Revista Plano B #02

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Enio Multidiversidade musical que chegou aos quatro cantos do Brasil

Turismo Rural Natureza e cultura no interior do estado

Gra fitti A arte que deixou as ruas, ganhou as galerias e transformou vidas

ANO 1  N° 2  Maio 2012




EDITORIA

Certa vez, o saudoso sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, um dos maiores defensores dos direitos humanos no Brasil, quiçá do mundo, afirmara que para um país como o nosso mudar, não dependia da economia, ciência ou poder político. O grande fator de mobilidade seria a cultura. E essas palavras, mais do que nunca, fazem grande sentido quando avaliamos a percepção que hoje o mundo traça sobre nós, os brasileiros. Mas ainda existem aspectos desconhecidos ou, quem sabe, pouco conhecidos da cultura local, que nem mesmo os nativos conhecem.

estava aqui, ao nosso alcance. A primeira edição era a concretização de um sonho que outrora parecia distante. Mas enfim conseguimos. Saímos das águas rasas e mergulhamos fundo nos organismos da cultura local, resgatando personagens, revivendo memórias e construindo novos fatos.

Assim nos sentimos com a chegada do embrião da Plano B às ruas e, porque não dizer, ao leitor. Estávamos apresentando ao universo as descrições mais verdadeiras daquilo que nos fazem baianos. Da música ao teatro. Da fotografia ao circo. Tudo estava enraizado e

Também daremos voz pela primeira vez aos leitores que contribuíram com sugestões, críticas, análises, teorias e bom humor para a nossa publicação. Cada palavra, por mais curta ou simples que seja, serviu de fonte de inspiração para as entrevistas, textos, fotos e ilustrações. Foram nossa força motriz.

Agora, cabe a manutenção desse processo criativo. Nessa segunda edição, traremos o mesmo entusiasmo e a mesma sagacidade que fizeram os leitores suspirarem pela novidade (talvez nem tão nova assim) da cultura alternativa, underground, marginal, contracultura - seja lá o nome que os críticos dão – que está trafegando pelos bairros da capital ou pelas ruas do interior. E iremos além, debruçados sobre as possibilidades e os meios mais eficientes para o desenvolvimento cultural.

Boa leitura!

EXPEDIENTE EDição MAIO 2012 TiragEM 5.000 ExEmplarEs DistRiBuição gRatuita

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PATROCÍNIO Projeto contemplado pelo EDITAL DE APOIO À PUBLICAÇÃO DE PERIÓDICOS 2009


CAPA

MÚSICA

Criatividade no traço do spray: as ruas da capital baiana sob a ótica dos grafiteiros

Maloqueiro com alma artística, Enio declara seu amor pela música baiana.

TURISMO Cultura regional e contato com a natureza são os atrativos do turismo rural.

OPINIÃO

ARTES CÊNICAS

PROFISSÃO

MODA

MUSEU

ENTREVISTA

Fábio Cascadura: novos nomes da música baiana e porque vale a pena ouvi-los.

Companhias teatrais ainda desenvolvem bons espetáculos para a criançada.

Mixagem de som, quando a técnica e a arte andam juntas.

Biojóias une originalidade, materiais orgânicos e conceito de sustentabilidade.

Sem sede definida, Museu do Sexo luta para continuar em funcionamento.

Ana Zalcbergas explica a importância da Caixa Cultural Salvador para o cenário artístico local.

CIDADANIA

planoB indica

PATRIMÔNIO

DESTAQUE

OPINIÃO

Jornal Aurora da Rua promove o resgate social de moradores de rua.

Confira nossas sugestões sobre o que rola pela Bahia.

De origem indígena, a maniçoba é marca registrada do Recôncavo Baiano.

A Plano B também dá voz aos seus leitores. Confira!

Edson Ramos: fomento dos agentes culturais contemporâneos através dos editais.


MÚSICA Enio e a Maloca

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Enio e a Maloca MÚSICA

tExto

MaiaRa BoNFiM

FOTOS

MaRcElo saNtaNa lEO MoNTEIRO

Filho de um cearense e uma paulista, Enio nasceu em São Paulo, mas veio viver e conviver na Bahia. Aqui, se juntou aos "maloqueiros" e criou uma banda. Aos 33 anos, faz questão de lembrar que, além de músico, é pai – sua mais recente e inspiradora experiência: a risonha Liz. Durante a entrevista, faz uma exigência em tom sério: “Pode colocar o nome dela aí!”, e sorri serenamente. Preparando o novo álbum, "Uma Parte do Todo", seis anos depois do disco de estreia, ele diz ter, hoje, os pés no chão. Quando partiu do sudeste brasileiro com sua família, Enio veio morar em um bairro de classe média de Salvador, num condomínio predominantemente residido por brancos. Ainda criança, já conseguia enxergar o que estava a sua volta e criou laços com os meninos da favela do Bate-Facho, que estavam do outro lado do muro. Desenvolveu, assim, uma visão híbrida da vida. “Eu era um cara negro que estava na classe média e só andava misturado com os favelados. Minha mãe falava sempre pra mim: ‘- Enio, pare de andar com esses maloqueiros’”, relembra. Ele cresceu, virou músico e tocou com Netinho, Negra Cor, Alexandre Peixe, Jauperi... Foi daí que tirou seu sustento. Apesar de fazer isso com muito amor, ele tem muito a dizer e, por isso, não poderia ficar calado o tempo todo. Como “Músico também é maloqueiro” (palavras do próprio artista), e lembrando os amigos dos tempos de menino, surgiu a banda independente ‘Enio e a Maloca’. A experiência vivida na infância inspirou o primeiro disco, "Unidade Móvel", lançado em 2006, colocado entre os melhores do ano no cenário musical da Bahia. “Gosto de escrever sobre o cotidiano, as letras das músicas retratam o momento”, afirma Enio. Se no disco de estreia estavam presentes músicas com tom de protesto, agora, seis anos depois, se vê um artista mais tranquilo e convicto de sua arte. Na vida pessoal, ele vive a experiência de ser pai. E diz que já escreveu mais de 30 letras inspiradas na sua pequena Liz. “Estou em um momento da vida que não sou mais tão sonhador. Hoje eu tenho muito 'pé no chão'. Não quero chegar lá na frente sem dar o primeiro passo”, desabafa. Enio explica que a falta de maturidade, não musical, mas para enfrentar o mercado, foi a maior responsável pela lacuna entre o primeiro álbum e o segundo, "Uma Parte do Todo", ainda em fase de produção. “Eu, enquanto artista, tenho dificuldade em transformar a música, que é arte para mim, em produto”, justifica.

