Petrópolis - nº3 | 2011
115Teologia ANOS ITF e Sociedade: um olhar retrospectivo
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Editorial
abre a novos desdobramentos. No encerramento deste ano acadêmico, colhemos a oportunidade para agradecer a todos aqueles e aquelas que durante o ano partilharam um pouco de suas vidas e de seu tempo conosco, como estudantes, colaboradores ou participante de palestras, noites culturais etc. A razão de existir do ITF é o ser humano, em toda a sua complexidade, esperanças e fragilidades, desafios e potencialidades. Tudo aquilo que Merece destaque a celebração dos 115 é oferecido nesta Instituição tem como objetivo anos de fundação do Instituto. É uma ocasião tornar o ser humano melhor em suas relações propícia para fazer memória, avaliar e retomar com Deus, com o mundo e consigo mesmo. Apea caminhada a partir dos valores que sempre sar das fragilidades, acreditamos ter contribuído nortearam esta Instituição. O relato dos even- para a aproximação desse ideal. Em nome da equipe do ITF, nosso agradecitos realizados no semestre é a melhor prova do sério esforço realizado para manter vivo o ideal mento a todos os que caminharam conosco nesdaqueles que, há mais de um século, em meio te ano. Frei Sandro Roberto da Costa, ofm a todas as limitações de seus dias, não tiveram Diretor receio de semear numa seara que se mostrou fecunda, que continua produzindo frutos e se O Instituto Teológico Franciscano traz a público mais um número de sua Revista ITF. Muita coisa boa aconteceu nestes últimos meses: além das aulas na graduação e pós, realizaram-se vários outros cursos, encontros, eventos, seminários e um congresso internacional. Através deste número, desejamos partilhar com nossos ex-alunos e estudantes, professores e amigos um pouco da vida que se respira e se vive nesta casa.
Expediente: Revista da Faculdade de Teologia - ITF Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil Instituto Teológico Franciscano - ITF Rua Coronel Veiga, 550, centro - Petrópolis-RJ (24) 2243-9959 e 2231-6409 E-mail:secretaria@itf.org.br Site: www.itf.org.br Ministro Provincial: Frei Fidêncio Vanboemmel, OFM Vigário Provincial: Frei Estêvão Ottenbreit, OFM Diretor ITF: Frei Sandro Roberto da Costa, OFM
Edição e Diagramação: Frei Maffei, OFM Reportagens: Frei Rodrigo da Silva Santos, OFM Frei Marcel Freire, OFM Frei Osvaldo Maffei, OFM Revisão: Frei Antônio Everaldo P. Marinho, OFM Frei Elói Dinísio Piva, OFM Frei André Luiz da R. Henriques, OFM Frei Clauzemir Makximovitz, OFM Frei Celso Márcio Teixeira, OFM
Sumário 4
Entrevista com Frei Fernando Araújo
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Encontro Espírito de Assis
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Master em Evangelização
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Curso de Espiritualidade Franciscana no Rio
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Artigo: ITF 115 anos Teologia e Sociedade
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Agenda ITF 2012
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Artigo: São João Crisóstomo
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Espiritualidade para uma Vida Virtuosa
Artigo: Os gemidos da Criação e o clamor do pobre
Entrevista com Pe. João Batista Libânio
Artigo: Frei Tomás Borgmeier
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Noite Cultural: Celebrando 115 anos do ITF
A Palavra de Deus na vida e na Missão da Igreja
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Novidades na Biblioteca
Faça parte da Família ITF! -3
Frei Fernando Araújo, frade franciscano, secretário geral do ITF, concede uma entrevista exclusiva, onde fala sobre os cursos que a Instituição franciscana oferece, bem como sobre a pluralidade e a democracia do saber. Frei Fernando é psicólogo, e atualmente leciona Teologia Pastoral, Psicologia Pastoral, Administração e Pastoral, na Faculdade de Teologia - ITF. Site ITF - Qual a relevância do estudo da Teologia nos dias atuais, frente à busca pelo sagrado que vemos na sociedade? Frei Fernando: Saber sobre um determinado assunto, sobre aquilo que interessa, sobre aquilo que incide sobre a vida da gente, sempre habilita a lidar melhor com aquilo. Sem conhecer a dinâmica que envolve aquele assunto, seu contexto, o indivíduo torna sua lida um tanto inconsciente, mais vulnerável a erros, à perda de tempo, a enganos. Quanto melhor a pessoa conhece o assunto, ela terá mais segurança para lidar com ele. Então, no que se refere ao sagrado nós temos a mesma perspectiva. O sagrado é da ordem do mistério, da religião. Mesmo sendo algo inalcançável pelos saberes em toda a sua com-4
pletude, quanto mais o indivíduo souber, melhor será seu relacionamento com aquilo. Então, o ensino teológico, por conter saberes na área do sagrado, nos habilita a lidar melhor com as coisas sagradas, do que se pouco soubéssemos.
“Saber sobre um determinado assunto, sobre aquilo que interessa, sobre aquilo que incide sobre a vida da gente, sempre habilita a lidar melhor com aquilo”. Site ITF - Quanto aos Cursos de Extensão oferecidos pelo ITF, neste ano nós experimentamos uma boa aceitação e participação do público. Você poderia nos falar em como o Instituto vê os motivos que levaram a estes bons resultados e, ainda, quais as medidas que estão sendo tomadas para manter este cenário? Frei Fernando: As pessoas querem viver melhor. O que não significa que tenham mais coisas, mas sim, que saibam usar melhor o que têm. Nós temos muitos dons, que vão desde o próprio corpo, quando se fala, por exemplo, em saúde, como os recursos naturais, as faculdades
psíquicas e, também, as graças de Deus, os dons de Deus presentes em nós. Os Cursos de Extensão deste ano ofereceram a oportunidade para as pessoas refletirem intensamente sobre o dom da corporalidade, por exemplo, o dom do corpo, o dom das faculdades mentais, o dom da vida. É claro que é interesse de todos nós vivermos melhor. Se alguém diz que vai oferecer a possibilidade de entender melhor os presentes que Deus nos dá – o corpo, a mente, o convívio social, a natureza –, é claro que nós vamos acolher este conhecimento para podermos viver melhor. Então, a proposta dos Cursos de Extensão é por uma qualidade de vida em seus diferentes aspectos, seja no que tange a Espiritualidade, um conhecimento acadêmico, a saúde. Quem tem espiritualidade tem uma qualidade de vida melhor. E esta não é uma fala exclusiva da religião. As ciências sociais, como Antropologia e Psicologia, entendem e já averiguaram, por pesquisas criteriosas, que as pessoas que cultivam uma espiritualidade equilibrada têm também uma vida melhor. As pessoas querem entender melhor a Deus, as expressões de fé, a si mesmos. E estes Cursos de Espiritualidade, que a ligam com a qualidade de vida atendem a esta demanda. O conselho diretor, que pesquisa e aprova os cursos oferecidos pela Instituição, juntamente com as equipes organizadoras de cada um destes cursos, pensam em oferecer às pessoas algo que possa contribuir para que sua vida, tanto
individual quanto interpessoal, seja melhor. O mesmo pode ser dito no que se refere ao relacionamento com Deus. O objetivo é sempre este, ou seja, de fazer bem às pessoas.
teve sua influência, tanto do ponto de vista da produção intelectual (livros, revistas), mas também do ponto de vista bem prático das pessoas por entenderem melhor em sua vida os mistérios de Deus.
Site ITF - Quanto a este fenômeno da maior participação de alunos nestes Cursos de Extensão semestrais, você acredita que trará alguma repercussão para a própria graduação em Teologia? Frei Fernando: Com certeza. Através destes Cursos de Extensão, as pessoas conhecem um pouco da mentalidade da faculdade, a sua referência teológica e estilo de abordagem ao entender Deus e seus mistérios. E a partir daí, isso pode despertar na pessoa um interesse maior, querer avançar neste saber teológico. A graduação, evidentemente, oferece esta chance. A pessoa pode aprofundar temáticas que foram abordadas brevemente nos Cursos de Extensão, sobretudo o estudo de Bíblia, Liturgia, História da Igreja... E eu acredito que estes cursos bem recebidos poderão estimular as pessoas a fazerem uma graduação em Teologia.
Site ITF - Na sociedade de Petrópolis, o ITF ficou conhecido como formação para padres e religiosos. Atualmente, pessoas de outras religiões e leigos têm se interessado em estudar Teologia. O que mudou? Frei Fernando: Este fenômeno não ocorre somente com o estudo da Teologia. Todos os saberes especializados hoje estão cada vez mais sendo popularizados. Por exemplo, os saberes médicos presentes em inúmeras revistas e programas de saúde na televisão. Nós estamos, na verdade, seguindo uma tendência: da popularização do saber. Os saberes não são mais herméticos, não são mais fechados, como eram antigamente. Cada especialidade tinha a sua chave de compreensão, uma linguagem própria, difícil de entender para um leigo no assunto. Hoje existe uma generosidade de todos os saberes em distribuir aquilo que possa ser entendido por todos. E nós estamos nesta dinâmica tão atual que é oferecer os saberes não só àqueles que se especializam neles, mas também a todos que se interessam por eles. Na Teologia, nós vemos não apenas com bons olhos, mas com satisfação, este processo. É a verdadeira democracia do Saber, que rompeu com a antiga aristocracia do saber, disponível a poucos.
Site ITF - O ITF, neste ano, completa 115 anos de existência. Qual a influência da Instituição na sociedade petropolitana e no mundo? Frei Fernando: O ITF levou o nome de Petrópolis ao mundo, através de professores que passaram por aqui e escreveram livros, que foram traduzidos para várias línguas, e fizeram palestras pelo mundo afora. Há algumas décadas atrás, o
nome desta Instituição era Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis, justamente para diferenciá-lo de outros Institutos Teológicos Franciscanos pelo mundo. Então, o nome da cidade de Petrópolis foi levado para todos os países da América e aos países da Europa através destes professores, por seus livros e conferências. Muitos professores têm títulos honoríficos da cidade de Petrópolis e do Estado do Rio de Janeiro. O professor de Psicologia, Frei Ademar Spindeldreier, que há décadas atrás, lecionou psicologia neste instituto, recebeu homenagens, póstumas inclusive, do Centro de Cultura Raul Leoni. Ele era uma pessoa muito querida e respeitada nos meios acadêmicos da cidade de Petrópolis. O mesmo pode ser dito de outros professores que por aqui passaram, que trabalharam na UCP e no seminário diocesano. Além disso, para a cidade de Petrópolis, o ITF possibilitou que muita gente tivesse acesso aos saberes destes professores através do Curso de Teologia para Leigos, que funcionava à noite, e que foi substituído pelos Cursos de Extensão, oferecendo à sociedade este saber teológico. Este estudo da Teologia tem colaborado para uma maior qualidade de vida e, consequentemente, estas centenas ou milhares de pessoas que passaram por aqui se tornam agentes de um melhoramento de qualidade nas relações interpessoais com Deus, com as pessoas, e acabam não só melhorando a si mesmos, mas melhorando o ambiente de trabalho e o ambiente familiar. E assim, o ITF
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Notícias
a partir da integração das criaturas como uma fraternidade universal”, assegurou o palestrante. Após a visão franciscana na construção da paz, tomou a palavra o mestre Lama Padma Santem, que com muita tranquilidade expôs a visão budista tibetana da paz e do espírito da Paz. A partir de sua experiência, Lama Padma apresentou um pouco do pensamento védico do atman e do brahman como elementos convergentes que na tradição budista tibetana são entendidas, respecti“Um diálogo para construir de 1969 a 1994 e dedicou-se espe- vamente, como o mundo interno a Paz”. Esse foi o grande intuito cialmente à física quântica, teoria e o mundo externo. Esses mundos da tarde do dia 25 de novembro, na qual encontrou afinidade com acessam distintas realidades que quando o Instituto Teológico Fran- o pensamento budista. No início dentro de uma visão de compleciscano promoveu um encontro dos anos 80, intensificou seu in- mentaridade dizem ao ser humaem recordação ao grande evento teresse pelo budismo e em 1996 no que tudo está continuamente para o diálogo entre as religiões foi ordenado lama pelo mestre ti- ligado e em constante criação. “O ocorrido em Assis há 25 anos, betano Chagdud Tulku Rinpoche. papel do ser humano neste plano mais exatamente no dia 27 de ou- Neste encontro ele representa a é compreender e perceber os sigtubro de 1986, o chamado “Espíri- tradição budista tibetana e sua nificados de seus engajamentos e contribuição para a Paz. to de Assis”. o modo como enfrentar essas reaFrei Volney Berkenbrock, prolidades com sabedoria, percebenfessor do ITF e um dos organizado o Espírito (Long), a essência. dores do encontro, deu início com Assim vão ser descobertas as veruma preleção acerca do evento dadeiras causas do sofrimento e original e ressaltou a importântambém das alegrias, e a paz será cia que representou e representa o maior fruto”, destacou Lama Papara a Igreja. “É necessário condma. tinuar respirando o mesmo espíO encontro celebrativo dos 25 rito, o mesmo ar!”, afirmou Frei anos do Espírito de Assis foi encerVolney. Embora aquele evento terado com uma prece cantada da O mestre em Espiritualidade, tradição do budismo tibetano. As nha ocorrido há 25 anos, os ares de Paz que de lá brotaram conti- Frei Vitório Mazzuco, iniciou suas cerca de 100 pessoas que, numa nuam vigorosos e relevantes para colocações sobre o tema: “Fran- tarde de sexta-feira puderam deia atualidade. É mais que necessá- cisco de Assis e a mística da Paz”. xar seus afazeres para participario manter viva essa iniciativa de Partindo dos escritos conservados rem deste evento, experimentadialogar através das diferenças, sobre São Francisco, Frei Vitório ram o quão simples é cultivar o mas em torno do que é comum a ressaltou três aspectos importan- diálogo, basta deixarmos de lado toda a humanidade e que, de cer- tes na mística franciscana para a nossos preconceitos e focarmos ta forma, está presente em todas realização da Paz: a reconstrução juntos naquilo que é o essencial da Igrejinha de Porciúncula de São comum, como a necessidade de as tradições, a Paz. Frei Vitório Mazzuco, professor Damião; o encontro com o mundo uma cultura de Paz. do ITF e também um dos organi- muçulmano; e o Lobo de Gubbio. zadores deste encontro e o ilustre São três momentos da história convidado, Lama Padma Santem, franciscana em que, segundo Frei também ofereceram suas contri- Vitório, São Francisco foi capaz de buições nesta tarde. Lama Padma dar uma resposta mística de Paz e Santem, cujo nome civil é Alfredo diálogo, inclusive inter-religioso. Aveline, é mestre em Física pela “O espírito de paz franciscano é Universidade Federal do Rio Gran- crítico e fruto de uma reflexão da de do Sul (UFRGS), foi professor realidade como um todo, ou seja, -6
“Curso de Espiritualidade Franciscana no Rio”
O ITF (Instituto Teológico Franciscano), em parceria com o Convento Santo Antônio do Rio de Janeiro, promoveu durante este ano um curso de extensão sobre a “Espiritualidade Franciscana”, ocorrendo sempre aos sábados pela manhã. O objetivo era o de apresentar o carisma franciscano e provocar os interessados a vivenciar o modo de ser franciscano. Com ótima avaliação pelos participantes, este curso terminou em novembro. Os participantes deste curso foram: irmãos(ãs) da OFS (Ordem Franciscana Secular), leigos(as), religiosas e simpatizantes do carisma. O início se deu em março com cerca de 34 inscritos; com o passar dos meses, permaneceram fiéis 21, entre eles Maria Lúcia Americano, que recebeu por e-mail o convite para participar deste curso. Ela confessa: “estou absolutamente maravilhada pelo carisma franciscano, com tudo aquilo que ouvi aqui. Não tenho palavras para descrever e espero que este curso se repita”.
O carisma franciscano vem cativando a todos há 800 anos e, certamente, cativou os participantes deste curso, bem como afirma o sr. Francisco Correiro, membro da OFS de Rio Comprido (RJ): “este curso é um sinal de uma busca pela identidade franciscana, e, por isso, cativa a todos”. Os participantes puderam conhecer o carisma de Francisco de Assis, mediante as disciplinas de Introdução às fontes franciscanas; Introdução às fontes clarianas; Introdução à Espiritualidade Franciscana; Introdução à Espiritualidade Clariana; Introdução à Teologia Franciscana; História Franciscana; Regra da OFS nova e inspiradora de vida; Oração Franciscana; Visão Franciscana na Ecologia; Diálogo Ecumênico e Inter-religioso; Identidade do Homem franciscano. Certamente todas essas disciplinas foram abordadas de maneira sucinta, uma vez que cada uma delas levaria alguns anos para um aprofundamento. No entanto, no desejo pessoal de cada participante transparece a vontade de continuar estudando e conhecendo para então, transformar as suas vidas. Por sua vez, o irmão da OFS, Marco Aurélio confessa: “este curso foi uma aventura gostosa, que está me levando a um aprofundamento cada vez maior. Beber das fontes é um rejuvenescimento. Quanto mais bebo, mais tenho vontade de mergulhar nestas fontes. É bebendo desta fonte que posso cada vez mais fincar as raízes no ser franciscano”.
Ser franciscano em nossa era é fazer a diferença na sociedade, é viver o fermento do Evangelho e na e a partir da fraternidade transformar o mundo à nossa volta. Sob tal inspiração, os participantes foram conduzidos a perceber o mundo no prisma da vida franciscana, com a ajuda dos professores Frei Vitório Mazzuco, Frei Celso Márcio Teixeira, Frei Sandro R. da Costa, Frei Gilberto da Silva, Ir. Delir Brunelli, Frei Sinivaldo Tavares, Frei Fernando Araújo, Frei Volney Berkenbrock, Frei Ludovico Garmus, Frei Alberto Beckhäuser e Frei Almir Guimarães.
A coordenadora de formação da Fraternidade da OFS do Largo da Carioca, Maria Tereza da Conceição Ribeiro, assegura que “a riqueza do curso não foi só acadêmica, mas também a beleza, leveza e profundidade da espiritualidade franciscana. Ajudou-me a não ser tão crítica como formadora e a compreender a caminha que cada um deve percorrer na vida franciscana. Os professores passaram a espiritualidade com muita leveza, a tal ponto de podermos perceber a simplicidade franciscana. Este curso é necessário não só para os franciscanos, mas para todos, para que todos conheçam Francisco, pois, conhecendo-o, certamente conhecerão o Deus Amor”.
Ser franciscano em nossa era é fazer a diferença na sociedade, é viver o fermento do Evangelho e na e a partir da fraternidade transformar o mundo a nossa volta. -7
Celebrando os 115 anos do ITF Noite Cultural
Na noite de quarta-feira, dia 22 de novembro, a Faculdade de Teologia – Instituto Teológico Franciscano – celebrou seu 115º aniversário em grande estilo. Promovendo a data comemorativa com uma Noite Cultural, a instituição contou com a presença do Coral dos Meninos Cantores, Canarinhos de Petrópolis, e com palestrantes que discorreram sobre a importância do estudo teológico no mundo contemporâneo. O evento teve início com a saudação de Frei Antônio Everaldo, que apresentou brevemente a programação da noite. Frei Sandro Roberto da Costa, Reitor do Instituto, dirigiu breves palavras aos presentes, saudando as autoridades e amigos com o franciscano Paz e Bem! A noite pretendia fazer reverência aos que fizeram parte da história do ITF, o que também foi resumido em breves palavras pelo Reitor: “Os ideais e valores daqueles que nos precederam continuam ativos e presentes no nosso hoje, com o chamado para atualizá-los frente a nossa atual realidade”. O próprio Coral dos Canarinhos de Petrópolis tem sua história ligada à do ITF. Fundado por Frei Leto Bienias para auxiliar na solenidade das celebrações da Paróquia Sagrado Coração de Jesus, de Petrópolis, o coral já percorreu boa parte do Brasil e alguns países europeus, mas sempre manteve sua ligação com
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os frades franciscanos. Convidados a participar desta noite, aceitaram prontamente, sob a direção do maestro Marcos Aurélio Licht. O coral se propôs a executar, entre outras músicas, duas peças compostas por frades que estudaram no ITF, para deleite dos convidados.
Pe. Renato G. de Andrade (Mestre em Teologia Sistemática, Doutorando em Escatologia, Professor de Teologia, Prefeito de Estudos do Seminário Diocesano Nossa Senhora do Amor Divino e Professor na Universidade Católica de Petrópolis) começou sua exposição sobre “O olhar teológico na composição das outras ciências”, tomando as palavras de João Paulo II, na Encíclica Fides et Ratio, e alertou sobre o perigo de se fazer um discurso puramente científico das verdades teológicas, esvaziando-as de seu caráter transcendente e incognoscível. Pelo contrário, a verdadeira Teologia trabalha a união entre a fé e a razão. A fé, dom de Deus, apesar
de não se basear na razão, decerto não pode existir sem ela. Ater-se a um “cientificismo teológico” é, justamente, excluir a novidade sempre presente do Evangelho. A partir do séc. XIX, a Igreja se depara com a necessidade de elaborar novas reflexões frente às teorias racionalistas e o advento de uma cultura não cristã. A Teologia pretende, a partir de então, mostrar as razões da fé, refletir para dar condições para crer. Responder à relevância de Cristo no mundo atual, confrontando-se com as linhas filosóficas contemporâneas e fundamentalismos imperantes. O papel da Teologia, no mundo de hoje, é renovar as suas metodologias, tendo em vista um serviço mais eficaz à evangelização, dialogando com as novas percepções da sociedade sem, em nenhum momento, perder a centralidade de sua natureza: Cristo. A grande obrigação da Teologia é manifestar a kénosis de Deus no mundo. “Quem
deseja fugir à incerteza da fé há de encontrar a incerteza da descrença” (Cardeal Ratzinger). A Teologia revela ao homem que é Cristo quem revela ao homem a sua real natureza (GS 49). Inúmeras teorias tentaram apresentar a natureza humana dissociada da existência de Deus. Todas se mostraram incapazes de apresentar uma teoria conclusiva. A Teologia, então, se manteve na luta contra o divórcio entre fé e razão, entre a ciência e a religião. Frei Elói D. Piva, juntamente com o trabalho de Frei Osvaldo Maffei, estudante de Teologia no ITF, apresentou a história do Instituto Teológico através de um vídeo, estilo reportagem, com fotos que rememoraram a contribuição desta Instituição, religiosos, presbíteros e leigos das comunidades nos saberes teológicos. A partir da caminhada acadêmica, outras instituições começaram a trilhar seu próprio caminho: a Escola Bom Jesus - Canarinhos, o Coral dos Canarinhos de Petrópolis, a Editora Vozes, as diversas revistas teológicas mantidas por professores do ITF... Frei Volney Berkenbrock foi o segundo palestrante da noite e tratou de “Teologia em Diálogo: iniciativas e realizações”. A Teologia, enquanto
área do conhecimento, foi se modificando no decorrer da história, a partir de diálogos que influenciaram sua forma de ser: o diálogo intracristão, entre formas distintas de conceber as verdades teológicas dentro da instituição cristã católica ou, também, de outras confissões cristãs (Luterana, Metodistas etc.). O próprio ITF manteve esta forma de diálogo com outras religiões presentes na cidade de Petrópolis. E, ainda, e não menos importante, ocorre o diálogo da Teologia com outras formas de religião não cristãs: o diálogo inter-religioso. Não se trata de afirmar dogmas de uma religião ou outra, mas de, no diálogo, encontrar formas de relacionamento com o Transcendente, com o Divino, com Deus, presentes nas diversas religiões.
O ITF também teve importante destaque no diálogo da Teologia com outras formas de conhecimento, como a sociologia e a economia. A instituição é conhecida como um dos “berços” da conhecida Teologia da Libertação, com teólogos aqui formados e a partir daqui enviados para se juntar aos desenvolvedores da Teologia Latino-Americana e Caribenha. Como sinais de diálogo inter-religioso, em diversas ocasiões, a Instituição contou com participação de membros de outras confissões religiosas: como o atual Curso de Extensão “A Palavra de Deus na Vida e na Missão da Igreja”, que teve as perspectivas das tradições judaica e muçulmana, além da luterana; ou o Encontro celebrativo dos 25 anos do Espírito de Assis, que ocorreu no
dia 25, no qual participou o monge budista Lama Padma. Este encontro do qual se faz memória, ocorrido em Assis, reunindo diversas representações religiosas junto ao Papa João Paulo II, é uma expressão dos esforços das religiões por um diálogo e busca de uma mundo de paz, busca intimamente integrada ao carisma franciscano. Frei César Külkamp, definidor e Secretário para Formação e Estudos da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil, dirigiu, em nome de nosso Ministro Provincial, Frei Fidêncio Vamboemmel, algumas palavras fraternas pela data celebrada. Ressaltou o importante papel do Instituto e do estudo da Teologia na formação de cada frade, e o relevante trabalho pastoral e evangelizador dos frades em Petrópolis. Por fim, foi convidado a dar a todos a benção de São Francisco. Após este forte momento celebrativo e de rememoração do papel da Faculdade de Teologia em Petrópolis e na Igreja, todos os presentes foram convidados a tomar parte em uma confraternização, com um coquetel servido no mesmo local, coroando a noite em clima fraterno. Leia a histórias dos 115 anos do ITF à página 28. Veja o vídeo sobre a presença franciscana em Petrópolis e ouças as músicas que os canarinhos fantaram nesta noite cultural, em www.itf.org.br
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De 26 a 28 de outubro o IFITEPS (Instituto de Filosofia e Teologia Paulo VI) sediou a XII Semana Teológica, já de tradição entre os cursos de Teologia do ITF (Instituto Teológico Franciscano) de Petrópolis (RJ), da PUC - Rio (Pontifícia Universidade Católica) do Rio de Janeiro (RJ) e do IFITEPS de Nova Iguaçu (RJ). Neste ano, se propôs uma reflexão acerca do Concílio Vaticano II, por ocasião dos 50 anos da convocação do mesmo (anúncio em 25 de janeiro de 1959 e abertura em 11 de outubro de 1962), tocando, em especial, as constituições: Sacrosanctum Concilium, Lumen Gentium e Dei Verbum.
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Alunos concluem a graduação em Teologia, fazendo o exame da PUA
A tradição de ensino fez com que, em 2006, a Faculdade de Teologia do ITF fosse reconhecida pelo MEC (Ministério da Educação e Cultura) e se tornasse uma instituição afiliada à Pontifícia Universidade Antonianum, de Roma, na Itália. Deste modo, os alunos, ao concluir a graduação em Teologia no ITF, além de receberem o diploma reconhecido pelo MEC, também lhes é oferecida à possibilidade do reconhecimento pela Comunidade Européia por meio de um exame. Neste ano, 18 alunos estão concluindo o curso de Teologia no ITF, dos quais 15 fizeram o Exame da PUA (Pontificia Università Antonianum), exame este para o qual os alunos elegem 9 temas estudados no decorrer de todo o curso envolven-10
do todo o saber teológico, dividido entre Teologia Sistemática, Bíblica, Moral, Litúrgica e outras disciplinas, e os professores elegem outros 9 temas. Assim, destes 18 assuntos eleitos nesta seleção prévia, os alunos dissertam por cerca de uma hora sobre os assuntos eleitos por sorteio, na presença de três professores, sendo um deles o delegado oficial da PUA.
Master em Evangelização encerra o terceiro curso Após oito meses de intenso estudo, pesquisa e convivência, a terceira turma concluiu com êxito o Master em Evangelização. O encerramento foi no dia 25 de outubro, no Instituto Teológico Franciscano. A primeira parte da manhã foi reservada para uma avaliação geral, quando cada aluno teve a oportunidade de expressar o que este curso lhe proporcionou e também apresentar sugestões. Em seguida, todos participaram da Celebração Eucarística e do almoço de confraternização. Na avaliação, vários aspectos se destacaram. O Master abriu novas perspectivas para a evangelização, ajudou a rever a prática pastoral num horizonte mais amplo, provocou a descobrir caminhos no interior dos novos cenários, alimentou sonhos e motivou a continuar o processo de reflexão aqui iniciado. Permitiu também conhecer outras realidades, fazer ricas experiências e tecer novas relações. Os professores contribuíram, cada um a seu modo, para que os objetivos do curso fossem atingidos. Mas foi igualmente importante o empenho dos alunos, manifestado, de maneira particular, na elaboração das monografias, que abordaram temáticas significativas nos atuais cenários: a interculturalidade, a comunicação midiática, a evange-
gelizadora é compartilhada. Uma prece-poema de envio, recitada pelos professores, recordou que a missão evangelizadora requer não apenas a palavra precisa, o olhar crítico, os ouvidos atentos e os pés firmes, mas também um coração sensível e misericordioso, aberto ao diálogo e à solidariedade, cheio de sonhos e de esperança. A celebração foi encerrada com agradecimentos à coordenação do curso, aos professores, à fraternidade local e à comunidade acadêmica. Seguiu-se um gostoso churrasco, estreitando a comunhão fraterna tão importante na missão evangelizadora. A coordenação do curso também agradece à direção do ITF, aos professores e a todas as pessoas que contribuíram para que o Master 2011 se realizasse e chegasse a bom termo. Alegra-se com os alunos que tiveram a graça de participar dessa turma e souberam compartilhar A Celebração Eucarística contou a riqueza da própria experiência e com a presença também de alguns igualmente as buscas, descobertas professores e foi presidida pelo Pe. e sonhos. Tem certeza que muitos Medoro de Oliveira. Na partilha da frutos ainda serão colhidos, pois Palavra de Deus, cada participante nem todas as sementes germinam destacou um texto bíblico marcan- logo. Algumas serão fecundadas no te em sua vida missionária. No mo- chão da vida, lá no meio do povo, mento de louvor foram lembradas onde cada um vai continuar concremuitas pessoas e grupos do círculo tizando sua missão. Ir. Delir Brunelli, CF de convivência de cada participante, ou com quem a missão evanlização compartilhada, a perspectiva franciscana para o ministério presbiteral, a iluminação que brota do relato lucano dos Discípulos de Emaús, para todo o processo de evangelização. O grupo ofereceu à coordenação valiosas sugestões para aperfeiçoar aspectos dos conteúdos e da metodologia do curso.
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Entrevista | Frei Valnei Brunetto, OFM
Frei Valnei Brunetto é natural da cidade de Xaxim, Oeste do Estado de Santa Catarina. Nascido no ano de 1977, Frei Valnei ingressou na Ordem dos Frades Menores em 1997. Desde 2007 reside no Convento São Francisco, no “coração” da cidade de São Paulo, onde atua junto ao Serviço Franciscano de Solidariedade – SEFRAS. E agora nos contará o que apreendeu no Master em Evangelização, durante este ano. Site ITF –Frei Valnei, visto que estamos ao fim do curso do Master em Evangelização, quais eram suas perspectivas no início do curso e como estão hoje? Frei Valnei: Desde que cursei a graduação em teologia, aqui em Petrópolis, conservo em meu “coração” um profundo sentimento de enamoramento, respeito e reverência por esse saber. Não pelo simples fato de considerá-lo -12
mais um entre tantos outros, senão, por reconhecê-lo como o Saber dos saberes. Não quero com isso, menosprezar os demais. De modo algum tenho tal pretensão. Quero apenas testificar que, para mim, a teologia significou encontrar a fonte inesgotável do Amor e do Saber que, de alguma forma, também estão presentes nos demais saberes. Fazer o Master era, portanto, voltar à fonte e beber dessa água pura e vital, capaz de refazer nossas forças e reanimar a “Grande Alma” que habita em nós, para novamente se colocar no caminho da vida cotidiana, com tudo o que isso implica. A conclusão de mais essa etapa representa, em primeiro lugar, a seriedade com a qual ela foi
assumida. Além disso, a convicção de que o “cântaro” retorna aos afazeres rotineiros, embalado de um novo som, que não o tilintar vazio. Site ITF – Qual sua avaliação acerca dos frutos colhidos deste curso? Frei Valnei: Não podemos nos esquecer que toda colheita nos reserva os frutos daquilo que nós mes-
mos plantamos. Quanto maior terá sido nosso esforço no plantio, tanto maior será nossa alegria na colheita. Alegro-me, pois, ao término dessa colheita, pois percebo que os frutos são muitos, amplamente variados e com os mais diversos sabores. A começar pela experiência da convivência com o diferente – colegas de outros países, culturas, pensamentos, modo de ser e agir distinto do nosso – brasileiro; a discussão – partilha em sala de aula; a relação próxima e aberta com os professores; a disciplina e dedicação intensa aos estudos; os momentos de oração e celebração; isso tudo assumido com coragem, ânimo e disposição tornam-se um perfeito “trampolim” a impulsionar para um salto mais qualitativo e perfeito, frente aos desafios da realidade atual, nos seus mais diversos âmbitos. Site ITF – Que contribuição o Master oferece aos participantes na prática pastoral? Frei Valnei: Cada vez mais o cenário pastoral exige de nós sabedoria, abertura e discernimento para dialogar, frente às mais diversas realidades cotidianas que nos interpelam. Atenção especial necessita ser reservada à pessoa humana – destinatária por excelência da Boa Notícia anunciada, vivida e testemunha por Jesus Cristo. Fator peculiar de nossa época são as rápidas e profundas transformações que estão ocorrendo no âmago de nossas sociedades. Elas não apenas modificam as aparências externas, senão, igualmente, o modo de ser e viver do humano; seus costumes e tradições; pensamentos e formas de agir e reagir; bem como seus valores, crenças, enfim, tudo quanto
afeta a vida pessoal e social de cada ser. No âmbito pastoral, o panorama certamente não difere deste, de modo que hoje, muito mais do que em outros tempos, não basta o fazer pastoral. É preciso ter presente a qualidade do serviço “pastoril”. Com isso quero dizer que, se não houver uma atenção e zelo especial que preze pela qualidade da ação pastoral e, consequentemente, evangelizadora, pouco ou quase nada terá valido esse esforço, a médio e longo prazo.
