Rev i s t adaEs t r ut ur adeAç o|Vol ume5|Númer o2
recebido: 26/01/2016 aprovado: 12/02/2016
Volume 5. Número 2 (agosto/2016). p. 79-98
ISSN 2238-9377
Revista indexada no Latindex e Diadorim/IBICTo
SOBRE A INSTABILIDADE DE BARRAS DE AÇO SOB COMPRESSÃO Valdir Pignatta Silva * Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, Departamento de Engenharia de Estruturas e Geotécnica - Av. Prof. Luciano Gualberto, trav.3, n.380. Edifício da Engenharia Civil - Cidade Universitária - 05508-010 São Paulo, Brasil emails: valpigss@usp.br ;
On the buckling of steel members under axial compression RESUMO O dimensionamento de barras de aço sob compressão centrada conforme a NBR 8800 de 1986 tinha por base as múltiplas curvas europeias. A base escolhida para a ABNT NBR 8800:2008, no entanto, foi o AISC, norte-americano. Apesar de ambas levarem a resultados similares, a formulação é diferente. Neste trabalho apresenta-se uma detalhada e didática introdução sobre o comportamento dessas barras de aço. São abordados tópicos relacionados à teoria clássica de flambagem, que é válida somente para barras ideais, e o efeito de imperfeições geométricas e do material. Apresenta-se, também, um estudo simplificado da estabilidade do equilíbrio de barras com rigidez concentrada. dedução p.da curva para ISSN dimensionamento de barras Volume 5.Inclui-se Número 1uma (março/2016). 21-38 2238-9377 constituídas por materiais elástico-lineares e a comparação entre resultados obtidos de várias curvas. Palavras-chave: barras comprimidas, instabilidade, flambagem. ABSTRACT The design of steel columns recommended by Brazilian standard NBR 8800:1986 was based on Eurocode 3 curves. The Brazilian standard ABNT NBR 8800:2008, however, was based on the North American specification AISC. The North American and European curves although lead to similar results, their equations are very different. In this paper, detailed and didactic introduction on the behavior of columns is presented. Topics related to the classic buckling theory (bifurcation point), the effects of the geometric imperfections and of the material behavior are included. A simplified but interesting study of the stability of systems of rigid bars connected by springs based on the minimization of the total potential energy is presented. The buckling curve for elastic materials is derived and comparisons between several curves are presented. Keywords: columns, buckling.
* Correspondent Author
79
1 Teoria clássica de flambagem A teoria clássica de flambagem (Euler) tem por hipóteses que as barras sejam ideais, ou seja, que possuem as seguintes características: material homogêneo de comportamento elástico-linear, sem tensões residuais, sem imperfeições geométricas, força centrada e que não ocorra instabilidade local ou global por torção ou flexotorção. Considerando-se uma barra biarticulada conforme indicada na Figura 1, na configuração pós-crítica tem-se um momento fletor solicitante M = F . v, em que Fa é a força externa aplicada e v o deslocamento transversal pós-crítico no meio da barra (flecha). Empregando-se a equação diferencial linearizada da linha elástica, equação 1, é possível encontrar a força crítica de flambagem elástica, Neb, indicada na equação 2. Na equação 2, λ = l r é o índice de esbeltez, ℓ é o comprimento da barra, r = I A é o raio de giração, sendo I o momento de inércia em torno do eixo apropriado e A a área da seção transversal da barra. d2v M =− 2 EI dw Ne =
(1)
π 2 EI π 2 E A = l2 λ2
w
(2)
σe = Ne/A
F
ℓ F
v
λ
Figura 1 - Barra biarticulada solicitada.
a
Figura 2 - Hipérbole de Euler (σe x λ).
Segundo a ABNT NBR 8681:2003, “ações são as causas que provocam esforços ou deformações nas estruturas. Do ponto de vista prático, as forças e as deformações impostas pelas ações são consideradas como se fossem as próprias ações “. A mesma norma usa como símbolo de ação a letra F. Assim, neste texto, será usado o símbolo F para força externa, para não confundir com a força normal solicitante N, que é um esforço interno. b A ABNT NBR 8800:2008 usa o símbolo Ne para indicar a força axial de flambagem elástica, sem distinguir a força normal aplicada (externa) da força normal solicitante (interna). Apesar de isso poder trazer confusão em alguns casos, neste texto, será mantido o símbolo dessa norma, visto que são estudados casos em que essa simplificação não afeta o entendimento.
80
Na Figura 2, é mostrado o gráfico σe x λ, conhecido como hipérbole de Euler, em que σe = Ne/A. O emprego da forma linearizada, equação 1, permite deduzir a força que provoca flambagem, mas não a configuração pós-crítica, ou seja, seus deslocamentos transversais são indeterminados. Empregando uma expressão mais precisa (ainda sem ser exata) para a curvatura, ou seja, a equação 3 em que v é a ordenada associada a deslocamentos transversais, é possível encontrar a relação entre a força normal aplicada e o deslocamento no meio da barra, vmáx , conforme Figura 3, para material elástico-linear. O gráfico apresentado é conhecido como trajetória de equilíbrio. 1 M − v" = = ρ EI 1 + v' 2 3/2
(
(3)
)
Como se pode observar na Figura 3, ao se aplicar na barra biarticulada uma força axial superior a Ne, há duas soluções possíveis de equilíbrio (vide item 3.2 deste texto), ocorrendo um ponto de bifurcação nas trajetórias de equilíbrio. Uma, instável (em linha tracejada), em que a barra permanece na posição reta e outra, estável, em que a barra se deforma à procura do equilíbrio, porém com deformações incompatíveis com os materiais usualmente empregados na construção civil. Ao fenômeno do aparecimento de um ponto de bifurcação (Ne) na trajetória de equilíbrio apresentada na Figura 3, se denomina flambagem de Euler ou simplesmente “flambagem” (vide item 3.3 deste texto). Valores máximos do deslocamento, vmáx, para valores de F pouco superiores a Ne são mostrados na Figura 4 (Fruchtengarten 1988). Para F > Ne, as deformações são muito elevadas para a construção civil, conduzindo as peças estruturais usuais à sua capacidade resistente. F M
F
material elástico-
ℓ v
0,3
v max =
0,25
κ
8 π
1 F F − 1 1 − − 1 l Ne 2 Ne
0,2
L /x 0,15 á
Ne
Solução aproximada
vm
Solução mais precisa
0,1 0,05 0 1
1,01 1,02 1,03 1,04 1,05 1,06 1,07 1,08 1,09
1,1
F/N e
vmáx
Figura 3 - Gráfico F x v para material Figura 4 – Relação entre força aplicada e elástico-linear (bifurcação de equilíbrio). deslocamento máximo lateral. 81
Para outras condições de vínculo, a força crítica de flambagem elástica pode ser calculada por meio da equação 2, substituindo-se ℓ por K ℓ, em que K é o parâmetro de flambagem que depende das condições de vínculoc.
2 Material de comportamento elástico-frágil 2.1 Ausência de imperfeição geométrica O diagrama tensão-deformação de um material elástico-frágil é apresentado na Figura 5. A esbeltez limite do regime elástico, λi, pode ser determinada igualando-se a força que provoca flambagem, N e = π 2 EA λ i2 , à máxima força normal resistente, Ny = fy A, χ
resultando a equação 4. σ 1
1
fy
λ20 α
tan α = E
λ0 ε
1
Figura 6 - Gráfico χ x λ0 para material Figura 5 - Diagrama tensão-deformação elástico-frágil, sem imperfeição de um material elástico-frágil. geométrica.
λi =
π2E fy
(4)
Considerando-se a equação 5 na equação 4, tem-se a equação 6, na qual NR é a força normal resistente da barra.
c
Apesar de esta seção tratar da teoria clássica de flambagem, na qual é perfeitamente aceitável considerar o K, julgou-se relevante fazer os comentários que se seguem. Em casos práticos, as barras sempre estarão submetidas a imperfeições iniciais e, nesses casos, a ABNT NBR 8800:2008 recomenda que se adote K = 1, porém considerando-se os efeitos das imperfeições iniciais equivalentes, geométricas e do material. A norma brasileira também aceita K ≤ 1, desde que demonstrado. Em anexo, a ABNT NBR 8800:2008 aceita valores superiores a 1,0 para barras isoladas. O autor julga que essa concessão somente vem a confundir o novo procedimento para dimensionamento em que se considera K = 1, na presença de imperfeições.
82
λ0 =
λ λ = λi π2E fy
(5)
NR =1 Ny
λ ≤ λ i → λ 0 ≤ 1 NR = Ny = fy A ∴
λ > λ i → λ 0 > 1 NR = N cr =
π 2 EI NR π2E 1 ∴ = 2 = 2 2 l N y λ fy λ0
(6)
Denominando-se χ = NR/Ny, pode-se ver na Figura 6 a relação χ x λ0. 2.2 Efeito da imperfeição geométrica Como será visto no item 3, na presença de imperfeição não ocorre o fenômeno da bifurcação na trajetória de equilíbrio, ou seja, a flambagem de Euler. Trata-se de um problema de flexão composta, no qual se deve considerar a amplificação de flecha e, portanto, de momento fletor na barra, devido à não linearidade geométrica. No entanto, é possível se reduzir o dimensionamento à flexão composta em uma compressão simples, por meio de um fator de redução da capacidade resistente, χ. O deslocamento total (ver Figura 7) é dado aproximadamente pela equação 7, em que −1
1 − F é o fator de amplificação de flechas. N e
δt = δ0 + δ =
δ0
F 1 − Ne
(7)
F
δ0
δ
Figura 7 – Barra com imperfeição inicial. 83
A dedução apresentada a seguir foi inspirada em SALES et al. (1994) com complementações do autor deste artigo. Em regime elástico, a tensão máxima atuante na seção transversal é determinada pela equação 8. σ max =
F M + A W
(8)
Substituindo-se M por N δt e considerando-se a equação 7, tem-se a equação 9. σ max =
δ0 F M + A W F 1 − Ne
(9)
Denominando-se F (A f y )= χ e considerando-se σmáx = fy, tem-se a equação 10. fy = χ fy +
χ Afy
δ0
W
F 1 − Ne
(10)
Lembrando-se da equação 2 e de que F= χ A fy, tem-se a equação 11. F = χ λ 02 Ne
(11)
Substituindo-se a equação 11 na equação 10, obtém-se a equação 12. A δ0 χ 2 λ 02 − χ 1 + λ 02 + +1= 0 W
(12)
Resolvendo-se a equação 12, tem-se a equação 13, conhecida como expressão de Ayrton-Perry, deduzida em 1886.
χ=
δ0 A 2 + λ0 − 1 + W
2
δ0 A 2 + λ 0 − 4 λ 02 1 + W 2 2 λ0
(13)
Escrevendo-se a magnitude da imperfeição inicial (flecha) como função do comprimento da peça, δ 0 = l n e lembrando-se da equação 5, em que se substitui λ por ℓ/r, tem-se a equação 14. 84
π2 E fy
δ0 A λ Ar = 0 W n W
(14)
Aplicando-se a equação 14 na equação 13, obtém-se a equação 15, conhecida como expressão de Perry-Robertson, em que α (equação 16) é um fator de imperfeição.
χ =
(1 +α λ
0
)
+ λ 02 −
(1 + α λ
0
+ λ 02
)
2
− 4 λ 02
(15)
2 λ 02 Ar α= nW
π2 E fy
(16)
Segundo a ABNT NBR 5884:2005, a tolerância de fabricação para flecha longitudinal é l/1000. A curva de dimensionamento adotada pela ABNT NBR 8800:2008 considera L/1500 de imperfeição inicial (PIMENTA, 1997). Adotando-se: 1000 ≤ n ≤ 1500; 80 ≤
π 2 E f y ≤ 90 e sabendo-se que para a maioria dos perfis laminados
comercializados no Brasil, vale 1,95 ≤ A ry Wy ≤ 2,5, resulta: 0,1 ≤ α ≤ 0,23. Nota: em 1925, Robertson (apud REIS; CAMOTIM, 2001) admitiu: δ 0 A W = 0,003 λ o que corresponde a α aproximadamente igual a 0,25. Na Figura 8 é apresentada a relação entre χ e λ0 em função de α.
