aos técnicos do Laboratório de Estruturas (EESC) pela colaboração nos ensaios. Agradem a Capes, CNPq e a empresa TATU pré‐moldados pelo financiamento da pesquisa. Agradecem a Deus, família e amigos pelo apoio.

6

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187


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188


Recebido: 28/08/2017 Aprovado: 24/11/2017 Volume 6. Número 3 (dezembro/2017). p. 189‐208 ‐ ISSN 2238‐9377

Revista indexada no Latindex e Diadorim/IBICT

Avaliação do método simplificado da ABNT NBR 14323:2013 no cálculo da elevação da temperatura em pilares de aço inseridos em parede Yagho de Souza Simões¹ , Fábio Martin Rocha², Jorge Munaiar Neto3 *

1

Escola de Engenharia de São Carlos (USP), Departamento de Estruturas, yaghosimoes@usp.br 2 Escola de Engenharia de São Carlos (USP), Departamento de Estruturas, fabio.rocha@usp.br 3 Escola de Engenharia de São Carlos (USP), Departamento de Estruturas, jmunaiar@usp.br

Evaluation of the ABNT NBR 14323:2013 code simplified method for calculating the temperature of columns embedded on walls Resumo A norma brasileira ABNT NBR 14323:2013 prescreve, no referente aos pilares de aço em situação de incêndio, um método simplificado para calcular a evolução da temperatura na seção transversal. Porém, por se limitar a pilares com aquecimento nas quatro faces, elementos estruturais inseridos em paredes não possuem método específico, admitindo o uso daquele descrito com certa modificação. Para verificar a efetividade do método normatizado, o presente artigo compara os resultados obtidos por modelos numéricos térmicos e aqueles calculados pela metodologia da norma para pilares de aço isolados e inseridos em paredes. Foi constatado que esse possui resultado satisfatório para pilares isolados. Diante disso, foi proposto um novo método simplificado que apresentou melhores resultados que os obtidos pelo método normatizado para o caso de pilares associados a alvenarias. Palavras‐chave: Pilares de aço inseridos em paredes, Temperatura, Método Simplificado, Modelo Numérico. Abstract The Brazilian code ABNT NBR 14323: 2013 prescribes a simplified method for calculating the temperature evolution in the cross section, in respect to steel columns subjected to fire situation. However, being limited to columns with heating on the four faces, structural elements inserted in walls have no specific design method, admitting the use of that one described with certain modification. To verify the effectiveness of this method, this paper presents a comparative study between the results obtained by thermo‐numerical models and those achieved using the methodology presented on the Brazilian code for insulated and inserted steel columns in walls. It was verified satisfactory results only when they come to isolated. Therefore, it was proposed a new simplified method, which presented better results for the columns inserted on walls when compared to the Brazilian code method. Keywords: Inserted steel columns in walls, Temperature, Simplified Method, Numerical Model

* Autor correspondente


1

Introdução

Segundo a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) através da Norma Brasileira (NBR) 14432:2001, a compartimentação é considerada uma medida de proteção passiva que tem como função diminuir ou evitar a propagação interna ou externa de chamas, calor e gases em um edifício incendiado. As paredes, por exemplo, funcionam como um elemento de compartimentação e oferecem aumento da resistência ao fogo de pilares quando estão em contato com esse elemento estrutural. Nas estruturas correntes compostas por elementos metálicos, grande parte dos pilares de aço se encontra inserida em paredes, de modo que, em situação de incêndio, apresentam comportamento estrutural diferente daqueles considerados isolados. Isso ocorre porque a compartimentação gerada pela alvenaria induz um aquecimento diferencial no pilar, provocando gradientes térmicos em sua seção transversal. As normas vigentes que abordam o dimensionamento de estruturas metálicas em situação de incêndio, em especial a brasileira ABNT NBR 14323:2013 e a europeia Eurocode 3 Parte 1‐2 (2005), tratam apenas dos pilares com distribuição uniforme da temperatura na seção transversal. O dimensionamento do elemento frente a essa ação excepcional consiste na determinação da temperatura média do perfil de aço com base em uma grandeza denominada “fator de massividade”, a qual é obtida pela razão entre o perímetro exposto ao fogo e a área bruta da seção transversal. No que concerne aos elementos estruturais pertencentes a paredes, as normas vigentes apenas fazem menção a essa configuração como um caso especial que necessita de uma análise térmica adequada, sem apresentar um método simplificado para sua abordagem. O correto comportamento de um pilar inserido em alvenaria fundamenta‐se no efeito do gradiente térmico na seção transversal, levando em conta a formação de momentos fletores e curvatura no elemento estrutural. De acordo com Agarwal et al. (2014), a não consideração da diferença de temperatura nesse tipo de composição estrutural pode gerar resultados inseguros para a resistência ao fogo. O comportamento dos pilares inseridos em paredes se baseia no efeito do Thermal Bowing. Esse fenômeno é apresentado de forma detalhada em Garlock e Quiel (2007) e 190


em Correia et al. (2014), mas de maneira geral, pode ser resumido como o surgimento inicial de uma curvatura do pilar para o lado exposto ao fogo (Figura 1A), seguido de uma mudança em sua curvatura para o lado oposto (Figura 1B). Esse comportamento ocorre devido aos efeitos da dilatação térmica em regime de aquecimento não uniforme e a perda de rigidez do material com o aumento da temperatura associados às restrições rotacionais presentes nas extremidades. a)

b)

Figura 1 – Deformação do pilar de aço inserido em paredes: a) em direção ao fogo; b) em direção ao lado mais frio (Correia et al., 2014). Em Silva et al. (2008) foi desenvolvido um estudo numérico‐experimental com o intuito de avaliar o efeito do gradiente térmico em elementos estruturais inseridos em paredes com aquecimento em apenas um lado. Para tanto, foram analisadas duas situações do pilar associado à alvenaria: com a alma paralela ou perpendicular à superfície da parede. Correia et al. (2014) também realizaram ensaios experimentais e modelagens numéricas de pilares de aço isolados e em contato com paredes, de modo a comparar seções que apresentavam aquecimento uniforme e diferencial com ênfase no estudo do fenômeno Thermal Bowing. Ambos os estudos chegaram à conclusão que as paredes agem de forma a reduzir a temperatura da seção transversal, apesar de aumentar os esforços na estrutura. Além disso, a orientação do perfil de aço interfere significativamente no comportamento e na resistência ao fogo do pilar. Tendo em vista que o Eurocode 3 Parte 1‐2 (2005) considera, para efeito de dimensionamento, apenas pilares de aço isolados, em Correia et al. (2011) foi 191


