POSSÍVEIS CAMINHOS DA MEDIAÇÃO:
LEITURA DE DIFERENTES LINGUAGENS, EXPRESSÕES, COMPARTILHAMENTOS
Uma teia coletiva de vozes e saberes
Livros são vias de encontros. Ao lermos, estabelecemos relações com o texto, com seus autores e narrativas. Para além disso, entramos em contato íntimo conosco mesmos, com a humanidade que nos constitui, com suas riquezas e mazelas. Esses encontros podem ser propiciados por meio da leitura de diferentes linguagens, compartilhamentos de vozes e saberes que não se hierarquizam, mas se compõem numa teia coletiva, sustentadora e acolhedora das relações humanas.
Diante de um livro impresso, o primeiro encontro acontece pelo olhar, acompanhado por outros sentidos. Há uma interação com o próprio objeto. O diálogo estabelecido nessa primeira aproximação com o objeto livro constitui o ato inicial de leitura da obra, possibilita um refinamento do olhar e a formulação de hipóteses e inferências.
Quando em leitura compartilhada, abre espaços para o desenvolvimento da oralidade, para o exercício do respeito ao tempo de fala de cada participante e para o acolhimento às opiniões emitidas, com negociação de sentidos aventados sobre o livro.
Vamos iniciar a construção dessa teia, escolhendo os primeiros fios, propondo atividades para compor essa tecelagem.
As propostas a seguir estão divididas em:
• ANTES DA LEITURA
• DURANTE A LEITURA
• DEPOIS DA LEITURA
ANTES DA LEITURA
Algumas considerações
A leitura preliminar da capa e paratextos poderá ser feita a partir da apresentação do livro para toda a classe. Havendo vários exemplares, os alunos poderão ser divididos em grupos. Em ambas as situações, o estímulo à participação oral é fundamental, para troca e compartilhamento de experiências e ideias. Com isso, amplia-se o conceito de leitura, geralmente atrelado à leitura do texto escrito.
Livro: o primeiro encontro – conduzindo a prática
• Organização do espaço
A disposição das carteiras ou cadeiras pode ocorrer em roda, caso haja apenas um exemplar do livro, de modo a propiciar a visão de todos os participantes entre si. Se houver vários exemplares, os estudantes podem ser reunidos em pequenos grupos. Apresente o livro enquanto formula algumas questões.
• Leitura da capa
Um menino segura o livro, numa atitude de quase abraço. A mesma imagem repete-se, em ponto menor, compondo três camadas de reproduções, uma dentro da outra. Na parte inferior da capa, revela-se a mão que envolve o livro, como se um leitor estivesse a postos para segurar a obra (repare no desenho de um dedo polegar, indicador e anular no lado esquerdo da capa). Perguntas possíveis para começar a conversa:
• A mesma imagem repete-se três vezes. Gosta dela? Por que será que o ilustrador escolheu fazer isso? Que sensação provoca para quem olha a capa do livro?
• Em que posição um leitor deveria estar em relação à capa do livro para que parecesse também estar integrado à cena, segurando o livro? (o leitor deveria estar de frente ao verso do livro, como se estivesse atrás do menino da capa).
• Leitura do título
Foi ele que escreveu a ventania
Sugestão de questões para conduzir a conversa:
• Que diferença você identifica na forma com que foram escritas as palavras do título? De que maneira e com que tipo de letra você costuma escrever?
• O título diz: Foi ele que escreveu a ventania. A pergunta é: Ele quem? Sem ler o livro, é possível identificar a quem se refere?
• Pode-se escrever a ventania? Como seria?
• O título é apresentado de um modo inesperado nas primeiras páginas do livro. Conversem a respeito, procurando atribuir sentidos à divisão proposta.
• Leitura da quarta capa
Um pequeno texto traz informações sobre a obra. Fica a critério do professor ou professora antecipar o enredo ou continuar explorando hipóteses formuladas pelos alunos.
• Que elemento da ilustração presente na capa é retomado na quarta capa?
• A representação do livro na primeira e quarta capas dá alguma “pista” sobre o conteúdo da história?
• É possível encontrar poesia em paredes de muros? É possível recolher um pedaço de sol e guardar no bolso? Que outras informações presentes no texto do verso da capa você achou “curiosas” ou inesperadas?
