Revista ARC DESIGN Edição 71

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design | arquitetura | comportamento | inovação

outubro novembro | 2010 | Nº 71 | R$ 18,00 | Roma Editora

fiat mio: um processo coletivo

GAETANO PESCE Melissa by

Hotel Moschino, milão Fred Gelli

+Guto Indio da Costa

lojas-conceito


ArcDesigN

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uando surgiu – já são 13 anos – ARC DESIGN propôs um salto de qualidade tanto no conteúdo quanto na forma. Era um novo olhar – crítico – no modo de tratar as questões do design, da arquitetura e da cultura material. O projeto gráfico impactante foi muitas vezes premiado e reverenciado, trazendo reconhecimento imediato à nova publicação. Agora, chegou a hora de um novo salto. Estruturamos mudanças importantes. Na forma, no conteúdo, no direcionamento. As transformações estão apenas iniciando e trarão maior presença e proximidade da ARC DESIGN junto ao público, em um modelo multiplataforma. Interação, diversidade, relevância e produção colaborativa de conteúdo são pilares importantes desse projeto. A Fogo Design traz um novo frescor às páginas, valorizando as imagens e as soluções gráficas. Uma equipe de articulistas e colaboradores enriquece e diversifica o conteúdo para atingir o leitor ávido por design e curioso sobre o lifestyle internacional, além do estudioso das mais diversas questões ligadas à nossa cultura material. Sempre atual e abrangente, a nova ARC DESIGN atende ao mercado, divulga as lojas e seus produtos, os criadores e seus projetos, a arte, o trending, o branding e a arquitetura. Sempre atenta ao corte transversal da sustentabilidade e sem esquecer a opinião dos profissionais sobre as macroquestões que envolvem o projeto. Mas a proposta de ARC DESIGN não abandona seu DNA, que continua a ser o de uma revista culta, informativa e crítica, Sempre antenada. A cada edição, um giro de 360 graus para seu prazer e informação.

Q

uando vemos o design perder, muitas vezes, seu caráter substantivo, passando a ser percebido como um simples adjetivo, apelo e apelido agregado a produtos existentes, ou ainda o surgimento de uma nova profissão no mercado, o designer de sobrancelhas, só nos resta falar do projeto dos objetos que habitam nosso universo com mais rigor e seriedade... sem, no entanto, jamais perder a leveza. É com esse espírito que iniciamos uma nova fase da ARC DESIGN. Uma pauta abrangente, que vai do design de produto ao design arte, ou à arte que se aproxima do design. Afinal, as fronteiras já foram ultrapassadas! Publicamos um primeiro recorte da Bienal Brasileira de Design, e muita atenção é dedicada ao desenho industrial, com o novo sapato Melissa, de Gaetano Pesce, e o Fiat Mio, sem esquecer outros destaques do design brasileiro. Para falar – e mostrar – interiores de prestígio, temos o fabuloso hotel da Maison Moschino, em Milão, e a nova rubrica sobre “o conceito das lojas-conceito”, que mapeará, a cada edição, showrooms de destaque em todo o Brasil. Na arquitetura, a visão e intenção de três escolas com características diferenciadas, projetadas por famosos arquitetos brasileiros. O mundo reclama e grita por mudanças. Nesta edição, introduzimos matérias conceituais e críticas que abrangem os territórios limítrofes ao design. São testemunhos de profissionais que projetam e pensam o design. Assim, além de chamar a atenção para questões periféricas – e básicas – ao desenvolvimento do projeto brasileiro, como um natural aprendizado com a natureza e a necessidade de exportarmos produtos e não commodities, acenamos para novas alternativas de pensamento e vida, que também incluem da criação coletiva de um novo carro ao olhar atento sobre as árvores das ruas e praças de São Paulo. Apreciem sem moderação! Maria Helena Estrada

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Q

Quando a ARC DESIGN nos chamou para fazermos o novo projeto gráfico da revista, aceitamos o convite como um desafio. A revista foi lançada, na década de 1990, com um projeto gráfico de alta qualidade que, para os leitores, era a própria cara da publicação. Inseparável. Pensamos inicialmente em uma evolução do projeto, um redesign da marca, possibilitando mais aplicações da mesma. Percebemos logo no início que não era este o caminho, e que adaptações não dariam certo: como mudar algo que já está aceito e cristalizado na mente dos leitores? Optamos, então, pela mudança radical: imprimir à revista, que estava reformulando

seu conteúdo, uma cara também diversa, que estivesse de acordo com o discurso de vanguarda do veículo e que trouxesse o visual da ARC DESIGN para o século 21, unindo o clássico ao moderno, como, por exemplo, na utilização de fontes tão diferentes como Garamond e Aller ou Drea. Buscamos criar um projeto mutante, que possibilitasse vários layouts diferentes, dando mais flexibilidade à arte, bem como novas maneiras de “contar uma história” dentro da revista, com soluções que não fossem apenas cosméticas, mas que fizessem parte do próprio conteúdo das matérias. Curtam a nova cara da ARC DESIGN, assim como nós curtimos fazê-la. FOGO DESIGN

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cOlAborAdores carine savietto Jornalista especializada em temas ligados à arquitetura, ao design, à cultura e estilo de vida, colabora com diversas publicações brasileiras, desenvolvendo e escrevendo matérias originais, além de traduções de importantes trabalhos

luciana stein Jornalista e pesquisadora de tendências de consumo, escreve para o jornal Valor Econômico e para a consultoria inglesa Canvas 8. É professora de Moda no Instituto Europeu de Design (IED), em São Paulo

stephan hammel É historiador e cientista político. Gerente internacional de vendas e comunicação da Cerruti Baleri, Milão. Atuou, em importantes empresas italianas no segmento do design, como a Edra, e entrevistou personalidades, como Alessandro Menidini, para sua tese sobre o Banco Ambrosiano e suas relações com o Vaticano

Juliana Gatti Designer e educadora ambiental. Diretora, desde 2006, do empreendimento Árvores Vivas, promove ações culturais, produtos e projetos voltados ao desenvolvimento da percepção humana sobre o meio ambiente guto índio da costa Designer industrial e diretor do escritório Indio da Costa A.U.D.T. Desenvolve, além de produtos, projetos em Gestão de Design para grandes marcas brasileiras e internacionais

fred gelli Designer de produtos e professor do Departamento de Design da PUC, RJ. Sócio–diretor de Criação da Tátil Design de Ideias, desenvolve conceitos e produtos baseados na biomimética. É palestrante em eventos relativos a design, branding e sustentabilidade

waldick jatobá Economista, colecionador de arte contemporânea e design. Um dos fundadores da São Paulo Design, empresa dedicada a criar mostras e seminários sobre design, design arte e arte

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ÍNDice

outubro | novembro | 2010 | Nº 71

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16. Assim caminha a humanidade Conheça, em entrevista exclusiva, as opiniões e as ideias sempre inovadoras do arquiteto e designer italiano Gaetano Pesce, que, em parceria com a Melissa, renova o conceito do sapato: de produto acabado e imutável, ele se torna customizável... com o uso de uma tesourinha e da sua imaginação

maria helena estrada

22. O gênio coletivo

O MIO, novo projeto da Fiat no Brasil, além do próprio carro, mostra um processo de criação. O veículo foi desenvolvido a partir de opiniões de consumidores postadas em um fórum na internet, com inovador conceito de projeto. Customizado pela coletividade, apresenta design urbano e compacto, além de funcionalidades sustentáveis e tecnológicas. Dê boas-vindas ao carro do futuro

carine savietto

33. Lojas-conceito

Algumas, exuberantes e aleatórias, outras discretas e clássicas, porém todas conceituais em seus espaços e coleções. ARC DESIGN vai revelar o que inspira os projetos de grandes marcas do país e suas lojas em uma série de reportagens que se inicia nesta edição, com os showrooms Conceito Firma Casa, Adriana Barra, La Lampe, Missoni Home e da gaúcha Habitart

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da redação

44. Maison Moschino: o hotel

O Maison Moschino, em Milão, é o retrato fiel do fashion designer que lhe dá o nome. Espaços internos expressam a mesma irreverência e ironia do estilo Moschino. Com peças do design internacional contrastadas por itens exclusivos, caminha-se por um universo de luxo, sonho e fantasia, do lobby aos quartos

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stephan hamel design | arquitetura | comportamento | inovação

outubro novembro | 2010 | Nº 71 | R$ 18,00 | Roma Editora

at mio: um processo coletivo

GAETANO PESCE Melissa by

Hotel Moschino, milão Fred Gelli

capa 71.indd 1

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+Guto Indio da Costa

lojas-conceito 10/4/10 10:08 PM

Capa

Montagem com os módulos ampliados da Melissa + Gaetano + Fontessa


56. Três escolas, três conceitos

A educação brasileira encontra na arquitetura das escolas uma forma de afastar a sombra do descaso. ARC DESIGN ouviu depoimentos de profissionais de referência, como Marcelo Ferraz, Carla Caffé e Jair de Souza, que conseguiram aproximar o ambiente de aprendizado de nossa realidade social em projetos realizados em periferias de São Paulo e do Rio de Janeiro

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ana weiss

64. Árvores vivas

O projeto Árvores Vivas, campeão de acessos na blogosfera, educa e surpreende com produtos e ações de reconhecimento dos patrimônios da cidade de São Paulo. Juliana Gatti, a idealizadora, conta como aplica os princípios de arborização na mais urbanizada de todas as metrópoles do país

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juliana gatti

68. Marepe, o questionador

Marcos Reis Peixoto, o Marepe, artista plástico do interior da Bahia, retrata suas memórias e inquietudes em diversos ofícios. Com ele, pedaços de madeira, embalagens plásticas e papelão viram desenho, escultura, pintura e projetos de instalações

waldick jatobá

72. Bioinspiração: aprendendo com quem sabe

A Bienal de Design deste ano utilizou a natureza como fonte de inspiração e trouxe como tema a tríade design, sustentabilidade e inovação, cujo equilíbrio é o grande desafio da produção atual. ARC DESIGN traz em primeira mão os detalhes do processo de criação e montagem dos espaços do evento, a partir da biomimética e sob o olhar de quem já participa há exatos 20 anos

fred gelli

08. News 28. DNA Brasileiro 52. Universo Café 74. Projetos para um Outro Mundo 77. Certas questões

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News Craft/ Paralela 2010 A 18ª edição da Paralela e também a nova edição da Craft mostraram que o objeto semi-industrial ou totalmente artesanal está precisando de mais sangue na veia. É preciso melhorar a qualidade! Tanto na inspiração quanto na transpiração. O que destacar? O Projeto Lyptus®, uma ideia de Marisa Ota para a Paralela, com produtos em madeira Lyptus certificada, como a linha de mesinhas auxiliares Pedaços, de Ana Paula Castro, a banqueta by Rubens Szpilman, os colares tridimensionais de Miriam Pappalardo e o livro “Aventuras do Mar de Dentro”, de Maria Emilia Kubrusly, com desenhos de Lui (da dupla Tina e Lui) e direção de arte de Renato Imbroisi. Na Craft, destaque para o sempre criativo Luiz Pedrazzi, as inovações decorativas de Greghi Design e a presença da empresa argentina Vaca Valiente. www.paralelagift.com.br www.craftdesign.com.br