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N

em as n ve to ov disco si rgo rno ida as a e nh do des m in o lin a de pr nã ou isce fluê gu m óxim o sã M tra lân nci aja istu o o p po aid co ea as r ba rar dis ou or . “S en isa qu do R ian o r co. “ cas o gu ou e t d e é o p É e m ara c o d ck o l ús qu El ha- feli can alg o se k e e u , o a f o e n em se. z p do ué u t da ma un ica ten o e m k m ' r s B c ã m rv o , a co a o de o nt l iv m u qu bal ack ane o la ter r a lh me loqu est os c er e o s h d ei ava om de o”, ça na m c cre o. N Mu ira o p pau exp ro c n a s e o m s l o s ã Ba nt ou Ci e is e ic a r c m v n p hi or eu o se ”, t tur cus tan ctat se tro rcu em o ai a o C erc a s a s e do O faz ria ent l, s ivo a', ivas fa ja s, a lô, j pol om lém D uss re em , a se en po a l pr : “ ant ão, xe vel exp jud unt ga. d sp od d m E ira u o ssív esc pe poe de rga a, o lor am o c Par odu u t erio vio m r c r a e l d o o r c o e r ã r ou r. a ol m er zid co es ao ve l e ve er p o h e sp r sa m r le “M ar circ tro “Sã des Ma ias o e iPh ass de es do era a o s en d n m a o c g Re q in pa ula na i re ve m h a om um ne! m a ylo r I rs o t ron n Ca tro ue has ra o r e Pit fer ar ry) Te Le c i e e p e u m f e e ê d o r pa sca og stã ef pr m ca ad mC on ro m t ba nc ss e” Se tam du uet o à erê ópr odo ... M ias a p hic ard gra um por vaq , le io e r m a n a s u Jo ar, a”, s, J mi cia um es eu dis rte te o R in mú o so uin h E n t é Se rg si m ho n lis au h s s b se po in d (B eis a M feit m n e, e io c ta, , M a v ão igo s ca nto tas o to and (c do ca . E q o a d , c n ac ari fo um do a E mp apa ue p en tr olo om ag olta e a ”, e mi qu va o Pa res a G ara hu e ou ca s m ary . É go xpl nho rte s re c ) o ran cen adú toc m ti tro eu ed Lo o q ra, ica. s. P é r ara e E , en itor re ea e ar po s d s íd o d rd, ue são m nio tre Ao pov go ta ci sa lme ora de m o q lé f que San as p de o ro olo e es Ba vo me s m nt p es i e c d u os e na m ue z s ela y, p ess rec ck i : Br que ana ê e s a e o v n u o o pa n te em ce dev orq as. onc ter wn cer Sy stá mig ra s m s e r po de so. e se ue “Ho ito nac , Gi alg tem resp os, a eu la’. O c r a me je e , el ion l, C uém , M ira qu nã É b ar utê toc u e ac al. aet . E a nd ea an m gl o: a te n r o go aca fal tic de nh ed o, ou ore i o t L st na a ‘ a. , en tr e a “ al o de ter Fav Eu gum scu que in o e e, fi t 'Tc is m l a a c a hu so ê o fe ma do úsi bi na fav liz ne mu ca ra bi mú ela por ira” ito ro si , r q , n’ ca es ue e ", pe o b ar a re ian ite m at a. a.

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MÚSICA Enio e a Maloca

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Enio e a Maloca MÚSICA

Além das cercas da província Enio esteve presente em grandes projetos como Origem da Terra, Palco do Rock, Festival Brainstorm e Festival de Verão, que projetaram a banda. Recentemente, o grupo foi destacado, em um veículo de porte nacional, como uma das referências da música da Bahia fora do circuito do axé. Animado, Enio garante que é um grande estímulo ter sua música lembrada como algo positivo. Contudo, a falta de atenção local incomoda. “Salvador tem uma cultura provinciana. Tem que vir uma pessoa de fora falar bem para validar o trabalho, embora tenhamos profissionais competentes que o povo baiano poderia respeitar mais”, alfineta. Quando questionado sobre uma possível “nova cena” da música baiana, Enio rebate: “Não é que eu não sou parte disso, mas a gente faz parte de algo bem maior. Enxergo que é a música baiana, a música brasileira”.

Para saber mais, acesse o site ou acompanhe o twitter da banda: www.enioeamaloca.com.br @enioeamaloca

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MÚSICA Enio e a Maloca

Conectado Apurando o olhar para boas oportunidades de negócio, Enio foi um dos primeiros artistas da classe independente a juntar-se a uma grande empresa para realizar uma parceria de sucesso. O “Music Card” possuía um código que permitia baixar uma música da banda na internet e, além disso, o usuário ganhava desconto na loja da marca parceira. “Hoje seu produto precisa estar ligado a alguma coisa bacana”, pontua o vocalista, que atualmente tenta desenvolver uma visão empreendedora. Nas redes sociais, como Facebook e Twitter, os canais estão abertos para a continuidade do contato com os fãs, independente da agenda de apresentações do grupo. Há conteúdos, como o vídeo “Eu sou melhor que você”, que foram produzidos especificamente para o público dessas mídias. “Autogestão na música independente é vital”, oferece a dica.

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OPINIÃO

“A nova cara da música baiana” Fábio Cascadura Compositor, cantor, guitarrista e produtor. Membro fundador da banda de rock Cascadura. Atualmente estuda História na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas/UFBA. @fabiocascadura Ricardo Prado

A Bahia já não é mais aquela... Não é mais a de Jorge, nem a de Dorival. Nem a de Dodô, Osmar, Durval, Riachão, Gil, Caetano, Raul, Cascadura. Hoje, a Bahia é o que todas essas podem ser... Juntas. No verão passado, novas propostas, vindas de novos nomes (ou de nomes renovados), povoaram a agenda musical e me chamou a atenção o fato delas trazerem frescor a elementos ditos tradicionais e ao mesmo tempo lançarem mão de “outras” estratégias para fazer valer sua exposição diante do mercado e atingindo outras mentes e corações. De cara, o “movimento de ressignificação da guitarra baiana”, inicialmente motivado por Roberto Barreto (Baiana System), Julio Caldas, Julio Moreno e MorotóSilm (Retrofoguetes), propõe novas possibilidades de emprego de um instrumento genuinamente baiano, em diálogos com outras vertentes da música, produzindo resultados impactantes. Contando com o importante apoio dos irmãos Macêdo, filhos de um dos inventores da “guitarrinha” (e do conceito do Trio Elétrico), esse movimento já traz novas adesões e vem dando fôlego para que o instrumento adquira mais exposição e chegue a uma nova geração. O curioso é que essa atitude tenha partido de gente que não está tradicionalmente ligada à chamada ‘indústria do Carnaval’. Ainda no âmbito dos festejos de Momo, o Bailinho de Quinta veio soprando uma “renovação” parecida, só que com as marchinhas! Graco Vieira, Thiago Trad, Juliana Leite e companhia recriaram bailes de Carnaval com confete, serpentina, Beatles, Stones, Bob Marley, Roberto Carlos e as baleias! E assim, formamos mais de mil palhaços no salão! “Ala lá ô” e “Satisfaction”. Vivendo do Ócio, com seu poderoso “O pensamento é um imã”; a Maglore, que além de uma bela estreia em disco, cativa mais adeptos a cada show, circulou pelo Brasil em busca de outros mercados e principalmente novos horizontes para sua música. Ênio, com a sua Maloca, nos dá um som que vincula balanço e rock, enquanto o carismático Dão faz, de cada