• Leitura da página de rosto
Uma pequena cena aparece na lateral direita de um fundo vermelho – e vemos que um livro estilizado salta aos olhos do leitor e que, inserido no colorido da página, da paisagem foge um passarinho que pousa na parte superior do livro.
Perguntas possíveis:
• O que essa ave pode significar em relação à história a ser contada?
• O pássaro parece pousado em uma superfície de um objeto. Do que se trata?
• Relacione a imagem da capa, quarta capa e a página de rosto. Qual é o elemento comum a elas? Será uma pista do conteúdo do livro? O que acham que está por vir?
Foi ele
• Lendo a dedicatória
• A quem a autora Rosana Rios dedica seu livro?
• Você já ouviu falar sobre esse autor?
• Conhece algum livro ou algum texto que ele escreveu?
• Que tal pesquisarem em bibliotecas ou na internet pelo autor Manoel de Barros?
• Alguém da classe possui um livro especial, ao qual gostaria de segurar carinhosamente, como o menino da ilustração? Se sim, que tal trazer para mostrar para seus colegas?
O compartilhamento dessas conversas será o terreno sobre o qual se iniciará a leitura de fruição do livro, bem como a análise de alguns dos seus elementos.
As atividades sugeridas até agora contemplam as seguintes habilidades descritas na BNCC:
(EF35LP29) Identificar, em narrativas, cenário, personagem central, conflito gerador, resolução e o ponto de vista com base no qual histórias são narradas, diferenciando narrativas em primeira e terceira pessoas.
(EF05LP26) Utilizar, ao produzir o texto, conhecimentos linguísticos e gramaticais: regras sintáticas de concordância nominal e verbal, convenções de escrita de citações, pontuação (ponto final, dois-pontos, vírgulas em enumerações) e regras ortográficas.
DURANTE A LEITURA
Algumas considerações
Em livros com ilustrações, como em Foi ele que escreveu a ventania, palavras e imagens compõem um todo significativo.
Ilustrações coloridas em um livro para crianças não são apenas “desenhos” para atrair a atenção dos leitores. Elas constituem uma linguagem elaborada que expressa uma narrativa por si mesma, quase sempre ampliando sentidos transmitidos pelo texto escrito.
O conceito de ler extrapola a leitura das palavras, porque ler é atribuir sentidos. Quer seja uma imagem, um gesto corporal, um gráfico, um riso ou choro, a todas essas e muitas outras manifestações é possível amalgamar as experiências, saberes e conjecturas de quem as lê, formulando sentidos ou renovando-os. Esse processo é ininterrupto e necessário para a formação dos leitores, na sua busca de ler a si mesmos e aos outros, achando seu lugar no mundo.
Embora neste livro seja possível fazer a leitura do texto verbal separada do visual, é importante conduzir a leitura conjugando e comentando essas duas linguagens apresentadas a cada página ou nas duplas de ilustrações.
Uma primeira leitura do texto de Foi ele que escreveu a ventania poderá ser feita pelo professor. Para isso, sugerimos que sua leitura seja previamente preparada, atentando para as características particulares do texto em prosa ou verso. Os professores constituem um modelo para o aprendizado da leitura em voz alta. Prática muitas vezes abandonada na escola, ela é de grande importância para formação de leitores, e que, por meio da leitura oral deste livro, ajudará a formar o vínculo afetivo com a narrativa, concebida para contar a história de Tui e de seu amor pela poesia.
Livro: o prazer de ler e ouvir – conduzindo a prática da leitura dialogada
• Organização do espaço: sugerimos que a leitura aconteça com os alunos em roda, em cadeiras ou no chão. Sentados frente a frente, serão estimulados a uma escuta mais atenta no momento da leitura e da conversa depois da leitura.
• Início da leitura pelo professor. O texto poderá ser dividido em partes para favorecer a leitura dialogada, tanto do leitor com seus ouvintes, quanto das crianças com o professor, realizando a prática dialogal.
• A seguir, relacionamos sugestões para seis momentos de interlocução. Acham-se indicadas as frases de início e finalização de cada trecho do texto.
• A cada proposta de parada durante a leitura, sugerimos vias de diálogo com as crianças, o que, certamente, poderá ser enriquecido com os questionamentos que surgirão espontaneamente durante a leitura coletiva.
• As sugestões dessas pausas foram definidas em função de critérios que contemplaram: constituição da narrativa, relações com leitura, diversidade de pontos de reflexão, clímax e epílogo.