Mesa Pedaços. Em marchetaria, criada para o projeto Lyptus® da Paralela Gift 2010 www.anapaulacastro.com.br

Livro ilustrado sobre educação ambiental criado para o projeto “Bichos do Mar de Dentro”, desenvolvido pelo SEBRAE – RS www.bichosdomardedentro.com.br

vinícius costa

Bota em porcelana com desenhos aplicados do designer Osvaldo Greghi Junior www.greghidesign.it.gg

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Utensílio decorativo em couro natural reciclado, da Vaca Valiente www.vacavaliente.com

Colar produzido com materiais de descarte em parceria com artesãs do Instituto Acaia, para a mostra Design & Natureza. Design Miriam Pappalardo (11)3873-2634

Banqueta em madeira com assento em resina de poliéster, de Rubens Szpilman, criada para o projeto Lyptus® da Paralela Gift 2010 www.squalus.ind.br

Banco Paulistinha. Em madeira pinus de reflorestamento e tiras de EVA, do Studio Pedrazzi Arquitetura e Design www.studiopedrazziarchitects.com 9


News ambientes online história na prateleira O humor invade o design, e não apenas na área das crianças. A designer italiana Anna Gili acompanha seu zoo de um breve conto ilustrado sobre cada figura representada. A girafa Zaffrá fala sobre a aventura da personagem e de seus novos amigos, Gorì e Fantel, na volta para a savana. As peças, que fazem parte da nova coleção Oggetti e Progetti, da Alessi, são em aço inoxidável cortadas a laser. O acabamento pode ser pintado ou natural. Disponível para compra no site e nas lojas Alessi. www.alessi.com

Novos painéis de MDF? Não, um simulador de ambientes. Este é o próximo lançamento da Masisa, para estreitar o relacionamento com seus consumidores. Em breve, ao acessar o site da empresa no Brasil – www.masisa. com.br – o internauta poderá experimentar diferentes combinações dos padrões MDF e MDPremium, além de cores de paredes, tipos de pisos e itens de iluminação em ambientes residenciais ou comerciais disponíveis para visualização. Além disso, o Virtual Showroom permitirá salvar o projeto e compartilhá-lo por e-mail com outras pessoas, para novas alterações. (41) 3219 1850

cozido na lata Os irmãos Adriano vieram ao Brasil em 2007 convidados pela feira CASA BRASIL... e já estão inseridos em nosso meio industrial. Agora, apresentam a espagueteira Angiolina, assinada por eles. É uma panela de aço inoxidável 18/10 com alça e tampa com aberturas reguláveis por meio de sua alça. O modelo, criado exclusivamente para a Riva, alia, em sua concepção, a forma e a função e as tradições culturais: os donos do estúdio italiano Adriano Design desenvolveram-na com base no exemplo da avó e das donas-de-casa italianas do início do século 20, que cozinhavam o espaguete em latas de molho de tomate. Por isso, também, o utensílio leva o nome da “nona” dos designers. 0800 60 61600, www.riva.com.br

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News madeira em alta? A Dpot renovou parte de seu showroom com 20 lançamentos criados por diversos designers, com produtos que evidenciam “o sabor do momento”: equilíbrio entre tons neutros e vibrantes e um toque escandinavo traduzido para o brasileiro. Destaque para as peças feitas em madeira maciça, como a chaise-longue Cercado, antiga namoradeira, agora modernizada, de Fernanda Brunoro, e a poltrona Volta, de Bernardo Senna, com acabamento natural ou em laca, ideal para áreas externas. (11) 3082-9513 www.dpot.com.br

2 em 1 As poltronas Plano podem ser encaixadas umas nas outras para se igualarem a um sofá com modelos de dois ou três lugares. Criadas por Guto Indio da Costa para a linha MDesign, da Mannes, as peças têm estrutura em madeira e aço e são revestidas com diferentes tipos de espumas. (47) 3373-9200 www.mannes.com.br

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MoMA no Brasil A partir de setembro, a St. James e a Marco 500 passarão a distribuir e comercializar, respectivamente, produtos exclusivos do acervo do museu de Nova York para lojas selecionadas em todo o país. Entre peças brasileiras e de origem internacional, vindas diretamente dos Estados Unidos, estão itens para casa, escritório, artigos de uso pessoal, papelaria, cartões e enfeites de Natal. Seguindo os exemplos do Reino Unido e do Japão, com essa parceria o Brasil se torna o terceiro distribuidor de produtos do MoMA fora de seu país de origem.

Vaso em porcelana do designer japonês Yuko Tokuda, incorporado ao acervo do MoMA e agora disponível em lojas franqueadas no Brasil

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News Cadeira Milano. Empilhável, acabamento em laca e bordas arredondadas. Design Marina Otte. Em exposição na Bienal de Design

Bienal Brasileira de Design Entre 14 de setembro e 31 de outubro é realizada em Curitiba a 3ª Bienal Brasileira do Design, organizada pelo Centro de Design Paraná e a Federação das Indústrias do Estado (FIEP), por meio do Centro Internacional de Inovação (C2i). O evento tem como tema “Design, Inovação e Sustentabilidade” e apresenta nove mostras e diversos seminários, além de debates, lançamentos de livros e outras atividades culturais. A curadoria geral é de Adélia Borges, que teve a sabedoria de convidar colaboradores de diversas regiões do Brasil e dos múltiplos segmentos do design. Entre os palestrantes, o dinamarquês Mathias Bengtsson e os brasileiros Fred Gelli, Mana Bernardes, Cyntia Malaguti e Nido Campolongo. Também presentes, para apresentar “cases” de sucesso, representantes das empresas Fiat, Coza, Electrolux e o Santander Cultural. As atrações acontecem simultaneamente em diversos pontos da cidade, como o Centro Integrado dos Empresários e Trabalhadores do Estado do Paraná (Cietep), o Museu Oscar Niemeyer, a Universidade Positivo, o Parque Barigui e outras localidades públicas. Quem não visitar a Bienal, poderá acessar o conteúdo no site por meio da “mostra virtual” e ainda eleger o produto-destaque do evento. www.bienalbrasileiradedesign.com.br

Cadeira Havaianas. Em madeira de freijó brasileira, revestida com a mesma borracha das sandálias homônimas. Design Carlos Motta. Ainda indisponível no mercado

tradição e design

Cadeira Diretor. Produzida com eucalipto de reflorestamento, acabamento stain e diversas opções de tecidos para assentos e encostos. Estrutura dobrável e portátil

A Butzke incorpora o design em sua coleção de mobiliário, chamando profissionais de renome para desenvolverem novos projetos. Fundada há mais de 100 anos, a empresa de Santa Catarina entendeu o que muitos empresários se recusam a acreditar: sem design, sem originalidade ou inovação, não há valor agregado, e a “briga” passa a ser apenas pelo preço. Com sua nova postura, a Butzke já marcou presença no Museu da Casa Brasileira, apresentando a coleção Carlos Motta, e agora chega à Bienal Brasileira de Design. A cadeira Milano, desenhada pela arquiteta e designer Marina Otte, foi escolhida para integrar uma das mostras da Bienal que traz o tema “Design, Inovação e Sustentabilidade”, com cerca de 200 outros projetos. As três cadeiras são da coleção Butzke, estando a Havaianas ainda em fase de protótipo

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design

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ASSim cAminhA A humAniDAde “Estou convencido de que a verdadeira inovação resulte sempre da sinergia entre três fatores: a inovação da linguagem, a inovação técnica e a utilização de novos materiais.”... “Uma nova linguagem expressada com materiais tradicionais veicula a incerteza da mentira.” G. P. maria helena estrada

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o autor dessas palavras, o designer Gaetano Pesce, que a Melissa convidou para desenvolver seu novo sapato – performático, transformável, inovador... e muito charmoso. Sinônimo de irreverência, originalidade, visão de futuro e, desde sempre,

partidário radical dos materiais artificiais (“não se pode confiar na natureza, seremos sempre perdedores”, afirmava), Gaetano Pesce inaugurou a partir das décadas de 1960/1970, uma nova era e linguagem no design. Foi com ele que conversamos sobre o momento atual do design, o Brasil, a vida.

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design Gaetano Pesce: Como vejo o

design italiano hoje? Com otimismo. Os grandes mestres do passado, quase todos, já se foram e, com isto, surge uma nova liberdade para os jovens, o que lhes permite arriscar. A Itália é o país da criatividade, da arte, desde sempre. No design, um dos fatores de seu grande e longo sucesso aconteceu pela transformação da arte artesanal em arte industrial. Respondendo à sua pergunta posso falar de Castiglioni, Nizzoli, Zanuso, Mari, Magistretti, Munari.