apresentado um método simplificado para avaliar a temperatura nos pilares associados a alvenarias. A eficácia do método foi comprovada, com aplicabilidade para as seções transversais e paredes utilizadas no estudo. Diante da necessidade de aprofundar os conhecimentos sobre os métodos de cálculo numéricos e simplificados para pilares inseridos em paredes, este artigo apresenta o desenvolvimento de modelos numéricos térmicos, validados a partir dos ensaios experimentais descritos em Rocha (2016), bem como estudo teórico para a determinação da temperatura por meio de métodos simplificados. As análises experimentais descritas em Rocha (2016) são apresentadas no item 3. A partir dos modelos construídos, foi comparada a elevação da temperatura média dos perfis de aço da análise numérica com aquela obtida pelo método simplificado da ABNT NBR 14323:2013. Sugestões para a determinação do fator de massividade para pilares inseridos em paredes também são apresentados no decorrer do trabalho.

2

Método simplificado para determinação da evolução da temperatura do aço

A norma brasileira ABNT NBR 14323:2013 define que, para uma distribuição uniforme de temperatura na seção transversal, aquecida pela curva de incêndio padrão da International Organization for Standardization (ISO) 834:1999, a evolução de temperatura no perfil de aço sem revestimento será dada pela equação descrita em seu item 8.5.1.1.1. A temperatura no elemento metálico é função, portanto, do fator de correção para efeito de sombreamento, do fator de massividade, da massa específica e do calor específico do aço, do fluxo de calor por unidade de área e do tempo de exposição ao fogo. No que se refere aos pilares inseridos em paredes, os quais apresentam um gradiente térmico na seção transversal, a referida norma não fornece um método específico para essas situações, porém se admite utilizar o mesmo procedimento citado anteriormente. Para isso, no cálculo do fator de massividade, deve‐se empregar apenas uma parte da área total bruta determinada pelo perímetro exposto ao fogo.

192


3

Programa experimental

Tendo em vista que a estratégia de modelagem numérica se baseia no ensaio experimental utilizado para sua validação, nessa seção serão abordados os aspectos mais relevantes dos ensaios apresentados em Rocha (2016), os quais foram diretamente empregados para a construção dos modelos térmicos. O programa experimental de referência foi realizado no Laboratório de Ensaio de Estruturas e Materiais da Universidade de Coimbra, Portugal, e contou com doze protótipos considerando pilares inseridos ou não em paredes, dentre os quais seis foram objeto de estudo desse artigo cujas características estão descritas na Tabela 1. Tabela 1 – Características dos perfis ensaiados em Rocha (2016) Número Referência Perfil HEA Orientação da alma Espessura do bloco 1

H100‐PAR‐T7

100

Paralela

7 cm

2

H100‐ORT‐T7

100

Ortogonal

7 cm

3

H220‐PAR‐T15

220

Paralela

15 cm

4

H220‐ORT‐T15

220

Ortogonal

15 cm

5

H100‐ISO

100

6

H220‐ISO

220

Cada pilar ensaiado apresenta uma referência, como pode ser vista na Tabela 1, informando o tipo de perfil do pilar de aço (HEA 100 ou HEA 220), a posição do perfil em relação à superfície da parede (paralela ou ortogonal) e a espessura do elemento de vedação (7 cm ou 15 cm). Para os pilares que receberam aquecimento nas quatro faces, tiveram como referência a palavra ISO. As características geométricas das seções transversais dos perfis utilizados estão indicadas na Figura 2.

Figura 2 – Características geométricas dos perfis HEA 100 e HEA 220 (Rocha, 2016).

193


Em relação aos aspectos construtivos, as paredes foram construídas com blocos cerâmicos cuja altura foi a mesma do pilar de aço (2940 mm) e um comprimento de 1200 mm para cada lado do elemento estrutural. Esses elementos de vedação receberam uma camada de argamassa do lado não exposto ao fogo, o que resultou em um aumento de 15 mm na espessura dos mesmos. No que concerne aos procedimentos de ensaio, os pilares foram carregados, posteriormente inseridos em um sistema tridimensional de restrição e, em seguida, iniciou‐se o aquecimento. O forno utilizado foi do tipo modular elétrico, composto por três módulos, sendo dois deles com 1,0 m de altura e o outro com 0,5 m. Quando unidos, formavam uma estrutura com dimensões 1,5 x 1,5 x 2,5 m³, de maneira que apenas 2,5 m centrais do pilar eram aquecidos. A Figura 3a traz a representação do sistema completo utilizado no ensaio experimental. a)

b)

Figura 3 – a) Representação do sistema global dos ensaios; b) Seções de medição de temperatura (Rocha, 2016). A instrumentação realizada no ensaio experimental com a indicação dos pontos em que foram medidas as temperaturas pelos termopares estão representadas no item 5 deste estudo, referente a validação dos modelos numéricos propostos. A nomenclatura dos termopares é dada por TX.Y, em que X representa a seção analisada e Y corresponde ao ponto de medição. Ressalta‐se ainda que, ao longo da altura do pilar, as temperaturas foram medidas em cinco seções (Figura 3b), porém apenas a seção três (central) será utilizada como referência.

4

Modelagem numérica térmica proposta

A modelagem numérica foi realizada por meio do código computacional ABAQUS versão 6.14, que utiliza o Método dos Elementos Finitos como formulação. A Figura 4 mostra a 194


representação dos modelos térmicos dos elementos estruturais estudados. Nela estão indicados apenas um pilar para cada orientação da alma em relação à superfície da parede, uma vez que os modelos são construídos de maneira semelhante, alterando apenas as dimensões da seção transversal e a espessura dos elementos de vedação. Ressalta‐se que os modelos são apresentados em perspectiva e na horizontal para melhor visualização. a)

b)

Figura 4 – Representação dos modelos térmicos para o pilar.