“Desde que cursei a graduação em teologia, aqui em Petrópolis, conservo em meu “coração” um profundo sentimento de enamoramento, respeito e reverência por esse saber”. Encontrar respostas para isso, nem sempre é fácil, e quase sempre, torna-se um desafio. Para isso criou-se o Master. Não apenas para “descortinar” o cenário que está posto, senão, igualmente, para indicar o caminho menos tortuoso, nem por isso menos exigente de ser trilhado. A evangelização não pressupõe um caminho sem “espinhos”. Mas a sabedoria e a prudência para fazer deles, provocações necessárias que não deixam o espírito esmorecer. Site ITF – Conte-nos sobre o seu trabalho de conclusão de curso? Frei Valnei: Minha pesquisa de conclusão de curso tem como título: “Comunicação midiática e evangeli-
“Cada vez mais o cenário pastoral exige de nós sabedoria, abertura e discernimento para dialogar, frente às mais diversas realidades cotidianas que nos interpelam”.
zação: diálogo ou monólogo?” Essa intuição emergiu no momento em que vislumbrei que inúmeros estudiosos, das mais diversas áreas do conhecimento científico, mas de modo particular os do “campo” da comunicação social, testificam que hoje, mais do que nunca, a humanidade está mergulhada na chamada “idade mídia”. Ou seja, as novas e modernas tecnologias da comunicação e da informação passam a ser reconhecidas, em nossos dias, como sendo, na expressão do Papa João Paulo II, os novos “areópagos do mundo moderno” a serem evangelizados e a servirem de megafone da evangelização. Esse pressuposto sugere que, independentemente do lugar de onde falamos, precisamos conhecê-las. Partindo deste princípio, sinto-me instigado a afirmar que, pensar um processo relevante e efetivo de evangelização, enquanto proposta evangélica de vida, já não se pode fazê-lo ou concretizá-lo, senão em diálogo profundo e permanente com o universo da comunicação midiática hodierna. Caso contrário, ele já “nascerá” fadado ao fracasso. O reconhecimento dessa nova realidade midiática e de seu peremptório influxo na dinâmica da ação evangelizadora tornou-se, para mim, a mola-mestra fundamental que me impulsionou a confrontar ambos os processos, o da comunicação e o da evangelização, não como dinamismos distintos e estanques, senão, dialógicos e complementares. Às “portas” de concluir esse trabalho, estou convencido de que esses novos “areópagos” não apenas interferem decisivamente no processo da ação evangelizadora, como também, questionam a prática e a qualidade empregadas nessa “diaconia”.
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Entrevista | Frei Raúl Osvaldo Danielli, OFM Frei Raúl Osvaldo Danielli, frade franciscano pertence à Província de São Miguel da Argentina, tem meio século de vida, segundo ele, nasceu em uma “terra formosa, onde mana leite e mel”, Vitória, Entre Rios (Argentina). Antes de compor a turma de estudantes do Master 2011, era pároco da Paróquia São Francisco Solano, da cidade de Rosário, província de Santa Fé. Nesta entrevista ele conta um pouco sobre sua experiência e seus estudos ao concluir o Master em Evangelização. Site ITF –Site ITF - Frei Raúl como foi a experiência de vir ao Brasil. Frei Raúl Osvaldo: Minha experiência de vir ao Brasil não foi fácil, no principio, já que não havia frades para cobrir minhas tarefas e devido à enfermidade de minha mãe que, graças a Deus, está muito bem. Passados mais de oito meses, posso dizer que vir fazer esta experiência foi o presente mais belo que Deus e meus irmãos me deram. Depois de dez anos de ter terminado os estudos, no princípio, não foi fácil para mim, mas depois desfrutei muito a estadia em Petrópolis. É um bom tempo de “moratorium”.
“Fazer esta experiência foi o presente mais belo que Deus e meus irmãos me deram” Site ITF –Ao concluir o Master, como você avalia este ano de curso? Frei Raúl Osvaldo: Se eu tivesse -14
que avaliar, avaliaria positivamente. Poder ter quem te oriente e incentive a refletir sobre estes tempos e seus cenários não é pouca coisa. E, em vista do ano que vem, eu diria que se deveriam incorporar mais docentes de língua espanhola e também rever algumas matérias, talvez algumas se puder mudar por outras disciplinas que tenham mais a ver com a proposta do Master.
trabalho tem como tema: “Missão partilhada: a contribuição da vida religiosa para um novo modelo de ser Igreja”. Desenvolve-se a partir de algumas experiências de trabalho onde o religioso/a trabalha junto como o leigo/a nesta perspectiva de evangelização, tanto na pastoral educacional como na paroquial. O protagonismo do leigo é muito maior, e a tarefa do pastor é a de descer alguns escalões para Site ITF – Qual a contribuição que estar entre e com o povo de Deus. o Master terá em sua vida pastoral Analiso se a “conversão eclesial” a partir de agora? de que nos fala o Ministro Geral Frei Raúl Osvaldo: A contribuição Rodríguez Carballo não é o camipara a minha vida é muito gran- nho para aprofundar e buscar insde, contribuiu muito não somente tâncias novas em nossas realidades a partir do acadêmico, mas toda pastorais. a experiência foi muito enriquecedora e me proporcionou muitos elementos para desenvolver minha vida pastoral. Site ITF – Conte-nos um pouco sobre seu trabalho de conclusão de curso. Frei Raúl Osvaldo: O meu
Entrevista | Frei Leonel Moisés da Silva, OFM
Frei Leonel Moisés da Siva é frade da Província São Francisco de Assis, do Rio Grande do Sul. Natural de Cachoeira do Sul, RS, tem 43 anos. Antes de vir à Petrópolis para cursar o Master em Evangelização, era pároco da Paróquia São José em Hulha Negra e vigário paroquial na Igreja do Sagrado Coração de Jesus em Candiota - Diocese de Bagé – RS. Nesta entrevista ele conta um pouco sobre sua experiência e o sobre o Master, curso que conclui no mês de novembro.
de incentivar e enviar frades para estudos e aprofundamentos, no Brasil e em outros países. A preocupação é ter dois ou mais frades por ano se especializando numa das áreas de interesse pessoal que responde aos apelos da ação Evangelizadora. A minha indicação se deu de maneira muito simples: em diálogo com o governo provincial e em sintonia com toda Província, me coloquei à disposição de fazer o Master em Evangelização. Em primeiro lugar, pela necessidade de fazer uma atualização teolóSite ITF – Como se deu a sua indi- gica, para melhor responder aos cação para o estudo do Master em atuais desafios apresentados na Evangelização? ação Evangelização. De outro lado, Frei Leonel: A Província São Fran- sentia necessidade de aprofundar cisco de Assis do RS tem a prática e conhecer melhor os novos cená-
rios contemporâneos e perspectivas que a sociedade apresenta. Site ITF – Estamos no final do curso. Em sua opinião, qual a contribuição do Master para a atividade Evangelizadora? Frei Leonel: “Cenários Contemporâneos: interpelações e perspectivas” remete para uma prática nova e diferencial, apontando novas maneiras ou alternativas de Evangelizar no mundo atual. Mais do que nunca, somos desafiados a enfrentar uma nova conjuntura, também somos chamados a dar uma resposta, ousar iniciativas novas. Diante disso, perguntamos: Como responder nos dias atuais aos novos desafios da -15
evangelização? Muitas vezes ficamos sem resposta, perdidos sem saber o que fazer. O anúncio do Evangelho do Reino pregado por Jesus tem de ser proclamado incessantemente e em todos os lugares pela Igreja. Mas para que esse anúncio possa ser ouvido, obedecido, acolhido e experimentado como libertador, suas formas têm que mudar, levando em conta os vários contextos culturais dos que recebem a Notícia. A grande contribuição do curso Master em Evangelização para a ação evangelizadora é mostrar e questionar que vivemos num tempo de transformações profundas que afetam não apenas este ou aquele aspecto da realidade, mas a realidade como um todo. Enfatizamos que a seriedade da hora atual pede coragem de encarar a realidade, de discernir o que convém à luz da fé cristã. Site ITF – Qual é a sua avaliação do curso como tal? Correspondeu às expectativas? Frei Leonel: O Master em Evangelização foi muito bom. Foi uma experiência de suma importância na minha caminhada evangelizadora de frade menor. O fato de ter a oportunidade de estudar e
fazer uma reciclagem teológica é de grade valia. De outro lado, aparece a riqueza do convívio e diálogo fraterno com confrades vindos de outros países, como Argentina, México, República Dominicana, favorecendo assim, um intercâmbio cultural. Destaco também como algo muito positivo, a contribuição de professores vindo de outros Estados e Países, proporcionando uma grande riqueza teológica/pastoral para responder aos atuais desafios que são apresentados.
nidade, a fim de partilhar o que viveram no caminho.Trata-se de uma experiência que, igualmente, pode transformar o sentido de nossa vida atual, se de fato nos encontrássemos com o Ressuscitado em nossa caminhada. O convite é se deixar interpelar por Ele, dialogando e sendo alimentados com a Palavra e pela Eucaristia. Somos desafiados a viver este encontro em uma sociedade que está imersa numa mudança de época, que apresenta novos paradigmas, que implicam uma séria revisão de nossa missão Site ITF – Conte-nos um pouco so- e a coragem de iniciar caminhos bre seu trabalho de conclusão do inéditos de presença e de testemuCurso. nho. Percebemos a necessidade de Frei Leonel: Escolhi como tema do retornar ao centro de nossa missão meu trabalho de conclusão “A ma- e de tomar decisões de profundas nifestação do Ressuscitado: a expe- mudanças que nos ajudem a abanriência de Emaús e a nossa”. O es- donar algumas situações sociais e plendoroso texto de Lucas 24,13-35 eclesiais para assumir com maior está totalmente relacionado com a decisão a tarefa evangelizadora. caminhada de nossa fé. Trata-se de reconhecer a presença do Ressuscitado no meio do mundo e do coração da Igreja. O texto bíblico apresenta o encontro dos discípulos de Emaús com o Ressuscitado, no caminho, na Palavra e no partir do Pão. Depois da experiência, eles ficam totalmente transformados, voltam correndo para a comu-
“Per c torn ebemo s a e de r ao ce a nece s n mud tomar tro de sidade d d a n don nças qu ecisões ossa m e rea ecle r algum e nos a de prof issão ju u s a deci iais par s situa dem a ndas são aban ções a as a ta s s u o m c refa evan ir com iais e m geliz ado aior ra.” -16
Entrevista | Pe. João Batista Libanio Leia mais sobre o Congresso Internacional “Evangelização em Diálogo” em http://www.franciscanos.org.br/itf/noticias/ especiais/congresso2011/10.php
No segundo dia do Congresso Internacional: “Evangelização em Diálogo”, um dos palestrantes da manhã foi o Professor João Batista Libanio, que, no intervalo dos trabalhos, nos concedeu esta entrevista. Dr. João Batista Libanio é padre jesuíta, escritor e teólogo. Ensina na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), em Belo Horizonte, e é vigário da paróquia Nossa Senhora de Lourdes, em Vespasiano, na Grande Belo Horizonte. Participa desse Congresso com o tema: Evangelização no mundo urbano.
na vida de Jesus, que passou pela rejeição, pela religião e religiosidade. Para o mundo, qual fenômeno pode ser equiparado? Libanio: Essa fé na vida de Jesus – embora até então fosse difícil compreendê-la por causa da compreensão que se tinha da união hipostática, como se Jesus estivesse vendo sempre Deus face a face e por isso não se teria fé –, sabemos pelos escritos pré-Paulinos, que Jesus ao encarnar-se se despiu e renunciou a este modo divino de proceder Site ITF – Qual a relevância de se colo- entre nós. Jesus teve que, em sua vida terrestre, exercitar a sua fé. A total concar a Evangelização em Diálogo? Libânio: Evangelização é no sentido de fiança em Deus por parte de Jesus se dá levar a Boa Notícia de Deus que ama e na agonia do Monte das Oliveiras e plepor amor realizou este amor por nós. namente no momento da cruz, quando É importante um momento de escuta, Jesus diz: “Pai em tuas mãos entrego de diálogo. Escutar é o primeiro passo. meu espírito”. Isso é fé! A fé de Jesus Temos que saber as expectativas e ne- está para nós dizendo que, em momencessidades das pessoas para nos dirigir tos da nossa vida, a religião não nos diz a elas. Devemos fazer como São Paulo, nada, podendo até sermos rejeitados que, no areópago, onde se dedicava cul- pela mesma. Um exemplo disso são os to a um deus desconhecido, usou essa casais em segunda união que se sentem deixa para evangelizar, ou seja, essa es- rejeitados pela religião, por inúmeras perança que as pessoas conhecem, mas razões que não cabe aqui comentar. Por não sabem nomear. Devemos conhecer outro lado, observamos atualmente um não apenas confirmando, mas de forma fenômeno que Rahner chama de criscrítica, assim como no Evangelho de tãos anônimos. São pessoas que vivem Marcos 1,15, que diz: é necessário con- os preceitos de Cristo e do Evangelho, mas não nomeiam ou definem. São versão, mudança. muitas outras realidades que podem Site ITF – O sr. ressaltou o valor da fé ser equiparadas, aqui nomeio essas.
Site ITF – Qual o papel da devoção religiosa na ação evangelizadora? Contribuições e desafios. Libanio: A devoção religiosa é uma ajuda. Coloca no clima do mistério, do sagrado e do divino, mas não basta, pois a religião vai explicitar que esse divino não é uma energia, uma força ou uma atmosfera, mas é a Trindade. Isso devemos ter claro, que evangelizamos a presença trinitária de Deus. Somente dizer Deus, ainda não é cristão. Rahner ironizou ao terminar o Concílio Vaticano II, quando as pessoas achavam que havia acabado a trindade e só existia uma pessoa em Deus, dizendo: “interessante, e não haveria nenhuma mudança em ninguém”, ou seja, a Trindade não era importante. Se Deus não fosse trino nós não seríamos assim como somos. Sendo criados por um Deus Trino somos criados para comunhão. Deus trino agindo no amor do Pai, de alguém que assumiu a história e a presença do Espírito Santo. Devemos, portanto, nas ações evangelizadoras, ressaltar sempre a presença da Trindade para o povo de Deus, e para nós mesmos. Site ITF – Uma palavra aos evangelizadores em formação nos institutos, faculdades e universidades brasileiras. Libanio: Tenham consciência de que a Trindade está presente em todas as nossas ações. No anúncio, na evangelização, devemos comunicar um Deus que é Pai, que nos cria do amor, para o amor, com o amor de Jesus que viveu concretamente neste mundo, sofrendo, amando intensamente esta vida que na Páscoa nos promete que o Espírito vai interiorizar e explicitar em nós sua vida e o amor do Pai. Se nós tivermos esta palavra claramente trinitária creio que estaremos evangelizando. -17
Artigos
Os gemidos da Criação e o clamor do pobre: Teologia da Criação e opção pelos pobres Entre as questões postas pela “crise ecológica” e os desafios oriundos do processo de empobrecimento provocado por situações de injustiça e exclusão estabelece-se uma relação de mútua implicação e de potenciamento recíproco. Daí a urgência de se articular “os gemidos da Terra” com “o clamor do pobre”1 . E ao fazê-lo, potencializá-los ao máximo, ressignificando-os no horizonte da utopia e escatologia cristãs. Um discurso acerca da tutela da vida no Planeta que não incorpore as questões da pobreza e da fome, da injustiça social e das contradições do capitalismo neo-liberal peca por ingenuidade e conivência. De igual modo, um discurso acerca da Criação que não considere, de maneira esperançosa, a pergunta pela sua destinação última e pelo seu inerente sentido, acabará sucumbindo a um pessimismo trágico2.
O Paradigma hegemônico contemporâneo: Tecnociência e Mercado O que tem caracterizado o paradigma contemporâneo hegemônico é, por um lado, a emergência da Tecnociência como horizonte de fundo da experiência atual e, por outro, a imposição do Mercado como único cenário de nossa trama civilizacional atual. A situação se torna ainda mais complexa quando acontecem fenômenos de hibridação entre ambos: Tecnociência e Mercado. De mero instrumento de dominação à disposição do ser humano, a técnica se tornou horizonte último no interior do qual se desvelam todos os âmbitos da experiência, chegando a condicionar inclusive a maneira de o próprio ser humano se auto-18
-conceber. Fala-se de um processo simultâneo da “emergência da tecnosfera” e do “deslocamento da subjetividade” Emprega-se o termo “tecnosfera” para se referir a uma espécie de ambiência no interior da qual se produzem novas cosmovisões. Supera-se, por exemplo, aquela visão mecanicista e geométrica da física clássica e sua função domesticadora. Agora, no regime da tecnociência, a natureza é decomposta e, por assim dizer, recriada segundo os moldes da ciência informática e da biologia molecular. Em outras palavras, a tecnologia deixou de ser aquela espécie de escrava que ajudava o ser humano a alcançar seus próprios fins, para se tornar agora produtora de necessidades das quais o ser humano se torna cada vez mais dependente. Fala-se em “deslocamento da subjetividade” pelo fato de o ser humano não ser mais sujeito, mas algo “disposto” no horizonte desvelado pela técnica, que é, pois, o que decide o modo de ele se perceber, sentir, pensar e projetar. A técnica torna-se o horizonte dentro do qual o ser humano e a natureza são dispostos pelas demandas que as possibilidades técnicas promovem. O ser humano não é mais capaz de perceber a si mesmo fora do mundo disposto pela técnica. Como seu ambiente, a técnica é aquilo em relação ao qual ele chega ao conhecimento de si. Por isso, dizemos que na disposição do mundo, e não na instrumentalidade, deve ser identificada a essência da técnica. E isso significa que a técnica não é mais ciência aplicada, mas horizonte dentro do qual também a ciência pura encontra a condição e a destinação do seu indagar. Isso posto, encontramo-nos diante de um questionamento dificilmente contornável: não mais o que nós poderemos fazer com a técnica, mas o que a técnica pode fazer de nós3. Somos vítimas da “absolutização do mercado”, vale dizer, uma autêntica mercantilização da vida. Isso significa que o mercado vai se impondo como o cenário de nossa trama civilizacional
atual. Nesse contexto, nossos fluxos vitais e também os valores e símbolos culturais e religiosos se tornam mercadoria de consumo e de descarte. Ingressamos, assim, em uma nova fase do capitalismo ocidental. Não mais produtivo, mas, dessa vez, consumista. Por isso, a busca frenética por mercantilizar tudo a fim de inflacionar maximamente o universo das mercadorias em vistas do consumo cada vez maior 4. Se antes, na era industrial, exigiam-se na sugestiva expressão de Michel Foucault “corpos dóceis, disponíveis e úteis”, hoje, interessam “almas capacitadas”, subjetividades munidas das qualidades mais cotadas no mercado de trabalho 5. Em sua nova fase, interessa ao capitalismo a produção de subjetividades consumidoras. E para incrementar o consumo e o apetite dos sujeitos consumidores torna-se imprescindível investir no fetichismo das mercadorias 6. Tudo isso só é possível sob o pressuposto de que se encontra em processo uma crescente supremacia do mercado na administração dos fluxos vitais. No mundo contemporâneo, a vida se define como um produto, uma mercadoria; numa palavra, uma invenção humana. E isso graças à inaudita capacidade do capitalismo do século XXI de operar um autêntico seqüestro simbólico das forças vitais. Ele não apenas captura tais forças como também consegue reciclar as resistências a esse seqüestro mediante a produção de slogans publicitários e mercadorias a serem consumidas 7. O objetivo, no fundo, é patentear o material genético dos seres vivos, recor-
rendo-se ao expediente da propriedade intelectual, para depois transformá-los em mercadorias a serem disponibilizadas no mercado. Essa fusão recente entre Tecnociência e Mercado tem provocado uma corrida feroz das empresas para patentear os ingredientes do genoma humano e todo o patrimônio genético do planeta. Esse processo tem sido publicamente desmascarado e denunciado pela epistemóloga indiana Vandana Shiva como uma verdadeira “pirataria”. Ela denuncia o que chama de uma “nova onda colonizadora” capitaneada por uma ciência e técnicas reducionistas aliadas ao Mercado. Trata-se, na opinião dela, de uma verdadeira “invasão biocolonizadora”, expressão da promiscuidade entre os laboratórios da Tecnociência e o Mercado 8. Conceber, portanto, a complexidade de nossa civilização na perspectiva dos pobres significa desmascarar um tríplice engodo: 1) “crescimento ou desenvolvimento sustentável”; 2) a tecnociência como solução “messiânica” para todos os nossos problemas; 3) a função democratizadora da Mídia. Encontramo-nos, portanto, diante de um impasse. A ilusão de um crescimento desmedido e de um progresso ilimitado nos está levando a uma degradação sem precedentes, perceptível, sobretudo, na deterioração progressiva da qualidade de vida nossa, dos demais seres vivos e do próprio Planeta. O mito da perfeita utilização dos recursos da Terra, encarnado pelo ser humano de maneira voluptuosa e obstinada, tem produzido a exaustão dos sistemas vitais e a desintegração do equilíbrio ambiental. A agravar ainda mais a situação de degrado e exaustão à qual tem sido submetida a vida no Planeta, são as incidências do desastre ecológico em termos de exclusão e marginalização dos pobres
da Terra. Encontramo-nos, portanto, imersos em uma anomalia que assume as feições de um conflito sem precedentes entre a reprodução da humanidade e os destinos do Planeta. Tornamo-nos, para todos os efeitos, reféns de um dilema: de um lado, nossas sociedades têm cada vez mais necessidade da Terra e de seus recursos; de outro, o Planeta suporta cada vez menos nosso crescimento. A Terra e os seres que nela habitam estão à mercê de uma economia que se impõe como a fatalidade do “nosso tempo”. Dito isso, a conclusão parece clara: “os limites do capital são os limites da Terra” 9. Outro embuste difundido é o de que solução para os desafios postos pela atual crise ecológica virá das novas tecnologias. Nesse caso, a técnica seria vista como uma resposta e não, como de fato ela tem se revelado, um problema. É preciso romper de vez esse círculo vicioso e perverso que insiste em nutrir expectativas messiânicas para com as novas tecnologias. E dizer, em alto e bom som, que a solução para a Técnica não é algo de técnico. O que move e sustenta a Técnica é, no fundo, o interesse humano de controle. Somos, hoje, vítimas de uma crescente supremacia da Tecnociência, do Mercado e da Mídia na administração dos fluxos vitais. O mito de habitarmos um mundo que tem se tornado cada vez mais uma aldeia global onde todos podem ter acesso a tudo também nos é vendido de maneira escandalosa. O mito de que o bem-estar e a acessibilidade é um direito e, portanto, uma possibilidade aberta a todos. O mito de que as barreiras e as fronteiras se desmoronaram e de que habitamos, hoje, um mundo livre e democrático também parece se alastrar entre nós. Como seguir difundindo mitos como, por exemplo, aldeia global, sociedade sem fronteiras, encurtamento das distâncias, bem-estar social geral sem nos darmos minimamente conta de que novas fronteiras se redesenham, novas e intransponíveis distâncias são forjadas, se vivemos numa situação de apartheid ambiental, cultural, social e mental? A Mídia deixou de ser apenas um meio; ela se tornou, para todos os efeitos, um mundo, uma ambiência. Ela criou um mundo fora do qual não se
pode mais viver nem sobreviver. Não se pode mais prescindir desse mundo midiático uma vez que se tornou impossível fazer qualquer experiência diferente da proposta pela Mídia. A descrição midiática do mundo constrói um mundo de fatos pela informação e não o contrário. A pesquisa de opinião pública nada mais é do que a sondagem da eficiência persuasiva da Mídia, que primeiro cria a opinião pública e depois investiga sua própria criação.
“Conceber a Criação à luz do Mistério da Trindade significa, em primeiro lugar, resgatar o sentido da relação singular entre Criador e criaturas”. Por uma Teologia trinitária da Criação Nesse contexto, as próprias teologias engoliram a isca que lhes foi lançada pela cultura moderna. Razão pela qual, o Criador passou a ser concebido como o princípio, a origem de todas as coisas. Só que, à diferença dos relatos bíblicos, esse princípio passou a ser concebido não mais na sua íntima relação com o presente e com o futuro. Agora, nesta nova estação cultural, a origem passou a ser entendida como fundamento. Fundamento esse que fornecia as melhores garantias para que o projeto do ser humano moderno, concebido como sujeito pensante, pudesse ser levado a termo de forma voluptuosa e desimpedida. Foi nesse contexto que emergiu a imagem do Criador como a de um “relojoeiro”. Outras imagens do Criador muito difundidas no horizonte da cultura moderna se colocam nessa mesma linha: a imagem do Criador como “o grande Arquiteto”; outra mais recente, difundida pelos adeptos do “Intelligent -19
Design”, que o apresentam como o “intelligent Designer” ou ainda a metáfora da “mente de Deus”, empregada por Stephen Hawkin. A primeira conseqüência dessas imagens é a de instrumentalizar o Criador, concebendo-o como o fundamento e a certeza do projeto ideado e realizado pelo sujeito moderno.
“Só um Deus fraco pode nos salvar agora”. Gianni Vattimo Fomos, na verdade, demasiadamente habituados a conceber Deus como o fundamento estático de todas as coisas, circunscrevendo-o quase exclusivamente ao passado. Consequentemente, o passado passou a ser considerado como determinante do presente e do futuro. Nós modernos, particularmente, construímos grandes sistemas nos quais não apenas o presente resultava condicionado inelutavelmente pelo passado, mas também o futuro, que passou a ser concebido como algo programado e, portanto, absolutamente previsto. Deste modo, o futuro acabou destituído de toda e qualquer ulterioridade. Neste horizonte de compreensão, Deus se revela como a fonte de onde promanam todas as possibilidades e, ao mesmo tempo, como a origem de todo o tempo a partir da dinamicidade própria do futuro. Ao invés, portanto, de insistirmos em interpretar o Deus bíblico como a determinação de todo o real, talvez fosse o caso de concebê-lo como a “possibilização máxima do possível”. Um Deus paciente que respeita e acompanha o ritmo natural do inteiro cosmos e de cada criatura, o ritmo da humanidade e de cada pessoa humana. Sua paciência não é sintoma de indiferença ou de passividade. Ele é o primeiro a se engajar no processo lento, porém eficaz de transformação e, portanto, de plenificação de cada criatura e da inteira criação. E essa sua atitude é expressão de sua peculiar condescendência proveniente de sua solidariedade e gratuidade singulares. Outra dificuldade provocada por essas imagens é a de relegar o Criador às regiões periféricas da realidade, condenando-o a uma situação de indiferença e de não inserção em nosso mundo. São imagens que, no -20
fundo, traem uma concepção do Criador como um intervencionista. Por se encontrar fora da realidade, em determinados momentos críticos, ele intervirá como alguém que se intromete e intervém na trama da vida da qual ele não participa ordinariamente. Um deus assim se coloca em uma situação de oposição diametral ao Deus encarnado que nos foi revelado por Jesus Cristo e que constitui, portanto, a raiz de nossa fé. Significativa nesse contexto a afirmação de Bonhôffer: “Deus é impotente e fraco no mundo, e exatamente assim, Ele está conosco e nos ajuda”. Como também a do filósofo Gianni Vattimo: “Só um Deus fraco pode nos salvar agora”. Assim sendo, uma autêntica teologia da criação só poderá ser tecida a partir da experiência de kénosis que constitui a experiência-fonte, originante e fomentadora, das interrelações intratrinitárias e das distintas relações que a Santíssima Trindade instaura para conosco ao longo da história da salvação e por entre os meandros sutis de nossa trama cósmica. A criação se nos afigura, em última instância, como uma autêntica experiência de kénosis (esvaziamento, despojamento) que se revela mediante um tríplice movimento: retração do Pai que, ao nos chamar à existência, cria-nos “do nada”; despojamento do Filho que nos salva, resgatando-nos, mediante seu gesto de extrema solidariedade, “do nada do pecado”; e, por último, escondimento do Espírito Santo que continua realizando com lento vagar sua obra de santificação mediante a plenificação das pessoas, da história e do cosmos inteiro a partir “do nada do mundo” 10. Outro grande limite dessas imagens modernas do Criador e da criação é concebê-los como realidades que se dão no assim chamado reino da necessidade. Elas resultam necessárias com o intento de fundamentar e justiçar o inteiro projeto do ser humano moderno. Tudo parece circunscrito a um script predeterminado ou preestabelecido. Por alguma razão, as coisas tinham que existir e tinham que existir do jeito que são. Nesse sentido, elas comprometem a concepção bíblica da Criação como um evento inusitado, como um evento que se dá como expressão da pura gratuidade de um Criador generoso.
Conceber a Criação à luz do Mistério da Trindade significa, em primeiro lugar, resgatar o sentido da relação singular entre Criador e criaturas. O termo Criação remete à experiência do dom e da gratuidade divinas. Dizer criação pressupõe a consciência da relação primordial entre Criador e criatura. Neste sentido, criação difere substancialmente de termos como, por exemplo, natureza ou cosmos 11. Ao nos reconhecermos criaturas, exprimimos a consciência de que a vida se nos afigura como oferecida gratuitamente. Poderíamos existir de outro modo ou sequer existir. E, no entanto, existimos. Portanto, o nosso existir revela um querer, uma intencionalidade, primários. Fomos queridos por alguém, por um Criador, e, portanto, passamos a existir. Não são, a rigor, necessidades intrínsecas que justificam nossa existência como tal. O que de fato testemunhamos é que somos queridos por alguém que deseja que existamos. E este alguém nos quer assim como somos. Também aquelas circunstâncias que caracterizam nossa existência são queridas como tais pelo Criador e correspondem, em última instância, a uma intencionalidade e querer gratuitos dele. Não existem, portanto, explicações que dêem conta do porquê de nossa existência. E aqui, precisamente, nosso Criador se revela como Absoluto, manifestando assim sua radical diferença face ao caráter intrinsecamente contingente de suas criaturas. O Criador não está vinculado a nada. Não existe nada fora de Deus que o possa condicionar. Ele é o Ab-solutus por excelência. E seu querer e agir são absolutamente gratuitos. O fio condutor, portanto, que atravessa a inteira realidade criada é constituído pela experiência da gratuidade em todas as suas expressões. Não existem, a rigor, leis ou relações necessárias que caracterizam a relação entre o Criador e
Notas:
1. Cf. as seguintes publicações de L. Boff, Ecologia: Grito da Terra, Grito dos pobres. São Paulo: Ática, 1995; “Teologia da libertação e ecologia: alternativa, confronto ou complementaridade?”, Concilium 31 (1995) p. 753-764; “Da libertação e ecologia: desdobramento de um mesmo paradigma, em M. Fabri dos Anjos (org.), Teologia e novos paradigmas. São Paulo, 1996, p.75-88; “O pobre, a nova cosmologia e a libertação – como enriquecer a Teologia da Libertação”, em L.C. Susin (org.), Sarça ardente. Teologia na América Latina: Prospectivas. São Paulo: Soter/Paulinas, 2000, p. 189-207. 2. Esse tem sido o fio condutor de nossas reflexões acerca da Criação no horizonte do novo paradigma ecológico. A esse propósito, remetemos a S.S. Tavares, Teologia da Criação. Outro olhar – novas relações. Petrópolis:Vozes, 2010.
suas criaturas. E, por esta razão, estão descartadas todas as tentativas de encontrar explicações lógicas e necessárias que dêem razões à existência nossa e das demais criaturas. Permeia a complexidade de tudo quando existe a gratuidade amorosa do Criador que se revela mediante um querer gracioso, caracterizado pelo cuidado e pelo enternecimento para com cada criatura e para com a inteira realidade criada. Este querer divino instaura de maneira consistente as legítimas buscas de sentido. A preocupação maior e mais fundamental do ser humano passa a ser então auscultar as interpelações do Criador inscritas em sua mais recôndita interioridade, no seio das relações interpessoais, nos meandros sutis da história e nas fibras mais íntimas da inteira realidade criada. Porque expressão do querer mais íntimo de um Pai que deseja criaturas para poder instaurar com elas relações de comunhão, a criação se revela como o palco da trama amorosa e, por isso mesmo, dramática do amor esponsal entre Deus e suas criaturas. Somos, enquanto criaturas, radicalmente diferentes do criador. Somos diferentes não para selar nossa irremissível separação; mas, ao contrário, para nos decidirmos livre e conscientemente pela relação, fomentando assim o encontro e tecendo teias de comunhão. A transparência divina na trama da Criação Ao professar a fé no Deus trino e uno, as comunidades cristãs propiciam uma peculiar relação entre Transcendente e imanente. A profissão de fé
no Deus Pai criador salienta o caráter absolutamente transcendente do Deus trino e uno. Ele é o criador absoluto, que cria sem pressupostos e sem condições, e, portanto, o Senhor de tudo quando existe, selando assim sua irredutível transcendência face ao caráter contingencial de suas criaturas. A profissão de fé no Filho unigênito de Deus que se encarnou, sublinha a singela solidariedade de Deus para com suas criaturas. É o evento da mais radical irrupção do Todo no fragmento, da emergência do transcendente a partir do âmago mesmo da imanência. A profissão de fé no Espírito Santo, como evento da interiorização do próprio Deus no coração mesmo da matéria, da história, da corporalidade de suas criaturas, acena para a revelação do Deus trino e uno como a interioridade mais íntima do cosmos, da história e da vida de cada uma e de todas as criaturas 12. É imprescindível, portanto, dialetizar transcendência e imanência através da consideração do evento da interiorização do próprio Deus no coração mesmo da matéria, da história e dos corpos de suas criaturas. O evento da interioridade de Deus, mediante Seu Espírito, no coração mesmo de suas criaturas, impede toda e qualquer bipolaridade rígida e excludente entre transcendência e imanência. A profissão de fé no Deus trino e uno propicia aos cristãos, portanto, uma peculiar relação entre transcendente e imanente: nem pura transcendência, nem mera imanência, mas a celebração da transparência divina na trama da Criação. Profº Frei Sinivaldo Silva Tavares, OFM
3. No tocante a essas instigantes posições remetemos a quanto escreve o filósofo italiano U. Galimberti, em Psiche e techne. O homem na idade da técnica, São Paulo: Paulus, 2006, p. 383.389.391.393. 4. Analistas agudos tem se debruçado sobre esse fenômeno atual que tem acometido nossas sociedades contemporâneas: a título de exemplo, LIPOVETSKY, G. O império do efêmero. A moda e seu destino nas sociedades modernas, São Paulo: Companhia das Letras, 2006; BAUMAN Z. Vida para consumo. A transformação das pessoas em mercadoria, Rio de Janeiro: Zahar, 2008. 5. Cf. GORZ, A. , “A crise e o êxodo da sociedade salarial”, in: Cadernos IHU. Idéias 31, São Leopoldo 2005, 20; cf. ainda GORZ, A. O imaterial, Annablume, São Paulo, 2005. 6. Cf. as importantes obras do antropólogo N. García Canclini, Consumidores e cidadãos. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008; Diferentes, desiguais e desconectados. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007. 7. Cf. SIBILIA, P. O Homem Pós-Orgânico. Corpo, subjetividade e tecnologias digitais. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002, p. 156-202. 8. SHIVA, V. Biopirataria: a pilhagem da natureza e do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 65. 9. Boff, L. “A última trincheira: temos que mudar. Economia e ecologia”, in: J.O. Beozzo – C.J. Volanin (orgs.), Alternativas à crise. Por uma economia social e ecologicamente responsável. São Paulo: Cortez Editora, 2009, p. 35-51, aqui p. 42. 10. Para um aprofundamento maior dessa posição remetemos a quanto escrito por nós em Trindade e Criação. Petrópolis: Vozes, 2007, sobretudo pp. 192-210. 11. A esse respeito leia-se com proveito o que escreve H. Heimer em “Criação, natureza e meio ambiente”, Caminhos 8 (2010/2) p. 53-68. 12. Cf. o nosso Teologia da Criação. Outro olhar – novas relações. Petrópolis: Vozes, 2010, sobretudo pp. 57-70.