1 alfa =0,1
0,8
alfa=0,23
χ
0,6 0,4 0,2 0 0
1
2
3
λ0 Figura 8 - Relação entre χ e λ0 para material elástico-frágil com imperfeição geométrica em função de α.
85
3 Material de comportamento elástico não linear 3.1 Material elástico não linear (sem imperfeição geométrica) Para os materiais com comportamento elástico não linear que seguem um diagrama σ x ε, conforme Figura 9, deve-se criar uma esbeltez-limite, λr, para aplicação da expressão de Euler, equação 2. λr pode ser determinada igualando-se a força crítica, N e = π 2 E A λ 2r , àquela que provoca a tensão correspondente ao limite de
proporcionalidade (σp A), o que resulta na equação 17. π2E
λr =
(17)
σp χ
σ αt (ε)
1
fy
1
σp
tan α = E/fy tan αt = Et/fy α
λ20
σp/fy
λ0
ε fy
σp
Figura 10 - Gráfico χ x λ0 para material Figura 9 - Diagrama tensão-deformação elástico não linear, sem imperfeição de um material elástico não linear. geométrica.
Pela teoria do módulo tangente de Engesser, substitui-se o módulo de elasticidade, E, pelo módulo de elasticidade tangente, Et, na equação 2. Assim, tem-se: Et π 2E t I π 2E t I π 2E t A E t A f y N y E e se obtém a equação 18, em que χ = NR = 2 = 2 2 = = 2 = λ 02 l λ r λ2 λ0 E
NR/Ny e λ0 conforme equação 5. Et
χ=
E
(18)
λ 02
O gráfico χ x λ0 é ilustrado na Figura 10. Lembra-se que, para λ0 = λr, tem-se: λr 2
π E fy
=
π 2 E σp 2
π E fy
=
fy σp
e χ, numericamente, igual a
considera-se fy como tensão-limite.
86
σp fy
. Novamente
3.2 Material elástico não linear (com imperfeição geométrica); estabilidade do equilíbrio Para se analisar o caso em que se inclui a não linearidade geométrica (imperfeição) e do material, serão utilizados alguns conceitos básicos da Teoria da Estabilidade Elástica. A energia potencial total de um sistema estrutural (V) pode ser definida como a diferença entre a energia potencial dos esforços internos ou energia de deformação (U) e a energia potencial dos esforços externos (W). Segundo o teorema de LagrangeDirichlet: “É condição suficiente para a estabilidade de equilíbrio de uma configuração de um sistema que a energia potencial total seja mínima (∂V/∂ϕ = 0). Esse teorema, proposto por Lagrange e demonstrado por Dirichlet, é válido para sistemas conservativos e discretos e será aplicado para casos simples (Figura 11) de uma barra com uma mola representando a rigidez à flexão concentrada na base e imperfeição simulada por meio de um ângulo ϕ0. F
F
ℓ(1-cos ϕ) ϕ0 l
ϕ
M = f(ϕ)
Figura 11 – Barra sujeita à força normal Nas Figuras 12 a 15 apresentam-se os diagramas F x ϕ para os quatro casos indicados na Tabela 1. Esses gráficos são chamados de trajetórias de equilíbrio. As trajetórias de equilíbrio estáveis são representadas por linhas cheias. Em tracejado, as trajetórias de equilíbrio instáveis. Nas Figuras 12 e 14 e nas trajetórias correspondentes à ausência de imperfeições das Figuras 13 e 15, percebe-se uma bifurcação na trajetória de equilíbrio (bifurcação em garfo ou “Pitch-fork bifurcation” em inglês (PIMENTA, 2008)).
87
Tabela 1 – Análise da estabilidade do equilíbrio Caso I – Sem imperfeição geométrica e Caso II – Com imperfeição geométrica e material com comportamento linear: material com comportamento linear: ϕ0 ≠ 0; ϕ0 = 0; f(ϕ) = K ϕ U=
∫
ϕ
0
Kϕ=
f(ϕ) = F (ϕ - ϕ0)
K ϕ2 2
W = F ℓ (1 - cos ϕ) V=U–W=
K ϕ2 2
- F ℓ (1 - cos ϕ)
Caso III – Sem imperfeição geométrica e comportamento não 2
linear: ϕ0 = 0; f(ϕ) = K ϕ (1 - ϕ ) U=
∫
ϕ
0
V=U–W=
F=
com
ϕ2 ϕ4 K ϕ 1− ϕ 2 = K − 4 2
(
ϕ0
K (ϕ − ϕ 0 ) =
K (ϕ − ϕ 0 ) 2
K (ϕ − ϕ 0 ) 2
2
- F ℓ [cos ϕ0 – cos ϕ]
)
K ϕ − ϕ0 l sin ϕ
Caso IV – Com imperfeição geométrica e material com comportamento não linear: ϕ0 ≠ 0; f(ϕ) = K (ϕ - ϕ0) [1 – (ϕ - ϕ0)2] U=
(ϕ − ϕ 0 )2 (ϕ −ϕ 0 )4 K (ϕ -ϕ 0 ) 1− (ϕ −ϕ 0 )2 = K − ϕ0 2 4
[
ϕ
∫
]
W = F ℓ (1 - cos ϕ)
W = F ℓ [cos ϕ0 – cos ϕ]
ϕ2 ϕ4 − F l (1 − cos ϕ) V = U - W = K − 4 2
(ϕ − ϕ0 )2 (ϕ − ϕ0 )4 V = U - W = K − 2 4
∂V = K ϕ − ϕ 3 − F l sinϕ = 0 ∂ϕ
(
K ϕ − ϕ3 F= l sinϕ
)
2
∂V = K (ϕ − ϕ 0 ) + F l sin (ϕ ) = 0 ∂ϕ
K ϕ l sinϕ
material
ϕ
W = F ℓ [cos ϕ0 – cos ϕ]
∂V = K ϕ − F l sinϕ = 0 ∂ϕ
F=
∫
U=
− F l (cos ϕ0 − cos ϕ )
[
]
∂V 3 = K (ϕ − ϕ 0 ) − (ϕ − ϕ 0 ) − F l sinϕ = 0 ∂ϕ
K F= l
88
[(ϕ − ϕ ) − (ϕ − ϕ ) ] 3
0
0
sin ϕ
2E+ 06
2E+ 06
sem imperfeição
2E+ 06
1E+ 06
1E+ 06
F
N F
1E+ 06
800000
600000
imperfeição crescente
400000
200000
0
0
0.2
0.4
0.6
0.8
1
1.2
1.4
1.6
1.8
2
ϕ
Figura 12 - Diagrama F x ϕ para barra Figura 13 – Diagrama F x ϕ para barra com ideal. imperfeição geométrica e material de comportamento não linear. 1
E
+0 6
1
E
+0 6
1
E
+0 6
1
E
+0 6
+0 6
1
sem imperf eição sem imperfeição 1
E
8
0 0 0 0 0
6
0 0 0 0 0
4
2
+0 6
6
0 0 0 0 0
0 0 0 0 0
4
0 0 0 0 0
0 0 0 0 0
2
0 0 0 0 0
N
0 0 0 0 0
N
F
E
8
F
imperfeição crescente imperf eição crescente
0
0
0
0 2 .
0 4 .
0 6 .
0 8 .
1
1
.2
1
.4
0
ϕ
0 .1
0 .2
0 .3
0 .4
0 .5
0 6 .
ϕ
Figura 14 – Diagrama F x ϕ para barra sem Figura 15 – Diagrama F x ϕ para barra imperfeição e com material de com imperfeição e material de comportamento não linear. comportamento não linear.
As conclusões observadas nas Figuras 12 a 15 podem ser generalizadas para barras quaisquer. Com base na Tabela 1 e Figuras 12 a 15, a Figura 16 apresenta a relação entre a força normal aplicada e o deslocamento lateral no centro da barra, vmáx, para materiais de comportamento linear e não linear. Como se pode notar, no caso de barras com imperfeições constituídaas por materiais elástico-lineares,, não ocorre bifurcação na trajetória de equilíbrio e, portanto, não ocorre flambagem e sim flexão composta. No caso de materiais de comportamento não linear,, também não ocorre ponto de bifurcação, mas há instabilidade a partir do 89
ponto em que não há solução para equilíbrio, PIMENTA (2008). Esse ponto é denominado “ponto limite” (vide item 3.3 deste texto). σ
σ
N
material elástico-linear ε
material não linear
Sem N imperfeiçõe s Ncr
σ fy fy - σr N
ε Ponto-limite
Ncr
material elástico-elástico não linear ε Ponto-limite
N Com imperfeições δ1<δ2<δ3<δ4
vmáx
vmáx
vmáx
Figura 16 - Gráfico N x vmáx de pilares sem e com imperfeições geométricas
3.3 Flambagem e ponto-limite Até a década de 70, no Brasil, praticamente se estudava apenas a flambagem de Euler. Na década de 70, o Prof. Décio de Zagottis e sua equipe (Carlos Nigro Mazzilli, Paulo Mattos Pimenta, Julio Fruchtengarten, Henrique Lindenberg, João Cyro André, hoje professores da Poli-USP e Dirceu Botelho, atualmente na Califórnia/EUA) aprofundaram-se no estudo da instabilidade dinâmica e estática de estruturas. O Prof. Zagottis ponderou a diferença entre a instabilidade por bifurcação na trajetória de equilíbrio (flambagem de Euler) e a instabilidade por ocorrência de ponto-limite. Seguindo o costume da época, reservou o nome de flambagem, como não poderia deixar de ser, unicamente à bifurcação de equilíbrio. Assim, as formas de instabilidade estática elástica são divididas em bifurcação das trajetórias de equilíbrio ou flambagem e ponto-limite. Mais informações, incluindo instabilidade dinâmica (flutter ou drapejamento, galloping e ressonância por vórtice) podem ser vistas em BOTELHO (1978), ZAGOTTIS (1980), MAZZILLI (1979 e 1991), BRASIL (1991) e SILVA (1992). As normas brasileiras ABNT NBR 6118 e ABNT NBR 7190 passaram a seguir essa nomenclatura. A ABNT NBR 8800:2008, tentando facilitar o entendimento dos leigos no assunto, usa "associado à flambagem", ao se referir à compressão. O autor pensa que, ao contrário de se tentar facilitar o entendimento de algo impreciso, se deveria usar a linguagem correta, com as devidas explicações, como faz a ABNT NBR 6118, que 90
vai além e diferencia ponto-limite com reversão (no caso de cascas ou treliças abatidasd) e sem reversão (no caso de barras). Convém lembrar aqui, parte do texto da subseção 15.2 da ABNT NBR 6118:2014. "Existem nas estruturas três tipos de instabilidade: a) nas estruturas sem imperfeições geométricas iniciais, pode haver (para casos especiais de carregamento) perda de estabilidade por bifurcação do equilíbrio (flambagem); b) em situações particulares (estruturas abatidas), pode haver perda de estabilidade sem bifurcação do equilíbrio por passagem brusca de uma configuração para outra reversa da anterior (ponto limite com reversão); c) em estruturas de material de comportamento não linear, com imperfeições geométricas iniciais, não há perda de estabilidade por bifurcação do equilíbrio, podendo, no entanto, haver perda de estabilidade quando, ao crescer a intensidade do carregamento, o aumento da capacidade resistente da estrutura passa a ser menor do que o aumento da solicitação (ponto limite sem reversão). Os casos a) e b) podem ocorrer para estruturas de material de comportamento linear ou não linear." Apesar de parecer apenas um problema semântico, é bem mais do que isso. É importante que se constate que há dois fenômenos completamente diferentes. Um é teórico, de um mundo ideal, sem imperfeições geométricas e do material, em que pode
ocorrer
a
bifurcação
de
equilíbrio
(flambagem).
