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BELÉM, QUINTA-FEIRA, 23 DE JULHO DE 2015
TRABALHO E RENDA RESPONSABILIDADE SOCIAL
UFPx TI. Página 7.
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ROSÂNGELA MAIORANA KZAN
25 ANOS Especialistas defendem papel do Estatuto na garantia de direitos
DIVULGAÇÃO
ECA é essencial para crianças e jovens “O Brasil cuida bem das crianças, mas vive uma situação de violência”
ANNA PERES Da Redação
para ser adotada dentro do perfil desejado. Medidas mais recentes, como a aprovação da “Lei Menino Bernardo” ou “Lei da Palmada” e as eleições para conselheiros tutelares, também são desdobramentos do ECA.
“O
ECA trata de tudo, desde a gestação da criança até os 18 anos de idade. A gente não tem que confundir o ECA e todo o bem que ele tem feito e o ambiente geral no Brasil [de preocupação com a violência]”. A afirmação é do representante do Unicef no país, Gary Stahl, e soa quase como um apelo à importância do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em um momento em que as comemorações por seus 25 anos é ofuscada por propostas de mudanças como a redução da maioridade penal. Para celebrar a data, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) lançou, na semana passada, o relatório #ECA25anos, uma compilação de dados e resultados que demonstram os avanços do Brasil na garantia de direitos e adolescentes a partir de julho de 1990,quando o estatuto foi promulgado. Entre os muitos aspectos positivos apontados pelo relatório estão a redução, em 64%, da evasão escolar de crianças e adolescentes no ensino fundamental e, em 24%, das mortes de crianças até um ano de idade. Mas também há desafios, como o combate ao trabalho infantil que ainda explora 1,3 milhão de crianças entre 5 e 15 anos, e o homicídio de adolescentes que cresceu 110% entre 1990 e 2013. “O Brasil cuida bem das crianças, mas está vivendo uma situação de violência muito séria que precisa de uma resposta”, observou Stahl. No Pará, o presidente da Comissão de Defesa de Direitos da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/PA), Ricardo Melo, defende que o ECA foi essencial na melhoria dos indica-
O ESTATUTO
Para o advogado Ricardo Melo, o Estatuto foi essencial na melhoria dos indicadores relacionados à infância
dores relacionados à infância. “Com base no que garante o Estatuto ficou mais fácil para que a própria sociedade, além de instituições como o Ministério Público, cobrem, do estado, políticas públicas voltadas para garantir os direitos de crianças e adolescentes, sobretudo no que diz respeito à saúde e educação”, acredita. O levantamento feito pelo Unicef, com base em dados do Ministério da Saúde, por exemplo, mostra que a taxa de mortalidade de crianças de até um ano de idade passou de 50 para cada mil nascidas vivas, no final da década de 1990, para 12 atualmente. O número se aproxima do previsto pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que são 10 mortes para cada mil nascimentos. A redução da mortalidade infantil estaria relacio-
nada às previsões do estatuto, que tratam do direito à saúde, do atendimento à gestante, da prioridade que deve ser dada à saúde da criança, ao pré-natal e aos cuidados no pós-parto. Enquanto em 1995, 10,9% das gestantes não tinham acesso a nenhuma consulta pré-natal, em 2011, o percentual caiu para 2,7%. No mesmo período, o quantitativo de grávidas que fizeram sete ou mais consultas passou de 49% para 61,8. Na avaliação do Unicef, em termos de mortalidade infantil, os efeitos do ECA fizeram com que o Brasil obtivesse melhores resultados que os vizinhos da América do Sul e que o países desenvolvidos. Isso ocorreu também em relação à taxa mundial. Enquanto o Brasil passou de 51,4 mortes de crianças menores de um
ano para cada mil nascimento para 12,3 segundo a ONU, os países da América Latina registraram 42,7 para 15,2, os países em desenvolvimento, 68,9 para 36,8 e a taxa mundial passou de 62,7 para 33,6. Na educação, conforme dados do Ministério da Educação (MEC), mais de 98% das crianças estão matriculadas no ensino fundamental e 85% dos adolescentes têm acesso ao ensino médio. Esse aumento quantitativo é apontado como consequência da atuação dos conselhos tutelares, criados pelo estatuto, das entidades da sociedade civil, que passaram a exigir vagas com base no que prevê o ECA quanto ao dever do Estado de garantir a educação para essa parcela da população. Entre 1990 e 2013, o país reduziu em 64% a evasão
escolar de crianças e adolescentes no ensino fundamental, passando de 19,6% dos alunos matriculados para 7%. Já a taxa de analfabetismo na faixa entre 10 e 18 anos de idade, passou de 12,5% para 1,4% no mesmo período. Uma redução de 88,8%, conforme dados do Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (Pnad). Outra conquista do ECA foi o aperfeiçoamento do sistema nacional de adoção. Já que as regras estabelecias pelo estatuto melhoram a preparação das famílias interessadas na adoção, além de acelerar o processo. Foi a partir do ECA que se criou o Cadastro Nacional de Adoção em sintonia com os cadastros estaduais. Com isso, famílias interessadas em adotar podem consultar, regional ou nacionalmente, se tem uma criança
Aprovado em 13 de julho de 1990, o estatuto foi criado para reforçar que a responsabilidade de proteção integral das crianças e adolescentes até os 18 anos deve ser compartilhada entre a família, o Estado e a sociedade. “Essa garantia já estava assegurada na Constituição Federal, promulgada dois anos antes, o ECA veio dar o contorno e estabelecer como isso deveria ser feito”, explicou Melo. O artigo 227 da Constituição de 1988 estabelece que é dever da família, da sociedade e do Estado “assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Para os defensores do ECA a legislação criada há 25 anos alinhou o país aos princípios da Convenção Internacional dos Direitos da Criança da Nações Unidas. “Um ano antes, o Brasil havia assumido esse compromisso, na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança”, explicou. A convenção foi realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1989, e boa parte do texto do estatuto se baseia nessa convenção e na Declaração Universal dos Direitos da Criança, de 1979.