ArC design: Olhando o design internacional, me parece que não caminhe muito, que não acrescente novas propostas e que não deixe perceber uma direção. No último Salão do Móvel de Milão a impressão era de que os designers mais famosos se autocopiassem. Seria por falta de investimento das empresas? Como você vê esse momento? GP: Não se pode pretender

demais da criatividade. Ela é importante, mas se olharmos para a história da arte, do design, da arquitetura, vemos que não existem muitos verdadeiros criadores em cada época. Podemos contar quatro ou cinco. O que acontece é que estes aparecem e desaparecem com muita velocidade. Se não existem ideias profundas, o design não sobrevive. O desenho de objetos onde a preocupação é com a forma mais ou menos bela, bem, este é um conceito já desaparecido há muito tempo. Mas ainda existem pessoas que não entenderam essa realidade, que não sabem que a cultura já caminhou muito. São aqueles que não percebem o tempo que passa. A cultura é o tempo que passa, no qual cada momento é capaz de mudar tudo. Nossa profissão não é imóvel, mas móvel como o tempo. Ad: Você acredita que os italianos continuarão – ou voltarão - a liderar a criatividade no design? 18

Mesas Sessantuno, ou “fragmentos”, em desenho original de Gaetano Pesce. Lançadas do Salão do Móvel 2010, são 61 mesas com formatos diversos – mas sempre nas cores da bandeira italiana – que unidas traçam o mapa da Itália e representam a data da unificação do país, em 1861. Sua inspiração nasceu há 30 anos, com a tecnologia inovadora da mesa Sansone. Ambas na coleção Cassina


Trinta anos de intervalo e sempre contemporâneo. O sofá Nettuno nasce do Tramonto a New York, da década de 1980, visão pessimista na época sobre a cidade na qual vive até hoje. Coleção Cassina. Abaixo, o designer Gaetano Pesce

GP: Sem dúvida. Mas é preciso esperar um pouco, talvez alguns anos, para vermos surgir um novo momento. A Itália, seguramente, ainda é capaz de dar grandes personagens ao design. AD: E no cenário internacional, como vai o design? GP: O mundo é belo porque

é diverso. A globalização e a homologação matam a diversidade do mundo, que então se torna profundamente aborrecido. Desde sempre, enxergar a beleza fora da elegância formal, expressar a estética da não beleza e a importância do design como testemunho de um local e de um tempo são as três características essenciais. Se não sairmos desse impasse, o design não caminhará, não acompanhará o próprio tempo.

AD: O Brasil, neste momento, é visto como um país onde é possível investir em projetos inovadores, mesmo com menores recursos tecnológicos. Um país singular, aberto e com grande potencial de mercado. Você concorda?

GP: O Brasil tem os irmãos Campana. Por que eles são interessantes? Porque quando se expressam, contam, falam da identidade brasileira. Então, não é uma beleza com um fim em si, abstrata, globalizada, mas expressam uma cultura que traduz uma ligação com o próprio país. Me parece que eles são os únicos designers no mundo que apontam, ao primeiro olhar, o país de onde vêm. Eles abriram uma estrada que milhões podem seguir, entendendo que fazer design é expressar uma identidade. AD: E São Paulo, cidade que você já visitou muitas vezes e que, à primeira vista, na década de 1980, achou bonita, fascinante mesmo, exatamente por seu caos, sua arquitetura desconexa. Agora, qual a nova arquitetura brasileira que o entusiasma? GP: O auditório do Nie-

meyer para o Ibirapuera, a irreverência da obra, mostrando sua enorme língua vermelha para o mundo,

em um gesto de pura ironia. O que acontece, em quase todo o mundo, é que hoje não se faz arquitetura, mas edificação. AD: O sapato Melissa me parece que é seu primeiro projeto industrial em escala micro e voltado para a moda. Quais as “cordas da sensibilidade” que atuaram nessa criação? Qual a ideia de base para o projeto do sapato criado para a empresa? GP: Como sempre, acho

que o design deve ser um testemunho não apenas pessoal, mas de seu tempo, contar uma história, reinventar-se, sempre. Para criar o Melissa + Gaetano Pesce + Fontessa (que é como o chamo), lembrei que as pessoas hoje não encaram os objetos como entidades estáticas – é preciso interagir, dar liberdade para as transformações. Dessa certeza nasceu um sapato construído com pequenos fragmentos, que pode mudar de feitio com o simples uso de uma tesourinha... e a imaginação.

A globalização e a homologação matam a diversidade do mundo, que então se torna profundamente aborrecido.”

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design Gaetano fala em fragmentos e penso em seu novo lançamento para a Cassina, a mesa, ou as mesas Sessantuno, projeto que celebra a unificação – tardia – da Itália, em 1861. São 61 mesas que representam as diversas regiões da Itália. “Quando completa, terá 25 x 20 m: é um ‘work in progress’, que será finalizado em 2011”, nos conta Pesce. A Sessantuno tem sua

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inspiração na mesa Sansone, criada em 1980, também para a Cassina, com material, tecnologia e forma inovadoras. Depois da entrevista com Pesce, lembramos das tantas convicções, algumas expressas de forma irônica, que este arquiteto e designer – que há muito vive no século 21 – vem espalhando pelo mundo, com objetos ou palavras. Cito uma delas.

“Um criador, para ser sincero, deve se expressar com os materiais de seu tempo. Ao projetar com matéria que no passado foi o meio privilegiado de expressão de muitos grandes criadores, a inovação – mesmo que exista – será muito limitada e anacrônica. É como se um homem do século 21 vestisse uma couraça medieval ou usasse o cavalo para uma viagem de negócios.”


mexel, um lego invertido Depoimento de Edson Matsuo, diretor de desenvolvimento de produtos Melissa Sobre a parceria de Gaetano Pesce com a Melissa existem dois pontos que valem registrar: o projeto ficou muito interessante e inovador, reforçando que a única limitação do material utilizado – o plástico – é a imaginação. O conceito do “mexel” = pixel da Melissa, é algo muito novo e atual. Praticamente fizemos um “lego invertido”, que vem montado e podemos desmontar. Além disso, é um privilégio recriar o plástico da Melissa com um mestre admirado por todos nós. Pensador inquieto, Gaetano Pesce trabalhou com um processo muito rico que propiciou um aprendizado único, tanto na concepção quanto no desenvolvimento do projeto. A linha de pensamento deste designer se baseia na convicção de que o produto tem de fazer pensar, trazer uma mensagem, mais do que ser somente um calçado. O que é coerente com o que sempre acreditamos na Melissa, que produz um “não sapato” e transcende o mesmo.

Também de fragmentos, muita tecnologia e conhecimento dos materiais é produzido o sapato Melissa + Gaetano + Fontessa. Da botinha à sandália, usando apenas uma tesourinha, você pode desconstruí-lo ao sabor de sua vontade e imaginação 21


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Nem Bertone, nem Giugiaro. Quem assina o projeto do Mio, novo carro-conceito da montadora, são quase 20 mil internautas que, durante um ano, participaram de uma plataforma interativa criada para discutir tendências e descobrir o que os consumidores de hoje esperam do carro do futuro. Inédita, a proposta pega carona na onda social, viral e implacável da web 2.0. O briefing? Um carro para chamar de seu. carine savietto

O gÊNIO cOLETIVO 22


Ideias e opiniões de usuários direcionam a produção do Fiat Concept Car III. Do modelo de volante ao sistema de abertura das portas, o próximo detalhe pode ser sua sugestão. Acima, modelo em 3D criado no Centro Estilo Fiat 23


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o

que os vídeos a que você assiste no Youtube, os 140 caracteres que você escreve no Twitter, a pesquisa que você faz na Wikipedia e o seu perfil no Facebook têm a ver com o carro do futuro? Para a Fiat, tudo. Com o limite entre os mundos real e virtual cada vez mais tênue, olhar para a frente se tornou sinônimo de pensar em interatividade, redes sociais e projetos colaborativos. E foi ajustando o foco nesta tendência instituída pela internet 2.0 que a companhia lançou as bases para o FCC-III, o terceiro Fiat Concept Car brasileiro, que será um dos destaques do próximo Salão do Automóvel (de 27 de outubro a 7 de novembro, em São Paulo). O convite para que o consumidor participasse de uma criação coletiva guiou a proposta. “Um carro-conceito é um exercício de futuro, uma amostra de como a indústria enxerga a sua evolução. Decidimos

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que este não seria um exercício interno, uma visão particular, mas, sim, um processo compartilhado”, diz João Ciaco, diretor de marketing da Fiat. Para colocar o plano em ação, o primeiro passo foi batizar o protótipo de Fiat Mio (“meu”, em italiano). O segundo, criar o site Fiatmio.cc e transformá-lo em um imenso fórum de discussão, em que visitantes passaram a opinar, sem restrições, sobre as soluções que o carro deveria conter. Por reunir manifestações diversificadas, e para garantir o correto desenvolvimento de um projeto colaborativo, o Mio está sendo homologado em Creative Commons, uma licença mais flexível quanto aos direitos autorais do que o clássico Copyright. Em vez de “todos os direitos reservados”, o CC trabalha com “alguns direitos reservados”. “Isso permitirá que qualquer pessoa ou empresa utilize as ideias coletivas originadas no

Abaixo, painel vazado com display de múltiplas funções sugeridas por internautas no site do projeto. No destaque, volante em formato de manche com sistema retrátil (que se ajusta à posição do banco, imóvel). Além da tecnologia, o conforto é uma das principais exigências dos usuários para o carro do futuro


Ao lado, uma das opções para abertura das portas – em direção inversa –; abaixo, imagens feitas no computador para ilustrar as dimensões do veículo. A partir da interpretação de ideias e da introdução de novas tecnologias, designers esboçam várias plantas do automóvel até chegarem aos modelos virtuais em três dimensões

processo”, explica Ciaco. A iniciativa vai na contramão de uma das maiores tradições da indústria automotiva, que costuma cercar de mistério a produção de novos modelos, mesmo os experimentais. Gadget motorizado

Design, materiais, ergonomia, segurança, propulsão e conteúdo multimídia foram os principais tópicos debatidos. Em meio a comentários bem-humorados e descompromissados com a realidade, como “carro-bote, para evitar problemas em alagamentos” ou “ventiladores de teto de baixo custo”, a discussão trouxe à tona sugestões que refletem os principais desejos dos consumidores, como “modelos planejados para receber updates sem que seja necessário comprar um veículo novo”. A síntese das milhares de ideias postadas levou à criação de um veículo urbano, compacto, ecológico e, claro, recheado de tecnologias futurísticas. Enquadrado na categoria tendência dos minicarros, o Mio leva dois passageiros e foi desenhado a partir de duas linhas-guias limpas, justas e

definidas: Precision e Sense. Segundo a equipe de designers do Centro Estilo Fiat, as soluções foram estudadas ao máximo para que o resultado final tivesse uma exatidão quase minimalista, trazendo como referência “as máquinas, mecanismos e objetos de design mais perfeitos já feitos pelo homem”. A propulsão ainda não foi divulgada, mas já se sabe que o protótipo utilizará energia livre de poluentes. Interface touch screen, head-up display, reconhecimento do usuário pelo carro, autodiagnóstico e integração com celular, media player e outros dispositivos eletrônicos fazem parte do pacote. A ideia é que, instalados no banco que simula um sofá de dois lugares, motorista e passageiros se sintam na sala de casa. Questionado se a Fiat tem planos para implementar um projeto semelhante na criação de um carro de linha, o diretor de marketing se apressa em responder que “a princípio, não há nada dito sobre o assunto”. Mas, sobre o maior aprendizado dessa iniciativa, afirma: “o consumidor representa o real poder no mundo de hoje. Ou seja, é um caminho sem volta”. 25


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como funciona a plataforma colaborativa? As redes sociais desempenham um papel fundamental no projeto de criaçãodo Fiat Mio. Atuam como canais de comunicação com os usuários – agentes do processo. No blog, por exemplo, é possível assistir a vídeos de cada etapa do desenvolvimento do carro; o Twitter, o Facebook e o RSS servem como mídias espontâneas, para anunciar as novidades do projeto e divulgar notícias relativas à produção de automóveis; o site (www.fiatmio.cc) centraliza todas as informações, fornecendo links para essas plataformas, e traz uma projeção contabilizada em tempo real dos números do projeto. Dessa forma, os internautas estabelecem relações diárias com a marca e os profissionais envolvidos no processo, fornecendo ideias e opiniões para o desenvolvimento do FCC-III, e comentando as sugestões de outros usuários. Esse “briefing”, base fundamental de todo

o processo, é recebido e interpretado por profissionais especializados que procuram entender as exigências dos participantes, para materializá-las no projeto do carro do futuro.