Outro
fenômeno,
completamente diferente do anterior, é o que acontece no mundo real, em que as imperfeições estão presentes. Neste caso, ocorre uma flexocompressão. O estadolimite ocorrerá ou por escoamento, ou pela barra atingir o ponto-limitee, a partir do qual não haverá mais capacidade suporte. Ao primeiro, por convenção, se denomina flambagem. O ponto-limite em geral é inferior à força crítica de flambagem elástica. A distinção entre os dois fenômenos é tão grande, que a denominação de flambagem deixou de ser algo apenas semântico, mas sim de conceito. Essas considerações, obviamente, são estendidas às chapas. Por exemplo, nos perfis formados a frio, considerando-se as imperfeições e a configuração pós-crítica, nitidamente não se pode chamar, genericamente, de flambagem local (ou distorcional) de chapa e sim de instabilidade local (ou distorcional).
d
“snap-through” A teoria da estabilidade elástica, como o próprio nome diz, não é aplicada na plasticidade. Assim, esse assunto pode se tornar mais complexo, ao ocorrer um terceiro ponto crítico que só é encontrado empregando-se métodos numéricos. Esse aprofundamento escapa do escopo deste trabalho. O autor julga que o apresentado no texto é suficiente para se compreender os fenômenos apresentados.
e
91
As normas brasileiras destinadas ao dimensionamento de estruturas de aço, ABNT NBR 8800:2008, ABNT NBR 14762:2010 e ABNT NBR 16239:2013 precisam se alinhar às demais normas brasileiras. O termo flambagem deve ser evitado nas referidas normas pela sua imprecisão. Aliás, seguindo a linha da ABNT NBR 6118:2014, o autor recomenda que as normas de estruturas de aço deixem de usar "comprimento de flambagem" e passem a usar "comprimento efetivo", a fim de evitar uma confusão que ainda persiste para alguns engenheiros de estruturas de aço.
4 Material elastoplástico 4.1 Material elástico-plástico perfeito (sem imperfeição geométrica) O diagrama tensão-deformação de um material elástico-plástico perfeito é apresentado na Figura 17. Da mesma forma que para o material elástico-frágil, encontra-se a relação apresentada à Figura 18, onde NR é a força normal resistente do pilar constituído de material de comportamento elástico-plástico perfeito, admitindose que a tensão-limite para projeto vale σ = fy. χ=NR/Ny σ 1
1
fy
λ20 α
tan α = E
λ0 =
ε
1
λ π2 E fy
Figura 18 - Gráfico NR/Ny x λ0 para material Figura 17 - Diagrama tensão-deformação elástico-plástico perfeito, sem imperfeição de um material elástico-plástico perfeito. geométrica.
4.2 Material elastoplástico não linear (sem imperfeição geométrica) O diagrama tensão-deformação de um material elástico-plástico não linear é apresentado na Figura 19. Da mesma forma que para o material elástico-frágil, encontra-se a relação apresentada na Figura 20, onde NR é a força normal resistente do pilar constituído de material de comportamento elástico-plástico perfeito, admitindo-se que a tensão-limite para projeto vale σ = fy. 92
χ
σ αt (ε)
1
fy
1
σp
α
λ20
σp/fy
tan α = E/fy tan αt = Et/fy
λ0
ε 0,2
Figura 19 - Gráfico N/Ny x ε para material elastoplástico não linear.
fy
σp
Figura 20 - Gráfico NR/Ny x λ0 para material com comportamento elastoplástico não linear, sem imperfeição geométrica.
5 Dimensionamento 5.1 O efeito das tensões residuais O diagrama tensão x deformação de uma peça com tensões residuais é apresentado na Figura 21. Por simplicidade, as normas brasileiras e estrangeiras adotam que o limite de proporcionalidade vale σp = fy - σr, sendo σr a tensão residual. A força crítica (bifurcação) pode ser determinada conforme a equação 19, em que (EI)ef = ∫ E t x 2 dA A
Ne = Para
material
π 2 (EI) ef l2
elástico-plástico
(19)
perfeito,
(EI)ef
= E ∫ x 2 dA = EI ef ,
portanto,
A
N e = π 2 EI ef l 2 .
σ
σ
fy
fy
f y - σr arctan E
ε
ε
(a)
(b)
(a) aço sem tensão residual
(b) aço com tensão residual
Figura 21 - Diagrama tensão-deformação
93
As extremidades das mesas apresentam tensão residual de compressão (para perfil laminado ou perfil soldado com chapas das mesas não cortadas a maçarico). Se, para efeito de raciocínio, as tensões residuais de compressão forem concentradas nas extremidades das mesas, como se pode observar na Figura 22, cada seção transversal deverá terá duas curvas χ x λ0, uma para a direção x-x e outra para y-y. Elas integram as múltiplas curvas usadas pelo EUROCODE 3 (2005), conforme item 5.2 deste texto.
σr,com p.
d x
x
d y
y
Iy,ef <<< Ix,ef σr,comp. Figura 22 – Efeito das tensões residuais
5.2 Curvas para dimensionamento A expressão de Perry-Robertson (equação 15) é adequada a materiais de comportamento elástico-frágil. Com base na expressão de Perry, RONDAL; MAQUOI (1979) propuseram uma curva incluindo efeitos não elásticos. Ainda em 1979, essa curva foi modificada por J. Rondal e R. Maquoi, apud JANSS; MINNE (1981), resultando na equação 20, que foi adotada pela norma europeia EUROCODE 3 (2005). A equação 20 é a própria equação 15 rearranjada, substituindo λ0 por (λ0 – 0,2). Para λ0 ≤ 0,2 χ = 1,0 ( 20) Para λ0 > 0,2
χ =
1
[
]
0,5 1 + α (λ 0 − 0,2) + λ 02 +
[0,5 (1 +α (λ
0
− 0,2) + λ 02
)] − λ 2
2 0
Com base em inúmeros ensaios experimentais e numéricos, a equação 20 foi calibrada a fim de incluir os efeitos das imperfeições geométricas, das tensões residuais e da plasticidade (REIS; CAMOTIN, 2001) no valor de α, que pode ser entendido como 94
imperfeição inicial “equivalente”. Em vista da variabilidade dos resultados, o Eurocode 3 apresenta quatro curvas que se diferenciam em função de α, o qual varia entre 0,21 e 0,76. Na Figura 23 apresenta-se a relação entre χ e λ0 conforme o EUROCODE 3 (2005) e conforme a equação 15, válida para material elástico-linear (item 2.2 deste texto), com α = 0,15. Nota-se que as grandes alterações conceituais inseridas pelo EUROCODE 3 (2005) não afetam demasiadamente a aparência da curva. A ABNT NBR 8800:2008, inspirada no ANSI/AISC 360-05 (2005), recomenda uma curva única para dimensionamento de pilares, conforme equação 21. 2
para λ 0 ≤ 1,5 → χ = 0,658λ 0 para λ 0 > 1,5 → χ =
(21)
0,877 λ 02
Na Figura 24 apresentam-se as curvas χ µ λ0 conforme NBR 8800 e Eurocode 3 (2005). Como se nota, as diferenças são acentuadas entre as normas. No entanto, como mostra a Figura 25, essas diferenças são reduzidas na prática de projeto, uma vez que o coeficiente de ponderação das resistências γ vale 1,1 na ABNT NBR 8800:2008 e 1,0 no EUROCODE 3 (2005). EC(alfa=0,21)
EC(alfa=0,34)
EC(alfa=0,21)
EC(alfa=0,34)
EC(alfa=0,49)
EC(alfa=0,76)
EC(alfa=0,49)
EC(alfa=0,76)
alfa=0.15
NB R8800
1
0,8
0,8
0,6
0,6
χ
χ
1
0,4
0,4
0,2
0,2 0
0 0
0,5
1
1,5
2
0
λ0
0,5
1
λ0
1,5
2
Figura 23 - Relação entre χ e λ0 conforme Figura 24 - Relação entre χ e λ0 conforme Eurocode 3 e para material elástico com NBR 8800 e Eurocode 3. imperfeição (α=0,15) geométrica.
95
Na Figura 26, compara-se a ABNT NBR 8800:2008 aos resultados do estudo anterior (item 2.2) válido para material elástico-linear. Apesar de as hipóteses para a dedução da curva da ABNT NBR 8800:2008, que tem por base o ANSI/AISC 360-05 (2005), incluírem imperfeições (PIMENTA, 1997), ela se ajusta à média dos valores determinados para material elástico-linear. nbr8800/1.1
EC(alf a=0,21)
EC(alf a=0,49)
EC(alf a=0,76)
EC(alfa=0,34)
alf a=0,1
1
alf a=0,23
nbr8800
1
0,8
0,8
0,6
χ
χ/γ
0,6
0,4 0,4
0,2
0
0,2 0
1
0
2
1
2
3
λ0
λ0
Figura 26 - Relação entre χ e λ0 conforme NBR 8800 e para material elástico linear.
Figura 25 - Relação entre χ e λ0 conforme NBR 8800 e Eurocode 3.
7 Conclusão Analisou-se neste trabalho a relação entre a força normal resistente de pilares de aço e a esbeltez, para vários modelos constitutivos, incluindo elastoplasticidade e imperfeições geométricas. Foi deduzida uma expressão para a determinação do redutor da força normal resistente de um pilar com comportamento elástico, sob força centrada e com imperfeição geométrica. Compararam-se resultados obtidos por meio da ABNT NBR 8800:2008 aos resultados desse estudo. Apesar de a curva apresentada na norma brasileira incluir imperfeição do material e comportamento elastoplástico, ela se ajusta à média dos valores determinados para material elástico-linear. Comparações entre resultados empregando procedimentos normatizados foram apresentadas. 96
As diferenças de formulação são acentuadas entre as normas europeia e brasileira. No entanto, as diferenças entre resultados são reduzidas na prática de projeto, em vista de que o coeficiente de ponderação das resistências γ vale 1,1 na ABNT NBR 8800:2008 e 1,0 no Eurocode 3 (2005). Ratificou-se, desenvolvendo-se uma análise de estabilidade do equilíbrio de barras com uma mola representando a rigidez à flexão concentrada em uma extremidade, que em barras reais não ocorre flambagem de Euler (bifurcação), podendo ocorrer ou o ponto limite sem reversão ou escoamento.
8 Agradecimentos Os autores agradecem ao CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, à FAPESP – Fundação para Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e aos Profs. Drs. Eduardo de Morais Barreto Campello e Edgard Sant'Anna de Almeida Neto.