No que diz respeito à criação desses modelos numéricos, foi empregado o elemento finito do tipo casca (DS4) para representação do perfil de aço, e do tipo sólido (C3D8) para as paredes. No processo de geração de malhas foi feito um refinamento que permitiu a adoção de elementos finitos com tamanho de 30 mm para os materiais. Ainda na Figura 4, observa‐se que não foi reproduzido o sistema de restrição tridimensional dos ensaios (Figura 3a), uma vez que a representação simplificada foi suficiente para obtenção de bons resultados. Em relação ao contato entre o aço e a parede, ele foi modelado com o uso da função tie constraint do tipo master‐slave surfaces que une os graus de liberdade dos nós das superfícies em contato. Outra consideração importante no processo de modelagem pode ser observada novamente na Figura 4 e diz respeito às cinco divisões nos pilares e paredes ao longo de sua altura (eixo z). Tais divisões foram empregadas para inserir as curvas de aquecimento dos gases verificadas nas três regiões centrais (2,5 m) do modelo, sendo que cada uma delas representava a área de influência de cada módulo do forno. Cita‐se ainda que essas curvas não coincidem com a curva de incêndio padrão da ISO 834:1999, 195


uma vez que o uso das paredes como forma de isolamento do forno resultava em uma grande perda de calor do sistema. No que concerne à parede, a análise numérica consistiu em uma macromodelagem, considerando‐a como um bloco maciço de mesma altura do pilar de aço e com 0,5 m de comprimento. Este comprimento se refere, aproximadamente, à medida que esteve recebendo de calor durante os experimentos. Apesar de, durante os ensaios experimentais, ter sido aplicada uma camada de argamassa do lado da parede não exposta ao incêndio, no modelo numérico definitivo essa mesma não foi considerada. Tal abordagem foi escolhida tendo em vista a ocorrência de aumento do custo computacional durante o processamento sem nenhum ganho significativo em termos de precisão dos resultados. 4.1

Interações, Ação Térmica e Propriedade dos Materiais

O modelo numérico foi construído a partir de uma análise térmica transiente, de modo que as propriedades dos materiais variassem com o tempo. As condições de contorno empregadas consistem nos três mecanismos de transferência de calor que vão interferir no aquecimento do elemento estrutural: condução, convecção e radiação. Quando se trata de pilares inseridos em paredes, deve‐se considerar os lados exposto e não exposto ao fogo na construção do modelo térmico. O Eurocode 1 Parte 1‐2 (2002) no item 3.1 (5) traz para esse tipo de análise duas opções para levar em conta os fenômenos de transferência de calor para o lado não exposto. Pode‐se adotar um coeficiente de convecção equivalente a 9 W/m²°C, para representar os efeitos de convecção e radiação juntos, ou se admite esses fenômenos separadamente, de modo que o coeficiente de convecção seja igual a 4 W/m²ºC com o valor da emissividade dependente do material empregado. Para a face exposta, a norma europeia (EUROCODE 3 Parte 1‐2, 2005) considera o coeficiente de convecção igual a 25 W/m²ºC e emissividade de 0,7 para a superfície do aço. Apesar disso, durante o processo de validação, o modelo numérico não gerou resultados satisfatórios utilizando as sugestões normatizadas. Por essa razão, foi necessário realizar uma análise de sensibilidade dos parâmetros mencionados de modo que fossem determinados aqueles que melhor representassem o ensaio experimental. A Tabela 2 196


apresenta os parâmetros testados para realizar a calibração do modelo numérico, com destaque para aqueles empregados na representação final. Tabela 2 – Parâmetros testados para calibração do modelo numérico Lado exposto Lado não exposto Emissividade

Coeficiente de Convecção W.m²/ ºC

Emissividade

Aço

0.6, 0.7, 0.8, 0.9

25

0.6, 0.7, 0.8, 0.9

4, 9

Parede

0.7, 0.8

25

0.7, 0.8

4, 9

Superfície

Coeficiente de Convecção W.m²/ ºC

Em relação às demais propriedades térmicas utilizadas no modelo, como o calor específico e a condutividade térmica, para o aço foi seguido o equacionamento descrito na ABNT NBR 14323:2013, o qual possui basicamente as mesmas considerações do EUROCODE 3 Parte 1‐2 (2005). Em relação às paredes, as propriedades térmicas foram consideradas constantes com o aumento da temperatura, seguindo os mesmos valores apresentados em Cadorin (2003) que, por sua vez, tratava de uma análise numérica no código computacional Ozone. Portanto, serão considerados os seguintes valores para as propriedades das paredes: 840 J/kg°C para o calor específico, 1600 kg/m³ para a massa específica e 0,7 para a condutividade térmica.

5

Validação dos modelos numéricos

O processo de validação da análise térmica consistiu em verificar se os resultados numéricos representam adequadamente as temperaturas medidas nos ensaios experimentais cuja localização dos pontos de medição está representada na Figura 5. a)

b)

c)

Figura 5 – Posição dos termopares no ensaio experimental para os pilares: a) Isolados; b) Com a alma ortogonal à superfície da parede; c) Com a alma paralela à superfície da parede (Rocha, 2016).

197


Na Figura 6 estão indicadas as variações de temperatura numéricas e experimentais na seção central dos pilares para os principais termopares. Como pode ser observado, são representados os resultados para apenas dois elementos estruturais inseridos em paredes, uma vez que, para os demais, o comportamento obtido foi similar. b)

a)

Figura 6 – Comparação entre temperaturas encontrados nos ensaios e numericamente para os pilares. A análise gráfica permite constatar a boa concordância entre as temperaturas medidas na análise experimental quando comparadas àquelas obtidas numericamente. A diferença de temperatura entre resultados numérico e experimental para os termopares estudados foi pequena, o que permite concluir que o modelo numérico está devidamente validado. A partir disso, seguiu‐se para a obtenção da elevação da temperatura média dos pilares a partir do método simplificado da norma brasileira.

6

Avaliação do método simplificado para cálculo das temperaturas da ABNT NBR 14323:2013

Esta seção busca empregar o método simplificado da ABNT NBR 14323:2013, descrito no item 2, para obtenção da evolução da temperatura média do perfil de aço. A partir disso, são comparados os resultados determinados por meio deste método com aqueles alcançados pela modelagem numérica térmica de modo a verificar a eficiência da referida norma no cálculo das temperaturas da seção transversal.