O projeto continua....

Nas palavras de Peter Fassbender, gerente do Centro Estilo Fiat – Brasil, o diferencial do conceito de produção do Mio é a inexistência de um fim. Segundo ele, por causa da conectividade com as redes sociais, o projeto se tornará um contínuo espaço de informação e debate que servirá de base aos industriais na fabricação de automóveis cada vez mais adequados aos sonhos e necessidades revelados pelos usuários. “É a mão do internauta que dirá a nós (responsáveis pela fabricação do carro): você tem de desenhar um automóvel que vá nessa direção”, prevê Fassbender.

O projeto do Fiat Mio revoluciona o universo da indústria do automóvel. Com o processo de design aberto e participativo, o carro deixa de ser patrimônio total da marca, e tem apenas “alguns direitos reservados”, e o resultado será um carro para chamar de “Meu”

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design

Autores de projetos já expostos em Milão e à venda em São Paulo, eles não são estreantes. Pertencem à geração que se impõe nesta década reforçando a trilha segura de um design brasileiro. Bruno Jahara e Wagner Archela são os designers que iniciam a série da Geração 2010, como exemplos que retratam o colorido brasileiro, com prestígio crescente no mercado da decoração. maria helena estrada

À esquerda, poltrona Pazetto, em EVA listrado, de Wagner Archella e, abaixo, a memória das gamelas brasileiras reinterpretada em Corian por Bruno Jahara

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À esquerda, luminária Shampoo; ao lado e abaixo, coleção Batucada em metal martelado. Design Bruno Jahara

B

runo Jahara começou pela Europa e aportou no Brasil já com alguma bagagem, como as sacolas Barcode para a Fabrica Features e a luminária Shampoo, exposta na Trienal de Milão. “Acredito nos processos que produzem objetos de design, os quais podem ser a força física, espontânea e humana, ou as transformações da matéria a partir do calor, dos efeitos da gravidade, acidentes que geram imperfeições mais que perfeitas, pois são naturais”, comenta Jahara a respeito de seu trabalho. Agora, com estúdio em São Paulo o designer lança duas peças em Corian e a coleção Batucada. O que elas têm de brasileiras? A tipologia, na primeira, transpondo a gamela e a colher de pau para um material artificial; na Batucada, o colorido, a irreverência e a reafirmação de seu processo criativo.

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design Duas coleções, Mangue e Agogô, traduzem e transcendem uma inspiração local. Na primeira, a paisagem nativa é declinada com o uso de matéria-prima contemporânea, extrapolando o fazer artesanal. A inspiração vem do mangue, a expressão transforma o natural, com o uso do artificial. Na coleção Agogô, o desenho lembra as formas aerodinâmicas dos anos 1950, transpostas para a atualidade. O resultado, em ambas, é uma estética contemporânea, aleatória, incomum e única. Um trabalho artesanal, onde o Corian adquire sinuosidades quando exposto a diferentes temperaturas. Wagner Archela se destacou no Salão Satélite em Milão e, este ano, expôs na Galeria Rossana Orlandi, a mais importante da cidade.

O mangue é a inspiração. Ao lado, mesa lateral Mangue, com um entrelaçado de Corian; no alto, da coleção Agogô, estante modular Biela

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interiores

LOJAS COnCEITO da redação

N

gui morelli

esta edição, inicamos uma série de reportagens. Um novo enfoque, um olhar atento sobre as melhores lojas do Brasil e o que seus espaços e suas coleções traduzem. Lojas que tratam da decoração e design, de um lifestyle contemporâneo, de novas formas de exposição. Se há algum tempo – e ainda agora? – o chique era mostrar ambientes, tipo um sofá e duas poltronas, como em uma explicação óbvia e literal, hoje a sedução está em permitir o garimpo, quase como em um “souk” ou mercado persa. O aparente caos traz a alegria da surpresa, do encontrar aquilo que nem sabíamos que procurávamos. São esses espaços e suas diversificadas coleções que iremos mostrar. Cada espaço com suas características, seu sabor próprio, do brasileiro ao internacional.

Porcelana metalizada e muita extravagância no objeto do holandês Bas Van Beek, encontrada na Conceito Firma Casa

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interiores conceito firma casa

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Ao lado, em destaque, sofá da Conceito Nacional, estante holandesa Colméia, da XL Design, e abajur em laca preta, do americano Jonathan Adler; abaixo, armário Aperto, design Giuseppe Canevese para a Ennezero, Itália, traz histórias em quadrinhos de Crepax e de sua personagem Valentina; no pé da página, banquetas Plopp, em aço inox insuflado com ar, do polonês Oskar Zieta

gui morelli

A primeira loja-conceito inaugurada em São Paulo já diz a que veio, em seu próprio nome. O que faz uma loja se definir como conceitual? A escolha das tipologias que habitarão seu espaço e uma segura direção de arte. Vale dizer, um olhar certeiro, tanto para as escolhas pessoais quanto para o que – bem sabe a criadora do espaço – atende ao gosto de seu público. E quais são essas escolhas? A mais avançada vanguarda, em harmonia com um toque “retrô fashion”. Móveis e objetos de múltiplos designers europeus – e citamos o espanhol Jaime Hayon e o “móvel feito de ar”, como desejava Marcel Breuer, na criação do polonês Oskar Zieter. Estão presentes os brasileiros Campana, Rosenbaum e Nada se Leva. Óculos, um verdadeiro fetiche; livros em edições raras; roupas exclusivas e também algumas peças para aqueles que amam o inusitado. As raridades descobertas por esse olhar atento ao mundo? Entre outras ainda pouco divulgadas no Brasil, as empresas Seletti e Mac Mau Mau. No que você imaginar, o conceito – artístico, irônico, luxuoso, minimalista ou barroco, transgressivo – comparece.


gui morelli

Nesta página, em destaque, poltrona com pufe em tecido antigo do Uzbequistão, de Vladimir Kagan, mesa em ferro pintado de Warren Platner; em segundo plano, espelho peruano, lustre francês, mesa americana, potiche vermelho em cloisonné, de Kenzo Takad, e fruteira em cristal estampado e base de prata, de Flávia Alves de Souza. Um belo mix!

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a harmonia do diverso

“Se você comprar algo para a sua sala na Habitart, seu quarto vai morrer de inveja”, é o que diz o catálogo da loja gaúcha na campanha deste ano. Talvez a afirmação tenha seu fundamento. E não só pelas peças da coleção, que apesar das diversas origens geográficas respondem a um mesmo conceito: modernidade com um leve toque de tradição – tão cara aos gaúchos – identificação com o cotidiano e novas descobertas no mundo do design. Na loja, a incidência de luz natural e cores inspiradas na logomarca da empresa caracterizam o projeto desenvolvido por Beto Salvi e Tuti Giorgi. A seleção de produtos, que obedece ao olhar experimentado de Marilene Bittencourt, pro36

prietária da loja, é composta por peças de produção própria assinadas por designers brasileiros e também por produtos de empresas e profissionais europeus. Um mix bem balançado, que inclui Fernando e Humberto Campana com a cadeira Favela, o francês Jean Prouvé, peças da Vitra, Alemanha, e do estúdio inglês Viable London, além de obras de alguns profissionais gaúchos, como Heloísa Crocco, Tina e Lui, Francisco Pinto e Renata Rubin, além dos autores do projeto da loja, Beto & Tuti. Para Marilene Bittencourt, foi esse conceito de aliar criação nacional com peças vindas de outros países que levou a empresa a conquistar prêmios e ganhar reconhecimento na imprensa internacional.

carolina stein

lucas moura

interiores


lucas moura

Na página ao lado, acima, sofá modular, de Flávio Borsarto e Maurício Lamosa, mesas de apoio da série Floresta, de Gustavo Martinez, e cadeira Myto, de Konstantin Gric; abaixo, cadeira Vegetal, de Ronan e Erwan Bouroullec para a Vitra. Nesta página, parede recoberta por folhagens artificiais, projeto da paulista Renata Tilli

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interiores Arquitetura iluminada

Muitas peças expostas de forma linear em placas sobre um estrado de madeira são acompanhadas de legendas descritivas. Outras participam das instalações pontuais. Há também um ateliê dentro do showroom, onde arquitetos realizam atendimento especializado e desenvolvem projetos luminotécnicos para os clientes. Apresentar produtos modernos e sintonizados com as tendências internacionais é uma das principais características da La Lampe, que se renovará de forma contínua. As peças do novo showroom, sejam nacionais ou as italianas da Artemide e da Fontana Arte, estão divididas nas linhas de inspiração, cool, clean e modern classic, que sintetizam a identidade da marca, projetando-a para um futuro próximo no qual o segredo para o bom projeto luminotécnico consistirá em se valer do espaço e de regras que valorizem luz, sombra e nuances cromáticas.

denilson machado

“Uma loja que se explica sozinha, e como se explica! Seu conceito é percebido ao primeiro olhar”, afirma a atual sócia da La Lampe, Alessandra Friedmann. Showroom e produtos renovados e um novo projeto arquitetônico desenvolvido por Marcelo Rosenbaum recriaram a loja de São Paulo. A seleção e exposição das novas peças têm curadoria de André Bastos e Guilherme Leite Ribeiro, do estúdio Nada se Leva. A ambientação, caracterizada pela ousadia de Rosenbaum, evidencia os detalhes de cada produto. Lustres, abajures, lâmpadas e luminárias – muitas – ocupam seu espaço de forma organizada e com muita classe. A iluminação, incorporada à arquitetura, permite que o cliente sinta, ao passar de um ambiente para outro, os efeitos proporcionados pelo projeto luminotécnico.