9 Referências bibliográficas AMERICAN INSTITUTE OF STEEL CONSTRUCTION (ANSI/AISC 360-05). Specification for structural steel buildings. 2005. Chicago. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Ações e segurança nas estruturas. ABNT NBR 8681: 2003. Rio de Janeiro. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Projeto de estruturas de aço e de estruturas mistas de aço e concreto de edifícios. ABNT NBR 8800:2008. Rio de Janeiro. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Projeto de estruturas de aço de edifícios. ABNT NBR 8800:1986. Rio de Janeiro. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 14762: Dimensionamento de estruturas de aço constituídas de perfis formados a frio. Rio de Janeiro. 2010. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Projeto de estruturas de aço e de estruturas mistas de aço e concreto de edificações com perfis tubulares. ABNT NBR 16239:2013. Rio de Janeiro. 97
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recebido: 05/05/2016 aprovado: 22/06/2016
Volume 5. Número 2 (agosto/2016). p. 99-115
ISSN 2238-9377
Revista indexada no Latindex e Diadorim/IBICTo
Uso de fibras de aço em pilares mistos parcialmente revestidos de concreto Margot Pereira1, Silvana De Nardin2* e Ana Lúcia H. de Cresce El Debs3 1
Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, Av. Trabalhador SãoCarlense nº 400, margot.pereira@usp.br 2
Departamento de Engenharia Civil, Universidade Federal de São Carlos, Rodovia Washington Luís, km 235, snardin@ufscar.br,
3
Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, Av. Trabalhador SãoCarlense nº 400, analucia@sc.usp.br
Use of steel fibers in partially encased composite columns
Resumo O pilar misto parcialmente revestido é fruto da associação de um perfil de aço e concreto armado trabalhando em conjunto. Nesses pilares, o perfil de aço, normalmente com seção I ou H, tem apenas a região entre as mesas preenchida com concreto armado. A utilização de barras longitudinais e estribos é a forma mais usual e recomendada por norma para as armaduras do concreto posicionado entre as mesas do perfil I. No entanto, a presença destas armaduras pode dificultar a concretagem, aumentar os desperdícios com material e mão de obra, além de comprometer a industrialização do elemento misto. Nesse contexto, o presente estudo busca avaliar o comportamento estrutural do pilar misto parcialmente revestido quando as armaduras convencionais na forma de barras imersas no concreto são substituídas por fibras de aço distribuídas aleatoriamente. Para avaliar a eficiência estrutural e os efeitos da substituição proposta foram realizados alguns ensaios exploratórios utilizando modelos físicos representativos de pilares mistos parcialmente revestidos. Ao todo foram ensaiados três exemplares de pilar parcialmente revestido: dois submetidos a compressão centrada, sendo um com armadura convencional e outro com fibras de aço e um submetido a compressão excêntrica. Nos exemplares com fibras foi utilizada taxa de 1,5% em fibras de aço com 25 mm * Autor correspondente
99
de comprimento. Embora seja um estudo exploratório, os resultados experimentais apontam para a viabilidade estrutural da substituição das barras de armadura por fibras de aço tendo sido verificada a sua contribuição na prevenção da fissuração do concreto e na sua integridade durante todos os estágios de carregamento.
Palavras-chave: Pilar misto parcialmente revestido. Concreto com fibras de aço. Análise experimental.
Abstract Partially encased composite column is the result of the combination of a steel section and concrete working together. In these columns the steel section, typically I or H-shaped, is not completely encased in concrete, being filled only the space between the flanges. The most common and recommended way for reinforcement is the use of longitudinal steel bars and stirrups. However, the presence of these reinforcing bars between the flanges can result in concreting difficulties, increase waste with materials and loss of industrialization of the composite element. In this context , the present study aims to evaluate the structural behavior of the partially encased composite column when reinforcing bars immersed in concrete are entirely replaced by steel fibers. In order to evaluate the structural efficiency of the replacement and its effects some tests were conducted with representative specimens of partially encased composite columns. Three specimens were tested: two specimens under concentric loads, with conventional reinforcing bars or with steel fiber, and one specimen with steel fibers and under eccentric loads. In the specimens with steel fiber concretes were used a rate of 1.5% of fibers with length of 25 mm. The experimental results showed the structural viability of replace the steel bars by steel fibers because the fibers prevent premature cracking of concrete contributing to the concrete integrity during all stages of loading.
Keywords: Partially encased composite column. Concrete with steel fibers. Tests.
1
Introdução
Os elementos mistos de aço e concreto são formados pela associação de perfis de aço, concreto estrutural e algum mecanismo que promova o trabalho conjunto aço-concreto. Inicialmente, o concreto exercia a função de revestir e proteger os perfis de aço; mais tarde, observou-se que o concreto também poderia assumir função estrutural. Assim surgiram os 100
primeiros elementos mistos de aço e concreto que, com o tempo, se mostraram estruturalmente muito eficientes, reunindo as boas características do aço e do concreto e minimizando os aspectos menos favoráveis de cada um desses materiais. Além disso, vantagens construtivas como redução de desperdícios de materiais e mão de obra podem ser associadas ao elemento misto de aço e concreto por meio da pré-fabricação, restando apenas as etapas de içamento e montagem para realização em canteiro de obras. Ao comparar soluções em elementos mistos e em concreto armado verifica-se que a primeira permite reduzir ou eliminar formas e escoramentos, reduzir o peso próprio da estrutura em decorrência de elementos mais resistentes e estruturalmente mais eficientes, e aumentar a precisão dimensional. No contexto dos elementos mistos de aço e concreto encontram-se os pilares parcialmente revestidos que são constituídos por um perfil de aço, usualmente de seção I ou H, com a região entre as mesas preenchida com concreto armado (Figura 1a). Os primeiros pilares parcialmente revestidos investigados pelo meio técnico eram compostos por perfis de aço de seção compacta (Figura 1a) e foram incluídos em diversas normas de dimensionamento/verificação, por exemplo na ABNT NBR 8800:2008. No entanto, além da necessidade de armaduras na forma de barras, a utilização de perfis compactos faz com que uma parcela considerável da capacidade resistente do pilar misto advenha do aço. Na busca por alternativas para eliminar as armaduras e reduzir o consumo de aço na forma de perfis, grande parte dos estudos se voltaram para pilares com seções formadas por chapas finas (VINCENT e TREMBLAY, 2001; CHICOINE et al., 2002; TREMBLAY et al., 2002 e CHICOINE et al., 2003). bf
b
(a)
barra
d
t
barra
t
(b)
Figura 1 – Pilar misto parcialmente revestido: (a) seção típica; (b) seção modificada.
Diferentemente das seções compactas inicialmente estudadas, a seção de aço com chapas finas apresenta mesas e alma com a mesma espessura reduzida, unidas por soldas e 101
reforçadas com barras transversais ligando as mesas (Figura 1b). As barras transversais distribuídas ao longo de toda altura do pilar são utilizadas com o propósito de minimizar os efeitos das instabilidades locais decorrentes da utilização de chapas de pequena espessura na composição do perfil I. Parâmetros como dimensões da seção transversal, espaçamento das barras transversais, sequência de carregamento, tipo de solicitação e características do concreto foram investigados num extenso programa experimental. Os resultados experimentais mostraram a eficiência das barras transversais para postergar o aparecimento de instabilidades locais, além de melhorar a ductilidade e a resposta pós-pico do pilar misto. Posteriormente foi avaliado o efeito da adição de fibras de aço ao concreto da região entre as mesas quando são utilizadas seções I não compactas (PRICKETT e DRIVER, 2006). O estudo contemplou dois tipos de concreto: concretos de resistência usual e de alta resistência e, como esperado, os pilares com concreto de resistência usual apresentaram maior ductilidade. Contudo, a redução no espaçamento entre as barras transversais e a adição de fibras de aço ao concreto de alta resistência melhorou a ductilidade. Portanto, como já sabido de outras aplicações, também no caso dos pilares parcialmente revestidos, a associação de concreto de alta resistência e fibras de aço é extremamente benéfica para reduzir o comportamento frágil característico do material concreto. Resta agora investigar se, de fato, tal adição pode substituir as armaduras no caso do pilar parcialmente revestido. Vale lembrar que nesse caso específico as armaduras são obrigatórias pois é preciso minimizar a fissuração e o fendilhamento do concreto entre as mesas do perfil. No Brasil, estudo experimental recente avaliou a substituição das armaduras usuais na forma de barras e estribos por tela soldada e tal substituição se mostrou bastante interessante (PEREIRA, 2014; PEREIRA et al., 2016). No entanto, a tela soldada também necessita ser adequadamente posicionada entre as mesas e demanda algumas etapas para sua confecção e fixação. No contexto dos pilares mistos, o presente estudo tem o objetivo de investigar a substituição da armadura convencional, exigida pela ABNT NBR 8800:2008, por fibras de aço para pilares mistos parcialmente revestidos. Para isto, a metodologia utilizada foi a realização de três ensaios exploratórios cujos detalhes são descritos a seguir.
102
2 2.1
Investigação experimental Modelos físicos, instrumentação e procedimento de ensaio
Como este estudo tem caráter exploratório e visa avaliar a possibilidade de substituir a armadura convencional na forma de barras por fibras de aço, três exemplares de pilar parcialmente revestido foram utilizados na investigação experimental (Tabela 1). Um exemplar com concreto armado foi utilizado como referência (exemplar R) para avaliar possíveis mudanças no comportamento e na capacidade resistente decorrentes da substituição das barras de armadura por fibras de aço. Dois exemplares sem barras de armadura, apenas com concreto com fibras de aço, denominados PEC-C e PEC-E, foram submetidos a compressão centrada e excêntrica, respectivamente. Tabela 1 - Características dos modelos físicos ensaiados
Exemplar
Características
R (referência)
Exemplar em concreto armado com barras de aço e submetido a compressão simples Exemplar em concreto com fibras de aço e submetido a compressão centrada Exemplar em concreto com fibras de aço e submetido a compressão excêntrica
PEC-C PEC-E
Os três exemplares ensaiados possuem as mesmas características geométricas e foram obtidos a partir da soldagem de três chapas com espessura de 3,18 mm e altura total de 1000 mm. A seção resultante tem dimensões 125 x 131 mm (Figura 2) e no exemplar R os estribos foram soldados à alma do perfil I.
60,91
60,91 20
3,18
3,18
60,91
3,18
60,91
3,18
125
125
125
131,36
131,36
85
Ø 5mm
40,91
3,18
20
SFRC
60,91
a)
b)
Figura 2 – Seção transversal: a) exemplar R, b) exemplares PEC-C e PEC-E
103
3,18
20
4 Ø 8mm
Concreto com 50 MPa de resistência a compressão, com adição de 1,5% de fibras de aço com 25 mm de comprimento (Tabela 2) foi utilizado para preencher a região entre as mesas. As propriedades físicas e mecânicas da fibra de aço, apresentadas na Tabela 2, foram fornecidas pelo fabricante. Nos exemplares PEC-C e PEC-E toda armadura na forma de barras foi substituída por fibras de aço. Além disso, em nenhum dos três exemplares foram utilizados conectores de cisalhamento na interface aço-concreto. A concretagem dos modelos físicos foi realizada em duas etapas: primeiramente foi concretado um dos lados do exemplar e esse foi submetido a um período de cura de quatro dias; após este período, foi realizada a concretagem do outro lado. Tabela 2 – Características das fibras de aço
Fibras de aço
FS8 Wirand – 25 mm
Formato longitudinal
Diâmetro nominal
0,75 mm
Área da seção transversal
0,4418 mm²
Fator de forma
33
Resistência máxima a tração
110 kN/cm2
Peso específico
7850 kg/m³
Cada exemplar foi instrumentado com transdutores de deslocamento e extensômetros elétricos de resistência a fim de acompanhar a evolução de deslocamentos e deformações. Em cada exemplar foram utilizados 7 transdutores de deslocamento, sendo que um deles (T1, Figura 3b) foi posicionado verticalmente na face 1 para medir o encurtamento (Figura 3) e os demais foram utilizados para medir os deslocamentos horizontais. Os deslocamentos horizontais foram medidos em duas faces perpendiculares entre si (faces 3 e 4, Figura 3). Nos exemplares submetidos a compressão centrada (R e PEC-C) os transdutores foram utilizados para monitorar possíveis deslocamentos horizontais característicos de flexão do pilar. No caso do exemplar com compressão excêntrica (PEC-E), os transdutores permitiram avaliar a evolução da curvatura de flexão. As deformações axiais foram medidas nas faces externas das mesas do perfil, faces 2 e 4 (Figura 3c). Os ensaios foram realizados na Máquina de Ensaios servo-controlada INSTRON modelo 8506 com capacidade para aplicar até 2500 kN de força estática. Quanto às condições de vinculação, 104
a presença da rótula universal da máquina de ensaios na extremidade superior levou a considerar o pilar rotulado no topo. Já na extremidade inferior o pilar estava simplesmente apoiado na base da máquina. Todos os exemplares foram submetidos a forças estáticas de compressão aplicadas com controle de deslocamento e ensaiados até que não houvesse mais
12,7
aumento na força aplicada.
