Comunicações - Especial Mês Missionário Extraordinário

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PROVÍNCIA FRANCISCANA DA IMACULADA CONCEIÇÃO DO BRASIL

OUTUBRO DE 2019

Especial

MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

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EDIÇÃO


MENSAGEM

04 MISSIONÁRIA

Sumário

, O DNA DE NOSSA PROVÍNCIA

MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO

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A IGREJA DE CRISTO

EM MISSÃO

NO MUNDO HISTÓRIA

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ARDOR

MISSIONÁRIO

FRANCISCANO ENTREVISTA

24 MISSÃO

A DO JOVEM PRESIDENTE DA FIMDA

A missão até aos últimos confins da terra requer o dom de nós próprios na vocação que nos foi dada por Aquele que nos colocou nesta terra Papa Francisco


DEPOIMENTOS

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800 ANOS DE

PRESENÇA FRANCISCANA NO MARROCOS CURIOSIDADES MISSIONÁRIAS

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UM GESTO

PROFÉTICO DO PAPA

Foto ao lado: Rio Amazonas

EDIÇÃO

Especial

MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

Ministro Provincial: Frei César Külkamp Vigário Provincial: Frei Gustavo Medella Coordenador da Frente das Missões: Frei Robson Luiz Scudela Secretário: Frei Walter de Carvalho Júnior

PROVÍNCIA FRANCISCANA DA IMACULADA CONCEIÇÃO DO BRASIL Rua Borges Lagoa, 1209 04038-033 | São Paulo - SP www.franciscanos.org.br ofmimac@franciscanos.org.br


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m 2014, quando o Papa Francisco escreveu sua carta aos consagrados por ocasião do Ano da Vida Consagrada, assim apresentou os objetivos daquele ano: “Olhar com gratidão o passado, viver com paixão o presente, abraçar com esperança o futuro”. Com estes objetivos, o Papa Francisco não apresentava apenas uma indicação para aquele ano, mas recordava uma dinâmica própria da Vida religiosa, formada por religiosos e religiosas que carregam consigo uma bela história, a qual podem olhar com gratidão e que os motiva a viver o presente com paixão e os impulsiona a abraçar o futuro com

MISSIONÁRIA,

MENSAGEM

O DNA DE NOSSA PROVÍNCIA

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esperança. Uma dinâmica capaz de assegurar o sentido e a atualidade da vida consagrada, motivada a viver com fidelidade a sua missão, conforme cada um dos carismas. Nesta dinâmica, a presente edição especial das Comunicações celebra, com toda a Igreja, neste outubro de 2019, o Mês Missionário Extraordinário, anunciado pelo Papa Francisco durante o Angelus do domingo 22 de outubro de 2017. Diante do apelo do Papa Francisco para o Mês Missionário Extraordinário, achou-se necessário MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO


uma finalidade e enviados em favor de alguém ou de alguma coisa. Assim, lembrava nosso ex-Ministro Geral Giacomo Bini: “A missão do discípulo não é pois a de levar a salvação que já está presente, mas simplesmente e pobremente, de maneira transparente, anunciar a presença de Deus: que os homens vejam e creiam. Ao missionário cabe usar de sinais adequados, recordando sempre que o trabalho é de Deus: sua é a messe, seu é o envio, seu é o trabalho de tocar o coração do homem. Também quando todos dormem... a semente cresce... não são os homens que dão força à Palavra” (Madagascar, 13/07/04). Olhar para a história desta Província leva a perceber que ela é filha de pais missionários, desde o fundador da Ordem, Francisco, passando pelos frades que participaram da restauração em 1891, chegando aos atuais filhos que continuam colocando em prática o que receberam de seus pais, tonando-se testemunhos missionários nos dias de hoje e pais de novos missionários. Nossa Província traz consigo, desde sua origem, esta marca missionária. É-nos possível, desta maneira, celebrar este Mês Missionário Extraordinário recordando com gratidão o testemunho de nossos confrades missionários, vivermos o presente com paixão pela missão e abraçarmos o futuro com esperança, na certeza de que, se nossa Província deixar de ser missionária, perde seu DNA. Manifestamos nosso agradecimento à equipe de Comunicações que organizou esta publicação, bem como a Elizabete (Bete), do arquivo da Província, que resgatou os nomes dos confrades missionários bem como o testemunho deixado pelos irmãos já falecidos. Por fim, agradecemos a cada irmão que partilhou a ação missionária de Deus em sua vida.

Frei Robson Luiz Scudela

MENSAGEM

não apenas fortalecer as ações missionárias na Província, mas também recordar os exemplos de confrades que se encontraram ou se encontram numa das presenças missionárias fora do território geográfico provincial. A ideia inicial para este Mês Missionário Extraordinário era a de publicar nas Comunicações de outubro alguns testemunhos missionários de frades. Foi naquele momento enviado um e-mail aos frades que dedicaram um tempo de suas vidas à missão. A resposta ao e-mail foi expressiva e os testemunhos, tão motivadores, que logo se passou da ideia de algumas páginas nas Comunicações para uma edição especial sobre esta história missionária na Província. Mas ainda não estava completo! Faltava um pedaço desta história: a contribuição missionária de nossos confrades falecidos. Assim, chegou-se ao presente resultado: uma edição que traz o testemunho de diferentes frades. Em cada testemunho se encontra um homem aberto à ação do Espírito que, superando os limites geográficos, vai ao encontro dos irmãos que se encontram distantes. Destaca-se nos testemunhos uma vivência missionária que não apenas revela um missionário que se tornou servo dos pobres, mas um missionário que se tornou discípulo dos pobres, deixando-se evangelizar por estes. Nossos confrades testemunham que a missão é o encontro de dois pobres. Um que acolhe o anúncio do Evangelho para compreender melhor as manifestações de Deus que o circundam e outro pobre, o missionário, que vai se tornando capaz de confiar a sua espiritualidade e a sua vida à sabedoria dos pobres que as acolhem e as iluminam. Há, nestes testemunhos, uma profunda experiência vocacional semelhante às bíblicas que incluem a referência missionária. Encontra-se, também nestes testemunhos, o amplo campo da missão que vai desde o silêncio ou da simples presença até à denúncia profética ou à militância audaciosa. Todos chamados a

COORDENADOR DA FRENTE DAS MISSÕES

MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

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MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO

MENSAGEM DE SUA SANTIDADE O PAPA FRANCISCO PARA O DIA MUNDIAL DAS MISSÕES DE 2019

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A IGREJA DE CRISTO EM MISSÃO NO MUNDO Queridos irmãos e irmãs! Pedi a toda a Igreja que vivesse um tempo extraordinário de missionariedade no mês de outubro de 2019, para comemorar o centenário da promulgação da Carta apostólica Maximum illud, do Papa Bento XV (30 de novembro de 1919). A clarividência profética da sua proposta apostólica confirmou-me como é importante, ainda hoje, renovar o compromisso missionário da Igreja, potenciar evangelicamente a sua missão de anunciar e levar ao mundo a salvação de Jesus Cristo, morto e ressuscitado. MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

O título desta mensagem – «batizados e enviados: a Igreja de Cristo em missão no mundo» – é o mesmo do Outubro Missionário. A celebração deste mês ajudar-nos-á, em primeiro lugar, a reencontrar o sentido missionário da nossa adesão de fé a Jesus Cristo, fé recebida como dom gratuito no Batismo. O ato, pelo qual somos feitos filhos de Deus, sempre é eclesial, nunca individual: da comunhão com Deus, Pai e Filho e Espírito Santo, nasce uma vida nova partilhada com muitos outros irmãos e irmãs. E esta vida divina não é um produto para vender – não fazemos proselitismo


realidade sacramental – com a sua plenitude na Eucaristia –, permanece vocação e destino para todo o homem e mulher à espera de conversão e salvação. Com efeito, o Batismo é promessa realizada do dom divino, que torna o ser humano filho no Filho. Somos filhos dos nossos pais naturais, mas, no Batismo, é-nos dada a paternidade primordial e a verdadeira maternidade: não pode ter Deus como Pai quem não tem a Igreja como mãe (cf. São Cipriano, A unidade da Igreja, 4). Assim, a nossa missão radica-se na paternidade de Deus e na maternidade da Igreja, porque é inerente ao Batismo o envio expresso por Jesus no mandato pascal: como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós, cheios de Espírito Santo para a reconciliação do mundo (cf. Jo 20, 19-23; Mt 28, 16-20). Este envio incumbe ao cristão, para que a ninguém falte o anúncio da sua vocação a filho adotivo, a certeza da sua dignidade pessoal e do valor intrínseco de cada vida humana desde a concepção até à sua morte natural. O secularismo difuso, quando se torna rejeição positiva e cultural da paternidade ativa de Deus na nossa história, impede toda e qualquer fraternidade universal autêntica, que se manifesta no respeito mútuo pela vida de cada um. Sem o Deus de Jesus Cristo, toda a diferença fica reduzida a ameaça infernal, tornando impossível qualquer aceitação fraterna e unidade fecunda do gênero humano. O destino universal da salvação, oferecida por Deus em Jesus Cristo, levou Bento XV a exigir a superação de todo o fechamento nacionalista e etnocêntrico, de toda a mistura do anúncio do Evangelho com os interesses econômicos e militares das potências coloniais. Na sua Carta apostólica Maximum illud, o Papa lembrava que a universalidade divina da missão da Igreja exige o abandono duma pertença exclusivista à própria pátria e à própria etnia. A abertura da cultura e da comunidade à novidade salvífica de Jesus Cristo requer a superação de toda a indevida introversão étnica e eclesial. Também hoje, a Igreja continua a necessitar de homens e mulheres que, em virtude do seu Batismo, respondam generosamente à chamada para sair da sua própria casa, da sua família, da sua pátria, da sua própria língua, da sua Igreja local. São enviados aos gentios, ao mundo ainda não transfigurado pelos sacramentos de Jesus Cristo e da sua Igreja santa. Anunciando a MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO

–, mas uma riqueza para dar, comunicar, anunciar: eis o sentido da missão. Recebemos gratuitamente este dom, e gratuitamente o partilhamos (cf. Mt 10, 8), sem excluir ninguém. Deus quer que todos os homens sejam salvos, chegando ao conhecimento da verdade e à experiência da sua misericórdia por meio da Igreja, sacramento universal da salvação (cf. 1 Tm 2, 4; 3, 15; Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. Lumen gentium, 48). A Igreja está em missão no mundo: a fé em Jesus Cristo dá-nos a justa dimensão de todas as coisas, fazendo-nos ver o mundo com os olhos e o coração de Deus; a esperança abre-nos aos horizontes eternos da vida divina, de que verdadeiramente participamos; a caridade, que antegozamos nos sacramentos e no amor fraterno, impele-nos até aos confins da terra (cf. Miq 5, 3; Mt 28, 19; At 1, 8; Rm 10, 18). Uma Igreja em saída até aos extremos confins requer constante e permanente conversão missionária. Quantos santos, quantas mulheres e homens de fé nos dão testemunho, mostrando como possível e praticável esta abertura ilimitada, esta saída misericordiosa ditada pelo impulso urgente do amor e da sua lógica intrínseca de dom, sacrifício e gratuidade (cf. 2 Cor 5, 14-21)! Sê homem de Deus, que anuncia Deus (cf. Carta ap. Maximum illud): este mandato toca-nos de perto. Eu sou sempre uma missão; tu és sempre uma missão; cada batizada e batizado é uma missão. Quem ama, põe-se em movimento, sente-se impelido para fora de si mesmo: é atraído e atrai; dá-se ao outro e tece relações que geram vida. Para o amor de Deus, ninguém é inútil nem insignificante. Cada um de nós é uma missão no mundo, porque fruto do amor de Deus. Ainda que meu pai e minha mãe traíssem o amor com a mentira, o ódio e a infidelidade, Deus nunca Se subtrai ao dom da vida e, desde sempre, deu como destino a cada um dos seus filhos a própria vida divina e eterna (cf. Ef 1, 3-6). Esta vida é-nos comunicada no Batismo, que nos dá a fé em Jesus Cristo, vencedor do pecado e da morte, regenera à imagem e semelhança de Deus e insere no Corpo de Cristo, que é a Igreja. Por conseguinte, neste sentido, o Batismo é verdadeiramente necessário para a salvação, pois garante-nos que somos filhos e filhas, sempre e em toda parte: jamais seremos órfãos, estrangeiros ou escravos na casa do Pai. Aquilo que, no cristão, é

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Também hoje, a Igreja continua a necessitar de homens e mulheres que, em virtude do seu Batismo, respondam generosamente ao chamado para sair da sua própria casa, da sua família, da sua pátria, da sua própria língua, da sua Igreja local. São enviados aos gentios, ao mundo ainda não transfigurado pelos sacramentos de Jesus Cristo e da sua Igreja santa. MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO


volvendo os numerosos germes e sementes que o Verbo encarnado tinha lançado nelas, orientando-as assim pelos caminhos do Evangelho. (...) O Verbo de Deus, fazendo-Se carne em Jesus Cristo, fez-Se também história e cultura. A utopia de voltar a dar vida às religiões pré-colombianas, separando-as de Cristo e da Igreja universal, não seria um progresso, mas uma regressão. Na realidade, seria uma involução para um momento histórico ancorado no passado» [Discurso na Sessão Inaugural (13 de maio de 2007), 1: Insegnamenti III/1 (2007), 855-856]. A Maria, nossa Mãe, confiamos a missão da Igreja. Unida ao seu Filho, desde a encarnação, a Virgem colocou-se em movimento, deixandose envolver-se totalmente pela missão de Jesus; missão que, ao pé da cruz, havia de se tornar também a sua missão: colaborar como Mãe da Igreja para gerar, no Espírito e na fé, novos filhos e filhas de Deus. Gostaria de concluir com uma breve palavra sobre as Pontifícias Obras Missionárias, que a Carta apostólica Maximum illud já apresentava como instrumentos missionários. De facto, como uma rede global que apoia o Papa no seu compromisso missionário, prestam o seu serviço à universalidade eclesial mediante a oração, alma da missão, e a caridade dos cristãos espalhados pelo mundo inteiro. A oferta deles ajuda o Papa na evangelização das Igrejas particulares (Obra da Propagação da Fé), na formação do clero local (Obra de São Pedro Apóstolo), na educação duma consciência missionária das crianças de todo o mundo (Obra da Santa Infância) e na formação missionária da fé dos cristãos (Pontifícia União Missionária). Ao renovar o meu apoio a estas Obras, espero que o Mês Missionário Extraordinário de outubro de 2019 contribua para a renovação do seu serviço missionário ao meu ministério. Aos missionários e às missionárias e a todos aqueles que de algum modo participam, em virtude do seu Batismo, na missão da Igreja, de coração envio a minha bênção. Vaticano, 9 de junho – Solenidade de Pentecostes – de 2019.

MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO

Palavra de Deus, testemunhando o Evangelho e celebrando a vida do Espírito, chamam à conversão, batizam e oferecem a salvação cristã no respeito pela liberdade pessoal de cada um, em diálogo com as culturas e as religiões dos povos a quem são enviados. Assim a missio ad gentes, sempre necessária na Igreja, contribui de maneira fundamental para o processo permanente de conversão de todos os cristãos. A fé na Páscoa de Jesus, o envio eclesial batismal, a saída geográfica e cultural de si mesmo e da sua própria casa, a necessidade de salvação do pecado e a libertação do mal pessoal e social exigem a missão até aos últimos confins da terra. A coincidência providencial do Mês Missionário Extraordinário com a celebração do Sínodo Especial sobre as Igrejas na Amazônia leva-me a assinalar como a missão, que nos foi confiada por Jesus com o dom do seu Espírito, ainda seja atual e necessária também para aquelas terras e seus habitantes. Um renovado Pentecostes abra de par em par as portas da Igreja, a fim de que nenhuma cultura permaneça fechada em si mesma e nenhum povo fique isolado, mas se abra à comunhão universal da fé. Que ninguém fique fechado em si mesmo, na autorreferencialidade da sua própria pertença étnica e religiosa. A Páscoa de Jesus rompe os limites estreitos de mundos, religiões e culturas, chamando-os a crescer no respeito pela dignidade do homem e da mulher, rumo a uma conversão cada vez mais plena à Verdade do Senhor Ressuscitado, que dá a verdadeira vida a todos. A este respeito, recordo as palavras do Papa Bento XVI no início do nosso encontro de Bispos Latino-Americanos em Aparecida, Brasil, em 2007, palavras que desejo transcrever aqui e subscrevê-las: «O que significou a aceitação da fé cristã para os povos da América Latina e do Caribe? Para eles, significou conhecer e acolher Cristo, o Deus desconhecido que os seus antepassados, sem o saber, buscavam nas suas ricas tradições religiosas. Cristo era o Salvador que esperavam silenciosamente. Significou também ter recebido, com as águas do Batismo, a vida divina que fez deles filhos de Deus por adoção; ter recebido, outrossim, o Espírito Santo que veio fecundar as suas culturas, purificando-as e desen-

FRANCISCO MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

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| FRADES MISSIONÁRIOS FALECIDOS |

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ARDOR MISSIONÁRIO FRANCISCANO

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MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO


esde os primórdios da Ordem, os frades partiam indiferentemente para o Oriente muçulmano, para a Europa católica ou pela Itália. Tanto é que, neste ano, a Ordem Franciscana celebra o jubileu de 800 anos do encontro de Francisco de Assis com o Sultão Al-Malik Al-Kamil. O santo de Assis também tinha especial carinho pelos lugares santos e, se hoje a Igreja cristã e católica pode levar seus fiéis peregrinos à Terra Santa, é graças ao sacrifício, à operosidade e ao sangue derramado pelos filhos do Poverello de Assis. O fundador queria uma

des da mesma Ordem. Desde então, vários filhos de São Francisco aportaram esporadicamente nas novas terras, ainda antes da chegada dos jesuítas, em 1549. O ingresso oficial dos franciscanos se deu somente no dia 12 de abril de 1585, quando o Ministro Geral, cedendo aos insistentes apelos das autoridades e dos colonos, enviou a Olinda um grupo de oito religiosos, provenientes da Província de Santo Antônio dos Currais, de Portugal. Fruto de ações missionárias, a Província da Imaculada Conceição foi criada em

Ordem essencialmente missionária e, para isso, dedica um capítulo exclusivamente às Missões na Regra de vida. Esse fervor missionário das origens da Ordem chega ao Continente novo com os descobridores: o México, a Colômbia, a Bolívia, o Chile e o Brasil devem sua fé, em grande parte, à obra dos franciscanos. A primeira missa celebrada nas “Terras de Santa Cruz” foi presidida por um frade franciscano, Frei Henrique Soares de Coimbra, coadjuvado por mais sete confra-

16 de julho de 1675, floresceu (chegou a ter, em 1777, 305 frades) e frutificou abundantemente, mas entrou em decadência chegando a ter apenas um único frade sobrevivente no momento em que se proclamou a República, em 1889. Veio a nova Província, reconstruída pelo ardor missionário da Província de Santa Cruz da Saxônia, Alemanha. Os primeiros missionários (Frei Amando Bahlmann, Frei Xisto Meiwes, Frei Humberto Themans e Frei Maurício Schmalor) começaram a obra de restauração no vilareMÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

HISTÓRIA

Frei Hugo Mense no meio dos índios Mundurucus

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jo de Teresópolis, em Santa Catarina, hoje apenas Capela da paróquia de Santo Amaro da Imperatriz. Entre tantos missionários, Frei Hugo Mense, que era alemão, destacou-se por seu trabalho evangelizador entre os índios, fundando, em 1911, a Missão Franciscana entre os Índios Mundurucus do Alto Tapajós. Ele teve a companhia de Frei Luís Wand. Trinta anos seguidos viveu Frei Hugo entre os seus queridos índios, e quando, em 1938, já doente e cansado, precisou deixar a missão para se recolher no Convento Santo Antônio do Rio de Janeiro, trouxe consigo um saquinho de terra da Missão, para, durante o resto de sua vida, lhe servir de lembrança da obra a que inesperadamente se

ligou e, depois de sua morte, lhe serviu de travesseiro no caixão funerário. Segundo Frei Mansueto Kohnen, observando bem a fisionomia de Frei Hugo, sempre se teve a impressão impagável de que nesta vida se realizou plenamente o ideal a que o jovem franciscano se propusera e que a Ordem lhe permitiu seguir: o ideal missionário. “Ele mesmo relacionava tudo em sua vida com este ideal. Já o fato de ter nascido no dia dos três Magos foi, para ele, sintomático”, escreve o frade na Revista “Vida Franciscana”. Segundo ele, Frei Hugo “resplandecia” sua face ao falar da missão. Raramente deixava entrever que foram também anos de fadigas ingentes, de terríveis provações.

