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Lista Pet: o uso de animais silvestres como animais de estimação

A criação de animais silvestres mostrou-se presente desde a chegada dos portugueses à Terra de Santa Cruz, isto é, ao Brasil

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Texto: Deputado Federal Ricardo Izar (Progressistas – SP)

DEPUTADO FEDERAL RICARDO IZAR

Economista, coordenador para o Sudeste da Frente Parlamentar em Defesa do Consumidor de Energia Elétrica e membro da Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara Federal, Presidente da Frente Parlamentar de Habitação e Desenvolvimento Urbano, Presidente da Frente Parlamentar em Defesa dos Animais, Membro do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados

Sabe-se que indígenas nativos já possuíam em seu vocabulário um termo denominado xerimbabo, que signifi ca “animal de criação ou estimação”. Tal comportamento - o de manter animais silvestres sob cativeiro e proximidade - parece ter sido desde então hábito assimilado pelos brasileiros. De lá para cá, papagaios e outros animais foram levados para o resto do mundo e seu aprisionamento, infelizmente, tem perdurado. É preciso que se diga que este hábito (ter animais silvestres como animal pet) envolve invariavelmente a captura de animais da natureza, sua manutenção em condições precárias e o fomento do comércio de espécies excêntricas que despertem interesse num público alvo.

Devemos repetir à exaustão que a persistência histórica de um fato ou comportamento não chancela, por si só, a moralidade do ato propriamente dito. Se assim fosse, deveríamos referendar a destruição da mata atlântica, o massacre de indígenas, o tráfi co negreiro no oceano atlântico, o massacre das baleias, o antissemitismo, o regime de apartheid na África do Sul, as ações nazistas, entre inúmeras outras atitudes humanas deploráveis perpetuadas ao longo de sua história. Fiz questão de colocar ações cometidas contra a natureza ao lado de ações contra a humanidade como forma de lembrar que, passados os anos, usualmente nos arrependemos de atos que foram cruéis ou injustos com nossa espécie – mas somos lenientes quando o crime é cometido contra não-humanos. Não raro, comportamentos considerados legítimos e legais, praticados em determinado local ou momento da história, uma vez submetidos a uma refl exão ética, acabam por ser relegados à vergonha e ao esquecimento.

A livre captura de animais silvestres no Brasil era liberada até o advento da Lei nº 5.197/67, momento este em que a fauna silvestre passou a ser bem pertencente ao Estado. A partir de então, a posse de espécies como papagaios, araras, entre outros, estaria condicionada a ter sua origem vinculada a criadouros autorizados. Essa foi uma tentativa do Estado brasileiro de acabar com a captura indiscriminada de animais na natureza e oferecer ao cidadão a opção de adquiri-los legalmente. Agora, no ano 2021, passados mais de 50 anos, temos a prova concreta de que a proposta não foi sufi ciente para coibir a guarda ilegal de animais, haja vista o tráfi co de animais silvestres ter prosperado frente à possibilidade de compra desses mesmos animais em criadouros e lojas autorizadas.

Podemos afi rmar sem medo de errar que a política de ofertar animais de origem legal como alternativa ao tráfi co falhou de forma colossal. Aliás, não apenas falhou, como muitas vezes apresenta uma incômoda relação com o tráfi co de animais que assola o país. Essa relação se verifi ca na curiosa coincidência entre as espécies mais trafi cadas da atualidade com aquelas mais criadas pelo segmento amadorístico de reprodução de passeriformes, por exemplo. Além disso, a lavagem de animais capturados na natureza, mediante fraude de seus documentos de origem e seu sistema de marcação, tem se mostrado prática corrente.

Esta falência da política de criação comercial de animais não deve, porém, acobertar a real e necessária discussão so-

bre o tema: é correto manter em cativeiro animais da fauna silvestre? A resposta é claramente não. Não existe lógica em manter em cativeiro animais que podem viver em liberdade. À fauna doméstica devemos proporcionar abrigo, proteção, adoção e guarda responsável, mas para a fauna silvestre podemos propiciar algo ainda melhor: a sua liberdade. Pensando nesse cenário, protocolei projeto de lei de minha autoria (PL nº 4.705/2020) que proíbe a criação de animais silvestres com objetivo comercial. Porém, até que este projeto de lei tramite pelo Congresso, não devemos menosprezar a situação em que milhões de animais silvestres se encontram hoje em cativeiro. Daí decorre a importância de discutir o assunto “Lista Pet”.

Lista Pet é o apelido dado à lista de animais silvestres nativos que poderiam ser criados como animais de estimação. A referida lista foi proposta pela Resolução Conama nº 394/2007 e estabelece os critérios a serem considerados para a determinação das espécies da fauna silvestre brasileira cuja criação e comercialização poderia ser permitida como animais de estimação. A resolução determinava que o IBAMA deveria elaborar a tal lista. Apesar de tal lista ter sido proposta, acabou não sendo editada e hoje encontra-se em discussão no Ministério do Meio Ambiente com representantes do IBAMA e dos órgãos estaduais de meio ambiente.

Sem discutirmos a formatação de uma Lista Pet, associado à passagem da gestão de fauna para os órgãos estaduais de Meio Ambiente – OEMA em 2011, corremos o risco de enfrentarmos 27 autorizações distintas a depender do estado ou do Distrito Federal. Também corremos o risco de que um técnico autorizado libere para domesticação, como animal de estimação, uma espécie tão absurda como, por exemplo, um jacaré-açu. Não nos esqueçamos que hoje já existem criadouros autorizados e que vendem animais silvestres no Brasil. Assim, a discussão de uma Lista Pet deve ser cogitada até que tramite o PL nº 4.705/2020 em sua plenitude. Mas esta precisa ser obrigatoriamente elaborada com base em critérios técnicos e sem a interferência de interesses políticos ou econômicos advindos dos próprios criadores – afinal, a Lista Pet é uma norma ambiental, não comercial. Dentre os critérios propostos pela resolução Conama nº 394/2007, podemos agrupá-los em segurança contra acidentes causados pelos animais, segurança contra abandono ou fuga e o subsequente risco iminente para ecossistemas, segurança contra zoonoses e segurança à manutenção do bem-estar dos animais. Preocupa muito, contudo, que na atual discussão desses critérios o tópico bem-estar dos animais tenha sido suprimida. Um absurdo! Ao suprimir o critério do bem-estar dessa discussão, uma espécie poderá ser incluída na Lista Pet sem que haja real possibilidade de serem implementadas as condições mínimas para sua manutenção em cativeiro - por exemplo, a manutenção de um papagaio mantido em gaiola onde este não possa voar.

A Lista Pet aparenta legitimar a exploração comercial de espécies silvestres, contudo, é importante reconhecer que esta legitimação já existe em virtude da Lei nº 5.197/67. Assim, a Lista Pet, se elaborada com base em critérios técnicos, limitará quantitativamente as espécies que poderão ser exploradas e, principalmente, se forem adotados critérios de bem-estar animal, poderemos garantir a estes animais o mínimo de condições para que estes vivam em cativeiro. Friso que a abolição do cativeiro e da criação comercial desses animais não deixa de ser a meta perseguida. Nesse interim, não podemos abandonar a luta por melhores condições daqueles que, infelizmente, já estão enjaulados à revelia. 

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