30
T5 T6 T7
Face 3 T1
Face 2
1000
T1
Face 2
Face 1
T6 720
Face 4
10
500
300
T5
330
T2 T3 T4
E2
12,7
340
Face 2
Face 4
T7
450
E2 Face 3
E4 Face 1
a) Seção transversal
b) Transdutores: Face 2
c) Extensômetro: Face 3
Figura 3 – Detalhes da distribuição de transdutores e extensômetros
A força de compressão centrada (exemplar R) foi aplicada apoiando a base da rótula universal diretamente sobre o topo dos exemplares R e PEC-C (Figura 4a). No caso da força excêntrica (exemplar PEC-E), sua aplicação foi feita utilizando uma chapa em forma de meia lua com seu centro deslocado de 10 mm em relação ao eixo central do pilar (Figura 4b). Com isso, a força de compressão excêntrica foi aplicada com 10 mm de excentricidade. O carregamento foi aplicado em duas etapas: 1) etapa de escorvamento na qual foi aplicada força de compressão equivalente a 30% da máxima prevista a fim de verificar o funcionamento dos equipamentos e avaliar o procedimento de aplicação da força; 2) ensaio até a ruptura. Uma vez concluído o escorvamento e retirada toda a força de compressão aplicada, o ensaio propriamente dito era iniciado com a aplicação da força de compressão a uma velocidade de 0,005 mm/s até que fosse atingida a força máxima resistida por cada exemplar. Após isso, no trecho pós-pico, a 105
velocidade de aplicação do carregamento era reduzida pela metade visando o melhor acompanhamento dessa fase.
a) Aplicação da força centrada
b) Detalhe da aplicação da força excêntrica
Figura 4 – Esquema de ensaio
2.2
Resultados
- Caracterização dos componentes da seção mista Os materiais que compõem os exemplares de pilar parcialmente revestido foram caracterizados a partir de amostras extraídas dos perfis, barras de armadura e corpos-de-prova cilíndricos de concreto com fibras e sem fibras. Os valores médios das principais características mecânicas determinadas via ensaios de caracterização são apresentados na Tabela 3. Tabela 3 - Propriedades mecânicas dos componentes da seção parcialmente revestida
Material
Propriedade mecânica
Valor médio
Concreto sem fibras
Concreto com fibras
Aço perfil
Resistência a compressão (MPa)
54,0
Resistência a tração (MPa)
4,0
Módulo de elasticidade (GPa)
32,7
Resistência a compressão (MPa)
47,1
Resistência a tração (MPa)
4,8
Módulo de elasticidade (GPa)
30,6
Resistência ao escoamento (MPa)
322,9
Resistência a ruptura (MPa)
413,2
106
Aço armaduras
Resistência ao escoamento (MPa) - barras de 5 mm
674,3
Resistência ao escoamento (MPa) - barras de 8 mm
569,3
- Configuração final A configuração final dos exemplares ensaiados é mostrada a seguir (Figura 5). Os três exemplares apresentaram instabilidade local das mesas e esmagamento do concreto sendo que os primeiros sinais de instabilidade local ocorreram para uma força correspondente a 70% da força máxima. No exemplar submetido a compressão excêntrica (PEC-E, Figura 5c) a fissuração
do
concreto
concentrou-se
na
face
mais
comprimida
predominantemente, após a força máxima ter sido atingida (trecho pós-pico).
(a) Exemplar R
(b) Exemplar PEC-C
107
ocorrendo,
(c) Exemplar PEC-E Figura 5 – Configuração final dos exemplares ensaiados
- Valores últimos de força Os exemplares foram ensaiados com controle de deslocamento e isto permitiu conhecer sua resposta nos trechos pré-pico e pós-pico, ou seja, até a capacidade resistente ser atingida e, posteriormente. Os valores de força última (Tabela 4) correspondem aos máximos valores de força aplicados em cada exemplar e indicam que não houve perda de capacidade resistente devido à substituição das barras de armadura (exemplar R) por fibras de aço (exemplar PEC-C). Isso pode indicar que nenhuma perda de capacidade resistente decorreu desta substituição. Naturalmente, estes primeiros resultados experimentais carecem de investigações mais aprofundadas para confirmar o observado aqui. Entre os dois exemplares com fibras de aço, a diferença na capacidade resistente deve-se ao tipo de força aplicada, centrada ou excêntrica, respectivamente nos exemplares PEC-C e PEC-E. Nenhuma comparação com valores de força resistente normativos foi realizada haja vista que normas de dimensionamento/verificação como a ABNT NBR 8800:2008 não contemplam a substituição de armaduras investigada no presente estudo. Tabela 4 - Valores de Força Última
Exemplar
Força última experimental (kN)
R
943,0
PEC-C
961,0 108
PEC-E
816,0
- Comportamento global O comportamento global dos exemplares ensaiados pode ser avaliado a partir das curvas Força vs. Deslocamento vertical do pistão (Figura 6). Verifica-se que os três modelos apresentam praticamente a mesma resposta nos trechos iniciais de carregamento (Figura 6), independentemente do tipo de armadura ou solicitação. A substituição das barras de armadura por fibras de aço não trouxe mudanças significativas nos valores de capacidade resistente a compressão (Tabela 4) e na resposta global dos exemplares submetidos a compressão centrada para o trecho pré-pico (exemplares R e PEC-C, Figura 6a). Comparando o comportamento global para um mesmo percentual de força aplicada (tomada em relação à força máxima em cada exemplar) - Figura 6b - verifica-se que até próximo de 0,2Fmax o comportamento dos três exemplares é praticamente idêntico. A partir deste ponto a curva correspondente ao exemplar submetido a compressão excêntrica (PEC-E) começa a se distanciar das demais, apresentando maiores deslocamentos verticais. Comparando somente os exemplares submetidos a compressão centrada observa-se a completa similaridade de comportamento global em todo o trecho ascendente. No entanto, no trecho pós-pico a mesma semelhança não é observada; o exemplar com barras de armadura apresenta maior capacidade de deformação e capacidade resistente residual que os demais. O exemplar com fibras e submetido a compressão simples (PEC-C) apresentou queda brusca logo após a força máxima ser atingida e, posteriormente, manteve capacidade de deformação bem inferior ao exemplar com armaduras usuais (R) e semelhante ao apresentado pelo exemplar armado com fibras e submetido a compressão excêntrica (PEC-E). Algumas hipóteses podem ser apontadas para justificar a menor capacidade resistente residual nos exemplares com fibras: 1) efeito da substituição das barras de armadura por fibras de aço nos exemplares PEC-C e PEC-E; 2) ausência de estribos soldados à alma do perfil e promovendo uma ligação mecânica claramente definida como no exemplar R. Nos exemplares com fibras não há a ligação mecânica perfil-concreto via estribos e pode haver uma tendência de separação entre o concreto e o perfil de aço. Somente a realização de novos ensaios nos quais esse aspecto possa ser investigado de forma mais aprofundada poderá apontar qual a causa da redução na capacidade resistente residual observada nos exemplares com fibras de aço.
109
Força aplicada (kN) Ref PEC-C PEC-E
1000 800 600 400 200 0 0,0
-0,5 -1,0 -1,5 -2,0 -2,5 Deslocamento do pistão (mm)
-3,0
a) Força aplicada
Força aplicada / Força última 1,0
Ref PEC-C PEC-E R
0,8 0,6 0,4
PEC-E
PEC-C
0,2 0,0 0,0
-0,5 -1,0 -1,5 -2,0 -2,5 Deslocamento do pistão (mm)
-3,0
b) Força aplicada/Força última
Figura 6 – Comportamento global dos exemplares ensaiados: Força vs. Deslocamento vertical do pistão
O comportamento global dos exemplares ensaiados também pode ser avaliado a partir dos encurtamentos registrados pelo transdutor T1 (Figura 3a). Estes encurtamentos são convertidos em deformação total a partir da divisão dos valores de encurtamento pela base de medida (igual a 720 mm, Figura 3b). Feito isso, observa-se para a deformação total (Figura 7) o mesmo padrão de comportamento no trecho pós-pico já destacado para o deslocamento do pistão. Após atingir a força máxima, os exemplares com fibras apresentaram redução bastante acentuada da força aplicada sendo que o exemplar submetido a compressão excêntrica (PECE) apresentou capacidade resistente residual bem inferior aos demais (Figura 7).
110
Força aplicada (kN) 1000 R
800 P EC-E
600 400
PEC-C
F ace 3 Face 3
F ace 1
0 0
-1
T1
Face 2
Face 4
F ace 2
10
Face 4
200
Face 1
T1
-2 -3 -4 Deformação (‰)
-5
-6
a) Força aplicada
Força aplicada / Força última 1,0 0,8
R
0,6 PEC-E Face 3
PEC-C
0,4
Face 1
Face 2
Fac e 4
F ace 4
0,2
Face 2
Face 3 10
T1 Face 1
0,0 0
-1
-2 -3 -4 Deformação (‰)
T1
-5
-6
b) Força aplicada/Força última
Figura 7 – Comportamento global dos exemplares ensaiados: deformação total
- Deformações nos componentes As deformações axiais medidas nas mesas do perfil de aço constituem um importante parâmetro para avaliar o comportamento dos exemplares ensaiados (Figura 8). As deformações nas mesas dos exemplares a compressão centrada (R e PEC-C, Figura 8a) indicam mudanças significativas de comportamento no exemplar com armaduras usuais, especificamente no ponto E4. O comportamento e valores de deformação registrados no ponto E4 do exemplar R indicam escoamento decorrente da ocorrência de instabilidade local, visível na configuração deformada mostrada na Figura 5a.
111
As deformações no exemplar submetido a compressão excêntrica (PEC-E, Figura 8b) foram bastante similares entre os pontos E2 e E4, que estão localizados em faces opostas. Isto confirma que a excentricidade ocorreu apenas em torno do eixo de menor inércia (faces 2 e 4). Por outro lado, nos exemplares submetidos a compressão centrada (R e PEC-C, Figura 8a) aparentemente ocorreu alguma excentricidade acidental que gerou flexão no eixo de maior inércia. Esta possibilidade pode explicar as diferenças nos valores de deformação axial registrados nos pontos E2 e E4 desses dois exemplares. Força aplicada (kN) 1000
PEC-C: E2
800 600
R: E2
R: E4 PEC-C: E4
400 200 0 0
-2 -4 -6 -8 Deformação axial nas mesas (‰)
a)
Exemplares
com
compressão
centrada
Força aplicada (kN) 1000 800 600 Fa ce 3
E2
400
0 0,0
Fa ce 4
200
Fa ce 2
10
PEC-C: E2 PEC-C: E4 PEC-E: E2 PEC-E: E4
Fa ce 1
E4
-0,5 -1,0 -1,5 -2,0 -2,5 -3,0 -3,5 -4,0 Deformação axial nas mesas (‰) b) Exemplares com fibras de aço
Figura 8 – Deformação axial no perfil de aço
112
- Deslocamentos horizontais As possíveis excentricidades na aplicação da força centrada podem ser avaliadas pelos deslocamentos laterais medidos pelos transdutores de deslocamento posicionados nas faces 3 e 4. Em ambas as faces o exemplar submetido a compressão excêntrica apresenta os maiores deslocamentos laterais confirmando a excentricidade da força (Figura 9). Embora os valores registrados sejam pequenos, eles indicam que ocorreram deslocamentos laterais em ambas as faces dos exemplares submetidos a compressão centrada (R e PEC-C, Figura 9). Valores de maior magnitude foram registrados na face 4 destes exemplares (Figura 9b). 0
Altura (mm) T5
200 T6
400 600
T7
800
Ref PEC-C PEC-E
Face 3
1000 -0,5
0,0 0,5 1,0 Deslocamento horizontal (mm)
1,5
a)
0 Altura (mm) T2
200 T3
400 600
T4
800
Ref PEC-C PEC-E
Face 4
1000 -0,5
0,0 0,5 1,0 Deslocamento horizontal (mm)
1,5
b)
Figura 9 – Deslocamentos laterais para força última: (a) Face 3; (b) Face 4
3
Conclusões
Este trabalho apresenta um estudo experimental exploratório sobre a substituição do concreto armado convencional por concreto com adição de fibras de aço, em pilares mistos
113
parcialmente revestidos. A partir dos resultados experimentais desse estudo exploratório é possível elencar algumas observações importantes: •
Os valores de força máxima obtidos para os exemplares de referência (R) e com fibras de aço (PEC-C) submetidos a compressão centrada indicam que não há perda na capacidade resistente a compressão devido à substituição das barras de armadura por fibras de aço;
•
Como esperado, a aplicação de força excêntrica resultou em diminuição da força máxima e esta redução foi de 15% para os exemplares ensaiados;
•
O exemplar com armadura convencional (R) apresentou maior capacidade de deformação e capacidade resistente residual que os demais indicando que pode haver uma associação entre o uso de fibras de aço e as reduções observadas. Essas reduções também podem ser causadas pela inexistência de ligação mecânica aço-concreto promovida pelos estribos que foram suprimidos nos exemplares com fibras (PEC-C e PEC-E).