HISTÓRIA

A MISSÃO NO CHILE

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Com o reflorescimento da Província da Imaculada Conceição, já era crescente no seu interior o sentimento por uma missão ad gentes. Era a sua hora de enviar missionários pelo mundo. Esse momento veio com a primeira grande missão para atender ao pedido de socorro da Custódia do Sagrado Coração de Jesus, de Castro, no Chile, que estava em grandes dificuldades. No dia 22 de fevereiro de 1965, partiam, de navio, para o Chile, Frei Mauro Andrietta, Frei Feliciano Greshake, Frei Anselmo München, Frei Mariano Tenfen e MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

Frei Genuino Mazurana. Segundo Frei Anselmo, autor do livro “Franciscanos Brasileiros no Chile”, durante 20 anos os frades estiveram em missão em terras chilenas (a Missão terminou no dia 15 de março de 1985). “Muito convém que nossas novas gerações tomem conhecimento mais aprimorado desta ação missionária, porque foi ela que condimentou a coragem, e abriu os nossos olhos e corações para os valores do apostolado missionário no estrangeiro, em Angola, na África, em outros países. Deus abra os corações da nossa juventude para os valores de uma nova evangelização em ‘águas mais profundas’”, escreveu Frei Anselmo. Frei Antônio Andrietta foi o coordenador da Equipe durante os três primeiros anos. “Claro que é um trabalho estupendo da graça de Deus, do carinho e da bênção do Pai, mas conseguido com o esforço e a colaboração de todos os confrades que passaram por lá. Considero alguns dados como básicos de tais resultados: o apoio contínuo da direção da Província e a total dedicação do confrade Frei Genuíno Mazurana, que deu totalmente sua vida religiosa e sacerdotal à Missão Chilena. Fa-


leceu ele de câncer, no dia 29 de março de 1977, em São Paulo. Arriscaria dizer, como o disse nosso povo em Temuco, que Frei Genuíno foi nosso primeiro mártir”, disse Frei Antônio. O desafio para os ‘missionários’ era enorme, segundo o missionário Frei Luiz Dalmago, que viveu no Chile de 1966 a 1972. “Foram seis anos difíceis, duros mesmo, mas talvez os mais autênticos, os mais inseridos, os mais franciscanos. Sem propalar o termo, vivíamos a inserção. Hoje, corremos o risco de ficar apenas no discurso”, avaliava Frei Luiz, que faleceu em 2010. Antes de Angola, o Ministro Provincial, Frei Walter Kempf, que já havia conduzido o processo missionário para o Chile. Junto com o Definitório Provincial aprovou em 1974 a ajuda à Custódia das Sete Alegrias de Nossa Senhora, com sede em Campo Grande, MS. Esta presença missionária continua até hoje com Frei Atamil Vicente de Campos (veja seu depoimento na pág....).

Em 1990, a Província da Imaculada encara o maior de todos os desafios missionários. Os frades não partem para uma missão de entreajuda, mas para implantar a Ordem Franciscana em terras angolanas. E este desafio foi assumido num tempo de muitas dificuldades e carências com a guerra civil. Ao falar sobre essa decisão, o então Ministro Provincial Frei Estêvão Ottembreit lembrou: “A Ordem Franciscana é missionária. Somos chamados para sermos enviados. Logo, devemos ser missionários lá onde estamos. Concretamente, no Brasil, nos cinco estados, mas também em lugares além do território da Província”. Os primeiros missionários em Angola: Frei Plínio Gande da Silva, Frei Pedro Caron e Frei José Zanchet entraram em Katepa (Malange) em

setembro de 1990. Em janeiro de 1991 se juntou a eles Frei Juvenal Sansão; depois Frei Lotário Neumann e Frei Evaldo, em março de 1991; e, por último, Frei Odorico Decker. Depois de trabalhar na Missão Chilena, Frei MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

HISTÓRIA

A MISSÃO ANGOLANA

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José Zanchet foi para Rio Brilhante e Dourados, como vigário paroquial, de dezembro de 1983 a janeiro de 1986. No grupo de pioneiros para Angola, ficou por cinco anos (1990 a 1995) e retornou a Angola para um segundo período (2014 e 2015),

HISTÓRIA

que teve de interromper por causa do tratamento, em São Paulo, de um tumor no cérebro. Faleceu em 25 de junho de 2017, aos 81 anos. Para Frei Plínio, integrante do primeiro grupo,

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ser missionário na África foi a realização de um sonho. “Desde pequeno via os missionários verbitas e redendoristas e dizia que um dia seria missionário”, lembra Frei Plínio. “Em Angola, eu fiz uma experiência muito grande de Deus, diariamente”, completou o frade, que ficou lá durante oito anos. O único frade a falecer na missão devido ao paMÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

ludismo foi Frei Lotário, em 4 de janeiro de 1993. A Missão de Angola se tornou Fundação, com o nome de Imaculada Mãe de Deus, segundo o decreto assinado pelo Ministro Geral, Frei José Rodríguez Carballo, no dia 3 de julho de 2008. Do Projeto Missionário da Província faz parte a integração com a 2ª Ordem das Irmãs Clarissas e Ordem Franciscana Secular (OFS), além das irmãs franciscanas de outras congregações. Para Frei Márcio de Araújo Terra, mesmo antes de entrar para o seminário, já pensava na missão como o coroamento de toda uma vida consagrada. “Num diário que fiz quando adolescente, tomei e colei a gravura de um menino subindo uma escada e fui escrevendo em cada degrau uma etapa da formação e do caminho que deveria percorrer; me lembro perfeitamente que o último degrau era o da missão. O diário sumiu, mas a lembrança desta página não sumiu nunca da minha imaginação. Outra coisa curiosa. Quando criança costumava ir ao Rio de Janeiro passar as férias na casa de uma tia. Um dia, passeando com ela pela Avenida Presidente Vargas, vi com muito destaque o escritório da TAAG - Linhas Aéreas Angolanas - e pensei comigo: um dia eu vou pra lá. Hoje, releio estes fatos como um sinal de Deus, me preparando para a missão em Angola”. Frei Márcio ficou em Angola de 1998 a 2016 e veio a falecer no dia 29 de maio de 2017. “As missões para mim foram um chamado, uma decisão, uma consequência do meu sacerdócio assumido de corpo e alma, e uma boa dose de aventurara”, define Frei Simão Laginski, que passou em Angola de 1983 a 2004 e de 2009 a 2010. Faleceu aos 74 anos em fevereiro de 2010. No próximo ano, a Fundação e a Província da Imaculada celebram 30 anos de presença missionária em Angola. Um total de 49 frades (incluindo os falecidos) passaram pela Missão. Atualmente, nove frades estão em missão na Fundação. Um dos primeiros frutos desta Missão e que foi eleito recentemente presidente da FIMDA, Frei António Zovo Baza, fala em entrevista nesta edição de como está a Missão e suas perspectivas para o futuro (veja na pág. 18).


PROJETOS

INTERNACIONAIS MARROCOS

“Se, pois, houver irmãos que quiserem ir para entre os sarracenos e outros infiéis, que vão com a licença de seu ministro e servo. Se o ministro reconhecer que eles são idôneos para serem mandados, dê-lhes a licença e não a recuse; pois terá que dar contas ao senhor (cf. Lc 16,2)”. A Missão Franciscana de Marrocos é a continuação da primeira missão da Ordem dos Frades Menores entre os muçulmanos. Eles foram visitados pelo próprio São Francisco de Assis no ano de 1219, quando se encontrou com o sultão, não para impor ou se impor, mas para criar um clima de diálogo, de aproximação e de boa vizinhança. Depois de oito séculos de presença franciscana no Marrocos, os franciscanos são continuadores desta missão. Frei Jorge Lázaro de Souza está na sua segunda experiência missionária no Marrocos (veja mais na pág. 24).

TAILÂNDIA

Os franciscanos chegaram na Tailândia em 1582, mas o atual “Projeto Tailândia” da Ordem dos Frades Menores é de 1989 e tem congregado

frades de todo o mundo. Frei Paulo Borges foi o brasileiro que fez parte deste projeto desde setembro de 2001, em Lamsai, dedicando-se ao trabalho com pessoas pobres em estágio terminal devido à Aids. A Tailândia é um país com 60 milhões de habitantes, sendo 95% budistas. Os católicos representam 1% da população. “A minha vida é muito simples. Trabalho 8 horas por dia no sanatório. É bom lembrar que todos os pacientes estão no último estágio da Aids. É preciso dar banho, trocar roupas, fraldas, trocar curativos etc... Após ter estudado Filosofia e Teologia no Brasil, desenvolvo o meu trabalho como enfermeiro em nosso pequeno ‘oásis’ em Lamsai. A cada dia tenho a possibilidade do encontro com Jesus desfigurado, Jesus abandonado nesses corpos sofridos. Mas, provamos também o sabor do ressuscitado ao olhar a alegria dos pacientes, mesmo com todo sofrimento’, dizia Frei Paulo enquanto participava desta Missão. Ele retornou ao Brasil em 2013.

TERRA SANTA

“O encargo de custodiar a Terra Santa, que a Santa Sé confiou à nossa Ordem, consiste no seguinte: guardar os lugares santos, promover neles o culto divino, fomentar a piedade dos peregrinos, desempenhar ali o ministério da evangelização, exercer a atividade pastoral conforme a espiritualidade da Ordem e fundar e atender obras de apostolado” (Constituições Gerais da Ordem, Art. 123). A Custódia da Terra Santa tem 56 conventos distribuídos em 12 países: Israel, Palestina, Jordânia, Líbano, Síria, Egito, Chipre, Argentina, Itália, Espanha e EUA. Estas casas são representações pertencentes à própria Custódia. Diferente é o Comissariado em Petrópolis, que pertence à Província da Imaculada e os frades são cedidos para trabalharem em prol da Terra Santa. O Comissariado, que foi criado em 1934 por Frei Ciríaco Hielseher, está sob a responsabilidade de Frei Ivo Müller. Frei Danillo Marques da Silva viveu de 1988 a 1995 na Terra Santa. Para ele, servir nos lugares santos foi “um chamado de Deus”. Frei José Clemente Müller e Frei Jean Aljuni são os frades presentes na Custódia da Terra Santa.

PROJETOS AMAZÔNIA E SUDÃO DO SUL

Veja o depoimento de Frei Valdir Laurentino na pág. 26 e de Frei Leonardo Pinto na pág. 34. MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

HISTÓRIA

MISSIONÁRIOS

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EXPERIÊNCIA MISSIONÁRIA NO JAPÃO Foi da experiência missionária de Frei Lino Vanbömmel no Japão que nasceu em São Paulo a Pastoral Nipo-Brasileira na Igreja São Francisco de Assis, na Vila Clementino. “Vivi três anos no Oriente. Foi uma experiência extraordinária. Nova cultura, novos costumes, mas sempre viva a consciência de que estava lá porque Deus me havia enviado. Fui como missionário fazer a experiência da vida, de uma nova vida, entre um povo sábio, cheio de experiências. Vivi como cristão em uma nação de minoria cristã. Conheci um pouco do Xintoísmo e do Budismo e percebi que precisávamos nos respeitar em nossas diferenças, colhendo dos valores de cada um. Nós, cristãos ocidentais, quando nos vemos em outro mundo, diferente do nosso, somos desafiados, na cultura do silêncio, a silenciar e a vivenciar os valores cristãos que tanto propagamos por palavras e muitas vezes esquecemos as ações. Questões como fome, violência, guerras, situações de extrema miséria e o grande abismo entre pobres e ricos são questões desafiantes para a vivência da ética cristã no Ocidente”, dizia Frei Lino. Ao voltar, Frei Lino foi trabalhar em um núcleo, o maior então da Ordem Franciscana, em São Paulo, onde se concentrava em grande parte a colônia nipo-brasileira. Foi pároco na paróquia São Francisco, na Vila Clementino, próximo ao Parque do Ibirapuera. Nessa paróquia, uma equipe de padres dedicou-se aos japoneses

e, juntos, fundaram a Pastoral Nipo-Brasileira em 1970, com sede própria, com folhetos litúrgicos e orientações pastorais em português e japonês. Durante alguns anos foi presidente da Pastoral Nipo-Brasileira. Os japoneses, que frequentavam a paróquia, vinham de bairros vizinhos ou distantes. Assim trouxe a Pastoral Nipo-Brasileira para a Vila Clementino. Uma vez por semana havia curso de catequese para adultos. A igreja possui um altar dos mártires japoneses, construído por Frei Bonifácio Dux, na época de Frei Felisberto Imhorst (+ 1980). No dia 6 de fevereiro é comemorado o dia dos mártires. Frei Alécio Broering, até o seu falecimento, continuou esse trabalho pastoral por muitos anos.

| FRADES MISSIONÁRIOS FALECIDOS | NOME

Alécio Broering Anselmo Julio München Antonio Andrietta Antônio Lopes Rodrigues Antonio Marcos Koneski Danillo Marques da Silva Dimas Wolff Feliciano Greshake Francisco Augusto Orth João Jorge Ribeiro Genuíno Mazurana Hermenegildo Pereira Hugo Mense Hugolino Becker Jerônimo Back João Pflanzer José Carlos Timmermann José Zanchet Lino Vanböemmel Luís Wand Luiz Dalmago Márcio de Araújo Terra Maurílio Schelbauer Ollivo Tondello Simão Laginski

LOCAL IDA/VOLTA

FALECIMENTO

São Paulo Chile Chile Chile Jerusalém Jerusalém Santarém, PA Chile MS/MT MS/MT Chile Angola Amazonas, Santarém MS/MT MS/MT MS/MT MS/MT Chile, MS/MT, Angola Tóquio/Japão Amazonas, Santarém Chile Angola MS/MT MS/MT Angola

23/08/2016 (80 anos) 21/07/2019 (95 anos) 30/07/2012 (87 anos) 10/05/2016 (78 anos) 04/10/2012 (81 anos) 18/05/2008 (85 anos) 15/07/1962 (88 anos) 10/11/2000 (99 anos) 05/03/2007 (64 anos) 10/12/1990 (48 anos) 29/03/1977 (42 anos) 05/08/2009 (74 anos) 22/04/1944 (66 anos) 28/07/2000 (89 anos) 31/12/1983 (69 anos) 07/12/2012 (70 anos) 15/06/2012 (78 anos) 25/06/2017 (81 anos) 06/08/2007 (73 anos) 18/11/1955 (78 anos) 23/07/2010 (74 anos) 29/05/2017 (68 anos) 19/07/2008 (79 anos) 14/05/2015 (74 anos) 08/02/2010 (74 anos)

1965/1976 e 2009//2012 1965/1971 1965/1968 1966/1975 e 1979/1985 1999/2003 1988/1995 1917/1923 1965/1982 1988/1997 1981/1990 1965 1996/2002 1911 a 1938 1975/1998 1974/ 1975 1976/2000 1975/1979 1967/1979, 1983/1990, 1990/2015 1963/1976 1911/1914 1966/1972 1998/2016 1975/1980 1995/2015 1983/2010


rincipais trechos da Carta “A África nos chama” ou do “Projeto-Franciscano-África”, apresentado pelo Ministro Geral Frei João Vaughn, OFM, por ocasião do oitavo centenário de nascimento de São Francisco. Foi uma escolha da Ordem no continente mais jovem para dar continuidade à fraternidade que Francisco iniciou na pequena cidade de Assis.

tados quase exclusivamente em termos de cultura ocidental, especialmente da cultura de Assis e da Itália. Cremos que a experiência africana dos valores humanos e religiosos possa dar-nos, a nós todos, novas intuições dos valores, tão importantes para nós, como a oração, a pobreza, a minoridade, a alegria, a simplicidade, a vida fraterna, o estilo de vida evangélica...

Oferecimento franciscano:

Prioridade da Fraternidade sobre o trabalho:

O irmão missionário será, primeiramente e antes de mais nada, um hóspede e um discípulo na Igreja local; mas ele não vem com as mãos vazias; seu dom à Igreja local é a espiritualidade franciscana, que está viva na Igreja universal. Cremos que esta espiritualidade é um aspecto particular da vida total da Igreja, à qual os africanos têm direito, como qualquer outro membro da Igreja universal. Nós procuramos compreender este novo modo à luz dos sinais dos tempos hoje, e estamos muito animados, neste sentido, pelas respostas dos Bispos, encontradas numa recente viagem de orientação pela África.