198


6.1

Considerações acerca da modelagem numérica

Nessa nova etapa, optou‐se por utilizar os parâmetros normatizados de emissividade e coeficiente de convecção, a fim de padronizar os resultados. Essa escolha foi feita, pois nesta etapa serão comparadas temperaturas numéricas com aquelas obtidas pelos métodos simplificados considerados. Em outras palavras, a ideia é garantir a coincidência, enquanto parâmetros, entre método normatizado e modelo numérico. Assim, os pilares foram modelados utilizando a curva de incêndio‐padrão, ISO 834:1999, com os parâmetros térmicos definidos pela norma brasileira. Portanto, para os pilares isolados e para a face exposta ao fogo dos pilares inseridos em paredes, o valor da emissividade resultante para a superfície de aço foi igual a 0,7 e o coeficiente de convecção equivalente igual a 25 W.m²/ ºC. Em relação às propriedades térmicas para o lado não exposto e aquelas correspondentes às paredes na face aquecida, a norma brasileira não traz informações a respeito. Portanto, serão empregados os parâmetros fornecidos pelos códigos normatizados europeus e descritos no item 4.1. Assim, para a face não exposta, adotou‐ se o valor da emissividade igual a 0,7 para os materiais e para o coeficiente de convecção, 4 Wm²/°C. O tempo de análise do modelo térmico foi limitado ao tempo do ensaio experimental de cada pilar. Na modelagem numérica, o cálculo da temperatura média do perfil de aço consiste em definir uma temperatura representativa em cada passo de tempo para a seção transversal. 6.2

Aplicação do método simplificado

Nos pilares que possuem aquecimento em suas quatro faces, a aplicação do método simplificado se dá de maneira direta a partir da determinação do fator de massividade e aplicação da equação fornecida pelo item 8.5.1.1.1 da ABNT NBR 14323:2013. De acordo com a ABNT NBR 14323:2013, para pilares inseridos em elementos de compartimentação, essa equação também pode ser aplicada, desde que se considere no cálculo do fator de massividade a área bruta correspondente à parcela determinada pelo perímetro exposto. A Figura 7 mostra as seções transversais para esses pilares considerados no trabalho, destacando o perímetro exposto ao fogo dos perfis. 199


A partir da definição do perímetro exposto, a etapa seguinte consiste em estabelecer a área total ( Ag ) delimitada por esse perímetro. Como pode ser vista ainda na Figura 7, é possível determinar a área aquecida pelo fogo para os pilares com gradiente térmico ao longo da alma (H220‐ORT‐T15 e H100‐ORT‐T7), uma vez que as chamas envolvem completamente a mesa exposta e parte da alma do perfil de aço. Porém, para os pilares com aquecimento diferencial ao longo da mesa (H220‐PAR‐T15 e H100‐PAR‐T7), não se consegue calcular essa área de maneira precisa, pois apenas um lado dos componentes do perfil de aço está aquecido, de modo que não pode ser tomada a área total dessa região. A norma brasileira não faz referência a esse cenário.

Figura 7 – Representação do perímetro exposto ao fogo para os pilares.

Diante disso, a Figura 8 traz a representação das seções transversais dos pilares com a alma paralela à superfície da parede, indicando a área adotada. Observa‐se, portanto, que a área exposta empregada foi aquela delimitada pela metade da espessura dos elementos parcialmente aquecidos.

Figura 8 – Representação da área bruta ( Ag ) adotada para os pilares. 200


A partir disso, a Tabela 3 indica os valores do perímetro exposto ( u ), área bruta ( Ag ) e o correspondente fator de massividade ( u / Ag ) que foram utilizados para determinar a evolução da temperatura média do perfil de aço para os seis pilares de aço. Tabela 3 – Perímetro exposto, área bruta e fator de massividade para os perfis de aço u (mm) Ag (mm²) u / Ag (m‐1) H220‐ORT‐T15 H220‐PAR‐T15 H220‐ISO H100‐ORT‐T7 H100‐PAR‐T7 H100‐ISO

493 493 1286 221 221 582

2553 2253 6430 825 720 2120

193 219 200 268 307 275

6.3

Comparação e análise dos resultados

Inicialmente, será analisada a aplicabilidade do método simplificado para os pilares com aquecimento uniforme na seção transversal. A Figura 9 traz comparação entre os resultados teóricos e aqueles obtidos pela modelagem numérica para os pilares isolados, ou seja, aquecidos igualmente em todas as faces. a)

b)

Figura 9 – Comparação entre os resultados numéricos e aqueles fornecidos pelo Método Simplificado da ABNT NBR 14323:2013 para os pilares isolados. A Figura 9 permite inferir que a norma brasileira consegue representar bem a evolução de temperatura para os pilares isolados, devido à proximidade das curvas evidenciadas. Em relação aos elementos estruturais inseridos em paredes, a Figura 10 fornece os

201


resultados numéricos e teóricos obtidos apenas para os pilares formados pelo perfil H220, pois os demais pilares apresentaram comportamento semelhante. Na Figura 10 estão representadas as curvas de evolução da temperatura média do modelo numérico, aquela obtida pelo método simplificado (utilizando os fatores de massividade da Tabela 3) e a curva obtida pelo método normatizado considerando aquecimento nas quatro faces do elemento estrutural (pilar isolado). a)

b)

Figura 10 – Comparação entre os resultados numéricos e aqueles fornecidos pelo Método Simplifico da ABNT NBR 14323:2013 para os pilares inseridos em paredes. A análise gráfica permite concluir que o método simplificado da norma brasileira fornece resultados bastante conservadores para os pilares em contato com alvenaria. Percebe‐ se ainda que, considerando o pilar com aquecimento nas quatro faces, o resultado do método simplificado é praticamente o mesmo quando se leva em conta os elementos de vedação, uma vez que o fator de massividade para ambos os casos foram similares. É importante destacar que o efeito sombra não foi considerado nos modelos numéricos e não se fez necessário, como pode ser visto nas figuras acima. No caso dos pilares sem paredes, os resultados obtidos foram equivalentes ao do método simplificado. E no caso dos pilares inseridos em paredes, apenas parte do perfil está exposto, diminuindo este efeito de sombra. Partindo do pressuposto que o fator de massividade é a grandeza que influencia diretamente o cálculo da temperatura média do aço, foi realizada uma variação desse parâmetro (Figura 11) em função do fator de massividade de um perfil totalmente

202


exposto ao fogo (100%), de modo a comparar o comportamento das curvas fornecidas pelo método simplificado e aquela proveniente da modelagem numérica. a)

b)

Figura 11 – Variação do fator de massividade para determinação da evolução de temperatura de pilares de aço por meio do método simplificado da norma brasileira. Pode‐se afirmar que, mesmo variando o fator de massividade, não se consegue definir uma curva a partir do método simplificado que represente a temperatura média da seção obtida pelos modelos numéricos térmicos. Portanto, a equação fornecida pela norma brasileira não pode ser empregada na determinação da evolução de temperatura média de pilares de aço inseridos em paredes, uma vez que o gradiente de temperatura altera o comportamento térmico e termoestrutural dos pilares.

