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História

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Pesca

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Marco Histórico do Brasil

AS BELEZAS NATURAIS NAS QUAIS CANANÉIA ESTÁ INSERIDA nada lembram seu passado nos idos do início da colonização brasileira. Sua história é repleta de intrigas e revoltas que modificaram os rumos de uma fixação tranquila dos colonos europeus em solo brasileiro. Segundo alguns estudiosos, a primeira vila do país deve ter sido Cananeia, e não São Vicente. No entanto, não existe documentação que comprove tal fato, apenas a história contada e narrada pelos personagens da época. Para entendermos a rica história de Cananéia, temos que situá-la no contexto das Grandes Navegações protagonizadas por Portugal e Espanha. O comércio de especiarias oriundas da Ásia era, nos séculos XV e XVI, um importante setor econômico. Esse comércio estava nas mãos dos muçulmanos e dos venezianos, que cobravam altas taxas de importação da nozmoscada, canela, cravo, gengibre e pimenta vindos da Índia. Com o desenvolvimento da navegação e o espírito desbravador dos navegadores ibéricos, o objetivo das esquadras era conseguir encontrar uma rota marítima que alcançasse as Índias e viabilizar o comércio das especiarias para Portugal e Espanha, livres das taxações impostas. A partir desse ponto, o que a história registra foi que uma enorme quantidade de navios começou a explorar a costa africana, descobrindo as Américas, contornando o Cabo da Boa Esperança e o Estreito de Magalhães e, por fim, chegando até a tão almejada Índia, onde feitorias foram construídas e um intenso comércio estabelecido. Contudo, entre idas e vindas, descobertas e invasões, a costa brasileira por parte de Portugal ficou à margem do objetivo principal, que era o de se encontrar uma rota mais curta até as especiarias da Índia. Mesmo após a

descoberta do pau-brasil, explorado intensamente pelos franceses, Portugal não deu a devida importância a questão de colonizar ou, pelo menos, estabelecer seu domínio em suas novas terras. Somente quando os espanhóis souberam da lenda do Rei Branco, que detinha em seu reino uma montanha de prata chamada de Potosí (atual Bolívia), é que os portugueses entenderam que deveriam entrar na disputa desse território. É nesse ponto que se inicia a história de Cananeia, situada em um ponto nevrálgico entre Portugal e Espanha. Para entendermos melhor sua história, a situaremos no contexto internacional.

Tratado de Tordesilhas Esse tratado, assinado entre Portugal e Espanha em 1494, estabelecia o limite de terras que fossem A ocupação humana no litoral brasileiro se deu há muitos milhares de anos. A principal prova dessa ocupação são os sambaquis. Os sambaquieiros viviam da coleta de crustáceos, caça e pesca. Ainda não se sabe ao certo o porquê de depositarem em um determinado local os sambaquis, os restos de suas presas. Conchas e ossos foram sendo amontoados ao ponto de formarem montanhas de até 30 metros de altura e 400 metros de extensão com as sobras não utilizáveis do que conseguiam. Há evidências também de ali terem sido depositadas ossadas humanas, talvez um indício de uma espécie de censo religioso. O que se tem certeza é de que muitos sambaquis foram destruídos quando da colonização portuguesa, pois essa se utilizava do material fossilizado que, junto com o óleo de baleia, fornecia a liga necessária para a solidez estrutural na construção de edificações. Não raro encontramos vários exemplares arquitetônicos que perduraram com essa característica construtiva. Os que restaram estão passando por processo de tombamento e sendo estudados por universidades. A incidência maior dos sambaquis se dá no litoral dos estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina. Aqui, em particular, vamos abordar os sambaquis situados no Lagamar de Cananeia. Essas maravilhas, testemunhas de um tempo muito distante até para a população indígena, são vistas com muita clareza devido ao seu estado de conservação. Alguns desses sítios arqueológicos podem ter até 8 mil anos de existência. Um dos mais interessantes é o sambaqui localizado na Ilha do Cardoso. O Gambriú Grande, como é chamado, está situado dentro do Parque Estadual da Ilha do Cardoso e pode ser o mais antigo do país. Há também os sambaquis submersos, que foram descobertos pelo Programa Arqueológico do Baixo Vale do Ribeira. No total foram identificados oito sambaquis. Esses sambaquis foram construídos ao longo dos anos em que o mar ainda se encontrava recuado em 100 metros. No estado em que se encontram há muitos séculos, ou seja, submersos, sua preservação é maior pois, além de não sofrerem com a ação das intempéries, eles também não passaram pela destruição proveniente das mãos dos colonizadores. Sambaquis

Este mapa histórico é parte do Atlas do Brasil de 1640, de João Teixeira Albernaz. Indica-se um trecho do litoral da antiga Capitania de São Vicente, incluindo a costa do atual Estado do Paraná, desmembrado de São Paulo, em 1853.

de Cabo Verde (arquipélago da costa africana), toda a parte oriental seria de Portugal e toda parte ocidental seria da Espanha. Ou seja, o Rio da Prata, acesso ao território do Rei Branco, não poderia ser explorado por Portugal, pois estava fora de seus domínios. E mais, Cananeia também, segundo o Tratado, estaria dentro do território Espanhol.