Resposta africana:

Esperamos que este novo modo de enfrentar as coisas clarifique outro aspecto daquilo que a missão é na Igreja hoje. A evangelização é um processo com duplo sentido: no sentido em que se dá e se recebe. Portanto, em nosso caso deveria existir uma resposta africana ao nosso oferecimento da espiritualidade franciscana. Até agora, a vida e o trabalho de Francisco foram interpre-

Nossa decisão de sublinhar o valor da fraternidade sobre o trabalho implica numa nova escolha importante. Também o nosso método missionário deve assumir um caráter diferente. O primeiro objetivo é a realização destes valores da fraternidade em nosso estilo de vida. A própria experiência da fraternidade se converte num objetivo. Para nossos irmãos será um passo essencial para o momento em que todo o peso da missão estará sobre os ombros deles. No passado, os irmãos andaram pelas regiões mais afastadas do mundo para levar o Evangelho e, muitas vezes, estiveram a sós por muito tempo. E muitos ainda vivem assim. Isto não é contrário ao franciscanismo e temos o maior respeito e admiração por seu espírito de sacrifício e pelos resultados obtidos. É uma opção pelo bem da missão. Pensamos que esta escolha deva ser cedida aos próprios irmãos africanos. Mas, deveriam ter, sobretudo, a plena experiência da fraternidade franciscana; somente mais tarde, e com esta experiência, poderão decidir o que a vocação missionária parece exigir deles, uma cultura particular, num tempo particular. MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

HISTÓRIA

A ÁFRICA NOS CHAMA

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| FREI ANTÓNIO BOAVENTURA ZOVO BAZA |

ENTREVISTA

A MISSÃO DO JOVEM PRESIDENTE DA FIMDA

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leito o mais jovem presidente da Fundação Imaculada Mãe de Deus de Angola (FIMDA), no IV Capítulo da entidade, no final de maio último, Frei Antônio Boaventura Zovo Baza foi eleito presidente pela maioria dos 44 capitulares, para o próximo triênio. Tranquilo, em viagem a São Paulo na semana de 7 a 15 de setembro, quando participou da profissão solene de dois confrades da FIMDA em Petrópolis, Frei Antônio falou nesta entrevista sobre os desafios da Missão que está prestes a comemorar 30 anos e fez um pelo para que mais frades sejam missionários neste trabalho evangelizador da Província da Imaculada. Filho de Maria Tereza Zovo e Eduardo Baza, Frei Antônio é natural de Cabinda, onde nasceu em 25 de setembro de 1976. Foi ordenado presbítero no dia 15 de janeiro de 2012, na Paróquia de Nossa Senhora de Fátima, em Subantando. Ele é o segundo frade a fazer a Profissão Solene na Missão de Angola. O primeiro foi Frei Afonso Katchekele MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO


ternidade São Damião, estão a Paróquia dos Santos Mártires de Uganda, a Missão em Kangandala e a assistência às Irmãs Clarissas. Em Kibala (323 km de Luanda) está hoje a Casa de Noviciado. Foi a segunda presença franciscana em Angola, que foi interrompida pela guerra, de 1998 a 2009. Mesmo sendo uma casa de formação, os frades têm um envolvimento pastoral bastante intenso, com atuação efetiva na Missão Nossa Senhora das Dores e na Capela Santo Antônio. A sede da Fundação está em Luanda, onde reside Frei Antônio na Fraternidade São Francisco de Assis. Nesta Fraternidade, os frades se dedicam ao atendimento da Paróquia São Lucas, ao acompanhamento dos frades professos temporários, ao atendimento do Santuário Quimbo São Francisco, às Irmãs Clarissas e ao projeto Nossos Miúdos. Em Palanca fica a residência que acolhe os frades estudantes do tempo de Filosofia. Na Fraternidade de Viana fica o Postulantado e Aspirantado da Fundação. Viana é a Fraternidade mais jovem da Missão e é município da Província de Luanda. Os frades dão atendimento à Paróquia Nossa Senhora de Fátima. ACOMPANHE A ENTREVISTA

ENTREVISTA

Quessongo. Os frades chegaram a Angola em 1990 e os dois frutos foram colhidos só depois de 21 anos. Hoje, a Fundação vive uma primavera vocacional e, por paradoxal que pareça, esse florescimento causa preocupação porque não há estrutura física e humana para acolher tantos candidatos, como diz Frei Antônio neste entrevista. Hoje, a Fundação tem dez frades professos solenes, cinco sacerdotes e um diácono. No total, a Fundação tem hoje 44 frades, incluindo os noviços. No Postulantado, 29 jovens se preparam para ingressar no Noviciado em 2020. Em Angola, a Ordem Franciscana está presente com os Frades Menores e os Frades Capuchinhos. Os Conventuais já estiveram presentes em Angola até 1995. Frei Antônio é presidente de uma Fundação que está presente em Malange, a primeira casa da Ordem dos Frades Menores em terras angolanas. Capital da Província de mesmo nome, localizada na região Centro-Norte do país, com população aproximada de 968 mil habitantes, (segundo o Censo de 2014) sendo que 486 mil pessoas vivem na região da capital. Em Malange, a presença dos frades se localiza no bairro chamado Katepa, onde estão duas fraternidades: São Damião e Seminário Monte Alverne. Sob os cuidados da Fra-

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Comunicações - Como o sr. recebeu a eleição de seus confrades para este serviço? Frei Antônio - A princípio foi uma surpresa. Embora eu tivesse o nome entre os possíveis candidatos, não esperava ser eleito. Até mesmo antes do Capítulo, na visita canônica, falei para o Frei César Külkamp, o Ministro Provincial, de uma certa insegurança de ter meu nome nas lista de candidatos. Depois, diante da confiança dos confrades, não tinha como dizer não, ainda mais quando tive na primeira votação a maioria absoluta. Foi um sinal da grande confiança dos confrades. Além do mais, não trabalhamos sozinhos, mas somos uma fraternidade. Quando há boa colaboração, o trabalho vai bem. Se Deus quis assim, estou aí para trabalhar pelo Reino dos Céus.

Comunicações - O sr. chegou a temer no mo-

mento da eleição? Deu aquele “friozinho” na barriga? Frei Antônio - No início fiquei em “choque”, mas como Jesus diz no Evangelho “quem coloca a mão no arado não olha para trás”. Os desafios existem para serem enfrentados e, na caminhada, vamos superando aquilo que não é bom. A gente nunca nasce perfeito, mas vamos aprendendo no caminhar até conseguirmos acertar. As decisões não dependem somente do presidente da FIMDA mas há um Conselho para ser ouvido nas grandes decisões, porque se a gente decide sozinho, acaba estragando tudo. O ideal é analisar certos assuntos tendo a opinião da grande maioria.

Comunicações - Quase 30 anos depois, como

ENTREVISTA

o sr. vê a Fundação Imaculada Mãe de Deus?

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MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

Frei Antônio - A Fundação cresceu muito, basta olhar nossa realidade hoje. Temos cinco casas ou Fraternidades: duas em Luanda, duas em Malange, uma em Kibala, além de um terreno em Lubango, onde pensamos ser a sede da futura casa do Noviciado, porque lá está a maioria das casas de noviciados das congregações em toda Angola. Essa integração com outras congregações é muito boa e não podemos perder aquele espaço. A gente percebe que a Fundação ganhou vida e precisamos louvar a Deus por aqueles que tiveram a iniciativa de abrir a Missão em Angola. Sabemos que não é fácil. Em 30 anos, temos 5 sacerdotes, 1 diáconos e 10 professos solenes. Isso é motivo de grande alegria. Para se ter uma ideia, conhecemos congregações que, em 30 anos, não têm nem dois religiosos. Claro, nem tudo são alegrias. Olhando um pouco a nossa realidade, podemos dizer que foi feito aquilo que devia ser feito, mas de algumas coisas se descuidou no início da Fundação, e hoje é um desafio para nós: buscar a auto-sustentabilidade. Com o crescimento, vem a questão: como sustentar tantos frades que chegam? O importante é que temos o Governo e o Definitório Provincial muito engajados no trabalho evangelizador de Angola. Aos poucos vamos encontrando caminhos para isso.

Comunicações - Quais os desafios para o novo

conselho da FIMDA? Frei Antônio - Além da sustentabilidade, temos outros desafios. A questão da legalização de nossos espaços é um deles, mas a vida formativa é o grande desafio, pois precisamos de


Comunicações - Quando a Fundação terá

condições de se tornar uma Custódia? Frei Antônio - Podemos falar pela própria resposta dada pelo Ministro Geral, Frei Michael Perry. Somos apenas 10 professos solenes e precisamos de 15 para nos tornarmos Custódia. Acredito que daqui a uns quatro ou cinco anos haverá condições para isso. Não temos pressa porque somos da Província da Imaculada e nos sentimos bem. Aquilo que Deus nos proporcionar nos próximos, anos vamos acolher.

Comunicações - Que significado tem para

Angola celebrar 30 anos de Missão Franciscana? Frei Antônio - A princípio, podemos dizer que são 30 anos de uma vitória da Província da Imaculada, porque quando se começa um projeto, esperam-se sempre frutos. E esses frutos estão aparecendo, como nós estamos aqui. São frutos da evangelização da Província da Imaculada em Angola. Para o povo, é motivo de grande alegria desde quando a Província da Imaculada teve a iniciativa de abrir uma casa em Angola. Para nós, mesmo quando estivermos um dia independentes, nunca

esqueceremos esse grande feito da Província da Imaculada. Para a Igreja de Angola e para a Família Franciscana, incluindo a proximidade que temos com as Irmãs Clarissas, também é motivo de grande alegria. Nas visitas pastorais dos nosos bispos, vemos a alegria deles com a presença franciscana nos lugares onde estamos. Eles sempre nos encorajam! E isso é um ganho para todos e para a Igreja.

Comunicações - Qual a importância dos mis-

sionários nesse trabalho evangelizador? Frei Antônio - Em primeiro lugar, o próprio testemunho de vida revela muita coisa. Por mais que peguemos a Bíblia e saiamos por ai pregando o que está escrito na Sagrada Escritura, o testemunho de cada missionário vai falar mais alto. O testemunho cristão e franciscano fala mais alto do que a própria palavra. Por isso, louvo e agradeço a Deus o testemunho de quem está e esteve na Missão de Angola. Se não fossem os testemunhos desses frades, não sei se teríamos os frades angolanos. Então, é com base nos testemunhos deles que também nós somos missionários na nossa própria casa.

Comunicações - Como o sr. vê o Mês Missio-

nário Extraordinário instituído pelo Papa Francisco? Frei Antônio - O Papa Francisco, cada vez mais, vai surpreendendo o mundo com seu jeito muito fraterno e próximo do povo. Ou como ele diz: “O cristão é missionário da esperança”. MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

ENTREVISTA

mais formadores. Preocupa bastante quando a gente olha, em Malange, 49 aspirantes e apenas dois formadores. E não só. Mesmo no campo da evangelização, nas Paróquias, precisamos de mais frades para que o trabalho flua melhor. Quando um frade assume três, quatro, cinco funções, vai acabar deixando alguma coisa para os outros.

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Comunicações - O sr. e Frei Afonso foram as

primeiras vocações da Missão. Como foi a “solitária caminhada” de vocês por um bom tempo até surgirem novas vocações? Frei Antônio - Não diria solitários, porque mesmo ao longo da caminhada apareceram outras turmas, que aos poucos também foram desistindo ou escolheram outros caminhos para sua vida. Nós fomos caminhando serenamente, confiantes que um dia chegaríamos à Profissão Solene, momento que sonhavámos como frades.

ENTREVISTA

Comunicações - Como o sr. vê agora o gran-

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de número de vocações na FIMDA e mesmo na África? Frei Antônio - Realmente é motivo de grande alegria. É sinal de que nosso testemunho está acontecendo. O que nos preocupa é o número de formadores. De que adianta receber 50 ou 60 candidatos e não dar uma formação adequada? A presença de tantos candidatos sempre é bem-vinda mas a grande dor é constatar que não temos condições de receber todos. Aliás, mesmo em se falando de espaços e acomodações. Este ano, não definimos quanto teremos condições de receber. É preciso ter um número que a gente consegue acompanhar. É difícil dizer isso para um candidato, que está ansioso por entrar, que não pode ser acolhido. MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

Comunicações - Como o religioso Frei Antó-

nio se define? Quem é António Baza? Frei Antônio - Diria que é homem simples, capaz de compreender a situação de cada um, apesar de não ser um exercício fácil. Mas sou um homem fácil de conviver. Cada um de nós tem a sua personalidade. Suas ideias e costumes. Reconheço que sou até teimoso em algumas posições, mas, na medida do possível, procura-se chegar a um consenso. Facilmente faço amizade. Quem me vê à primeira vista pensa que sou fechado. Sisudo. Tem um provérbio lá na minha terra que diz “tungané” (viva com ele para o conhecer). Muitos que se tornaram meus amigos, me disseram isso. Nunca podemos julgar o livro pela capa.

Comunicações - Como se deu o seu discerni-

mento vocacional e sua escolha pelos franciscanos? Frei Antônio - A princípio, não queria ser franciscano. Me enamorei pela forma de vida dos Pobres Servos da Divina Providência. Em Cabinda, não existiam franciscanos e nunca tinha visto um frade de hábito. Mas, em contato com as Irmãs Catequistas Franciscanas, que nos davam formação, fiquei conhecendo os franciscanos. Num dos encontros vocacionais, a Ir. Maria Ramos da Cruz, da Congregação de São José, mostrou-me fotos de


Comunicações - Como é a sua família?

Frei Antônio - Sou o segundo filho de Eduardo Baza e Maria Teresa Zovo. Somos em oito: dois rapazes e seis moças. Mas tenho outros irmãos por parte de pai, com os quais me dou muito bem. Minha família recebeu bem a minha decisão de ingressar no seminário. Desde pequeno sempre alimentei essa paixão. Brincava e fazia o papel de padre, cortando a banana em rodelas para imitar a hóstia. Me vestia, como diziam, como seminarista. Gostava de ternos. Um costume que vem de casa.

Depois, cheguei a mudar um pouco esse meu hábito, que para alguns frades, não era bem visto. Mas é um costume e eu gosto de me vestir assim. Mas não é a veste que faz o monge. O vestir depende de cada um. O importante está no coração.

Comunicações - Que mensagem o sr. tem para

os brasileiros que querem ser missionários na África? Frei Antônio - Digo aos nossos confrades brasileiros, que desejam ser missionários, que as nossas portas estão abertas. Hoje estamos sobrecarregados de trabalhos e precisamos desse apoio. Faço apelo para que os frades não desistam de sair em missão para Angola. Quero encorajar aqueles que sentem medo de guerras ou ouviram algumas histórias que eram trazidas para cá, que façam uma experiência lá. Hoje, Angola mudou muito. Àqueles que quiserem escrever o nome no livro da Fundação como missionários, estamos abertos. Sabemos que a Província também está precisando, mas, com certeza, o Definitório, vendo que dois ou mais estão querendo ir para Angola, vai ajudar. Espero que os confrades brasileiros sintam aquela vontade de servir àquela parcela da Igreja, em Angola.

ENTREVISTA

frades em uma revista - até hoje ando triste porque nunca mais vi essa revista - e eu não tive dúvida e disse para ela: “Irmã, eu gostaria de ser como esses frades!”. A maioria dos candidatos queria ser diocesano. Eu e mais um queríamos ser frades. Mas não sabíamos distinguir o que era Frade Menor e Capuchinho. Através das Irmãs Catequistas, cheguei aos Frades Menores. O outro candidato foi para os Capuchinhos. Fui recebido antes em Luanda por Frei Samuel Ferreira de Lima, onde conheci o saudoso Frei Hermenegildo Pereira, de feliz memória. Em Malange, encontramos o guardião da Fraternidade, Frei Genildo Provin, e Frei Odorico Decker. Tive como orientador Frei Antônio Mazzucco.

MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

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| FREI JORGE LÁZARO DE SOUZA |

Nossa missão franciscana atualmente

800 ANOS DE PRESENÇA FRANCISCANA

NO MARROCOS

DEPOIMENTOS

O início da missão em 1220

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O início do capítulo 16 da Regra não Bulada é para nós, frades da Custódia dos Santos Mártires do Marrocos, como nossa Carta Magna. Ele nos recorda que este chamado para viver junto aos muçulmanos está além de nós mesmos e que isso só pode vir de Deus. Ele também nos mostra que este chamado, que todos nós experimentamos, está registrado numa longa tradição que começou com os protomártires de Marrakesh (1220) e Ceuta (1226), MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

fazendo do Marrocos a primeira missão da Ordem entre muçulmanos e que se prolonga através dos séculos até o período recente com os apelos urgentes dos últimos três Ministros Gerais. E, precisamente neste ano, estamos celebrando os 800 anos do encontro de Francisco com o Sultão. Todos são sinais de grande importância para a Ordem ao querer continuar nossa presença nesta terra marroquina onde São Francisco, Santa Clara e Santo Antônio teriam desejado estar.

A Custódia do Marrocos, dependente do Ministro Geral desde 2010, conta atualmente com 18 frades, originários de 10 países e 4 continentes. E estamos presentes em seis Fraternidades dispersas pelo país: Rabat, Marraquexe, Meknés, Larache, Tânger e Tetuán. As Fraternidades são compostas por frades de diversos países pelo fato de que não há vocação local devido à ausência de vocações cristãs marroquinas. Como resultado, a Custódia permanece totalmente dependente de outras entidades da Ordem para a sua sobrevivência.

Os diversos serviços realizados pelos freis

a. Jovens estudantes - Os fiéis mais numerosos são jovens estudantes


plativa: Clarissas em Casablanca, Carmelitas em Tanger e Cisterciences em Midelt. Trata-se de assegurar a assistência espiritual e sacramental destas comunidades. f. Ecumenismo - O Ecumenismo também faz parte da Igreja no Marrocos. Diluídos em uma maioria muçulmana, temos de construir relacionamentos de forte solidariedade com nossos irmãos protestantes, em particular. Neste espírito, foi criada em Rabat, há alguns anos, uma Universidade Teológica Ecumênica que permite formar tanto católicos como protestantes. g. Centro Cultural - Para facilitar e intensificar os contatos, os frades fundaram há vários anos quatro centros culturais onde são dados principalmente cursos de línguas. É uma oportunidade para suscitar um primeiro contato entre os frades e a população, sobretudo os jovens. Cada frade pode ensinar uma língua materna ou conhecida, seja o francês, o espanhol ou o inglês, etc. Estes centros também permitem um contato mais próximo com voluntários ou colaboradores marroquinos que ensinam lá também: eles são uma oportunidade para o companheirismo, e permitem entrar numa relação sobre o essencial (as alegrias e triste-

zas da existência, Deus, o sentido da vida...), em uma palavra, entrar numa relação de fraternidade com eles.