7

Proposta de método simplificado para cálculo de temperaturas em pilares inseridos em paredes

Esta seção se dedica à proposição de um método simplificado capaz de determinar de forma satisfatória a evolução da temperatura média de pilares de aço inseridos em paredes, tendo como base as informações descritas pela ABNT NBR 14323:2013. 7.1

Hipóteses básicas de cálculo

a) Admite‐se que a seção transversal seja dividida em duas partes de áreas iguais para a aplicação do método simplificado: uma referente ao lado exposto e outra ao lado não exposto ao fogo, de modo a representar o aquecimento diferencial do pilar, como mostrado na Figura 12;

203


Figura 12 – Representação da seção transversal do pilar em duas áreas iguais.

b) De maneira geral, adota‐se a equação do item 8.5.1.1.1 da norma brasileira para o cálculo da elevação da temperatura no perfil de aço, porém com as seguintes alterações: 

Para área exposta ao fogo, independente da configuração do perfil metálico em relação à superfície da parede, utiliza‐se integralmente a equação citada.

Para a área não exposta ao fogo, adota‐se um coeficiente de ponderação para a temperatura calculada pela equação do método normatizado. Pilares com a alma ortogonal às paredes, esse valor corresponde a 0,25 e para pilares com a alma paralela à superfície das paredes, essa grandeza deve ser igual a 0,55.

c) O fator de massividade para os pilares inseridos em paredes será aquele correspondente ao perfil de aço com aquecimento nas quatro faces, pois, como apresentado na Tabela 3, mesmo admitindo diferentes formas para cálculo dessa grandeza, os resultados foram bem semelhantes. 7.2

Validação da proposta de cálculo

De modo a garantir que o método proposto atenda a variadas situações, além daquelas apresentadas na Figura 12, foram modelados os pilares apresentados em Correia et al. (2011), formados por diversos tipos de perfis de aço e espessuras de paredes. A descrição das características dos pilares utilizados para validação do método proposto está indicada na Tabela 4 de modo que a nomenclatura dos mesmos foi baseada naquela empregada nesse artigo. Destaca‐se que o tempo de exposição ao fogo foi limitado a quatro horas. 204


Tabela 4 – Características dos pilares empregados para validação do método proposto. Orientação Espessura Referência Nomenclatura Perfil do Perfil da parede Bibliográfica H100‐ORT‐T7 HEA 100 Ortogonal 7 cm Rocha (2016) H100‐PAR‐T7 HEA 100 Paralela 7 cm Rocha (2016) H120‐ORT‐T9,8 HEA 120 Ortogonal 9,8 cm Correia et al. (2011) H120‐PAR‐T10 HEA 120 Paralela 10 cm Correia et al. (2011) H160‐ORT‐T13,4 HEA 160 Ortogonal 13,4 cm Correia et al. (2011) H160‐ PAR ‐T14 HEA 160 Paralela 14 cm Correia et al. (2011) H200‐ORT‐T17 HEA 200 Ortogonal 17 cm Correia et al. (2011) H200‐ PAR ‐T18 HEA 200 Paralela 18 cm Correia et al. (2011) H220‐ORT‐T15 HEA 220 Ortogonal 15 cm Rocha (2016) H220‐ PAR ‐T15 HEA 220 Paralela 15 cm Rocha (2016) H240‐ORT‐T20,6 HEA 240 Ortogonal 20,6 cm Correia et al. (2011) H240‐ PAR ‐T18 HEA 240 Paralela 18 cm Correia et al. (2011) H280‐ORT‐T18 HEA 280 Ortogonal 18 cm Correia et al. (2011) H280‐ PAR ‐T18 HEA 280 Paralela 18 cm Correia et al. (2011) O processo de validação da proposta de cálculo consiste na comparação entre as curvas obtidas numericamente para a temperatura média da área exposta e não exposta fornecidas pelo método simplificado proposto. A Figura 13 traz os resultados para alguns dos pilares utilizados. Os resultados para aqueles elementos estruturais não representados foram semelhantes. Inicia‐se a análise dos resultados para os resultados obtidos da temperatura para o lado exposto ao fogo. A partir da Figura 13, conclui‐se que o método simplificado conseguiu representar bem a parte exposta dos pilares, independente da orientação do perfil. Ressalta‐se que os resultados dos pilares com a alma ortogonal à superfície das paredes, especialmente utilizando os perfis HEA 100, HEA 220 e HEA 280, foram os que apresentaram melhores resultados. A maior diferença entre as temperaturas numéricas e aquelas obtidas pelo método simplificado, para a região exposta ao fogo, foi observada nos casos em que os pilares que apresentam o gradiente térmico ao longo da mesa. Nestes casos, pode‐se verificar que há maior dissipação de calor pela alma do perfil, diferentemente do pilar com a alma ortogonal à parede, o que acarreta em uma temperatura numérica menor para a zona exposta ao fogo.

205


Figura 13 – Comparação entre as temperaturas obtidas numericamente e pelo método simplificado proposto para os pilares inseridos em paredes. 206


Além disso, chama‐se atenção para o fato de que o método da norma não leva em consideração os mecanismos de transferência de calor para a face não exposta, o que eleva a temperatura média da área exposta. Em relação aos resultados para o lado não exposto ao fogo fornecidos pela Figura 13, observa‐se também a eficiência do método proposto. Quando se comparam as curvas do modelo numérico com aquelas obtidas pelo método proposto, a diferença de temperatura é pequena, sendo mais acentuada nos primeiros 30 minutos de aquecimento. À face do exposto, foi possível obter um método satisfatório para determinar a elevação da temperatura de pilares de aço associados a alvenarias. Porém, ressalta‐se que na maioria dos casos em que o método não se adequou às temperaturas calculadas numericamente, os resultados obtidos se encontram a favor da segurança. Também pode‐se mencionar que, em comparação ao método simplificado da ABNT NBR 14323:2013, os resultados são mais próximos da realidade. Pode‐se fazer esta afirmação uma vez que o método proposto considera temperaturas distintas para as regiões mais e menos aquecidas do perfil, enquanto que o método normatizado irá apresentar uma única temperatura para toda a seção. Por fim, vale ressaltar que mesmo o método apresentado é válido para uma gama de perfis e espessuras de paredes analisados em Rocha (2016) e Correia et al. (2011).