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denilson machado

Na página ao lado, em destaque, a luminária Cosmic Leaf, de Ross Lovegrove para a Artemide, e, à direita, detalhes cromáticos do interior com luminárias de teto. Nesta página, parte do acervo internacional e mostruário de embutidas

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interiores EXAGEROS BEM TEMPERADOS

Acima, nas duas fotos, a exuberância de formas e cores revela novas combinações inusitadas em florais e listrados, em cores como vinho, berinjela, cinzas e marrons

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Missoni Home abre espaço exclusivo em São Paulo no momento em que se valoriza o design de superfície. Talvez mais que o próprio design? Certamente não quando o conceito tem sua raiz, desde 1953, em Rosita Missoni. Produtos importados da Itália – como tantos que agora retornam ao Brasil – colhem também um momento favorável, o de uma demanda que não para de crescer, a do mercado imobiliário brasileiro. A loja, em seu mix alucinado, tem a coerência da diversidade. Cama, mesa e banho, mas não apenas. Também móveis, tapetes, louça e almofadas – muitas. “É o ‘novo Império Romano’”, afirma entusiasmado Cristopher Philips, diretor da rede para as Américas. Mas nós preferimos dizer que é o império da harmonia, graças à reconhecida capacidade – e coragem – da Missoni em reunir cores e padrões com extrema originalidade. “Também sentimos que a linguagem proposta pela Missoni tem um apelo forte com o país”, completa Philips. Na recepção, vemos cadeiras com almofadas na forma da popular flor “Vevey” e um balcão estampado com mosaicos multicoloridos, padrões consagrados da grife. Entrando no showroom, os desenhos e cores se sucedem sem nenhum encadeamento lógico. Mas é nesse aparente caos que se instala um ordenado e infalível critério estético. Reunir o diverso, sempre sob a “batuta” de Rosita Missoni, pode-se dizer que é um dos conceitos de base da marca, e também da nova loja em São Paulo. Os grafismos e estampas passeiam em inusitados percursos, das almofadas a um chambre atoalhado, de um revestimento de sofá a uma bolsa de praia, das louças aos tapetes. Completam o ambiente cadeiras italianas em metal e mesas com tampo em formato de flores diversas. “Em qualquer lugar do mundo, há um mix de fashion e home, mas preferimos ter a Missoni Home completa e exclusiva, apresentando todos os itens da linha em um só espaço”, comenta Talita Moya, representante em São Paulo.


À esquerda, flagrante da inauguração e detalhe da loja e das cadeiras feitas com cordas de algodão multicoloridas

fotos joão sal

Na entrada da loja, poltronas de tecido com almofadas em formato de flores “Vevey” e balcão revestido com Pixon (tecido de fabricação própria) na estampa da coleção 2010

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interiores

Acima, à esquerda, “escada pantone” revestida com adesivo de PVC; à direita, fachada principal da loja com projeto de jardim vertical de Gica Mesiara; abaixo, vista externa do túnel de concreto onde ficam expostas as peças da coleção

UM CONCEITO, VÁRIAS DECORAÇÕES

Tudo começou com um carrinho de bagagens estilo “bellman” – daqueles utilizados nos hotéis. A estilista Adriana Barra, quando se deparou com um deles, imaginou--o como uma arara, servindo de expositor para as peças de suas coleções. Daí surgiu a ideia de criar um espaço onde a arquitetura, os móveis e todos os elementos do ambiente seguissem o mesmo conceito. Nascia A. Dream Boutique Cosmo Hotel, uma loja com cara de boutique e conceito de hotel. “É um modo de trazer mais novidades para as pessoas, além das roupas”, afirma a estilista. Localizada na Alameda Franca, nos Jardins, em São Paulo, a casa 42

onde funciona a loja de Adriana teve o seu interior desconstruído e reconstruído pela própria estilista, que fez questão de planejar e, em alguns casos, executar cada detalhe da decoração e dos serviços. Na entrada, há um “concierge” para receber os clientes. Os carrinhos bagageiros ficam espalhados por um túnel de concreto de 11m, com uma abertura de vidro que permite a entrada de luz natural. Os provadores são do estúdio Micasa, e remetem às áreas de lazer, saunas e salas de banho dos grandes hotéis. Possuem espelhos e bancos de sauna na área compartilhada, além de objetos como tubulações, registros de água, torneiras e barras de apoio, todos aparentes, para pendurar as roupas.

As paredes são revestidas com pastilhas da cerâmica Jatobá, decoradas com estampas de “pied poule” e flores, criadas pela estilista. Na fachada principal, um projeto de jardim vertical de Gica Mesiara, com cerca de 20 espécies de plantas penduradas em mais de 4 mil vasos, que são regados por meio de sistema computadorizado. Há também alguns móveis customizados pela designer e espalhados pelos ambientes da casa. “Quero que minhas clientes se sintam à vontade, como se estivessem em sua própria casa, além de aproximá-las do meu universo de criação”, declara Adriana. A grande “sacada” das lojas-conceito é fazer o cliente imergir no universo do produto, e Adriana Barra sabe bem.


fotos tuca reines

ร esquerda, em destaque na parede, pintura dos artistas Maria Fernanda Brum e Arthur de Camargo; abaixo, barras de apoio que servem como cabideiros e bancos de sauna na รกrea comum dos provadores, e o espaรงo da cozinha, com azulejos Jatobรก estampados por Adriana Barra, exclusivos da loja

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: MAISON MOSCHINO O HOTEL

interiores

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Acima, fachada da Maison Moschino, novo hotel em Milão. Na página ao lado, luminárias de pé, no lobby, já prenunciam o espírito fashion e irônico do projeto de interiores

Luxo, ironia e humor crítico, como convém a tudo que ostente a marca Moschino. Este hotel é a mais nova peça da coleção, e esbanja todos os atributos devidos ao mestre.

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a Viale Monte Grappa 12, em Milão, havia um edifício neoclássico belo, mas que permanecia isolado, sem contexto, porque a estação ferroviária para Monza, construída em 1840, há muito tempo estava inativa. Como em uma história mágica, agora despertou e se tornou a Maison Moschino, um hotel de luxo e alta qualidade, com aquela capacidade de fazer sorrir em uma cidade como Milão, dedicada ao presencialismo. As fachadas foram stephan hammel, de milão fielmente restauradas, enquanto no interior, desde a última primavera, foi aberto esse sonho, onde cada quarto conta uma fábula diversa. Assim, temos “Chapeuzinho Vermelho, Pétalas, Nuvens, Sombras, Flocos, Wallpaper, Edera, Abelha, Dormir em um Vestido de Seda, Ouro, Azul outras referências ou acenos com soluções criadas pela Maison Moschino. Peças que se referem à história do design, como por exemplo o sofá Cubo, de Joseph Hoffmann, que dão um espessor à jocosa interpretação de luminárias inspiradas pela moda.

Mistura de signos um pouco irônica, com a vontade de manter a conexão com a genialidade de Franco Moschino, que era sempre antagônico ao sistema da moda. Em uma cidade dedicada aos aspectos exteriores, este é realmente um belo interior, porque não é trendy e, em certos detalhes, decididamente embaraçoso para contrastar com o sectarismo vulgar daquilo que se ama definir como “minimal”. Aqui se entende como o minimalismo é apenas uma desculpa para esconder a ignorância, enquanto a mensagem deixada por Moschino, que morreu em 1994 vítima de aids, é para sempre aquela de nos fazer recordar nossa consciência ecológica e moral. Menos mal que exista alguém que salve Milão das estruturas muito desenhadas. Como os ícones expostos na cidade depois de sua morte, que levavam o epitáfio “forever” (para sempre), assim essa nova casa da alma de Franco nos faz recordar sua importantíssima mensagem “forever”. 45


interiores Ao lado, detalhe do lobby, com a luminária bolsa e alguns dos “carneirinhos” que povoam diversos ambientes. Abaixo, visão geral do espaço com as luminárias de teto Clouds, sempre entre o lúdico e o elegante

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Acima, o quarto “Life is a Bed of Roses”. Nos detalhes, mesa xícara, “mimos” para o banho e cadeira toda vestida Moschino, no restaurante Clandestino Milano

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interiores

Quartos sempre diversos: acima, “The Ribbon”, certamente inspirado em nosso “fuxico”; ao lado, o cenário é a floresta. Na outra página, detalhe do cachorro em tecido, leito que tem um vestido de gala como cabeceira, e o “Little Red Riding Hood”

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interiores A mosca e seu zumbido, no quarto “Zzzzzzzzz” e, no detalhe, a própria mosca, tudo construído com a letra Z. Abaixo, corredor com chaves decorativas

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No alto, bandeja do café da manhã; ao lado, almofadas do quarto “Swee Room” e, acima, lustre com o mesmo tema

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comportamento

Bebida inicialmente apreciada na Etiópia, o café começou a se popularizar na Europa do século 14 pelos árabes. Hoje, saboreado no mundo todo, suas variações de preparo não são menores do que a quantidade de utensílios criados para servi-lo. Em casa ou na rua e a qualquer momento, é possível degustar (e até cheirar!) o melhor dos cafezinhos. da redação

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Waker Imagine só acordar com um cafezinho quentinho todos os dias na cama? Essa é a proposta do designer coreano Sang Hoon Lee. O Waker, além de preparar o café, é um despertador. Essa novidade “dois em um” promete invadir o mercado.

Cocoon Coffee Machine Além de ser uma bela peça de decoração, essa cafeteira, desenhada pelo alemão Jan Koenig, foi criada com a preocupação de ajudar o meio ambiente. Após o preparo, o café fica isolado na esfera interior e sua temperatura é conservada por mais tempo, evitando que ele seja reaquecido.

IMO

Em parceria com a empresa Nilko, do Paraná, Alisson Stroher desenvolveu um “braço” mecânico e inteligente que aquece e serve a água para preparar o cafezinho de sachês: o IMO. Quando ele está na posição em “V”, a água permanece aquecida. Ao projetar o braço para a frente, a máquina esquenta ainda mais a água em poucos segundos.

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comportamento

Le Whif

A invenção do norte-americano David Edwards é, no mínimo, curiosa. Agora, quem não gosta de café, pode, ao menos, sentir seu cheirinho quando quiser e ainda experimentar o efeito da cafeína.