PARADA 1 – Após a leitura do poema encontrado no muro (página11)
“O sol saracoteia /lá no céu. /No solo seco /a gente seca, /só se sente /sede.”
O porquê dessa primeira parada: do início da história até a leitura do poema no muro, são apresentados o personagem principal e seu gosto pela poesia, seus espaços de convivência e circulação (casa, escola e rua) e o encontro com a pichação (o poema no muro) que desencadeará o desenvolvimento do enredo.
O diálogo pode ser encaminhado com base em questões, como:
• De que maneira essa história começou a ser contada? Quem a está contando?
• Que personagens aparecem nessa narrativa até o momento?
• Em que lugar esses personagens estavam? Alguém saiu. Quem foi?
• Como foi a despedida entre mãe e filho?
• O que aconteceu durante o trajeto que chamou a atenção de Tui?
• Já na saída de casa e durante a caminhada até a escola, ficamos sabendo que o tempo está quente e seco. Vamos encontrar essas informações?
Continuar a leitura do trecho em que parou “Os versos fizeram Tui...”.
PARADA 2 – Tui na escola, lembrando do poema no muro (página 15)
“Era verdade, o sol fazia tremer o ar no pátio e até as nuvens no céu.”
O porquê da segunda pausa: nesse segundo trecho lido, somos conduzidos a conhecer a importância que o menino atribui aos livros do caixote na sala de aula, particularmente aos livros de poemas, e o quanto o personagem se sente afetado pela leitura dos poemas, o que o faz relacionar o saracoteio do sol com a quentura do ambiente, das coisas e da falta de água.
O diálogo pode prosseguir com as questões:
• Tui chega até a escola ou desiste no meio do caminho por causa do calor? Quais passagens do texto confirmam essa afirmação?
• O poema dizia que o sol saracoteava. Alguém sabe o que quer dizer essa palavra? O sol pode saracotear? O que mais pode saracotear?
• Tui tentou se refrescar bebendo a pouca água que o bebedouro fornecia e foi pegar um livro no caixote. Relacione essa passagem com a ilustração que a acompanha. O que vocês observam?
Continuação da leitura a partir de “Quando o sinal soou...”.
PARADA 3 – Tui só tinha sede (página 19)
“Esqueceu o olhar da professora e o livro do caixote. Só tinha sede”.
O porquê da terceira pausa: esse recorte da narrativa apresenta vários aspectos possíveis de manter a conversa sobre a história – o cotidiano da escola, a relação lúdica de Tui com os poemas e com a literatura, a atitude da professora como mediadora de leitura.
O diálogo pode prosseguir com as seguintes questões:
• Tui vai assistir à aula, mas faz novas descobertas. Quem pode recontar o que se passa com Tui?
• O texto diz que o menino “guarda palavras na cabeça”. Como isso é possível?
Onde mais se guardam palavras?
Continuação da leitura a partir de “Tui não sabia o motivo...”
PARADA 4 – O menino sonha com o poeta clareando a manhã (página 24)
“Até que o homem escreveu a palavra “manhã” e o céu foi ficando azul, um sol cor-de-rosa apareceu lá longe. Tudo clareou.”
O porquê da quarta pausa: encerra-se, aqui, o ciclo de um dia na vida de Tui, que termina na madrugada, com o sonho do menino. Sonho que vem clarear um dia que havia sido triste, impactante com a notícia da morte do seu poeta.
O diálogo pode prosseguir com as seguintes questões:
• Como o menino ficou sabendo que seu poeta preferido tinha morrido? O que estava fazendo naquele momento?
• O que mais aconteceu naquela noite?
Continuação da leitura a partir de “O dia chegava gostoso, fresco...”.
PARADA
5 – Tui guarda o pedaço de sol no bolso (página28)
“Eu quis que sobrasse uma palavra do poema... e sobrou.”
O porquê da quinta pausa: a descoberta da demolição do muro é o fato principal desse trecho. Interromper a leitura nesse momento é dar chance de todos compartilharem suas observações, sentimentos e vivências diante do acontecido na história.
Continuando a conversa:
• O que Tui descobriu nesse dia a caminho da escola? O que essa descoberta provocou nele?
• Vamos observar a ilustração com a qual o ilustrador Mauricio Negro representa esse acontecimento. Nessa ilustração, parece faltar uma parte do corpo do trabalhador. Qual seria?