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C
elebra-se no dia 13 de setembro a memória de um grande santo da Igreja: São João Crisóstomo, nascido em Antioquia e considerado um dos quatro maiores doutores da Igreja no Oriente, junto com Santo Atanásio, São Gregório Nazianzeno e São Basílio Magno. Com este último nutria uma profunda amizade. Dentre os muitos escritos do “Boca de ouro”, apelido famoso outorgado-lhe devido à sua grandiloquência nos sermões, destaca-se o De Sacerdotio, que deve ser considerado não só sua obra-prima, mas também de todos os tratados sobre o sacerdócio e o episcopado. Com efeito, cônscio da grandeza da missão sacerdotal e da santidade que este cargo exige, o autor explica por que se eximiu de tão alta dignidade. Na primeira das seis partes da obra, intituladas “livros”, João Crisóstomo, em forma de diálogo, faz uma introdução ao assunto apresentando seu amigo inseparável, Basílio, que juntamente com ele fora nomeado bispo. O monge Basílio recebe o jugo sagrado pensando que Crisóstomo faria o mesmo. Só depois fica sabendo que este, na verdade, escondeu-se. Reclama então ao amigo de Antioquia, queixando-se da cilada que lhe preparara fazendo-o aceitar o cargo de epíscopo. Todavia, desculpa-se João dizendo que isto podia ser astuciosamente feito em vista do fim bom que intencionava. Encontra-se no segundo livro a defesa astuta que o autor faz de sua atitude de não aceitar a ordenação. Argumenta que não foi por desprezo aos superiores que fugiu da consagração, mas, pelo contrário, foi em benefício deles, para que não viessem a censurá-los por terem-no ordenado. Relembrando o legado de Cristo a São Pedro (cf. Jo 21,1519), escreve: “Receio que assumindo o rebanho de Cristo, florescente e próspero, com a minha inexperiência o perderia, provocando a ira de Deus que tanto o amou e que se sacrificou a si mesmo pela salvação dele” (p. 45). Em seguida, o Doutor da Igreja, na terceira parte do livro, mostra a superioridade do sacerdócio: “embora seja exercido na terra, possui ele contudo o caráter de instituição celeste” (p. 54). -22
E sabiamente declara: “Conheço minha alma, sei como ela é fraca e pusilânime. Conheço a dignidade do sacerdócio e as dificuldades de exercê-lo. Pois mais numerosos do que os ventos que revoltam o mar, são as ondas que inquietam a alma do sacerdote” (p. 60). Em seguida, enumera várias qualidades que devem ornar o candidato ao sacerdócio ou episcopado: despir-se de qualquer ambição; ser prudente; não se encolerizar; irradiar a beleza da alma; ter espírito de fé extraordinário; possuir zelo para com as viúvas, os pobres e as virgens; exercitar a hospitalidade e o acolhimento; ser justo e honesto na função de juiz; realizar visitas aos necessitados; ser forte na decisão de expulsar um membro da comunhão eclesiástica. Saul e Eli, Aarão e Moisés são exemplos bíblicos citados por Crisóstomo, no quarto livro, de pessoas que não puderam escusar-se da alta função lhes confiada por Deus; mesmo sem almejarem aos seus cargos, uma vez neles, foram responsabilizados por seus erros. “Se os benefícios não te fazem melhor, tornam-te mais culpável” (p. 91), resume o escritor. É mister ao presbítero, ao pastor a eloquência, pois, conquanto o exemplo seja necessário para a conduta da vida, a palavra é indispensável contra o veneno do erro. Menciona algumas heresias como exemplos de erros superados somente pela palavra e conclui, com um grande elogio ao Apóstolo das Gentes, que não se pode desprezar a arte da oratória na salvaguarda e propagação da fé. No quinto livro, o autor disserta sobre os perigos e as dificuldades no ministério da palavra e os cuidados na preparação da pregação. Os fiéis costumam ir à igreja como se fossem a um espetáculo e, portanto, não vão para se instruir, mas para se divertir. Exorta Crisóstomo:
“O povo é que deve seguir o pregador, e não este, os desejos da grande massa. Ele somente o conseguirá por meio de duas qualidades, a saber: o desprezo de quaisquer elogios e a força da própria eloquência” (p. 106). Se faltar um, o outro também inexistirá. Todavia, o estudo é obrigatório, pois a eloquência é “resultado de contínua aplicação e estudo, ela abandona até mesmo a quem conseguiu a maior perfeição, se não se aplicar em constantes exercícios” (p. 108). “A alma do sacerdote deve ser mais pura do que os raios do sol, a fim de que o Espírito Santo não o abandone” (p. 115), escreve Crisóstomo na sexta parte do livro. Para se manter essa pureza, é necessária a vigilância de uma sentinela, conforme diz Ezequiel (cf. 33,6), além da atenção e da austeridade. “Como a luz que ilumina o mundo deve brilhar a alma do sacerdote” (p. 119), complementa. O autor ainda mostra os enleios em que o padre pode envolver-se no ministério, se exercido sem autodisciplina. Termina o escrito consolando o amigo Basílio. Frei Douglas Paulo Machado, OFM REFERÊNCIA: SÃO JOÃO CRISÓSTOMO. O sacerdócio. Trad. Odo Rosbach. Petrópolis: Vozes, 1979 [Os Padres da Igreja, 1].
Frei Ludovico Garmus 1.Texto apresentado no “XX Simpósio de Mirmecologia e I Encontro de Mirmecologistas das Américas”, realizado no Instituto Teológico Franciscano, nos dias 16 a 20 de outubro de 2011.
O cientista Frei Tomás Borgmeier e também sobre formigas – em geral sob o pseudônimo de “Mario Lucena”. (1892 – 1975)1 Frei Walter Kempf reconhece que Frei “Cientista de renome internacional”, assim o qualifica seu discípulo Frei Walter Kempf, no necrológio a ele dedicado, melhor qualificado como crônica2. Nada melhor do que seguir a exposição de Frei Walter Kempf, discípulo de Tomás Borgmeier. Frei Tomás nasceu em Bielefeld (Alemanha), em 31 de outubro de 1892. Seu pai, Hermann, era ferreiro e sua mãe se chamava Sophia. O nome de batismo de Frei Tomás era Heinrich Fritz Hermann. Quando fazia o penúltimo ano do ginásio, resolveu interromper os estudos para se tornar franciscano no Brasil, para onde veio em 18 de outubro de 1910. Em 1911 ingressou no noviciado dos franciscanos (Rodeio, SC) e nos anos 1912 a 1914 fez seus estudos de Filosofia em Curitiba e de Teologia em Petrópolis, nos anos 1915 a 1917 3. Pelos dados que constam nos arquivos da Província da Imaculada Conceição (São Paulo), foi um aluno muito brilhante. Seus talentos intelectuais e científicos começaram a se manifestar muito cedo. Já em 1917 começou a publicar na Revista Vozes4 e, nos primeiros dez anos, já havia publicado cerca de 40 artigos sobre física, biologia, vultos naturalistas, cientistas e músicos
Tomás, “por meio desta atividade, logrou para si uma formação igual à universitária. Embora autodidata, alcançou uma cultura científica bem ampla e ao mesmo tempo equilibrada e profunda”5 . E os cientistas brasileiros assim o reconheceram ao considerá-lo, bem cedo, como um de seus pares. Convidado a ser um dos membros da Academia Brasileira de Ciências, em seu discurso de posse, Frei Tomás Borgmeier assim historiava as origens de seu interesse pelas Ciências: “No ano de 1917 encontrei-me por acaso, em Santa Catarina, com o velho Dr. Hermann von Jhering, que fora por longos anos diretor do Museu Paulista. Falando-lhe do meu plano de estudar as formigas da nossa fauna, ele me animou e me ofereceu a sua biblioteca mirmecológica pelo preço de um conto de réis. Respondi-lhe que achava difícil os meus Superiores concordarem com tão elevada despesa, pois um conto de reis era bastante dinheiro naquele tempo. Qual não foi minha surpresa quando, um ano mais tarde, já de volta a Petrópolis, recebo um grande caixote com livros: era a tal biblioteca. Em carta me explicava o remetente que o pagamento fora feito por um amigo do Rio, que desejava conservar o anonimato. Só muitos
anos mais tarde fiquei sabendo quem tinha sido este amigo anônimo: fora o Sr. Julius Arp, conhecido industrial hoje falecido e que doou a sua coleção de borboletas ao Museu Nacional” 6. No entanto, Kempf pensa que o interesse de Tomás Borgmeier pela entomologia seja anterior a este impulso recebido pelo presente do Prof. Hermann von Jhering. Provavelmente foi influenciado brilhante entomólogo Erich Wasmann (1859-1931), especializado em formigas e térmitas (cupins), que então se projetava na Europa. Profissional no Museu Nacional Em 1920 Frei Tomás recebeu de presente um microscópio binocular da marca “Zeiss” de seu amigo, o Prof. Abreu Fialho, cientista carioca que costumava veranear em Petrópolis. A partir de então sua produção científica foi crescendo, apesar de lecionar Exegese bíblica no Instituto Teológico dos Franciscanos em Petrópolis nos anos 1920 a 1925. Assim, em 1920 publicava seu primeiro trabalho realmente original e científico, “Zur Lebenweise Von Odontomachus affinis Quérin” (Sobre o comportamento e vida de Odontomachus affinis), uma formiga típica da Serra do Mar, vulgarmente conhecida como formiga estrela, ou tuçuíra, In: Zeitschrift für Wissenschaft und Kunst, vol. I, p. 3138, 1920). Orientado pelo cientista jesuíta, Pe. Schmitz, discípulo direto de Wasmann, começou a interessar-se pelos forídeos, pequenas moscas que parasitam formigas. A produção científica de Frei Tomás começou logo a crescer vertiginosamente: publicou quatro trabalhos em 1922 e onze em 1923. O problema era onde publicar para validar suas descobertas. -23
Tomás foi transferido para São Paulo (27/08/1928). Foi muito bem recebido no Instituto Biológico, especialmente pelo amigo Dr. Neiva e pelo chefe da Seção, o professor Rocha Lima. Recebeu um laboratório muito bem instalado e um auxiliar para suas pesquisas. Logo, em torno dele, reuniu-se um grupo de jovens talentosos, que foram iniciados na carreira entomológica; entre eles John Lane, autoridade em mosquitos e futuro professor da Faculdade de Higiene da Universidade de São Paulo, e Mário Autuori, que continuou no Instituto Biológico, deu importantes contribuições para o controle da saúva e, depois, se tornou o Diretor do Jardim Zoológico de São Paulo. A fundação da Revista de Entomologia Chegou a publicar na revista “Vozes de Petrópolis”, uma revista de cultura, lugar inadequado para tais publicações. Frei Tomás admirava muito o biólogo Dr. Artur Neiva, então Diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Sem conhecê-lo pessoalmente, chegou a escrever-lhe sugerindo-lhe que, além dos tradicionais “Arquivos”, o Museu publicasse um Boletim, para agilizar a publicação das pesquisas. Dr. Neiva, que era “um catalizador de competências” (Kempf), logo lhe respondeu e acolheu a sugestão, que também era um desejo seu. Desde então nasceu uma estreita amizade entre os dois, que durou até a morte de Neiva (1934). Com faro que tinha para descobrir talentos promissores, Neiva convidou Borgmeier para trabalhar com ele no Museu Nacional. Com anuência dos superiores, Tomás passou a morar no Convento Santo Antônio (Rio) e assumiu com dedicação exclusiva o cargo de Adjunto do Museu Nacional. No Instituto Biológico de São Paulo Na década entre 1920 e 1930 houve um grave surto da praga da broca dos cafezais, no Estado de São Paulo. Para combater o surto, o Governo do Estado de São Paulo contratou o Dr. Neiva, que fundou ali o Instituto Biológico e criou o centro de pesquisas em benefício da lavoura e da pecuária. Dr. Neiva fez questão de levar consigo Frei Tomás Borgmeier, para a seção de Entomologia. Com anuência dos superiores, -24
Para possibilitar o intercâmbio internacional mais rápido entre cientistas, Frei Tomás fundou em 1931, quando estava radicado em São Paulo, a Revista de Entomologia, que durou até 1951, quando foi suspensa. Foi uma revista científica, em seu gênero, a única no mundo, com assinantes em 21 países e colaboradores que, em sete línguas, publicavam os resultados de seus estudos. Ele mesmo aparece como Redator e Editor da Revista. A Redação começou em São Paulo, mas logo mudou para o Rio de Janeiro, para o Convento de Santo Antônio, onde Frei Tomás passou a residir. Frei Walter Kempf assim descreve a origem da Revista de Entomologia: “O problema de colocar os seus manuscritos continuava a atormentá-lo. As revistas estrangeiras, via de regra, aceitavam somente contribuições pequenas, e as nacionais viviam pelejando para vencer os atrasos impostos pela lentidão do fluxo das verbas. A ocasião que precipitou sua resolução prática se reduz a um caso pitoresco. Nosso conhecido naturalista Frei Miguel Witte, de Rio Negro (PR), sempre pronto para colaborar com os cientistas profissionais, costumava mandar-lhe forídeos que os alunos do colégio seráfico iam coletando, ao passo que a maioria das formigas, resultando das caçadas, ia invariavelmente para outro cientista, amigo de ambos, o professor August Reichensperger, catedrático de zoologia da Universidade de Bonn. Certa feita, os alunos conseguiram capturar duas rainhas de uma espé-
cie de formigas-correição, aliás, uma proeza difícil e raramente coroada de sucesso. Frei Miguel, sem informar a respeito da existência de dois exemplares idênticos, mandou uma rainha para o professor Reichensperger, outra para Frei Tomás. Este verificou com grande entusiasmo que se tratava de um exemplar ainda não descrito, e pôs-se a elaborar o diagnóstico e as ilustrações. Entregou o trabalho para ser publicado nos “Arquivos do Instituto Biológico”, mas teve de esperar um ano para vê-lo impresso. Nesse meio tempo, o Dr. Reichensperger, que igualmente se inteirara da novidade do espécime recebido de Frei Miguel, por sua vez lhe elaborou um diagnóstico que publicou numa revista alemã, que antecedeu a publicação de Frei Tomás por pouco tempo. Apesar da amizade que o ligava ao Dr. Reichensperger (que não suspeitava que Frei Tomás trabalhara o mesmo assunto), Frei Tomás tanto se magoou com a perda da prioridade que, quase obsessionado, pensou numa maneira de assegurar para si a publicação rápida dos resultados obtidos pela pesquisa. A solução encontrada respira a ingenuidade dos gênios, e por ser de gênio até deu certo. Fundou sua própria revista, a “Revista de Entomologia”, que nasceu em 1931 e durou até 1951, quando sua publicação foi suspensa com o 22º volume”7. Reconhecendo seu mérito, o Governo do Estado de São Paulo enviou Frei Tomás Borgmeier, em 1932, como representante oficial do Instituto Biológico ao V Congresso Internacional de Entomologia, realizado em Paris. Na ocasião, encontrou-se com seu antigo mestre em forídeos, o Pe. Hermann Schmitz (jesuíta) e visitou vários museus da Europa, para dissipar algumas dúvidas que tinha sobre forídeos e formigas da fauna do Brasil.
Pais do Frei Tomás
Chefe de Entomologia no Rio Em 1933, a convite do Dr. Neiva, foi nomeado Chefe da Seção de Entomologia do Instituto de Biologia Vegetal do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Residia no Convento Santo Antônio, onde auxiliava nas festas, tocando órgão (era exímio músico) e celebrava a missa todos os dias no Instituto das Meninas cegas, na Tijuca. Mas seu trabalho principal era a pesquisa que desenvolvia num laboratório instalado nos espaços do convento, acima do mausoléu. Seguia com muita disciplina e fidelidade seu lema: “Se queres alcançar uma coisa, deverás deixar todas as outras”. No Instituto de Biologia reuniu em torno de si uma série de alunos, que se tornaram cientistas mais tarde, como Dario Mendes, professor e pesquisador da Universidade Rural e, sobretudo, Hugo de Souza Lopes, que mais tarde passou para o Instituto Oswaldo Cruz. Ele conta um episódio pitoresco sobre seu mestre Frei Tomás: “Certo dia, o chefe veio ao meu laboratório e pediu-me que o ajudasse a procurar uma asa de forídeo, tipo de Enderlein, que ele havia perdido. Raspamos a mesa e todo o chão do laboratório com uma ficha branca, e todo o resíduo encontrado era cuidadosamente examinado na lupa. Depois de algumas horas de trabalho aconteceu que, ao olhar para o dorso da mão de Frei Tomás, vi colada com suor a procurada asa do forídeo”, que não passa de 1 a 2mm.
Em dezembro de 1935 e janeiro de 1936 empreendeu, com seu assistente Hugo de Souza Lopes, uma rara excursão entomológica ao Estado de Goiás. Frei Tomás era mais homem de gabinete e, para suas pesquisas, recebia de colecionadores amigos, de várias partes do Brasil, os espécimes de formigas e insetos, tornando-se assim um excelente e fiel colecionador de forídeos e formigas. Walter Kempf, em sua crônica, lembra um atrito havido no Instituto de Biologia Vegetal, nos anos 1933 e 1934, entre Frei Tomás e o Dr. Ângelo Moreira da Costa Lima, ambos competentes entomólogos. Este último discordou da classificação de uma espécie de formiga, dada pelo Frei Tomás. Isso mereceu uma réplica de Frei Tomás, justificando sua classificação, e uma tréplica de Costa Lima. A reconciliação viria somente em 1947, por ocasião de uma visita do Dr. J. Douglas Hood, professor da Universidade de Cornell e especialista em tisanópteros (os famosos “lacerdinhas”, que quase acabaram com os fícus do Rio). Numa reunião de entomólogos do Rio para a qual Frei Tomás levou o Prof. Hood, estava presente também Costa Lima. Conta Frei Walter, que num gesto tipicamente americano, o Prof. Hood puxou Frei Tomás pelo braço e o arrastou para junto do professor Costa Lima e disse em voz alta: ‘Aqui estão os dois melhores entomologistas do Brasil, e não vivem em paz. Isto não está certo. Deem-se as mãos e sejam amigos!’ E, de fato, desde então, a paz entre os dois voltou a reinar. Diretor da Editora Vozes Em 1941, Frei Tomás Borgmeier demitiu-se do cargo de servidor público no Instituto de Biologia, quando os Superiores o nomearam como Diretor da Ed. Vozes. Esteve à frente da direção da Ed. Vozes até 1952. Neste período fundou, junto com outros Professores de Teologia de Petrópolis, duas revistas publicadas até hoje: Por insistência do Cardeal Leme, que insistia na criação de uma revista para o clero, a ser publicada pela Ed. Vozes, fundou a Revista Eclesiástica Brasileira (REB); logo depois, também, uma revista para religiosas e religioso), a Sponsa Christi”, hoje chamada Grande Sinal. Fiel ao seu lema “se queres alcançar
uma coisa, deverás deixar todas as outras”, Frei Tomás concentrou suas energias na direção da Ed. Vozes e no seu leque editorial, especialmente, as novas revistas. Continuou a redigir pessoalmente a Revista Entomológica, mas sua investigação entomológica, diz Walter Kempf, nos anos entre 1941 e 1945, caiu a zero. Foi também nestes anos (1944) que Frei Tomás, percebendo o talento para a pesquisa científica de um jovem estudante de Teologia, Frei Walter Kempf, conseguiu entusiasmá-lo pelo estudo das formigas e, em 1947, encaminhou-o aos Estados Unidos para especializar-se em Entomologia. Em 1945 faz uma viagem por vários países do Continente Americano, por interesses da Editora Vozes e para entrar em contacto com assinantes e colaboradores da Revista de Entomologia de vários países e centros de estudo. Foi muito bem recebido em todos os lugares. Na Universidade de Washington proferiu uma bela conferência de caráter autobiográfico, na solene sessão em que lhe foi conferido o título Doctor Honoris Causa, no dia 27 de maio(8) . Eis a cópia do título que consta na Crônica do Convento do Sagrado Coração de Jesus (Cr/5, 1945, fl. 53): Curatores Collegii Sancti Bonaventurae apud Allegany Status Neo-Eborensis, omnibus Prasesentes Litteras Visuris Salutem in Domino Ut in virtute et scientiae praecellentes viri, qui in republica peculiari laude ac merito digni habiti sunt, publico aliquo honoris testimonio, hujusce rei significativo, condecorentur, usus ipse academicus inde a remotis temporibus semper postulabat. Nos itaque Praeses et Magistri huius Collegii, ad id muneris a summa reipublica auctoritate delegati, dilectum nobis plurimum Revdum P. Thomam Borgmeier, O.F.M. cujus praecellentiam optime novimus ad gradum DOCTORATUS SCIENTIAE proveximus, simulque omnibus juribus privilegiis atque honoribus ad hunc gradum pertinentibus eum donavimus. Cui rei quo maior sit fides Praesidis hujus Collegii chirographo nostraque communi sigillo hocce diploma a muniendum curavimus. Datum ex aula nostra academica apud Allegany in Statu Neo-Eborensi die XXVII mensis Maii anni MCMXLV. Fr. Thomas Plassmann, O.F.M. Praeses Collegii.
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Por ocasião desta visita, Frei Tomás aproveitou para fazer um giro científico: visitou o Museu Nacional de Washington, as Universidades de Harvard e Cornell, e o Museu de História Natural de Chicago. Ao visitar estas instituições, lançou a ideia de se fundar uma sociedade panamericana de entomologia, oferecendo para isso os préstimos de sua Revista de Entomologia. A ideia foi bem recebida, mas infelizmente não vingou. Renasce a paixão pelas formigas Duas foram as razões para reacender a paixão de Frei Tomás pelos estudos de Entomologia. A primeira delas foi, sem dúvida, sua viagem pelo Continente Americano em 1945, ao visitar assinantes e colaboradores da Revista de Entomologia, Museus e Universidades e, sobretudo, o título “Doctor Honoris Causa” que recebeu na St. Bonaventure University. A segunda, como lembra Walter Kempf, foi a visita do Dr. J. Douglas Hood, professor da Universidade de Cornell e especialista em tisanópteros (“lacerdinhas”), em 1948, que provocou a reconciliação dele com o Prof. Costa Lima. Desde então começou a se interessar novamente pelas pesquisas entomológicas. Levou sua coleção e biblioteca para Jacarepaguá, onde havia comprado para o Abrigo das cegas desvalidas (idosas), cuidadas pelas Irmãs Filhas de Nossa Senhora do Sagrado Coração, que antes funcionava na Tijuca, para crianças e moças. Já desde 1923 quando morava no Convento Santo Antônio do Rio, Frei Tomás as atendia como capelão. No sítio de Jacarepaguá, na velha garagem no fundo do prédio principal, instalou seu gabinete entomológico, com pequeno dormitório e banheiro que também lhe servia de laboratório fotográfico. Durante a semana, aten-
dia a direção da Ed. Vozes em Petrópolis. Nos fins de semana se refugiava no sítio de Jacarepaguá e no seu laboratório. Foi nestes anos, quando tinha 56 anos, que nasceram seus grandes trabalhos, como nos refere Frei Walter Kempf, como as revisões taxonômicas das formigas-correição (1955) e das saúvas (1950, 1959) e, sobretudo, os numerosos trabalhos, todos volumosos, sobre os forídeos. Em 1951 participou do 9º Congresso Internacional de Entomologia em Amsterdam, ocasião em que visitou todos os museus europeus que tinham tipos de formigas-correição. Neste mesmo ano, publicou o 22º volume da Revista de Entomologia, na qual saiu impressa a tese doutoral de seu discípulo Frei Walter Kempf, e comunicou a todos os leitores o fechamento da Revista de Entomologia. A revista renasceria em 1958 com o nome Studia Entomologica, que durou até 1976. Seus Redatores e habituais colaboradores seriam Frei Tomás Borgmeier e Frei Walter Kempf. Em fins de 1952 foi exonerado pelos superiores de seu cargo de Diretor da Editora Vozes, cargo assumido pelo Frei Ludovico Gomes de Castro. A razão era que se ausentava muito da Editora para se dedicar às pesquisas entomológicas em Jacarepaguá. A paixão que renasceu pelos estudos entomológicos fez esmorecer seu interesse pela Editora Vozes. Mais uma vez prevaleceu seu princípio: “Se queres alcançar uma coisa, deverás deixar todas as outras”. Nessa ocasião, o professor Costa Lima, insistiu com o Reitor da Universidade Rural para que convidasse Frei Tomás para trabalhar com ele no Instituto. O convite foi aceito e, com anuência dos superiores, Frei Tomás foi liberado para assumir o cargo. Na realidade, porém, nunca o assumiu, preferindo trabalhar nas pesquisas, no sossego de seu eremitério em Jacarepaguá. Volta à atividade plena
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Afastado da direção da Editora Vozes, Frei Tomás Borgmeier dedicou os seus últimos vinte anos de vida a um trabalho cientificamente ainda mais produtivo. Assim, em 1955, publicou em volume avulso o seu melhor trabalho – escreve Frei Walter Kempf – intitulado Die Wanderameisen der
Frei Tomás já idoso sendo visitado por: Frei Frederico Vier, Frei Boaventura Kloppenburg e (o último jovem à esquerda) Frei Leonardo Boff; a visita aconteceu quando ele, no final da vida, trabalhava no sítio de Jacarepaguá (RJ) .
Neotropischen Region (As formigas-correição da Região Neotrópica, 720 p., 87 pranchas e inúmeras figuras. Em 1958 pôs um ponto final à pesquisa das formigas e doou sua rica e preciosa coleção e respectiva literatura ao seu discípulo, Frei Walter Kempf, para se dedicar aos forídeos: “Chegara a hora dos forídeos. Entre 1956 e 1971 publicou 42 trabalhos sobre forídeos (moscas pequeninas que parasitam as formigas), com cerca de 2.600 páginas, contendo a proposição de 40 gêneros novos e a descrição de 800 espécies inéditas. Nesses estudos já não se limitou à fauna neotropical, i. é, da América Latina, mas enfocou a mundial. Publicou uma extensa monografia sobre os forídeos da América do Norte (1963, 1964, 1965) e contribuiu largamente para o conhecimento dos forídeos da África, da índia e da Austrália. Três viagens consecutivas aos Estados Unidos e à Europa, empreendidas em 1961, 1965 e 1970, serviram-lhe para localizar espécies nos museus e estudá-los nos mesmos, e para conseguir o empréstimo de material que levava consigo para Jacarepaguá. Nesse tempo levou também a bom êxito suas pesquisas bibliográficas sobre as mesmas moscas, das quais resultou o ‘Catálogo Mundial dos Forídeos’, lançado em 1968”9. Ao todo, as publicações Frei Tomás Borgmeier chegaram a 243, perfazendo 5.000 páginas impressas. Tamanho volume de produção científica se compreende dentro dos princípios adotados pelo Frei Tomás, assim resumidos por Kempf: “Frei Tomás não pertencia àqueles que, presos às fantasias mirabolantes, mas inexequíveis, se condenam a si mesmos a uma inércia masoquista. Pelo contrário, ele sempre foi um
homem de produção; os alemães o chamariam de “fáustico”, e a característica de sua atividade, para usar suas próprias palavras, era de ‘tocar a ciência para frente’. Fazia questão de ver publicados os resultados de suas pesquisas e obrigava a seus colaboradores, às vezes usando todos os meios disponíveis de pressão, a fazerem o mesmo. ‘Tudo o que a gente não publica, dizia ele, se leva para a sepultura’. E ele tinha um horror de trabalho e tempo perdido”10. O mesmo Frei Walter Kempf fez uma análise primorosa sobre a vida e a produção científica de seu querido mestre, Frei Tomás11. Pelo seu trabalho científico de grande seriedade e competência Frei Tomás mereceu o reconhecimento do mundo científico nacional e internacional, recebendo várias condecorações: Membro honorífico da Sociedade Brasileira de Ciências, da qual foi co-fundador ; Membro titular da Academia Brasileira de Ciências (27/12/1955); Membro da “Sociedad Entomologica de Argentina; Membro da “American Entomolgical Society” e da “Association of Tropical Biology”. Para concluir este resumo das informações colhidas sobre esta grande e genial figura de pesquisador, religioso e sacerdote franciscano, gostaria de citar a descrição que Frei Tomás Borgmeier da figura e da missão do cientista, no discurso que proferiu durante a Sessão solene da Academia Brasileira de Ciências (27/12/1955), ao ser recebido como membro da mesma Academia12: A figura do cientista na visão de Tomás Borgmeier “Diz o Parecer da Comissão que escolheu os candidatos para os diversos quadros: ‘O ingresso na Academia não é prêmio ao que tenha sido realizado por alguém, embora represente manifesto reconhecimento disto’. Gostei. Sem querer minimizar o valor dos trabalhos realizados pelos meus ilustres consórcios, ouso dizer, sem medo de errar, que os nossos merecimentos são pequenos em comparação com a honrosa distinção que acabamos de receber. O pouco que sabemos é como uma esfera quem quanto mais cresce em circunferência, tanto mais pontos oferece de contacto com o desconhecido. É sobremaneira árdua a tarefa
do investigador. O verdadeiro cientista não se contenta em assimilar o que os outros fizeram antes dele no pequeno campo que explora, mas procura descobrir novas verdades, procura levantar aqui e acolá o véu com que a Natureza avidamente esconde os seus segredos. E a cada passo que avança nesta terra incógnita, surgem novos problemas que reclamam solução, novas dúvidas que precisam ser dissipadas, novas perguntas que exigem resposta. A Ciência é, portanto, uma espécie de martírio, e, por isso mesmo, uma escola de humildade. O verdadeiro investigador se sente pequeno diante da mole imensa dos fatos que constituem o objeto da ciência. O verdadeiro sábio não tem tempo para se vangloriar do que porventura tenha realizado; está, por demais, ocupado com a solução de novos problemas que o torturam e, guiado pelo espírito de objetividade que o anima, não se esconde a si mesmo as lacunas do seu saber. Por isso, foge da publicidade, como Einstein fugia do repórter e do fotógrafo; detesta o ditirambo; é inimigo feroz do panegírico; prefere o silêncio do laboratório aos aplausos estrepitosos; tem mais propensão para meditar calado do que proferir discursos engalanados. Não obstante essas convicções, o cientista é também um ser humano, isto é: social. Ele não vive enclausurado na Ciência como numa torre de marfim, ele não se fecha no seu gabinete como o molusco na concha. Ele procura instintivamente aqueles que lhe são ligados pelos mesmos ideais; em sua companhia ele se sente à vontade porque se sente compreendido; aí se lhe oferece o ensejo de trocar idéias, discutir problemas, arquitetar planos para o futuro. Eis a origem das sociedades científicas. Eis a origem, também, desta Academia”. Profº Frei Ludovico Garmus, OFM
Notas: 2. KEMPF, Walter. Frei Tomás Borgmeier, O.F.M. (* 31 de outubro de 1892 – + 11 de maio de 1975), In: Vida Franciscana, vol. 53, 1976, n. 50, p. 77-96. Nesta crônica, Kempf traz bastante detalhes sobre as atividades e a carreira científica de seu mestre. 3. Nesses anos o 1º ano de Filosofia se fazia em Rodeio, o 2º de Filosofia e o 1º de Teologia em Curitiba, no Convento Bom Jesus, e do 2º ao 4º ano, a Teologia era estudada em Petrópolis, no Convento do Sagrado Coração de Jesus. 4. Em 1917, sob o pseudônimo Mario Lucena, escreve sobre “O telegrapho sem fio”, Vozes de Petrópolis, XI, 1917, p. 937-941. Em 1918, faz uma recensão do livro Instituto Butantan – Collectanea de trabalhos 1901-1917. Typographia do Diário Oficial, São Paulo, 1918, 500 p. ). O livro recolhe artigos científicos, sobretudo, do Dr. Vital Brasil, Diretor do Instituto. Em 1919 já escreve sobre insetos: “A geometria das abelhas e a ‘intelligencia animal’, Vozes de Petrópolis, XIII, 1919, p. 1262-1266. Depois, sobre “Frades naturalistas, Frei Vicente Gredler”, Vozes de Petrópolis, XIII, 1919. Interessa-se também por música: “Edward Grieg (18431907)”, famoso músico norueguês, Vozes de Petrópolis, XIV, 1920, p. 839-843. 5. KEMPF, Walter. Frei Tomás Borgmeier, Vida Franciscana, vol. 53, 1976, n. 50, p. 79. 6. KEMPF, Walter. Frei Tomás Borgmeier, Vida Franciscana, vol. 53, 1976, n. 50, p. 78. 7. KEMPF, Walter. Frei Tomás Borgmeier, Vida Franciscana, ano 53, 1976, n. 50, p. 81-82. 8. A bonita conferência proferida em inglês foi publicada na Revista de Entomologia, vol. 16, fasc. 1-2, p. 261-267, 1945. 9. KEMPF, Walter. Vida Franciscana, vol. 53, 1976, p. 93. 10. KEMPF, Walter. Vida Franciscana, vol. 53, 1976, p. 89-90. 11.Father Thomas Borgmeier, O.F.M., 18921975, in: Studia Entomologica, Petrópolis, vol. 19, 1976, p. 1-37. 12. Discurso na Sessão solene da Academia Brasileira de Ciências (27/12/1955) – Pequenas comunicações, in: Studia Entomologica, vol. 2, fasc. 1-4, setembro de 1959.