Travel Press e Travel Mug

CAFFE INN

Assinada pelo designer francês Teyssier, a Caffe Inn, da Nespresso, permite mesclar a quantidade de água e pó enquanto o café está sendo preparado. Apesar da aparência futurística, seu uso é tão simples como as mais comuns das cafeteiras – basta apertar o botão.

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A Bodum lançou no mercado uma linha exclusiva para aqueles que sonham em degustar seu café durante as andanças por aí. Entre as novidades estão o Travel Press e o Travel Mug, que conservam o café quentinho e protegem as mãos do calor, graças às suas paredes duplas e um isolante de silicone; disponível em várias cores.

Do tamanho de um batom, o Le Whif carrega minúsculas partículas de café em um tubinho biodegradável, que, ao ser aberto, exala aquele aroma inconfundível.


Podi

Em parceria com o designer Vinod Gangotra, a Select Line desenvolveu uma máquina inspirada nos aromas do café tipicamente italiano. Novidade na Europa, a Podi foi desenvolvida para ser usada especificamente com seis tipos de sachês. Basta apertar um único botão, e o café está pronto para ser degustado.

Twist

Para quem não vive sem café, a Twist, da Mypressi, é a solução. Segundo seu designer, o norte-americano Stephen O’Brien, essa é a primeira cafeteira portátil do mundo capaz de preparar oito doses, apesar de caber na palma da mão.

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arquitetura

TrÊS EscOLAS, TRÊS cONceIT oS A boa arquitetura preza desafios. As escolas, topo na lista de barreiras ao desenvolvimento verdadeiro do Brasil, são laboratórios de soluções para designers e arquitetos comprometidos com a realidade que os circunda, como Marcelo Ferraz, Francisco Fanucci, Carla Caffé, Carol Tonetti e Jair de Souza. Em projetos diferentes, esse grupo venceu o desafio: aproximar o ambiente lúdico, estimulante e propício ao aprendizado e ao desenvolvimento da visão crítica dos limites sociais, políticos e urbanos da nossa sociedade. O resultado é o melhor da boa arquitetura: o efeito multiplicador que se perpetua não só pela vida útil do edifício, mas pela experiência compartilhada dentro e fora dos edifícios. ana weiss

O

Centro Educacional Santo André, projeto de Marcelo Ferraz e Francisco Fanucci, ocupa uma área do bairro periférico paulista marcado por condições precárias. A proposta para a escola (que atende a crianças de 4 a 10 anos) se desenvolve por meio de uma estrutura modulada – das quais as áreas internas se independem, criando espaços diferentes dos “corredores-portas, esquema impessoal e frio como nos hospitais e prisões”, nas palavras dos arquitetos. O Cesa Santo André tem salas de aulas desiguais, com grandes caixilhos que permitem um aproveitamento ótimo da luz 56

e ventilação. Um plano de elementos vazados de cerâmica, o cobogó, protege da luz solar as janelas da face norte. O modelo deu tão certo que será replicado em outro Cesa, o Jardim Irene, que ampliado para uma creche e espaço comunitário cuidará de organizar um importante trecho de preservação também em Santo André. Além das alas do espaço para a escola, Ferraz e Fanucci desenharam inclusive a ocupação do entorno. Uma encosta com vegetação nativa preservada será aproveitada no projeto do Cesa, que prevê ainda a criação de um lago artificial que regulará as enchentes no local.

Com acessos diretos ao exterior em seus três pisos, o edifício acompanha o desnível do terreno. A circulação é feita por rampas baixas e um elevador


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Nelson Kon


arquitetura

Acima, a estrutura formada por v찾os longitudinais e transversais fechados e lajes invertidas de concreto aparente; ao lado, janel천es e grandes caixilhos formam um inv처lucro de elementos vazados que permitem entrada de luz natural (face norte) e limitam o contato das sala de aula com a rua (face sul)

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fotos Nelson Kon

Ao lado, auditório interno do Cesa. Assim como os demais espaços do local, nos fins de semana fica à disposição da comunidade, servindo de sede para programas diversos, como alfabetização de adultos, cursos de informática, apresentações culturais e reuniões

Ao lado, nas duas páginas, o corte do projeto para o Cesa, de Marcelo Ferraz e Francisco Fanucci, deixa ver como o desenho estabeleceu uma interligação fluida entre os espaços, organizando o trânsito de maneira intuitiva, com apoio do uso de cores na sinalização

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arquitetura

O espaço Alana não é uma escola. Trata-se de uma ONG que congrega atividades educacionais e oferece assistência social para moradores de todas as idades do Jardim Pantanal, em São Paulo. O projeto de Carla Caffé e Carol Tonetti consistiu em um auditório para um edifício já existente da ONG, um ponto de fluxo de 157 funcionários que atendem a 750 jovens, 150 idosos, 340 crianças e 230 bebês em uma das áreas mais carentes da periferia da capital paulista. A ideia de permeabilidade é uma das premissas do projeto: um espaço aberto por sete portas basculantes e elementos vazados de concreto que organizam o trânsito e a concentração das atividades, como apresentações teatrais. A concepção de um espaço econômico e de fácil manutenção não excluiu o bem-estar. O conforto térmico é garantido por um sistema de ventilação cruzada – o sistema de captação de água da chuva alimenta tubulações inteiramente visíveis. Todas as paredes do anexo foram revestidas com telhas ecológicas. “O espaço tem como missão convidar as pessoas para atividades integradas e abertas. E isso é traduzido espacialmente por uma construção de baixo impacto visual e ambiental”, explica Carol Tonetti. 60

No alto da página, o auditório; acima, fachada do prédio com portas basculantes e telhas ecológicas, no edifício onde já funcionava o Alana, centro de educação e assistência do Jardim Pantanal, uma das áreas mais carentes de São Paulo


Fotos Renata Ursaia

Ao lado, fachada principal com as telhas aparentes e, abaixo, o interior com rampas que permitem a circulação e tubulações, visíveis, pensadas para facilitar e baratear a manutenção

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arquitetura Vencedor do Idea Brasil de 2009, o projeto criado pelo designer carioca Jair de Souza para o NAVE – Núcleo Avançado em Educação - está instalado num prédio art déco de 1937, no Rio de Janeiro. Trata-se de uma escola pública de alta tecnologia adaptada ao espaço onde antes funcionava uma grande central de telefonia. A fachada é coberta por uma tela que recebe um novo trabalho em arte eletrônica a cada três meses. Por dentro, a escola integra visualmente espaço de exposições, salão de experiências digitais, salas de aula, praça de convivência multimídia, restaurante e banheiros.

Na foto ao lado, visão noturna do prédio e, abaixo, salão principal do Oi NAVE (Núcleo Avançado em Educação)

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Fotos Cadu Piloto

Ao lado e abaixo, o refeitório e praça de estudos com suporte de informática, base para criações projetuais. Projeto de Jair de Souza

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sustentabilidade

Árvores

vivas A árvore, foco de diversas áreas do conhecimento, encontra poucas pessoas que, como Juliana Gatti, ao se depararem com um pedaço de madeira, se interessam em saber de onde ele vem. Designer e curiosa compulsiva sobre a origem e natureza das coisas, depois de um tempo trabalhando no IPT, “mergulhou” no universo das árvores. Pedimos a ela que escrevesse sobre seu projeto, cujo blog já alcançou mais de 500 mil acessos vindos de todo o mundo. juliana gatti fotos luciano ogura buralli

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Na opinião da designer, as árvores são grandes acervos de riquezas variadas e acessíveis: basta um simples gesto, “um olhar mais atento, uma caminhada pela calçada, um toque em troncos e folhas, um cheiro em flores que se penduram nos ramos, uma colheita de sementes espalhadas”. Na foto, a árvore de Pau-Ferro

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sustentabilidade

O

projeto Árvores Vivas, iniciado em São Paulo em 2007, proporciona aos seus participantes a observação dos espaços urbanos a partir de um novo ponto de vista, mais curioso e sensível. E sensibilidade é a palavra justa para esse fazer, se pensarmos que o primeiro movimento do Tai Chi Chuan é o de “abraçar a árvore”. Observar o tronco das árvores e as características da natureza, principalmente em meio às construções e outros acidentes das cidades, é poesia que também envolve todos os aspectos relacionados à construção do cenário urbano e aos projetos em diversas áreas do conhecimento, como cultura, arte, ciência (meio ambiente) e educação. Com o Passeio Verde, a principal ação do projeto, um grupo de pessoas é levado a pé para conhecer o entorno de espaços urbanos comuns, como as

Paineira-rosa (Ceiba speciosa)

Grande porte, da família Bombacaceae, com frutos de muitas sementes. Encontrada nas proximidades da Rua Cerro Corá, em São paulo

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áreas que envolvem escolas, empresas e outras organizações. Ao longo do percurso, uma equipe treinada fornece informações sobre a estrutura morfológica, a história e curiosidades relativas às árvores existentes no local, bem como alguns conceitos básicos de arborização urbana. São desenvolvidas reflexões sobre como podemos ter cidades mais equilibradas ambientalmente, promovendo principalmente a realização da escolha mais adequada de espécies vegetais para cada situação de nossa urbanidade. Além de realizarem o passeio, os participantes podem receber um mapa com belas imagens das árvores, mais o conteúdo do que foi explicado pelos especialistas, ou também podem fazer o download dos mapas na internet. Outro destaque do Árvores Vivas, feito em paralelo aos passeios, é o Mapa

Corticeira (Quercus súber)

Médio porte, da família Fagaceae, originária do sul da Europa e norte da África. Casca de onde se origina a cortiça, possui frutos de semente única. Encontrada na região do Parque da Luz, na capital paulista

das Árvores, uma página virtual que permite catalogar imagens e georreferenciar, ou seja, oferecer a posição geográfica de árvores de qualquer lugar do mundo com mapas disponíveis na internet. O link está no blog do projeto, http://arvoresvivas.wordpress.com. O empreendimento Árvores Vivas também desenvolve – a partir do mesmo ponto central – diversas ações, produtos e atividades que ajudam a estimular o interesse de seus participantes e facilitam a busca por mais informações. Nada mais oportuno, na era das novas tecnologias e do consumo sustentável, do que novas ideias e formas diferenciadas de criar e promover áreas verdes. Pensar e sentir as árvores e a vegetação que habitam nossas cidades é uma forma de refletir e, quem sabe, promover inter-relações mais saudáveis.