Chamados a ir entre os muçulmanos no Marrocos

Esta dimensão do chamado a sermos presença no país, entre os muçulmanos, em geral é muitas vezes esquecida. No entanto, o chamado que Deus nos faz, como franciscanos, para estar entre eles, não é para freis “heróis”. A vocação de Frades Menores entre os muçulmanos é para quem acredita que é possível “ser submisso a toda criatura por causa de Deus e confessar simplesmente que é cristão” (Rnb 16,6). Estar entre os muçulmanos é para quem acredita que somos enviados para viver com um povo, para encontrá-lo em sua alteridade fundamental e a tecer com ele um caminho de fraternidade que nos faz ver o Reino de Deus em marcha. Este chamado foi, desde o tempo de São Francisco de Assis, um mistério para nós frades e para a Igreja. Ele permanece e faz parte da nossa própria vocação de menores, de estar entre os muçulmanos: “Quando meus irmãos vão pelo mundo, (...) sejam afáveis, pacíficos, doces e humildes, respeitosos e corteses para com todos, em suas conversas” (Rb 3, 10-11). MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

DEPOIMENTOS

da África Subsaariana, que vêm fazer licenciatura ou “máster” no Marrocos. São acompanhados pelos freis tanto em nível humano quanto sacramental e espiritual. Para fazer isso, os frades contam com uma vida de Igreja organizada em nível nacional, com uma Associação de Estudantes Católicos no Marrocos, muito ativa, com retiros, com Jornada Mundial da Juventude diocesana, com Universidades de Verão... b. Catequese - A cada ano sempre há um grupo na catequese de iniciação cristã para os filhos daqueles que vêm trabalhar no país e para os jovens estudantes, alguns chegando apenas com o sacramento do batismo. c. Imigrantes - Há vários anos, os imigrantes têm aparecido no Marrocos, principalmente da África Subsaariana. Eles tentam ir à Europa. Desprovidos de tudo, motivados por uma hipotética passagem, eles necessitam de uma entidade de caridade para acompanhá-los em nível de saúde, de educação, de sobrevivência diária. Alguns freis estão empenhados com as Cáritas Diocesanas nestes serviços. d. Prisioneiros - O serviço aos prisioneiros cristãos é uma velha tradição para os frades. Teve seu início no século XVI, e hoje, são principalmente os traficantes que estão encarcerados no Marrocos: jovens que buscam oportunidades, imigrantes que tentam ganhar algum dinheiro para ir a Europa e vítimas do contrabando. Entre os detentos, alguns são brasileiros. e. Assistências às religiosas e religiosos - Os freis consagram seu tempo ao serviço também das congregações femininas. Além das congregações apostólicas, incluindo muitas comunidades franciscanas, estão as de vida contem-

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| FREI VALDIR LAURENTINO |

DEPOIMENTOS

RORAIMA: MISSIONÁRIO “GAFANHOTO” DIANTE DE UM DESAFIO ENORME

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(Moisés enviou espiões à terra de Canaã) Eles foram até ao vale de Escol, e dali cortaram um ramo de videira com um cacho de uvas, o qual trouxeram dois homens, sobre uma vara (Nm 13,23). Pelo cacho de uvas vê-se que a terra era muito boa, mas os espiões também relataram a Moisés que se sentiam pequenos como “gafanhotos” (Nm 13,33) diante dos povos que lá habitavam. Mas Moisés não deu crédito ao temor dos espiões e sim à promessa da terra a ser conquistada, pois sabia que a mão de Deus apontava para lá. Espiei a terra de Roraima e os povos que lá habitam. É certo que há uma diferença entre as terras e os povos analisados. Há uma diferença, também, entre os espiões. Lá eram dois e aqui um. Porém, uma coisa MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

deve ser considerada válida: o leitor tomar a atitude de Moisés – não dar crédito ao espião, mas ir em busca da terra sonhada para a sua missão. A terra lá encontrada é seca e tórrida, de pouca produção. Os povos que lá habitam são resistentes ao calor elevado do sol a pino na altura da linha equatorial. Para quem tivesse imaginações de uma bacia amazônica verde, uma frustração. A região da missão é uma savana que faz lembrar o deserto. Não se percebem as quatro estações do ano. O que se percebe é a temporada de chuva e a de seca. A assistência às comunidades do interior era somente no período de seca, com exceção das sedes dos dois municípios atendidos: Amajari e Pacaraima. As distâncias percorridas eram enormes. O pon-

to mais distante ficava a 240 Km, por estrada de asfalto e de barro. As idas para o interior eram de carro, providas com umas ferramentas no bagageiro, saindo às sextas-feiras à tarde para voltar segunda de manhã. As provisões alimentícias para a estrada eram sui generis: “X-mico, com suco torneirão” (pãozinho com banana e água). Nas vilas dava para fazer uma alimentação “sofisticada”. Mas é doce lembrar que essas coisas davam um tom agradável à missão. O difícil era fazer viagens longas e conseguir um mínimo de resultado, porque grande parte da população é evangélica ou é católica de “desobriga”, isto é, comparece à Igreja para cumprir a “obrigação” de batizar os filhos e fazer a primeira comunhão no dia da festa da padroeira e voltar no outro ano. A missão na periferia urbana caminhava bem melhor que a do interior. Mas, como um dia falou um dos nordestinos: “Não sei por que o nordestino na sua terra é religioso e quando vem para cá, nem religioso não é mais”. De fato, a vida daquele povo migrante parece que se dilui. Resumindo, dá para dizer que a missão em Roraima tem um grande valor no sentido de servir a uma Igreja carente, de sentir as dificuldades de um povo pobre que luta para sobreviver, de ver como um missionário pode se sentir pequeno como um “gafanhoto” diante do desafio enorme de uma Igreja em construção e de muitos outros detalhes que poderiam ser ditos etc., etc., etc. Quem tiver a inspiração de Moisés, prossiga em busca dessa missão.


| FREI ODORICO DECKER |

Quando era jovem, meu pai disse que tinha o desejo de adotar uma criança negra, mas nunca conseguiu realizar. Guardei aquilo no coração, como Nossa Senhora. Um dia, no refeitório do Convento São Francisco, diante do Ministro Provincial - que era o Frei Estêvão Ottenbreit - e dos Definidores, disse: “Quero ir para Angola”. E eles me enviaram em missão. Fui em 1991 e fiquei nove anos. Fiquei em Malange e depois em Quibala, por dois anos. Fiz parte da segunda turma que foi para lá. Em Angola era cozinheiro, fotógrafo, cuidava da casa, da igreja, da roça, da horta, fazia as celebrações na ausência do padre, acompanhava a Legião de Maria, visitava os doentes. Não sabia cozinhar o funji, prato típico de lá, feito de farinha de mandioca. Na fraternidade, fazia a comida comum. Com os angolanos sinto-me em casa, tenho um sentimento de pertença. Quando estava em Malange, vieram os 14 primeiros aspirantes. Eles moravam conosco. Isso foi muito bom. As pessoas duvidavam que fôssemos conseguir. Havia muitas pessoas deficientes. Eu gostava de carregá-las, ir às aldeias, fazer a Celebração da Palavra, levar Eucaristia aos enfermos, tocar gaita para o povo. Em todos os anos que fiquei lá, havia a guerra. Era muito penoso. Estávamos sempre vivendo o sentimento de estar entre a vida e a morte. Tínhamos que nos esconder quando ouvíamos as bombas caindo na vizinhança. Um dia, uma bomba caiu perto da igreja dos frades e destruiu uma parte da construção. Em outra ocasião, caiu dentro de nossa casa. Ela quebrou

as janelas e os destroços caíram no refeitório. Arrumei o telhado, com as telhas que ganhamos do bispo. Não havia luz elétrica e tínhamos que buscar a água na fonte. Trazia em baldes com 20 litros em cada mão. Depois, subia na escada para colocar dentro da caixa d’água. Na fonte que pegávamos a água, as mulheres tomavam banho. Como eu era religioso e conhecido na região, elas permitiam que eu fosse lá para pegar água. Enquanto elas enchiam os baldes, eu cantava a música “Carinhoso”, de Pixinguinha.

Eles têm muito cuidado com o corpo. As mulheres – mesmo quando tomavam banho na fonte – sempre estavam cobertas. Como havia a guerra, não havia outras religiões. Nos domingos e dias de festa faltava lugar na igreja. Todos com muita alegria, vigor e respeito. Chorei muito com eles, por causa da beleza e da pureza da manifestação de fé do povo angolano. As mulheres com crianças nas costas, dançando, levando alimentos para o ofertório. Era muito bonito! E eu estava sempre no meio do povo. MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

DEPOIMENTOS

“COM OS ANGOLANOS SINTO-ME EM CASA”

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| FREI RICARDO BACKES |

DEPOIMENTOS

MINHA MISSÃO COMEÇA NA CIDADE NATAL

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Foi nos anos do tempo do Ginásio Diocesano em minha cidade natal que, aos poucos, despertou em mim e em outros jovens o desejo de partir em missão. Havia, na época, muitos sacerdotes e até leigos, na Europa, que partiam em missão. Os Papas, sobretudo, João XXIII, apelavam para o espírito missionário “ad gentes”. A juventude e o povo escutavam com entusiasmo os missionários passando férias na sua terra natal. Pessoalmente tive vários contatos com religiosos verbitas, salvatorianos e outros. Em pouco tempo participei de duas missões populares, a última pregada por padres franciscanos do Colégio Missionário do Garnstock, Bélgica. Eu estava amadurecendo e sonhando partir para o Congo, África, para viver e trabalhar como irmão religioso. MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

Foi quando recebi a visita de um amigo de infância e lhe perguntei o que ia fazer ao terminar o serviço militar. Para minha grande surpresa, disse: “Quero tornar-me franciscano e partir para as missões na Índia”. Surpreendido, fiquei uns instantes sem fala. Na época, estava trabalhando não longe do Garnstock, onde os frades preparavam jovens para a missão no Brasil. Fiz-lhe, então, uma proposta. Que tal tomar um lanche mais cedo e, na sua volta a casa, você poderia passar no convento dos franciscanos e informar-se onde existiria uma casa franciscana que preparasse missionários para a Índia? Ele concordou e achou boa a ideia. Depois de sua despedida, a graça me tocou. Uma voz interior me disse: ”Richard, você é o maior covarde! Por que você não vai lá...?”

No ano seguinte entrei no Garnstock para iniciar a preparação da minha vinda para o Brasil. Em 1962 cheguei ao Brasil e segui os estudos e formação com os novos colegas. Crescia minha paixão por São Francisco de Assis. Fui ordenado presbítero e transferido para diversas incumbências: paróquias, SEVOA, Colégio. Por ocasião de nosso Capítulo Provincial de 2012 houve um apelo para mais gente ir trabalhar em Angola. Coloquei-me à disposição. Fiquei lá um triênio. Passei um ano em Malange e dois no Postulantado de Quibala. Foram experiências muito válidas: conhecer este povo carente, pobre, sofrido, mas aberto aos valores do Evangelho. O espírito missionário continua vivo na Igreja. O Papa Francisco proclamou o mês de outubro deste ano “Mês Missionário Extraordinário”. Lembra, como batizados e enviados, que a Igreja de Cristo continua em missão no mundo. Esta saída será abençoada pelo Senhor da messe e iluminada pelo Espírito Santo. Que também hoje cresça sempre mais esta visão nas periferias do nosso mundo urbano, na Amazônia, em Angola... Pessoalmente, penso que todos os frades, também animados pelo espírito e exemplo de nosso seráfico pai São Francisco, deveriam partir e viver, mesmo temporariamente, num estado de missão concreto.


| FREI TIAGO G. ELIAS |

Em breves palavras, gostaria de dizer que ter feito experiência missionária em Kibala, Angola, mesmo que por pouco tempo, fez meu coração dilatar por esta frente de Evangelização tão cara ao nosso carisma. A acolhida dos confrades que lá vivem

muito me ajudou a ser inserido na cultura e modo de vida local. Posso dizer que no início tive certo medo, pela cultura, país diferente, ou mesmo medo do “novo”. Contudo, logo essa barreira foi quebrada, ao participar das catequeses

com os “miúdos” (crianças). A alegria daqueles pequeninos e a capacidade de fazer amizade é um verdadeiro ensinamento para todos os que complicam a vida. Pude fazer e aprender alguns serviços, tais como: auxiliar no artesanato de velas com os postulantes, pastorear ovelhas, e alguns trabalhos com pintura. Muitos podem pensar que ser missionário é transmitir ensinamentos ou doutrinas. Está para além disso. O que se vive na missão é a busca da total entrega ao seguimento de Jesus Cristo pobre e crucificado, e é a partir dele que nosso coração franciscano se expande ao encontro do outro, do diferente, do diálogo sem reservas em toda e qualquer circunstância. Por isso, posso dizer que não fiz grandes coisas, mas que o Senhor fez grandes coisas em mim. MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

DEPOIMENTOS

O SENHOR FEZ GRANDES COISAS EM MIM

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| FREI VALDIR NUNES RIBEIRO |

VOCAÇÃO: UM CHAMADO QUE SE CONVERTE EM MISSÃO!

DEPOIMENTOS

Falar da nossa própria vocação é sempre um desafio de recordar nossa história pessoal! Minha vida é uma história muito simples, mas a vejo como cheia de graças e bênçãos! Deus tem sido bom para mim e tem me dado oportunidades de conhecer e conviver com pessoas de muitos lugares. Por isso, ao condividir um pouco desta história, quero agradecer a Deus por tudo e também motivar os jovens a acolherem bem o dom da vocação e vivê-la como uma bonita missão! Sou filho de uma família de trabalhadores rurais, depois operários em São Paulo. Em minha família não temos nenhuma vocação religiosa ou sacerdotal. Nasci no interior paulista, e nos mudamos para Osasco quando eu tinha 11 anos. Foi uma grande fase de mudanças significativas na vida de um pré-adolescente. Me afastei uns anos da Igreja no período da adolescência. No entanto, com 17 anos voltei à vida da Igreja. Foi um retorno marcante, profundo! Foi um reencontro com Deus! A vida e serviço numa comunidade bem concreta me ajudaram muito

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MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

no discernimento vocacional. Inicialmente parecia que minha vocação seria o matrimônio. No entanto, Deus, com suas surpresas amorosas, numa tarde, enquanto caminhava para a missa da Comunidade Santa Teresinha, depois de uma vigília de oração pelas vocações, onde eu rezei muito para que os jovens tivessem atenção para ouvir o chamado de Deus e a generosidade para responderem com coragem ao chamado, senti como que uma voz interior que me dizia: e por que não você? Isso se

repetia de forma insistente, inquietante! Depois daquela tarde, veio o desejo de conhecer a vida religiosa e os carismas. No desejo de buscar o caminho onde consagrar minha vida, encontrei Francisco de Assis, o apaixonado pelo Crucificado e o apaixonado pelo criado, pelo mundo, pela simplicidade! Este santo homem encheu minha vida de sonhos e do desejo de ir ao encontro do mundo, como Cristo. A partir daí tudo foi me conduzindo à vida franciscana e à missão.


Durante toda a minha formação, sempre alimentei o desejo de servir onde Deus me conduzisse. E prometia sempre me dispor para missão. Foi assim que nos últimos anos da Teologia já me havia candidatado para a missão em Angola. Depois de colaborar no Postulantado em Guaratinguetá por um ano e meio e estudar espiritualidade por dois anos em Roma, finalmente pude seguir para a desejada missão de Angola! A África me cativou profundamente! O povo de Angola me ensinou muito a ser um bom missionário: acolher e amar o povo e aprender a servir com alegria e esperança! Sou muito grato por este povo que me acolheu com espírito de família e me fez sentir em casa. Aprendi muito com este meu povo! Meu serviço foi quase sempre na formação dos jovens angolanos para a vida franciscana. Em Angola pude experimentar até mesmo a experiência de ser baleado em meio aos conflitos; mas Deus foi muito bondoso e

me protegeu, poupando minha vida! De Angola fui enviado, meio por acaso, para o Japão! Um mundo completamente diferente da África. O Japão me fez compreender a coragem dos imigrantes! São pessoas ousadas, corajosas! São pessoas sonhadoras que arriscam tudo para tentar melho-

rar a vida de suas famílias; buscam a oportunidade de uma vida melhor! O Evangelho nos desafia a compreendermos como a pessoa humana tem uma ousadia impressionante! Depois de colaborar um tempo no Brasil, pedi para servir na missão da Terra Santa, a “menina dos olhos” da Ordem. Acabei também colaborando com a formação dos jovens frades na Teologia. Foi uma experiência do rosto internacional da Ordem na Terra Santa! Hoje, estou em Buenos Aires como Comissário da Terra Santa! É uma nova missão, é novo aprendizado! Gostaria de motivar a cada jovem, no seu discernimento, a estar disponível a Deus e à Igreja! Coragem! Deus sempre nos surpreende e nos ajuda a conhecer e amar este mundo maravilhoso, criado por ele, Deus nos ajuda a viver tão bem esta vida que nos prepara para o céu, sem medo de ressuscitar!

| FREI ANTÔNIO MAZZUCCO |

Aos dias 28 de julho de 1997, embarquei para Angola, depois de seis meses esperando a liberação do visto de entrada. A minha primeira transferência era para ser para Luanda, na Paróquia do Palanka. Mas devido à necessidade da missão de Malange, depois de 15 dias em Lunda, dirigi-me para lá. Em Malange, na missão da Katepa, assumi o trabalho de evangelização colaborando, nos finais de semana, nas comunidades da Paróquia junto ao pároco Frei Genildo Provin. E, durante a semana, na formação e aulas no Seminário Diocesano, onde nossos seminaristas estudavam. Também dava assessoria ao projeto das “lavras” com planta-

ções diversas e na compra de animais domésticos (galinhas, porcos, cabras e ovelhas). Aos dias 14 de junho de 1998, fiquei doente, acometido pelo “paludismo” e, uma semana depois, fui levado para Luanda, onde passei por sessões de hemodiálise. Em meados de julho, sai da clínica para continuar o tratamento em São Paulo e fiquei internado no Hospital Emílio Ribas por uma semana. Depois fiquei no Convento São Francisco, em convalescência até outubro, e logo fui transferido para o Seminário Santo Antônio, em Agudos, para cuidar da saúde. Em janeiro de 1999, fui transferido para o Seminário de Ituporanga. MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

DEPOIMENTOS

A MISSÃO EM MALANGE E O PALUDISMO

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| FREI SAMUEL FERREIRA DE LIMA |

MISSÃO: O FORTALECIMENTO DA MINHA VOCAÇÃO

Bênção dos tijolos na Aldeia da Terra Nova no Kwige

DEPOIMENTOS

Fui para a Missão em Angola em 28 de junho de 1996, seis meses após minha ordenação presbiteral. Fiquei na missão por 10 anos e cinco meses. Foram tempos de grandes experiências e vivências. Deste tempo, seis foram em meio à guerra civil que devastou Angola. Porém, mesmo tendo vivido momentos difíceis, de provações, enfermidades, insegurança e medo, não perdi a solidariedade fraterna, o trabalho em

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MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

prol da vida das pessoas, o anúncio do Evangelho, a partilha dos saberes, a riqueza que é viver em uma outra cultura, a inter-religiosidade e internacionalidade. O Evangelho nos impele a sair de nós mesmos e ir ao encontro do outro, conviver, aprender, partilhar, deixar-nos tocar por um novo modo de ver a vida e vivê-la. Uma vida que, mesmo que tenha sofrimentos, há muito mais alegrias, solidariedade e

fraternidade. Uma riqueza que perpassa o nosso ser e nos forma como uma nova criatura. Tudo o que vivi no tempo que estive na missão contribuiu para o fortalecimento da minha vocação, do crescimento de minha espiritualidade e, acima de tudo, da minha relação com Deus e com os irmãos. Todas estas experiências partilhadas com o povo angolano foram enriquecedoras. Ver a fibra, a persistência diante de situações alarmantes, a sua alegria contagiante, a vontade de aprender e crescer no conhecimento e na espiritualidade nos dava ânimo e vigor na caminhada, força para superar as nossas próprias debilidades e medos. Ter feito parte deste processo de implantação da Ordem e colaboração na construção da paz em Angola ajudou-me imensamente a compreender a riqueza de nosso carisma, a força transformadora que podemos, juntos, construir na partilha de nossa vida nas terras de missão. Por isso, eu encorajo os que desejam seguir o apelo do Papa Francisco e de nossa Província para estarem em saída na construção do Reino de Deus. Pois é tempo de graça, crescimento e amadurecimento na fé e na vida religiosa.


| FREI PAULO BORGES |

Com grande alegria, partilho essas experiências de missão, vividas em duas realidades: Tailândia e Angola. Me sinto inspirado em partilhar essas pérolas do Evangelho, presentes numa realidade budista (Tailândia) e outra numa realidade cristã (Angola). Ser missionário é ter o jeito, o modo de ser do Missionário por excelência, que é Jesus Cristo Tailândia - Como missionário, fui convidado a cuidar dos portadores do HIV/Aids durante 10 anos, nesse país conhecido como a “Terra do sorriso”. Certa vez, veio um paciente totalmente em estágio terminal dessa doença avassaladora, que, naquela época, era uma epidemia mesmo. O senhor Khun Sombun veio receber os cuidados na Casa “Sant Claire Hospice”. Como todos, o Khun Sombun veio para morrer, fazer a passagem para eternidade em paz. Como franciscanos, éramos uma “ponte “ de amor para que todos pudessem atravessar desta para a outra vida com toda dignidade.