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INSTITUTO TEOLÓGICO FRANCISCANO – 115 ANOS Teologia e Sociedade: um olhar retrospectivo
Introdução Como você percebe, o tema proposto para marcar os 115 anos do Instituto Teológico Franciscano – Teologia e Sociedade – sugere uma ação do agente denominado Sociedade com o assunto Teologia. Preparando esta colaboração, personalizamos o assunto Teologia, traduzindo-o por Teólogos e, mais especificamente, por Frades. São eles que, num primeiro tempo e aos poucos, cunham a marca: Instituto Teológico Franciscano. Quanto ao interlocutor Sociedade, entende-o prevalentemente como Sociedade petropolitana, ressaltando, porém, alguns atores da mesma. Acompanhamos este diálogo entre Sociedade petropolitana e Frades do ITF e o representamos em multimídia. Ressaltamos o que entendemos ser memorável, a partir de um olhar retrospectivo. Você é convidado/a para este entretenimento, que consideramos saudável. Abertas assim as cortinas, você talvez pergunte: Quais são os interesses da Sociedade petropolitana e dos Frades para estabelecerem um diálogo, para manterem uma interação? Especificamente, em que ponto ou pontos se dá convergência/divergência de interesses entre os franciscanos do ITF e alguns setores da sociedade petropolitana, dentre eles, principalmente os católicos (ou parte deles)? Antes da conferição, ainda nos permitimos propor-te uma observação: note -28
que as perguntas estão centradas no presente: “Quais são os interesses...”; “em que ponto ou pontos se dá convergência/ divergência...” Então, talvez também seja oportuno lembrar que o olhar retrospectivo enunciado no título, embora “retrospectivo” e “memorial”, parte do hoje, visita o ontem e imagina o amanhã. É o hoje que visita o ontem, de olho do futuro. Nossos pés estão no hoje. E, com efeito, é também o hoje e o amanhã, o presente e o futuro do ITF a aposta desta noite! Dito isto, é com base na memória viva e em registros dos franciscanos (Crônica), que faremos constatações e ensaiaremos observações. Para isso e para início de conversa, podemos distinguir dois segmentos cronológicos no itinerário retrospectivo do ITF: I. Do final do século XIX ao final do século XX; II. Do final do século XX aos inícios do século XXI.
Segmento I: Do final do século XIX ao início do século XX 1ª Constatação: Petrópolis, a polis de Pedro, o segundo
Dom Pedro, o Primeiro (1822), adquire a fazenda Córrego Seco, e Dom Pedro, o Segundo, aí instala sua casa de veraneio e sua segunda sede de governo (1843), hoje: o Museu Imperial. Por causa desta sua decisão, forma-se a cidade de veraneio e de governo, a polis de Pedro, o segundo, no caminho de fazendas de café do Vale do Paraíba e de Minas Gerais, cidade da Serra da Estrela, de clima saudável e também de imigração alemã. República proclamada e Padroado extinto, articula-se a restauração das antigas Províncias franciscanas (OFM) do Nordeste e do Sudeste, iniciando-se pelo Estado de Santa Catarina. Atento, o então internúncio apostólico residente em Petrópolis, Mons. João Batista Guidi, articula a vinda dos Franciscanos para a Cidade imperial, identificando o primeiro e duplo interesse social: atendimento religioso e cultural, a começar pelos imigrantes alemães. Ou seja, os frades deveriam ser: a) assistentes religiosos, atendendo uma carência que, porém, ultrapassa as fronteiras do segmento da imigração alemã [1938 e 1945]; e b) promotores de integração social, facilitando a transição da língua alemã para a portuguesa, da sociedade alemã à brasileira, da expressão religiosa alemã para a brasileira. Mas, como, se os próprios frades são alemães?! 2ª Constatação: A chegada dos frades
Resultado das proposições e dos contatos de Mons. Guidi, aos 16 de janeiro de 1896, chegam frades a Petrópolis, causando alguma surpresa e admiração. São eles: Frei Ciríaco Hilcher, guardião, frei Zeno Walbroehl e Frei Mariano Feldmann. E no dia 02 de novembro do mesmo ano, eis que também chegam jovens
frades, estudantes ainda: seis! Onde foram alocados? Simbolicamente, nas imediações e logo em seguida nas dependências da então igrejinha dos alemães, inaugurada em 1874 – hoje, Igreja-paróquia do Sagrado Coração de Jesus, à rua Montecaseros 95. Ora, a presença de jovens frades pressupõe e pede formação. Nasce, assim, o que, no decorrer dos anos foi sendo identificado como Teologado, Academia Teológica, Centro de Estudo, Faculdade de Teologia, Instituto Teológico Franciscano, hoje com gloriosos 115 anos!
3ª Constatação: Os primeiros movimentos Como dar conta da missão: atendimento religioso e integração social para os imigrantes alemães, sendo os próprios frades, alemães? Frei Estanislau Schaette, chegado em 1897 e com expressiva e variada atuação em Petrópolis, principalmente na área da história, fornece-nos uma preciosa indicação: um volume da Crônica da Fraternidade do Sagrado leva por título: pré-história de Petrópolis, cujas páginas atestam um levantamento da primitiva situação topográfica da re-
gião e um levantamento das sesmarias e de seus respectivos proprietários, da instalação da cidade, da atuação de Júlio Koeller na organização da mesma etc. Ora, mesmo que este volume possa ser a expressão de seu autor, o cronista fr. Estanislau, o que isto poderia sinalizar? Uma possível hipótese é a de uma intencionalidade: conhecer para integrar; aproximar-se para conhecer; conhecer para entender; entender para adequar a missão e – por que não? – compreender para amar e/ou amar para compreender! Pelo conjunto da atividade dos frades, também dos que se ocupam diretamente de ciências teológicas, esta é uma hipótese que poderíamos reter como bastante verossímel. E mais: esta indicação pode ser imaginada como que acontecendo numa estrada de mão dupla. Se aquela mão de ida é significativa de uma estratégia, a mão de retorno é significativa de uma acolhida. Com efeito, com apoio e incentivo de Mons. Guidi, em dois anos se faz e se executa os projetos do que hoje é a ala junto à sacristia da Igreja do Sagrado, parte do atual refeitório e quase toda a ala junto à rua Frei Luís, e com sobra de dinheiro! Doações em grande parte registradas! Doações provenientes não só de imigrantes alemães, que eram relativamente pobres, mas da parte de eminentes personalidades da sociedade petropolitana! O óbvio fica então por conta do apreço e da acolhida recebidos! 4ª Constatação: As primeiras iniciativas dos frades e a marca dos fundamentos Iniciativa 1: Atendimento pastoral No dia 20 de janeiro de 1896, 4 dias após a chegada, Frei Ciríaco estreia, presidindo uma celebração eucarística na Igrejinha do Sagrado. Nascia, então, a primeira marca da presença franciscana, inspirada na imagem bíblica do pastor e em são Francisco, homem todo católico e apostólico: atendimento pastoral. Em seguida, rapidamente, o local físico, o Sa-
Frei Ciríaco Hilcher grado, ganha expressão de centro de irradiação pastoral. Integrado, até 1946, à Paróquia São Pedro de Alcântara, quando esta se tornou sede episcopal e a Igreja do Sagrado, paróquia, os frades se fazem presentes em quase toda a cidade e nos distritos vizinhos, como também em boa parte da Baixada Fluminense, prestando atendimento religioso: administração de sacramentos, liturgia, catequese, fundando e animando comunidades de fé. Hoje, embora territorialmente restritos às atuais dimensões da Paróquia do Sagrado e à Paróquia Santa Clara, mas integrados no contexto social urbano, os frades continuam com esta marca do pastor. Como destaques na memória popular e nesta área de atuação, entre outros, não há como não trazer presente os nomes de: Frei Luiz Reinke. Estimadíssimo, seu falecimento, em 1937, parou a cidade e um busto presencializa sua memória. Incansável e afetuoso em seu zelo apostólico, incentiva a cultura cristã, leciona Teologia sistemática e Direito canônico aos frades, sintetiza em sua pessoa o pastor e o doutor; é reverenciado não só por católicos. Frei Leão Hessling. Três dias de luto por ocasião de sua morte, em 1976, mesmo morando ele, na ocasião, em São Paulo! Sinônimo de caridade e doação ao próximo, seu nome, após 33 anos de atuação em Petrópolis, permanece carinhosa e até folcloricamente no imaginário popular. Imortalizado pelo bico de pena do artista Van Dijk, deixou sua marca na promoção social e -29
religiosa, particularmente no Alto da Serra e nas redondezas. Frei João José Pedreira de Castro (+1962). Natural de Petrópolis, granjeia estima e consideração no coração de seus conterrâneos. É mais um exemplo de aliança entre o doutor e o pastor, entre o estudo e a partilha e vice-versa. Mesmo não tendo concluído sua formação bíblica em razão de problemas de saúde, notabiliza-se como professor e inicia o movimento bíblico nacional, traduz a Bíblia – versão da Ave Maria – e preconiza sua leitura popular. Incentivador de missões populares e inovador, por incluir leigos na pregação missionária. Através de participação popular, de todas as classes sociais, leva a termo a construção do Teatro Mariano e do Trono de Fátima – hoje monumento de fé e turismo –, inaugurado este com presença de autoridades civis e religiosas do Estado do Rio e de Portugal. Iniciativa 2: Educação Facilitar a integração dos filhos dos imigrantes alemães, através da educação, é outra parte da missão (inicial) confiada por Mons. Guidi aos franciscanos. Em 1897 os frades assumem a bandeira da resposta à demanda já detectada principalmente entre os imigrantes alemães pelo Pe. Teodoro Esch, pároco da Paróquia de São Pedro de Alcântara. Abrigada, inicialmente, junto ao Convento, a escola é transferida, alguns anos depois, em 1907, para o outro lado da atual rua Frei Luís, e finalmente, em 1991, para a atual sede à rua Santos Dumont. Resultado da parceria entre frades e leigos, está hoje integrada, em condições semelhantes, à rede escolar Bom Jesus, de Curitiba. Inicialmente batizada como Escola Gratuita São José, gerou um filho, que de tão famoso, transferiu-lhe o nome: Escola dos Canarinhos, e hoje, em função da integração com o Centro Universitário Bom Jesus, de Curitiba: Bom Jesus-Canarinhos. O coral dos Canarinhos, rebento novo de
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ensaios anteriores, vem à luz do dia no ano de 1942 e, no ano seguinte, por ocasião do Congresso Eucarística Nacional realizado em Petrópolis, tem destacada participação. Fazem parte, hoje, de um Instituto próprio, o Instituto dos Meninos Cantores de Petrópolis, na Escola Bom Jesus-Canarinhos, e dão origem, a outros corais dentro da mesma instituição. Com satisfação registra-se sua benéfica influência para que Petrópolis seja uma cidade agraciada com vários corais de qualidade e, agora, com educação musical nas escolas municipais.
Nesta trajetória, se, por um lado, realce deve dado à interação do corpo gestor e docente integrado por frades e leigos, não há como renunciar à satisfação de destacar o criador dos Canarinhos e por longos anos seu maestro-regente, Frei Letro Bienias (+ 1988). Ele lhe imprime o caráter religioso e cultural no repertório de suas atuações. Também é dele, frei Leto, a fundação do Instituto dos Meninos Cantores. Internacionalmente conhecido e estimado, o coral contribui esta noite com mais um capítulo para a história viva e atual do ITF e para a sua própria. Iniciativa 3: Comunicação através da imprensa Com a finalidade de confeccionar e imprimir material didático para a Escola Gratuita São José, em 1899, Frei Ciríaco adquire uma incompleta e abandonada impressora alauzet, que, concertada por frei Inácio Hinte, entra em ação
em 1901, integrando o pequeno conjunto denominado Tipografia da Escola Gratuita São José. Logo, porém, este objetivo inicia sua trajetória de ampliação, de relativa autonomia em relação à Escola e de atualização, até hoje. Em 1907, dá-se início à publicação de um periódico de caráter cultural e religioFrei Inácio Hinte so – Vozes de Petrópolis –, inspirado na revista alemã Stimmen aus Maria Lach. E a publicação passa a ser tão conhecida que, a partir de 1911, provoca a mudança de nome da Tipografia, para Administração das Vozes de Petrópolis, bem como sua transferência dos porões do Convento para o outro lado da atual Rua Frei Luís. Finalmente, em 1939, a Administração passa a se denominar Editora Vozes Ltda. À semelhança da comunicação eletrônica de hoje, também a Vozes, a partir das duas faces de seu editorial: a cultural e a religiosa, leva o nome de Petrópolis, particularmente dos frades ligados ao Instituto, para os mais distantes recantos. Através da editora, os frades promovem uma campanha pela boa imprensa, estabelecem contato com inúmeros autores, editam periódicos, dos quais a Revista Eclesiástica Brasileira (antiga Cor), Grande Sinal (antiga Sponsa Christi), Serviço de Documentação (SEDOC), além de parcerias com os periódicos Estudos Bíblicos, Ribla e Concilium, que estão em pleno andamento.
Sempre em estreita relação com o Instituto, os frades lideram nos anos 60, no mundo, à exceção feita por Roma, a divulgação do Concílio Vaticano II. Em função da crônica do Concílio elaborada pelo então Frei Boaventura Kloppenburg, perito conciliar, da publicação dos documentos conciliares, em diversas versões, e de inúmeros estudos em forma de artigos e livros, com acerto, a Vozes é denominada Editora do Concílio.
Em decorrência de toda a atividade editorial, ganha o acervo da Biblioteca, ao mesmo tempo em que esta lhe serve de suporte. Alguns nomes se destacam: Frei Pedro Sinzig (+1952), também ele Diretor, a partir de 1908, muito ativo, animador da Liga da Boa Imprensa e do Centro da Boa Imprensa, a fim de implementar a comunicação impressa e o cinema e direcioná-los de acordo com valores cristãos. De sua pena, 37 obras de literatura, história e arte, e 67 composições musicais – e com a execução de uma delas os Canarinhos nos brindam esta noite; fundador, em 1941, da Revista de Música Sacra, única em seu gênero no país – hoje não mais editada. Frei Tomás Borgmeier (+ 1975), diretor de 1941 a 1952, há pouco homenageado neste espaço pelo XX Simpósio de Mirmecologia e I Encuentro de Mirmecologistas de las Américas, além de renomado entomologista e fundador da Revista de Entomologia (extinta), também o é da Revista Eclesiástica Brasileira e da Sponsa Christi, revista de espiritualidade inicialmente para religiosas e hoje para todos os interessados, sob o nome de Grande Sinal. [Leia mais na p. 23] Frei Ludovico Gomes Mourão de Castro (+1992), diretor da Editora, formado em Teologia, destacado administrador, clarividente e corajoso editor nos tempos do Concílio Vaticano II e da restrição à imprensa no Brasil, destacando a conjugação entre o editorial cultural e o religioso. Iniciativa 4: Formação teológica É inegável que toda a atividade, enquanto resposta a um chamado, traz, por
um lado, o incansável desejo de conhecer e compreender quem chama e, por outro, a dedicação em anunciar seu nome. Dito de outra forma, este dinamismo se expressa, por um lado, no estudo e estudo acadêmico, e por outro, na evangelização. Estudo e estudo acadêmico, como resposta ao chamado e apelo para buscar a razoabilidade da fé; evangelização – divulgação explícita e atuação pela caridade –, como resposta ao envio.
E mais: uma vez que foram enviados jovens em estágio formativo, já em novembro de 1896 tem início a atividade propriamente teológica, que naqueles tempos, informais, denomina-se Humanidades. O estudo teológico decorrente da própria vocação e da presença de jovens frades a serem iniciados, ou seja, a busca da razoabilidade da fé, é o segredo da visibilidade do atendimento pastoral, da ação litúrgica, da promoção social principalmente através da Escola Gratuita São José, da comunicação religioso-cultural através da Editora Vozes, e da instituição que, aos poucos, ficaria conhecida como Instituto Teológico Franciscano. Durante pouco mais de 100 anos o centro físico de oração e reflexão é o Convento do Sagrado. Gerações se formam e renovam a atuação franciscana e da Igreja no Sudeste, alcançam e ultrapassam as fronteiras do Brasil, difundindo-se suas vozes um pouco por toda parte, através de assessorias, da pregação, da atividade literária e outras. É uma honra lembrar brevemente alguns expoentes que exemplificam a determinação pelo estudo acadêmico, como caminho da razoabilidade da fé e da ação: Frei Mariano Wintzen (+ 1943): estudioso, erudito e dedicado professor de Teologia sistemática, bem como de Exegese, Liturgia, Homilética, Teologia pastoral, além de músico e reitor. Polivalen-
te, sabe harmonizar estudo e atividade pastoral: a história da comunidade de fé N.S. Auxiliadora, do Bingen, bem como a de S.J. do Meriti, na Baixada Fluminense e arredores, que o digam! Amava tudo o que fazia e, por isso, fazia-o bem, com entusiasmo e vice-versa. Admirador de Duns Scotus. Frei Aleixo Voelkert (+1957), professor de Teologia moral e Direito canônico, por 23 anos. Lúcido, seguro, de profundo sentir humano e caridoso, ligou seu nome à assessoria moral; na REB está a marca do estudo de questões de teologia pastoral. Frei Mateus Hoepers (+1983), formado em Exegese bíblica, também lecionou outras disciplinas teológicas, como Direito canônico, Teologia fundamental e moral. Mas é na área bíblica e na atuação junto à Ordem Franciscana Secular que se distingue. É dele a tradução do NT diretamente do grego. Junto com Frei João José Pedreira de Castro, Frei Simão Voigt (+ 2002) e outros, é um dos expoentes do ensino da Sagrada Escritura e da difusão da Palavra de Deus. Frei Constantino Koser (+2000), reconhecido professor de Teologia e de Mariologia (sempre com acento franciscano-escotista), incentivador do estudo e organizador da biblioteca que leva seu nome; Ministro geral da Ordem dos Frades Menores e Padre conciliar, de projeção nacional e internacional. Frei Boaventura Kloppenburg (+2009), ardoroso defensor da fé católica, perito do Concílio Vaticano II, eminente divulgador do mesmo pela imprensa e pela palavra;
Frei Constantino Koser -31
participante de Sínodos, de Conferências do Celam, exímio e reconhecido professor de Teologia sistemática, fecundo escritor, também de projeção nacional e internacional.
Segmento II: Do final do século XX aos inícios do século XXI. Constatação 1: A marca deste segmento A partir das décadas de 50 e 60 do século passado, foi tomando corpo a necessidade de se buscar uma melhor adequação de espaço físico para as diversas iniciativas abrigadas em torno do Sagrado. As estruturas físicas existentes já não comportam adequadamente a atividade acadêmica, a biblioteca, o Convento – super lotado –, a Editora Vozes, a Paróquia do Sagrado, a Escola e o Coral e o Instituto dos Canarinhos. Além da própria evolução social, a renovação conciliar e o nome já granjeado pelo conjunto da atividade dos frades de Petrópolis contribui para atrair estudantes de outras entidades religiosas, franciscanas ou não, masculinas e femininas. Além disso, do final da década de 1960 até meados dos anos 80, ao Curso de Teologia foi somado também o de Filosofia. Por isso, cerca de 160 estudantes ocupam os espaços físicos, que eram os de 1920 e de 1930. Mas, além da equação física, assim como foi o Vaticano II para a Igreja, uma re-significação das iniciativas embala os sonhos. Constatação 2: Desfechos Como desfecho desse quadro e dessa perspectiva, a solução aos poucos encontrada é a seguinte: a) O Curso de Filosofia é novamente transferido para Curitiba, especificamente para Rondinha-Campo Largo, a 30 km da capital, num espaço novo, amplo e a partir de um conceito mais personalizado, traduzido na forma de se morar em módulos. b) Para a Escola Gratuita São José e o Instituto dos Meninos Cantores – os Canarinhos –, aos poucos, constroi-se nova, ampla e adequada -32
sede à Rua Santos Dumont. Posteriormente, como já foi acenado, Escola e Instituo dos Canarinhos são agregados à rede educacional Bom Jesus, de Curitiba, sob nova denominação: Bom Jesus-Canarinhos. O Instituto dos Canarinhos, mantém sua tradição, mas não é mais diretamente administrado pelos freis; e a Escola, dos frades tem a orientação geral que lhe vem de Curitiba.
c) A Paróquia do Sagrado ganhou feições mais definidas de paróquia e foi redimensionada em sua extensão, com a criação das paróquias de Santa Rita, do Castrioto, e de São Judas Tadeu, do Mosela.
d) A Editora Vozes, depois de um ensaio em função de uma maior autonomia em relação ao Instituto de teologia, voltou ao elo original que a relaciona estreitamente ao Instituto – são frades professores que a administram – e, por outra, encontra na nanotecnologia e na informática uma solução técnica e espacial para permanecer, como editora e gráfica em seu primitivo espaço. e) O Instituto Teológico Franciscano, juntamente com o corpo de professores, após acerto com os Cônegos Premonstratenses e as devidas adaptações, remodelações e acréscimos de estrutura física no antigo colégio São Vicente, passa a nele dispor de sua sede própria, com novas e amplas dependências, em particular para a biblioteca. Em função de uma melhor distinção de atividades e autonomia, foi criada a paróquia Santa Clara, no territó-
rio do Instituto e confiada aos frades do mesmo, mantendo assim, também neste aspecto, a relação entre estudo e interação eclesial e social. Pertencente à Província Franciscana da Imaculada Conceição, com sede em São Paulo, o Instituto abriga a Faculdade de Teologia, que, a partir de 2006 é reconhecida pelo MEC e afiliada à Pontifícia Universidade Antonianum, de Roma. Por isso, os diplomas expedidos são reconhecidos pelo MEC e pela Comunidade Europeia, em função do Acordo de Bologna. O conceito 4, sobre 5, emitido pelo MEC à Faculdade de Teologia significa: muito bom. Além da Faculdade, o Instituto mantém o Curso do Master em Evangelização, um curso intensivo de 8 meses; mantém o curso lato sensu em Espiritualidade, Ecologia e Educação, nos meses de janeiro; mantém cursos de extensão, semestrais e noturnos, abordando temas de interesse religioso-cultural. Promove noites culturais, como esta, com temáticas de fundo cultural-religioso. Todos os cursos são abertos à participação de todos e ministrados pelos professores do Instituto, com a participação de professores de outras entidades ou convidados. O Instituto mantém uma filosofia de estudo e ensino aberta ao diálogo ecumênico, interreligioso e social. Mantém a perspectiva de interagir sempre mais com a Conferência Franciscana dos Menores do Brasil e com a Família Franciscana do país; de maneira semelhante, o mesmo vale em relação a outras iniciativas de interesse da sociedade e da Igreja, como, p. ex., a possibilidade de um curso lato sensu de liturgia e música sacra.
Conclusão: algumas observações a) Evolução. O percurso destes 115 anos confirma que o primitivo Centro de estudos, o atual Instituto Teológico Franciscano, evolui. Até o final da década de 1910, a formação teológico-pastoral tem acento caseiro, conta com os recursos
humanos possíveis, conta com o exemplo prático; a partir desta data constata-se a decisão de buscar preparo acadêmico fora do país para os professores – política que continua ainda hoje, embora também haja possibilidades no Brasil e se faça uso delas. Ademais, no decorrer destes 115 anos, a composição humana dos professores e dos estudantes evolui da predominância alemã para uma quase exclusividade de brasileiros; o Instituto evolui de uma escola teológica voltada exclusivamente para a formação dos próprios quadros, para uma escola teológica voltada também para estudantes de outras entidades franciscanas, congregações, clero secular e leigos, do Brasil e do exterior; evolui de um centro de estudos onde só estudavam homens, para um centro acolhedor de homens e mulheres, clérigos a leigos; evolui de uma escola teológica particular, para uma faculdade eclesial e pública.
b) Caminho compartilhado. Embora aqui pouco abordado, o pensar teológico acompanha o Concílio Plenário Latinoamericano (1899), o Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-65), as Conferências latimoamericanas de Medellín (1968), Puebla (1979), Santo Domingo (1992) e Aparecida (2007); passa por acentos teológico-pastorais diversos, como o da reconquista da sociedade através da Ação Católica, o do diálogo inspirado pelo Vaticano II, o da teologia da libertação, o do amplo pluralismo religioso e social e o da missão continental de Aparecida. Perpassa estes tempos e acentos, sempre, porém, com um norte: uma grade curricular que espelha a opção de aliar disciplinas teológicas com humanas, espírito científico com franciscanismo, fidelidade à tradição teológica com constante atualização. c) Caminho integrado. Propositalmente, não nos limitamos a evocar pro-
fessores, estudantes, o Instituto Teológico em si mesmo e, o mais importante, a atividade acadêmica propriamente dita. E isto, porque estamos convencidos de que, se assim fizermos, teremos, sim, algum resultado didaticamente bem definido, mas, isolaríamos os estudos e a própria instituição de seu contexto vital. Pois, nenhum professor é exclusivamente professor; nenhum estudante é somente estudante, embora se possa assinalar diferenças. Uma atividade está estreitamente ligada à outra. Romper esta relação é romper o elo vital entre modo de vida e estudo, entre estudo e evangelização. Se assim fizermos, cremos que retiraríamos do Instituto uma sua característica própria, diminuiríamos o alcance de uma expressão popular, pela qual, de diversos e distantes lugares, muitas pessoas caracterizam os frades, professores e estudantes incluídos, assim: “Os frades de Petrópolis”, “Os franciscanos de Petrópolis”, ou simplesmente, “Petrópolis”. Parece que aqui temos a indicação de um conceito abrangente, de uma linha de pensamento e de ação comuns, de uma determinada eclesiologia comum, de uma determinada maneira de estar com as pessoas, achegada aos tempos e aos lugares culturais e sua evolução, própria do carisma franciscano. Além disso, os frades moram, por longos tempos, num mesmo conjunto físico, e estudantes e professores levam, basicamente, o mesmo estilo de vida. Cremos, pois, que esta integração e interação, este espírito de família e de equipe de estudo e trabalho justifica nossa opção de situar o Instituto em seu contexto vital, o estar como fraternidade no contexto da sociedade humana, na sua pluralidade, e com ela interagir. É esta uma opção interpretativa que fazemos em função da atividade acadêmica, social e eclesialmente situada.
d) Continuidade na mudança. Depois de 115 anos, o Instituto tem a grata satisfação de constatar que, evoluindo, é movido pelo mesmo vigor e pela mesma clarividência iniciais. Partindo do pressuposto de que a fé interpela o intelecto, busca através de boa qualidade de estudo e de ensino acadêmicos, fazer jus à sua vocação franciscana e eclesial de buscar a paradoxal razoabilidade da fé e de, assim, contribuir para o bem do ser humano e de toda a criação. Ao ser transferido para esta sede, o Instituto ganha maior autonomia em relação às outras iniciativas evangelizadoras dos frades, mas, através da reflexão acadêmica, continua sendo um privilegiado parceiro na busca de plausibilidade da evangelização seja dos frades, da Igreja e de toda pessoa de boa vontade. A autonomia é, pois, relativa. Antes, tende a reforçar as bases da evangelização à medida que mantém e reforça o bom nível do estudo e, portanto, tende a reforçar os laços que interligam os frades e, porque não, toda a ação da Igreja católica e de pessoas amantes da paz e do progresso humano. A autonomia convida o Instituto a permanecer em sua raiz franciscana, e também por isso, a ouvir todo ser humano e toda criatura e a prestar-lhe sua colaboração em vista do Reino. Portanto, se, num olhar retrospectivo, o Instituto passa por tantos momentos diferentes e sabe situar-se em todos eles, estar neles e neles ser fermento de renovação, então há fundada esperança de que poderá sê-lo no presente e no futuro. Por isso, a inspiração de 115 anos é suficientemente forte para reequilibrar eventuais hesitações e confirmar a força criadora e integradora do Evangelho. Frei Elói Dionísio Piva, OFM (Historiador)
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Curso de Extensão A Palavra de Deus e o Livro
No dia 06/09 o curso de extensão “A Palavra de Deus na Vida e na Missão da Igreja” reservou, aos participantes, o tema: Sagrada Escritura, inspiração e verdade; apresentado por Frei João F. Reinert* e Frei Clauzemir Makximovitz*. Este tema nos apresenta grandes questões intrínsecas e problemáticas muitas vezes difíceis de serem assimiladas logo num primeiro contato, visto a seriedade do tema e as inúmeras consequências decorrentes de qualquer interpretação assumida. Frei Clauzemir iniciou a primeira parte da noite dando o primeiro grande passo para uma compreensão destes dois axiomas: tomar consciência de que a Bíblia, por ser inspirada por Deus, exerceu sempre uma grande inspiração no povo. A Bíblia não é um documento histórico, mas reflete a consciência do povo em seu contexto histórico na busca de sua fidelidade à revelação da Aliança de Deus. Era necessário fixar esta consciência e na raiz destes escritos está a vontade do povo de ser fiel e de continuar e conservar o que expressasse a consciência do povo. Isso explica o porquê de tantas repetições, incertezas, contradições e inconsistências histórias. Os escritos eram uma espécie de diário ou memória do povo e funcionavam como catalisadores. Eram marcos, indicando a direção da estrada que o povo ia seguindo. Pelos escritos, tornava-se cada vez mais claro e transparente o desígnio de Deus na história do povo e crescia nele a consciência: nossa -34
vida e história estão nas mãos de Deus, movidas por Ele para um futuro certo. Compreende-se assim a grande inspiração que esses escritos começaram exercer no meio do povo e a autoridade sempre maior que foram adquirindo, por causa do valor que representavam para a vida de fé do povo. Apontavam a fonte, o eixo e o objetivo da vida. Mas nem todos os escritos tinham o mesmo valor. Os que mais de perto exprimiam a sua fé acabaram sendo reconhecidos como Livros Santos (1Mac 12,9) e como Sagrada Escritura (2Tm 3,15).O olhar de fé tira um raio-X e revela algo bem real, que a fotografia comum da ciência não revela nem consegue revelar. Ele olha por trás das palavras e dos fatos. Essa fé na autoridade divina dos escritos cresceu lentamente. Num dos últimos livros do Novo Testamento, 2Tm 3,16, aparece um elemento novo que completa essa longa evolução. Aí se afirma, pela primeira vez, que toda a escritura é inspirada por Deus. Mas enfim o que vem a ser na mente do NT essa inspiração divina, essa ação do Espírito Santo que influiu até no ato de escrever? O fim que chegou explica o começo, ou seja, a resposta é o Espírito de Deus que conduz para Cristo pela força do Espírito que opera em toda a vida. Assim sendo a Boa Nova é para todos e a salvação é também universal. Na humanidade inteira existe o traçado da inspiração a ser descoberto pelo homem. Entretanto, não há um caminho definitivo e exclusivo... Um critério seguro e acabado... Deus explicitou um dentre tantos possíveis traçados históricos para levar os povos ao Cristo, mas não é o exclusivo, daí a Boa Nova ser a todos os povos. Na segunda parte, Frei João F. Reinert apresentou a temática com um olhar
atento para a questão da verdade, olhando as implicâncias de uma grande questão: os livros são inspirados por Deus porque ajudam na vivência da fé; ou ajudam na vivência da fé porque são inspirados? Uma sutil diferença. A Bíblia tem autoria de Deus e uma dimensão de autoria humana. “Na redação dos livros sagrados Deus escolheu homens, dos quais se serviu fazendo-os usar suas próprias faculdades e capacidades, a fim de que, agindo Ele próprio neles e por eles, escrevessem, como verdadeiros autores, tudo e só aquilo que Ele próprio quisesse” (DV 11). A inspiração não elimina nem substitui a plena, livre e consciente atividade do autor humano. Não é ditado, mas uma realidade plenamente divina e humana, ligadas, mas não confusas. Deus é o autor principal, determina o conteúdo, mas leva em conta a historicidade humana, os gêneros literários, as circunstâncias. “Portanto, já que tudo o que os autores inspirados ou os hagiógrafos afirmam deve ser tido como afirmado pelo Espírito Santo, deve-se professar que os livros da Escritura ensinam com certeza, fielmente e sem erro a verdade que Deus em vista da nossa salvação quis fosse consignada nas Sagradas Escrituras” (DV 11). Mas a Verdade é uma construção de um processo ao longo da história. Vai se aperfeiçoando. A Bíblia não pretende revelar-nos os segredos da natureza. Ela nos dá um ensinamento sobre as origens da criação, do ser humano, como também do fim do universo. Daí a importância da hermenêutica que é a de fazer a distinção entre mensagem religiosa e o veículo cultural portador desta mensagem. Aí está a inerrância da Bíblia. A escritura inspirada é aquela que nos é transmitida e entregue pela Igreja como comunidade interpretante e que nos ajuda a ser fiéis a Deus. * Frei João F. Reinert é doutorando em Teologia e professor de Teologia sistemática na Faculdade de Teologia – ITF. * Frei Clauzemir Makximovitz é frade franciscano, graduado em Filosofia e estudante do Curso de Teologia – ITF.