•
Por fim, os exemplares com concreto com fibras de aço apresentaram comportamento estrutural que requer avaliação mais detalhada e a realização de um extenso programa de ensaios a fim de confirmar e elucidar os resultados encontrados neste estudo exploratório.
Com base nos resultados apresentados acredita-se que a substituição das barras de armadura por concreto com adição de fibras de aço seja promissora. Entretanto, por se tratar de um estudo exploratório é necessária uma investigação mais profunda onde possam ser avaliados outros parâmetros como, por exemplo, dimensões da seção transversal, esbeltez do pilar e excentricidades para comprovação do comportamento conjunto aço-concreto no elemento misto sem armadura.
4
Agradecimentos
Os autores agradecem o Departamento de Engenharia de Estruturas da Escola de Engenharia de São Carlos, onde foram desenvolvidos os ensaios experimentais, e o processo nº 2012/07885-5 e processo nº 2015/12694-0, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo auxílio financeiro.
114
5
Referências bibliográficas
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115
recebido: 04/02/2016 aprovado: 24/03/2016
Volume 5. Número 2 (agosto/2016). p. 116-132
ISSN 2238-9377
Revista indexada no Latindex e Diadorim/IBICTo
Modelagem de Painéis de Cisalhamento do Sistema Light-Steel Framing via MEF Nícolas Henrique Pedrosa1*, Luiz Carlos Marcos Vieira Junior2 e Ronaldo Rigobello³ 1
Universidade Estadual de Maringá, Departamento de Engenharia Civil, Bloco C67 - Térreo, Avenida Colombo, 5790, CEP 87020-900, Maringá, PR, Brasil, email: nicolaspedrosa@hotmail.com ² Universidade Estadual de Campinas, email: vieira@fec.unicamp.br ³ Universidade Tecnológica Federal do Paraná, email: rigobello@utfpr.edu.br
Finite Element Modeling of Light-Steel Framing Shear Walls
Resumo Este trabalho apresenta uma estratégia para modelagem do comportamento dos painéis de cisalhamento do Sistema Light-Steel Framing (LSF), os quais são responsáveis pela transferência do carregamento lateral para as fundações e pela rigidez do sistema contra deslocamentos laterais excessivos. O deslocamento lateral em um painel é principalmente devido a: (i) flexão do painel, (ii) tombamento do painel (iii) cisalhamento do painel, e (iv) deformação local nas ligações placa-perfil. Estudos recentes demonstraram que a deformação local na região da ligação placa-perfil e, consequentemente, a rigidez da ligação possui comportamento altamente não linear. Portanto, os modelos desenvolvidos via MEF consideram além das não linearidades geométrica e de material, o efeito da deformação local na região da ligação placa-perfil. Os modelos foram validados satisfatoriamente por meio de resultados experimentais disponíveis na literatura. Palavras-chave: Método dos Elementos Finitos. Perfis Formados a Frio. Light-Steel Framing. Painéis de Cisalhamento. Abstract This paper presents a numerical strategy for computational modeling the behavior of LightSteel Framing (LSF) shear walls, which are responsible for transferring the lateral loading applied to the structural system to its foundation and stiffening the structural system against excessive lateral displacement. The Lateral displacement is mainly due to: (i) panel bending, (ii) panel overturning, (iii) panel shearing, and (iv) local deformation at the stud-to-sheathing connection region. Recent studies have shown that the local deformation at stud-to-sheathing connection region and, therefore, connection stiffness has a highly non-linear behavior. Thus, the finite element (FE) models developed in this paper not only considers material and geometric non-linearity, but it also simulates the local deformation at the stud-to-sheathing connection region. The FE models developed were successfully validated against experimental results reported in the literature. Keywords: Finite Element Method, Cold-Formed Steel, Light-Steel Framing, Shear Walls.
* Autor correspondente
116
1
Introdução
O cenário em que se insere a construção civil no Brasil ainda é o de sistemas construtivos demasiadamente artesanais, onde há dependência da qualidade e da produtividade da mão de obra, que cada vez é mais escassa e onerosa. A consequência disso são os altos níveis de perda de material, o que acaba gerando desperdício e produção de resíduos; e também o prolongamento dos prazos para a conclusão da obra, devido à falta de compatibilidade nos processos construtivos. A fim de se obter maior produtividade e minimização do desperdício torna-se importante a industrialização e a racionalização dos processos construtivos (Santiago, Freitas e Crasto, 2012). A industrialização se caracteriza pela aplicação da tecnologia nos meios de produção e a racionalização se dá pela produção com o mínimo possível de perdas, tempo e esforço para cada atividade. Vale salientar que é necessário combinar estes dois aspectos para garantir uma maior vantagem frente ao modelo tradicionalmente empregado nas obras de construção civil brasileiras. Diante disso o sistema construtivo em Light-Steel Framing (LSF) se diferencia pelo funcionamento em conjunto de seus subsistemas (estrutural, de isolamento, de acabamentos e de instalações), além de apresentar uma concepção racional para fabricação e montagem industrializada e em grande escala (Rodrigues, 2006). No entanto, para que figure como alternativa importante dentre as disponíveis no mercado, o estudo e a informação a respeito do seu comportamento estrutural é de suma importância, procurando otimizar o aproveitamento dos materiais e garantir o nível de segurança adequado para o projeto.
2
Objetivo Geral
O presente trabalho tem por objetivo apresentar uma estratégia para a modelagem numérica de painéis de cisalhamento (shear walls) via Método dos Elementos Finitos (MEF). Um modelo numérico que simule satisfatoriamente ensaios de painéis de Light-Steel Framing ao cisalhamento pode servir como base para diversas pesquisas relacionadas ao tema, por garantir a rápida alteração de parâmetros e características de um painel e
117
por necessitar de menos tempo e recursos para as simulações do que um ensaio experimental.
3
Aspectos gerais da modelagem
Neste trabalho a modelagem via MEF de painéis de cisalhamento do sistema LSF foi realizada utilizando o software Abaqus v6.12. Os modelos consideraram os Perfis Formados a Frio (PFFs), os elementos de fechamento em OSB (Oriented Strand Board) ou em placas de gesso e a interação entre os materiais que é representada pelo comportamento das ligações parafusadas. Os modelos concebidos receberam carregamento incremental controlado por deslocamento e considerou-se a não linearidade geométrica da estrutura nas análises, utilizando o método de Riks modificado. De acordo com o manual do Abaqus v6.12 (Dassault Systèmes, 2012), os problemas não lineares podem ter influência de flambagens ou comportamento de colapso, nos quais a relação carga – deslocamento apresenta rigidez negativa de modo que a estrutura precisa liberar energia de deformação para manter o equilíbrio. O método de Riks modificado permite que o equilíbrio estático possa ser encontrado durante a fase instável da resposta da estrutura, podendo reduzir o incremento de carga enquanto o deslocamento aumenta. A estratégia adotada tem por objetivo simular a resposta obtida experimentalmente em ensaios de cisalhamento de painéis do sistema LSF com aplicação de carga monotônica, ou seja, aquela que não é cíclica. Para validação do método comparou-se os resultados da simulação computacional com os de ensaios experimentais conduzidos por Liu, Peterman e Schafer (2012) e pelo AISI (1997). Na Figura 1 é possível observar algumas características de um painel do sistema LSF e detalhes dos ensaios realizados por Liu, Peterman e Schafer (2012).
118
(a)
(b)
Figura 1 – Montagem do ensaio e detalhes: (a) Vista frontal; (b) Vista posterior (Liu, Peterman e Schafer, 2012)
Na Figura 2 é mostrado o ensaio de painéis de cisalhamento de maneira esquemática, da forma como foi conduzido por Liu, Peterman e Schafer (2012).
Figura 2 – Representação esquemática do ensaio com o corpo-de-prova (Liu, Peterman e Schafer, 2012)
119
Um painel do sistema LSF, quando submetido ao esforço lateral pode apresentar quatro parcelas que contribuem para o deslocamento resultante, que são: os efeitos de flexão, de tombamento, de cisalhamento e da resposta não linear das ligações (devido à deformação local das ligações placa-perfil), conforme a Figura 3 (Serrette e Chau, 2003). Como os ensaios experimentais utilizados impedem a parcela de tombamento do painel, o modelo numérico deve responder à aplicação da força horizontal conforme o somatório das outras três parcelas de deslocamento.
Figura 3 – Modelo dos efeitos que contribuem para o deslocamento lateral (Serrete e Chau, 2003)
3.1
Elementos finitos utilizados
Os perfis metálicos, o OSB e a placa de gesso foram discretizados por elementos finitos do tipo casca, disponíveis na biblioteca do Abaqus como Shell S4R. Tais elementos são quadriláteros com dupla curvatura e, portanto, possuem 4 nós com 6 graus de liberdade cada. Este elemento apresenta transmissão de tensão e deslocamento convencional e regra de integração reduzida, com formulação disponível para grandes deformações tanto para chapas delgadas como espessas, de acordo com o Abaqus 6.12 Documentation (Dassault Systèmes, 2012). Também foi utilizado o elemento sólido C3D8R para a discretização da viga de transmissão de carga, acoplada à guia superior nos ensaios experimentais. Este elemento trata-se de um hexaedro, portanto com 8 nós, e apresenta transmissão de tensão e deslocamento contínua, tridimensional, e com regra de integração reduzida.
120
3.2
Considerações para os materiais
Na ausência de ensaios de caracterização dos materiais, considerou-se os comportamentos tensão x deformação conforme apresentados na Figura 4. Na Figura 4a têm-se o comportamento considerado para o aço, de acordo com as recomendações do CEN EN 1993-1-1:2005 e CEN EN 1993-1-2:2005, desprezando-se o aumento da resistência devido ao encruamento. O CEN EN 1993-1-2:2005 resulta em relação tensão-deformação idêntica àquela recomendada pelo CEN EN 1993-1-1:2005 para temperaturas inferiores a 100 ºC, exceto no trecho descendente para deformações entre 0,15 e 0,2, que foi utilizado com objetivo de caracterizar a ruptura do material. Na Figura 4b têm-se o comportamento considerado para o gesso e o OSB, idealizado como simplificação para o comportamento real dos materiais, tendo como base os resultados obtidos em ensaios de flexão conduzidos por Rivera-Gutierrez (2014), o qual contemplou a determinação de características mecânicas de placas de gesso e OSB em temperatura ambiente e em situação de incêndio.
(a)
(b)
Figura 4 – Comportamento tensão x deformação considerado: (a) aço; (b) Gesso e OSB
3.3
Considerações sobre o carregamento de colapso
As análises estáticas realizadas consideram não linearidades geométricas e de material em um procedimento incremental. Nesse tipo de análise, o carregamento de colapso obtido numericamente, em geral, ocorre quando o modelo deixa de obter a convergência para um determinado nível de deformação ou deslocamento na trajetória, a partir do qual ocorreria a fase de descarregamento ou “softening” da resposta do modelo. Devido as singularidades que surgem na matriz de rigidez do modelo, não é possível obter a fase de descarregamento da trajetória. Porém, isso não 121
traz prejuízo para a obtenção do carregamento de colapso do sistema, principalmente quando se realiza a aferição da resposta do modelo, por meio da comparação dos resultados obtidos numericamente com resultados experimentais, garantindo-se a coerência da resposta dentro do campo das hipóteses consideradas.