• Repare no contorno do braço direito do homem da ilustração da página 26. O que você descobriu?
• Agora, observe a sombra vermelha em que a figura do menino está localizada. Novamente o mesmo contorno pode ser identificado. Encontrou? Que sensação essa cena desperta em você?
• Por que o garoto aparece inclinado em direção ao chão? O que ele faz em seguida?
Continuação da leitura a partir de “No outro dia, o menino botou o boné...”.
PARADA 6 – O vento foi chegando (página 37)
“Até que virou ventania”.
O porquê da sexta pausa: a descoberta de Tui sobre a permanência da poesia em sua vida será reforçada com a posse de seu primeiro livro de poemas; por isso, esse trecho é interrompido quando ele cria seu próprio poema – ele venta, tal qual seu poeta.
Diálogo instigado pelas questões que se seguem:
• Depois da demolição do muro, o menino encontra outro poema grudado num poste. O que diziam seus versos? (página 29).
• Que momentos na narrativa foram importantes para ele se descobrir como fazedor de poesia? (rever páginas 21, 24, 28, 29, 32, 34 e 35).
• Em que pensou Tui quando resolveu ler poemas para seus colegas?
• Tui quer ventar. Que recurso Tui encontrou para conseguir?
• O poeta lido em classe por Tui falava de águas, sapos e pedras. E o menino, qual elemento da natureza escolheu para fazer seu primeiro poema?
• Quem foram os primeiros ouvintes do poema do menino?
Continuação da leitura a partir de: “As nuvens vieram, engordaram, choveram” até o final do texto – “Sabia que, naquela noite, foi ele que escreveu a ventania.”.
É o epílogo da narrativa.
• Qual foi a grande descoberta de Tui?
Dica: se houver possibilidade de acesso à internet, assistam ao vídeo ou ouçam os poemas musicados de Manoel de Barros no trabalho de Márcio de Camillo, Crianceiras. 1
As atividades sugeridas em “Durante a leitura” contemplam as seguintes habilidades descritas na BNCC:
(EF35LP03) Identificar a ideia central do texto, demonstrando compreensão global.
(EF35LP05) Inferir o sentido de palavras ou expressões desconhecidas em textos, com base no contexto da frase ou do texto.
(EF35LP27) Ler e compreender, com certa autonomia, textos em versos, explorando rimas, sons e jogos de palavras, imagens poéticas (sentidos figurados) e recursos visuais e sonoros.
1 Pode ser encontrado em várias plataformas, como YouTube, Spotify ou Deezer. No YouTube, a canção “O idioma das árvores” pode ser acessada em https://www.youtube.com/watch?v=RgA4zlmnHAA . Acesso em 22.dez.2021.
DEPOIS DA LEITURA
Algumas considerações
Conversar, trocando impressões sobre a história e sobre o livro lido é importante e muito prazeroso. É um momento de expressão pessoal, alternância de falas, levantamento de diferentes pontos de vista, trocas de experiências e de informações. É também a hora em que o professor poderá mesclar conhecimentos para que as crianças aprofundem sua percepção sobre seus saberes e sobre seus atos de leitura. Momento sem “cara de aula”, sem cobrança de respostas certas, mas nem por isso, menos produtivo para o desenvolvimento das crianças.
A fim de colaborar com o trabalho da professora e do professor, dividimos as atividades da seção “Depois da leitura” em partes, de acordo com o assunto envolvido. Elas poderão ser desenvolvidas separadamente, tal como estão registradas, ou serem mescladas, ficando a critério do professor.
Contar uma história: a narrativa verbal e seus elementos
Uma história é contada por alguém, que é o narrador. No caso desse livro, o narrador não participa da história, mas conduz a sequência dos acontecimentos, narra as ações para os leitores. Por isso, é conhecido como narrador em terceira pessoa.
O narrador conta-nos a história do menino Tui. Essa criança é o personagem principal que ocupa e transita em espaços, como entre a sua casa e a escola. Outros personagens participam dos acontecimentos. As ações transcorrem num tempo curto, de dias, mas impactam fortemente a vida de Tui.
Conduzindo a prática2
• Organização do espaço: uma área livre (pode ser a sala de aula, com carteiras ou cadeiras afastadas) para que os alunos possam demarcar os espaços em que acontecem os fatos mencionados, usando fita-crepe ou pedaços de barbante fixados no chão.