show seu, uma festa de samba-rock-funk-soul-de-todos(as). Já os grupos Sertanília e Pedro Dumm e a Encomenda, traduzem em versos e som o real e recente processo de maior influência da cultura sertaneja sobre essa cidade litorânea. Suinga, Pirigulino Babilake, Quarteto de Cinco, Irmão Carlos e o Catado, Vendo 147, Velotroz... Gente trabalhando em rede, trocando informações, incentivando-se, colaborando mutuamente, divulgando-se (soube que a Quarteto de Cinco havia tocado na Coréia por conta de um vídeo compartilhado pela galera da Pirigulino): uma nova atitude num mercado disputado. Ao invés de concorrentes, parceiros. Será a chamada inteligência social? Articulação parecida vem se mostrando no Encontro de Compositores. Capitaneado por Jarbas Bittencourt e Ronei Jorge, acontece na última quinta de cada mês. E é o que o nome diz: um conclave de autores, contadores de histórias, num bate-papo descontraído com o público no Teatro Vila Velha (que tem reatado sua antiga relação de afeto com a música soteropolitana, emprestando seu espaço e nome, impregnados de ideias libertárias, a esse panorama de sons). Magary emergiu das noites do Rio Vermelho. Ganhou “na boa” a simpatia de muita gente: todo mundo parece curtir ele! Tornou-se quase onipresente nas festas da cidade. E outro dia, acabei assistindo o clipe de uma banda de (neo?) pagode que, ao invés de usar o já batido recurso do “mão-naquilo-aquilo-na-mão”, fala de “meme” nas redes sociais da internet... Mr. Bobby é o nome do grupo e o vídeo (um caso a parte) “Que bruxaria é essa?”. Eu espero que eles tenham aberto um precedente para essa orientação musical. Não somente por contextualizar uma tecnologia que agora faz parte da vida de todo mundo, mas também por abrir mão da cansada “fórmula de sucesso”. Até porque, como diz aquele comercial de TV, “a conversa mudou. Namoro mudou. Cumprimento mudou. O esporte mudou...” e a Bahia já não é mais a mesma.

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ARTES CÊNICAS Teatro Infantil

O professor da Escola de Teatro da UFBA, Raimundo Matos de Leão, escritor e dramaturgo, define como “teatrinhos de fim de semana” aquelas apresentações que até têm público, mas não se preocupam com critérios estéticos. “Eles não podem ser aceitos no panorama teatral de Salvador. O teatrinho é sempre maniqueísta, piegas ou didático, no mau sentido. Além disso, a produção é de uma pobreza extrema. Pobreza criativa que se revela nos figurinos, cenários e, principalmente, na interpretação dos atores”, desabafa. Segundo ele, “O ‘teatrinho’ subestima o seu público”. Por outro lado, num esquema ‘custe o que custar’, as indicações de peças infanto-juvenis oferecidas pela mídia priorizam os espetáculos que vêm de fora e ficam em cartaz nos maiores teatros soteropolitanos. É uma chuva de propaganda, quase uma lavagem cerebral. Outras opções de lazer tornam-se insignificantes ao disputar espaço com Galinhas Pintadinhas, Pequenas Sereias, Belas, Feras... Vindos de Oz, da Terra do Nunca, e, ultimamente, de terceiras e quartas dimensões, trazendo até cheiros para conquistar o público. “A superprodução ganha matéria nos jornais e cria-se a impressão de que o produto tem qualidade artística, o que não é verdade, na maioria dos casos”, opina Raimundo Leão. Mas quem fica com o papel de decidir qual, dentre tantas opções, será a eleita? Leão provoca: “É sempre o adulto que escolhe o que assistir e ele, muitas vezes, não se informa sobre a cena”. Inúmeras apresentações adaptam clássicos, reduzindo seus sentidos, ou transpõem sucessos do cinema e da televisão para os tablados. “Enfeita-se o palco com recursos tecnológicos e a essência do teatro desaparece em meio aos efeitos”, afirma o dramaturgo, que jura não ter absolutamente nada contra o uso da tecnologia. Gil Santana, ator, diretor e produtor cultural que trabalha com teatro há 25 anos, acredita que existe uma lacuna no cenário local e as superproduções vêm preencher esse espaço. “Eles descobriram a nossa deficiência. Infelizmente, não temos bons apoiadores e patrocinadores. Alguns profissionais vivem da sua própria produção, como no nosso caso, ou de editais que nem sempre cobrem todos os custos”, sentencia. Contudo, Gil, que também possui um teatro com seu nome, no Rio Vermelho, considera que esse não é exatamente o tipo de apresentação que mais agrada ao público local. “A emoção é só visual, na quantidade de personagens, bons

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‘A Cigarra e os Formigas’, espetáculo encenado pela Cia. Cuca de Teatro, de Feira de Santana.

Cia. Cuca de Teatro

Quando se trata de espetáculos para a garotada, o leque de ofertas é variado. Estão em cartaz em diferentes pontos da cidade, podem ser gratuitos ou bem pagos, “de fim de semana”, cheios de qualidade e superproduções.


Teatro Infantil ARTES CĂŠNICAS

sem diminutivo:

Teatrinho

~ NAO! tExto

MaiaRa BoNFiM

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ARTES CÊNICAS Teatro Infantil

Nanda Boaventura

Cena da montagem ‘O cavalinho que só canta na chuva’, escrita e dirigida por Gil Santana.

figurinos e cenários”. E ainda desafia: “Essas produções não sobreviveriam mais que uma ou duas semanas em nossa cidade. Aqui, as crianças querem estar dentro do espetáculo. O nosso público quer um teatro vivo, orgânico”.

AMOR E DEDICAÇÃO Gil afirma que, juntas, emoção e interação representam o diferencial das montagens produzidas pela sua companhia. “Pesquisamos verdadeiramente o mundo infantil. A criança não fica passiva assistindo ao espetáculo. Ela interfere, participa e tem possibilidades de acompanhar e modificar o que está vendo”,

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explica, tentando justificar a continuidade do seu trabalho, mesmo diante das dificuldades de produção. O amor pelo universo do teatro e o acesso aos verdadeiros interesses lúdicos das crianças são destacados por Gil Santana entre os elementos fundamentais para produzir espetáculos para o público infantil. Além disso, ele acrescenta: “Texto e personagens devem estimular a viagem na fantasia. A criança precisa se surpreender a cada momento. Mas é claro que bons cenários, figurinos e patrocinadores são fundamentais para esse fazer”. O professor Raimundo explica que, em Salvador, tem sido feito teatro para criança com bastante inventividade e seguindo as propostas estéticas e educativas mais avançadas. “Hoje, posso dizer que existe uma produção com resultados artísticos acima da média, ainda que equívocos sejam cometidos”, justifica.


Teatro Infantil ARTES CÊNICAS

QUALIDADE TAMBÉM NO INTERIOR Em Feira de Santana, está a Cia. Cuca de Teatro, formada por artistas independentes que trabalham há mais de 14 anos com teatro para a infância e juventude. Desde 2005, desenvolvem o projeto ‘Domingo Tem Teatro’, uma campanha de popularização das artes cênicas que apresenta, a preços acessíveis, espetáculos que primam pela qualidade. Só em 2011 foram 29 apresentações, com grande público: mais de oito mil espectadores. Para garantir a presença do público, a Cia. Cuca de Teatro investe em divulgação contínua: na TV, através de release para jornais, distribuição de convites, folders e cartazes. Além disso, também faz uso de ferramentas na internet, como e-mails, atualização do site e redes sociais. “Todas as montagens que entram na pauta do teatro são assistidos pela coordenação do projeto, para que possamos

manter a qualidade e a diversidade de propostas. O conteúdo precisa estar alinhado com o lúdico. O espetáculo deve passar a sua mensagem através da diversão e composição de cenas, que levem o espectador ao mundo do faz de conta, da fantasia”, explica Elizete Destéffani, coordenadora do Domingo Tem Teatro. Agradar aos pequenos é uma das preocupações. “As crianças são muito antenadas e exigentes. Por isso, quem faz espetáculo infantil precisa se esforçar ainda mais para que sua pesquisa teatral seja compreendida e aceita por essa turminha”, relata Destéffani.