Casca-doce (Pradosia kuhlmannii) Da família Sapotaceae, à qual pertencem o abricó-de-praia, o sapoti e a maçaranduba, está entre as espécies ameaçadas por perda de habitat. Endêmica no Brasil

Manila-copal (Agathis dammara) Grande porte, da família das Araucárias, originária da Ásia tropical. Dela é extraída a resina goma copal, aplicada à produção de verniz e também à medicina


Sibipiruna. Espécie de médio porte comum na arborização da cidade de São Paulo. Pode ser encontrada na região da Avenida Nove de Julho 67


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waldick jatobรก

O questiOnAdOR

MARePe, arte


Toca-foto. Instalação composta de 30 citras e 30 fotos em preto e branco da Bahia antiga 69


arte

A

arte de Marepe é singular; suas criações, na maioria das vezes pequenos monstros coloridos, figuras meio homem, meio animal, saltam de sua imaginação e invadem as mais diversas formas de exibição e aparecem nas telas, nas cerâmicas, nas fotos… Outras vezes, seu processo criativo busca referências nas memórias da família e da infância, ou nas lembranças das festas populares do Nordeste brasileiro, ou nas comemorações de aniversários ou datas especiais, como procissões religiosas e o Natal, e tomam forma nas esculturas e instalações. Seu repertório é vasto e cheio de questões ligadas a sua origem e vida pessoal. A diversidade de materiais que usa para compor seus trabalhos é enorme; são objetos do cotidiano, muitas vezes refugos do consumo, como pedaços de madeira, latas de refrigerante, caixas de papelão usadas em emba-

lagens. Todo este material se transforma nas mãos do artista e ganha as mais diversas formas de expressão: desenhos, esculturas, pinturas e instalações. Sua preocupação com o meio ambiente também é refletida em sua obra. Em 2005, na Ponte das Bandeiras, no Rio Tietê, capital paulista, Marepe realiza a intervenção/performance “Pérola de Água Doce”. Segundo o artista, este trabalho consiste “em devolver ao rio de forma simbólica a sua beleza, dando ao público uma pérola para ser lançada em suas águas como um gesto de desapego às coisas materiais, e ao mesmo tempo um presente à mãe dos rios de água doce, Oxum, pedindo proteção ao destino deste rio que se tornou símbolo do descaso em relação à questão da água em todo o planeta”. Assim é a obra de Marepe, cheia de questionamentos e diálogos, do clássico ao popular que nos convidam a passear entre seus sonhos, suas memórias.

Felipinhos. Esculturas compostas de pás, estrutura de carrinho de mão de pedreiro e amostrador de grãos

Metamorfose. Escultura formada por bacias de metal e suporte de madeira 70


Banco-lacre em madeira maciรงa, cuja forma remete aos lacres das garrafas de champagne

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depoimentos

Na Bienal de Design 2010 são muitos os pontos de partida e os critérios capazes de mostrar um panorama do que foi, do que é e do que poderá ser o design brasileiro. Convidamos Fred Gelli para escrever sobre sua participação, e ele nos mostra com astúcia e humor como ser ecológico sem ser um ecochato. fred gelli

O Biomimética, se apropriando da inteligência da natureza

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ano era 1990. A cidade, Curitiba. O evento era a Bienal de Design. Eu, um recém-formado designer de produto e ainda estudante de design gráfico, tive a sorte de participar em duas categorias ao mesmo tempo: como profissional, com uma embalagem desenvolvida para o lançamento de uma coleção de tecidos, e como estudante, apresentando uma linha de produtos feita de papelão ondulado que desenvolvi na faculdade e produzida artesanalmente e vendida para meus colegas de turma. A experiência foi incrível e um marco na minha trajetória profissional, pois, na verdade, ali nascia a Tátil - nome inventado para destacar o caráter sensorial dos materiais reciclados que usava para confeccionar pastas, canetas, blocos e embalagens, todos com a filosofia do ecodesign, fundamentada no mergulho que dei para concluir meu projeto sobre o

jeito da natureza de embalar as coisas. Hoje, 20 anos se passaram e, na mesma cidade, contece a Bienal Brasileira de Design 2010 cujo tema central é “Design, Inovação e Sustentabilidade”. Para mim, a sensação de revival começou com o convite da minha querida amiga Adélia Borges, curadora do evento, para discutir o tema e pensar em como poderia contribuir com ideias. Falar do cruzamento entre design e sustentabilidade hoje é fundamental e, ao mesmo tempo, muito delicado. Fundamental, porque não cabe mais no mundo a concepção de produtos e serviços que não considerem as premissas básicas das soluções sustentáveis em todos os sentidos, e ao mesmo tempo delicado, porque ninguém mais aguenta as abordagens ecochatas do tema! O desafio de Adélia era fugir dessa armadilha e mostrar que é possível conciliar baixo impacto ambiental com alto impacto


sensorial e criativo. E que a cada dia aumenta o desafio para o bom design na procura desse equilíbrio. A ideia de agrupar os projetos por temas, como mobilidade, água, transporte, energia, cria conjuntos mais ricos do que os tradicionalmente encontrados em exposições de design. E, em especial, apresenta o bom design, aquele que tem como pré-requisito o uso inteligente de materiais e a consideração de todo o ciclo de vida dos objetos propostos, além dos outros atributos que compõem uma boa solução de design: funcionalidade, preço adequado e capacidade de provocar os sentidos das pessoas e, no melhor dos mundos, garantir conexão emocional. Conciliar isso tudo em um único projeto muitas vezes é um enorme desafio para os designers. Onde buscar inspiração para projetos de baixo impacto ambiental e alto impacto sensorial? E foi aí que propus à Adélia que não poderíamos falar de design e sustentabilidade sem falar da grande fonte de inspiração para projetos dessa natureza! Sim, ela mesma. A natureza é a maior fonte de inspiração para essa inteligência criativa sustentável, e por meio da biomimética podemos mergulhar nesse universo absolutamente fascinante. Mas como poderíamos falar desse assunto de uma forma que chamasse a atenção das pessoas? Então, tivemos a ideia de provocá-las a encarar a natureza como projetista. Espalhamos de forma completamente mimetizadas, pelas várias áreas temáticas da exposição, exemplos de “projetos naturais”. No meio de projetos de sistemas de geração de energia, como painéis de células solares, colocamos um vaso de plantas com suas folhas representando um sofisticado e eficiente sistema de captura de energia solar. Ou, ainda, no meio de embalagens, como garrafas PET ou caixas de Tetra Pack, colocamos uma “tangerina” com o mesmo tipo de descrição técnica que os projetos das embalagens ao lado apresentavam. É claro que na hora de identificar o designer responsável por esses projetos o que veremos será a menção a um designer anônimo! Cada um dos projetos apresentados na Bienal teve de preencher requisitos básicos relacionados aos tipos de materiais empregados em sua confecção, processos produtivos etc., gerando um “índice” do quanto esse projeto era sustentável. Creio que não preciso dizer que quando aplicamos o mesmo tipo de questionário aos “projetos naturais” eles preenchem na íntegra todos os critérios relacionados com 100% de efetividade!

Depois de deixar as pessoas intrigadas com esses teasers espalhados pela Bienal, elas irão se deparar com um espaço de 6 m2, projetado com base na “razão áurea”, onde desvendamos a “brincadeira”, apresentando por meio de exemplos em vídeos, amostras e imagens de alguns projetos clássicos desenvolvidos a partir de observações de soluções naturais, como o velcro, inspirado no carrapicho, ou os shorts de natação que aproveitam a hidrodinâmica da pele do tubarão. Dentre os projetos que apresentaremos, um que estamos desenvolvendo em parceria com a FGV trata do jeito como a natureza faz negócios. Estamos estudando ecossistemas como os bancos de corais para entender como esses incríveis ambientes de troca podem nos inspirar em uma lógica de negócios onde todos possam ganhar. No fundo, eu espero que essa Bienal possa inspirar estudantes de design de todo o Brasil a investir em uma direção poderosa para o futuro deles e do planeta, como aconteceu comigo 20 anos atrás.

Pasta e estojo em papelão ondulado e detalhes em papelão liso pintado com tinta PVA; canetas de tubetes de papelão pintado com tinta especial à base de água. Apresentados na Bienal de Design de 1990

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depoimentos

Fazer a diferença, trabalhar por uma outra sociedade, princípios do comércio justo são as expressões que mais se ouvem em palestras, nas festas e nos encontros ao redor da máquina de café dos “hubbers” (aqueles que habitam o local). Como esta comunidade de empreendedores sociais está transformando a ideia de mudança social num objetivo prático? E o que o design tem a ver com isso? luciana stein

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Uma cesta básica que é também base para mobiliário. Cubos em PET podem substituir sacolas plásticas e servir como equipamento para a casa. Esta é uma das sugestões do designer Fabiano Pereira em favor do meio ambiente

fotos francisco moreira da costa, manipulação fabiano pereira

U

m dos livros mais consultados da biblioteca do The Hub, em São Paulo, tem o título “Como Mudar o Mundo – Empreendedores Sociais e o Poder das Novas Ideias”, de David Bornstein. A popularidade do tema está em sintonia com o clima do lugar. Espaço de trabalho compartilhado, o The Hub é sede de empresas em sua maioria relacionadas com a responsabilidade social e ambiental. Não se trata de uma utopia. A turma do The Hub não está sozinha. Tem mais gente com eles fazendo diferença em áreas que vão da política ao design. E, vá somando as manifestações, algumas descritas no box deste texto, porque a história neles contada é o relato de pessoas e empresas que estão formando uma tendência de comportamento – e consumo. E o que o design tem a ver com isso? Anote: tendências culturais frequentemente se expressam em tendências de estilo. Lógicas, conteúdos e estruturas de pensamento se manifestam visualmente, nas roupas, no design de objetos, no design gráfico, na gastronomia. Este é o princípio do “Zeitgeist”, “o espírito do tempo”, termo alemão criado no século 19. Pois “Zeitgeist” hoje ganhou um nome super hypado, “Macrotendências”. E, uma das macrotendências da nossa época é, sem dúvida, o desejo de mudar o mundo. Sem ironia. Este desejo está nos empreendedores sociais, nos novos agitadores, nos novos gestores. Está também nos designers. A associação americana sem fins lucrativos Project H – no qual “H” está para “humanity”, “habitat”, “happyness” e “health” – é formada por um time de arquitetos, designers e engenheiros que se associam com organizações sociais para “melhorar a vida dos desassistidos”. Para eles, “não existe design sem ação”. No Brasil, há um interessante movimento de “permeabilidade do design em relação à sociedade”. A expressão veio do designer Fabiano Pereira. Professsor do Istituto Europeo di Design e criador do Projeto Bases – para um design “cívico”, ou “design mínimo”. Seu projeto propõe a substituição das sacolas de plástico que alojam as cestas básicas por cubos de plástico PET, que podem ser usados como móveis dentro das casas das classes D e E. Acredita o designer que uma casa mais ordenada pode ser o início da organização de um mundo. Novo.