O interessante é que seu caso reverteu. Pôde ter uma vida normal, mesmo depois de ter tido um leve derrame. E mais ainda, resgatando sua humanidade, decidiu se consagrar a um templo budista da cidade de Chingmai, a cerca de 5 horas de Bangkok. Antes de voltar para o Brasil, pude visitá-lo e ser hospedado no seu templo. Fui convidado por ele para ir até o hospital local. Imaginem a cena. Ele de hábito budista e eu de franciscano! Verdadeiro diálogo inter-religioso na prática, pelas ruas de Chiangmai. Chegando, fomos em vários leitos com pessoas portadoras do HIV/Aids. Ele dizia: “Esse é Frei Paulo, missionário brasileiro que veio cuidar

dos doentes, cuidou de mim quando cheguei na fase terminal e voltei a ‘viver’. Do mesmo modo, você pode se reerguer, coragem!”. Um grande exemplo a partilhar com todos. Angola - Vejam a foto (ao lado), tirada em Kibala, Angola, onde temos uma missão. Eu estava fora de casa, andado pela mata, e me deparei com Mamá Vitória, que partilhou sua vida, como fazia para sustentar seus filhos, a dor da guerra do passado, o desencontro dos familiares. Mas, acima de tudo, fui abençoado em estar diante de uma mulher de fé, com entusiasmo pela vida cristã. Aliás, os angolanos expressam sua fé com grande leveza. Senti que essa mulher era rica de Deus. Assim sendo, todos somos missionários na vivência do nosso batismo. Santa Teresinha é padroeira dos missionários(as) e nunca saiu do seu convento. Todos podemos ser missionários. MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

DEPOIMENTOS

MISSIONÁRIO NA TAILÂNDIA E ANGOLA

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| FREI LEONARDO PINTO DOS SANTOS |

EXPERIÊNCIA MISSIONÁRIA

NO SUDÃO DO SUL

Durante o ano de 2016, eclodiu uma guerra civil que assolou ainda mais o Sudão do Sul, o país mais jovem do mundo até então, emancipado do Sudão em 9 de julho de 2011. Esta guerra foi tão intensa que alguns frades, pertencentes à nossa Missão Franciscana de Nossa Senhora dos Anjos, em Juba, capital, decidiram partir, além de outras razões internas. Por conta disso, nosso Ministro Geral, Frei Michael Perry, enviou um convite missionário a toda Ordem, em 2017, solicitando missionários que se dispusessem a incorporar tal Missão. Foi com este chamado que me coloquei à disposição para esta Missão da Ordem. Isto porque entrei na Ordem dos Frades Menores tendo em mente este desejo de Missão ad gentes, de partir para onde o Senhor enviar. Foi, então, acolhido este pedido tanto pela Província quanto pela Ordem e, em maio de 2017, parti.

DEPOIMENTOS

PRIMEIRAS IMPRESSÕES

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Diz-se, popularmente, que a primeira impressão é a que fica. Não creio muito neste dito; entretanto, a chegada ao “aeroporto internacional” de Juba, capital do Sudão do Sul, foi bastante impactante. Não era propriamente um aeroporto. Eram tendas improvisadas das Nações Unidas, com tábuas fazendo de chão, com buracos onde facilmente qualquer um poderia se esconder. Nas ruas, muitos pedintes e jovens que tentam, a todo custo, ajuda para conseguir algo em troca. Poucas ruas eram asfaltadas; muitos prédios abandonaMÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

dos e destruídos pela guerra; bastante lixo espalhado; muitas crianças nas ruas. Realmente, um cenário bem diferente do que havia experimentado um mês antes, ao ficar na Cúria Geral, em Roma, esperando o visto de entrada, ou nossa realidade brasileira, qualquer uma. Porém, apesar de todo esse quadro pintado, o que realmente me chamou a atenção foi a felicidade do povo! E a alegria em receber estrangeiros e partilhar sua vida. Quanto a essa questão, senti-me muito em casa.

A VIDA NA MISSÃO

A nossa Província Franciscana é bastante diversa, grande em tamanho. Temos a oportunidade de conhecer “culturas” diferentes da nossa, mesmo em terras brasileiras: sotaques diferentes, comidas, jeitos diferentes de ser brasileiro; e isso é um grande aprendizado e uma grande experiência para aqueles que desejam partir em missão

em terras estrangeiras. Porém, ao chegarmos em outro país, outra cultura totalmente diversa da nossa, o primeiro impacto é a estranheza. E isso é muito bom, pois temos de deixar de lado nossos costumes, certezas e manias, e ver a beleza e peculiaridade do outro. Quando cheguei, havia somente um frade, Federico Gandolfi, italiano, único remanescente da antiga fraternidade; além dele, dois aspirantes (David e Emmanuel) à vida franciscana. Em julho, chegou mais um reforço, da Irlanda, Joseph (Joe) Walsh, de 67 anos. Também integrou a fraternidade Joseph Anyidi Hassam, sul sudanês, que tinha acabado de finalizar o noviciado, pertencente a esta missão, e que passaria um ano de experiência conosco, pois já havia feito a filosofia. Posteriormente, integraram a Fraternidade mais dois missionários, desta vez dois poloneses: Bonawenture Wierzejewski e Anthony Dydak.


A EVANGELIZAÇÃO E A VIDA FRATERNA

Como dito, administramos a paróquia Santíssima Trindade com seis “comunidades”, que distavam até 80 km da matriz. Mas, por conta da guerra, as atividades foram suspensas, restringindo-se o atendimento à matriz, ao campo de refugiados (POC, em inglês - Protection of Civilians), e duas comunidades. O trabalho era majoritariamente um serviço sacramental como em toda paróquia: celebrações eucarísticas, batizados, bênçãos, visitas aos doentes. Além disso, um momento muito importante era a presença do religioso nos ritos funerários, que perduravam por, no mínimo, três dias, chegando até uma semana de celebração. Aliás, as celebrações são um capítulo à parte: muita dança, muita música (o canto e a dança estão na alma e no corpo de cada povo que compõe a Grande Mãe África). Além dos serviços ordinários de pastoral, também havia os projetos que eram guiados pelos frades: a cura de traumas; ajuda financeira para famílias poderem ter o mínimo de dignidade; projeto de internet e computação; projeto de agricultura, que auxiliava as famílias no autossustento. A vida na missão era bastante simples. E o ideal franciscano da simples presença deve realmente ser algo cultivado, porque num lugar tão devastado pela ganância humana, mostrar que ali há vida, e que esta vale e é importante, é o maior e melhor testemunho que se pode dar. E o povo retribui muito bem. Ama muito os “abunas” (pai nosso em árabe, como são chamados todos os religiosos homens). Um caso inusitado que experimentei e que levarei para a vida foi

a celebração da Crisma, de 2017, na Catedral de Juba. Mais de 2000 jovens, adultos e crianças foram crismados pelo bispo auxiliar, e eu fui acompanhar nosso grupo de mais de 300 jovens (a primeira vez que pessoas do campo de refugiados pôde sair após a guerra do ano anterior). E como é costume do lugar, o catequista e a catequista são o padrinho e a madrinha de todos; e eu fui “intimado” a apadrinhar todos os jovens homens da paróquia; desse modo, tenho mais de 80 afilhados no Sudão do Sul, o que considero uma graça, pois estão sempre em meu coração e orações. Poderia escrever muito mais sobre esta experiência missionária; mas gostaria de agradecer à Província por esta oportunidade, e especialmente a Frei Luis Gallardo Loja, ex-Secretário Geral das Missões da Ordem, que realmente foi um irmão durante minha permanência na missão. Que tenhamos, em todos os lugares que estamos, um espírito missionário, aquele mesmo que Francisco pede, ou melhor, exige de seus irmãos na Regra: não façam nem litígios nem contendas, mas estejam submetidos a toda criatura humana por Deus (1Pd 2,13) e confessem que são cristãos; e quando virem que agrada ao Senhor, anunciem a Palavra de Deus, para que creiam em Deus onipotente... (RnB 16). Que o Senhor nos abençoe e nos guarde, hoje e sempre. Paz e Bem! MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

DEPOIMENTOS

O que mais estranhamos dentre os costumes alheios é, de fato, a comida. Apesar de o prato principal ser um pouco parecido com o brasileiro (arroz, feijão), a forma de fazê-lo era diferente, com diferentes temperos, consistência e até o tipo de feijão e arroz. Além disso, havia os pratos típicos locais: uma espécie de polenta feita com farinha de milho branco (que é comum em muitos países da África subsaariana), que se comia junto a um molho de folhas verdes (nyete) e pasta de amendoim; algo muito comum era uma espécie de panqueca aberta, chamada “chapati”, que se comia junto ao feijão ou qualquer molho; aliás, pasta de amendoim é uma das especiarias e iguarias mais cobiçadas. Entretanto, por conta da guerra, pouco se produzia no país, a maior parte do que se consumia vinha de países vizinhos, como Uganda, Etiópia, Sudão, Quênia, e até mais distantes, como o Brasil (frango, açúcar), China, entre outros. Aquilo que mais sentíamos dificuldade era com relação aos serviços como um todo; não havia infraestrutura, serviços de saúde, iluminação pública, água encanada, saneamento, ou seja, os serviços mais básicos não eram oferecidos a todos. Por conta disso, havia muita corrupção, infelizmente, e muito mais com relação aos “kawajas” (brancos ou qualquer estrangeiro). Quanto aos serviços básicos, tínhamos um poço artesiano, ou pedíamos carros-pipa, com água “limpa” do Rio Nilo; e, para energia elétrica, painéis solares e geradores a diesel. Havia duas línguas oficiais: inglês e árabe, além de mais de 65 idiomas existentes. A nossa paróquia (Santíssima Trindade), em Nyakuron West, contava com a maioria da tribo Bari (língua esta que era uma das oficiais da diocese de Juba), e também um campo de refugiados de maioria da tribo Nuer (esta que foi atacada pelos Dinka, que estavam no poder).

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| FREI THIAGO DA SILVA SOARES |

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ANGOLA ME MOSTRA A FACE DE CRISTO

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A experiência missionária em terras angolanas tem possibilitado à minha formação a vivência de algo singular e admirável. Desde as primeiras etapas da caminhada religiosa franciscana, tenho ouvido que a fraternidade é o espaço de encontro com Deus na pessoa do irmão, este como manifestação da vontade d’Aquele que nos chama. Portanto, é nesse sentido que destaco o quanto a missão em Angola pode favorecer àqueles que se deixam trabalhar, a experiência de estar com o outro e nisto formar comunhão com o Amor. Neste deixar acontecer, o Ano Missionário tem favorecido, à minha consagração, a oportunidade do aprofundamento do mistério trinitário, isto é, criar comunhão com o “diferente”, a fim de que a vontade do Senhor se cumpra sobre a face da terra – “que todos sejam um” (Jo 17, 21). MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

E à luz da graça batismal, o dinamismo da missão mostra-me parte (rosto angolano) dos membros da grande família cristã, corpo do Senhor, onde cada membro dessa nova realidade comunica e forma a Igreja de Cristo. Por conta disto, agradeço muito ao povo deste país, pois muito me ensina a amar a pessoa de Jesus, presente nos sorrisos e nas saudações – “feliz dia”, “muito obrigado, pai”, “muito obrigado, mãe”, “estamos juntos, mano”. Enfim, obrigado Angola, você me mostra a face de Cristo e me possibilita o privilégio de poder servi-Lo, sobretudo nos menores. Posso dizer que o jeito de ser do outro figura, em grande parte, a resposta que buscamos para as grandes questões da vida – Quem sou eu? Onde está Deus? Logo, somos senão um só, e Deus está no meio de nós, na diversidade dos dons.

Deste modo, a partilha dos dons está presente nos diferentes movimentos da missão, tais como a formação acadêmica e religiosa dos seminaristas, os trabalhos pastorais.Os serviços fraternos, a convivência nos âmbitos da fraternidade e na comunidade local, comunicam, de modo admirável, a ação de um “espírito de acolhida”, isto é, de preocupação para com aquele que vem. Nisto, nota-se um traço extraordinário presente neste “povo irmão”, neste povo que procura estender os laços da relação familiar àqueles que caminham nesta terra. Por fim, formar fraternidade com os irmãos de Angola não somente possibilita realizar o mandato do Senhor – “ide por todo mundo, pregai o evangelho a toda criatura” (Mc 16, 15), mas torna real a minha participação, enquanto consagrado religioso, no mistério do amor de Deus para com a humanidade, amor este que não faz acepção de pessoas (At 10, 34), pois identifica um dar-se em favor da vida; dinamismo que aproxima corações distintos, embora sustentados por um só princípio, cuja força revela a origem comum da existência humana, e que nos introduz no tesouro comum da igreja, ser família de Deus – todos irmãos (Mt 23, 8). Assim, posso concluir que é próprio do amor, que realiza no gênero humano maravilhas, o desejo de formar comunhão, isto é, ir ao encontro do outro, deste que possibilita a experiência radical da condição humana, ser imagem e semelhança de Deus. Logo, me sinto realizado por estar aqui, por participar das lutas e esperanças deste povo irmão, da partilha de vida e de corações. Que a paz do Senhor permaneça nos nossos corações, hoje e sempre.


| FREI MARIO LUIZ TAGLIARI |

No final de 1983, terminei a Teologia. Ao ser convidado para colocar no papel as aptidões e possibilidades de transferência, deixei para a última linha esta frase: “Um dia gostaria de fazer uma experiência missionária”. Terminando o retiro de preparação para a ordenação sacerdotal, passei por São Paulo e recebi das mãos do Ministro Provincial, Frei Basílio Prim, a minha primeira transferência: missionário no Mato Grosso. Isto, há mais de 35 anos, era como que ir para muito longe. Imaginava estar no meio dos índios e até ser atacado por uma onça... É bom lembrar que comunicação neste tempo era somente por carta. Fui para a Praça da Sé, liguei para casa, de um orelhão. Eu chorava de um lado e minha irmã do outro. Nossa Província honrava um compromisso de manter 12 frades nas missões no MS e MT. Fui transferido para Rio Brilhante, Seminário Santo Antônio, como orientador e professor de 60 seminaristas de ensino fundamental (6ª a 8ª séries). Lá encontrei os confrades de nossa Província, Frei Sebastião Figueiredo, diretor do Seminário, e Frei João Pflanzer, professor, ambos já falecidos. No segundo ano, aos finais de semana eu assumi também como pároco de Douradina, cidade a 45 km de Rio Brilhante. Sempre, desde criança, quis ser professor e padre. Assim, brincava com meus dois irmãos mais novos. “Dava” aulas com ajuda de uma tábua e carvão e também rezava missa com a ajuda do pano de um guarda-chuva velho e massa de pão prensada. Ah, também fazia enterro de gatos, cachorros e passarinhos mortos. Assim, lá em Rio Brilhante, estava

eu dando aulas de matemática, pois fiz matemática antes de entrar no SEVOA, aulas de religião e rezando missas. Fazendo exatamente aquilo que sempre quis fazer desde criança. Foram meus primeiros dois anos de vida e missão. Marcaram minha vida para sempre. Os dias eram intensos entre aulas, trabalhos de roça e jardim, esportes e na evangelização pastoral aos finais de semana. Aos sábados, após o almoço, cada semana com dois seminaristas da oitava série, íamos lá para a maratona de missas, batizados, casamentos e reuniões pastorais. Aos domingos à noite, eu voltava cansado para o Seminário e lá me esperavam os pequenos com machucados, febres e alguns chorando de saudades. Os mais novos tinham entre 10 e 11 anos. Lembro-me de um seminarista bem pequeno que veio ao meu encontro, agarrou a minha perna e, chorando, dizia que estava com saudades da mãe. Falei para ele que eu também iria cho-

rar com ele, pois estava com saudades da minha. Em Rio Brilhante, ainda encontrei tempo para acompanhar um grupo de jovens e, com a ajuda deles e de seminaristas organizávamos caminhadas vocacionais, apresentações culturais na cidade e também encenações a partir da caminhada da Igreja. Eram anos difíceis, final da ditadura, esperança de eleições diretas, conflitos de terra com índios e posseiros, primeiras ocupações de sem-terra no Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. A Deus, em primeiro lugar, à Província Franciscana da Imaculada Conceição e à Custódia das Sete Alegrias de Nossa Senhora do MS e MT, minha gratidão por esta graça e oportunidade de ser discípulo e missionário de Jesus Cristo no início de minha vida e missão na Ordem e na Igreja. MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

DEPOIMENTOS

OS PRIMEIROS DOIS ANOS DE MISSÃO MARCARAM MINHA VIDA PARA SEMPRE

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| FREI SAMUEL SANTOS SOARES |

DEPOIMENTOS

FUI PARA SOMAR E SERVIR

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A vida de um peregrino está profundamente marcada pelo amor à missão confiada. O Senhor Jesus Cristo disse: Ide por todo mundo e pregai o Evangelho a toda criatura (cf. Mc 16,15). Em 2018, ao terminar os estudos de Filosofia, quando ainda estava na Fraternidade São Boaventura, Campo Largo (PR), senti no coração o desejo de viver na missão, pois em meio às tantas propostas lançadas, intuí no coração o ardor por atualizar todo ensinamento e conhecimento que a formação religiosa e acadêmica me proporcionou, em viver a consagração religiosa junto ao povo querido e amado de Angola. Contudo, foram eles que me ensinaram, com humildade e alegria o Evangelho. Sair pelo mundo a fora em busca de anunciar a Boa Nova de Jesus Cristo chega a ser uma ousadia no mundo de hoje. O movimento do mundo é contrário à mensagem de Jesus; o que nos ajuda são as coisas simples da vida, MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

na busca por testemunhar o Reino de Deus. Junto aos confrades da Fundação Imaculada Mãe de Deus de Angola, vivi a missão de maneira simples. Fui para somar e servir. Chegando lá, senti no coração um carinho e acolhida muito grandes por parte da fraternidade e do povo. O povo de Angola me ensinou que a alegria e o canto (música), em meio aos tantos sofrimentos da vida, são a força que nos anima para perseverarmos na missão e viver em Deus. Busquei com empenho ser presença, acompanhando a juventude da Paróquia Nossa Senhora de Fátima, muitos grupos como a Jufra, Vicentinos, Legião de Maria, Dom Bosco, entre outros, bem como os grupos da IAM “Infância Missionária” e o grupo Beata Liduina da Paróquia Nossa Senhora da Boa Nova, que fica na área pastoral onde temos a nossa Fraternidade de Viana. Confesso que foi um grande desafio porque há muito trabalho por fazer e o povo tem ne-

cessidade da presença dos franciscanos, como muitos papais e mamães afirmavam quando os encontrava. A missão católica, como eles diziam, era a presença de uma mãe que ampara e cuida deles. Com isso senti a responsabilidade de atualizar esse legado na minha vida. Foram aqueles fiéis da Igreja em Angola que me ensinaram a anunciar o Cristo encarnado na realidade simples e humilde. A linguagem do povo era de proximidade e fraternidade. Destaque especial é a presença dos religiosos e religiosas na missão, os momentos de convívio, as ajudas mútuas, as partilhas dos bens, sofrimentos e desafios. Presenciei que a vida religiosa em Angola é muito unida e alegre. Sou muito agradecido pela Fraternidade de Viana, na pessoa do Frei Laurindo Lauro, que, nos momentos difíceis, foi um grande irmão, bem como os demais confrades. Esse tempo de experiência foi muito enriquecedor para fortalecer a fé e a vocação.


| FREI HEBERTI SENRA INÁCIO |

O meu ano missionário em 2018, após o tempo de Filosofia, começou quando recebi a notícia do Definitório Provincial aprovando minha viagem para Angola. “Venha com coração aberto para receber o amor do povo Angolano!”, me escreveu, encorajando, Frei Marco Antônio do Santos, mestre do noviciado Santo Antônio, em Quibala. Metade de meu sonho missionário estava realizado naquele momento. A outra metade começou a se realizar ao chegar a Luanda, onde fui acolhido pela Fraternidade Franciscana São Francisco de Assis, sede da Fundação Imaculada Mãe de Deus de Angola e pós-noviciado. Em terras angolanas, pude interagir com realidades bem diferentes da minha. Esta experiência de Deus, a partir dos desafios da evangelização, despertou meu espírito missionário e me levou a encontrar, na evangelização, profundas mo-

tivações para a Vida Consagrada Franciscana. Ao chegar a Angola, percebi que o povo é acolhedor e gosta de rezar, com uma alegria que brota com simplicidade do coração e que nos faz sentir em casa. Na medida em que fomos acolhidos pelos confrades em missão, e, principalmente, pelo povo, nos tornamos uma unidade com aqueles que nos acolhem de uma maneira tão singular, simples e humilde. A realização é grande, porque a gente se sente útil, bem acolhido e as pessoas confiam no nosso cuidado. Aprendi muito com a juventude angolana, com a amizade dos seminaristas do seminário Monte Alverne em Malange e com a coragem e vigor dos confrades. As crianças são chamadas de “miúdos” e também me ensinaram muito com o respeito e diligência que cada uma delas demonstra para com os missionários, conhecidos por muitos em Angola

como “padres”. É alegria certa ao encontrar uma criança que te chama insistentemente de padre, e mostra um sorriso e um pedido de benção. Entendi, com isso, que elas me ensinaram a cuidar. Interagir com estas realidades em Angola permitiu que eu pudesse viver uma experiência de Deus com o povo e na fraternidade. Assim, na convivência nas fraternidades, com os jovens da paróquia Santos Mártires de Uganda em Malanje, nas bênçãos das casas nas aldeias em Cangandala e nos momentos de oração com as Irmãs Clarissas, foi possível despertar o meu olhar para as coisas simples e conviver fraternalmente com elas. Louvado seja o Senhor por esta família que recebi durante o meu ano missionário! Certamente, continuaremos unidos pela oração e pela vontade e alegria de viver uma fraternidade que acolhe e cuida, tal como vivenciamos nesta experiência em Angola. MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

DEPOIMENTOS

DESPERTEI O MEU OLHAR PARA AS COISAS SIMPLES

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| FREI MARCO ANTONIO DOS SANTOS |

DEIXEM-SE TOCAR POR ESTA QUE É A NOSSA MISSÃO

DEPOIMENTOS

“Como peregrinos e estrangeiros neste século, sirvam ao Senhor na pobreza e na humildade” (RegB VI,3).