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PROFISSÃO

MANIPULANDO

SONS tExto

FABio FRaNco FOTOS

MaRcElo saNtaNa

Cinema, teatro, televisão e música. Em todas essas variantes artísticas, a evolução das tecnologias fez com que a experiência do espectador fosse amplamente influenciada pela qualidade do som. E um profissional tem papel fundamental na construção desse universo sensorial, o técnico de mixagem de som. Numa cena de filme, o barulho de um determinado objeto caindo ao chão consegue se destacar com relação aos diferentes sons do ambiente. Numa música, a sonoridade de cada instrumento pode ser ouvida com bastante clareza. Por trás de toda a magia criada para que os sons, barulhos e ruídos ganhem vida estão os técnicos de mixagem de som, profissionais dos mais requisitados e que são imprescindíveis para o sucesso de produções sonoras e de audiovisual. De acordo com André Tavares, também conhecido como André T, formado em Comunicação pelo Elizabethtown College, nos Estados Unidos, e que atua na área de mixagem de som desde 1996, “o profissional da mixagem é contratado não só pela sua capacidade técnica, mas, principalmente, para emprestar seu ouvido crítico

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e julgamento para um trabalho”. E faz uma declaração segura. “Se produz muito por aqui e existem muitos estúdios em plena atividade. Talvez não tenha tanto dinheiro no mercado quanto havia dez anos atrás. Mas o bom profissional será requisitado, não importando o que está na moda. E a Bahia tem a tradição de revelar talentos para o resto do país”.

Formação Quem deseja seguir a carreira de técnico de mixagem vai encontrar um campo de trabalho bem amplo na Bahia. Contudo, quando se trata de locais de formação a situação se inverte. Atualmente, o grande pólo de formação é São Pau-


PROFISSÃO

SéTIMA ARTE a área que talvez seja a que mais necessita do conhecimento dos técnicos de mixagem é a cinematográfica. Na produção de um filme ou documentário, a equipe de som grava o áudio de tudo o que acontece nas locações e no set. Depois de captada cada sonoridade, incluindo os diálogos, o material é encaminhado para a pós-produção, onde entra em cena o profissional de mixagem. Nessa etapa, o técnico reunirá todas as gravações feitas durante as filmagens e mesclará com os efeitos sonoros, trilha e todo o tipo de áudio que possa contribuir para a construção da estória. Entretanto, andré, que já trabalhou em filmes como “o Homem Que Não Dormia”, de Edgard Navarro, e “o trampolim do Forte”, de João Rodrigo Mattos, sustenta que o mercado é muito mais amplo. “Muitos profissionais escolhem por atuar em shows, mixando as bandas. alguns trabalham bastante com o mundo do marketing, em comerciais e suas trilhas. outros podem trabalhar numa emissora de televisão ou basicamente qualquer coisa que envolva música!”, sentencia.

lo, que possui escolas e até cursos superiores de graduação tecnológica (com dois anos de duração). Em outros estados, a exemplo de Minas Gerais, o estudante de Engenharia Elétrica pode optar por especializar-se em Engenharia de Áudio, campo que, além das técnicas de sonorização, compreende a criação e aperfeiçoamento de equipamentos e ambientes para a propagação do som. “Meu aprendizado com o áudio se deu muito mais por conta própria e por ajuda de grandes profissionais (e amigos), como Jeti Corleto e Bocha Caballero. além disso, sempre fui inclinado para a parte técnica. Mas sem dúvida alguma, o curso pode te ajudar a dar passos mais rápidos e mostrar muitos dos problemas que podem ocorrer no meio do caminho. um bom instrutor pode apontar as suas deficiências, pode demonstrar como funcionam os equipamentos. Mas uma coisa que nenhuma instituição especializada pode ensinar é o ouvido artístico do profissional da mixagem”.

Em todos os casos, o profissional dever dominar o manuseio dos equipamentos digitais de áudio, especialmente de edição e mixagem de som. E precisa estar ligado nas mudanças tecnológicas. “as ferramentas de trabalho mudaram bastante nos últimos anos. Hoje em dia é muito difícil usar fita, o que era comum até pouco mais de 10 anos atrás. também se usa cada vez menos as grandes mesas de som, com suas centenas ou milhares de conexões e controles. Hoje, o mínimo necessário para se mixar um disco é um bom computador ligado a caixas de som especiais, chamadas de monitores de referência, tudo numa sala com a acústica preparada”, conclui andré t.

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MODA

a sus ten tabili dade

está “na moda” tExto

TARSILLA ALVARINDO

Há alguns anos, falar de moda e sustentabilidade soava meio que como um paradoxo. Afinal, muitos associavam o mundo fashion apenas ao consumismo e falta de consciência ambiental. Mas esse cenário não só está mudando, como o resultado tem sido altamente positivo e, porque não dizer, rentável. Um bom exemplo disso são as biojóias, que começam a ocupar as vitrines baianas! Hoje, a partir de tecnologias de ponta, o mercado de moda tem oferecido peças altamente ecológicas, desenvolvidas com base na sustentabilidade e na reciclagem. Plástico, papelão, metais, vidro e até detritos naturais, ganham vida nas mãos de hábeis profissionais e se transformam em artigos de luxo. Um fator preponderante para o sucesso desse tipo de atividade foi o investimento em pesquisas, que possibilitou o uso de materiais não convencionais, como as garrafas pet, na produção de artigos como roupas, sapatos, cintos e acessórios. Mas se engana quem pensa que a moda sustentável só pode ser produzida com alta tecnologia. Com poucas ferra-

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mentas e muita criatividade é possível conceber peças dignas de grandes coleções. As biojóias são exemplos de sucesso: objetos produzidos a partir de materiais naturais, como sementes, pedras, madeiras e fibras, extraídos de forma responsável da natureza e que podem ou não estar associados a metais nobres. Produzidas de forma artesanal, com alto nível de qualidade, as peças recebem tratamento especial e até mesmo as imperfeições se tornam características que dão exclusividade às criações. Em Salvador, a designer de jóias Luana Bomfim, dona da grife Preta Brasil, conta que começou a produzir suas primeiras peças há aproximadamente sete anos, justamente por buscar algo novo num mercado onde tudo parecia ser muito igual. “Estava cansada de ver sempre as mesmas coisas nas vitrines e ruas da cidade. Então, quando decidi criar as peças, procurei materiais diferentes, aproveitando as formas, cores e desenhos que a natureza oferece em cada semente, aliando ao design dos colares”, conta. Para produzir suas peças, Luana foi longe: recebe matéria-prima do Acre, como as sementes de Paxiúba e Jupatí, e do sul da Bahia vêm os cocos e olhos de boi. Com a base em mãos, a design recorre a elementos como o cordão encerado e a madeira, encontrados em lojas especializadas, para desenvolver sua arte. Além de tudo isso, é preciso proporcionar a cada produto originalidade e um toque conceitual, para que o consumidor final se sinta realmente atraído. Enquanto Luana chegou à produção de biojóias atraída pelo diferencial, Juliana Jerolamo as descobriu em um trabalho de faculdade: precisava desenvolver uma coleção de acessórios que tivesse como tema a preocupação com o meio ambiente. “Querendo fugir de materiais óbvios, busquei uma matéria-prima inusitada, que fizesse toda a diferença, algo que evidenciasse


MODA

um conceito”. Assim, começou a desenvolver produtos a partir do couro de tilápia. Peixe de água doce originário do continente africano, a tilápia se desenvolveu bem nos rios brasileiros. Na indústria, após a separação do filé do peixe para o consumo, o couro era descartado. Hoje, a pele – que, apesar de ser mais fina que o couro bovino, apresenta maior resistência – passa pelo processo de tintura e chega ao mercado de moda como um material de grande qualidade estética. “Aderi por questões ecológicas e com o tempo descobri que, por um ser produto raro, havia a possibilidade de desenvolver uma mercadoria diferente e exclusiva, valorizando-a com metais de boa qualidade”, revela Juliana. O resultado agradou em cheio e ela já está a quatro anos produzindo os acessórios, provando que, além de uma boa alternativa para preservar o meio ambiente, esse tipo de material pode ser bastante rentável.