A Palavra de Deus e o Livro
Colocarei minha lei no íntimo e escreverei em seu coração. Então eu serei seu Deus e eles serão meu povo. Eles não terão mais que instruir seu próximo ou irmão, dizendo: ‘Reconhece o SENHOR!’, porque todos me conhecerão, dos menores aos maiores – oráculo do SENHOR – porque perdoarei sua culNo dia 13 de setembro o curso de pa e não mais me lembrarei de seu extensão sobre a Sagrada Escritura pecado” (Jeremias 31, 31-34). teve como tema “A Bíblia Cristã e o Novo Testamento”, por Frei AntôA novidade da Aliança decorre nio Everaldo Palubiack Marinho e de três aspectos: o primeiro diz Frei Marcel Freire da Silva. da iniciativa divina do perdão dos O Título Novo Testamento provém de um oráculo de Jeremias que fala de uma “nova aliança” (Jr 31,31). Na tradução chamada Septuaginta (dos Setenta sábios), tornou-se nova disposição, novo testamento: “Virão dias – oráculo do SENHOR – em que firmarei com a casa de Israel e a casa de Judá uma aliança nova. Não como a aliança que firmei com seus pais no dia em que os tomei pela mão e os libertei do Egito, aliança que eles mesmos romperam, embora eu fosse o seu Senhor – oráculo do SENHOR! Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel depois desses dias – oráculo do SENHOR.
seu povo (Ex 24,4-8), assim sobre a cruz o sangue da vítima perfeita, Jesus, selaria a “nova” aliança entre Deus e os seres humanos (Lc 22,20), a qual os profetas tinham anunciado (Jr 31,31) [nota da Bíblia de Jerusalém].
Desde o início da pregação de Jesus, os ouvintes ficam impressionados pela novidade do seu ensinamento: “Ficaram todos tão espantados que perguntavam uns aos outros: ‘O que é isso? Uma doutrina nova, dada com autoridade! [...]’” (Mc 1,27). “Todos se puseram a falar dele e, maravilhados das palavras cheias de graça que saíam de sua boca, diziam: ‘Não é este o filho de José?’” (Lc 4,22). Assim é chamado de Novo Testamento conjunto de escritos que exprime a fé da Igreja na sua novidade: o testemunho a respeito de Jesus de Nazaré deixado pelos Apóstolos e seus discípulos imediatos: os documentos que a Igreja dos primeiros séculos, guiada pelo Espírito, reteve como referência e expressão fundamental da revelação de Deus que se deu em Jesus de Nazaré como Cristo (Messias), Filho de Deus e Salvador do mundo.
pecados (Jr 31,34; Ez 36,25.29; SI 51,3-4.9); o segundo da responsabilidade e da retribuição pessoais (cf. Ez 14,12ss.); e o terceiro diz da interiorização da religião, onde a Lei deixa de ser carta puramente exterior para tornar-se inspiração que atinge o “coração” do ser humano(Jr 31, 33; 24,7; 32,39), sob a influência do Espírito de Deus, que dá ao “homem um coração novo” (Ez 36,26-27; SI 51,12; cf. Jr 4,4ss.) capaz de “conhecer” a Deus (Os 2,22ss.). Esta aliança nova e eterna, proclamada novamente por Ezequiel (Ez 36,25-28), pelos últimos capítulos de Isaías (Is 55,3; 59,21; 61,8; cf. Br 2,35) e vivida no SI 51, será inaugurada pelo sacrifício do Cristo (Mt 26,28), sua realização será anunciada pelos apóstoOs Escritos do Novo Testamento los (2Cor 3,6; Rm 11,27; Hb 8,6-13; são 27 livros, que podemos dividir em quatro partes, seguindo a cons9,15s.; 1Jo 5,20ss.). trução paralela do Antigo/Primeiro Em outras palavras, como outro- Testamento, da Bíblia cristã: ra no Sinai o sangue das vítimas selou a aliança do SENHOR com o -35
Paralelo entre Antigo ou Primeiro Testamento – Novo ou Segundo Testamento Antigo Testamento Novo Testamento I Fundamentação Torá/Lei (5 Livros) Evangelhos (4 Livros) II passado Livros históricos (16) Atos dos Apóstolos (1) III presente Livro sapienciais (7) Epístolas apostólicas (21) IV futuro Livros proféticos (18) Apocalipse (1) Total (46) (27) A primeira parte do NT é constituída pelos evangelhos que levam os nomes de Mateus, Marcos, Lucas e João, e os Atos dos Apóstolos, que são na realidade a segunda parte do Evangelho segundo Lucas. As Epístolas Apostólicas ou popularmente conhecidas como “as Cartas” estão organizadas das seguintes formas: Romanos, 1 e 2 Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, 1 e 2 Tessalonicenses, 1 e 2 Timóteo, Tito, Filêmon (que são as Epístolas Paulinas); e, Hebreus, Tiago, 1 e 2 Pedro, 1, 2 e 3 João, Judas (que são as Epístolas Católicas). Para escrever o Novo Testamento os autores bíblicos utilizaram a língua grega, esta usada também para as traduções do Antigo Testamento, sobretudo as dos Setenta (Septuaginta). O grego utilizado era o koiné, ou seja, a língua única, comum, que substitui no período de Alexandre Magno (333 a.C.) até cerca de 500 d.C., a pluralidade original dos vários dialetos gregos. Trata-se do grego helenístico que era falado e escrito no tempo do helenismo (a cultura que se formou em consequência das conquistas de Alexandre Magno, por uma influência recíproca das civilizações oriental e grega). A língua grega (a koiné) por uma simplificação paulatina em compa-36
ração com o grego clássico, e, por uma pluriformidade bastante rica foi apta para se tornar a língua internacional do período helenístico, facilitando certamente a expansão do cristianismo.
No Novo Testamento, o uso do grego varia muito de um autor para outro: Lucas, de quem esta era provavelmente sua língua materna, sabe escrever um grego literário, culto, como aparece no prólogo de seu evangelho e diversos trechos dos Atos dos Apóstolos (também escrito por ele). O grego da epístola aos Hebreus é melhor ainda, mas com influência da tradução Septuaginta. Na mesma qualidade, mais ou menos, estão Tiago e 1Pedro; Mateus escreve numa linguagem digna, mas de feição mais semítica; Marcos tem um estilo vivo e mais “popular”. No Livro do Apocalipse, cujo autor escreve um grego muito curioso, o grego de João faz uma impressão pouco grega, com estilo curiosamente religioso. Paulo, nascido na diáspora e provavelmente desde menino familiarizado com a
língua grega, escreve uma linguagem mais emocionada e matizada e domina muito mais do que João os recursos do grego. A Constituição Dogmática “Dei Verbum”, Documento do Concílio Vaticano II (1965), assim trata da Sagrada Tradição e da Inspiração Divina da Sagrada Escritura: “Pela Tradição [pregação apostólica, ensinamentos dos Santos padres] torna-se conhecido à Igreja o ‘Cânon completo dos livros sagrados’, e as próprias Sagradas Escrituras são nela cada vez mais profundamente compreendidas e se fazem sem cessar atuantes [...] A Santa Mãe Igreja, segundo a fé apostólica, tem como sagrados e canônicos os livros completos tanto do Antigo como do Novo Testamento, com todas as suas partes, porque, escritos sob a inspiração do Espírito Santo (cf. Jo 20,31; 2Tm 3,16-17; 2Pd 1,19-21; 3,15-16), eles têm em Deus o seu autor e nesta qualidade foram confiados à Igreja”.
*Frei Antônio Everaldo P. Marinho é doutor em Exegese Bíblica e professor de Sagrada Escritura na Faculdade de Teologia – ITF. * Frei Marcel Freire da Silva é frade franciscano, graduado em Filosofia e estudante do Curso de Teologia – ITF.
A Palavra de Deus e o Livro No sexto dia do curso de extensão A Palavra de Deus na Vida e na Missão da Igreja, tivemos a participação ilustre de Sua Excelência o Senhor Bispo Diocesano de Petrópolis, Dom Filippo Santoro*, falando sobre sua participação no Sínodo que precedeu ao texto da Verbum Domini, texto-base deste curso de extensão. Explanou a estrutura e o conteúdo do texto produzido e destacou algumas novidades nele presentes. Sobre o assunto, Dom Filippo também publicou um artigo na REB1 (Revista Eclesiástica Brasileira). Em outras palavras, Dom Filippo discorreu sobre o que vem a ser esta denominação “Exortação Apostólica”, diferenciando-a de uma Encíclica, que é um pronunciamento solene e abrangente sobre algum determinado tema; na Exortação Apostólica, ao invés, o Papa trata de algum aspecto mais específico da fé; é distinta também de uma Exortação pura e simples e ou de outras categorias de pronunciamentos. Na ocasião, estave em foco, porém, a Exortação Apostólica pós-sinodal, ou seja, produzida depois do sínodo dos Bispos (2008), Verbum Domini. Dom Filippo falou de sua experiência no evento do Sínodo, que o tocou de maneira profunda e feliz. Segundo Dom Filippo,
o Sinodo produziu grandes frutos e uma experiência belíssima de diálogo ecumênico e inter-religioso, bem como de renovação da fé, em suma, no que temos de mais comum e essencial: a Palavra de Deus em todos os aspectos da vida de fé, na vida da Igreja e na vida social em que todos estamos inseridos. Em seguida, Dom Filippo Santoro apresentou a estrutura interna da Exortação, que compreende três partes: Verbum Dei (Palavra de Deus, em si), Verbum in Ecclesia (a Palavra, na Igreja), Verbum Mundi (a Palavra, no Mundo); 282 citações bíblicas e diversas citações dos Santos Padres da Igreja sinalizam a referência bíblica e patrística. Dom Filippo destacou algumas características de cada parte do documento. Na primeira parte, retomando a constituição Dogmática Verbum Domini do Concílio Vaticano II, a “Palavra de Deus”, o destaque é dado ao Verbo encarnado. Muito mais do que palavras reunidas pelas comunidades de fé dos primeiros séculos sob a inspiração de Deus, a Palavra de Deus é a pessoa de Jesus Cristo, vivo e eterno no Pai e que se faz contemporâneo a nós através da história da Salvação, da pregação dos apóstolos, ou seja, a Tradição da Igreja. A missão dos exegetas e teólogos vai além da metodologia histórico-crítica, pois, com o auxílio deste instrumentário são chamados a expor a hermenêutica teológica e espiritual, para que
o sentido da Palavra seja atualizado e experienciado. Com relação à segunda parte, a Palavra de Deus na vida da Igreja, Dom Filippo ressaltou a importância da Liturgia e dos Sacramentos, local onde Cristo se faz contemporâneo a nós, dando-se totalmente a nós, em disponiblidade total. Também destacou a urgente necessidade de pessoas bem formadas para garantir um anúncio digno da Palavra de Deus, também visto o uso da Palavra de Deus de forma ideológica e instrumental. Na terceira parte, a Palavra de Deus na vida do Mundo, o palestrante ressaltou o aspecto de transformação e anúncio que a Palavra de Deus tem em si mesma e que deve estar em constante diálogo com todas as camadas sociais e também com as outras religiões. Após uma pequena pausa, um segundo momento foi dedicado a perguntas e inquietações dos participantes quanto à temática e à vida da Igreja, em especial com relação a algumas iniciativas da Diocese de Petrópolis no que diz respeito à reconstrução de áreas afetadas pelas enchentes do início do ano em curso. 1. Filippo SANTORO, “A Palavra do Senhor - Comentário à Exortação Apostólica Pós-sinodal do Papa Bento XVI”, em: Revista Eclesiástica Brasileira (REB) 71 (2011) 606-618. * Dom Filippo Santoro, natural da Itália, é graduado em Filosofia pela Universidade Católica Sagrado Coração, de Milão, Itália; e em Teologia, pela Pontifícia Universidade Gregoriana, de Roma; doutor em Teologia Dogmática, pela PUC Roma e Filosofia, em Milão. É Grão-Chanceler da Universidade Católica de Petrópolis; membro do Conselho Permanente da CNBB, como representante do Regional Leste 1; membro da Comissão Episcopal para a Doutrina da Fé da CNBB; Bispo Referência da Pastoral da Educação do Regional Leste 1 da CNBB.
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Ecumenismo
O segundo bloco do curso de extensão “A Palavra de Deus na vida e missão da Igreja” da atenção especial ao “Ecumenismo”, com o objetivo de apresentar a relação entre a Sagrada Escritura e outras religiões, bem como suas interpretações e influência na liturgia e cultura. No dia 27 de setembro o pastor luterano Elton Pothin* palestrou sobre “Luteranos e a Bíblia”, com o objetivo de explicitar sobre que enfoque a Igreja Luterana lê e interpreta a Escritura. Primeiramente, deixou claro que no que se refere à Sagrada Escritura, é essencial a meditação da Palavra. Para tanto, a Igreja Luterana publica devocionais que permitem aos fiéis o cultivo desta dimensão. A partir da teologia desenvolvia por Martin Luther (Lutero), a Bíblia deve ser lida conciliando suas duas partes: o Antigo Testamento, que conduz à Lei (revelação do que é o pecado) e esta conduzindo a Cristo;
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e o Novo Testamento, onde Cristo oferece o perdão dos pecados, a Salvação. Neste sentido, faz parte das funções do pastor luterano ordenado pregar a Lei e o Evangelho em união. Para Lutero, a explicação da Sagrada Escritura deve se sustentar sobre quatro pilares: Sola Scriptura, que é o fundamento da fé. Este pilar surgiu em contraposição à Igreja Católica (Reforma) que afirmava ter a Tradição também como fonte da Revelação divina. De acordo com este princípio, não há Revelação do Espírito Santo fora da Escritura. O segundo pilar é Solus Christus, que defende ser Cristo o único mediador. A Igreja não salva, ela é, somente, o lugar onde os fiéis se reúnem para buscar a Cristo. O terceiro pilar é Sola Gratia, que afirma o dom de Deus vindo de Cristo, e que somente pela graça somos livres. Por fim, o último pilar é Sola Fidei, que defende que o homem só é justificado pela fé. As obras sozinhas não salvam, mas são parte integrante da fé. Pastor Elton também explicou o símbolo criado por Lutero que se tornou o brasão da Teologia Luterana: a Rosa de Lutero. Neste brasão se vê representada através da cruz preta, Deus se revelando à humanidade com Jesus; vê-se ainda o coração vermelho, como o ser humano que tem Cristo como centro (a cruz está em seu interior); as cinco pétalas de rosa branca, representando a fé que dá alegria, consolo e paz
verdadeiros ao coração que se coloca nela; o azul, apontando ao céu que devemos viver já aqui, o Reino de Deus; e, por fim, o anel de ouro, significando a graça e fidelidade de Deus para conosco, o precioso amor de Deus pela humanidade. A Teologia Luterana é cristocêntrica, aponta diretamente para a cruz de Cristo. Outro ponto abordado foi a hierarquia de valores quanto aos livros da Bíblia: em primeiro lugar estão os Evan- Rosa de Lutero gelhos, seguidos pelos outros textos do Novo Testamento e, por fim, os livros do Antigo Testamento. Para o estudo dos textos sagrados, a Igreja Luterana propõe o método de análise histórico-crítico, desenvolvido nos séculos XVII e XVIII, fruto das necessidades da época: crítica textual, literária, análise redacional, morfológica, e a análise pormenorizada do conteúdo. Além desta crítica textual, a Igreja também estabelece a importância da relação com o texto bíblico com a leitura sociológica que ela oferece, seu aspecto político, econômico e ideológico. Este método se faz necessário porque, embora seja a Bíblia como um sol que ilumina e traz a luz da Revelação, seu texto não é tão claro. Por isso, a resposta escriturística requer estudo e dedicação a partir de Cristo, embora a partir dele tudo tenha se tornado claro. * Pastor Elton Pothin é formado em Teologia pela faculdade de São Leopoldo (RS). Conta com mais de dois anos de atividades apostólicas em Petrópolis junto a sua esposa Karin, que também é pastora. Além destes trabalhos na cidade serrana exerceu outras atividades em outras comunidades.
Diálogo inter-Religioso
Saul Stuart Gefter e Semyramys Frossard
Mishná e Talmud foram os temas abordados pelo Dr. Saul Stuart Gefter* e Semyramys Frossard Gonçalves Dias*, no oitavo encontro do curso de extensão – A Palavra de Deus na Vida e na Missão da Igreja. Assim, dentro da programação do curso, estamos no terceiro bloco, no diálogo inter-religioso. Saul iniciou sua exposição, discorrendo sobre o principal pilar do judaísmo, a Torá, e de sua importância para os judeus. “Um dos pilares do judaísmo é o fato da Torá ser eterna e imutável palavra de D’us. Na Torá Escrita, D’us proclama a eternidade da Torá e de seus mandamentos: ‘as coisas encobertas pertencem ao Senhor, nosso D’us, porém as reveladas nos pertencem, a nós e a nossos filhos, para sempre, para que cumpramos todas as palavras desta Lei’ (Torah) (Devarim/ Deuteronômio 29:28)”, completou com uma passagem do Deuteronômio. Apesar de o termo Torah abranger todos os fundamentos, leis e ensinamentos do judaísmo, literalmente refere-se aos cinco livros que foram transmitidos por D’us, a Moisés no Monte Sinai. Os cinco livros são: Bereshit (Gênese), Shemot (Êxodo), Vayikra (Levítico), Bamidbar (Números) e
Devarim (Deuteronômio), que compõem o que conhecemos como a Torá escrita ou Torah she-Bichtav. A partir desta elucidação, iniciou-se a explicação acerca da codificação da lei oral, isto é, a formação da Mishná. “Antes de falecer, Moshé escreveu os 13 rolos da Torá e ensinou a Torá Oral ao profeta Josué bin Nun. A Torá Oral foi então transmitida por Josué aos anciãos de Israel; a seguir, aos profetas e, por fim, ao Sanhedrin, corte suprema de Israel, que tinha a missão de guardar, interpretar e legislar sobre todos os assuntos acerca das leis da Torá. Durante o período do segundo Templo, o Sanhedrin codificou a Torá Oral. Essa codificação tornou-se conhecida como a Mishná. Uma das razões do por quê desse nome foi constituída pelo propósito de que a codificação da Lei Oral seria revista (em hebraico, Shaná) continuamente, até que fosse memorizada”, comentou Semyramys. Na segunda parte da aula, Semyramys prosseguiu relatando os fatos até o processo de formação dos dois talmudes: o Talmud Bavli (Babilônia) e o Talmud Yerushalmi (Jerusalém). Trezentos anos após a destruição do segundo Templo, o Rabi Yochanan redigiu o Talmud de Jerusalém (Talmud Yerushalmi). Este Talmud basicamente trata das leis referentes à Terra de Israel, de âmbito mais complexo e oculto.
Isto, porque a sabedoria da Terra de Israel é maior e mais profunda do que a de outras terras. Os sábios da Terra de Israel, escreviam seus estudos de forma curta, sem muita explicação, e esta já era suficiente para entendê-los. Contudo, quando as pessoas falam do Talmud, geralmente não se refere ao de Yerushalmi (Jerusalém), mas sim ao Talmud Babilônico, também conhecido por Guemará. Em tempos remotos, os sábios da Torá estudavam a Lei Oral para, a seguir, fazer a análise de seu trabalho através de discussões. Após ter sido compilada a Mishná, tais discussões – que se tornaram conhecidas como a Guemará – serviram para esclarecê-la. A Guemará foi transmitida oralmente e preservada durante cerca de 300 anos após ter sido escrita a Mishná. Quando surgiu claramente o perigo da Guemará poder ser esquecida, os dois maiores eruditos da época sobre Torá – Ravina e Rav Ashi – redigiram a Guemará por escrito. Com a ajuda de seus discípulos, nas academias de ensino da Babilônia, Ravina e Rav Ashi coletaram e ordenaram todas as discussões que compunham a Guemará. Esta compilação da Guemará – que incluía a Mishná – tornou-se conhecida como o Talmud Babilônico ou, em hebraico, Talmud Bavli. Foi finalmente publicado no ano de 4265 (505 a.C.). O Talmud, que literalmente significa “estudo” ou -39
“aprendizado”, é, portanto, composto pela Mishná – um livro de Halachá (lei judaica, escrita em hebraico) e pela Guemará, o comentário sobre a Mishná (escrito em aramaico/hebraico). O Talmud Bavlí (Babilônico) foi aceito pelo povo judeu como autoridade máxima e suprema em todas as questões sobre a religião e a lei judaica. As leis da Torá só têm vínculo legal se forem lastreadas pelo Talmud. Os palestrantes falaram ainda sobre Maimônides, os treze princípios da fé e a Mishnê Torá, obra magna do escritor e uma das mais importantes e completas codificações da Halachá. Os palestrantes ainda lembraram de Beit
Yossef e a importância do Shulchan Arukh e de Raschi. Por fim, Semyramys, com algumas intervenções de sr. Saul, falou sobre o judaísmo contemporâneo, deixando clara a abertura do judaísmo ao diálogo. Concluíram com algumas palavras sobre os desafios das novas gerações: “Para essa nova geração, a prioridade não é defender o judaísmo. Não é empreender uma missão salvadora. Não é construir-lhe cercas externas. É fazê-lo viver. Não servi-lo, mas servir-nos. O judaísmo de nosso tempo convive, sem fronteiras, com culturas, com identidades plurais, com comportamentos universalizados, cosmopoliti-
zados”, assegurou Semyramys. Semyramys e sr. Saul sintetizaram que a atual compreensão do pensamento e da vida judaica deve se dar a partir da literatura da Mishná e do Talmud. “Recriar o judaísmo para que continue o mesmo, o grande desafio de cada geração é o de trazê-lo de volta para dentro de nós mesmos, pois, em nossos corpos, mentes e espíritos individuais e comunitários, nós somos a única cerca, a única muralha que o protegerá como coisa viva, que o levará para onde formos como parte de nosso ser”, concluiu o sr. Saul Stuart. Semyramys Frossard
* Saul Stuart Gefter, é natural de New York, USA, estudou Ciências, Administração de Empresas e Direito. Exerceu diversas atividades em assuntos políticos, econômicos, comerciais, auditorias, defensorias e trabalhos diplomáticos em geral. Veio para o Brasil em 1975. Atualmente é consultor Jurídico Internacional; Consultor e Diretor para Assuntos Internacionais, SPAR – serviços; Pericial Aeronáutico e Marítimo do Rio de Janeiro. Participa de diversas associações, sendo Diretor Executivo da Congregação Judaica P’Nei Or, em Petrópolis. Sr. Saul possui muitas publicações e outras atividades, prêmios e condecorações, além de dominar ao menos cinco línguas. *Semyramys Frossard Gonçalves Dias, nasceu em Nova Friburgo, Rio de Janeiro, é graduada em Filosofia pela UCP Universidade Católica de Petrópolis, bacharelanda em Teologia pela Faculdade de Teologia do ITF. Dentre as atividades acadêmicas, é pesquisadora do CNPq em estética filosófica, antropologia, ética e sociologia. Atua como coordenadora de pesquisa de opinião pública.
Diálogo inter-Religioso
Frei Volney Berkenbrock e Wassim Ahmad Zafar
No nono (18/10) dia de palestras do Curso sobre a Palavra de Deus, a Faculdade de Teologia/Instituto Teológico Franciscano propôs a seus estudantes o contato introdutório com o livro sagrado de uma das maiores religiões do mundo: o Alcorão dos muçulmanos. Para este estudo, foram convidados os palestrantes, Frei -40
Volney Berkenbrok*, professor de Estudo Comparado das Religiões na instituição e, ainda, Wassim Ahmad Zafar*, missionário da comunidade muçulmana Ahmadia do Brasil, sediada em Petrópolis. Logo de início, foi explicada a origem do nome Alcorão, ou Corão. O termo vem da palavra “quran”, que
significa recitação, no caso, da Palavra de Deus. Segundo a tradição muçulmana, Deus se comunica através da Palavra ao profeta, que, por sua vez, a codifica em sinais (alfabetos) e em forma de livro. Se, para o cristão, Deus se fez carne, para o muçulmano, Deus se tornou livro, através da Palavra de Deus.
A revelação de Deus, feita ao profeta Mohammad (ou Maomé) se deu em 4 etapas: no início de tudo, a Palavra estava em Deus. Num dado momento, os anjos compartilharam esta mensagem com os enviados/profetas (a primeira revelação é datada em 610 d.C.). Esta Palavra dada a eles deve ser transmitida aos seguintes (outros) tal e qual ela foi entregue ao profeta. Para fazê-lo, o profeta acolhe a Palavra e a coloca por escrito. Percebe-se, então, a partir deste desenvolvimento, que o Alcorão é o fim do processo revelatório de Deus. O processo de desenvolvimento do Alcorão foi relativamente rápido. A primeira revelação feita ao profeta Mohammad foi em 610 e até o ano 653 ainda não havia nenhuma coletânea completa das profecias. Foi justamente neste ano que o 3º Califa de Medina ordena a reunião por escrito de todas as recitações. É importante ressaltar o valor que o muçulmano dá à recitação das profecias do Alcorão, pois Deus se encontra na palavra, portanto, ela não pode ser alterada. Em 653, a vocalização da língua árabe ainda não havia sido feita. Como poderia se preservar a pronúncia da Palavra revelada? O alfabeto poderia ser mudado, permitindo o acréscimo de vogais que garantiriam uma uniformização na pronúncia? Foi um longo processo de discussão e somente em 1923 o texto acabou sendo vocalizado e assim o texto primitivo é aceito hoje. Quanto à autoridade da Palavra de Deus do Alcorão, o muçulmano en-
tende que somente o texto em árabe antigo tem autoridade como tal. As traduções são interpretações de alguém. Entende-se que a Revelação não é apenas o conteúdo da mensagem, mas todo o texto, gramática, sintaxe. A primeira tradução do Alcorão só foi feita em 1143, para o latim; hoje, os textos continuam sendo traduzidos, mas acrescenta-se no mesmo volume o original em árabe.
O texto do Alcorão é dividido em suratas (ou suras) que, ao todo, somam 114. Elas são organizadas das maiores às menores. Sua temática estende-se desde a defesa e confissão da fé, com afirmações sobre Deus e os anjos, passando pelas celebrações, jejuns e formas de organização social, como o direito familiar até normativas éticas e morais para os fiéis. O profeta Mohammad sabia diferenciar a Revelação de suas próprias interpretações sobre Allah (forma como Deus é nomeado, significando “o Deus único”). Atualmente, o Alcorão é o livro árabe mais lido no mundo. Cada comunidade tem sua própria interpretação do texto, embora, como já foi dito, seja conservada também a sua forma original. É costume, quando alguém se refere a qualquer um dos profetas muçulmanos, que expresse o seguinte desejo: “A paz de Deus esteja com ele”. Jesus é um dos profetas e Maria é citada 34 vezes, como mãe de Jesus. Com relação ao Profeta Mohammad, não se acrescenta nenhum adendo, pois seu nome já significa “que Deus o abençoe e lhe
de a paz”. Quanto ao idioma da revelação, o árabe antigo, entende-se que Deus o escolheu para revelar-se, uma vez que ele é considerado a mãe de todos os outros (esta é a Sabedoria de Deus). No final, Frei Antônio Everaldo Palubiak Marinho, tomando a palavra, agradeceu os palestrantes da noite e destacou algumas referências básicas, como: a religião muçulmana tem por missão mostrar o verdadeiro ensinamento do Alcorão; por isso, a importância de seu estudo, observando seus ditos, a prática do Profeta e, ao mesmo tempo, seus seguidores sãos instados a praticar de uma forma certa os ensinamentos do Livro sagrado e fazer boas obras (de misericórdia), por exemplo: reconhecer a dignidade de cada pessoa, indiscriminadamente. Enfim, é importante observar que o Alcorão é considerado a continuação dos outros livros divinos ou inspirados. Portanto, respeita-se todos os livros divinos anteriores. * Frei Volney Berkenbrock, religioso franciscano, é doutor em Teologia pela Rheinische Friedrich-Wilhelm Universität Bonn na Alemanha, redator responsável pela revista SEDOC, professor do Programa de Pós-graduação em Ciência da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e leciona Ecumenismo, Estudo Comparado das Religiões, Teologia Sistemática VII: Pneumatologia e Teologia Sistemática II: Escatologiana na Faculdade de Teologia do ITF. * Wassim Ahmad Zafar é missionário da Comunidade Muçulmana, Ahmadia do Brasil. A comunidade de Petrópolis é a única representante da Comunidade Ahmadia do Islã, no Brasil. A sede mundial da Comunidade fica em Londres, embora tenha sido fundada na Índia, em 1835, por Hazrat Mirza Ghulam. O Sr. Wassim veio acompanhado por seus dois filhos, Nadin e Ijaz, e por um membro da Comunidade, Saquib.
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A Interpretação da Bíblia
No dia 25 de outubro o encontro do curso de extensão “A Palavra de Deus na Vida e na Missão da Igreja” tratou acerca da importância da Sagrada Escritura para as primeiras comunidades cristãs, nos primeiros séculos da Igreja, ou seja, no período patrístico. O palestrante foi o Pe. Ronaldo Fiuza Lima* que de forma geral se propôs a fazer uma síntese histórica da exegese nos primeiros séculos do Cristianismo, passando pela exegese dos autores do Novo Testamento até os Santos Padres, aqueles que estabeleceram as bases da doutrina e fé de nossa Igreja. Segundo a Exortação Apostólica Verbum Domini, o Cristianismo não é uma religião do livro Bíblia, mas a religião do Verbo. Entretanto, antes de o Verbo se fazer carne, Ele já havia se revelado através de um livro: o Antigo Testamento (tomado como um todo). Assim, a Sagrada Escritura é um verdadeiro tesouro escondido no campo, encontrado por aqueles que se propõe procurá-lo. Ela confere salvação, conhecimento, sabedoria, ciência. Ela é verdadeira “fonte de graça e doçura” (Orígenes, +250). Os Pais da Igreja, cerca de dois mil au-42
tores, são os comentadores da Sagrada Escritura dos sete primeiros séculos, estabelecendo-se como verdadeiras colunas da Igreja, pois fundaram as bases do cristianismo posterior, de nossa fé e tradição. Se deles retirássemos a Bíblia, nada lhes sobraria. Seu trabalho fundamental é o estudo hermenêutico (interpretativo) da Sagrada Escritura, além de se destacar como pregadores, anunciadores do Verbo e do mistério da Encarnação.
“Segundo a Exortação Apostólica Verbum Domini, o Cristianismo não é uma religião do livro Bíblia, mas a religião do Verbo”. É possível estabelecer claras diferenças entre a exegética atual e a da patrística. A exegese atual busca sobremaneira o sentido histórico, antropológico, cultural e literal, mantendo um rigor histórico-crítico e filológico. Já a exegese patrística busca o sentido através de alegorias; sua maneira de preservação dos fatos era o da memória (Memoria Dei) e o simbolismo (eles
não possuíam a facilidade de preservar informações que temos atualmente). Ela se utiliza de “Uma espécie de suave intuição das coisas celestes mediante uma admirável penetração de espírito, graças às quais vão mais além nas profundidades da palavra divina” (Pio XII, Carta Enc. Divino Afflante Spiritu). Sua exegese aponta, sobretudo, para um estilo de vida, para um aprofundamento catequético e teológico e uma orientação básica para a liturgia. Há uma profunda dependência entre Cristianismo e Judaísmo, pois aquele é derivado deste. No início, aos olhos dos judeus, o cristão não passava de um herege, sectário da religião judaica. Como herança do Judaísmo, o Cristianismo assumiu os textos do Antigo Testamento e os interpretou sob outra luz: a da ressurreição de Cristo. Muitas festas cristãs são versões de festas judaicas, por exemplo, Páscoa e Pentecostes. Jesus, Maria, José e os apóstolos eram todos judeus. Os cristãos também reinterpretaram a expectativa messiânica judaica, relacionando-a à parusia (segunda vinda de Cristo). Por outro lado, há uma ruptura determinante: Jesus é o Messias esperado no Antigo Testamento (afirmação óbvia para os cristãos), mas para os judeus o Messias ainda é aguardado. Portanto, a Fé de Cristo nos une; a Fé em Cristo nos separa. As primeiras relações de livros canônicos do Novo Testamento devem ser colocadas entre 51 a 95 d.C. No entanto, a lista definitiva e completa dos livros canônicos, ou seja, dos que foram reconhecidos como referência para a Fé, foi estabelecida no segundo e no terceiro século. Neste trabalho, diversos livros foram excluídos, que são os apócrifos. Alguns destes livros, embora não incluídos no Cânon, são uma leitura lícita, edificante, importante para a piedade e instrução. Infelizmente, encontram-se entre outros textos com equívocos doutrinários (heresias). Sua composição se estende desde o séc. II a.C. até o séc. IV d.C. De forma geral,
um livro não é apócrifo, se representar uma tradição antiga ou apostólica, se contiver pureza doutrinária. O próprio Jesus realizou um trabalho exegético ao citar as Escrituras, ao fazer uma releitura dos Profetas para os discípulos de Emaús (cf. Lc 24,25-27), ao explicar o texto de Isaías na sinagoga (cf. Lc 4,18s). Ele cumpre a Lei e proclama sua validade bem como a dos Profetas. Já Paulo e outros escritores neotestamentários interpretam as Escrituras em outro nível, especificamente, relacionando o mistério de Cristo e da Igreja com os textos (cf. Jo 19,36; Hb 7,1ss; 1Pd 3,20s). O período dos Pais Apostólicos tem início com Clemente de Roma (3º na sucessão apostólica). Ele apresenta semelhanças ao método de Paulo e dos demais autores do Novo Testamento. Segundo ele, Abraão, Noé e Ló são exemplos de obediência; enquanto Abraão Jó e Davi são exemplos de humildade. Inácio, outro Padre Apostólico, escreve textos sapienciais referentes a Cristo. Justino, Irineu, Tertuliano e Hipólito estendem a interpretação cristológica do Antigo Testamento a um número maior de textos, sempre identificando neles “tipos” alegóricos de Cristo, contra os gnósticos e hereges.