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Os desígnios de Deus. Em 2013, Deus me surpreendeu com a graça de uma experiência de vida junto à nossa Fraternidade de Angola. Aqui permaneci por um mês, onde pude visitar e participar, mesmo que brevemente, da vida dos nossos confrades, formandos, Clarissas e do nosso povo nas comunidades de fé. Terminado meu tempo, retornei para o Brasil e, desde então, uma MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

inquietude tomou conta de minha alma, ou seja, retornar e dar um tempo de minha vida como religioso nesta missão. Como pode Deus me provocar quando estou vivendo um tempo bom e tranquilo de minha vida? Como pode me desafiar quando tudo parece caminhar bem e estou feliz e assentado no exercício de meu ministério como frade? Por qual motivo desestabilizar-me, tirar o meu “sossego” agora? São questões que me instigaram neste tempo de discernimento. Mas Deus é insistente e não posso compreendê-lo à luz de minha lógica e própria vontade. Então, abri-me ao seu discernimento e, em 2014, falei e escrevi ao Provincial manifestando

a minha inquietude e colocando-me em suas mãos, isto na esperança de que, sendo esta a vontade de Deus e tendo o parecer positivo do Definitório, minha alma pudesse serenar novamente e, de coração aberto, pudesse então vir para esta experiência de missão, livre e solícito para aprender e partilhar do meu aprendizado. Se o Senhor te chamou, se o Senhor te escolheu, não olhe para trás... A graça de viver e estar em nossa missão de Angola se firma no fato de abrir-me para a realidade que aqui vivo cotidianamente e, esta, de livre e espontânea vontade. E também porque, por vocação somos itinerantes. Firma-se,


chão, se necessário for, para participarem da Eucaristia e receberem os sacramentos, para celebrarem as grandes festas da Igreja e vivenciarem os momentos formativos, permanecendo assim na fidelidade a Deus. Um povo que espera com alegria e caridade a nossa presença de frades menores, irmãos na vida e na fé, irmãos que estão juntos na alegria, na tristeza, na saúde e na doença porque, livres de si mesmos, só têm por caminho e vocação o seguimento e discipulado de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Deus e o Evangelho que une todas as culturas, raças e nações num só povo pela fé. Por isso, nos escreve e exorta o Papa Francisco: “Missão é amor pelo Cristo e pelo seu povo”. Portanto, é preciso desapropriar-se, para, como escreve Santa Clara: “...sentires, tu mesma(o), o que sentem os amigos, degustando a doçura escondida que o próprio Deus reservou, desde o início, para os que Ele ama” (3CtIn, 14). Por tudo sou grato a Deus! E exorto os meus irmãos a se deixarem tocar por esta que é a nossa

“Como hei de agradecer a tamanha graça que o Senhor nos concedeu. Oh! Meu Deus! Meu Deus! Como hei de agradecer?” Nesta nossa realidade, existem fragilidades, existem limitações, existem horas em que, o que mais queremos, é pensar em dar um passo atrás, tudo fruto da nossa condição humana... Entre o povo que nos acolhe, existem irmãos e irmãs que são bons, mas que também têm suas fragilidades; por vezes, encontram-se fechados na cultura que conhecem e na qual cresceram, e você para eles pode ser tão somente um estrangeiro... Mas, acima de tudo, existe

missão enquanto Província. Implantar a nossa Ordem nesta terra abençoada é um chamado de Deus para cada um de nós! Feliz aquele que, na sua experiência, tem para dar; abençoado aquele que, em dando, sabe acolher com gratuidade o tempo e a experiência que Deus, por amor, está lhe concedendo e, acima de tudo, feliz o povo que tem a graça de acolher este irmão que de coração aberto se dispôs a vir para esta experiência de missão, livre e solícito para aprender e partilhar do seu aprendizado. Em São Francisco e Santa Clara, paz e bem! MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

DEPOIMENTOS

igualmente, quando me deixo tocar pela realidade de vida e de fé deste povo e, ao mesmo tempo, toco a sua realidade de coração aberto. Então, sem ter como explicar, sou como que tomado por uma forte e intensa experiência de amor e de fé e, às vezes, de impotencialidade, fato este que me faz sempre de novo aprender que não sou Deus, mas seu filho e servo no exercício deste ministério. A minha missão aqui está no acompanhamento formativo de nossos jovens para a vida franciscana. No momento, acompanho mais diretamente nossos noviços. Junto ao povo participamos da Missão Nossa Senhora das Dores, onde temos uma grande área de apostolado, sobretudo junto ao povo que vive na área rural. A convivência simples e fraterna em meio ao povo é muito gratificante. Em nossas comunidades de fé há um grande número de crianças e idosos que necessitam de atenção e cuidados. Neles, nos seus sorrisos e acolhimento para conosco, está o toque simples e humilde de Deus. É pura gratuidade a nos fortalecer. Há muitos jovens que necessitam de apoio e estímulo, de um discernimento que os motive e impulsione e, assim, não venham a se perder, mas, a “buscar horizontes amplos, ousar mais, ter vontade de conquistar o mundo, ser capaz de aceitar propostas desafiadoras e desejar contribuir com o melhor de si mesmos para construir algo superior”, como diz o Papa Francisco aos jovens. Há um povo sedento de Deus, da sua palavra, da nossa presença simples, acolhedora e aberta para compreendê-lo na sua alegria e tristeza. É um povo forte e firme na fé, que (nas diversas realidades que aqui temos) caminham por dias, se preciso for, e dormem no

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| FREI LAURINDO LAURO DA S. JÚNIOR |

MISSÃO AD GENTES EM ANGOLA: CAMPO

FÉRTIL DE AÇÃO MISSIONÁRIA

DEPOIMENTOS

“A ação missionária é o paradigma de toda a obra da Igreja” (Evangelii Gaudium)

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Ao celebrar o Mês Missionário Extraordinário de outubro do ano de 2019, a Igreja procura despertar-se para uma maior consciência da missão ad gentes e retomar com mais vigor a transformação missionária da vida e da pastoral. Isso a impele à oração, à reflexão e principalmente à ação concreta de todo cristão batizado. Sobre o tema “Batizados e enviados: a Igreja de Cristo em Missão no mundo”, ao compreender que o Sumo Pontífice deseja requalificar a ação da missão, seria de bom tom aderir à obra da Igreja com alegria MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

e disponibilidade, na liberdade e na verdade, sem conceitos pré-estabelecidos mediante o convite “vinde e vede” (Cf. Jo 1, 39a). A Igreja, desde sempre, tem uma natural índole missionária, pois a todo cristão é incumbido o dever de disseminar a fé dentro da catolicidade, no sentido de adaptação às mentalidades e às tradições dos povos, conforme o prescrito na Sacrossanctum Concilium. A missão ad gentes é um terreno pastoral muito fértil, sem falar das vocações que surgem cada vez mais através de valorosos testemunhos missionários de homens e mulheres que não medem esforços para edificar o Reino de Deus em terras distantes, por vezes ultramarinas, viver o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo como estrangeiros, pere-

grinos, viandantes e, acima de tudo, valorizar a cruz que cravou em solo sagrado de missão. A missão presupõe daquele que se põe a caminho um espírito despojado e pronto a acolher a diversidade cultural de povos que, num mesmo país, têm certas peculiaridades que distinguem a sua identidade. Por isso, conceitos previamente estabelecidos não são bem vindos, pois impedem fazer uma experiência genuinamente evangélica e a chance de compreender certos valores procedentes da inculturação. Por vezes, é necessário aculturar-se, mudar o registro, a fim de encontrar êxito missionário e pastoral. Há a necessidade de deixar de lado o ponto de vista bairrista e mesquinho, com o intuito de abrir a mente e o coração para as variadas formas de evangelizar um povo he-


terogênico, sem perder a sacralidade da missão. Na bela história da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil também exigiu-se que frades germânicos pudessem intervir com o intuito de dar um novo impulso à Ordem Franciscana em terras tupiniquins. Irmãos deram a sua vida pela missão, sem medir esforços, e nem sequer eram brasileiros. Em celebração desse fato, a mesma Província retribui o impulso restaurador que obteve, através da ação missionária em Angola, com o sentimento de gratidão que, segundo o Papa Francisco, é o mais belo dos exageros. O leque pastoral da missão em terras angolanas é um exemplo de desacomodação, ternura e coragem para pôr em prática todo ardor missionário que impõe a qualidade

de bom cristão. Aqui, em Angola, o campo de ação pastoral é amplo. Muitas congregações de carismas diversificados alargam as pastorais nas missões em um vasto e terno servir, seja na saúde, na educação ou nas diversas paróquias e santuários. Ultimamente há uma verdadeira primavera vocacional como há muito não se via. A realidade angolana é favorável ao crescimento da nossa missão, mas esses que tornam numeroso o corpo da Fundação da Imaculada Mãe de Deus de Angola, ainda estão

em formação inicial, o que torna as nossas estruturas físicas limitadas e, por vezes, precisamos dispensar um grande contingente de candidatos à vida religiosa. Angola ainda nos chama. Precisa de religiosos que tenham a coragem de desacomodar-se e servir com ternura e ousadia no que tange ao que é próprio da nossa vocação de batizados. O incentivo do Santo Padre e a imensidão de belos testemunhos missionários que se encontram nestas terras convidam a todos a viver de maneira plena esse mês missionário através do que de melhor possam oferecer. Orações são importantes, ações concretas são fundamentais. As consequências de tudo isso não poderia ser outra: apaixonar-se pelo ideal de Jesus Cristo e simultaneamente pelo seu povo. Paz e bem!

| FREI JONAS RIBEIRO DA SILVA |

Sentir o pulsar do Coração de Deus no coração dos irmãos aqui, em Angola, é uma das experiências mais fortes vividas nestes 6 anos de formação na Província da Imaculada Conceição do Brasil. Viver este Ano Missionário aqui proporciona para mim a oportunidade de tocar Deus na carne dos irmãos da comunidade paroquial, no convívio fraterno diário com os confrades, com as crianças na sua alegria e transparência original de ser. Aqui não é preciso muito pra se viver. Basta ter um coração que ama e estar pronto pra escutar cada um que vem ao nosso encontro como irmão. Ser presença de Deus na hora dos sofrimentos, ser sorriso de Deus nos momentos de tristeza, luz quando não encontram a saída. Ser irmão entre irmãos. MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

DEPOIMENTOS

MISSIONÁRIO: BASTA TER UM CORAÇÃO QUE AMA

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| FREI LAERTE DE FARIAS DOS SANTOS |

VOCAÇÃO DE DISCÍPULOS MISSIONÁRIOS “Assim como o Pai me enviou, eu também envio vocês.” (Jo 20,21b)

“Vão pelo mundo inteiro e anunciem a Boa Notícia para toda a humanidade.”

DEPOIMENTOS

(Mc 16,15)

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“Os nossos padres vieram de longe nos trazer a Palavra de Deus”. É cativante os sorrisos e os cantos com que somos recebidos nas Comunidades que visitamos em nosso trabalho pastoral. Pergunto-me sempre se temos tanto para dar diante de tamanha expectativa. Mas o trabalho missionário é iniciativa de Deus. Ele nos concede a graça que nos faz acolher os que encontramos e de ler os sinais de sua presença em nossa vida missionária, na realidade eclesial, e na realidade social que visitamos. Trabalho na Missão Santa Teresinha do Menino Jesus, de Cangandala, desde 2016. A Sede da Missão está a 28 quilômetros da nossa Casa na Katepa. Temos hoje 57 comunidades com catequistas. Algumas com grandes dificuldades pastorais, outras bem promissoras. Atendemos comunidades que estão a cerca de 100 quilômetros da sede da Missão onde só se chega de moto. A maioria das comunidades só conseguimos atender uma ou duas vezes no ano. Mas, no ano passado, algumas não tiveram sequer uma visita, pois não conseguimos lá chegar. É a dificuldade que provém do número baixo de missionários. “A messe é grande e os operários são poucos” (Lc 10,1-9). Mas não desanimamos. Pelo Batismo, nos tornamos discípulos missionários de Cristo (EG 120). Continuamos a obra e missão de Cristo ao MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

modo de Francisco de Assis e de nossos confrades que no decorrer destes 30 anos de Missão em Angola deram suas vidas por amor ao Evangelho. Tenho sempre presente o grande missionário Frei Simão Laginski, que me motivou a também ser missionário quando passou no Seminário de Agudos, em 1993, e contou-nos de seu trabalho missionário na África. Nos anos mais difíceis, no início da Missão, lembro-me, ainda, de ler um relato de um confrade, quando questionou se o confrade missionário não deveria deixar aquele local onde se encontrava com grande dificuldade e este disse, não exatamente com estas palavras, mas neste sentido, “um missionário não tira o pé de onde plantou a Cruz de Cristo”. Motiva-nos chegar a Aldeias tão distantes

e o povo lembrar dos confrades que marcaram suas vidas nos momentos difíceis do período de guerra e mesmo depois. Cultivamos nossa vocação missionária à medida em que retomamos o que vimos, o que ouvimos e o que sentimos em nosso trabalho evangelizador e colocamos diante de Deus. Ele nos aponta o caminho a seguir. Deste modo, o trabalho não é apenas cansaço, mas fonte de energia para continuar. “Os presbíteros atingem a santidade pelo próprio exercício do seu ministério, realizado sincera e infatigavelmente no espírito de Cristo” (P0 13). O Papa Francisco proclamou outubro de 2019 como Mês Missionário Extraordinário com o objetivo de “despertar em medida maior a cons-


ciência da missio ad gentes e retomar com novo impulso a transformação missionária da vida e da pastoral”. Assim, que os confrades, em suas diversas frentes evangelizadoras, possam, sem esquecer de seu próprio trabalho missionário, lembrem-se dos confrades que estão em missão em Angola. Que Maria, “modelo eclesial para a evangelização” (EG 288), nos ajude a viver nossa vocação de discípulos missionários com a disponibilidade e o compromisso de trabalhar pela realização do Projeto de Vida anunciado, revelado e realizado entre nós por Jesus, o Missionário do Pai. Que o Espírito possa despertar mais vocações para nossa missão em Angola. Que o Senhor seja nossa força!

A MISSÃO AJUDA A SAIR DOS GUETOS

Fui missionário em Angola por quase sete anos. Esse tempo foi muito precioso para mim, pois me possibilitou um crescimento humano, espiritual e eclesial. Fazer a experiência de missão deveria ser parte do itinerário de cada cristão, pois ela nos obriga a sair do nosso mundinho, do nosso gueto e nos leva a refletir sobre a nossa fé. A missão me mostrou que somos muito apegados a esquemas e estruturas prontas. Ela me desafiou e me possibilitou superar esses esquemas quase sempre engessadores. A missão mostrou-me como o Reino de Deus é universal e diverso. E poder dialogar com essa diversidade fez a minha fé, a minha humanidade crescer, tornou-me um ser mais maduro, consciente. Apesar dessa diversidade, nunca perderemos a nossa identidade. Ir ao encontro do outro, dialogar com diferente, com outras expressões e manifestações de fé, só fez crescer a minha identidade e compreender melhor a vocação de ser Povo de Deus. MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

DEPOIMENTOS

| FREI JEFERSON PALANDI BROCA |

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| FREI ÁLIDO ROSÁ |

DEPOIMENTOS

O EXTRAORDINÁRIO DO ORDINÁRIO

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Tenho certeza que a inspiração da criação do Mês das Missões de outubro está nestas palavras: “Meu Pai deixou de lado todas as suas prerrogativas divinas e pegou todas as fraquezas humanas em seu lugar”. Minhas experiências de 30 anos como missionário no Mato Grosso do Sul, entre os índios de duas Dioceses, me dizem que o apelo do Papa, deste ano, para a Igreja de Cristo, tem muito a ver com toda sua trajetória. Ele tem afirmado que a Igreja não é uma potência. Que a secretaria paroquial não é uma repartição de modo que o padre não é um administrador de firma. Que a Paróquia é um povo em saída para evangelizar nossa Casa Comum. O envio que eu recebi do primeiro bispo dos índios foi este: “Você deve ter trabalhado uns 25 anos nas nossas paróquias, agora vai trabalhar extra-ordinariamente, de forma diferente. Estou enviando a você para MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

entre um povo que não tem a nossa língua, nossa cultura, talvez nem a natureza e menos a religião. O que você vai fazer lá é com você e o Espírito Santo. O que você não pode é rezar o terço entre eles, batizá-los, falar de Primeira Eucaristia! Eu parti com o Espírito Santo e vi maravilhas: eles mesmos não têm nossos rituais, nos-

sas igrejas, nossos rádios, TVs e o Mês das Missões. Contudo, louvado seja Nhandejara (o Senhor Deus) que está sempre conosco, com pedras na mão, para matar a Cobra Grande que está sempre ali comendo nossa vida e destruindo nossas terras. Ela deve voltar para as cidades, donde veio. Minha permanência nas aldeias me deu as experiências de Daniel na cova dos leões e de Francisco com o lobo de Gubbio... Isto é, os leões e o lobo estão dentro ou ao redor de nós mesmos. Louvado seja Cristo que me chamou para o Mato Grosso do Sul. Enfim não há como negar que o Papa começou esta missão quando segurou firme a cruz peitoral; quando continuou usando sapatos pretos de pó nas ruas de Roma e corredores do Vaticano; quando trocou o palácio apostólico do Vaticano pela casa Santa Marta. Sabemos o quanto reforça a fé das comunidades ao evangelizar as minorias, as culturas, a mãe natureza, a vida, o diálogo e o respeito aos povos. “Louvado seja Francisco porque foi escolhido para evangelizar estas causas”. Todavia, não temos motivos de nos gloriar com este Papa do Contraditório. Ele puxa as orelhas de nós todos e puxa as orelhas dos bispos diante do mal da pedofilia; puxa as orelhas quando diz aos padres que tenham vergonha do clericalismo. Não há como não fazer o que ele quer. Não mais um Mês Missionário Extraordinário mas sim 12 meses.