São eles:
a) a casa (especificamente a sala e o quarto do menino);
b) a escola (com a sala de aula e o pátio);
c) a rua (o trajeto da escola até a casa).
• Escolha de quem fará o papel dos personagens mencionados na narrativa (representados pelos próprios alunos ou por objetos ou bonecos que os representem).
• Escolha do aluno (ou alunos) que fará o papel do narrador (neste caso, quem lerá a história).
2 Para apoio bibliográfico sobre esta prática que envolve recursos de teatro, veja “Uso de recursos teatrais no contexto escolar” na Bibliografia de apoio.
• No decorrer da leitura, os alunos que representam o(s) personagem(ns) se movimentarão pelos cenários delimitados, o que determinará as ações no tempo e no espaço (quando e onde).
• Os diálogos entre os personagens sempre acontecem na casa e na escola. Os alunos que os representarem podem ou não ler os diálogos. Uma alternativa é que alunos que não participam da cena leiam para os que estão atuando.
• Comente sobre a ocorrência dos diálogos; o discurso direto é um dos elementos constitutivos da narrativa desse livro, ainda que em menor proporção.
A compreensão dos elementos que constituem a narrativa ficcional, bem como o encadeamento dos fatos que constituem o enredo, trará um aprofundamento da leitura desse e de outros livros, criando repertório para leituras mais elaboradas e complexas.
Questão de linguagem – a linguagem literária e as figuras de linguagem
A linguagem literária tem um “jeito bonito” de juntar as palavras, como faz o poeta. É assim que fala o menino Tui.
Nesse jogo com as palavras, o poeta se vale das figuras de linguagem, que são recursos para ampliar as ideias, os sentidos do que se pretende expressar.
Por exemplo: para dizer que alguém é muito insensível, podemos usar a palavra pedra – Ela tem um coração de pedra.
São comparações e metáforas. Dessa maneira, o sol ferve e saracoteia, o menino venta e carrega água na peneira.
Pode-se, também, brincar com a sonoridade das palavras, criando efeitos surpreendentes, como versos que repetem uma mesma consoante. Por exemplo: No solo seco/a gente seca, /só se sente /sede...
Trata-se de um recurso que potencializa sons e sentidos. Os trava-línguas infantis recorrem também a essa “brincadeira”: O rato roeu a roupa do rei de Roma.
Explorar as figuras de linguagem com os alunos dará a eles a oportunidade de se expressarem e se aprofundarem na compreensão da escrita literária, aprimorando suas próprias produções.
Conduzindo a prática
• Propor exercício de criação de metáforas a partir de palavras escritas pelo professor em tiras de papel e depositadas em uma caixa ou cesta.
• Em pares, os alunos escolhem duas palavras extraídas do texto e sugeridas a seguir e tentam construir a metáfora. Pode-se, também, deixar a livre associação de ideias.
Cabeça /coração /pensamento /sede Nuvens /ventania /noite /chuva /vento
Sol /calor /Lua /escuridão /ar /madrugada
Manhã /Primavera /caminho /sonho
Livro /poesia /histórias /palavra
• Alguns exemplos de metáforas: Minha cabeça é uma gaveta de poemas. As nuvens no céu são bandos de carneiros. O vento é o espirro do sol. Poesia é vento fresco em dia de calor.
• Confeccionar cartazes ou filipetas com as metáforas feitas e afixá-las na sala de aula e em outras dependências da escola.
Compreendendo a presença do poético no gênero narrativo
Foi ele que escreveu a ventania é um conto, ou seja, um texto narrativo. Mas como o personagem principal ama a poesia e o livro homenageia um poeta que existiu de verdade, alguns poemas fazem parte integrante da narrativa. Muitas vezes, um poema é reconhecido e entendido como tal quando há rima entre as palavras; porém, existem poemas cujos versos não se conversam em rimas, mas por outros recursos de linguagem, como a repetição.
Veja o poema Brincadeira3, da autora Márcia Leite:
Curumim
Peteca
Curumim
Peteca
Curumim
Peteca!
Ei! Posso brincar também?
No poema acima, a repetição das palavras Curumim e Peteca foi o recurso que a autora utilizou para reproduzir o movimento que se repete durante a brincadeira da peteca.