A Escola de Alexandria também se destacou neste período, sendo um importante centro cultural da antiguidade e possuindo a maior biblioteca de seu tempo. Desta escola, surgem Fílon de Alexandria, que fez uso da alegoria para explicar a Sagrada Escritura, baseado no mesmo procedimento dos intelectuais gregos para explicar os mitos de Homero; Orígenes, que realizou um trabalho de comparação linguística entre os textos bíblicos (hexapla). No século IV há também a Escola de Antioquia que surgiu como reação ao alegorismo alexandrino. Seu destaque se deve à valorização do literalismo. Marca característica desta Escola é a preocupação com a história, o caráter propedêutico do Antigo Testamento, compreendendo-o como etapa da História da Salvação. Propôs uma mudança no modo de ler o Antigo Testamento, reduzindo a interpretação cristológica de seus textos. Como representantes se destacam: Diodoro de Tarso (+394), João Crisóstomo (+408) e Teodoreto de Ciro (+466). Entre estas duas escolas, há, pois, algumas claras diferenças. A de Alexandria defendia o sentido espiritual e místico dos textos bíblicos, enquanto a de Antioquia, o sentido literal e histórico. Entre os Pais Latinos, destacou-se São Jerônimo (+420). Profundo conhecedor do hebraico e do grego, ele foi o tradutor da Bíblia, conhecida como “Vulgata”. Tinha amor à cultura clássica, mantendo-a, entretanto, subordinada à cultura bíblica. Explicou, versículo por versículo, os textos bíblicos. Para ele, o sentido histórico é fundamento do sentido espiritual. Jerônimo consagrou sua vida ao Verbo de Deus, que se fez letra antes de se tornar carne. Santo Agostinho (+430) foi iniciador de uma nova concepção exegética. Para ele, Cristo é a chave para a correta interpretação de cada passo da Sagrada Escritura. As diferentes partes encontram sua unidade e coesão na única revelação do Verbo encarnado: no Antigo, o Novo está latente; no Novo, o Antigo está patente (evidente). Para ele, o critério de compreensão está na dupla caridade ou amor a Deus e ao próximo. Deus ama os seres humanos
“Não acreditaria no Evangelho, se a autoridade da Igreja católica não me persuadisse a acreditar nele” (Santo Agostinho). para que estes reconheçam seu amor e procurem amá-Lo como convém. Em suma, os padres ensinam acerca do contato religioso com a Sagrada Escritura e uma comunhão com a experiência da Igreja. A Bíblia lhes era objeto de incondicionada veneração, argumento constante da pregação, alimento da piedade, alma da teologia. Promoviam a comunhão eclesial, tornando claro o que era específico da identidade cristã: “Não acreditaria no Evangelho, se a autoridade da Igreja católica não me persuadisse a acreditar nele” (Santo Agostinho).
*Pe. Ronaldo Fiuza Lima, doutor em Teologia e Ciências Patrísticas pela Pontificia Università Lateranense Roma, Itália, é presbítero na diocese de Petrópolis e leciona na UCP (Universidade Católica de Petrópolis) e na Faculdade de Teologia do ITF as disciplinas de Patrologia I: Pré-Nicena e Patrologia II: Pós-Nicena.
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A Interpretação da Bíblia
Frei Antônio Everaldo Palubiack Marinho e Frei Clauzemir Makximovitz
Na noite do dia 08 de novembro, o curso de extensão “A Palavra de Deus na Vida e na Missão da Igreja” ofereceu um estudo sobre a Interpretação da Bíblia na Igreja, hoje, com a participação de Frei Antônio Everaldo Palubiack Marinho* – ITF e Frei Clauzemir Makximovitz*. Frei Clauzemir, apresentou primeiramente o “método histórico crítico”, método indispensável para o estudo científico do sentido dos textos antigos. Usado pelos estudiosos ao longo dos últimos cem anos. Na exposição destacou os seguintes pontos: História do método; Princípios; Descrição; e, Avaliação. Em seguida, ele apresentou outros modos de como podemos abordar os textos sagrados, como exemplo: análise narrativa, canônica, sociológica, antropologico-cultural, psicológica e psicanalítica. Além disso, também são possíveis algumas abordagens contextuais, tais como: a abordagem feminista e a abordagem da libertação que emerge de determinados contextos sociais como o da América Latina dos anos 70, a partir de um contexto de grande repressão militar. Nesse contexto surgiu o método proposto por Carlos Mesters, chamado de Leitura da Bíblia em Comunidade. Três são os passos básicos: 1- Servir o povo – Partir da re-44
alidade; 2- Criar comunidade – Partir da fé da comunidade; 3- Conhecer a Bíblia- Respeitar o texto. A partir desta perspectiva, observamos que Deus não fala somente no passado, mas continua falando hoje. Assim, “a Bíblia é a Palavra de Deus, Jesus está vivo e presente no meio de nós”. (Cf. “A Interpretação da Bíblia na Igreja”, Pontifícia Comissão Bíblica, Documentos 260, Vozes 1994, 30-83; 115).
Após essa apresentação dos métodos de leitura, Frei Antônio Everaldo propôs uma análise da passagem do Evangelho de Lucas (10,38-42), que relata o diálogo de Jesus com Marta e Maria. Através de três traduções diferentes, de uma tradução literal e, ao mesmo tempo, confrontando com o texto grego, fez, com os participantes, um exercício de análise. Ele mostrou que a in-
terpretação do diálogo de Jesus com Marta e Maria, exige uma contextualização e algumas considerações acerca da autoria e da intenção do redator. A temática do serviço que caracteriza fortemente esta perícope e que se relaciona diretamente a Marta e Maria, retrata um contexto bem posterior a Jesus, ou seja, a intenção do autor é a de ressaltar a importância da participação das mulheres no serviço (diakoni/a cf. v.40) às comunidades em que se localiza o autor (± 80 dC.) e não a da contraposição entre duas atitudes: o “serviço” e o “sentar aos pés do Senhor”. Um serviço que deve unir, ao mesmo tempo, a contemplação, a escuta da Palavra de Deus. No final da apresentação, Frei Antônio Everaldo reforçou a necessidade (para se fazer uma boa interpretação) de um estudo sério que respeite o texto bíblico e a intenção do autor. Por isso, a necessidade de métodos, que devem ser estudados.
*Frei Antônio Everaldo Palubiack Marinho é doutor em Exegese Bíblica e professor de Sagrada Escritura na Faculdade de Teologia – ITF. *Frei Clauzemir Makximovitz é frade franciscano, graduado em Filosofia e estudante do Curso de Teologia – ITF.
Liturgia
Frei Marcos Antonio de Andrade
No penúltimo encontro (22/11) do curso de extensão “A Palavra de Deus na Vida e na Missão da Igreja”, o ilustre convidado Frei Marcos Antonio de Andrade*, trouxe aos participantes uma abordagem sobre a Palavra de Deus na Sagrada Liturgia. Nas palavras do palestrante, essa noite estava reservada para mostrar a visão que um liturgista tem acerca da Palavra de Deus e sua contribuição para a Teologia. Visto que ao longo deste curso muitas foram as visões partilhadas, de óticas, por vezes bem diferentes, de um elemento comum, a Sagrada Escritura. Frei Marcos começou a exposição reconhecendo a dificuldade de recolher material literário sobre este tema, uma vez que ele se dilui em obras de outros assuntos. Mas para começo de conversa ele apresentou alguns “instrumentos litúrgicos”, livros usados na Litur-
gia cristã e alguns específicos da Igreja Católica Apostólica Romana. Por exemplo, o Lecionário, o Missal, a Liturgia das Horas, Hinários, o Liber Usualis, entre outros. A primeira constatação foi o fato de que a Sagrada Escritura como um todo guarda a memória do evento salvífico, a revelação de Deus. Sendo a Bíblia comunicação, ponto de referência, lugar de salvação, ontem, hoje e sempre, ela é memória que atualiza a história da Salvação. Por isso ela é o centro da vida Cristã, pois é Palavra de Deus. Assim, ela é o fundamento de toda ação litúrgica. A partir desta ideia, Frei Marcos apresentou como a postura de um biblista é diferente da de um liturgista no tocante à Bíblia. O biblista parte da questão sobre a Liturgia na Sagrada Escritura. O liturgista, por sua vez, parte da questão sobre a Sagrada Escritura na Liturgia. É uma diferença simples, mas com grandes implicações, que vistas em conjunto na Teologia, confluem para uma realidade única, a celebração da Palavra de Deus. O Texto Sagrado é sincrônico e diacrônico, pois ele trata de um evento “primordial”, mas que se atualiza na história pelas
sucessivas repetições, memórias que são feitas nas celebrações. A liturgia, portanto, nasce da Palavra de Deus e é por ela modelada. Assim conclui-se que somente na fé celebrante da Sagrada Escritura é que se chega à expressão máxima da Palavra de Deus. A isto se soma o caráter canônico que alguns textos adquiriram justamente por seu uso litúrgico, embora isso não possa argumentar categoricamente em favor de textos feitos para a liturgia. O palestrante ainda ressaltou a importância da Palavra de Deus na ação litúrgica não como um livro, mas como Deus que fala. Assim, na estrutura da celebração eucarística católica, há duas mesas: a mesa da Palavra e a mesa da Eucaristia. Não são duas coisas separadas, mas dois momentos distintos que apontam para um mesmo elemento “fontal”, primordial e central, que é Cristo. Pode-se afirmar com toda a certeza que a Palavra de Deus é o fundamento de toda e qualquer ação litúrgica. * Frei Marcos Antonio de Andrade é frade franciscano, mestre em Liturgia e professor na Faculdade de Teologia – ITF. -45
Palavra de Deus e Cultura
Sagrada Escritura e Expressões Artísticas
No último encontro (29/11) do Curso de Extensão “A Palavra de Deus na Vida e Missão da Igreja”, Frei Elói Dionísio Piva* e Frei Marcel Freire da Silva* apresentaram a temática “A Palavra de Deus nas Expressões Artísticas” visando estabelecer a influência dos textos bíblicos nos trabalhos artísticos no decorrer da história, em duas formas de expressão artística especificamente: a pintura e a música. Segundo a Verbum Domini nº 112, “a relação entre a Palavra de Deus e cultura encontrou expressão em obras de âmbitos diversos, particularmente no mundo da arte. Por isso a grande tradição do Oriente e -46
do Ocidente sempre estimou as manife s t a ç õ e s artísticas inspiradas na Sagrada E s c r i t u ra , como, por exemplo, as artes figurativas e a arquitetura, a literatura e a música. Penso também na antiga linguagem expressa pelos ícones que, partindo da tradição oriental, aos poucos se foi espalhando por todo o mundo”. Por esta razão, “a Igreja inteira exprime apreço, estima e admiração pelos artistas, ‘enamorados pela beleza’, que se deixaram inspirar pelos textos sagrados; contribuíram para a decoração das nossas igrejas, celebração da nossa fé, o enriquecimento da nossa liturgia, e muitos deles ajudaram ao mesmo tempo a tornar de algum modo perceptível no tempo e no espaço as realidades invisíveis e eternas”. Isso sem falar, na arquitetura riquíssima que vemos em nossas igrejas. A Igreja incentiva, assim, uma formação adequada aos artistas para realizarem este im-
portante trabalho em prol da beleza e da fé. As formas físicas em que imprimimos os textos sagrados devem ser entendidas como que “suporte” para a Palavra de Deus: o livro, o pergaminho, os rolos... Todas estas formas físicas são como que formas de expressão desta Palavra. No mundo atual, já temos os textos bíblicos presentes na internet, em aplicativos para ipads, celulares... Temos, ainda, os CDs e DVDs... De igual forma, a arquitetura, a literatura, a música e pintura também podem ser compreendidas como suportes (meios) para a ideia que o artista tenta expressar, são uma versão, sui generis, da Palavra de Deus. A Bíblia relata a busca do ser humano por Vida e o movimento de Deus para o encontro que se dá em Jesus. Este encontro estabelece verdadeira aliança de amor. A Bíblia, assim, é suporte (carrega, traz, transmite) da humana experiência religiosa e do evangelho da graça de Deus. Esta experiência é anunciada, proclamada, repassada aos descendentes, reconstituída por estes, sempre de novo e de maneira nova: trata-se de uma Tradição viva.
“A arte é o veículo que o artista tem de levar ao povo a Palavra de Deus” A partir desta ideia da tradição viva é possível entender o erro da idolatria. É a confusão entre meio e mensagem. Ela se manifesta quan-
do alguém ou até uma coletividade se fixa na “roupagem”, no suporte, e não vai além deste, a seu sentido primeiro e último, à ideia ou ideal ou mensagem que o artista quer expressar. No caso da Palavra de Deus que inspira os artistas, estes a expressam em inúmeras formas: palavras (Bíblia, literatura), em pintura (iconografia), em sons (música), em construções (arquitetura)... Idolatria, assim, seria ficar na beleza das formas (estética) que a Palavra de Deus assume como canais, necessários e relativos, tão somente e gloriosamente. De forma geral, na pintura religiosa cristã pode-se destacar duas grandes tradições. Na Tradição Oriental, a opção estética é a da iconografia, que possui conteúdo próprio. Trata-se de uma reprodução gráfica em painel de madeira. Nota-se uma áurea sagrada que envolve este tipo de arte. A Iconografia floresceu a partir da liberdade e oficialização do Cristianismo, e recebeu influência da história da região do Médio Oriente, como a passagem das Cruzadas e invasão muçulmana. O imaginário fixou-se da imagem do Império Cristão, cujos representantes e ambientes se refletem nos ícones ou são transferidos para Deus em termos de poder e distanciamento
(por exemplo, Jesus Pantocrator), embora estes também expressem ternura e bondade, a Beleza. Os ícones manifestam uma espiritualidade, um bem-estar de corpo e alma do artista, acreditando-se que o divino se utilizaria de suas mãos. Esta é a razão dos ícones não conter assinatura de autor. Na figura do Pantocrator, símbolo da Tradição Ortodoxa, Jesus integra masculino e feminino, o microcosmo e o macrocosmo. De pé, de corpo inteiro, está entre o céu e a terra; os anjos se aproximam com respeito, os homens o reverenciam; a mão abençoa a terra; os dois dedos indicam a união do humano e do divino; os outros três, o Deus uno e trino. O ser humano por inteiro é templo do Espírito. No ícone está projetado ideal do ser humano: o que somos chamados a ser e o Cristo, manifestação no humano da plenitude do ser, a Beleza por excelência. A Tradição Ocidental se concentrará inicialmente na refeição (missa) e sepultamento. Devido ao clima de “fora da lei” será sobretudo simbólica, alegórica (para iniciados). Importa aqui a vida em comunidade dos que testemunham o Ressuscitado. Com a oficialização do Cristianismo pelo Império Romano, a arte encontrou a liberdade e expansão (por exemplo, nas basílicas e catedrais). No final do milênio, a arte já havia definido o estilo de construção de igreja (o românico, seguido como coroamento evolutivo de um padrão, o gótico...), uma forma de canto se estabelecera: o canto gregoriano, música-símbolo deste período da história (e permanente). Como exemplo deste canto, temos o Rorate coeli, expressão da eterna sede de redenção, de beleza, de vida do ser humano – um canto próprio do Advento. Frei Elói ainda passou pelo Renas-
cimento e acenou para aspectos da pintura moderna que não teve tempo para apresentar como planejara. Mesmo assim, através de uma rápida abordagem da arte no decorrer da história, permitiu aos alunos perceber as principais características estéticas de cada período, conjugando sempre realidades materiais humanas e realidades invisíveis e eternas, ora prevalecendo uma sobre outra – em linguagem plástica, dinâmica, controvertida, evocativa e bela. A apresentação da noite sobre pintura sacra foi permeada por músicas que acompanhavam e exemplificavam de maneira própria os momentos artísticos, fazendo parte de um mesmo momento ou conjunto de vida que se expressa artisticamente de diferentes formas. Tivemos, porquanto o tempo permitiu, a apresentação da peça composta por Leonard Bernstein sobre o Salmo 131; o Coro dos Escravos Hebreus, de Giuseppe Fortunino Francesco Verdi, Jesus alegria dos Homens, de Johann Sebastian Bach; o Kyrie da missa Papae Marcelli, de Giovanni Pierluigi da Palestrina. Todas as músicas foram contextualizadas, traduzidas e sintetizadas em sua temática e momento histórico-artístico por Frei Marcel. * Frei Elói Dionísio Piva é da Ordem dos Frades Menores, Mestrado e Doutorado em História Eclesiástica pela Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma, Itália. Atualmente leciona na Faculdade de Teologia – ITF, responsável pela biblioteca da mesma e redator da REB. * Frei Marcel Freire da Silva é frade franciscano, graduado em Filosofia e estudante do Curso de Teologia – ITF. -47
Curso de Extensão
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pós quatro meses, os alunos do curso de espiritualidade terminam os estudos com Frei Vitório Mazzuco pedindo ‘bis’. Visto que os quase 50 participantes deste curso avaliaram bem, o ITF no próximo semestre dará continuidade, juntamente com Frei Vitório, agora enfatizando a espiritualidade oriental e ocidental. O curso de extensão “Espiritualidade para uma vida virtuosa” percorreu os temas: O que é Espiritualidade?; O que é Virtude?; Os Sete Dons do Espírito Santo (A raiz teológica da Virtuosidade); Os Doze Frutos do Espírito Santo (A raiz devocional da Virtuosidade); O Código da Cavalaria Medieval (Fonte inspiracional das Virtudes Franciscanas); Um olhar sobre as Virtudes a partir do modo franciscano; e, Elenco de Virtudes para a iluminação da existência. Tais temas poderão ser encontrados, em forma de texto, na íntegra no site do ITF e na Revista ITF nos números 02 e 03.
Frei Vitório Mazzuco cursou Teologia e Filosofia, em Petrópolis, e fez pós-graduação em Teologia Espiritual, na Pontificia Università Antonianum, em Roma, obtendo o mestrado. Sua tesina, publicada em forma de livro, leva por título: “Francisco de Assis e o modelo de amor cortês-cavaleiresco: elementos cavaleirescos na personalidade e espiritualidade de Francisco de Assis” (Vozes 1994). Atualmente, ele é reitor do Santuário de Santo Antônio, no Largo da Carioca, na cidade do Rio de Janeiro, professor de Franciscanismo, em Piracicaba, no Rio de Janeiro e em Petrópolis. Também é pesquisador do IFAN (Instituto Franciscano de Antropologia), entidade ligada à Universidade São Francisco de Assis, em Bragança Paulista, e dedicada às áreas de Franciscanismo, Teologia e Ciências da Religião, Estudos Humanísticos, Estudos da Cultura Moderna e Pastoral. -48
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5º Encontro | “O Código da Cavalaria Medieval”
açamos uma reflexão sobre um dos pontos deste nosso per+curso de Espiritualidade que aborda o Código da Cavalaria Medieval como uma Fonte inspiracional das Virtudes sob a ótica franciscana. Francisco e Clara de Assis viveram na época medieval, tempo este que nos revela uma nítida cultura de amor. Hoje nós, pós-modernos, temos um velado preconceito sobre a Idade Média, que vaza para nós no redutivo conceito do obscurantismo, da idade das trevas, da inquisição ou do conservadorismo; mas vamos deixar qualquer leitura ideologicamente assim definida, e façamos uma pergunta: tem a nossa atualidade histórica, hoje, uma cultura de Amor? Pois a Idade Média tinha e de um modo muito nítido. É neste período que nasce, cresce e é abraçado como um projeto de vida o Ideal do Amor Cortês Cavaleiresco. O que é, e o que inspira o Amor Cortês Cavaleiresco? No meio de uma civilização rude, que conhece as batalhas, ambição, o fastígio da glória e das conquistas, o choque entre permanecer no ciclo fechado de feudalismo dominando ou abrir-se para uma nova civilização baseada nas comunas (a organização da civitas, o nascimento das cidades), entre as tensões do poder dos imperadores (que querem unir reinos) e do papado ( não podemos esquecer que neste período a eclesiologia tem força de estado e pensa como os impérios); em meio a toda esta ebulição vai surgindo uma nova linguagem, um novo costume, um sentimento novo, um novo código de comportamento. O que a sociedade pós-moderna
de hoje tem a ver com a medievalidade ainda tão atraente? Porque ela continua a revelar uma originalidade, uma civilização que traz evidente modelo de vivência que pode iluminar e elevar o nível da civilização atual tão carente de modelos de grandeza. A Idade Média, esta época da história tão rica de expressões vitais, nos legou um modelo humano em suas dimensões mais variadas: o monge, o camponês, o intelectual, o artesão, o clero, o mercador, a mulher, a família, o santo, o guerreiro, o nobre, o leproso, o excluído. Mas, sobretudo, o mundo medieval nos passou três tipos que marcaram por demais a sociedade cristã: oratores, bellatores, laboratores. Os que oram, os que combatem, os que trabalham. Estes elementos construíram a paisagem social não só deste período, mas encontraram correspondência nos tempos que se sucederam. De todos, escolhemos um modelo deste complexo humano medieval que remetia a um princípio, a “O Cavaleiro é o representante de uma liberdade absoluta que se entrega a uma causa”.
uma busca, a um projeto de vida. Escolhemos uma grande figura que é um símbolo de toda uma civilização: o Cavaleiro Medieval e seu Código da Cavalaria. O cavaleiro não é somente um célebre arquétipo de um imaginário sempre fascinante, mas foi o meio com o qual o ocidente cristão encarnou, organizou, e defendeu o próprio ideal de humanidade e de sociedade. Um símbolo vindo de longe, porém com uma orientação profunda, que ergueu uma ética e uma espiritualidade diferente daquela dos círculos eclesiásticos; pode-se dizer que criou uma moral leiga. O cavaleiro surge também como uma figura de edificação moral do combatente autônomo e do exército que servia os senhores feudais, uma afirmação concreta da cristandade entre os leigos, uma divulgação apaixonada do humano e do sagrado. Aí é que reside o seu ponto de atração ainda hoje vital; e o chamado que continua a fazer e exercitar constitui o lado mais profundo do interesse de hoje sobre a função da civilização medieval, num tempo atual onde vivemos uma profunda e geral crise de valores e falência do caráter. -49
O mundo medieval tem como grande característica no campo das ideias gerais: as concepções religiosas que a tudo invadem e explicam; e, no mundo dos ideais do seleto grupo da nobreza, a inspiração cavaleiresca, para reduzir tudo a um belo quadro, onde brilhava a honra e a virtude; um elegante jogo de formas nobres para criar ao menos a ilusão de uma certa ordem. Mas o que é mesmo este ideal cavaleiresco? Enquanto ideal de uma vida bela e justa, a concepção cavaleiresca tem uma característica singular: é um ideal estético na sua essência, composto de uma fantasia muito variada, plena de emoção heroica. Quer ser um ideal ético, quer valorizar um ideal
de vida, colocando-se em relação com a piedade religiosa e com as virtudes vividas na nobreza, especificamente na corte. É a misteriosa mistura de consciência moral e ambição que sobrevive na pessoa humana quando já perdeu tudo: fé, amor, esperança. É aquele sentido de honra que sobrou na pessoa, e que, bem trabalhado, torna-se fonte de novas forças. Uma positiva ambição pessoal que é desejo de glória; uma vontade apaixonada de ser lembrado pela posteridade. Uma inspiração que não anda separada do culto do herói, porque a vida cavaleiresca é uma constante imitação, uma luta constante. Piedade, coragem, austeridade, sobriedade e fidelidade era
a imagem de um cavaleiro ideal. Isto não se adquiria sem certa exigência, sem certo ascetismo. Este mundo de sentimentos ascéticos é a base sob a qual cresceu o ideal até chegar a ideia de perfeição (per+facere): uma intensa aspiração a uma vida bela, uma energia animadora. O cavaleiro é o representante de uma liberdade absoluta que se entrega a uma causa. Tem a coragem de arriscar a sua vida por algo muito grande na medida em que a causa exige. (Esta reflexão é a síntese de um texto maior e mais aprofundado; cf. MAZZUCO, Vitório. Francisco de Assis e o Modelo de Amor Cortês Cavaleiresco. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1994.)
6º Encontro | “Amor Cortês”
O
Amor Cortês foi a chama que acendeu sentimentos, ideias e virtudes e deu uma forte motivação para um determinado tipo de vida. O trato ascético e o animado espírito de sacrifício estão estreitamente ligados ao Amor, que para o cavaleiro era a transferência ética de um desejo, de um sonho, de um projeto de vida. A necessidade de dar ao Amor um sentido e uma forma nobre encontra um vasto campo para se manifestar nas conversas corteses, nos jogos e torneios e na poesia das canções de gesta. Em tudo isto o Amor se sublima e se faz romântico. A concepção cavaleiresca do Amor Cortês não nasce da literatura, mas da vida e do exercício de virtudes que elencaremos mais a frente. O motivo do cavaleiro e da sua dama amada estava presente nas relações da vida real. O cavaleiro é um herói por Amor e este era o elã impulsionante, primitivo e invariável, que deve sempre aparecer e retornar. Mais do que uma paixão sensual é uma abnegação ética, uma necessidade de mostrar a coragem, exi-50
bir força, expor-se aos perigos, sofrer, sangrar, passar por desafios e por grandes dificuldades. É a ação heroica cumprida por Amor. O sonho da ação heroica enche de ânimo, incha o coração de orgulho pessoal e dá vida ao amor. O tema do herói é importante para a cavalaria. É um tema que não envelhece em toda a história da humanidade. As Legendas dos Heróis continuam atuais, os feitos inconfundíveis do herói montado em seu cavalo, armado, invencível, unindo força física e força virtuosa, o justiceiro que alia raça e bondade, doçura e ação. Quem de nós não leu ou assistiu filmes sobre o Rei Artur e os Cavaleiros da Távola Redonda, a Busca do Santo Graal, a Canção de Rolando, El Cid – O Campeador, Don Quixote, Robin Wood, Lancelot – O primeiro cavaleiro, Os cavaleiros Nibelungos; enfim um mundo de obras que
soam como inspiração? Para as Legendas a história da humanidade tem que ser uma história de inspiração, superação e de edificação. O herói se coloca a serviço de um ideal e nos dá meios para realizar uma tarefa evolutiva. Ele nos recorda que qualquer um pode empreender a jornada interior e assumir a tarefa de se tornar completo. O tema da Cavalaria pode ser um tema muito questionado; mas é uma instituição feudal que permaneceu no imaginário popular e surge de vários elementos: o econômico (benefícios e privilégios), o social (vassalo, nobre, fre-
quentador da corte), político (o cavaleiro possuía imunidade jurídica), religioso (a cristianização do ideal) e militar (uma nova concepção de milícia). Tudo isto gerou o miles, o cavaleiro combatente e o seu conjunto de qualidades e obrigações. A Europa medieval é um continente que sofre por todos os lados as invasões, o assédio, as incursões dos povos bárbaros. Estes povos são dotados de grande mobilidade guerreira e de ardorosos combatentes. Isto sacudiu e desafiou a capacidade dos defensores da sociedade cristã, que perceberam que não bastava apenas a estratégia de intervir rapidamente, mas era preciso ser por demais eficientes e disciplinados. Não podemos deixar de destacar o momento onde a cavalaria iluminou-se de ideais cristãos, e os combatentes mais exaltados religiosamente correram para as Cruzadas, para a defesa da Terra Santa, para proteger peregrinos pelas terras da Síria e Palestina. Num primeiro momento temos a cavalaria como instituição guerreira contra as invasões, com forte influência cristã para transformar a força bruta em força organizada em honra e fé para manter ideais na Igreja e na sociedade. Num segundo momento temos a cavalaria aventurosa, romântica, galante e lírica; que encontra expressão de sentimento na defesa dos fracos e o culto à mulher amada, a Dama Encantadora, misteriosa e sempre distante. O terceiro momento é a decadência, uma imitação fictícia, um heroísmo cômico, uma força quase inútil. Mas então, o que sobrou da Cavalaria? Um verdadeiro Código de Compor-
tamento, uma ação segundo a verdade, justiça e fortaleza; sob o fundamento da reta consciência e da prática da fé. Uma inspiração para uma via espiritual, e é via espiritual porque conduz ao aperfeiçoamento, a uma qualificação interior. Deve-se arriscar a vida e absorver uma tarefa, ser uma pessoa justa, límpida, correta; o cavaleiro precisa aproximar-se da realidade, graças aos seus dons naturais ou adquiridos, ao tipo ideal codificado no mito. Não pode ser um cavaleiro verdadeiro sem ser ao mesmo tempo um asceta. Trouxe um modo de comportar-se que tornou viável a convivência entre o sacro e o profano, uma tarefa complementar. Se o sacerdote era chamado à administração dos sacramentos como reparação aos danos sofridos na via espiritual, o cavaleiro era convocado a sanar as consequências dos erros sob a ordem social, devia instaurar e proteger a ordem civil. O sacerdote era o guia no que diz respeito ao relacionamento com Deus; o cavaleiro procurava manter o bom relacionamento terreno.
“O Cavaleiro é um herói por Amor”. Ser cavaleiro era ter uma Pedagogia Iniciática; ser e viver em constante treinamento e aprendizado. Devia servir como um valete, um escudeiro, um noviço que preparava a ação de um grande senhor. Participar de torneios que reavivavam os sonhos de glória, desejos e esperança de um possível amor. Ter um ideal humano que atravessava a história a combater por algo que fosse bom e compensador. Ter a poesia como transfiguração da realidade sufocando a sua rudez. O tema central desta poesia era o Amor e a mulher, o assim chamado
Amor Cortês, um sentimento novo, que não se baseia na atração física, nem na exaltação da sexualidade, mas que fazia da mulher uma imagem ideal. É um puro encantamento pela Dama; o feminino buscado como ideal distante, como uma afirmação de si mesmo. A Dama, a Princesa, bela e distante, é uma metáfora de busca para demonstrar audácia e valor. A mulher aparece como um valioso prêmio, representa uma união real e encarnada com os valores buscados. Marco Bartoli nos diz: “a cultura cavaleiresca representa uma exaltação do amor e da mulher: na realidade, nas narrativas cavaleirescas, a mulher é sim, colocada como sobre um pedestal, mas quem a coloca é sempre o homem, a quem ela deve esta sua promoção (...) Se registrava uma correspondência precisa entre a vida vivida e a vida sonhada, entre a vivência cotidiana e o imaginário fantástico. As virtudes que eram exigidas da mulher eram : prudência, silêncio, discrição, humildade. Todas estas coisas que faziam uma mulher gentil, isto é, como devia ser a filha de um bom “gens”, de uma boa família aristocrática” (BARTOLI, Marco. Chiara d’Assisi. Roma: Istituto Storico dei Cappuccini, 1989, p. 36-39). Os cavaleiros pertenciam a uma Ordem Cavaleiresca. O que significa a Ordem neste caso? Um cavaleiro solitário nem sempre pode manter uma mística completa. Ele precisa de um empenho de vida interior ajudado pelo coletivo. É um encontro entre o aperfeiçoamento pessoal e a força do grupo. Ordem é estar unido a uma entidade com legames sagrados, uma força comum, um espírito comum que vai tomando forma de grupo para manter, de modo comunitário, o sonho de coragem, fé e fidelidade. É viver em confrarias. Sua entrada nestas confrarias não era um sacramento, mas uma série de atos e símbolos com caráter religioso. Havia a Investidura. Pela investidura abençoava-se o cavaleiro incutindo-lhe favores divinos, a perfeição cristã, as graças necessárias para seu estado, a missão de serviço a Deus e à cristandade. Para aquele que recebia a investidura era exigida a conversio morum (a mudança de costumes), a prática de virtudes (confira o Có-51
digo da Cavalaria que trataremos mais adiante). O cavaleiro devia ser sempre um exemplo vivo da conversão dos costumes, prática de caridade, e usar as armas a serviço dos oprimidos e necessitados, ter muita disciplina, cuidar do corpo que está a serviço da milícia. Tinha que ter a consciência que era um peregrino neste mundo e que precisava organizar, cada lugar do mundo, segundo sua bondade, isto é, respeitando as forças estabelecidas, organizando, mesmo nas situações mais caóticas, um modelo de ordem celeste. A cavalaria quis ser um estado superior, um modo de viver, por isso soube gozar verdadeiramente, numa imensidade jamais perdida, as coisas, os fatos e a vida. Continua ainda a atrair, continua a evocar, no sonho e no mito, e nos vem dizer que ainda existe uma tarefa para se cumprir. Vamos então ao Código da Cavalaria Medieval. Ele é um conjunto de virtudes buscadas e exercitadas para criar uma prática vigorosa e disciplinada. Vejamos: FIDELIDADE: É colocar-se a serviço de um valor maior. Ser fiel é acreditar na grandeza da escolha que se fez. Quem se entrega a algo muito grande não tem dificuldade em ser fiel. A fidelidade leva a não arriscar a vida por pouca coisa, mas entregá-la a algo que vale a pena. LEALDADE: É a virtude daquele que nunca se afasta do que realmente vale a pena. É a presença que acredita numa causa comum, é companheirismo, a força dos que caminham juntos nos mesmos sonhos, nos mesmos projetos. OBEDIÊNCIA: A palavra vem do latim medieval ob + audire. Ob significa abertura, acolhida ao espírito, acolhida a inspiração, abrir todos os sentidos para perceber o valor. Audire é escutar mais profundamente, é auscultar, ouvir o que vem de dentro. Escutar um valor maior. Quem escuta a plenitude dos sentidos, quem escuta o valor maior não tem dificuldade em obedecer. Obediência é, portanto, escutar uma grande convocação, uma grande inspiração. É a capacidade de ouvir, acolher e assumir o fio condutor que aos poucos vai surgindo e moldando a vida. É ouvido e olhos bem colados na realidade. CONTROLE DAS PALAVRAS: É controlar os exageros e excessos de palavras, blasfêmias, calú-52
nias, juízos, palavrões, gírias, expressões muito agressivas, fofocas. É a palavra bem dita. Diz a Legenda dos Três Companheiros, referindo-se a São Francisco: “No entanto, era como que naturalmente cortês nos costumes e nas palavras, não dizendo a ninguém, de acordo com o propósito de seu coração, palavra injuriosa ou obscena; pelo contrário, como era jovem e brincalhão e alegre, propôs jamais responder aos que lhe dissessem coisas vergonhosas. Por isso, sua fama se divulgou por quase toda a província, de modo que muitos que o conheciam diziam que ele seria algo de grande”(LTC 1,3).