| FREI ATAMIL VICENTE DE CAMPOS |

VIM COMO MISSIONÁRIO MESMO SENDO DA PRÓPRIA TERRA na cidade de Poconé, distante da capital cerca de 100 km. É que na juventude fui morar no Rio de Janeiro E é de lá que segui para a vida religiosa franciscana, na Província da Imaculada. Nesta segunda vez que vim para MT e MS, além dos trabalhos diretos nas paróquias, fui designado como assistente das Clarissas de Araputanga, distante quase 400 km de Cuiabá. Uma vez por mês, eu ia passar uns dois dias com elas para a convivência, formação, celebração, etc. Que momentos maravilhosos esses junto com as nossas irmãzinhas. Essas atividades missionárias aqui no MT e MS, eu as vejo como experiências fantásticas da graça de Deus, que verdadeiramente procura nos atrair para a perseverança no seu seguimento. Lembro-me da expressão do nosso ex-Ministro Geral, Frei Constantino Koser, referindo-se à missão dos frades na Igreja. Ele dizia que era para servir de “tapa buraco”. Vai para onde é chamado e às vezes vai fazer o que os outros não podem ou não querem fazer. Nesta última transferência, vim da fraternidade franciscana do Sagrado Coração de Jesus, em Rondonópolis, MT. Servia ali como vigário paroquial, assistente local e regional da OFS, assessor diocesano do MCC (Cursilho) e auxiliava na formação dos aspirantes, pois a nossa residência lá é no aspirantado franciscano. Antes de

completar dois anos ali, fui transferido para a cidade de Querência, na Prelazia de São Félix do Araguaia, distante de Cuiabá mais de 1.000 km. Querência é uma cidade pequena, mas muito bem planejada. É bonita e onde predomina o agronegócio. Ao redor, temos os assentamentos, que ficam mais ou menos distantes da sede

e a que procuramos atender, dando a assistência necessária. O pároco é Frei Arcides e temos ainda a companhia de um seminarista, o Daniel, que já está no último ano para a ordenação. Aqui na região começa o grande parque do Xingu, onde temos a presença constante dos índio de várias etnias. A nossa atuação com eles é de apoio e presença, quando se faz necessária. A Pastoral da Criança marca presença nas aldeias para a pesagem, como é o costume. Além de outras atividades aqui, eu estou encarregado de assessorar a cozinha da nossa fraternidade, o que procuro fazer com muito prazer. MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

DEPOIMENTOS

É a segunda vez que venho servir aqui na Custódia Franciscana do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. A primeira vez foi em 1989, quando o Definitório me designou para atender o pedido do então bispo de Rondonópolis, D. Osório Stoffel (ex-frade da nossa Província). Ele ficara sem o seu pároco da catedral e havia carência de padres. Vim com a proposta de ficar mais ou menos dois anos, pois havia seminaristas que iriam ser ordenados nesse período. Um deles, hoje é o bispo D. Geovane, titular de uma diocese do Tocantins. Da proposta de servir por apenas dois anos, acabei ficando dezessete anos. Trabalhei como cura da catedral por cinco anos e depois passei a integrar a equipe dos frades da Província, que servia a entidade franciscana desta terra. Atuei em várias frentes de atividades, na pastoral, na formação, etc. Foram anos de graças, sem dúvida. Retornei à Província da Imaculada em 2006. Foi em 2013, que vim pela segunda vez. Estava servindo no Convento da Penha, Vila Velha, Espírito Santo. Ainda em 2012, o custódio da Custódia das Sete Alegrias de Nossa Senhora, Frei Roberto, esteve em Vila Velha e me fez o convite para vir de novo ajudar na sua Custódia. Como era ano de Capítulo Provincial, aguardamos até o congresso capitular para receber a permissão do Definitório. Após a festa da Penha de 2013, viajei para Mato Grosso. Fui servir na paróquia de Nossa Senhora de Guadalupe, em Cuiabá, MT. Recebi também o encargo de assistente local e regional da OFS. Vim como missionário mesmo sendo da própria terra, pois nasci

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| FREI ANDRÉ LUIZ DA R. HENRIQUES |

“NÃO É SÓ A MISSÃO QUE PRECISA DE NÓS, SOMOS NÓS QUE PRECISAMOS DA MISSÃO” “Vós vos aproximastes do Monte Sião” (Hb 12,22) “De Sião, porém, se diz: ‘Nasceu nela todo homem’” DEPOIMENTOS

(Sl 86,5) A Igreja, imagem da Jerusalém do alto, foi posta por Cristo no mundo como sinal de comunhão entre todas as nações. Ser irmão e irmão menor de todos os povos é também nossa identidade como franciscanos. Mas isso não se aprende na teoria... A missão é uma escola que nos en-

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MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

sina a sermos cristãos e franciscanos. Certo dia, entre a primeira e a segunda missa na matriz da Paróquia dos Santos Mártires de Uganda, uma criança da catequese se aproximou de mim para me perguntar: “O que posso fazer para ser uma boa cristã?” Não era a primeira vez que ouvia uma pergunta semelhante nestas terras de missão, mas é impossível ouvir algo assim sem se emocionar. Naquele dia, aquela criança me fez questionar sobre o que tenho feito para ser um bom cristão. Se não saio de mim mesmo para ir ao encontro do outro, não serei franciscano. Se

não tiver um coração missionário, não serei tampouco cristão. Estar na missão é um privilégio. Viver em fraternidade com os confrades angolanos, partilhar a mesma vocação com missionários da China, Índia, Polônia, México, Filipinas e tantas outras nacionalidades, rezar e partilhar o Evangelho com este povo tão querido de Angola, reviver a humildade do mistério eucarístico dentro de uma capela de adobe e entre a gente simples do campo, tudo isso por si só já justificaria o nosso estar aqui. Não é só a missão que precisa de nós, somos nós que precisamos da missão.


| FREI ALISSON ZANETTI |

“A experiência missionária, seja ad gentes ou ad intra, deveria ser uma experiência feita por todos os seres humanos, qualquer que seja a sua denominação religiosa. O tempo de duração não deve ser o fator determinante. Há missionários que mesmo

num mês conseguem viver a intensidade de anos na missão, e outros que, em anos, não vivem a intensidade de um mês. Outra experiência que deve cinzelar é a da Palavra, especialmente a da passagem do servo inútil (Lc 17,7-10), tudo o que fazemos é o que

deveria ser feito, não para engrandecimento próprio, mas para a maior glória de Deus. Certa feita, Madre Teresa de Calcutá se encontrou com Dom Hélder Camara no Exterior e perguntou com admiração a ele: “Como o senhor se sente sendo tão afamado no mundo todo? Onde o senhor vai, as pessoas querem estar ao seu lado e, quando o senhor fala, todos te aplaudem”. Com simplicidade e sabedoria, Dom Hélder respondeu: “Eu me sinto como aquele jumentinho que no Domingo de Ramos carregou Jesus na entrada triunfal em Jerusalém. Os gritos de hosana, os aplausos e os mantos estendidos não eram para o jumentinho mas sim para Jesus”. Isso é ser missionário, carregar Jesus, no lombo, nos lábios, através das palavras e sorrisos, nas mãos, no coração e em todo o nosso ser e oferecê-Lo com alegria. MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

DEPOIMENTOS

TODOS DEVERIAM SER MISSIONÁRIOS

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| FREI ROBSON LUIZ SCUDELA |

DEPOIMENTOS

NÃO HÁ TERRA ESTRANGEIRA PARA VIVER A EXPERIÊNCIA DE DEUS

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Trago na lembrança o dia 25 de fevereiro de 2010, quando cheguei a Luanda, Angola, após o término dos estudos de Filosofia. Nas primeiras noites naquela terra, antes de dormir, ao deitar, passavam inúmeras inquietações, dentre as mais fortes a pergunta: “O que eu vim fazer aqui”? Foram dias marcados pela lembrança do Brasil, terra já distante, que recordava a cada pôr de sol, imaginando que este ainda brilhava para os meus conhecidos brasileiros. E disto vinha uma saudade daquela terra que fazia sentir-me em casa. MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

Havia, em relação ao Brasil, muita diferença, principalmente nos aspectos culturais. Um modo diferente de ver a vida e de viver, um modo diferente na alimentação e nas celebrações das comunidades. Não poucas vezes, quando sentia aquela alegria expressada pelo canto nas celebrações em Angola, vinha-me à mente, como um mantra: “Como havemos de cantar os cantares do Senhor numa terra estrangeira?”. Iam-se passando os dias e a sensação de que os dois anos missioná-

rios chegariam também ao seu fim. Um desejo, mas que aos poucos foi se transformando em um sentimento que até então não tinha experimentado: começar a sentir-se em casa, numa terra que não me havia visto nascer. Depois de um mês em Luanda, das primeiras experiências em um outro país, fui transferido para Quibala, lugar que ainda estava por ser construído. A casa ainda se encontrava no improviso. E foi aí que comecei a dedicar o meu tempo durante a semana nos trabalhos da obra


passávamos pela guerra”. E assim amadurecia-me a consciência de que os frades são sempre homens determinados e entregam-se totalmente à missão que realizam e ao lugar onde vivem. Diante disto, também crescia em

mim a consciência de os frades serem homens que vivem numa fraternidade, e, em fraternidade, apesar das dificuldades, marcam presença na história e na vida do povo. Tanto é que o povo já não mais lembrava muito o nome dos frades que estiveram com ele durante os momentos mais difíceis de guerra, mas lembrava dos frades,

de uma comunidade de homens, de uma fraternidade que marcou presença e ficou firme durante aquele tempo difícil. Era este testemunho dos frades que abria, no dia a dia, muitas portas quando nos dirigíamos ao povo. Sempre me impressionava o quanto era possível colher frutos das sementes plantadas pelo testemunho dos frades que lá estiveram. Ao término da experiência dos dois anos, surgiu um forte desejo de permanecer mais um tempo, mas era hora de retornar ao Brasil, para os estudos da Teologia. Neste ano de 2019, ao retornar para Angola por ocasião do Capítulo da FIMDA, no momento em que a porta do avião se abriu e vi novamente Luanda, a sensação de “estou em casa” pairou. Hoje, vejo que, se me perguntava naquela época “como havemos de cantar os cantares do Senhor numa terra estrangeira?”, é porque naquele tempo ainda não tinha compreendido que nesta vivência da experiência de Deus não há terra estrangeira, pois Ele nos aguarda em todo e qualquer chão.

| FREI GILBERTO PISCITELLI |

SER MISSIONÁRIO É COLOCAR SE À DISPOSIÇÃO Estive por um ano trabalhando na Terra Santa, a serviço da Custódia Franciscana de Santo Antônio. Foi uma oportunidade ímpar pela qual agradeço à Província e à Custódia, pois pude vivenciar, ao longo do ano litúrgico, todas as celebrações no solo sagrado. A fé dos peregrinos chama muito atenção, o amor e carinho com que participam da via sacra, as missas e cantos dos mais variados grupos e países, a fé num único Senhor. Ser missionário é colocar se à disposção para atender e abençoar a todos que estão sedentos do amor e da acolhida de Nosso Senhor Jesus Cristo. MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

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de construção da casa e, nos finais de semana, nas celebrações e visitas às aldeias e comunidades locais. Durante a semana, nas dificuldades e necessidades de improvisos, que eram superados pela determinação da fraternidade em desejar ter uma casa para que fosse habitação dos postulantes, muito aprendi com cada um dos angolanos que vinham todos os dias ajudar na obra. Aprendi ao ouvir um homem perguntando: “Mas o que é Deus que vocês falam”? O primeiro ano passou muito rápido, superado somente pelo segundo, quando fui morar em Malange, no Seminário Monte Alverne. Outra experiência numa casa que acolhia jovens que desejavam também viver como os frades que lá estavam. Em Angola, foram dois anos que somente depois que passaram percebi o quanto se tornaram importantes e determinantes nesta minha caminhada franciscana. Havia neste tempo uma frase que ora num lugar ora noutro eu ouvia falar: “Os frades nunca nos abandonaram, nem mesmo quando

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| FREI ATÍLIO BATTISTUZ |

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A MISSÃO NOSSA DE CADA DIA

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Somos discípulos de um missionário, itinerante, do interior, Jesus de Nazaré. A Igreja nasceu missionária, em Pentecostes. A Ordem nasceu missionária, mendicante e itinerante, e logo no início teve mártires da missão, em Marrocos. A Província nasceu da missão, foi restaurada também por missionários e tem vocação missionária. A Fundação Mãe de Deus de Angola, filha da Província, também é fruto de missão, de retribuição agradecida por outras missões. Assim que a missão é realidade nossa de cada dia. Sou muito grato à Província por me permitir e possibilitar ser missionário para além dos territórios dela. Agradeço também o convite para partilhar um pouco a experiência da missão. Eu parti para a missão no dia 20 de julho de 2008, rumo a Angola, data de minha ordenação sacerdotal, depois de um ano e meio de espera MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

pelo visto, quando já estava pensando em desistir. Hoje já se passaram mais de dez anos. Estive em Palanca (Luanda), Malanje, Requena, Caballo Cocha, e agora no Marajó. Além do café, do chimarrão, do vinho ou da cerveja, aprendi a tomar chibé, “chapo”, “chicha”, “aguaje”, “massato”, e agora o açaí. A missão vai ensinando muitas coisas e vai formando a gente. O missionário nunca está pronto. A missão é formação permanente. Quero partilhar alguns aprendizados com a missão: - O diálogo com culturas diferentes é sempre um aprendizado, uma riqueza, crescimento e amadurecimento. A nossa matriz cultural e a nossa cosmovisão não é a única no mundo, e possivelmente nem a melhor. É uma entre outras. É apenas diferente. Isso exige humildade da gente e muito respeito. A convivência com realidades diferentes é um

desafio. A tentação, principalmente nossa, de cultura ocidental (de matriz europeia), conquistadora, e que no Brasil, neste momento da história se revela intolerante, é de nos acharmos superiores. A convivência e o diálogo com outras culturas nos faz mais humanos, mais católicos (universais), e mais divinos (mais encarnados na realidade humana). - A missão exige renúncias. Talvez essa seja a parte mais difícil da missão além-fronteiras. Renunciar não somente a coisas e confortos, como internet, celular, as atrações urbanas, carro, geladeira, ar condicionado, televisão, energia elétrica, e, em muitas circunstâncias, até a privacidade de um banheiro ou de um quarto. Mas também renúncias de “sucesso pastoral” (desculpem o termo, mas não encontrei outro). Para quem já celebrou a Páscoa com multidões de cinco mil, oito mil pessoas, de repente a


existe é a do rio..., tem que confiar. Tem que confiar: nos companheiros, no piloto, na canoa, no motor, no rio, no tempo... Confiar na vida, na providência, que está seguro..., confiar em Deus e entregar-se. Já passei 19 dias assim.

O que encontrei e o que vi na missão:

- Missionários dedicados, que deram

a vida pela missão. Ouvi história e relatos impressionantes, como o de Ana, conhecida como Anita (diminutivo de Ana, em espanhol), uma missionária leiga, austríaca, enfermeira, que pilotava seu próprio bote, andava sozinha pelo rio Tapiche, um afluente do Ucayali, que desemboca em Requena (Vicariato de Requena-Peru). São 400 km de rio, visitava as comunidades, dava formação, realizava celebrações, lutou pelo reconhecimento e legalização de territórios, socorria doentes, salvou muita gente.

Até que a irmã morte a levou. Dez anos depois andei pelo mesmo rio, usei o mesmo bote e visitei as mesmas comunidades. - Encontrei um povo acolhedor e generoso. Aliás, essa é a experiência mais comum e mais frequente que os missionários sentem. Não vou descrever sobre isso. Os povos “nativos” são sempre acolhedores. Aquilo que é a sua grandeza, e profundamente humano, é também a sua desgraça. Assim como acolhem os missionários, os amigos, os visitantes, os turistas, os aliados, acolhem também os madeireiros, as petroleiras, os corruptos e corruptores, traficantes, os negociantes, os que mercantilizam sem escrúpulos os seus territórios, sua vida e seu povo. - Encontrei uma Igreja leiga. Tanto em Angola, como na “selva peruana”, e mesmo no Marajó. Animada por “catequistas”, “dirigentes”, “coordenadores”, “animadores”, ou o nome que se lhes dê, é quem anima, coordena, forma, consola, celebra, preside, dá testemunho. É a presença institucional da Igreja. Não se trata das comunidades urbanas, onde o padre está presente ou próximo. Estou falando das comunidades do interior, ou ribeirinhas, de difícil acesso, onde o padre, em alguns lugares, chega uma vez por ano, outros nem isso. O “animador leigo” talvez seja o melhor do “rosto Amazônico” da Igreja. - Um paraíso e um santuário. A Amazônia é um paraíso na terra, com paisagens exuberantes, com MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

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gente se depara com 30 pessoas para celebrar a vigília pascal, e menos ainda na manhã de páscoa; ou, celebrar a ceia de natal com um prato de arroz com frango e uma xícara de chocolate, sem nem comunicação com os “seus”. Ou, para quem já celebrou 800 crismas na paróquia (em uma única celebração), de repente a gente tem quatro jovens para crismar, em toda a paróquia. Ou, em outras circunstâncias, para quem já celebrou cinco missas num domingo, não poder celebrar nem uma, porque não tem com quem celebrar, porque simplesmente não existe nem sequer uma comunidade de fé. - Para ser missionário não se pode ter medo de fracassar. Primeiro, porque a missão não é para ter sucesso, nem para conquistar, é pela mística do Reino de Deus. Depois, porque quem faz frutificar é o Espírito de Deus, não somos nós. A experiência tem mostrado que muitas vezes a gente se dedica, gasta tempo, investe energias, e não dá em nada, humanamente “é um fracasso”; outras vezes, do nada, sem grandes esforços, duma simples intuição, “é um sucesso”, é simplesmente obra de Deus, não nossa. - É preciso confiar. Para ir aonde você nunca foi, num rio que você não conhece, com pessoas que não são de sua convivência ou que você nunca viu, que não falam a sua língua, com um bote, ou uma canoa, que não é de sua familiaridade, dormindo onde os acolhem (“irmão, você se ajeita aqui”), comendo do que lhe oferecem, onde a única água que

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vida em abundância, com comunidades integradas ao ambiente. É lugar de abundância. A gente pode tirar fotos a qualquer hora do dia e da noite, em qualquer lugar, vão sempre sair bonitas. A Amazônia é encantadora. Não é à toa que os nativos e os povos tracionais veem e reconhecem os encantos de todos os lugares. A Amazônia é um santuário. Santuário da natureza, san-

já não existe. Onde se viveu em comunidade, já não há comunidade. Foi a experiência de São Francisco, “uma Igreja em ruínas”, e a angústia e a impotência diante da pergunta: “como reconstruir?” - Encontrei missionários com visão colonialista, que não confiam no povo nem entendem sua linguagem, que veem sua cultura como folclore, e outros que vivem como se estives-

tuário da vida, santuário da biodiversidade, santuário da diversidade étnica e cultural, santuário da diversidade humana, santuário de Deus. Talvez seja por isso que a maioria dos povos originários não tem templos e lugares sagrados como nós, porque tudo é sagrado.

sem num mosteiro, que incentivam as devoções de sua terra, e não tem sensibilidade para com a “mística” e a cosmovisão dos povos locais. Melhor que não fossem missionários! - Andei por terras sem lei, vi territórios sendo violentados (o conceito de território aqui é mais do que o espaço físico), povos indígenas cultivando a “mata” e colhendo a “folha” para sobreviver, balsas e balsas cheias de madeira, e muitas vezes me disseram que era ilegal, seguindo para a capital e para o mercado global. Vi “povo” sem cidadania, esquecido pela sociedade, abandonado pelo Estado, sem direitos e sem políticas públicas, e como se isso não bastasse, sendo explorados e expropriados, e ainda sendo acusados de culpados por sua pobreza. - Vi e senti a força do individualismo.