4
Interação entre os elementos
A partir da análise de seus resultados experimentais, em Tian et al. (2004) conclui-se que a placa de fechamento é responsável por, em média, 96% da resistência ao cisalhamento do painel. Entretanto, a força horizontal atuando no plano da placa, como a devido ao vento, por exemplo, é transmitida para as placas de fechamento através das ligações parafusadas com os perfis. Logo, pode-se inferir que as considerações feitas para estas ligações (placas-perfis) possuem grande impacto na resposta final do painel simulado. Leng, Schafer e Buonopane (2012) observaram que o efeito referente ao comportamento não linear das ligações (conforme apresentado na Figura 3) é responsável pela maior parcela do deslocamento total do painel. Também, Nithyadharan e Kalyanaraman (2011) afirmam que a não linearidade da relação força deslocamento em um painel submetido ao cisalhamento no seu plano é devido, em sua maior parte, ao comportamento não linear das conexões entre os perfis e as placas de fechamento. Tendo isso em vista, Vieira Jr (2011), ao estudar painéis sujeitos a compressão, faz uso de molas para cada grau de liberdade em cada conexão da placa no perfil. Os modelos desenvolvidos neste trabalho utilizaram a convenção de eixos da Figura 5, a qual mostra o perfil em planta com a representação das molas translacionais na direção X, e na direção Z e da mola rotacional em torno do eixo Y, todas no ponto i. Conforme observa Vieira Jr (2011), quando se considera o confinamento, pode-se ignorar a deformabilidade da mola fora do plano (eixo Z) para as análises; portanto neste trabalho, a ligação do perfil com a placa OSB foi modelada como rígida nesta direção.
122
Figura 5 – Vista das ligações como molas em planta (Adaptado de Vieira Jr, 2011) Para as molas rotacionais, foi considerado que não há resistência ao giro em torno do eixo dos parafusos, ou seja, kØz = 0. Já os giros em torno de X e de Y são restringidos pela flexão do parafuso em conjunto com a placa de fechamento e o contato desta placa com a mesa do perfil, mas representam pouca influência na resistência à carga horizontal do painel, razão pela qual se considerou uma conexão rígida também para kØx e kØy. Quanto ao comportamento translacional das ligações nas direções X e Y, contidas no plano do painel, que é ilustrado pela Figura 6, foi necessário utilizar dados de ensaios experimentais. Sendo indispensável ter como informação, além do coeficiente de mola (kx = ky), a carga última da ligação (Pmáx) e o deslocamento para esta carga (δPmáx).
Configuração Inicial
Configuração Deformada
Seção Transversal Deformada
Figura 6 – Deformada dos perfis e da placa de fechamento com destaque para o deslocamento dos parafusos (Buonopane, Tun e Schafer, 2014)
123
O modelo do comportamento de ligação com OSB apresentado na Figura 7a foi idealizado com base nos resultados de Vieira Jr (2011). A estratégia adotada consistiu em considerar uma curva na qual o trecho inicial apresenta comportamento linear elástico até 40% da carga máxima resistida pela ligação (0,4Pmáx), cuja deformabilidade é o valor de k da mola, seguido de um trecho plástico até a carga máxima e seu respectivo deslocamento, onde ocorre a ruptura.
(a)
(b)
Figura 7 – Modelo de comportamento translacional em X e Y considerado para as ligações. (a) Ligação com o OSB; (b) Ligação com o gesso
Nas ligações com o gesso, a simplificação apresentada na Figura 7b tem por base o comportamento observado em resultados de ensaios experimentais de ligação com gesso, como aqueles conduzidos por Peterman e Schafer (2013). O trecho inicial com deformabilidade k segue até a carga última da ligação, em seguida há um patamar até o deslocamento da carga máxima (δPmáx) e posterior ruptura (Figura 7b).
5 5.1
Resultados Painel ensaiado pelo AISI (1997)
O estudo publicado pelo AISI (1997) apresenta ensaios experimentais em diversos painéis com e sem abertura. O presente trabalho realizou uma modelagem do painel chamado wall 1 sem aberturas, o qual possui dimensões 12,20 m x 2,44 m; espaçamento entre parafusos de 150 mm nas bordas das placas de OSB e 300 mm nos montantes intermediários; possui as guias inferior e superior em perfil U 92x32x0,84 mm e montantes em perfil Ue 90x41x12,7x0,84 mm; a espessura do OSB é 11,11 mm, da placa de gesso é de 12,7 mm e há uma viga rígida acima do painel para distribuir 124
uniformemente a carga aplicada em sua face para a guia superior, reproduzindo o ensaio do AISI (1997). Na Figura 8 pode-se observar uma vista de cada face do painel completo com os materiais diferenciados pela cor (OSB é marrom, gesso acartonado é cinza e o aço em cinza mais escuro) e o posicionamento dos Point-Based Fasteners (em verde).
Figura 8 – Vista frontal e posterior do modelo da wall 1 do ensaio do AISI (1997)
A discretização do modelo utilizou elementos de tamanho aproximadamente de 20 mm para as placas e 10 mm para os perfis. O aço utilizado possui resistência ao escoamento (fy) igual a 360 MPa e Módulo de Elasticidade (Es) igual a 200 GPa. O OSB possui módulo de elasticidade (EOSB) igual a 6.426 MPa, módulo de elasticidade transversal (GOSB) de 1.310 MPa e o módulo de ruptura foi considerado igual a 35 MPa. Para o gesso considerou-se módulo de elasticidade (Egesso) igual a 993 MPa, módulo de elasticidade transversal (Ggesso) de 552 MPa e módulo de ruptura igual a 5,2 MPa. Foi adotado um Coeficiente de Poisson (ν) igual a 0,3 para todos os materiais. Os coeficientes de mola adotados nas ligações entre as placas e os perfis metálicos para o modelo estão mostrados na Tabela 1 em N/mm. Os valores de kx e ky foram baseados em ensaios de Vieira Jr (2011).
125
Tabela 1 – Coeficientes de mola das ligações placa – perfil PLACA
kx
ky
kz
køx
køy
køz
OSB Gesso
(N/mm) 1.241,0 426,0
(N/mm) 1.241,0 426,0
(N/mm) RÍGIDO RÍGIDO
(N/mm) RÍGIDO RÍGIDO
(N/mm) RÍGIDO RÍGIDO
(N/mm) 0 0
A carga última da ligação com OSB (Pmáx) e o deslocamento para esta carga (δPmáx) para translação em X e Y valem respectivamente 2.572 N e 15,72 mm; na ligação com o gesso valem 382 N e 8,7 mm, com base nos ensaios de Vieira Jr (2011). Os resultados do modelo wall 1 são apresentados em comparação com os obtidos por simulação no Abaqus na Figura 9. A deformada da estrutura aumentada em 5 vezes pode ser visualizada na Figura 10.
Figura 9 – Resultados wall 1: experimental x modelo numérico
126
Figura 10 – Deformada da wall 1 aumentada 5.
5.2
Painel ensaiado por Liu, Peterman e Schafer (2012)
Liu Peterman e Schafer (2012) realizaram diversos ensaios experimentais em painéis sujeitos ao cisalhamento de acordo com os modelos apresentados nas Figuras 1 e 2. O presente trabalho realizou uma modelagem do painel 1c cujas dimensões são: 1,22 m x 2,74 m; com guias inferior e superior em perfil U 152,4x38,1x1,45 mm e montantes em perfil Ue 152,4x41,27x12,7x1,45 mm. Possui uma tira metálica com largura 38,1 mm e espessura 1,45 mm na emenda das placas OSB e uma viga acoplada na parte superior em perfil U 305x50,8x2,57 mm. Os montantes laterais consistem em um conjunto com dois perfis parafusados a cada 305 mm. As conexões com o OSB apresentam espaçamento entre parafusos de 300 mm no montante central e 150 mm nas guias e tira de emenda. Quanto aos montantes laterais o espaçamento resultante é de 150 mm de maneira alternada, ou seja, ora ligado em um perfil ora em outro. A espessura da placa OSB é de 11,11 mm. Novamente a carga aplicada é distribuída para a face superior da guia através de uma viga rígida, conforme dispositivo utilizado no ensaio. Na Figura 11 pode-se observar uma vista de cada face do painel completo onde os materiais são diferenciados pela cor (OSB marrom; aço na cor cinza) e os Point-Based Fasteners (em verde). A discretização do modelo utilizou elementos de tamanho aproximadamente 10 mm.
127
Figura 11 – Vistas do painel 1c ensaiado por Liu, Peterman e Schafer (2012)
O aço utilizado possui Modulo de Elasticidade (Es) igual a 200 GPa e demais propriedades determinadas via ensaios de caracterização realizados por Liu Peterman e Schafer (2012), conforme Tabela 2. O OSB apresenta as mesmas características do painel anterior (item 2.4.1) e o coeficiente de Poisson (ν) adotado igual a 0,3 para todos os materiais.
Tabela 2 – Propriedades mecânicas consideradas para o aço Elemento Montantes Guias Viga do Pavimento Tira de Emenda
fy (MPa)
fu (MPa)
εu (%)
386,8 443,35 313,0 345,0
543,3 499,2 424,0 -
14,9 16,5 30,5 15,0
Os coeficientes de mola adotados nas ligações entre a placa OSB e os perfis metálicos para o modelo estão mostrados na Tabela 3 em N/mm. Os valores de kx e ky foram determinados nos ensaios de Peterman e Schafer (2013).
Tabela 3 – Coeficientes de mola das ligações OSB – perfil PLACA
kx
ky
kz
køx
køy
køz
OSB
(N/mm) 1.525,0
(N/mm) 1.525,0
(N/mm) RÍGIDO
(N/mm) RÍGIDO
(N/mm) RÍGIDO
(N/mm) 0
128
A carga última da ligação (Pmáx) e o deslocamento para esta carga (δPmáx) para translação em X e em Y valem, respectivamente, 2.113 N e 6,73 mm com base nos ensaios de Peteman e Schafer (2013). Os resultados do painel 1c são apresentados em comparação com os obtidos por simulação no Abaqus na Figura 12. A deformada da estrutura aumentada em 5 vezes pode ser visualizada na Figura 13, onde também são mostradas as tensões de von Mises que atuam nos painéis OSB.
Figura 12 – Resultados painel 1c: experimental x modelo numérico
129
Painel Completo
Apenas os perfis metálicos
Figura 13 – Deformada do painel 1c aumentada 5 vezes.
6
Conclusões
A estratégia de simulação adotada é satisfatória e conduziu a resultados próximos aos obtidos via ensaios experimentais, especialmente na comparação com os resultados do modelo wall 1 do AISI. A principal contribuição do trabalho consiste no fato da estratégia modelagem considerar à deformação local das ligações placa-perfil, as quais introduzem um aspecto altamente não linear a resposta do sistema. Assim, fica claro a necessidade caracterização da ligação placa-perfil em painéis de cisalhamento do sistema LSF para uma previsão adequada do comportamento do painel frente aos esforços provenientes de carregamento lateral no plano do painel. Além disso, o comportamento idealizado para o comportamento dos materiais, com base em resultados experimentais e prescrições normativas relacionadas ao assunto, se mostrou adequado e útil para estudos futuros. Os resultados de carregamento de colapso do sistema obtidos numericamente, quando comparados com os resultados experimentais, indicam que a estratégia de modelagem apresenta resultados a favor da segurança, apesar de mais análises serem necessárias para se estabelecer um grau adequado de confiabilidade desse aspecto. Aprimoramento na estratégia para
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considerar a fase de descarregamento ou “softening” do sistema (trajetória póscolapso) é algo desejado e pode ser objeto de trabalhos futuros.
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Agradecimentos
Ao programa de pós-graduação em engenharia civil (PCV) da Universidade Estadual de Maringá por possibilitar a realização deste trabalho. À FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) pelo financiamento concedido pelo processo número: 2014/26217-9.
