A CULTURA POP S
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SAI DO ARMĂ RIO
Conversamos com o elenco de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, o filme brasileiro que levou a homossexualidade ao protagonista e deu um salto importante na luta contra o preconceito por Raquel Temistocles AGOSTO+Monet+65
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HÁ SEIS MESES, MILHÕES DE PESSOAS SE reuniram para assistir ao último capítulo da novela Amor à Vida e ao primeiro beijo homossexual entre dois personagens masculinos na televisão brasileira. A comoção foi tanta que parecia final de Copa do Mundo. Prova de que um simples beijo entre dois homens ainda é um tabu a ser quebrado no século 21. É nesse cenário que o diretor Daniel Ribeiro conquistou a crítica e o público adolescente com o filme Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, que chega este mês à TV. Originado do curta-metragem de 2010, Eu Não Quero Voltar Sozinho (que já bateu a marca dos 3,5 milhões de visualizações no YouTube), o longa recebeu da Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica o prêmio de melhor filme da seção Panorama do Festival de Berlim no início do ano. O reconhecimento marca não só uma vitória para a comunidade LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros), mas também um amadurecimento do público, que abriu as portas de casa para narrativas de qualidade, independentemente do seu conteúdo. Já se pode dizer que, no Brasil, 2014 foi o ano em que a cultura pop saiu do armário. HOJE EU QUERO VOLTAR SOZINHO I DIA 5, TERÇA, 20H10, TELECINE PREMIUM, 161 E 661 (HD)
Primeiros passos – Leo (Ghilherme Lobo) vive a adolescência em sua fase mais perturbadora: a da descoberta da sexualidade. Na primeira foto, em cena com Gabriel (Fabio Audi); abaixo, aprendendo a fazer a barba com o pai (Eucir de Souza); em uma festa com amigos; na última foto, Leo finalmente se impõe contra os garotos que o incomodam na escola
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“Há dez, 15 anos, a gente tem visto muitos filmes em que esses personagens já são destaque. O Madame Satã, por exemplo, do Karim Aïnouz, que é de 2002, traz Lázaro Ramos no papel de um homossexual. Nas telenovelas isso é um pouco mais recente, mas praticamente toda novela tem um personagem gay, e ultimamente ele tem ganhado forças, e às vezes até rouba a luz dos protagonistas. A sociedade está com necessidade de falar sobre isso. A minha intenção era que o filme ajudasse [a quebrar esse tabu]”, conta o diretor Daniel Ribeiro em entrevista exclusiva à MONET. Para o ator Fabio Audi, estamos no momento de abordar a questão da homossexualidade, ainda mais em uma época em que a informação está mais acessível a todos. “A sociedade, pela primeira vez, está discutindo. Antes, não só os gays estavam no armário, mas os preconceituosos, os homofóbicos, também. Nos últimos anos, a gente entrou em uma discussão pública sobre isso. Acho que os dois lados estão se colocando, tanto o lado religioso, quanto o lado do movimento a favor da liberdade e da igualdade”, comenta o ator, que interpreta Gabriel no filme. Protagonizado por Ghilherme Lobo, Fabio Audi e Tess Amorim, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho conta a história de Leo, um garoto deficiente visual que vive os conflitos da adolescência e se apaixona por Gabriel. Apesar da temática homossexual, ela não é o foco do filme e, talvez, essa seja a explicação do sucesso. “[O filme] fala sobre o amor entre dois jovens. Tem uma coisa inocente, pura. Está falando de amor. E é difícil você ir contra o amor. É mais fácil você ter preconceito contra a questão sexual, mas ao ver dois garotos jovens que estão se descobrindo apaixonados e descobrindo o amor, é difícil ser contra”, explica Ribeiro. PARA VER E SENTIR – É na ingenuidade dos personagens que Hoje Eu Quero Voltar Sozinho põe em evidência o fato de que a atração física não necessariamente está relacionada à estética e ao gênero. E é no papel de um protagonista deficiente visual que se apaixona pelo garoto novo da escola que isso se confirma. “Lembro que um dia eu estava tentando
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VIVA A DIVERSIDADE
> Em As Vantagens de Ser Invisível, Patrick (à esquerda de Emma Watson) é um garoto que sofre com o relacionamento secreto com um jogador do time de futebol americano da escola
“[O filme] fala sobre o amor entre dois jovens. Tem uma coisa inocente, pura. Está falando de amor. E é difícil você ir contra o amor” – Daniel Ribeiro resgatar na minha memória quando foi a primeira vez que me senti atraído por um outro corpo. E me lembro que era a capa de um disco. Saí perguntando para algumas pessoas, e todo mundo tinha uma memória visual, ou de algum ator ou atriz, ou de um pôster de alguém. E aí me perguntei qual seria esse primeiro estímulo para um cego”, conta o diretor. Os estímulos são os mesmos para qualquer adolescente, seja o toque na mão ou o perfume do amado. Independentemente da orientação sexual, situações como a briga com os pais e o bullying na escola fazem com que o filme cause identificação com o público. “Acho que o Daniel conseguiu nesse roteiro desproblematizar a homossexualidade. Ele conseguiu fazer com que essa não fosse a questão principal, e sim a busca do Leonardo pela independência. Em momento nenhum a homossexualidade aparece como um conflito real. Se fosse uma relação heterossexual, a questão seria parecida”, afirma Ghilherme Lobo, que faz o personagem principal. “Acho que [o filme] passa uma mensagem de respeito e tolerância, de aceitação. De não buscar aceitar e respeitar o outro pelo que vocês têm em comum, mas aceitar e respeitar o outro pelo que vocês têm de diferente”, completa o ator. Com uma trilha sonora que vai de Belle & Sebastian a David Bowie, realmente fica difícil não se apaixonar pela história e perceber que é hora de abrir as portas do armário para deixar o amor entrar.
Confira outros personagens que também quebraram barreiras e preconceitos na televisão e no cinema
> Na série Downton Abbey, o vilão Thomas Barrow é um dos mordomos do casarão da família Crawley e quase foi descoberto quando tentou conquistar o empregado novato Jimmy Kent
> O ator Chris Colfer ganhou um Globo de Ouro pela atuação como Kurt na série Glee, um garoto que sofria bullying na escola, mas venceu o preconceito e assumiu a homossexualidade
> A série Looking chegou neste ano com Jonathan Groff no papel principal e acompanha o dia a dia de um grupo de amigos gays que buscam amor em São Francisco
> A primeira temporada da série britânica Skins trouxe o personagem Maxxie Oliver (Mitch Hewer), um adolescente homossexual assumido apaixonado por dança
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