VASSALIDADE (Ser SERVIÇAL): É servir por Amor. Não é qualquer atividade feita simplesmente por fazer, mas é ter a consciência que se está contribuindo com o Criador e seus atos de cuidado pela vida. É uma ação bem produtiva e bem atenta às necessidades do outro. Não é um fazer visando lucros e honrarias, mas é o estar voltado, gratuitamente, para a pessoa e para a vida. Não fazer por dinheiro, mas por uma causa nobre. Para Francisco de Assis, este espírito de serviço, o moveu a servir leprosos e a trabalhar com camponeses. O serviço faz parte de uma mudança radical de vida, uma conversão. É ir lá e fazer junto; o estar junto com determina o lugar social que se quer abraçar e morar. Toda a ação que se faz está na dependência exclusiva de servir. É ser servo e se fazer naturalmente servo. A sua liberdade e autonomia em servir está em ser servidor de um valor maior. NOBREZA DE COSTUMES: Este é um termo e uma inspiração virtuosa medieval que quer mostrar algo mais do que uma simples herança, um título, uma tradição familiar do assim chamado “sangue azul”. Quando se fala de nobreza, neste
contexto, quer se revelar uma identidade não jurídica, mas sim uma identidade existencial, um modo de ser daquele que tem uma postura nobre, daquele que é naturalmente nobre. Não é um humano qualquer, um humano que se contenta com o banal. É algo mais forte, mais vigoroso! Possui um projeto de vida e o persegue com todas as suas forças. Quem tem claro um projeto de vida sempre tem algo a transmitir, possui um carisma, uma atração muito especial, revela um humano nobre. Afirma R. Delort: “o nobre se distingue por um gênero de vida, por uma mentalidade toda particular, por saber morar, saber vestir, saber exprimir um sentimento, por acreditar em laços edificantes, por inspirar-se em heróis e ter um modelo de vida, por saber ocupar-se, e pelo espírito de combate” (DELORT, R. La vita quotidiana nel medioevo. Roma-Bari, 1989, p. 144). Ser nobre é dar um sentido a tudo o que se faz. É não gastar ou desgastar a vida por pouca coisa (cf. Fidelidade, Lealdade, Obediência), é ter uma medida de grandeza. “A grandeza de uma época depende da quantidade de pessoas capazes de sacrifícios, qualquer que seja o objeto destes sacrifícios. E neste sentido o mundo medieval não está atrás de nenhuma época. Dedicação é a sua palavra de ordem! (...) Com que coisa começa a grandeza? Com a empenhada entrega a uma causa. A grandeza é uma ligação entre um determinado espírito e uma determinada vontade” (Jacob Burckhardt). Ser nobre é ser transparente, sereno, não agressivo, ser cada vez mais nítido e seguro naquilo que se quer. PRODIGALIDADE: É a virtude exercitada em contraposição à avareza e a ambição. É disponibilidade para dar. Uma pessoa é considerada potente e
“O Amor de Francisco e Clara para com a Dama Pobreza e o Esposo Espelho é algo forte porque descreve o movimento de um crescimento secreto”. pródiga em base do que pode oferecer. Um rei, ou um imperador, por exemplo, quando chegava num castelo, dava um banquete para todos, nobres e plebeus; a sua potência era demonstrada nesta generosidade em oferecer, e todos exercitavam a prodigalidade acolhendo o gesto, recebendo com muita abertura. É o saber receber, o que não é tão fácil assim. É um impulso de enamoramento e entrega que se precipita para fora e se desprende em direção a algo ou alguém. Para levar a termo uma entrega é preciso exercitar a acolhida. É dizer: “Sê comigo!” CORTESIA: É a virtude mais característica do Amor Cortês Cavaleiresco. Quem viveu, conhece , lê ou assiste a realidade e a fantasia das legendas cavaleirescas conhece o reino da cortesia. É um tanto difícil dar uma exata definição de cortesia, pois é todo um vasto mundo de significados. Dante dizia “Uso di corte, quando ne le corti anticamente le virtudi e li belli costumi s’usavano” (DANTE. Convívio, II, X, 8). Este é um ponto de partida para a compreensão: os costumes e usos da corte para se trabalhar a virtuosidade. Isto compreende uma série de valores: lealdade, generosidade, prodigalidade, fineza no trato, atenção devota à pessoa do outro, gênio do gosto, comunidade dos que amam o belo. Cortesia não é etiqueta, nem regras de civilidade, nem manual
de boa educação, mas é uma expressão insubornável de um sentimento interior; é o modo como o outro(a) deve ser amado(a) de um modo verdadeiro. É um relacionamento de respeito, retidão e sinceridade. É não se desconsertar diante de nenhuma situação ou pessoa. É acolher a pessoa na sua grandeza. É colocá-la num acolhimento de bondade, num clima de bondade para que ela se sinta bem. É deixar transparecer uma serenidade existencial. Um tratamento seguro e amável que eleva a pessoa. É o cuidado com as palavras (cfr. acima o Controle das Palavras). Uma palavra dita de um modo sereno e humano motiva e recupera o humano. A cortesia reluz através de gestos de mansidão, fraternidade, gentileza, paciência, afabilidade e serenidade. Não esqueçam o que repetimos, como um refrão, em todo o nosso curso: uma virtude puxa outras virtudes. PRUDÊNCIA: É agir com moderação, sem precipitação. É a pessoa cautelosa, comedida e atenta; aquela que evita ocasiões de erros. Sensatez. CORAGEM: A palavra coragem tem raiz no latim, cor + agere, e significa agir com o coração, agir com a força que vem de dentro, buscar as forças interiores para realizar algo. A ação vem de um impulso da segurança interna. Tem o medo dominado e não precisa de subterfúgios (como armas, por exemplo) para fazer valer o seu poder e seu domínio. O corajoso é aquele que está no domínio do próprio poder. GENTILEZA: Vem de gen, isto é, o que tem um bom gen, o bem nascido, bem educado, bem criado; tem boa verve. Faz com extrema educação. HEROÍSMO: É a virtude do herói. Quem é o herói? O herói é aquela pessoa que, por seu conjunto de virtudes, é protagonista de atos que o transformam em melhor vencedor pelas forças das qualidades que o habitam. Passa por situações difíceis e enfrenta os limites, mas carrega isto com galhardia. É a
mística da resistência. É firme, decidido, seguro. Para o herói não há indecisão, a indecisão é o espírito não amadurecido para dialogar com a vida. SEGREDO: É o saber guardar-se. Num mundo onde somos invadidos e consumidos por todos os lados, precisamos acreditar naquilo que está oculto, naquilo que não deve ser contaminado, nem esvaziado. Não é apenas um simples esconder, mas sim deixar transparecer a força de um grande amor, de um grande projeto de vida. Quem foi tocado pelo Amor guarda segredo. Não é apenas o não contar para ninguém. É muito mais que isto! É estar sempre no apreço; é esperar alguém capaz de apreciar. Segredo é comunhão de duas almas e não o barulho da publicidade. É sintonia silenciosa e íntima. É ir à clareza de tudo o que vai se criando no silêncio e não no rumor de ser igual a todo mundo. O segredo é uma coisa preciosa, íntima, profunda. Tem que ser germinado no escondido. A terra não faz assim? Onde a semente nasce e cresce senão no escondido das profundezas do chão? É preciso ser germinado no oculto do espaço da profundidade. O segredo não é posse de si, mas é fenômeno que nasce de si; é o preparo fundamental para o social, para o público. Hoje muita gente fracassa publicamente porque não tem o recolhimento da profundidade pessoal. Se a semente do que buscamos é grande, então é preciso nos recolher para a força da raiz. Quantas vezes não ouvimos esta pergunta que gerou livros, obras, filmes, teatros e ensaios: Qual o segredo de Francisco e Clara? O Amor de Francisco e Clara para com a Dama Pobreza e o Esposo Espelho é algo forte porque descreve o movimento de um crescimento secreto; quanto mais precioso, mais vai para o oculto da raiz, mais nasce, mais desabrocha. Para o mundo não deve interessar o que eles são no segredo dos dois seres sublimados e consagrados; para o mundo deve interessar o que são a partir da obra que realizaram e deixaram há 800 anos. O segredo verdadeiro é o movimento dinâmico da dimensão da profundidade humana. Ao crescer bem no particular torna-se força para o fraterno, para o comunitário. -53
7º Encontro | “Virtudes Franciscanas”
C
hegamos num ponto de nosso percurso onde vamos tratar das Virtudes tipicamente Franciscanas. Já refletimos, preparando esta parte, sobre a Virtus in medio. Esta expressão vem de um ditado latino, muito em evidência no período medieval, que significa: a virtude está no meio. Meio aqui entendido como ponto de equilíbrio, a força que vem da harmonia. Um processo que inspirava os penitentes de então: a contínua eliminação de excessos, para chegar à medida exata do coração, e com serenidade, superar as vicissitudes e perturbações. Como diz Hermógenes Harada: “Há a versão “soft” e a versão “hard” dessa harmonia preestabelecida. A “soft” diz que a pessoa virtuosa é sem tribulações e contrariedades. Sem cortes abruptos e sem por limites bruscos na sua personalidade. É como as águas mansas de um lago sem ondas. Está no gozo da harmonia perfeita, natural. Nela, dificuldades e desgastes, suores e sofrimentos do árduo mourejar estão superados e não podem existir. É a serenidade das águas mansas. A versão “hard” diz: o vir-54
tuoso é um lutador. Deve ser firme, impávido, estóico, imutável e disciplinado. Domina soberano todas as suas paixões. É senhor de si e das situações. É a fortaleza das rochas no meio das águas impetuosas”. O caminho das Virtudes tipicamente franciscanas passa pela busca incansável dos dons e frutos do Espírito, pelos Conselhos Evangélicos, que são tantos, mas intensamente convergentes nos três conselhos que se tornam Votos: Obediência, Pobreza (sine proprium) e Pureza de Coração; e tem muita inspiração nos votos cavaleirescos. Se a força do Movimento que nasce naquele momento e move Assis, transforma-se em Ordem e abala o mundo, foi um caminho de virtuosidade, e que bebeu em seu tempo os anseios por uma qualidade humana; hoje também estamos numa época, em que na moral, na ética, na teologia, na espiritualidade, na filosofia de identidade, volta-
-se a falar de virtudes. Antigos tratados são retomados à luz dos desafios de novos tempos. Na passagem entre a era industrial e a época pós-moderna, a pessoa virtuosa era considerada aquela que tinha ares e práticas consideradas piedosas e beatas. Hoje se destina e molda pessoas de beatitude, isto é, pessoas realizadas, felizes, vigorosas, éticas, modelos vivos, engajadas em causas nobres da contemporaneidade. Hoje pessoas virtuosas são aquelas que estão no empenho e desempenho de superar-se. Diz Mestre Eckhardt (1260-1327): “O humano não deve achar sua obra boa, por melhor que ele a tenha executado, a tal ponto de se sentir nela à vontade e assegurado de si. Pois, se tal acontecer, a sua capacidade de captar, a sua razão se tornará preguiçosa e adormecerá. Antes, deve continuamente se levantar e erguer-se, com ambas as forças de seu ser, isto é, com razão e vontade, e neste alçar-se, agarrar o melhor de si, a sua identidade, no mais alto grau. E, com cuidado e ponderação, precaver-se, por dentro e por fora, contra toda e qualquer falha nessa ação. Se assim o fizer, ele jamais perderá o ser em nenhuma coisa; antes, crescerá sem cessar em alto grau” (ECKHARDT, Meister. O Livro da Divina Consolação e Outros Textos Seletos. Petrópolis: Vozes, 1991, p 110).
“O franciscanismo é um modo místico, espiritual, existencial, cultural e sensível de estar na vida”. Voltemos ao tema das Virtudes tipicamente Franciscanas. O mundo de seguidores da vida franciscana tem como modelo São Francisco de Assis, um homem virtuoso. Ele mesmo personalizava as virtudes, por isso as chamamos tipicamente franciscanas. Diz o grande historiador Jacques Le Goff: “(Francisco) revela a profunda marca de um amor cortês que confere admirável expressão aos sentimentos do santo por sua dama, a Senhora Pobreza, e ao seu “amor intenso e genuíno pelo próximo”, sem falar da “cortesia fraterna” em relação a toda criação, inclusive “nossa irmã Morte corporal”, dádiva graciosa de um senhor em quem se encarna um ideal feudal interiorizado em termos de família, pai, mãe, irmão, irmã.”(in: Frugoni, Chiara. Vida de um Homem: Francisco de Assis. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 12.). Por que virtudes tipicamente franciscanas? Por ser o modo, o ponto de vista, ou melhor, o ponto de partida, da aventura do Espírito para elucidar o sentido da vida. É o dever ser, a força ética, o jeito próprio de morar e reconstruir a moradia. O “ethos” franciscano tem um jeito típico de educar, disciplinar, cultivar uma identidade sonhada. É o “eu devo”, “eu posso”, “eu quero” percorrer um caminho virtuoso. “De boa vontade o farei, Senhor! (LTC, 13) É formar-se, de olho nas Fontes Franciscanas e Clarianas, perceber a força que deu qualidade a um grupo humano nobre, fraterno, humano e divino ao mesmo tempo. Elas brotaram da verdade de quem olhou as manifes-
tações do Espírito, abraçou como comprometimento a Boa Nova, as virtudes do Evangelho, Jesus Cristo, Francisco de Assis, Clara de Assis e a essência do humano que daí se revela. Melhorar o humano é entrar numa escola de virtudes e dar um acabamento melhor ao humano, experimentando o que a experiência franciscana traçou e viveu como projeto de vida. Nem sempre sozinho conquisto uma identidade; mas é a tarefa de refazer a boa caminhada de muitos. Vamos elencar Algumas Virtudes Tipicamente Franciscanas: MINORIDADE: É a renúncia do status de quem tem, pode e sabe. É não apropriar-se do próprio poder, mas conviver com a força de tudo e de todos. É a renúncia da superioridade. Se o mar, vindo da potência de sua interioridade, não tivesse a coragem de morrer mansamente na praia, não haveria o espetáculo das ondas, não haveria a magia da praia. Muitos ligam a minoridade à pobreza, ao desapego, a desinstalação. Isto é, apenas uma natural consequência, uma irradiação do ser menor. A minoridade é um modo de ser, uma forma de vida. É a conformidade com a grandeza e onipotência de um Deus que se revelou na simplicidade de um Menino.
“A minoridade é a humanidade da Divindade”. Um Deus, que no seu amor tão grande Encarnou-se em Jesus Cristo e experimentou estábulo, manjedoura, fuga para o Egito, ceia, lava-pés, colocou o coração divino nas mãos, nos pés, nas palavras e se misturou na paisagem do humano. A minoridade remete à vassalidade, ao serviço, ao ser servo. Na Carta aos Fiéis, 47, diz São Francisco: “Nunca devemos desejar estar acima dos outros, mas antes devemos ser servos e submissos a toda humana criatura por causa de Deus”. É não usar o cargo como cargo de mando, mas de serviço prestado por amor. Ser menor é amar com um amor que não faz acepção de pessoas. Ama a todos incondicionalmente, ricos
e pobres, bons e maus, fracos e fortes, amigos e inimigos, simpáticos e antipáticos. Ser menor é não querer estar acima dos outros ou acima de tudo, mas testemunhar uma presença silenciosa e amorosa. A minoridade é a humanidade da Divindade. É ver a gritante simplicidade como Deus ama e, sob o filtro do Evangelho, amar assim do jeito do Deus de Nosso Senhor Jesus Cristo. A minoridade é a consciência e a afirmação do ser criatura. Ser pequeno diante da grandeza de o todo ser criado, ser irmão e irmã de toda família criatural, estar num perene estado de gratidão e graça. É como o primeiro e remelento olhar de criança se abrindo ao mundo num encontro de brilhos. A minoridade é fé; não no sentido de conjunto de doutrinas para se crer, mas como admiração, enamoramento, abandono ao colo da vida. Ver todas as coisas com olhar de poeta e sentir-se um nada diante da grandeza de tudo. BELO, BOM, BONDADE: O grande mestre de Paris, o franciscano Alexandre de Halles, sintetiza esta força virtuosa criando a reflexão sobre o Belo e o Bom, a estética franciscana. O que é o belo e o bom? Ele mesmo, entra no hábito franciscano, vai para dentro da academia com os pés descalços e o máximo despojamento, na fluência da transparência do simples e natural. Ele diz que o belo e o bom revelam grande expressividade da mística da Encarnação: o Deus Humilde aparece na beleza da Criança, na tessitura da bondade. É a redescoberta do que a vida tem de melhor: convocação divina e convocação do amor! O Belo é o transparente e o transcendente, o Uno e o Vero. O Belo é sempre percepção, chamado, apelo, um grito para perceber o real, o palpável, o sensível. Não podemos estar no grito de abandono de todas as coisas, é preciso vê-las, percebê-las, senti-las. A forma do Belo, (ver a Beleza de tudo o que é), torna-se amada e imitada, cria o discipulado e arrasta. Não basta só um entusiasmo inicial, é preciso um dinamismo constante, um impulso de vida exercitado na convivência com o valor de todas as coisas. Quanto mais você entra neste dinamismo mais se -55
“Louvado sejas, meu Senhor, pela Irmã Água que é mui útil, humilde, preciosa e casta”. torna vivaz (percebe a vida que está dentro) e mais a vida floresce; então se descobre a arte da vida. O que é a Arte, ou melhor, a virtuosidade da Arte? É ser um artista da vida. O artista é aquele que vive imerso nas estruturas da vida e nelas coloca a sua profundidade, a sua interioridade, a sua sensibilidade. Neste sentido, é preciso, ser, ter, fazer e conhecer a arte para se ter um projeto de vida. O franciscanismo é um modo místico, espiritual, existencial, cultural e sensível de estar na vida. Não é só aplicação técnica de uma filosofia de vida ou postura de vida, mas é saber que a vida é Arte Divina e Arte Humana, é Lógica de Amor, isto é, um grande encontro entre a inspiração, o sopro, o hálito que dá vida a tudo com o Humano, com o Divino e a Fraternidade. A partir daí o belo não basta, é preciso ser bom. O que faz a pessoa bonita é a Bondade. A bondade é uma virtude; e a virtuosidade, como um conjunto de virtudes, é a beleza maior e a mola propulsora de todos os gestos de amor e cuidado. O que faz o mundo bonito é a bondade esparramada de todas as coisas: “Louvado sejas, meu Senhor, pela Irmã Água que é mui útil, humilde, preciosa e casta”. A fecundidade da vida vem deste movimento. A terra boa é o coração belo e bom. Esta é a síntese da perfeição. O belo é a expressão natural e perfeita do bem. O bom é a plenitude da caridade. Francisco viveu esta experiência. O mestre da Paris escreve e impulsiona esta reflexão. Alexandre de Halles descobre a filosofia franciscana da Beleza como difusão do Bem: esta é a verdadeira estética do Simples. O invisível e o visível, a essência, a medula, a profundidade tomam forma, quantidade, cor e qualidade. Sai de si e atinge o humano. Como um ato amoroso da vida toma forma num corpo. Torna-se -56
figura, imagem. Como? Com o vigor da simplicidade, da transparência. Para isso é preciso saber sentir, escutar e ver. Sensibilidade à flor da pele, a Palavra nos ouvidos e a Imagem nos olhos. Perceber e amar. Escutar e crer. Ver e professar. Disto surge uma bela e boa espiritualidade. Para o franciscanismo ver, falar e escrever e igual a pintar. As virtudes do belo e do bom nos fazem artistas que esculpem e pintam o mais belo quadro da Paisagem do Humano e da Paisagem do Divino. Somente assim a palavra ressoa e refulge, encarna-se, plastifica-se. Somente assim podemos compreender Francisco, o canto das criaturas. Francisco não quer possuir as criaturas, mas cantar o valor e a beleza que elas possuem. É a arte de conhecer e reconhecer os dons e as virtudes da existência. Reconhecer é fazer então uma nova criação. Recriar com o Criador. É perceber que o Belo é alegria e o Bom uma sabedoria criadora; enfim, é ver todo o criado impregnado de Beleza. Para o franciscanismo o humano é a sinfonia de Deus e por isso deve conquistar a harmonia espelhando-se na harmonia do natural.
Quando alguém é unificado por uma intensa experiência afetiva e espiritual torna-se uma fonte. O movimento franciscano, que brota da estética do belo e do bom, tem sua base em alguém: a experiência concreta e vital de Francisco de Assis, um homem de coração enamorado pela vida e pelo Deus da vida! O seu forte amor pro-
gressivo e cheio de energia faz com que ele e seus seguidores e seguidoras tornassem criadores e criativos. Daí surge uma arte de viver. A fonte da Arte Franciscana é a paixão. O apaixonado é sensível, antenado, real e contemplativo. Escolhe o natural e transforma o natural numa linguagem. O natural sempre nos atinge e nos refaz. Existe a Beleza do Simples? O que é a Beleza do Simples? É descobrir e fazer aparecer o modesto em sua força. Uma fragilidade que é potência. A grandiosidade da vida, do mundo e das pessoas só é dada para quem tem os olhos voltados para esta Beleza. Queria abrir, neste ponto da reflexão, um fato que a meu ver é um fenômeno que vem do Belo e do Bom. São Francisco é o santo mais representado na iconografia. Podemos ir muitas feiras de artesanato, em lojas de artigos para presentes, em loja de antiguidades e outros objetos de decoração, em lojas de artigos religiosos, em bancas de artistas autônomos e anônimos, em galerias de artes e em muitas exposições de pintura e escultura; sempre estará ali uma imagem, um quadro, um banner, um pôster, um arranjo com São Francisco. Muitos artistas, religiosos ou não, o moldam e pintam. Por quê? Será porque há estudiosos do fenômeno religioso que o apontam como o maior herói religioso depois de Jesus Cristo? Ou porque ele é um arquétipo humano, o melhor de nós, uma expressão cristalina das virtudes que sonhamos. O humano divino que gostaríamos de ser. Ele, no seu modo de ser natural, foi pródigo, nobre, jovial, cordial, magnânimo, penitente, generoso, amigo, cavaleiro, terno e fraterno. Criou uma revolução de amor e, por isso mesmo, tornou-se um reformulador social e eclesial. Permanece para sempre nas representações da humanidade porque tinha consciência historial, vive intensamente a sua época e mostra algo de novo para o seu tempo. Um homem cheio de encontro, de amor, de brilho, sem cair no pieguismo. Para o povo e para os artistas ele é a visualização das virtudes que gostaríamos de ter e que podemos ter. Ele é a teologia da imagem. O que é a teologia da imagem?
É perceber que a transparência é carisma maior. Ser uma pessoa verdadeiramente espiritual é a maior evangelização, a maior missão, a maior pastoral que existe. Ele é o que é! Onde passa, toca, fala e acolhe, ali nasce alguma coisa. Ele é o santo do Amor, da paz, da convivência. Ama intensamente e deixa que o Amor viva intensamente nele. O Amor se fez forma nele e o estigmatizou. Ele incorporou todos os dons que um humano pode receber do Divino. As imagens, quadros e esculturas sobre Francisco querem dizer o que? Elas são uma constante recordação de que precisamos a cada dia encher a nossa vida do Belo e do Bom. Ele é
uma coisa boa de ver-se! Olhar o santo e encher-se de graça. Não é a adoração de um ídolo, mas é abraçar um modelo referencial de grandeza. São Francisco desejou ardentemente fazer o bem. Quem faz ardentemente o bem em vida continua fazendo o bem após a morte. Quem ama intensamente sempre se eterniza em todas as representações. Quem não vive para si mesmo ultrapassa a barreira do tempo e se atualiza numa obra perene. Ele teve a firme e forte vontade de realizar tudo o que queria, por isso permanece. Ao vê-lo nós refazemos a nossa vontade, às vezes tão fragmentada. Olhamos para ele para cuidar do Espírito. Hoje, o mundo das agências
de top models olha para a representação humana para cuidar de que? Francisco transmite uma energia divina vivendo no humano. Ele é a expressão simples e reveladora da pureza de coração, da mansidão, da fortaleza, do amor fecundo. Ele é uma sensibilidade suspensa no ar, numa vitalidade que transparece. Num coração aberto para o Absoluto, o Pai sempre deposita sua beleza. Os artistas captam isso com mais facilidade e mostram que o espírito sempre trabalha na imagem. Não seria este o segredo de tantas representações? Quem vê um belo panorama se enamora, se encanta.Se nos colocarmos diante do vazio, como apaixonarmos?
8º Encontro | “Virtudes Franciscanas - 02”
C
UIDADO (o Saber Cuidar): É uma virtude que está sendo resgatada. Nunca se falou tanto de cuidado. A luta hoje é resgatar o cuidado. O cuidado é fundamental para que possamos elevar o nosso patamar civilizatório. A essência do humano não está na razão, na técnica, na inteligência ou na capacidade de criar condições materiais para a subsistência. A essência do humano está no cuidado. Se o ser humano não cuida da vida a vida não subsiste; a falta de cuidado leva sempre a grandes crises. Se começamos a cuidar tudo começa a dar certo. O cuidado traz as virtudes essenciais da caridade, da solidariedade, da hospitalidade, da cortesia, da generosidade, fraternidade, gentileza, reverência, respeito, sensibili-
dade, e a vassalidade (o ser serviçal). A estrutura básica do humano não é a razão, mas o afeto, antes da razão vem o afeto e o afeto é fundamental para o cuidado. A nossa contemporaneidade beatificou e santificou duas heroínas do cuidado: Madre Tereza de Calcutá e Irmã Dulce da Bahia, que cuidaram da vida moribunda da rua. Governos cuidam de bancos, empresas, grupos de interesses, mas não cuidam de pessoas. Querem a obra social, mas não querem o doente, o mutilado, o fétido, o sem nada. Escolas cuidam de preparar para o mercado, mas não cuidam da solidariedade. Igrejas cuidam do status hierárquico, da precisão litúrgicas, das pompas cerimonialísticas... e a pessoa, a pessoa é prioridade para estas grandes instituições que existem com a única finalidade de cuidar do humano? Quem quer o detalhado espírito de fineza e sensibilidade? Temos que voltar a pensar, procurar e imitar as figuras exemplares da sociedade que nos testemunharam um total cuidado pela vida em todas as suas dimensões. Hoje buscamos muitas
terapias para curar, erradicar, sanar, mas temos que estar cientes que a única forma de cura é cuidar; esta é a grande clínica do humano, a clínica do coração e do afeto. Francisco de Assis viveu há 800 anos e é sempre novo. Por quê? Porque foi o homem do enternecimento, da aproximação com o excluído, da ternura e vigor, da paz, da valorização de cada detalhe da natureza, de não perder nunca a sua humanidade e transformar em prece a sua alma: Meu Deus é meu Tudo! Fez de cada ação um projeto infinito, no simples, no modesto; no humilde fez aparecer o grande. Nós, modernos, temos muito que aprender com ele. Nós, herdeiros de uma cultura que tudo materializa e tudo vende, entregamos o espiritual para as religiões. Ele entregou o espiritual para a louvação de todas as criaturas, colocou o espiritual presente em tudo, mostrou que o universo está empapado do Espírito de Senhor e por isso não pode ser maltratado. Mostrou para nós que religião, mais do que professar é sentir, como diz uma paradigmática canção franciscana: “Doce é sentir, em meu coração, humildemente vai nascendo o Amor... doce é saber, não estou sozinho, sou uma parte de uma imensa vida...” Em tudo, Francisco de Assis redescobriu a grande fraternidade universal e o uni-57
versalismo fraterno e recriou o mundo com o Criador. Ele nos inspira a cuidar da vida em seu todo, a cuidar da natureza. Isto não é apenas um gerenciamento racional e sustentável de recursos da natureza, mas é o modo de relacionar-se com a natureza, o modo de relacionar-se com a realidade total da existência: o físico, o mineral, o vegetal, o biológico, o animal, o consciente, o espiritual... onde tudo nos irmana, tudo se integra, nada se separa. A vida é uma rede de relações; nada existe fora disto. Se não cuido desta integração posso esfacelar a vida. O cuidado pela vida carrega uma promessa, um futuro. Deus mesmo nos ensinou o universo das relações cuidadosas, e o amoroso cuidado por todos os seres. Ele mesmo é uma fonte originária (Pai e Mãe), que está acima de nós com a sua fontal presença. Ele está dentro de nós (numa comunhão de amor, o Espírito Santo que preenche toda a terra com seu sopro criador e renova todas as coisas); Ele está ao nosso lado na irmandade, consanguinidade e fraternidade filial (o Filho). Cuidar é não separar fé, natureza e universo, cosmo, planeta, terra e espécie humana. O que precisamos cuidar? Em primeiro lugar precisamos parar de trabalhar exageradamente com a nossa negatividade. Parar com este discurso de jornal televisivo de que tudo está ruim: a vida, a conjuntura, as relações, o mundo, as coisas, as pessoas, a rua, a cidade, a qualidade de vida, a política, a família e a comida. Precisamos vibrar mais com a positividade, cuidar da positividade, este lado sadio da existência. Investir mais na integridade, na inteireza do ser, respirar e transpirar mais o belo e o bom (confira a reflexão anterior), deixar a boa energia passar. Evitar esta carga pesada de excesso de preocupações, doenças, anfetaminas, ritalina, receitas e queixas. Evitar as preocupações -58
econômico-financeiras que nos levam, cada dia, às peregrinações aos caixas eletrônicos, lugar de consulta, aplicações, reservas e poupanças. É bom e necessário que isto exista, mas vamos aprender com São Francisco, ele nos ensinou que dinheiro não é para acumular, mas sim para cuidar da vida. Precisamos cuidar do afeto. Não reprimir o afeto, o amor, a ternura. Muito cuidado com discursos religiosos que reprimem o afeto! Religião que diz muito não é sadia. Condenar o afeto é reprimir o Amor. Precisamos ter o cuidado de não impedir o desejo de ser melhor, o desejo de plenitude, o desejo das bem aventuranças. Estar sempre ao lado da vida para vencer o medo da morte. Vencer os medos é escutar mais os desejos do coração. É preciso cuidar do sentimento. Cuidar de fazer fluir o amor que se direciona para algo, para alguém, para um grande projeto de vida. O que passa pelo coração naturalmente e necessariamente se transforma em amor. Isto nos leva prioritariamente a cuidar de alguém. Cuidar do que é humano, são e santo. Não separe o humano aquilo que Deus uniu. E o que Deus uniu? Humano e divino, espírito e matéria, efetividade e afetividade. É preciso cuidar do emotivo e do afetivo; mergulhar na sensibilidade. Não pode faltar o Bem Amado, a Bem Amada como razão da existência. “Só o Bem Amado dá sentido à vida. É melhor viver no inferno com Ele, do que no céu sem Ele. Ele é o Bem, todo o Bem, o Bem Universal, a plenitude do Bem. Ele á força propulsora, a atração enamorante, o êxtase transfigurante e mortal. Ele é a vida e a morte, a dor que vale a pena ser abraçada, o caminho que tem que ser seguido. Ele é a palavra que sustenta a fé, o móvel que nos descentra, a voz que nos chama. Por causa d’Ele, a lepra é doçura e o deserto um desafio que esconde uma terra prometida. Ele é tudo! Como diz Ângelus Silesius: “Ele é verdade e palavra, luz e vida, alimento e bebida, caminho e peregrino, porta e repouso, bastão, luz, brinquedo, pai, irmão e filho, mãe e namorada, esposa e filha. Ele é genuflexório onde nos ajoelhamos para adorá-lo. Ele é a familia-
ridade que buscamos e a identidade mais profunda que temos e somos. Ele só é atingido quando não somos mais nós que vivemos, mas quando Ele vive em nós. O nosso eu é Ele e Ele toma o lugar do nosso Eu, marcando-nos com as chagas de seu intenso Amor”.