Se por um lado o Brasil melhorou indicadores importantes relacionados à infância e juventude a partir do ECA, por outro o estatuto ainda precisa vencer desafios significativos como o enfrentamento à violência envolvendo adolescentes. “Apesar do país, hoje, discutir muito mais a violência cometida por jovens, eles é que são as maiores vítimas”, defende Melo. Conforme o relatório do Unicef, com base nos dados do Ministério da Saúde, 28 crianças e adolescentes foram assassinados por dia em 2013. A taxa de homicídios de adolescentes cresceu 110% entre 1990 e 2013, passando de 5 mil para 10,5 mil casos por ano. “Também não podemos esquecer que o adolescente que se envolve em atos de violência quase sempre apresenta um histórico de violações de direito”, ressalta o advogado. A questão da violência – mas apenas aquela cometida por adolescentes – está no centro de todas as discussões que pretendem alterar o estatuto atualmente. A principal delas relacionada à redução da maioridade penal. “Precisamos de políticas públicas que assegurem, no caso dos adolescentes, educação de qualidade e profissionalização”, defende a juíza Mônica Maciel, titular da Vara da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Estado (TJE), que condena a mudança. Melo, da OAB/ PA, diz que a discussão em curso no Legislativo atualmente reflete a ausência do
RICARDO LIMA / TJE
Estatuto precisa vencer o desafio da violência envolvendo adolescentes Confira alguns dos avanços atribuídos ao ECA nos últimos 25 anos Evasão escolar no ensino fundamental
Mortalidade infantil de menores de 1 ano
1990
19,6%
47 por 1 mil nascidos vivos
7%
1990
2013
Analfabetismo entre 10 e 18 anos de idade
2011
15 por 1 mil nascidos vivos
Acesso a consultas de pré-natal
1995
12,5%
10,9% sem nenhuma consulta
1990
1,4% 2013
2011
2,7% sem nenhuma consulta
Taxa de vacinação contra poliomielite 96,6%
58,2%
1990
2013
Trabalho infantil
1992
5,4 milhões de crianças entre 5 e 15 anos
2013
1,3 milhão de crianças entre 5 e 15 anos
Juíza Mônica Maciel é contra redução da maioridade FONTE: RELATÓRIO #ECA25ANOS (UNICEF)
poder na implementação do ECA. “Precisamos avançar, por exemplo, para a garantia de um orçamento prioritário voltado para a infância e juventude.” Também estão entre os desafios apontados pelo relatório do Unicef o combate ao trabalho infantil. Apesar
de a prática ter apresentado uma queda de 73,6% entre 1992 e 2013, o país ainda mantém uma elevada taxa de 1,3 milhão de crianças na faixa etária entre 5 e 15 anos sendo exploradas. Assim como a mortalidade de crianças indígenas, que hoje têm duas vezes mais risco de morrer
antes de completar um ano de vida do que as demais crianças do país. O Brasil também precisa reduzir a mortalidade materna, atualmente em 61,5 mortes por 100 mil nascidos vivos, quase o dobro do estabelecido pelos Objetivos do Milênio da ONU, de 35 óbitos por 100 mil nascimentos.
E é igualmente desafiadora a inclusão de 3 milhões de adolescentes pobres, negros, indígenas e quilombolas na escola. “Precisamos atuar para que a sociedade, cada vez mais, exerça esse controle. O fortalecimento dos conselhos de direitos e dos próprios conselhos tutelares, como au-
tonomia e estrutura, também são fundamentais para que a gente continue avançando. Além, é claro, da garantia de recursos exclusivos e prioritários para a área da infância e juventude”, avalia Melo, com uma indicação clara do caminho a ser percorrido nos próximos 25 anos.