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Mas vi também na missão:

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- Uma Igreja em ruínas. Procurei muito, por anos, “as CEBs da América Latina”, que tanto se mencionavam nos anos de teologia e das quais os professores falavam com entusiasmo, e não as encontrei. Onde viviam missionários, já não há missionários. Onde tinha animadores, já não há. Onde havia catequistas, já não há. Onde se celebrava aos domingos, já não se celebra. Onde existia uma capela, MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

Aliás, isto foi o que mais que me decepcionou, tanto em Angola quanto na Amazônia. Não esperava encontrar tanto individualismo, com tanta força e tão arraigado nas pessoas e nas comunidades. É terrível a desunião. Não podia esperar isso de comunidades nativas e povos originários. Principalmente quando o assunto é dinheiro, ninguém confia em ninguém, nem nos vizinhos, nem em irmãos de sangue. Se não formamos comunidade, nem espírito de solidariedade e de partilha, o que restou da evangelização? - Vi o paraíso, a savana e a floresta, pegando fogo. O que fazer além de chorar e lamentar? A missão é de cada dia e em todos os lugares! Tem coisas que me deixam triste e desanimado. A primeira delas é quando vejo frades que se contentam com uma pastoral de manutenção, sem criatividade, sem ousadia e sem espírito missionário. Parece-me traição e infidelidade ao nosso carisma e nossa vocação. Vejo, entre outros, dois grandes desafios missionários para a Igreja hoje, e que deveriam ser nossos, dos frades menores. Um deles é formar comunidade, principalmente no mundo urbano, nas grandes cidades, mas também nas pequenas do interior. Fico triste e até indignado, quando vejo o processo migratório do interior para a cidade (e isso acontece desde a Amazônia até Chopinzinho, a minha cidade natal), com novos assentamentos humanos, invasões, ocupações, novos bairros..., o povo migrando, chegando e a Igreja ausente, é a última que chega. Depois reclamamos que o povo não frequenta mais a Igreja. Igreja não é para frequentar, é para fazer parte, é para pertencer, é para ser Igreja. Só vejo um jeito de “ser Igreja” capaz de acolher a todos os batizados, principalmente no mundo urbano: formando comunidades, onde cada católico pode di-


Para terminar, quero partilhar duas imagens ou experiências que não saem da minha mente. A primeira foi logo nos primeiros dias em Angola, na primeira vista às aldeias. Em menos de duas semanas foi um mergulho saindo do Rio de Janeiro, passando por Luanda, Malanje e as aldeias. Na escuridão da noite fria de inverno, sem energia elétrica, próximo à casa que nos acolheu, havia uma fogueira. Ao redor da fogueira, as crianças se aqueciam, os homens conversavam e as mulheres cantavam e dançavam. Mesmo sem entender o canto nem as conversas, aquilo foi o máximo, uma vigília de Páscoa! De Angola, muitos frades escreveram sobre a alegria do povo, o colorido das roupas, o gingado e a dança, o festivo das liturgias, mas não sei se fui só eu, ou outros também per-

ceberam: o olhar triste das pessoas. Para além da alegria, da acolhida, do colorido, do gingado e da dança, o olhar revela algo mais. A outra imagem foi o que vi na Amazônia peruana, numa das primeiras comunidades que visitei. O centro da vila é o campo de futebol. Ao redor do campo estão as casas, a escola, o posto de saúde, o porto e as igrejas. Estavam lá, lado a lado, duas igrejas. Uma igreja evangélica, ainda inacabada, construída em duas semanas, por irmãos missionários, vindos dos Estados Unidos, que chegaram com tudo num barco, desde a madeira, pregos, o telhado, carpinteiros... e ao lado dela uma igreja católica, velha, abandonada, já sem teto, em ruínas. Nada mais significativo e desafiador para a missão: “Francisco, vai e reconstrói a minha Igreja”.

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zer “esta é a minha comunidade”. A Igreja no Brasil no 3° milênio perdeu fiéis e diminui em número na mesma proporção em que cresceram os padres cantores, as televisões católicas e tivemos multidões aplaudindo espetáculos de fé. A Igreja não é para o palco, é para o altar. O palco não forma comunidade, o máximo que forma é fãs. A televisão não forma comunidade, forma espectadores. É apenas um meio de comunicação, não é a comunicação. A comunicação do evangelho é testemunho. Também esvaziou na mesma proporção que deixou de investir nas comunidades eclesiais de base. A política e o social deixaram de ser um compromisso de fé. Para formar comunidades de fé e formar cidadãos é preciso investimento, dedicar tempo e gastar a vida, e acima de tudo, como Jesus, sonhar com a utopia do Reino. O outro desafio missionário é a questão ambiental, a ecologia integral. Mas não vou tratar disso aqui. Apenas, acho que enquanto frades menores, como Ordem, ainda não nos demos conta da gravidade do momento atual e do nosso potencial missionário a esse respeito. Peço que me desculpem se não fui fiel ao que me pediram. Pediram-me um breve testemunho para as Comunicações, para o mês missionário extraordinário. Eu não gosto de dar testemunho, e relutei em escrever, mas o frei que me pediu foi tão cordial, que não merece essa desfeita, e no último dia resolvi escrever.

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| ADÁVIO AFONSO RIBEIRO |

“ATÉ HOJE SIRVO À

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MISSÃO DE ANGOLA”

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Quando eu me aposentei, resolvi entrar para a Ordem Franciscana Secular. Fiz um trabalho voluntário no Sefras, com moradores de rua, em 2000. Deixei de assumir uma oferta de emprego para fazer esta experiência missionária, pois desejava servir o próximo. A missão é um chamado de Deus, e precisamos estar atentos para ouvi-lo. Este chamado nunca é aquilo que desejamos. É Deus quem chama e Ele é quem designa aquilo que vamos fazer. Você tem vontade de fazer algo, mas não tem clareza do que é. Deus dá o caminho. Fui para Angola em 2008. A princípio, era para ir a Malange, consertar um caminhão. Fiz alguns serviços em Lubango, no Sul de Angola, depois fiquei em Quibala para ajudar na reconstrução do convento, onde hoje é o noviciado. Morei um ano em Viana, durante o conserto do caminhão e no meio deste tempo ia para as aldeias, ajudava nas celebrações, ajudava os padres da missão, acompanhava as irmãs vicentinas nas aldeias, pois elas eram enfermeiras e precisavam ir até o povo. Fazia tudo isso. Fui duas vezes para Angola para morar em Malange e nunca morei lá. Fui fazer alguns serviços, mas meu trabalho mesmo foi em Quibala. Parece que Deus tem seus caminhos. Você não pode ir para uma missão e dizer: “Vou fazer aquilo que quero e gosto”. Você tem que ir para MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

fazer aquilo que é para fazer. Os missionários são uma equipe, e quando formamos uma equipe, o grupo é quem decide qual o serviço necessário e quando tem que ser feito. Fui para arrumar o caminhão, mas fiz um serviço missionário muito diferente do que estava previsto. O caminhão ficou mais de um ano encostado. No fim, fui fazer um outro trabalho que me designaram, que foi a reconstrução de Quibala. Quando chegamos lá, as coisas estavam muito ruins. O Ministro Provincial na época, Frei Augusto Koenig, ficou assustado quando chegou. Ele disse: “Não quero que meus frades fiquem no meio de um campo como este”. Mas aquilo que é difícil, é prazeroso. Estávamos Frei Valdir, Frei Laerte e eu. Fizemos aquilo com sacrifício. Com o dinheiro que era para comprar comida, comprávamos material de construção. E nosso alimento vinha da providência divina. Quando os freis celebravam, vinham pequenas ofertas: banana, galo, porco, espiga de milho. Com aquilo que ganhávamos íamos comendo e vivendo, sem precisar mexer no dinheiro que vinha para comprarmos comida. É uma experiência que não podemos calcular, viver exclusivamente da providência divina! Fizemos a viagem para Quiba-

la com o caminhão quebrado. Esse caminhão tinha um problema no motor, gastava muito óleo e quando ele esquentava, não ligava. Saímos um dia de Luanda com o caminhão carregado de coisas: camas, armários, comida. E mais uma caminhonete quebrada. Essa caminhonete era para ser usada num trajeto de 2 km, da missão até uma cidade próxima. Mas como era pós-guerra, a cidade ainda estava no início da reconstrução, não tinha quase nada. Por isso, tínhamos que ir a Luanda, a 350 km. Com essa caminhonete quebrada, fizemos 29 viagens a Luanda. Deus operou um milagre até que conseguíssemos arranjar outro carro. Eu não acreditava naquilo, foi um grande milagre. Íamos com cuidado, andávamos no horário mais frio, dirigindo devagar. Em Quibala, construímos o primeiro barraco com dois containers. Fizemos uma cozinha com dispensa, um banheiro, três quartos para nós e um quarto para visitantes. No meio, ficava a sala de jantar. Aquilo nos dava muita alegria! Cada vez que terminávamos uma etapa era uma festa! A cozinha era muito pequena, bem simples. Como uma cozinha de sítio do interior, só que bem mais pobre. Um dia - não sei como - falaram na comunidade que os freis estavam passando necessidade. Fizeram uma


tâmbula, um ofertório, e reuniram gasosa, arroz, macarrão. E os catequistas vieram nos trazer. Aquilo foi muito bonito! A partilha da comunidade com os frades. Conseguimos viver a pobreza e a perfeita alegria! Pela graça de Deus, nunca faltou nada, foi uma experiência maravilhosa. Só tenho alegria! Nada foi mais gratificante do que aquela missão em Angola. Quando o frei me chamou para ir para a missão, já havia professado na Ordem Franciscana Secular. Professei em 2006 e em 2007 o Frei André Gurzynski me chamou para a missão de Angola. Na época, ele disse que a Província não tinha como financiar a minha passagem. Então eu vendi o carro que tinha, um santana, para comprar a passagem de ida. Para a volta, juntaria o salário da aposentadoria. E assim foi feito. Vendi o carro, nunca me fez falta. Com

o dinheiro daquele carro, fui para Angola. Depois, em 2011, era para ir a Jerusalém, mas não consegui o visto, pois o consulado estava em reforma. Acabei indo novamente para Angola em 2012. Em março de 2013, adoeci, com pedra na vesícula. Fui para o hospital e achei que não voltaria mais. Se tivesse morrido na missão, teria sido algo fantástico! Ninguém fica feliz por morrer, mas não sentia tristeza, preocupação. Me sentia em paz! Na quinta-feira, o Padre Lelo - dos Pobres Servos - foi me visitar e pediu para me levarem a Eucaristia. Quase não consegui comungar, de tanta dificuldade que sentia. O tio Pedro, pai de um padre angolano, estava no hospital e um amigo enfermeiro que foi visitá-lo me passou um remédio. No outro dia cedo, na sexta-feira, levantei, tomei banho, comi tudo o que

tinha no quarto - bolacha, banana e fui para a Missa rezada dentro do hospital. Isso para mim foi o milagre da Eucaristia. Deus mandou aquele homem para salvar a minha vida. Hoje, quando vejo os rumos que a missão em Angola tomou, sinto gratidão. Espero que ela seja uma Custódia, uma Província no futuro. Meu conselho para quem deseja ser missionário é o de se preparar bem. Escutar as experiências dos frades, dos estudantes. Cada um vive uma experiência diferente. É preciso estar atento aos desígnios de Deus. Ele é quem vai dizer o que vamos fazer. Quando a pessoa vai para uma missão, precisa ir aberto a qualquer coisa. Não adianta ir e reclamar das coisas. É preciso servir o Senhor com alegria! E quando chegar, é preciso dar testemunho de Nosso Senhor Jesus Cristo.

| BRUNO SCHNEEBERGER DE CARVALHO |

Certamente foi a experiência mais transformadora e gratificante da minha vida. Conviver com os irmãos que possuem uma cultura diferente da minha, me fez compreender que o mundo só será melhor se forta-

lecermos a nossa empatia e compaixão. Hoje, sinto-me muito grato por poder servir em um local onde muitos não possuem o básico para viver, mas retribuem os nossos gestos com muita alegria e amor. Enxergar o co-

ração de cada pessoa, independentemente de sua posição social, foi o que eu mais aprendi como missionário em Angola. Lá não encontrei muitas dificuldades. Às vezes sentia falta de algumas comidas específicas, que em São Paulo são encontradas facilmente. Mas aprendi a saborear as comidas locais, como o funge, a kisaca, a deliciosa kissangua, etc. Para alguém que deseja ser missionário, diria pra ir sem medo, que ouse amar! Juntos acreditamos num mundo melhor e ser missionário é ser testemunha da misericórdia e amor de Deus. MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

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TESTEMUNHA DA MISERICÓRDIA E DO AMOR DE DEUS

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| FRADES MISSIONÁRIOS |

NOME LOCAL NOME LOCAL Alexandre Magno C. da Silva Angola Juvenal Sansão Bélgica, Guiné Bissau Álido Rosá MS/MT e Angola Alisson Luís Zanetti Angola Laerte de Farias dos Santos Angola Aloísio Paulo A. dos Santos Angola Laurindo Lauro da S. Júnior Angola André Gurzynski Angola Leonardo Pinto dos Santos Sudão do Sul André Luiz da Rocha Henriques Angola Luiz Iakovacz MS/MT e Angola Angelo José Luiz Angola Marco Antônio dos Santos Angola Angelo Vanazzi MS/MT, Angola Mário Luiz Tagliari MS/MT Antenor Camilo Militão Angola Mário Stein Angola Antonio Mazzucco Angola Miguel da Cruz Angola Antônio Michels MS/MT Nilton Decker MS/MT Ari do Amaral Praxedes MS/MT Odorico Decker África Atamil Vicente de Campos MS/MT Paulo Cesar M. Borges Tailândia e Angola Atílio Dalla Costa Battistuz Angola, Peru Pedro Caron Angola Benedito G. G. Gonçalves MS/MT Plínio Gande da Silva África Carlos Alberto Guimarães Angola Davi Belineli Angola Ricardo Backes Angola Dionísio Ricieri Morás Chile, MS/MT Roberto Ishara Angola Evaristo Pascoal Spengler Angola Robson Luiz Scudela Angola Fabio José Gomes Angola Roger Strapazzon Angola Genildo Provin Angola Samuel Ferreira de Lima Angola Gilberto Marcos S. Piscitelli Terra Santa Samuel Santos Soares Angola Heberti Senra Inácio Angola Sebastião A. Kremer Angola Hugo Câmara dos Santos Angola Sérgio Calixto Terra Santa Ivair Bueno de Carvalho Angola Tarcísio Geraldo Theiss MS/MT Jeferson Palandi Broca Angola Tiago Gomes Elias Angola João Maria dos Santos MS/MT Thiago da Silva Soares Angola Jonas Ribeiro da Silva Angola Valdemiro Wastchuk Angola Jorge Lazaro de Souza Marrocos, Angola Valdir Laurentino Roraima José Antônio dos Santos Angola Valdir Nunes Ribeiro Angola eTerra Santa José Bertoldi MS/MT, Terra Santa Vitalino Piaia Angola José Clemente Müller Terra Santa

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MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO


Na boca do povo, “o dinheiro não é problema, é solução” e “sem ele, ninguém vive”. Jesus de Nazaré conviveu com esses dizeres populares e, como missionário, tinha um grupo de mulheres que sustentava seus trabalhos e o dos apóstolos (cf. Lc 8,1-3). Entre eles, um (Judas) foi escolhido como responsável da “bolsa comum” (cf. Jo 12,5-6; 13,28-29). Porém, esse mesmo Jesus faz um alerta e um pedido. O alerta é este: “Cuidado! Evitem todo o tipo de ganância porque a vida não é garantida pelos bens” (Lc 12,15). Mais ainda: o dinheiro é “iníquo” (Lc 16,9) e não se pode “servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6,24). O apelo é “granjeai amigos com o dinheiro injusto para que – quando este faltar (dinheiro) – eles (os amigos) vos recebam nas moradas eternas” (Lc 16,19). Em outras palavras, Jesus pede que se pratique a caridade por causa do próprio Cristo. Outubro é o mês missionário. A Igreja, desde o início, manteve aceso este ideal. São muitas as Ordens, Congregações, Associações e ONGs que missionaram e missionam, cada qual dentro do seu carisma com recursos próprios ou adquiridos. O Pontificado de Pio XI (1922 – 1939) introduziu aspectos pontuais e em vigor ainda hoje. Criou as Pontifícias Obras Missionárias (POM), um órgão internacional para coordenar todas as obras missionárias. Oficializou o penúltimo domingo de outubro como Dia Mundial das Missões, no qual as paróquias fazem orações e coletas, especialmente para o além-fronteiras. Uma comissão das POM recebe e analisa projetos missionários vindos de todo o mundo e envia ajuda aos mais necessitados, especialmente, da África e Ásia. (A prestação de contas está no seu site). Na Missa de Pentecostes de 1922, esse mesmo Papa, num gesto surpreendente e em meio a um profundo silêncio, tomou o seu solidéu e o fez passar entre os bispos, presbíteros e fiéis, pedindo aju-

da para as missões. Tal notícia, provavelmente, não circulou na mídia oficial. Se isso aconteceu ou não, ipsis verbis, não é tão importante como o alerta que nele está. Jesus, também, fazia uso de parábolas para comparar o Reino de Deus (Mc 4,30-32), para ensinar os tesouros do Pai (Mt 13,1-52), para admoestar contra o perigo das riquezas (Lc 12,13-21) e outros. Mutatis mutandis, o gesto simbólico/profético do Papa não pode ser esquecido porque interpela todo o batizado a que seja missionário. O clero é e deve ser protagonista, inclusive, no suporte financeiro: o “solidéu” não é privilégio, mas serviço; não é só pedir, mas, também, doar parte da mesada, aposentadoria ou salário. Se possível, discretamente, e Deus que “vê o oculto te recompensará” (Mt 6,4). Diz um provérbio anônimo: “Missões se fazem com os pés dos que vão, com os joelhos dos que ficam e com as mãos dos que contribuem”. É um tripé sólido e abrangente, e promissor, porque é um trabalho construído sobre a rocha. Vieram enxurradas, os ventos sopraram e bateram contra a rocha e ela não caiu” (Mt 7,25). Frei Luiz Iakovacz MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

CURIOSIDADES MISSIONÁRIAS

UM GESTO PROFÉTICO DO PAPA

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ORAÇÃO PARA O MÊS MISSIONÁRIO EXTRAORDINÁRIO

Pai Nosso, o vosso filho unigênito Jesus Cristo ressuscitado dentre os mortos confiou aos seus discípulos a missão: “Ide e fazei discípulos todos os povos”. Ele recorda-nos que através do batismo nos tornamos participantes da missão da Igreja. Pelos dons do Espírito Santo, concedei-nos a Graça de sermos testemunhas do Evangelho, corajosos e vigilantes, para que a missão confiada à Igreja, ainda longe de estar realizada, possa encontrar novas e eficazes expressões que levem vida e luz ao mundo. Ajudai-nos, Pai Santo, a fazer com que todos os povos possam encontrar-se com o amor e a misericórdia de Jesus Cristo, Ele que é Deus convosco, e vive e reina na unidade do Espírito Santo, agora e para sempre. Amém.


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