8

Conclusão

O estudo contou com a avaliação da aplicabilidade do método simplificado da norma brasileira ABNT NBR 14323:2013 na determinação da evolução da temperatura média dos perfis de aço isolados e inseridos em elementos de compartimentação. Constatou‐ se que, para pilares com aquecimento uniforme na seção transversal, o método gerou resultados satisfatórios quando comparados com os modelos térmicos de referência. Contudo, para os pilares inseridos em paredes, o método apresenta temperaturas muito superiores às que seriam observadas na realidade. Além disso, ao variar o fator de massividade, que é a grandeza que influencia diretamente o cálculo da temperatura no perfil, não se conseguiu definir uma curva que representasse os modelos numéricos. A partir disso, foi proposta uma nova metodologia que apresentou melhores resultados 207


para a maioria dos casos estudados de pilares inseridos em paredes. Aqueles que não representaram fielmente a evolução de temperatura no perfil, ainda apresenta resultados mais próximos da realidade do que o método da ABNT NBR 14323:2013.

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Agradecimentos

Os autores deste trabalho agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e ao Departamento de Engenharia de Estruturas da Escola de Engenharia de São Carlos/USP pelo apoio à realização do presente trabalho.

10 Referências ABNT. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 14323: projeto de estruturas de aço e de estruturas mistas de aço e concreto de edifícios em situação de incêndio. Rio de Janeiro: ABNT, 2013. ABNT. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 14432: exigências de resistência ao fogo de elementos construtivos de edificações ‐ procedimento. Rio de Janeiro: ABNT, 2000. AGARWAL, Anil; CHOE, Lisa.; VARMA, Amit H. Fire design of steel columns: Effects of thermal gradients. Journal of Constructional Steel Research, v. 93, p. 107‐118, 2014. CADORIN, Jean‐François. Compartment fire models for structural engineering. 2003. 201p. Thèse (doctorat en sciences appliquées), Faculté de Sciences Appliqués, Universitéde Liège, Belgium, 2003. CORREIA, Antonio J.P. Moura; RODRIGUES, João Paulo C.; REAL, Paulo Vila Thermal bowing on steel columns embedded on walls under fire conditions. Fire Safety Journal, v. 67, p. 53‐69, 2014. CORREIA, Antonio J.P. Moura; RODRIGUES, João Paulo C.; SILVA, Valdir P. A simplified calculation method for temperature evaluation of steel columns embedded in walls. Fire and Materials, v. 35, n. 7, p. 431‐441, 2011. EUROCODE. EUROPEAN COMMITTEE FOR STANDARDIZATION. EN 1991‐1‐2 ‐ Eurocode 1 ‐ Actions on structures ‐ Part 1‐2: General actions ‐ Actions on structures exposed to fire. Brussels, 2002. EUROCODE. EUROPEAN COMMITTEE FOR STANDARDIZATION. EN 1993‐1‐2 ‐ Eurocode 3 ‐ Design of Steel Structures. Part 1‐2: General rules – Structural Fire Design. Brussels, 2005. GARLOCK, M.E.; QUIEL, S.E. Mechanics of wide‐flanged steel sections that develop thermal gradients due to fire exposure. International Journal of Steel Structures, v. 7, n. 3, p. 153‐162, 2007. ISO. INTERNATIONAL STANDARD. ISO 834‐1: Fire‐resistance tests – Elements of building construct – Part 1: General requirements. ISO, 1999. ROCHA, Fabio Martin. Pilares de aço e misto de aço e concreto inseridos em paredes em situação de incêndio. 2016. 256p. Tese (Doutorado em Engenharia de Estruturas) ‐ Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2016. SILVA, Valdir P.; CORREIA, Antonio J.P. Moura; RODRIGUES, João Paulo C. Simulação do comportamento ao fogo de pilares de aço em contato com alvenaria. In: Jornadas Sudamericana de Ingenieria Estructural, 33., Santiago, 2008. Anais..., 2008.

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Recebido: 27/04/2017 Aprovado: 05/06/2017 Volume 6. Número 3 (dezembro/2017). p. 209‐218 ‐ ISSN 2238‐9377 Revista indexada no Latindex e Diadorim/IBICT

NOTA TÉCNICA

Projeto Estrutural para Adaptação de um Edifício Histórico em Centro Cultural Banco do Brasil Ricardo Hallal Fakury 1, Sebastião Salvador Real Pereira 1, Ana Lydia Reis de Castro e Silva1*, Márcio Lúcio Gomes2 e João Eduardo de Paula Carvalho3 1

Departamento de Engenharia de Estruturas da Escola de Engenharia, Universidade Federal de Minas Gerais, Av. Antônio Carlos 6627. Bloco I, 31270‐901, Belo Horizonte, MG, Brasil, analydiarcs@gmail.com 2 Embrasmi Ltda., Belo Horizonte, Brasil, embrasmi.mlg@terra.com.br 3 Banco do Brasil, Belo Horizonte, Brasil, joaoeduardocarvalho@bb.com.br

Structural Design for the Adaptation of a Historical Building into a Banco do Brasil Cultural Centre Resumo Neste trabalho são apresentadas as principais soluções estruturais utilizadas para a adaptação de um edifício de concreto armado da década de 1930, com seis pavimentos mais subsolo, situado na Praça da liberdade, em Belo Horizonte, para abrigar o Centro Cultural Banco do Brasil. Essa adaptação consistiu em demolir um conjunto de pilares do primeiro e segundo pavimentos e apoiar os pilares dos andares superiores em uma estrutura de aço, de modo a criar uma área livre para instalação de um teatro e de uma sala multiuso. A concepção e os aspectos principais do projeto da estrutura de aço são apresentados, bem como os detalhes mais relevantes a respeito do apoio dos pilares de concreto na estrutura de aço. Palavras‐chave: estrutura de aço; estrutura de concreto; projeto de adaptação de edifício antigo; ligação aço‐concreto.