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Referências bibliográficas
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recebido: 17/02/2016 aprovado: 21/06/2016
Volume 5. Número 2 (agosto/2016). p. 133-142
ISSN 2238-9377
Revista indexada no Latindex e Diadorim/IBICTo
NOTA TÉCNICA
Estudo para substituição de um viaduto ferroviário urbano para remodelação da malha viária Maria Ávila Branquinho* e Maximiliano Malite Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, Av. Trabalhador São-Carlense, 400. CEP 13560-590. São Carlos, SP, Brasil, email: maria.branquinho@usp.br
Study for replacement of an urban railway viaduct to the road system remodeling Resumo Neste trabalho é apresentado um estudo de intervenção para melhoria do sistema viário urbano da região da Praça Itália, na cidade de São Carlos – SP – Brasil, o qual envolve principalmente a substituição de um antigo viaduto ferroviário de concreto armado por um novo viaduto em aço, de maior vão, e que permitirá o alargamento da avenida situada sob ele com o consequente ganho em segurança e conforto aos motoristas e pedestres. A maior complexidade nesse caso consiste na necessidade de implantação do novo viaduto praticamente sem a interrupção da linha férrea, uma vez que não há como desviar o intenso tráfego ferroviário. Palavras-chave: viaduto ferroviário, estrutura de aço, malha viária. Abstract This paper presents a study to improve the urban transport system of the Italia Square region in São Carlos - SP - Brazil, which involves the replacement of an old reinforced concrete railway viaduct for a new steel viaduct with greater span and that will allow the extension of the avenue underneath it with the consequent gain in security and comfort to drivers and pedestrians. The greater complexity of the study is to build the new viaduct deployment without interruption of the railway, since there is no way to divert the heavy rail traffic. Keywords: railway viaduct, steel structure, road system.
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Introdução
A região de estudo deste projeto é a da Praça Itália, na cidade de São Carlos, SP. Nesta área densamente urbanizada, há o entroncamento em nível de seis vias e ainda um viaduto ferroviário, construído em 1967, chamado viaduto José Pizanelli (Figura 1) que, apesar de ainda atender à demanda da linha férrea, tornou-se um gargalo no transporte viário: sob ele há o estreitamento da rua João Lourenço, que vem causando * Autor correspondente
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transtornos ao tráfego de veículos e também aos pedestres, já que a passagem destinada a eles é insuficiente e visivelmente insegura. Atualmente existe um projeto oficial de substituição desse viaduto por outro também de concreto armado. Trata-se de um projeto inserido num de maior abrangência, que também envolve, por exemplo, projetos de remodelação viária e drenagem para a região. Entretanto, esse projeto, que ganhou a licitação feita pela Prefeitura Municipal de São Carlos, está com suas obras paralisadas desde 2012. A construção do novo viaduto não foi iniciada, pois a empresa responsável pela ferrovia permite que a interrupção do tráfego ferroviário seja de no máximo cinco horas, tempo insuficiente para a execução do novo viaduto tal como foi concebido. Assim, o intuito do estudo aqui apresentado é propor o projeto básico de um novo viaduto visando à remodelação viária e o consequente alargamento da rua João Lourenço.
(a)
(b)
Figura 1 - Vista aérea da região do estudo (a) e vista aérea do viaduto existente (b).
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Metodologia do estudo
Para avaliar a situação do local, foi feito um levantamento de dados que envolveu: levantamento planialtimétrico realizado in loco, levantamento via Google Earth do traçado das vias ferroviárias e um levantamento dos estudos já realizados no local pela Prefeitura Municipal de São Carlos. A Figura 2 ilustra a situação atual do local, onde é possível observar o estreitamento da rua João Lourenço sob o viaduto José Pizanelli: os leitos de 8,60 m de largura passam a 3,60 m sob o viaduto. Já na Figura 3, é mostrada a situação futura desta via, em que o 134
alargamento foi feito mantendo-se o alinhamento predial a noroeste da rua João Lourenço. Na representação feita, manteve-se a posição do atual viaduto para esclarecer a necessidade de projetar outro a substituí-lo.
Figura 2 - Mapa atual da região, sem escala.
Figura 3 – Mapa da situação futura.
Definido o projeto básico viário, foi necessário avaliar como este seria implantado. A seguir, são discutidas brevemente as propostas elaboradas.
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Propostas
Atualmente existem duas linhas ferroviárias sobre o viaduto: a linha principal, que neste trabalho foi denominada simplesmente “linha”, e outra, destinada ao desvio do tráfego, denominada “desvio”. Segundo a concessionária responsável pela via, ambas as linhas devem necessariamente ser mantidas no traçado. Assim, a proposta adotada de intervenção deve contemplar tal imposição. A primeira proposta avaliada, P1, consiste na manutenção do traçado das duas linhas atuais. Para tal, a execução do projeto envolve a construção do novo viaduto exatamente no mesmo local do atual. Já a proposta P2 consiste em deslocar as duas linhas férreas paralelamente, o que envolveria a execução de um novo viaduto paralelo ao atual e, portanto, um ajuste no traçado vigente. O levantamento feito indicou que para P2 ser exequível demandaria a construção de duas vias férreas paralelas por uma grande extensão, cerca de 1,3 quilômetros, visto que o traçado futuro estaria entre as atuais curvas horizontais da ferrovia que delimitam o trecho em questão. Esse tipo de intervenção, além de ser mais onerosa enquanto obra de engenharia, envolveria também elevada desapropriação, uma vez que toda a área que circunda o traçado atual está intensamente edificada. Assim, P1 tornou-se a solução mais adequada. Porém, há o entrave logístico de como construir um viaduto no mesmo local do viaduto existente, com poucas horas de paralização do tráfego ferroviário e ainda permitir a remodelação viária sob ele. Assim sendo, o estudo foi desencadeado nessa questão logística da execução do novo viaduto. Propôs-se um planejamento detalhado para a execução da obra, em decorrência da complexidade e das muitas interferências presentes no local. Primeiramente, optou-se por um viaduto metálico sem apoios intermediários para substituir o atual em concreto armado, a fim de facilitar o processo de montagem. O viaduto futuro, em função do projeto básico viário, deverá ter um vão de 45 metros, sendo que o atual tem vão de apenas 10 metros. A estratégia para substituição do viaduto foi dividida em seis etapas, descritas na Figura 4.
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Figura 4 – Estratégia adotada para substituição do viaduto. 137
Em síntese, o plano de execução proposto consiste em um novo viaduto montado em duas partes, cada qual suportando uma linha férrea, sendo a montagem de cada parte independente. Portanto, durante a montagem, apenas uma linha férrea estará em funcionamento. Durante a montagem, caso seja necessário promover desvios, seja por cruzamentos, ultrapassagens ou formação de trens, esses deverão ser feitos no desvio mais próximo, situado na cidade de Itirapina. Além disso, a Figura 4 mostra que as fundações do novo viaduto serão executadas distantes das atuais, de modo que seja possível montar o novo viaduto sem interferência com o existente para que seja possível manter a integridade de cada metade remanescente do viaduto de concreto. Isso é necessário visto que, durante toda a montagem, eles estarão suportando as solicitações de uma das linhas. Vale ressaltar que, dessa forma, serão necessárias poucas horas de interrupção do tráfego ferroviário (menos de cinco horas) decorrentes apenas da realocação das ligações entre as duas vias.
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Concepção do viaduto
Além de viabilizar a remodelação da malha viária, pretende-se que o novo viaduto traga um impacto visual de destaque à região. Para tal, optou-se inicialmente por um viaduto em arco. Justificável, visto que se trata de uma região da cidade que vem se desenvolvendo e essa obra, juntamente com a viária, implicará em significativa valorização urbana. Todavia, análises estruturais e geotécnicas indicaram como melhor solução um viaduto em treliça com banzo superior curvo. Sendo assim, foi projetado o novo viaduto em aço com tabuleiro inferior, constituído por três arcos em seção caixão, banzo inferior em seção do tipo I, diagonais e montantes em seção tubular circular. O tabuleiro é formado por transversinas e longarinas em perfil I. Um desenho 3D do viaduto está apresentado na Figura 5. Na Figura 6 é possível visualizar a localização do novo viaduto em relação ao atual.
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Figura 5 - Ilustração do viaduto novo.
Figura 6 - Posicionamento do novo viaduto em relação ao atual.
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Dimensionamento da estrutura metálica
Devido à inexistência de norma brasileira específica para o projeto de pontes metálicas, o dimensionamento foi feito com base na especificação norte-americana da AREMA (2009), procurando-se sempre que possível estabelecer compatibilidade com normas brasileiras correlatas, a saber: ABNT NBR 8800:2008, ABNT NBR 7189:1985 e ABNT NBR 8681:2003. Toda a estrutura metálica foi projetada em aço de alta resistência mecânica e à corrosão atmosférica, com resistência ao escoamento mínima de 350 MPa e resistência à ruptura mínima de 490 MPa. A carga móvel considerada foi o trem-tipo brasileiro TB-270 (Figura 7), conforme a norma brasileira ABNT NBR 7189:1985, referente a ferrovias sujeitas a transporte de carga em geral. As forças concentradas simulam os eixos da locomotiva (270 kN/eixo), 139
enquanto as forças distribuídas simulam conjuntos de vagões carregados (90 kN/m) e vagões descarregados (15 kN/m).
Figura 7 - Trem-tipo adotado.
As dimensões das seções projetadas estão na Tabela 1, onde bf é a largura da mesa, d é a altura total da seção, t é a espessura da seção tubular, tf e tw são as espessuras da mesa e alma do perfil I, respectivamente e D é o diâmetro externo do perfil tubular. A elevação lateral e a seção transversal estão indicadas nas Figuras 8 e 9, respectivamente. Tabela 1 – Dimensões da seção transversal das barras Elemento Banzo Superior Banzo Inferior Montantes Diagonais Transversinas Longarinas Contraventamento
Seção Caixão I soldado Tubular circular Tubular circular I soldado I soldado I soldado
Dimensões (mm) bf =400; d=600; tf=19; tw= 16 bf =400; d=500; tf =22; tw = 12,5 D= 141,3; t=9,5 D= 168,3; t=11 bf =450; d=500; tf =32; tw = 9,5 bf =450; d=500; tf =32; tw = 9,5 bf =300; d=245; tf =9,5; tw = 9,5
Figura 8 - Elevação lateral da estrutura metálica. Dimensões em milímetros. 140
Figura 9 - Seção transversal AA – pórtico de entrada. Dimensões em milímetros.
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Projeto da fundação
A escolha do tipo de fundação deu-se pelas condições geotécnicas do local bem como pelas interferências com construções existentes. A solução adotada foi o tubulão a céu aberto, em concreto armado, considerando a resistência característica à compressão de 20 MPa e vergalhões em aço CA-50. Com base na capacidade de carga dos tubulões, calculada com base em Cintra e Aoki (2003, 2011), resultaram tubulões com fuste de 80 cm a 100 cm, diâmetro da base de 200 cm a 380 cm e profundidade de 13 metros.
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Conclusões
As principais conclusões deste trabalho são: 1. A intervenção na malha viária local com o consequente alargamento de uma via implicou na necessidade de substituição de um viaduto ferroviário por outro de maior vão, o qual foi concebido também para configurar como um marco arquitetônico, contribuindo para a valorização do espaço urbano, visto que o sistema
em
treliça
com
banzo
arquitetonicamente, ao sistema em arco; 141
superior
curvo
foi
equivalente,
2. Em se tratando de uma região densamente edificada, a solução adotada foi construir o novo viaduto no mesmo local do existente, evitando-se assim alterações no traçado da via férrea e onerosas desapropriações; 3. A execução considerou o reduzido tempo disponível para interrupção do tráfego ferroviário, portanto a demolição do viaduto existente e a montagem do novo viaduto ocorrerão de modo que uma das linhas estará sempre em operação.
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Agradecimentos
Os autores agradecem ao CNPq pelos recursos financeiros concedidos e ao Prof. Dr. José Jairo de Sáles pelas relevantes informações prestadas sobre o sistema viário atual da Praça Itália.
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Referências bibliográficas
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