Já no poema a seguir, do livro de Rosana Rios, outro foi o recurso utilizado, conforme já mencionamos acima, pela repetição de consoantes e vogais sibilantes.
O sol saracoteia
lá no céu
No solo seco a gente seca,
Só se sente
sede...
3 Leite, Márcia. Poeminhas da Terra. São Paulo: Editora Pulo do Gato, 2016.
Além do poema rimado e do poema com versos livres, há a narrativa poética.
No livro Foi ele que escreveu a ventania, a homenagem ao poeta Manoel de Barros leva-nos ao universo do “jogar” com as palavras criando novos significados. Esse poeta das “coisas desimportantes” dizia: “minhocas arejam a terra, poetas, a linguagem.”.
Com suas falas, aproximou-se do universo infantil.
Conduzindo a prática
a) Sarau “Eu sou da poesia”
• Organização do espaço: com caixas de leite ou suco Tetra Pack previamente embaladas em papel Kraft, construa, com seus alunos, uma espécie de muro, escrevendo com caneta hidrocor os versos do poema encontrado por Tui a caminho da escola.
• Fazer uma roda de versos com o tema: “Eu sou da poesia”, em alusão ao “Quero ser o menino da poesia”, do poema de Tui.
• Memorizar poemas e compartilhá-los em um sarau escolar.
• A escolha do poema a ser apresentado pode acontecer com base em uma pesquisa realizada em livros da biblioteca escolar (ou pública), da sala de leitura, da classe, ou mesmo por meio do resgate de memória de pessoas entrevistadas pelos alunos, dentro ou fora da escola (uma quadrinha, uma letra de música, uma parlenda etc.).
• Pesquisar poemas de Manoel de Barros e de outros poetas.
• Buscar na internet poemas musicados de Manoel de Barros4 e outras referências que constam da Bibliografia de apoio.
b) Poemas fora do papel
O poema que Tui copiou em seu caderno estava pichado num muro da rua.
Converse com os alunos se já viram “arte de rua”. Na sua cidade aparecem trabalhos de artistas de rua? Textos escritos? Desenhos? Pinturas enormes? Procure informações em: https://brasilescola.uol.com.br.
Já ouviu falar em Eduardo Kobra5, em Nina Pandolfo6 e nos dois irmãos que assinam Osgemeos7? Viu algum trabalho deles? Você pode pesquisar na internet usando esses nomes como palavras-chave. Eles são representantes da arte de rua brasileira.
4 Como os disponíveis em http://crianceiras.com.br/manoel-de-barros/videos. Acesso em 22.dez.2021.
5 Eduardo Kobra (nascido na cidade de São Paulo, em 1975). Site oficial: https://www.eduardokobra.com Acesso em 30.nov.2021.
6 Carina Aparecida Arsênio Pandolfo, conhecida como Nina Pandolfo (nascida em Tupã – SP, em 1977). Site oficial: www.ninapandolfo.com.br . Acesso em 30.nov.2021.
7 Osgemeos são dois irmãos nascidos em 1974, na cidade de São Paulo, cujos nomes são Otávio e Gustavo Pandolfo. Site oficial: http://www.osgemeos.com.br/pt . Acesso em 30.nov.2021.
• Se houver disponibilidade, pode-se propor aos alunos que fotografem muros com poesia e arte no seu entorno ou que, como Tui, anotem poemas e “dizeres” que são escritos nos muros e em outros locais públicos e que considerem interessantes, filosóficos ou poéticos.
Lendo imagens, ampliando visões de mundo
Lemos o mundo – com nossa mente, sentimentos, experiências, corpo, enfim, como seres inteiros. E o mundo está aí para ser lido, sob várias formas. É importante desenvolver a capacidade leitora nos mais diversos sentidos.
Conduzindo a prática
• Organização do espaço: O espaço criado na atividade anterior pode ser aproveitado e, se desejar, aprimorado com novas inscrições de textos e imagens.
A seguir, algumas perguntas que podem provocar uma boa conversa, com base na observação das imagens:
• O que esta ilustração conta para você? Converse com seus colegas sobre as impressões deles sobre esta imagem.
• Na cena a seguir, Tui está deitado, com o corpo dividido em dois planos de cores. Um olho está aberto e outro, fechado. Como você lê essa cena? Afinal, ele está dormindo ou está acordado? O que seus colegas pensam sobre a ilustração? As leituras são semelhantes ou diferentes?