Abstract This paper presents the main structural solutions applied for adaptation of a reinforced concrete building of the 1930s, with six floors and underground, located in Liberty Square, in Belo Horizonte city, to become a Banco do Brasil Cultural Centre. This adaptation consisted of the replacement of a set of columns of the first and second floors by a steel structure in order to create a free area for the placement of a theater and a multiuse area. The conception and the main aspects of the steel structure design are presented, as well as the most relevant details regarding the support of remaining concrete columns on the steel structure. Keywords: steel structure; concrete structure; old building adaptation design; steel‐concrete connection.

*

Autor correspondente


1 Introdução Em 1926 foi iniciada pela Construtora Carneiro Rezende a obra de um edifício de seis pavimentos mais subsolo em Belo Horizonte, na Praça da Liberdade, projetado pelo arquiteto Luiz Signorelli para abrigar a então Secretaria de Segurança e Assistência Pública de Minas Gerais. De estilo eclético, com influências neoclássicas e art déco (Figura 1), o edifício foi inaugurado no dia 7 de setembro de 1930 durante o governo do presidente Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, tornando‐se sede da Secretaria do Interior, que anexara a Segurança e Assistência Pública. Pouco tempo depois, foi transformado no Comando Geral das Forças Revolucionárias durante a Revolução de 1930. Mais recentemente, o edifício, que foi tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA) em 1977, esteve ocupado pela Secretaria da Defesa Social e Procuradoria Geral do Estado de Minas Gerais. No ano de 2008, foi estabelecida parceria

uma

entre

o

Governo do Estado de Minas Gerais e o Banco do Brasil para que o edifício viesse

Figura 1 – Praça da Liberdade com o edifício objeto deste estudo em 1935 (Fonte: pt.wikipedia.org – acessado em 03/06/2016)

a abrigar o Centro Cultural Banco do Brasil em Belo Horizonte (CCBB‐BH), integrando‐o assim ao Circuito Liberdade, complexo de antigos prédios da administração pública estadual, situados na Praça da Liberdade e imediações, que já se haviam tornado ou estavam se tornando espaços de cultura, artes e lazer. As intervenções para restauração arquitetônica e artística do edifício foram assinadas pelo arquiteto Flávio Grillo e o projeto de arquitetura que adaptou o prédio para criação dos espaços necessários ao funcionamento do CCBB‐BH foi elaborado pela arquiteta Eneida Silveira Bretas. As obras tiveram início oficialmente em agosto de 2009. 210


O CCBB‐BH foi inaugurado em 27 de agosto de 2013 na condição de um dos maiores espaços culturais do Brasil, contando com área para exposição de 1.200 m², teatro com capacidade para 264 lugares, sala multiuso, ambientes para convivência, lazer e alimentação e, ainda, loja para comercialização de produtos culturais. Ao todo, são 8.000 m² abertos ao público e mais 4.000 m² que ainda serão disponibilizados no futuro, totalizando 12.000 m². A Figura 2‐a mostra a fachada do edifício do CCBB‐BH atualmente. Ele é composto de quatro blocos estruturais separados por juntas de dilatação, denominados “Praça” (bloco de frente – voltado para a Praça da Liberdade), “IEPHA” (bloco lateral – voltado para prédio com instalações do IEPHA), “Sergipe” (bloco de fundo – voltado para a rua Sergipe) e “Niemeyer” (bloco lateral – voltado para edifício Niemeyer), contornando um pátio central com 330 m2 protegido por uma cobertura retrátil de vidro e metal no topo, conforme se vê na Figura 2‐b. A estrutura é composta por lajes, vigas e pilares de concreto armado. As fundações são constituídas por sapatas de espessura variável.

a) Fachada b) Blocos e pátio central

Figura 2 – Visão atual do edifício do CCBB‐BH (Fontes: tripadvisor.com.br e google.com.br/maps – acessados em 20/06/2016) Neste trabalho são apresentadas as soluções estruturais utilizadas para a criação de uma área livre (sem interferência de pilares) de cerca de 500 m2 nos pavimentos inferiores do edifício para possibilitar a construção do teatro e da sala multiuso.

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2 Estrutura de aço de sustentação 2.1 Localização e concepção No projeto do CCBB‐BH, optou‐se por posicionar o teatro e a sala multiuso no Bloco Sergipe do edifício (Figura 3), ocupando desde o subsolo até o segundo pavimento. Essa decisão levou em conta que, nessa posição, as pessoas poderiam ter acesso fácil ao interior do teatro pelo pátio central, que seria ainda utilizado como espaço de apoio. Para a criação da área livre necessária à instalação do teatro e da sala multiuso, houve a necessidade de eliminação parcial da estrutura de concreto armado dos primeiros pavimentos do edifício. Essa eliminação teve como aspecto mais importante o corte de onze

Figura 3 – Posicionamento do teatro no edifício (Fonte: viaggiando.com.br – acessado em 03/06/2016)

pilares no nível do piso do terceiro pavimento e de três outros pilares no nível do piso do segundo pavimento e, também, a supressão das vigas que uniam esses pilares nesses dois pisos. Assim, com o intuito de manter a sustentação dos pavimentos superiores e, adicionalmente, o suporte dos pisos do segundo e terceiro pavimentos, uma estrutura de aço foi projetada pela empresa Embrasmi Ltda. e verificada por consultores da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (EE.UFMG), através da Fundação Christiano Ottoni (FCO/EE.UFMG). A estrutura de aço é constituída por quatro pórticos (pórtico P1 no eixo 1 com vão de 12,0 m, pórticos P2 no eixo 2 e P3 no eixo 3 com vãos de 12,50 m, todos nascendo no subsolo e se elevando até o piso do terceiro pavimento, e pórtico P4 no eixo 4 com vão de 4,0 m, nascendo no subsolo e se elevando até o piso do segundo pavimento) e quatro vigas longitudinais no piso do terceiro pavimento (duas vigas biapoiadas paralelas com 10,60 m de vão entre os pórticos P1 e P2 e duas vigas biapoiadas paralelas com 13,49 m de vão entre os pórticos P2 e P3) e, ainda, quatro vigas longitudinais no piso do segundo pavimento (duas vigas biapoiadas paralelas com 13,49 m de vão entre os pórticos P2 e P3 e duas vigas biapoiadas paralelas com 6,0 m 212


de vão entre os pórticos P3 e P4), conforme mostra a Figura 4. A fundação dessa estrutura de aço é independente da fundação da estrutura de concreto do edifício.