Consciência fashion O perfil dos clientes que optam pelas biojóias é bastante diversificado: dos que buscam exclusividade e originalidade das peças, aos que são orientados pela consciência ambiental, o que tem proporcionado certo impulso a esse segmento. Para a proprietária da Preta Brasil, o consumo sustentável tornou o olhar e a percepção das pessoas mais aguçados e eles se interessam inclusive pelos detalhes, como a etiqueta e embalagem dos produtos. Juliana Jerolamo acrescenta que a grande quantidade de informações e o amadurecimento do produto também contribuem para que esse tipo de artigo seja mais aceito no mercado. Seja por consciência ambiental, originalidade, exclusividade ou simplesmente modismo, o fato é que as biojóias mostraram que é possível ser fashion e ao mesmo tempo cuidar do planeta.

DICAS Diferentemente de outros tipos de jóias ou bijouterias, as biojóias requerem cuidados especiais para que durem por mais tempo, principalmente porque estão sujeitas às ações de fungos ou deformações causadas por produtos químicos

Evite molhar; Evite amassar; Não utilize produtos químicos. Evite exposição ao sol por longo período Evite temperaturas muito elevadas Limpe antes de guardar (apenas com tecido seco) Guarde em local seco e arejado

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CAPA Grafitti

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Grafitti CAPA

Inicialmente conhecida como arte marginal, originária de becos e ruas das grandes cidades, o grafitti ganhou status de arte contemporânea e hoje ilustra a paisagem urbana de Salvador com cores e desenhos caricatos.

tExto IMAGENS

FABio FRaNco AFRO, ANDREA MAY, CARLY FOX, DIMAK, EDER MUNIZ, FRANK, LEVANTE POPULAR DA JUVENTUDE, MARCOS COSTA, NAARA SANTOS, SAMUCA E TARCIO VASCONCELOS

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CAPA Grafitti

O grafitti passou por uma revolução conceitual nas últimas décadas que o deslocou para um patamar de inovação artística considerável Confundida às vezes como meras manifestações da juventude transviada ou simplesmente como pichações*, o grafitti passou por uma revolução conceitual nas últimas décadas que o deslocou para um patamar de inovação artística considerável. se antes era visto meio de lado, por cobrir espaços urbanos quase sempre sem utilidade, desde a década de 1990, o grafitti ganhou posição de destaque em galerias e museus, sendo ovacionado como a cara da nova arte contemporânea. ambientado inicialmente nos guetos norte-americanos, o grafitti chegou a todo o mundo e, não por acaso, desembarcou em salvador, para embelezar as fachadas e muros perdidos no caos urbano da metrópole. De túneis a caixas de centrais telefônicas, hoje esse tipo de manifestação artística se faz presente em praticamente todos os pontos da capital baiana, expressando cenas de cunho meramente criativo e, às vezes, duras críticas ao desenvolvimento da sociedade. E os responsáveis por essa mudança radical de estilos, os grafiteiros, em sua grande maioria jovens de baixa renda e quase sempre oriundos de bairros populares, deixaram o

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submundo da arte subversiva para ganhar papel de destaque até entre os intelectuais. “Comecei como pichador em 1996. Estudava numa escola evangélica e acabei expulso por pichar áreas da escola. tempos depois comecei a ter contato com o grupo GBM, que atuava em Cajazeiras, e me interessei. acabei sendo convidado por Marcelo verme (grafiteiro) para trabalhar pelas ruas com ele”, revela Eder Muniz, 29 anos, um dos nomes mais influentes do grafitti baiano. o artista conta que começou a grafitar temas ligados à vida na comunidade em que morava, no bairro de Castelo Branco, e que faziam parte do seu cotidiano. “Falávamos de sonoridade, de exôdo rural, de violência e drogas. Era a nossa realidade. Esse foi o passo inicial para nosso projeto 'Calangos de Rua', que interligava várias intervenções artísticas como teatro, fotografia e música, com o grafitti”. outro que também teve a mesma origem foi Marcos Costa, 29 anos, que começou a pichar aos 10 anos pelas ruas do bairro de Brotas. “Na época, Brotas tinha uma enorme concentração de pichadores. Não tinha como não se envolver”, conta.


Grafitti CAPA

Eder Muniz e Frank

GRAFITANDO Eder e Marcos compartilham estórias semelhantes quanto ao começo de seus trabalhos em vias públicas. De pichadores, conheceram o grafitti e passaram a desenvolvê-lo como forma de arte e transformador social. os meninos cresceram e logo o que era diversão virou coisa séria. as vidas deles e vários outros acabaram convergindo em um projeto criado pela Prefeitura de salvador. o 'salvador Grafita' surgiu com o obetivo de promover o desenvolvimento artístico de grafiteiros e a recuperação de áreas da cidade que estavam visualmente degradadas. além de Eder e Marcos, nomes como Denissena, slam, Pinel, thito Lama, Bigode, Lee 27, entre outros, encontraram nessa ação uma forma de extravassar toda a sua criatividade pelas ruas da capital baiana. “abandonei a pichação depois que conheci o trabalho de Peace (Ricardo vitório). Ele foi meu primeiro incentivador. Na sequência comecei a me dedicar e ingressei no salvador Grafita, onde permaneci por um ano”, diz Marcos. Eder também defende o aprendizado no projeto. “Enquanto grafitava um muro próximo, policiais civis se aproximaram e cobram a autorização para pintar. Felizmente tinha autorização. Então eles sugeriram que procurasse a equipe do salvador Grafita, para mostrar meu trabalho de maneira mais profissional”. Deixado de lado pela Prefeitura, o projeto foi descontinuado e os novos artistas hoje precisam lutar um pouco mais para

Muitos grafiteiros realizam projetos colaborativos. Na imagem acima, trabalho de Eder Muniz e Frank.

conseguir ter o reconhecimento da sua arte. Eder, por exemplo, lembra que foi através da visibilidade dada pelo seu trabalho que ele acabou indo morar em Nova York (Eua), especificamente no Brooklyn. “Conheci uma americana, que viu minhas intervenções, nos relacionamos e fui para os Estados unidos”, conta. De volta ao Brasil, realizou exposições, ganhou um edital de cultura e ainda no primeiro semestre de 2012 lançará um livro sobre o movimento artístico de rua, com o título provisório “Riscando nossas almas nos muros”. Já Marcos, que se orgulha por ser o primeiro grafiteiro da sua geração a ingressar numa universidade, conta que através de seu trabalho foi reconhecido com prêmios por todo o país. “Fiz algumas exposições e comecei a enveredar por outras artes. acabei trabalhando em teatros, com a parte de criação de cenários. E em 2010 fui premiado no Rio e em Minas como ‘melhor cenário’ para a montagem Gaiola”.