• Nas ilustrações do livro como um todo, quais elementos presentes na formação da cultura brasileira você identifica?
• O texto da página 9 diz – “a mãe [...] beijou o filho”. Na página 10, o beijo é representado por meio de imagens.
• A ilustração é simples ou rica em detalhes? Qual registro, o escrito ou o visual, oferece mais elementos para a percepção da relação entre mãe e filho?
• Na imagem da página 10, que figura se forma entre o rosto da mãe e do filho? Será que houve uma intenção por parte do ilustrador?
Aprofundamentos
Em razão da multiplicidade de sentidos que a obra de Rosana Rios e Mauricio Negro suscita, há possibilidade de aprofundamento de pesquisas e discussões. Seguem aqui algumas sugestões:
• a intervenção urbana e seus limites;
• a arte de rua;
• o muro como suporte.
As atividades sugeridas em “Depois da leitura” contemplam as seguintes habilidades descritas na BNCC:
(EF35LP29) Identificar, em narrativas, cenário, personagem central, conflito gerador, resolução e o ponto de vista com base no qual histórias são narradas, diferenciando narrativas em primeira e terceira pessoas.
(EF35LP03) Identificar a ideia central do texto, demonstrando compreensão global.
(EF35LP05) Inferir o sentido de palavras ou expressões desconhecidas em textos, com base no contexto da frase ou do texto.
(EF35LP18) Escutar, com atenção, apresentações de trabalhos realizadas por colegas, formulando perguntas pertinentes ao tema e solicitando esclarecimentos sempre que necessário.
(EF35LP27) Ler e compreender, com certa autonomia, textos em versos, explorando rimas, sons e jogos de palavras, imagens poéticas (sentidos figurados) e recursos visuais e sonoros.
O LIVRO E A LITERACIA FAMILIAR
A leitura faz parte da vida de todas as pessoas, mesmo que elas não saibam ler e escrever o código escrito. É evidente que o estímulo dos ambientes, com livros, jornais e revistas, tem muita importância no processo de letramento das crianças. Já dissemos que livros são vias de encontros. Em qualquer situação, é importante a participação da família ou dos adultos de referência para as crianças no que diz respeito ao compartilhamento de livros, leituras e experiências com vocabulário. A esse compartilhamento chamamos literacia familiar.
Para o Ministério da Educação8, as práticas de literacia familiar “estimulam desde cedo a leitura de forma lúdica e participativa, o que faz as crianças chegarem mais preparadas aos anos iniciais do ensino fundamental, além de fortalecer o vínculo familiar”. Mesmo a estrutura familiar e a possibilidade dos responsáveis de participarem nas atividades escolares serem variáveis, esperamos ser possível estimular o apoio familiar para atividades de leitura.
Sugerimos, a seguir, algumas atividades envolvendo as famílias.
• Pedir às crianças que solicitem em casa quadrinhas, poemas, canções que os adultos saibam de memória; trazer para a escola e compartilhar com os colegas no Sarau.
• Pedir às crianças para contarem a história de Tui para a família a fim de que, todos juntos, reproduzam, com recortes de revistas e/ou desenhos, passagens do texto.
• Propor jogos de palavras entre adultos e crianças:
1 – Brincar com a sonoridade das palavras – sede combina com parede; seco combina com beco; ventania combina com sinfonia.
2 – Que nome existe dentro de semAna? Como um Gato pode virar um Rato? Quem faz uma lista de palavras com a letra V (ou qualquer outra letra) em 1 minuto? (vitória, vadio, vento, ventania, voo, vassoura...).
• Buscar livros de poemas com a ajuda dos pais, em casa, bibliotecas ou centros de cultura.
8 http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/literacia-familia . Acesso em 30.nov.2021.
SOBRE A AUTORA DESTE
MATERIAL DIGITAL DO PROFESSOR
Stela Maris Fazio Battaglia é professora com formação em História, com Mestrado e Doutorado na área de Linguagem e Educação pela USP. Atuou em salas de aula e bibliotecas escolares. Por muitos anos, fez parte da equipe de resenhadoras de obras infantis e juvenis na Biblioteca Monteiro Lobato, para constituição da Bibliografia Brasileira de Literatura Infantil e Juvenil, ligada à Secretaria Municipal de Cultura da cidade de São Paulo. Adaptou obras clássicas para crianças. Atua em projetos de formação de mediadores de leitura, desde 1999. É professora no curso de pós-graduação de A Casa Tombada, vinculado à Faculdade de Conchas. Realiza leitura crítica de obras dirigidas a crianças e jovens.