Figura 4 – Estrutura de aço para sustentação dos pavimentos superiores do edifício 2.2 Vigas longitudinais Cada uma das vigas de aço longitudinais é formada por dois perfis I dispostos lado a lado, com uma distância entre eles que permitiu inicialmente a manutenção das vigas e a passagem dos pilares de concreto armado da estrutura original do edifício. Com as lajes apoiadas nas vigas de aço, as vigas de concreto puderam ser demolidas e os pilares de concreto foram afixados em blocos especiais de ancoragem (Figura 5). Depois, os pilares de concreto foram cortados logo abaixo dos blocos, ficando apoiados

Figura 5 – Vigas típicas com pilares de concreto armado passando entre os perfis I

nos dois perfis dessas vigas por meio dos blocos, assunto que será tratado no Item 3. 213


As duas vigas do piso do terceiro pavimento entre os pórticos P1 e P2 são constituídas por um par de perfis PS 1000x600x25x12,5 cada uma. Entre os pórticos P2 e P3, no mesmo pavimento, uma das vigas é constituída por um par de perfis PS 1000x600x50x16 e a outra por um par de PS 1000x600x37,5x12,5. As duas vigas do segundo pavimento entre os pórticos P2 e P3 são constituídas por perfis simples PS 750x300x50x16, cada uma. Finalmente, entre os pórticos P3 e P4, por dois pares de perfis W 610x155, cada uma. Os perfis soldados (PS) foram fabricados com chapas de aço ASTM A36 e os perfis laminados (W) com aço ASTM A572‐50. 2.3 Pórticos Na Figura 6 são mostradas as dimensões dos quatro pórticos, observando‐se que os pórticos 1, 2 e 3 possuem quatorze barras cada e o Pórtico 4 cinco barras.

Figura 6 – Geometria dos pórticos 214


Em todos os pórticos as barras são compostas por dois perfis I laminados, ligados lateralmente entre si por soldas contínuas, através das extremidades das mesas, formando um caixão (Figura 7). No Pórtico 1, foram usados perfis W 610 x 101, nos pórticos 2 e 3, perfis W 610 x 155

Figura 7 – Detalhe da ligação por solda entre dois perfis W nos pórticos 1 a 4

e no Pórtico 4, perfis W 410 x 85, fabricados com aço ASTM A572‐50 As ligações entre as barras dos pórticos são todas soldadas e as bases engastadas, conforme ilustra a Figura 8.

Figura 8 – Ilustração de uma ligação entre barras de um pórtico e de uma base de pilar

3 Suportes dos pilares remanescentes de concreto na estrutura de aço Os suportes dos pilares remanescentes de concreto na estrutura de aço foram projetados pela FCO/EE.UFMG para transmitir cargas de até 1800 kN (reação característica máxima dos pilares) e executados em diversas fases, na seguinte ordem: a) colocação de caixas metálicas retangulares contornando os pilares logo acima da seção em que eles seriam cortados, com o preenchimento de todos os espaços vazios com grout;

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b) execução de furos trespassando as caixas metálicas e o concreto dos pilares com o grout à sua volta através dos quais se inseriram até 10 barras dywidag de 1¼”, protendidas posteriormente com 50 kN cada (as barras dywidag protendidas impedem a ovalização das paredes das caixas, para que a reação dos pilares seja transmitida para as vigas de aço por meio de aderência); c) montagem da estrutura de aço descrita no Item 2 sobre a fundação já executada previamente, de modo que as caixas metálicas ficassem entre os dois perfis I que compõem cada viga de aço, com uma pequena folga (Figura 9‐a); d) Inserção de chapas de aço para preencher a folga entre as caixas metálicas e os dois perfis I das vigas de aço e soldagem dessas chapas nas caixas e nos perfis, para que que as caixas ficassem perfeitamente ligadas às vigas (Figura 9‐b);

a) Antes da soldagem à viga b) Após a soldagem à viga

Figura 9 – Caixa metálica circundando pilar de concreto

e) demolição de metade da seção tranversal dos pilares (Figura 10‐a); f) soldagem de chapa de aço no fundo das caixas metálicas, sob a metade demolida dos pilares; g) demolição do restante da seção transversal dos pilares (Figura 10‐b); h) soldagem de chapa de aço no restante do fundo das caixas metálicas; i) preenchimento dos espaços entre o fundo das caixas metálicas e o fundo dos pilares com grout para impedir qualquer movimentação relativa entre esses dois componentes.

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a) Metade da seção demolida b) Toda a seção demolida

Figura 10 – Demolição de um pilar É interessante observar que o corte dos pilares em duas etapas (metade da seção e soldagem de chapa de aço no fundo das caixas metálicas em cada uma) teve como razão assegurar a segurança estrutural durante as operações de demolição.

4 Considerações finais Apesar da complexidade da situação tratada, a solução estrutural utilizada para criação de uma área livre necessária à construção de um teatro (Figura 11) nos pavimentos inferiores de um antigo edifício de concreto armado, mostrada neste trabalho, mostrou‐se bastante prática, sendo executada sem maiores transtornos.

a) Plateia b) Palco

Figura 11 – Visão do teatro após concluído (Fonte: culturabancodobrasil.com.br ‐ acessado em 03/06/2016)

A estrutura de aço cumpriu adequadamente sua função, suportando os pavimentos superiores do edifício. Os deslocamentos verticais máximos das vigas metálicas foram 217


da ordem de 20 mm, dentro dos valores previstos. Como era esperado, ocorreram trincas e fissuras em algumas paredes de alvenaria no trecho da estrutura de concreto remanescente, localizada acima das caixas metálicas. Por essa razão,onde se julgou necessário, alguns trechos de paredes, paralelos às trincas, foram demolidos e reconstruídos para eliminar o problema. A ligação entre as partes superiores dos pilares que tiveram suas partes inferiores demolidas e a estrutura de aço, feita com os blocos de ancoragem, apresentou o comportamento esperado. Finalmente, destaca‐se que foi possível adotar a solução descrita porque a quase totalidade das vigas de concreto da estrutura original, que se apoiavam nos pilares cortados, eram isostáticas, o que evitou o aparecimentos de esforços solicitantes adicionais causados pela deformação da estrutura de aço. A rigor, houve apenas um caso de viga hiperestática, que foi devidamente avaliado e os esforços adicionais induzidos foram pequenos para comprometer a segurança estrutural. AGRADECIMENTO Os autores agradecem ao Centro Cultural Banco do Brasil.

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