Degredo Outro ponto importante na riquíssima história anterior ao da colonização do litoral brasileiro, é a figura emblemática dos degredados. Apesar de serem personagens tratados como secundários em toda e saga do Novo Mundo, os degredados foram, em certa medida, peças fundamentais do início da formação do povo brasileiro. Articuladores e adaptados às terras selvagens, incluindo aí, penetração nas várias tribos indígenas locais, esses homens foram responsáveis pelo estabelecimento de povoados que formaram o que hoje são os municípios do litoral brasileiro. O degredo era, nas leis portuguesas entre os séculos XV e XVIII, uma pena judicial de crime grave, no qual o culpado era exilado, bandido da sociedade em que interagia. Na época, navios deixavam esses criminosos ao longo das costas por onde passavam: África, América do Sul e Ásia. Os penados poderiam sim ter cometido crimes como assassinatos, porém os mais comuns eram os presos políticos e os cristãos novos. A maioria deles auxiliava na construção de feitorias e no estabelecimento de pontos comerciais de produtos de extração nas colônias. Outros eram simplesmente deixados em uma praia qualquer e esquecidos pelo tempo. Um típico exemplo é o caso de João Ramalho, que se adaptou à nova vida e ao ambiente hostil em que foi deixado e se transformou em um dos maiores líderes de tribos indígenas, onde era capaz de reunir mais de cinco mil índios e constituir um exército imbatível. Graças a ele e ao cacique tupiniquim Tibiriçá é que Martim Afonso de Souza obteve sucesso na colonização de São Vicente.

Em busca da prata Depois das notícias vindas do Novo Mundo da existên cia de prata e ouro, Portugal começou a olhar para o Brasil de forma diferente. Então, o Rei Dom João III, enviou, em 1530, Martim Afonso de Souza para iniciar a colonização, descobrir uma rota que chegasse até às terras ricas em minerais preciosos, explorar o rio Amazonas e expulsar de vez os franceses da costa brasileira.

Os primórdios de Cananeia Os ingredientes do princípio da história de Cananeia foram expostos acima. Basta, agora, colocá-los em uma só tigela para então entendermos como foi a formação, no que hoje é a capital do Turismo Educativo do Brasil. Muitas expedições, portuguesas e espanholas, foram realizadas desde o fim do século XV, na costa brasileira e argentina. A primeira expedição portuguesa foi a co

mandada por Américo Vespúcio e Gaspar Lemos, dois anos após o descobrimento do Brasil por Pedro Álvares Cabral. E, assim como foi dito anteriormente, essas expedições deixavam, ao longo do percurso, vários degradados. Um deles, foi Cosme Fernandes Pessoa, o chamado o Bacharel de Cananeia, que se tornou a figura central na constituição do povoado de Cananeia. Sua história ainda é um mistério. Muitos dizem que ele foi deixado aqui pela expedição de Américo Vespúcio, outros não têm tanta certeza. O que se sabe ao certo é que, quando a expedição espanhola comandada por Diego Garcia, em 1528, aportou em Cananeia, este conheceu Cosme Fernandes Pessoa e o descreve como um rei branco, vivendo com os indígenas, casado com no mínimo seis índias, muitos escravos e mais de mil nativos dispostos a guerrearem ao seu lado. Com ta manho poder, o Bacharel de Cananeia era tido como o “dono” de todas as terras do litoral sul e o maior e pioneiro traficante de índios da região. Cosme também tinha como aliados muitos desertores, sobreviventes de massacres indígenas, náufragos e exploradores, todos espanhóis, porque naquela época, a região pertencia à Espanha. Para Diego Garcia, se aliar ao Bacharel era interessante, pois ele seria um facilitador para a exploração da prata do Império Inca. Quando Martim Afonso de Souza chegou em Marataiama (Cananeia), em 12 de agosto de 1531 (data de sua fundação), enviou para a terra Pedro Annes, que falava a língua nativa. Após cinco dias, Annes retorna com o Bacharel de Cananeia, seu genro Francisco de Chaves e mais seis espanhóis. No encontro, Martim Afonso tratou o Bacharel como um chefe de estado e doou-lhe uma sesmaria. Nas tratativas, ficou acordado que se Martim Afonso fornecesse homens e armas para que o pessoal do Bacharel trouxesse, em dez meses, ouro, prata e mais quatrocentos escravos. Assim sendo, Pero Lobo, da expedição de Martim Afonso e seus homens, mais Francisco de Chaves e seus homens, adentraram na mata com o objetivo de atacar o Império Inca que se localizava a dois mil quilômetros dali. Eles seguiram uma trilha chamada de Caminho do Peabiru. Triste fim para todos os que investiram nessa empreitada, pois foram massacrados pelos índios Payaguá. Cananeia foi, portanto, um porto de abastecimento, de venda de escravos e ponto de partida até o território do Império Inca. Em 1532, o espanhol Francisco Pizarro, conquistou o Rei Branco, Atahualpa e sua montanha de prata Potosi. Com essa conquista, a costa do ouro e da prata, que ia de Cananeia até o Rio da Prata, onde antes fervilhavam embarcações, perdeu o interesse e foi por muito tempo esquecida.

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