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CAPA Grafitti

Naara Santos (foto: Alan Batista)

MULhERES, SPRAY E POLíTICA Num universo amplamente dominado por homens, as mulheres também dão seu toque de talento às ruas de salvador. uma delas, Naara santos, fez inclusive o caminho oposto ao da turma do grafitti: saiu da academia para pintar os muros. Formada em Belas artes pela uFBa, Naara começou a usar o grafitti no primeiro ano da faculdade, como mais um suporte para seu trabalho artístico – que inclui colagens, pinturas, adesivos, entre outros. “apesar de ser mulher, sempre sou muito bem recebida pelos grafiteiros. E acabo até fugindo um pouco do conceito da cultura ‘Hip Hop’, porque trabalho com diferentes elementos nas ruas”, diz. sobre como seu trabalho é visto pelo público urbano, a jovem conta que não poderia ser melhor. “as pessoas param, perguntam, tiram fotos. o reconhecimento é imediato. Mas às vezes chega alguma viatura e pergunta sobre autorização, sobre o local. outro dia, um grupo de policiais me abordou

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O grafitti possibilita a interação com outras intervenções artísticas, tais como colagens e stencil.

quando estava pintando próximo a um túnel. Eles disseram que era proibido porque poderia desviar o olhar dos motoristas, mas fui bem tratada”. também fora dos ‘padrões’, o coletivo Levante Popular da Juventude traça um paralelo entre o protesto típico da pichação e o lado visual do grafitti. Formado por jovens engajados em questões sociais, o grupo busca através de intervenções, muitas das vezes não-autorizadas, chamar a atenção dos moradores da metrópole baiana para assuntos de relevância política na própria comunidade, a exemplo da violência contra a mulher e a educação. Para suas ações, a turma utiliza o stencil,


Grafitti CAPA

o grafitti surgiu como manifestação artistíca em meados da década de 1970, nos subúrbios da cidade de Nova York, nos Estados unidos, como um dos três alicerces da chamada cultura Hip Hop, que tem como base a arte visual (grafitti), a música (rap) e a dança (Break). se na sua origem o grafitti tinha uma conotação política, por vezes de protesto, nas duas últimas décadas passou a representação de arte contemporânea. os grafiteiros comentam que o grafitti e a pichação eram as maneiras que encontravam para ‘sacudir’ o poder público. Hoje, a pichação se limita exclusivamente a repercutir ações de gangues, traficantes e torcidas de futebol. “antigamente pichar tinha uma cara mais intelectual. até porque era uma turma que estava no meio acadêmico. Não se pichava em qualquer lugar. Hoje o panorama mudou e, até por isso, vários pichadores começaram a buscar um lance mais artístico e passaram a grafitar”, pontua Marcos Costa. *Nota do editor De acordo com a pesquisadora Jordana Galvão tavares, da universidade de Goiás, no artigo intitulado “Grafitti, o muro, a parede, a universidade e até a galeria”, existe um claro conflito ante a definição dos termos pichação e grafitti. Para ela, apesar de ambas manisfestações terem sua origem nas ruas, o que as diferem são seus objetivos, mensagens e autores. “a pichação remete à injúria, à falta de apuro estético e ao protesto, seja ele político, religioso ou pessoal. Enquanto o graffiti remete à pintura rupestre, à preocupação estética e à expressão de ideias”.

tipo de grafitti feito a partir de uma base pré-moldada, que alia imagem e frases para fortalecer a manifestação ante um assunto. “Para além da conjuntura política, nossa intenção é transmitir uma ideia. E o grafitti se consolida como ferramenta de importância significativa para propagação da nossa opinião, por ser uma linguagem facilmente assimilada pelos jovens”, comenta Maíra Guedes, de 25 anos. a jovem revela que são oferecidas oficinas sobre a técnica do stencil para jovens em 17 estados brasileiros. “Realizamos acampamentos estudantis pelo país para discutir as pautas de reivindicação. Esses acampamentos são acionados através de células, pequenos grupos articulados em escolas, nos bairros, na comunidade. E ensinamos o grafitti a essa turma jovem, porque é uma metodologia de agitação, prática muito usada, ao longo dos tempos, pelos movimentos sociais para contestar a atuação do Estado”, finaliza.

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MUSEU

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MUSEU

SEXO no museu tExto

FABio FRaNco FOTOS

MaRcElo saNtaNa

Com acervo composto por mais de 300 peças, incluindo esculturas, pinturas, livros e utensílios, o Museu do Sexo da Bahia luta para quebrar preconceitos e se manter em atividade.

Endereço Rua Frei Vicente, n° 24 Pelourinho. Funcionamento de segunda a sexta, das 09h às 12h e das 14h às 18h. Entrada gratuita

Desde os tempos mais remotos, o sexo sempre foi assunto dos mais corriqueiros na vida dos humanos. Pinturas rupestres nas cavernas, hieróglifos nas pirâmides egípcias e peças encontradas em escavações de antigas cidades dão a clara dimensão do quanto a temática sexual era comum entre nossos ancestrais. Alguns especialistas chegam a sugerir que tais indícios revelam que o sexo era algo tão natural quanto o acasalamento dos animais, ocorrendo de acordo com as leis da natureza. Com o passar dos anos e seguindo as mudanças sociais, essa naturalidade se perdeu e o assunto passou a ser tratado como tabu. Apesar disso, algumas mentes inquietas voltavam ao tema, usando e abusando do sarcasmo e irreverência para levá-lo aos seus pares. Um exemplo notório e de origem baiana foi o famoso poeta Gregório de Matos, o ‘Boca do Inferno’, que retratava sem nenhum pudor a sexualidade na sua época. Agora, em pleno século XXI, vivenciamos uma revolução sem igual em se tratando de sexo. Mas apesar disso, todas as manifestações artísticas sobre o tema ainda são tratados como arte de ‘segunda ordem’. Para quebrar um pouco esse esteriótipo, surgiram os museus do sexo, espalhados em países como Estados Unidos, França, Dinamarca, Alemanha e Holanda (que abriga o mais antigo, fundado em 1985). Mais recentemente o Brasil também entrou na lista – o expoente nacional é o Museu do Sexo (www.museudosexo.com.br), projeto virtual idealizado pela professora Carmita Abdo, que funciona desde 2003. E a Bahia, berço da sensualidade brasileira, não podia ficar de fora. Em 1999 foi criado o Museu do Sexo da Bahia (MUsex), primeiro local no país a expor objetos artísticos inspirados no sexo e que funciona provisoriamente na sede do Grupo Gay da Bahia (GGB), no Pelourinho. O projeto surgiu a partir de uma minunciosa pesquisa realizada por Marcelo Cerqueira, presidente do GGB, durante viagens que fez pela América Latina e Europa. “Assim que me formei em História viajei por diversos países como Peru, Venezuela, México e Equador. Fiquei apaixonado pela arte produzida pelos povos pré-colombianos. Comprei o máximo de peças que podia. Em 2001, passei dois

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MUSEU

Peças expostas revelam a riqueza de detalhes das obras produzidas no Brasil.

meses em Paris, no Pigalle (bairro local), pude conhecer o Museu do Sexo de Paris. Na Itália, conheci o gabinete secreto do Museu de Napoli. Aqui, no Brasil, resolvi começar a catalogar essas representações populares do erotismo, especialmente do Nordeste. Daí a ideia de fazer o MUsex para poder dar vez a esse tipo de arte e ser um diferencial na Bahia”, revela Cerqueira. Com o olhar aguçado, o historiador percebeu que o sexo era facilmente retratado em forma de arte, seja por povos antigos ou por artistas contemporâneos. E também encontrou vestígios do erotismo em peças e objetos originários do Brasil, principalmente nos estados da Bahia, Pernambuco e Sergipe. “Temos até peças da Polinésia Francesa. Temos material para diversas exposições. O mais fascinante são as peças de Pernambuco. Materiais em argila desenvolvidos com primorosa qualidade técnica e riqueza de detalhes. A maioria das peças foram compradas por mim em viagens, mas aceitamos doações. Temos muita coisa inédita, incluindo uma biblioteca riquíssima com livros sobre sexualidade, datados de 1920 a 1945, que faz parte da reserva técnica”, conta.