BIBLIOGRAFIA DE APOIO
• DOCUMENTOS OFICIAIS
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/abase/#infantil/. Acesso em 10.maio.2021.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Alfabetização. PNA: Política Nacional de Alfabetização/ Secretaria de Alfabetização. Brasília: MEC, Sealf, 2019.
PORTAL MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (MEC) http://portal.mec.gov.br/component/ tags/tag/literacia-familiar. Acesso em 15.maio.2021.
• GERAL
ANDRUETTO, María Teresa. Por uma literatura sem adjetivos. São Paulo: Pulo do Gato, 2012.
CUNHA, Leo. Vamos folhear a poesia! In: GOMES, Alexandre de Castro; BARRETO, Cíntia (org.). Literatura infantil e juvenil: aprendizagem e criação. Divino de São Lourenço: Semente Editorial, 2021.
MANGUEL, Alberto. Lendo imagens. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
MONTES, Graciela. Buscar indícios, construir sentidos. Salvador: Selo Emília e Solisluna Editora, 2020.
RAMOS, Graça. A imagem nos livros infantis – caminhos para ler o texto visual. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.
• POESIA
AGUIAR, Vera; ASSUMPÇÃO, Simone; JACOBY, Sissa (coordenadoras). Poesia fora da estante. Ilustrações de Laura Castilhos. Porto Alegre: Editora Projeto, 1998.
AZEVEDO, Ricardo. Dezenove poemas desengonçados. São Paulo: Ática, 1998.
CALCANHOTTO, Adriana (organização e ilustrações). Antologia ilustrada da poesia brasileira para crianças de qualquer idade. Rio de Janeiro: Edições de Janeiro, 2014.
CORALINA, Cora. Melhores poemas. Coordenação de Darcy França Denófrio. São Paulo: Global, 2014.
DEBUS, Eliane (organizadora). Triolé, triolé, poemas de Cruz e Souza vamos ler. Ilustrações de Annelise Zimmermann. Florianópolis: Editora Cruz e Souza, 2021.
MEIRELES, Cecília. Cecília de bolso. Seleção de Fabrício Carpinejar. Porto Alegre: L&PM, 2008.
OBERG, Silvia (organizadora). Um livro pra gente morar. Ilustrações de Daniel Cabral. Curitiba: Editora Positivo, 2018.
• USO DE RECURSOS TEATRAIS NO CONTEXTO ESCOLAR
BARCELOS, Helena. Desenvolvimento da Linguagem Teatral da Criança. Revista de Teatro da Sbat - Seminário de Teatro Infantil. Serviço Nacional de Teatro. Rio de Janeiro: MEC, 1975. Disponível em: Centro Brasileiro Teatro para a Infância e Juventude (cbtij.org.br). Acesso em 10.dez.2021.
GRAZIOLI, Fabiano Tadeu (organizador). Teatro infantil: história, leitura e propostas. Curitiba: Editora Positivo, 2015.
KOUDELA, Ingrid Dormien. Jogos teatrais. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001.
LOPES, Joana. Teatro, educação tridimensional. Revista de Teatro da Sbat – Seminário de Teatro Infantil. Serviço Nacional de Teatro. Rio de Janeiro: MEC, 1975. Disponível em: Centro Brasileiro Teatro para a Infância e Juventude (cbtij.org.br). Acesso em 10.dez.2021.
• RECURSOS DISPONÍVEIS NA INTERNET SOBRE MANOEL DE BARROS E SUA OBRA
Crianceiras, site do projeto. Acesso em 30.nov.2021.
Manoel de Barros – O Livro das Ignoranças, Mundo Pequeno e Autorretrato – YouTube. Manoel de Barros lê poema de sua autoria e se apresenta. Acesso em 30.out.2021.
historias da unha do dedao do pe do fim do mundo - YouTube. Vídeo integrante da exposição “Arte para crianças”. Acesso em 30.nov.2021.
Manoel de Barros – Menino do mato (stop motion) – YouTube – Curta-metragem feito em stop motion. Acesso em 30.nov.2021.