gestão sustentável Em 10 de agosto deste ano, a administradora Marina Amaral e seu colegas colocaram no ar o site 10perguntas.com.br. Marina tem menos de 30 anos, é diretora do Instituto Tellus no Brasil e seu trabalho inclui a criação de ferramentas para a gestão sustentável. Na plataforma digital do Tellus, dez perguntas são feitas aos candidatos e revisadas pelos eleitores que vão dizer se o político respondeu mesmo - ou se apenas enrolou. Acha pouco? Livia Ascava tem mais ou menos a mesma idade de Marina e ela também está envolvida com projetos que usam a tecnologia para fomentar a discussão social. Livia fez parte do time da WEB CITIZEN que criou o site Vote na Web. Com uma linguagem solta e contemporânea, o Vote na Web relata os projetos de lei que estão tramitando no Senado e na Câmara,

linka com informações sobre o criador do projeto e compara a votação dos internautas com a votação do tema em Brasília. Livia divide seu tempo com outro projeto de discussão ambiental: “Isso não é normal”, em parceria com o jornal O Estado de S. Paulo – que discute as mudanças climáticas. “Há um renascimento de valores cívicos, não só pelo desejo de mudança (que em outras épocas também existia), mas em razão da consciência sobre a possibilidade real desta mudança. Há informação por toda a parte. Há ferramentas de colaboração, há desejo em contribuir e fazer coisas com sentido, vontade de empreender, inovar e criatividade – enfim, as possibilidades são infinitas”, diz Marina. Estes jovens estão transformando a política em algo um pouco mais sexy. Eles se apropriaram da tecnologia e com ela estão revendo os eixos que estruturam a sociedade.

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certAs QueSTÕES “Minério de ferro atinge cotação recorde e representa 30% da pauta de exportações brasileiras”: notícia boa ou notícia trágica? E o que design tem a ver com isso???

Aparentemente uma boa notícia. O país, rico em reservas de minério de ferro, aumenta suas exportações com a alta da cotação da commodity. Mineradoras brasileiras comemoram. Mas por trás de uma aparente boa notícia jaz uma triste realidade: se 30% do valor das exportações brasileiras vêm de apenas uma commodity vendida ao exterior em estado bruto (mina > ferrovia > porto), é porque a pauta de exportações brasileiras carece de muito mais variedade e de muito mais valor agregado. Onde estão nossas indústrias, nossas marcas, nosso design?

Eu fico frustrado toda vez que visito uma feira internacional e percebo a mínima penetração das marcas brasileiras fora do país.” O minério de ferro pode ser a estrela da vez, mas não é um caso isolado. Verdade seja dita, o Brasil vive, em grande parte, de exportar commodities. Minério, soja, café, suco de laranja... Todos esses produtos vendidos em seu estado quase bruto. Imaginem vocês se a França exportasse seu perfume em sacos de 50 litros! Imaginem se a França exportasse sua produção de vinho ou champanhe em tonéis anônimos! O que seria da Veuve Clicqot? O que seria do Chanel n° 5? Sem marca, sem design, sem embalagem adequada, perfume, vinho ou champanhe seriam também commodities. O café que exportamos em sacas de 50kg é cuidadosamente beneficiado, por exemplo, pela Nestlé, e após um banho de design volta para cá embalado em pequenos sachês de dose individual, com sabor e aroma diferenciados, maravilhosamente embalado, e é vendido em uma rede de lindas lojas pela modesta quantia de R$ 4,50 a dose! É puro design! Na embalagem, na marca, na loja, nas máquinas... Em cada precioso sachê, pagamos o preço da marca, o preço

Guto Indio da Costa

do lindo e inteligente design e sua respectiva propriedade intelectual. Vale lembrar que a Nestlé é uma multinacional de origem suíça – terra que não planta nem colhe café. E também não fabrica as máquinas de expresso (certamente made in Asia), tampouco as embalagens e sachês. Se não planta o café, se não fabrica as máquinas, nem as embalagens, o que vende realmente a Nestlé? A propriedade intelectual. Até quando vamos continuar exportando café em sacas de 50kg e suco de laranja em tonéis anônimos? Por que falta tanto branding e design nessa equação?

Não é exclusividade da Nestlé. A Apple faz exatamente a mesma coisa. Ou alguém acha que a Apple fabrica iPods, iPhones ou iPads? A Apple não fabrica nada além de ideias – e evidentemente sabe desenvolvê-las como poucos. Atrás de qualquer iPhone você pode ler: designed in California – made in China. Alguma dúvida de quem ganha mais nessa equação? A propriedade intelectual californiana cria e distribui sob sua marca e vale muito mais do que o parque industrial chinês, que fabrica. LCDs, placas eletrônicas, LEDs, conectores e componentes de toda a sorte são as commodities da indústria. As únicas diferenças do iPad da Apple para as dezenas de modelos de tablets chineses são o seu design e seu marketing, evidentes no produto, na interface gráfica, na marca, na embalagem, no site, no ponto-de-venda... A Itália também adotou o mote – designed in Italy, made in China. A Phillips recentemente esvaziou Eindhoven, e levou da Holanda para a China seu parque fabril. Vai aos poucos entendendo que é melhor viver de ideias... e suas respectivas patentes. Agora, pensemos no Brasil. Você já imaginou que potencial nós teríamos se agregássemos design, marca e propriedade intelectual aos nossos produtos exportados? Se agregássemos a criatividade e competência dos nossos designers, marketeiros e empresários ao fantástico potencial de produção de matéria-prima que, por natureza, temos? Se agregarmos aos produtos e às marcas um design fantástico, se as embalagens forem inteligentes e inovadoras, se a distribuição for bem feita, se a promoção do produto no ponto-de-venda for incrível... Por que não? Eu fico frustrado toda vez que visito uma feira internacional, seja lá de qual segmento, e percebo a mínima penetração das marcas brasileiras fora do país. Temos, sim, alguns orgulhos: a Embraer, as Havaianas... Mas são muito poucas as marcas brasileiras que conseguem atravessar nossas fronteiras. Se olharmos, por exemplo, a pequena Coreia, que vive de três grandes grupos (Samsung, Hyundai e LG); se olharmos a pequena Finlândia (Nokia, Volvo...) e se olharmos melhor o nosso imenso potencial, podemos sem dúvida concluir que o Brasil ainda é o país do futuro. E o design é peça fundamental nesse futuro. 77


Como encontrar News Mesinha Pedaços Oficina de Ideias Ana Paula Castro www.anapaulacastro.com.br Livro Aventuras no Mar de Dentro Projeto Bichos do Mar de Dentro www.bichosmardedentro.com.br Ateliê Miriam Pappalardo www.flickr.com/photos/ mpappalardo Banqueta by Rubens Szpilman Benedixt www.benedixt.com.br Banco Paulistinha Conceito Firma Casa www.conceitofirmacasa.com.br Bota Greghi Design Via Férrea www.viaferrea.com.br Cavalo Vaca Valiente Design Marché Art De Vie www.marcheartdevie.com.br Espagueteira Angiolina Riva www.riva.com.br Vasos Outline Saint James www.saintjames.com.br Marco 500 www.marco500.com.br Poltrona Volta e Chaise-longue Cercado Dpot www.dpot.com.br Poltronas Plano Mannes www.mannes.com.br Cadeiras Diretor e Milano (Butzke) Isto É Brasil www.istoebrasil.com.br

Melissa/Gaetano Melissa www.melissa.com.br

O Gênio Coletivo www.fiatmio.cc

DNA Brasileiro Bruno Jahara www.brunnojahara.com.br/www. jaharastudio.com Wagner Archela web.mr.com/Archela

Lojas-conceito Conceito Firma Casa www.conceitofirmacasa.com.br Adriana Barra www.adrianabarra.com.br La Lampe www.lalampe.com.br 78

Missoni Home www.missonihome.com Habitart www.habitart.com.br

Maison Moschino: O Hotel www.maisonmoschino.com

Universo Café Expresso Waker www.sanghoon-design.com Cocoon Coffee Machine www.jan-koenig.de Le Whif www.lewhif.com Travel Press e Travel Mug www.bodum.com Podi www.gangotra.it Twist mypressi.com

Três Escolas, Três Conceitos Brasil Arquiteura www.brasilarquitetura.com Jair de Souza www.jairdesouza.com Carla Caffé www.carlacaffe.com.br

Roma Editora, Projetos de Marketing Ltda.

Circulação e Assinaturas Rita Cuzzuol

Diretoria Maria Helena Estrada Cristiano Barata

Impressão www.graficamundo.com.br

Diretora Editora Maria Helena Estrada

Distribuição Nacional Fernando Chinaglia Distribuidora S/A

Redatora Camila Marques

Telefones Tronco-chave: + 55 (11) 2808 6000 Fax: + 55 (11) 2808 6026

Revisora Deborah Peleias Projeto gráfico Fogo Design

Editora mh@arcdesign.com.br

Designer Ricardo Esteves

Redação redação@arcdesign.com.br

Produção Gráfica Cibele Cipola Participaram desta edição Carine Savietto, Fred Gelli, Guto Indio da Costa, Juliana Gatti, Luciana Stein, Stephan Hamel, Waldick Jatobá (texto) Comercial e Marketing Cristiano Barata

Arte arte@arcdesign.com.br Publicidade publi@arcdesign.com.br Assinaturas assinatura@arcdesign.com.br

Carol Tonetti caroltonetti@uol.com.br

Árvores Vivas Site www.arvoresvivas.com.br Blog arvoresvivas.wordpress.com/ Mapa das Árvores http://www.panoramio.com/ user/3229927

Marepe: O Questionador Peças diversas Galeria Luisa Strina www.galerialuisastrina.com.br

Projetos para um Outro Mundo The Hub SP www.saopaulo.the-hub.net/public Projeto Bases www.coroflot.com/ fabianocircunflexo Instituto Tellus (Brasil) www.tellus.org.br

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Projeto arquitetônico Arte 3 Painéis com garrafas PET e guirlandas do teto com tampinhas plásticas

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Diego Pisante

Curadoria Adélia Borges




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