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TABU? E sobre todo o preconceito que envolve o tema, visto como tabu por grande parte da população, Marcelo é taxativo. “É uma relação de amor e ódio. Mas sexo é vida e cultura. Não deveria ser um tabu no cotidiano, mas ainda é. A nossa iniciativa tem a finalidade de preservar e expor de maneira pedagógica essas representações para contribuir com a desmistificação do sexo e da sexualidade”. Talvez esse receio em tratar do tema justifique o porquê do museu do sexo baiano ainda funcionar de maneira precária e não ter um espaço apropriado para receber exposições e também o público. Na tentativa de mudar esse quadro, desde o ano passado, Marcelo Cerqueira encabeça uma campanha para tentar viabilizar um local para expor as peças do acervo. “No Brasil não temos a tradição em doar. Os pais não ensinam os filhos como antigamente, assim não se cria uma cultura de solidariedade e contribuição por causas. Mas ainda temos esperança de alguém doar um imóvel para que possamos desenvolver essa ação”, finaliza.


MUSEU

Museu do sexo da Bahia Funcionando com acervo riquíssimo, composto por cerâmicas eróticas do Nordeste; terracotas do Peru e México; esculturas em metal da África Ocidental e Índia; porcelanas e metais da Holanda, França e outros países europeus; coleções de canecas e cópias de esculturas italianas das cidades de Pompéia e Herculano. Também possui livros sobre sexo datados das primeiras décadas do seculo XX.

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ENTREVISTA Caixa Cultural

CENA CULTURAL BAIANA

PRECISA DE INCENTIVO tExto FOTOS

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PiEtRo RaÑa MaRcElo saNtaNa

“O nosso papel é o de trazer diferentes vertentes, é apoiar a diversidade. Somente assim, creio, ampliamos a visão de mundo, quebramos resistências, preconceitos”. A afirmação é da Gerente da CAIXA Cultural Salvador, Ana Zalcbergas, entrevistada nessa edição da Plano B. A CAIXA Cultural Salvador foi inaugurada em 1999, sendo responsável pelo apoio a muitas iniciativas. Num bate papo descontraído, Ana fala sobre a cena cultural baiana, defendendo que “a Bahia é um grande celeiro de talentos”, mas quando o assunto é o incentivo à cultura, a descontração dá lugar à seriedade: “as empresas e os cidadãos devem apoiar a formação cultural da nossa coletividade.”


Caixa Cultural ENTREVISTA

A CAIXA Cultural possibilita às pessoas o acesso a diversas modalidades de atividades culturais (exposições, espetáculos teatrais e de música, etc). Qual a importância desse tipo de ação, tendo em vista a situação socioeconômica e educacional do país? Acreditamos que a educação e a cultura caminham juntas na construção da cidadania. A reflexão sobre tudo o que nos cerca - os costumes, saberes e o modo de viver humano manifestam-se inclusive por meio da linguagem artística, alinhado com cada época, com as possibilidades de expressão do pensamento, sentimento e visão. E é por essa possibilidade, de ampliação de visão de mundo, do respeito à diversidade, da valorização das pessoas e do desenvolvimento do país que essas ações se justificam. De que forma a iniciativa privada pode ajudar? E, na sua visão, qual o grau de necessidade dessas ações por parte das empresas e corporações? Todos podem contribuir! As empresas e os cidadãos devem apoiar a formação cultural da nossa coletividade. Muitas empresas têm realizado ações importantes, inclusive por meio das leis de incentivo. E se tantas outras puderem dispor de uma pequena parte dos seus investimentos ou mesmo dos seus equipamentos para apoio à criação, circulação artística, exposição de acervos, manutenção de museus, novas linguagens e ao acesso de pessoas a esses eventos – inclusive o acesso físico, transportes, enfim, criando os meios para construção do hábito de valorizar e “consumir” arte – todos sairão ganhando. A CAIXA possui vários programas de apoio à arte, artesanato e patrimônio cultural em todo o Brasil. Muitas instituições, inclusive governamentais, buscam esse referencial para as suas ações. O formato dos Editais da CAIXA, que tem aplicação de recursos próprios do orçamento nos projetos aprovados, busca estimular, em outras instituições e empresas, o apoio às ações culturais como forma de se fazer presente na construção sociocultural do nosso país. Os veículos de comunicação, rádio, TV, site e jornais prestam uma colaboração inestimável nesse âmbito. Os eventos culturais realizados no espaço da CAIXA, embora sejam de acesso por troca de alimentos, mantêm um nível elevado de qualidade de conteúdo e interesse. Como se dá o processo de escolha das atrações da grade? Temos como prioridade proporcionar ao público espetáculos com preços acessíveis ou gratuidade. E para que isso seja possível, alocamos os recursos financeiros e de infra-estrutura, de acordo com a disponibilidade orçamentária e de espaços na pauta da CAIXA Cultural. Os eventos

ocorrem também em espaços diversos para os programas de Apoio para Festivais de Teatro e Dança, ao Circo e outros patrocínios culturais em todo o Brasil. Quanto ao processo de escolha, ocorre em etapas a partir da inscrição em época própria, com cerca de um ano de antecedência. No caso da ocupação da CAIXA Cultural, os eventos são selecionados nacionalmente, para atender à programação das unidades em Salvador, Rio, São Paulo, Curitiba e Brasília – logo mais Recife e Fortaleza, a partir de critérios previamente estabelecidos – de acordo com cada segmento e a expectativa de interesse do público. Você vive no meio cultural e tem acesso a muitas referências e novidades. Como está a Bahia nessa cena cultural brasileira? Tem muitos artistas baianos se destacando e sendo bem vistos em outras regiões? A Bahia é um grande celeiro de talentos, em todos os segmentos artísticos. Uns com maior visibilidade que outros, isto é cíclico. Mas a capacitação, acredito, é fundamental não somente para os artistas propriamente ditos, mas para toda a indústria criativa: autores, diretores, produtores, iluminadores, compositores, coreógrafos, cenógrafos, músicos, cineastas, técnicos, enfim. Mas para que isso ocorra de forma mais intensa é indispensável o apoio das instituições regionais e do público, abrindo espaço para a exposição ampla e pública dessa produção, pois é o que alimenta o ciclo e o faz prosseguir numa grande espiral propulsora. Da Bahia para a Bahia, da Bahia para o mundo. O fato de conservar um casarão antigo, bem no centro da cidade, fazendo dele um espaço de troca de conhecimentos e experiências é proposital? Tem relação com a vontade coletiva de revitalização do nosso Centro? Desde quando a CAIXA Cultural ocupa esse espaço? Tem alguma história curiosa em relação ao Casarão que mereça destaque? Sim, a restauração do imóvel, tombado como a “Antiga Casa de Orações dos Jesuítas - Séc XVII”, foi intencional e alinhada com a política de revitalização do patrimônio histórico brasileiro. Desde o finalzinho de 1999, após a conclusão das obras de restauro, foi estabelecida a sua destinação: um centro cultural, mais uma unidade que se juntaria às demais já existentes no Rio, São Paulo e Brasília. A história da ocupação do casarão é muito curiosa: a Casa tem gravada no frontispício a data de 1696, que tanto pode ser da construção, quanto da inauguração do imóvel. Mas, foi a partir de 1757, quando os jesuítas ocuparam o imóvel para aplicação dos exercícios espirituais da Companhia de Jesus, que o mesmo passou a fazer parte da cena cultural da cidade.