“É preciso cuidar de escutar sempre a voz interior!” É preciso cuidar de escutar sempre a voz interior! Há uma convocação para existir! Ser atravessado por esta grande convocação, ser atravessado por uma presença. Ser atravessado por esta presença que me diz que eu tenho que fazer na vida algo de muito grande, que ninguém pode fazer por mim. O modo de amar de cada um não é igual ao do outro. A água molha todas as flores, mas cada uma nasce com a cor e o viço próprio. Esta convocação para amar já é um caminho espiritual. “Francisco, vai! Reconstrói a minha casa!” É a escuta da voz interior. É a revelação de um fazer a partir da mais profunda identidade. Quem vê o rio tem que perceber a presença da fonte... e quem me vê, quem vê o meu ser...vê o quê? É preciso cuidar da qualidade das relações. Na qualidade da relação existe uma revelação. Cuidar da atenção, ser muito presente, ser muito perceptível, muito atento. Nutrir-se do aqui e do agora, ser sempre um ser de encontro. Cuidar da utopia humana, cuidar do humano pleno. Refazer a experiência de Jesus, Francisco, Clara. Eles são seres que dão testemunho de uma plenitude e nos ensinam que nós podemos aprender e evoluir. Eles nos ajudam a nos identificarmos com o melhor e
“Obedecer é descobrir um grande valor, é compreender a própria vida à luz de uma grande convocação, é interpretar a lógica de amor nos detalhes da vida, é discernimento, é agir criativo”. a ser tudo o que pudermos ser para atingir o melhor... e não descansar. A verdadeira transformação só é possível quando você se torna quem você é! Isto é relevante para a vida humana. Cuidar nos ensina a ver para além de nós mesmos, nos ensina a ver a vida em suas relações espirituais, afetivas, sociais, políticas e profissionais. É uma ação de envolvimento de pessoas, uma reciprocidade ativa. É comunhão, inspiração para relações fraternas... enfim, cuidar é elevar a qualidade de vida. Cuidar é transformar! É fazer surgir um novo ser humano (cf. BOFF, Leonardo. Saber Cuidar. Petrópolis: Vozes, 1999; LELOUP, Jean-Yves. Uma arte de cuidar. Petrópolis: Vozes, 2007). DISCIPULADO: A tarefa do discípulo é estar aos pés do Mestre. O discípulo é aquele que está sempre num contínuo aprendizado; é tarefa para toda vida, é o eterno aprendiz. Aprender vem da raiz latina discere e daí derivam as palavras discípulo, discipulado, disciplina. Estar aos pés do Mestre e escutar seu ensinamento, escutar a sua palavra e ampliar. Afeiçoado ao Mestre experimenta o seguimento e a imitação. O discipulado traz as virtudes do respeito e da reverência. Diante do Mestre reconhece a sua originalidade, a sua autenticidade a sua coerência e se sente cativado por ela. Dá um sim de absoluta confiança. Não arrisca a vida por qualquer coisa, mas pelo direcionamento positivo do Mestre. O discipulado é a virtude que traz constância, firmeza, perseverança na busca, tenacidade. O discipulado reencanta a obediência como precisão da vontade. Obedecer é descobrir um grande valor, é compreender a própria vida à luz de uma grande convocação, é interpretar a lógica de amor nos detalhes da vida, é discernimento, é agir criativo. O discípulo não mede esforços para estar junto ao Mestre e aprender. Diz Hermógenes Harada: “O discípulo busca ter grande desejo e se engaja na obra discipular. O discípulo, quando quer, uma vez de-
cidido, imediatamente, simplesmente faz. Querer é fazer. Ele não diz querer é poder; diz antes, humildemente: querer é fazer. Mas pode fazer tudo o que quer? Sim, mas da seguinte maneira: realiza a obra, muitas vezes pequenina, o que pode, o que sabe e em grande desejo o que não pode. [...] O grande desejo significa aquela abertura na reverência e positividade absoluta à tarefa proposta. É uma postura na qual jamais está em jogo ou em dúvida a decisão de gostar, admirar, querer, de se empenhar para conseguir. Esse grande desejo garante de antemão a continuidade do trabalho, a ausência do desânimo, a eliminação, a imunização contra a toxina do ressentimento e frustração por não progredir ou não poder gozar de imediato o fruto desejado. A dinâmica do grande desejo, o discípulo cultiva sempre de novo, olhando com grande desejo o fim, se afeiçoando cada vez mais a ele, e então, a partir desse esquentamento, faz a obra do que pode fazer. Concentra toda a energia acumulada no grande desejo para descarregar a energia infinita na pequena obra bem finita e determinada da hora presente, como se estivesse realizando a maior obra. Busca pois o infinito no finito e encontra o finito como infinito.” Diante da convocação do Crucifixo de São Damião, Francisco de Assis responde: “De boa vontade o farei, Senhor!” (LTC 5,13). No discipulado é essencial apresentar-se com boa vontade. Aqui a vontade
é enraizada na vontade do Mestre, é a vontade obediente, aberta, disposta, vigorosa, animada. É deixar fluir na própria vontade a vontade de Deus. A boa vontade traz o cultivo das virtudes da humildade, docilidade, fortaleza, paciência, tenacidade, resistência. Esta boa vontade gera uma forte espiritualidade como aquela espiritualidade que nos deram Domingos, Inácio, Teresa, Francisco, os mestres do seguimento. GENEROSIDADE: É a ação baseada em valores já trabalhados a partir do nascido, isto é, da boa educação recebida desde o berço e que continua gerando muita disponibilidade. É estar sempre disposto, bem preparado para fazer o que deve ser feito com qualidade. Este preparo vem da terra da própria formação pessoal, familiar e fraterna. Com naturalidade e iniciativa faz com espontaneidade e segurança. DIÁLOGO: Através da palavra, da comunicação, através da fala e de uma grande capacidade de escuta, entra no mundo das ideias num intercâmbio de compreensão. O diálogo recupera uma fala e uma escuta terapêutica: faz bem e permite atravessar os medos e incertezas. Dialogar é também saber silenciar. O falar e o pensar têm muito a ver com o silenciar. PERSEVERANÇA: É a tenacidade dos que não desistem nunca. É manter o ritmo da persistência na busca apaixonada em atingir uma meta. É não entregar-se jamais! Esta virtude tem a ver com o heroísmo, que é feito da busca incessante, da pertinácia incansável daqueles que não param à beira do caminho. É permanecer no sonho. Como diz Walter Hugo de Almeida: “Somente os que acreditam na verdade dos sonhos é que chegam à vitória”. SENSIBILIDADE: É o sprit de finesse, isto é, o espírito de plena atenção, fineza e cuidado. Colocar todos os sentidos para perceber a vida e os detalhes da vida. Não deixar nada passar despercebido. Afinar o espírito para ver, sentir, exercitar a atenção constante. O franciscanismo (cf. O Belo e o Bom) nos ajuda a criar uma estética de muita sensibilidade, isto é, de ter gestos de leveza, delicadeza, sutileza nas atitudes e relações. Uma grande sensibilidade para com as pessoas, para com a vida e para com todos os seres. -59
9º Encontro | “Elenco de Virtudes para a iluminação da existência”
S
OLIDARIEDADE: Francisco de Assis agrupou pessoas para viver com elas valores enraizados no Evangelho e no sonho da Fraternidade. O grupo primitivo de Francisco não passou despercebido porque teve um modo original de se expressar socialmente: viver simples, vestir-se simples, estar entre os simples, cuidar dos chagados e ajudar camponeses. Seus primeiros companheiros e pouco tempo depois, Clara de Assis e suas companheiras que se juntaram a eles, vieram de várias categorias sociais; mas o seu propósito tão claro, criou uma única classe humana: a dos que fazem o Amor ser realmente amado! Escolhem -60
a itinerância e a contemplação como um modo de vida e isso os ajuda a viver o desprendimento, a mobilidade, o privilégio de não ter privilégios, a liberdade, a igualdade, e uma prática da caridade que garante a realização do Evangelho e uma visão de mundo muito sensível. Este grupo, sem usar este termo, viveu a solidariedade como a fecundidade social do amor. Fazem a experiência de dar e receber; a experiência de esmolar; e a esmola não era só o que se recebia como doação ou que se oferecia prodigamente, mas era, sobretudo, estar no lugar onde estavam as necessidades dos doentes e leprosos, dos pobres e fracos, dos mendigos, dos lascados,
dos excluídos, dos irmãos e irmãs, da gente marginalizada e desprezada. Aqui começa para esta fraternidade a primeira prática solidária: o que eu tenho eu dou, porque é preciso viver não para si mesmo, mas em favor dos que necessitam; e viver era suprir, oferecer, estar junto dividir, providenciar o necessário (cf. Rnb 9). Assim cresceram eles e todos os que participavam deste modo de ser, pois quem vai ao encontro da necessidade alheia devolve à pessoa a sua beleza e dignidade. Porque decidiram viver nas ruas e pelos caminhos Assis, pelas estradas da Úmbria e do mundo, da portaria do mosteiro de São Damião a todas as portas abertas das necessidades
sociais, perceberam os malvistos, os malcuidados, os mal educados, os banidos e os que são vítimas de preconceitos de castas e credos. É assim mesmo! Quem decidiu seguir as sendas de Jesus Cristo, consegue ver melhor o faminto, o preso, o nu, o sedento, o pequeno, o sofrido e o paralítico. Não tem como não filtrar tudo pelos olhos do Evangelho e suas práticas. Na sua origem o Projeto Franciscano, teologicamente, é centrado na Encarnação, na Paixão e na Eucaristia. A Encarnação é de um Deus que vem morar junto, é humano, é carne da nossa carne, é raça, é Filho do Homem, é um atencioso pleno de cuidado solidário. A Paixão mostra que a Cruz não é fim; é fonte! Fonte de capacidade do Amor se entregar até as últimas consequências. Morrer prometendo ao contrário o paraíso e arrumando uma Mãe para o discípulo e para o mundo. A Cruz fala em meio a enigmas, entregas e incompreensões, mas sempre fala e manda reconstruir! A Eucaristia lembra, cada dia e em todos os lugares, a partilha, o fortalecer a caminhada, o dar um pedaço de si, revelando nele a própria natureza, alimentando de um Deus que se faz humildade e comida para tocar o humano nas suas entranhas. É fazer-se inteiro em cada pedaço! A Eucaristia faz ir para a mesa quem mais precisa.
Francisco de Assis ensinou a solidariedade através do Cântico das Criaturas, isto é, a destinação universal de todos os bens, a fraternidade universal e o universalismo fraterno. O Altíssimo Onipotente é sempre um Bom Senhor, o Sumo Bem, é o Deus de nosso coração que nos convoca a um Amor Universal, inaugura a fraternidade e a soli-
“Francisco de Assis ensinou a solidariedade através do Cântico das Criaturas, isto é, a destinação universal de todos os bens, a fraternidade universal e o universalismo fraterno”. dariedade de todos os seres, de todas as criaturas, de todas as pessoas. Todo ser criado nos remete à fecundidade social do amor. A verdadeira fraternidade humana se ampara na comunhão de valores e de bens fundamentais para a vida: a terra, a água, o ar, o fogo, a luz, o verde das plantas, a habitação, o mundo limpo e bonito, partilhado e cuidado para oferecer a todos as melhores condições de viver. Ao dividir tudo isso, conquistamos a verdade, a justiça, o amor, a solidariedade, a liberdade, a mais plena comunhão de bens e de dons. Com o Projeto Franciscano aprendemos que solidariedade é energia de amor e generosidade, que é busca incansável do bem, do dom de si à fraternidade humana; uma atitude permanente de renúncia e serviço; de gerar recursos para viver e trabalhar em benefício de todos. Aprendemos que Pobreza não é contrária ao sonho de ter, nem é a angústia de não ter, mas é gerar recursos, trabalhar e dividir com todos. Aprendemos que Obediência é atitude constante de escutar o Amor e dizer: “De boa vontade o farei, Senhor!” e, a partir daí, ter paixão na vontade e nos projetos. Aprendemos que a Pureza de Coração é epifania de um Amor Solidário e Universal. Com Francisco de Assis aprendemos que ser solidário é a identificação com a Pobreza e com o Pobre; que ser solidário é ser irmão e irmã de todos; é ver o mundo no coração da experiência de alguém que está experimentando uma grande carência. Isto é o que transforma as práticas e o modo de estar no mundo, tornando “o amargo em doçura de corpo e alma” (Test 3). Francisco não está preso aos projetos do mundo. Ele se recusa a ter um pensamento utilitarista, isto é, ter o melhor uso dos recursos para o melhor funcionamento dos sistemas; um pro-
cesso que continua industrializando e mercantilizando mentes e corações (cf. o filme: “Quanto vale ou é por quilo?”, de Sérgio Bianchi). Ele é um pobre, um livre, um diferente, um irmão que mostra que a verdadeira solidariedade é apontar para a desumanidade; é notar a negatividade e as injustiças presentes nos processos sociais e lutar contra isso; é questionar as promessas que o sistema faz e não cumpre; é deixar as pessoas falarem; é educar para a originalidade; cuidar da singularidade da pessoa para que ela seja cada vez mais ela mesma e não apenas vítima; pregar e viver a sensibilidade, a fineza, a cordialidade; ser um instrumento de paz, e paz é garantir a quem precisa o melhor! Temos que perguntar: que Espiritualidade brota desta prática solidária?
Com São Francisco de Assis temos a inspiração de reconstruir e transformar, viver e praticar a solidariedade como serviço! Tudo isto gera uma Espiritualidade comprometida; reacende um modo de crer. A fé instaura a esperança de que algo precisa mudar e a esperança instaura um dever ser melhor. É sempre um projeto a ser realizado e não uma tarefa já cumprida. Dizia Francisco pouco antes da sua morte: “Irmãos até agora nada fizemos, vamos recomeçar!” Nós precisamos ter fé no Deus da Vida e na vida que precisa de cuidado para poder mudar, ultrapassar, transcender e transformar. Crer não é dominar a vida, mas servi-la! Mostrar que as misérias não podem ficar paradas no absurdo. É preciso instaurar a dinâmica da Utopia (não entender utopia como fuga da realidade), a linguagem e a prática do princípio-esperança do dever-ser. É a capacidade humana de poder contestar, transgredir, estar além de qualquer -61
situação que é dada. É a proclamação e a realização de uma promessa orientada para um cumprimento: atravessar desertos e chegar à Terra Prometida. A Espiritualidade não quer a vida, quer a Vida Eterna; não quer o amor, mas o Amor sem fim; não quer isto ou aquilo, quer Tudo, quer o melhor! A Espiritualidade tem que falar divinamente do humano; falar em nome do Divino que habita o humano e que não pode ser violado, injustiçado, subornado, por nada, por nenhuma ideologia, por nenhum arranjo político, por ninguém. Ao fazer isso a Espiritualidade presta um serviço incontestável a toda humanidade, aos humilhados e ofendidos, para que a sua dignidade e sacralidade seja respeitada. A Espiritualidade tem que acordar a denúncia profética, para que os opressores sejam julgados já na história, pela voz da própria consciência que é a voz de Deus falando e julgando de dentro dos corações ofendidos. A Espiritualidade deve ajudar a pessoa a conquistar e reconquistar a sua humanidade. A Espiritualidade não pode falar de um Deus qualquer; mas do Deus de nossos pais, do Deus dos profetas, do Deus de Jesus Cristo, de um Deus que não compactua com a iniquidade. Um Deus onipotente e for-62
te, Senhor do Cântico das Criaturas e de muita ternura para com o seu povo; um Deus que não permite que a vida seja destruída. A Espiritualidade ajuda a voltar o olhar para o céu e encontrar ali este Deus que ensina a ver a terra, e perceber a pessoa ao lado, sofrida e necessitada. Uma Espiritualidade tem que trazer Deus das nuvens ao chão; tem que ajudar a transformar a história, reconstruir a casa, viver o Evangelho não para uma pregação piedosa, mas para uma maior humanização. O que adianta uma Espiritualidade que não se comprometa com o processo histórico de um povo? Tem que estar por detrás um processo de mudanças e não apenas livros e cheiros adocicados de incenso. Tem que ter um compromisso pela justiça. É momento de iluminação e animação de práticas e não fuga de realidades conflitivas. Do que adianta ficarmos recitando salmos, orar em línguas e cantar mantras enquanto há exploração das grandes maiorias e acumulação escandalosa nas mãos de minorias? Uma Espiritualidade não pede só a transformação da pessoa, pede também a transformação das estruturas. Ou será que a realidade não ocupou um lugar privilegiado na pregação de Jesus e dos grandes Mestres? A Espiritualidade muda não só a consciência, mas convida à ação: transformação interior e a mudança do mundo. Conhecer a realidade do mundo. Conhecer para transformar. O divino, o religioso, o espiritual, o social, são dimensões que atravessam tudo. Viver é fazer esta travessia. Diz o teólogo Congar: “nós só podemos ter a teologia da nossa própria prática”. Ser espiritual é humanizar a vida. Abraçar uma Espiritualidade é ser levado a práticas de Amor; é nascer novamente de atos concretos de Amor. A Espiritualidade é necessária para a luta na vida e pela vida, para o fundamento das convicções. É estar entre o povo com muito amor pelo povo. Não ter só um protagonismo individual, mas um protagonismo de homens e mulheres novos. É amar o povo como se ama a pessoa amada. Construir uma sociedade melhor é refazer o sonho de Jesus: instaurar o Reino de Deus. A Espiritualidade tem que sonhar e realizar a prosperidade. Não perder a von-
tade de crescer, de evoluir, de ser criativo. Ser mais, amar mais, ter mais, saber mais, multiplicar mais; sem superioridade, mas de forma compartilhada. O necessário não pode faltar para ninguém, contudo não precisamos mais do que o necessário, se não vamos comprometer o futuro do planeta e das pessoas. A Espiritualidade faz nascer em nós uma certa rebeldia: dizer um não à domesticação, à escravidão, à manipulação, à rotulação. Precisamos ter lucidez crítica, cobrar coerência e apontar injustiças sem medo.
A Espiritualidade muda não só a consciência, mas convida à ação: transformação interior e a mudança do mundo. Enfim, existe uma Espiritualidade que brota da Solidariedade. Não temos muito que dizer. É melhor ler um trecho da carta de um pai revolucionário aos seus filhos: “Se sentires a dor dos outros como a tua dor, se a injustiça no corpo do oprimido for a injustiça que fere a tua própria pele, se a lágrima que cair do rosto desesperado for a lágrima que você derrama, se o sonho dos deserdados desta sociedade cruel e sem piedade for o teu sonho de uma Terra Prometida, então, serás um revolucionário, terás vivido a solidariedade essencial”.
10º Encontro | “Elenco de Virtudes para a iluminação da existência - 02”
Já ao término do nosso percurso vamos elencar mais algumas virtudes vividas sob o filtro da espiritualidade franciscana. Durante os nossos encontros repetimos como um refrão: cada virtude puxa um encadeamento de outras virtudes, cada uma está implícita em muitas. Muitos destes conteúdos já contemplamos nas virtudes anteriormente citadas. Este é apenas um resumo de tudo o que refletimos. Vejamos: CORDIALIDADE: Para a linguagem da espiritualidade e da mística o órgão do conhecimento não é o intelecto, mas sim o coração. Nós só retemos em nossa mente aquilo que é filtrado pelo coração. O que toma o nosso coração toma conta
de nosso corpo inteiro, da nossa vida, da nossa história e de nossas práticas. Nós somos o que colocamos em nosso coração. Quem não tem nada no coração não é ninguém. A cordialidade é acolher a vida , como diz Guimarães Rosa, “coraçãomente”. É receber alguém com boa energia do sentimento, do afeto, da delicadeza que está no coração. A pessoal cordial sente a vida pulsar em todos os detalhes. E recebe o outro como na visita que Maria fez a Isabel: faz vibrar o coração quando alguém chega. Encontrar-se é fazer vibrar a interioridade. “ Quem dá coração, tem corações!” GRATUIDADE (GRATIDÃO): É a capacidade de maravilhar-se dian-
te de tudo o que se recebe da vida. Agradecer é reconhecer. É a afirmação de ser criatura, tão frágil, mas tão privilegiada. É estar encantado por tantos dons e bens recebidos. FRATERNIDADE: A pessoa se firma e se defina pelas suas relações qualificadas. Na fraternidade podemos viver a qualidade de nossas relações. Nas qualidades de nossas relações há sempre uma revelação. A fraternidade ajuda a abrir mão de interesses puramente egoístas. Uma coisa é viver junto, ser um agrupamento de pessoas; outra coisa é estar num grupo que tem uma consangüinidade espiritual, possui uma tradição que vem de longa data, tem espírito comum e objetivo -63
comum. Mesmo vivendo dentro de uma estrutura ou de um instituição, assume com liberdade a corresponsabilidade de assumir uma causa pessoal filtrada pela causa de todos. A fraternidade é o lugar do relacionamento com o projeto comum, universal, vital, na vitalidade de um carisma que nos desafia a viver com uma identidade comum sem interferir na identidade pessoal. Temos um sangue biológico e um sangue espiritual. Este sangue espiritual é a força, a essência e o fundamento da vida que escolhemos para viver juntos. PRUDÊNCIA: é agir com muita moderação, com muita sensatez, sem precipitação. Agir de um modo cauteloso, comedido, com plena atenção que evita ocasiões de erro. RESPEITO: Sensibilidade para captar a verdade presente no diferente de mim mesmo. Olhar para alguém e ver a sua qualidade, o seu ritmo, a sua diferença a sua identidade única, sua tradição, cultura, bagagem e costumes. Acolher a capacidade do outro(a) que é única e capaz de acrescentar algo em minha existência. É dizer: “ A minha alma engrandece por ter encontrado você!” É -64
ser sal da terra segundo o jeito do Evangelho: sentir o gosto especial daquilo que tempera a minha vida. HUMILDADE: Vem de húmus, isto é, a fecundidade que está no subsolo da vitalidade. A força escondida que faz tudo desabrochar. A capacidade de assumir a grandeza do próprio tamanho sem aparentar ser maior ou menor, mas sim ser a arte de ser o que se é. É a silencioso e oculta consistência interna que dá tempo para que tudo ganhe vida, floresça, desabroche. O humilde se submete à condição de ser um inútil que deixa transparecer a utilidade sem barulho. Tem a coragem de não aparecer, mas revelar mansamente o mistério e o valor da pessoa e de todas as coisas. SIMPLICIDADE: É a transparência do humilde. O simples revela a força do humilde. Visibiliza aquilo que o humilde esconde, mas de um modo discreto. É gritante, mas não gritado. É a emergência do húmus. A simplicidade se apóia numa experiência profunda de vida e não precisa de publicidade. O simples é natural e faz fluir a vida. Como gosta de lembrar o Mestre Frei José Carlos Pedroso OFMCap : simplicidade vem do latim simpliciter, pliciter, plicas= dobras, pregas. Uma saia pliçada é esteticamente linda mas difícil de lavar e de passar. Quando se cria uma dobra temos um aplique, duas dobras duplicam, três dobras triplicam...é preciso tirar as dobras, tornar fácil o caminho, afastar os obstáculos. Simplicidade é facilitar o caminho da vida; é descomplicar. JUSTIÇA: Está ligado ao que refletimos sobre a solidariedade. É a virtude que induz a cumprir o que é reto, o que é devido como exigência de ordem e harmonia mandato. É fazer conscientemente o dever, é cumprimento, mandato. É a disposição permanente e dinâmica do bem valor. É a retidão de vida em
consonância com a verdade que se abraçou. UNIÃO: é arte de unir pedaços e moldar um mosaico que revela uma força comum. Um ícone de unidade; uma mandala de verdades unidas pelo mesmo laço. A virtuosidade vivida na união é a reunião do munus (cum+munus), isto é, o papel de cada um numa tarefa forte com a força de todos. É unir diferenças para criar laços , para criar um todo. A diferença é condição para criar a união. Se não houver o diferente como criar? Não somos linha de montagem que produz tudo igual. Somos a riqueza diversificada de cada identidade que cria a unicidade. ITINERÂNCIA: A palavra tem raiz latina iter que significa caminho, via, percurso, senda, meta, dar um passo, fazer estrada. É mobilidade, busca, dinamismo. Para a mística e a espiritualidade tudo começa por um passo. O caminho se faz ao andar. É a mística de Santiago. É seguimento, imitação, entrar no ritmo dos passos do Valor Maior. São Francisco dizia: “A regra e a vida é esta: seguir e ensinamento e as pegadas de Nosso Senhor Jesus Cristo” (cfr. Rnb 1) . Sempre é bom lembrar o mítico poema de Antonio Machado, poeta de Sevilha (1875-1939) que escreveu estes versos que estão em seu grande poema “Provérbios y Cantares”: “Caminhante, o caminho são tuas pegadas E nada mais que pegadas; Caminhante, não há caminho: Faz-se caminho ao caminhar. Caminhando, se faz caminho E quando olhas para trás, Verás a trilha que nunca mais Voltarás a trilhar. Caminhante, não há caminho, Sobram apenas sulcos no mar”
11º Encontro | “Espiritualidade para uma Vida Virtuosa” No último item acima explicitado falamos do iter, o caminho. Vamos encerrar esta série de reflexão sobre a Espiritualidade com três elementos essenciais deste caminho. Precisamos vibrar mais com a nossa força espiritual e com a espiritualidade. Todas as espiritualidades são maravilhosas porque falam de verdades maravilhosas. Vamos então lembrar três elementos do caminho espiritual: 1. O INICIADO - Muitas religiões falam da Iniciação, o cristianismo católico fala dos sacramentos da iniciação; porém muitos entendem (e talvez esta seja a prática) a iniciação como preparar para o dia do batismo, para o dia da primeira comunhão, para o dia do crisma... e depois que passar este dia? Será que este tempo termina com a festa entre pais, padrinhos, amigos, parentes regada com cerveja e refrigerante, macarronada , frango e maionese? Não é esta a proposta de uma Pedagogia Iniciática. A Iniciação é tarefa para toda a vida, é a tarefa essencial de tornar-se plenamente humano, tornar-se cada vez mais espiritual
no decorrer do dia a dia. É uma via interior. É um trabalho constante que tem um início, mas que está na contínua tarefa de aprender a aprender. É ser eternamente discípulo. O aprendizado é evolução; e está em todo momento religando a razão ao coração e vice versa. Liga a ciência à consciência, a efetividade à afetividade, a existência à essência. O Iniciado está no caminho do aprendizado e este caminho o leva a: ser, conhecer, fazer, conviver. Aprender é evoluir. Abre o olhar para si mesmo, para o Sagrado, para o Universo, para o outro e para o Grande Outro, o Mestre. Não só abre o olhar como leva à uma fantástica mudança. Muda o olhar para mudar o mundo. A
iniciação educa para ser. Educa para que nunca esqueçamos que devemos ser seres de ligação entre Deus e o Ser Humano, entre Céu e Terra, entre Matéria e Espírito. O Iniciado faz um real caminho da busca pela verdade. No “Eu sou” do Mestre vai burilando o seu “Eu sou”, a subjetividade profunda , a filosofia de identidade que o prepara para grandes tarefas comuns, que o prepara para o mundo e para o social. O Iniciado fortalece o espiritual. Vai à fundo nas opções e não se contenta com o discurso pseudo religioso da satisfação imediata. Ele é paciente e cuidadoso em chegar a verdade de si mesmo, de Deus e de todos os seres. Ao fazer bem o discurso do profundamente humano,a humanidade vê nele o divino. Existe sempre algo misterioso a ser descoberto. Espiritualidade é um passo a mais. Dar um -65
passo a mais a partir de onde estamos. O Iniciado é o ser do caminho. Identifica tendências, segue indicações profundas. Procurar ser tudo o que puder ser de melhor. Não descansa nunca. O Iniciado sabe que a verdadeira transformação é quando torna-se fervorosamente o que se é.
amor de Deus no mundo. Cuidar da alma, cuidar do espírito é quando a gente se ultrapassa em direção ao outro. Isto é ser nobre e sagrado. É cada dia acordar perguntas em nós: quem sou eu? Qual a imagem do absoluta que me habita? Quem acorda para esta verdade sabe bem o que é a vida.
2. O DESPERTO - É aquele que acorda o sagrado que dorme dentro de si. Traz para o visível carnal o invisível espiritual. Aproxima-se do mistério e escuta a fala audível do mistério. Não deixa de estar atento ao fio que liga céu e terra. Olha a vida a partir do espaço da sua profundidade, é o olho do anjo no olho humano. Vive num estado de alma e acorda a sua inteligência contemplativa. Desperta uma consciência pura. Faz de sua alma um espelho límpido que reflete a dimensão espiritual, que reflete algo que está para além da existência. Vive num estado de vigília para não perder esta sua essência. Como diz Teilhard de Chardin, é a antropologia da vastidão; um fenômeno humano espiritual. Não é suficiente ser eu, dentro de mim há algo maior que eu mesmo. É acordar este desejo mais íntimo que é o desejo da vida eterna, da vontade de Deus. É acordar o santo que está dentro de si. É dizer todos os dias: eu desejo a santidade! Comemorar o dia de todos os santos como o seu dia também. Quem vive a plenitude de um modo permanente é santo. O santo está em nós, é preciso despertá-lo. Não se forma um santo, mas se acorda a imagem e semelhança divina que está em nós.
3. O CONTEMPLATIVO - Faz do tempo um templo. O caminho iniciático é passar do espaço tempo para o espaço templo. Recolhe. Silencia. Medita. Vê. Escuta profundamente. O falar e o pensar correto tem muito a ver com o contemplar. Deus é um grande intervalo( Fernando Pessoa) . É aquela pausa para refazer-se. Respirar. Expirar. Transpirar. Quando esvaziamos a mente o cálice transborda. O contemplativo consolida uma
Alguém viu a Alma? Existe algo em nós que não é corpo, que não é matéria. O ser humano é uma essência, uma alma existencializada. É uma maneira única de encarnar o -66
plena atenção. É atento e presente. Nutre-se pelo aqui e pelo agora. É sempre um ser de encontros. Faz ressurgir a função de templo em cada momento. Ao conquistar Deus reúne todo o universo. O contemplativo faz uma prece com todos os elementos do mundo. Percebe o algo mais e o maravilhoso. Percebe Deus nas nuances da vida. Conhece o Ser que o faz ser. O contemplativo tem o silêncio antes das palavras; o silêncio antes da comunicação; o silêncio antes da ação. Traz a fala da palavra interior. Tem a calma e silêncio de comunhão. Mais do que uma fala é o templo da presença. O contemplativo é filho do tempo e da eternidade; sempre está acordado para o que não morre. Frei Vitório Mazzuco, OFM
Agenda do ITF 2012
Janeiro 03 a 09 Matrículas – 1ª etapa 17 a 27 Matrículas – 2ª etapa
Julho 02 a 14 Lançamentos de notas Agosto 06 Início das aulas do 2º semestre 16 Reunião Ordinária do Conselho Diretor 30 Reunião Ordinária do Conselho Acadêmico Setembro 07 e 08 Recesso do Feriado da Independência do Brasil 12 Noite Cultural 13 Reunião Ordinária do Conselho Diretor Até 30 4° Ano da Faculdade: Registrar Monografia Outubro 04 Recesso Dia de São Francisco 11 Reunião Ordinária do Conselho Diretor 12 e 13 Recesso Feriado N. Srª Aparecida 15 Recesso: Dia do Professor 24 a 26 SEMANA TEOLÓGICA (ITF) Novembro 02 e 03 Recesso Feriado de Finados 07 Noite Cultural 08 Reunião Ordinária do Conselho Acadêmico 12 Início das exposições das Monografias 14 Prazo de Entrega do texto da Monografia ao Orientador 15 a 17 Recesso do dia da Proclamação da República 19 e 20 Recesso Feriado da Consciência Negra 22 Reunião Ordinária do Conselho Diretor Exame Oral para a PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE “ANTONIANUM” 30 Dezembro 01 a 05 Lançamentos de notas 06 Colação de Grau – Encerramento do Ano Letivo
Fevereiro 16 a 25 Planejamento acadêmico 20 a 22 Recesso Carnaval 27 Início das aulas Março 16 e 17 Recesso Aniversário da Cidade de Petrópolis 22 Reunião Ordinária do Conselho Diretor 29 Reunião Ordinária do Conselho Acadêmico Abril 02 a 07 Recesso Semana Santa 09 Pasquela 11 Noite Cultural 12 Reunião Ordinária Conselho Diretor 21 Feriado: Tiradentes 23 Feriado: São Jorge Maio 01 Feriado: Dia do Trabalhador 05 Caminhada Ecológica 10 Reunião Ordinária do Conselho Diretor
Junho 01 a 30 3° Ano da Faculdade: Protocolar Monografia 07 a 09 Recesso Corpus Christi 13 Fórum Professores e Alunos / Reunião do Conselho Acadêmico / Noite Cultural 21 Reunião Ordinária do Conselho Diretor 22 Festa Junina (Confraternização) 29 e 30 Recesso do dia do Colono *** Algumas datas estão sujeitas a mudanças no decorrer do ano letivo ***
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Equipe de Comunicação do ITF - 2011 Frei Antônio Everaldo Palubiack Marinho; Frei André Luiz da Rocha Henriques; Frei Clauzemir Makximovitz; Frei Douglas Paulo Machado; Frei Elói Dionísio Piva; Frei Leonardo Pinto; Ir. Lucinalva Soares da Silva; Frei Marcel Freire; Frei Marcos Rubens Ferreira; Frei Osvaldo Maffei; Frei Paulijacson Pessoa de Moura; Frei Rodrigo da Silva Santos; Semyramys Frossard Gonçalves Dias; Frei Weliton Bortolon.
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Biblioteca Frei Constantino Koser O acervo da Biblioteca Frei Constantino é composto em sua maioria por obras teológicas, mas também nas diversas áreas de educação, filosofia, ecologia, psicologia, antropologia e públicações antigas e recentes da Editora Vozes.
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Livros Novos na Estante BETTO, Frei. Sinfonia universal: a cosmovisão de Theilhard de Chardin. nov. ed. Petrópolis: Vozes, 2011. 127p. ISBN 978-85-3264163-2.
ANTUNES, Celso. A atenção: saldo ou déficit? Petrópolis: Vozes, 2011. 99p. (Na sala de aula, 19). ISBN 978-85326-4192-2.
MAZZAROLO, Isidoro. Jesus e a física quântica. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2011. 214p. ISBN 978-85-8006035-5.
MEGALE, Nilza Botelho. Devoções a Nossa Senhora: como surgiram as invocações a Maria no século XX. Petrópolis: Vozes, 2011. 173p. ISBN 978-85-3264141-0.
POLIZELLI, Demerval Luiz. Meio ambiente e gestão do conhecimento: Dos higienistas à sociedade da informação : o papel da administração e uso das redes sociais para a era da “desfabricação em massa”. São Paulo: Almedina, 2011. 225p. ISBN 978-85-62937-14-9.
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FRUGONI, Chiara. Vida de um homem: Francisco de Assis. Prefácio de Jacques Le Goff; tradução de Federico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. 169p., il. ISBN 978-85-359-1865-6.
PRADO, José Luiz Gonzaga do. Jesus, a Boa Notícia! : catequese com adultos. Petrópolis: Vozes, 2011. 120p., il. ISBN 978-85-326-4159-5.
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