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ENTREVISTA Caixa Cultural

« Fico realizada quando vejo um brilho nas pessoas por alegria, descontração, reflexão e oportunidade de participar dos eventos » « As empresas e os cidadãos devem apoiar a formação cultural da nossa coletividade » ana Zalcbergas, GERENTE DA CAIXA CULTURAL SALVADOR

No final do século XIX, o comendador Gomes da Costa adquiriu o imóvel da família Freire de Carvalho e, em 1941, a Santa Casa de Misericórdia adquiriu o espaço para instalar um asilo para as “viúvas idosas e envergonhadas”, senhoras idosas que não tinham o suporte familiar. Entre 1945 e 1978, o imóvel abrigou o jornal Diário Associados e a Rádio Sociedade da Bahia. Neste período, trabalharam na casa o cineasta Glauber Rocha, o cantor Caetano Veloso, a arquiteta Lina Bo Bardi, o cantor e compositor Batatinha e o político Antônio Carlos Magalhães. O prédio também inaugurou a transmissão televisiva no estado da Bahia. A CAIXA adquiriu o imóvel em 1983 e restaurou o solar para, em 1999, entregar à cidade de Salvador o Conjunto Cultural da CAIXA. Embora disponha de toda a estrutura e conforto para receber bem o público, além de tornar acessível a cultura (financeiramente falando), percebemos que ainda há resistência, por parte de algumas pessoas, em comparecer aos eventos. A que você atribuiria essa falta de interesse? Percebemos grande interesse das pessoas, mas o fluxo é variável e isso é aceitável. Alguns eventos são mais atrativos que outros, em relação direta com as linguagens ou nomes mais familiares. Mas o nosso papel é o de trazer diferentes vertentes, é apoiar a diversidade. Somente assim, creio, ampliamos a visão de mundo, quebramos resistências, preconceitos, paradigmas, inclusive para atuarmos, como cidadãos, de modo mais inclusivo. Por outro lado, é fundamental estarmos revisando as nossas prioridades, fazer escolhas que nos

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conduzam na direção daquilo que nos nutre ou que talvez leve à construção de uma sociedade mais equilibrada, a evoluir enquanto seres humanos e sociedade. De vez em quando, podemos fazer essa reflexão e tentar abrir um espaço em nossas agendas, tão atribuladas, para usufruir da educação e da cultura, como algo que nos move a lugares inimagináveis, dentro e fora de nós mesmos. É um espaço de trocas fundamental, de mão dupla, pois nutrimos e somos nutridos. Teatro, música ou exposição. O que atrai mais o público para a CAIXA Cultural? Existe um padrão de comparecimento? Sem dúvida, as exposições de artes plásticas atraem um maior quantitativo de público, pois envolve além do público passante, as escolas que participam do Programa Educativo Gente Arteira e as pessoas que são sensibilizadas pelo convite direto dos próprios artistas. Nesse tempo à frente da CAIXA Cultural, qual o projeto que te chamou mais atenção? E por quê? Ao longo desses anos, muitos projetos de qualidade passaram por aqui. Cada um, com sua particularidade, contribuiu de alguma forma e trouxe satisfação aos realizadores. De fato é um investimento coletivo, não apenas do patrocinador, que aloca recursos financeiros e cede o espaço, mas também os produtores e o público. Então, as expectativas são muito variadas, de todos os lados! Fico realizada quando vejo um brilho nas pessoas por alegria, descontração, reflexão e oportunidade de participar dos eventos.


CIDADANIA

NOVO amanhecer: DAS RUAS PARA A SOCIEDADE Criado para ser uma válvula de escape para moradores de rua, o jornal-projeto Aurora da Rua conscientiza e resgata a dignidade de pessoas marginalizadas pela sociedade e pelo poder público, das palavras e do trabalho coletivo. tExto FOTOS

MaiaRa BoNFiM MaRcElo saNtaNa

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CIDADANIA

Há exatos cinco anos, o Jornal Aurora da Rua vem cumprindo seu papel de mobilização e resgate social. Ainda único no Nordeste, com o conceito de “jornal de rua” e tiragem bimensal, que varia de oito a dez mil exemplares, deseja provocar transformações na realidade desumana das pessoas em situação de rua. De acordo com estimativas do Movimento da População de Rua da Bahia (MPRB), já são mais de quatro mil indivíduos vivendo nessas condições em Salvador. Nelson Silva de Carvalho, natural de Jacobina, fazia parte dessa estatística. Durante 19 anos ele viveu no mundo das drogas. Já havia abandonado a casa, a esposa e os filhos. “Eu estava me destruindo”, lembra. Participou de nove casas de recuperação, sem sucesso. No fim de 2011 sofreu um acidente, não foi socorrido prontamente pelo serviço móvel de saúde, por ser um morador de rua, e em um centro público de saúde da cidade teve atendimento inadequado, sendo liberado ainda em péssimas condições físicas. Só aí procurou apoio na Comunidade da Trindade, onde fica a sede do Jornal Aurora da Rua. Nelson recebeu cuidados para o corpo e para a alma. Recebeu gratuitamente carinho, roupa, alimentação, passou a frequentar os encontros dos Narcóticos Anônimos e, assim que se recuperou da enfermidade, já engajado nos serviços da comunidade, passou a vender o Jornal Aurora da Rua. Meses depois, ele se julga outra pessoa. Animado, conta que está juntando dinheiro para comprar um computador para a filha. “Será o presente de 15 anos dela. Vai ser a primeira vez que eu vou fazer algo sóbrio e sem pedir ajuda a ninguém pelos meus filhos”, se emociona.

Quando as pessoas que vivem em situação de rua demonstram interesse em vender o periódico, elas passam por uma formação e recebem o material inicial: fardamento e dez exemplares. Comercializado por um real cada unidade, os vendedores pagam R$ 0,25 – valor usado para arcar com custos e manutenção da publicação – e o lucro é seu. “Não quero simplesmente trocar um real por um jornal. Faço questão de conversar sobre o que se trata para que as pessoas conheçam o trabalho do Aurora”, explica Nelson, que se orgulha em dizer que já entregou uma edição nas mãos do governador da Bahia, pedindo que ele fizesse alguma coisa pelos moradores de rua. E sentencia: “Não precisamos de sopa e pão, precisamos de leis que nos amparem”. Irmão Henrique Peregrino, um dos idealizadores do Aurora, explica que, além daqueles vendedores que são diretamente beneficiados (pouco mais de 10), há ainda os 600 moradores de rua que recebem gratuitamente o jornal, melhoram a sua autoestima e são favorecidos com a quebra do preconceito. Sem contar todos os leitores que têm a oportunidade de lançar um novo olhar sobre a realidade das ruas e das pessoas que ali vivem. Além de servir como fonte de renda, o jornal ajuda no processo de reinserção social. Muitos que passaram pelo Aurora hoje trabalham, outros fazem faculdade ou já constituíram família. Nos planos de Nelson ainda está a realização do curso de reciclagem de vigilante, para voltar a exercer a antiga profissão, conciliando com o trabalho no Aurora. “Aqui eu me sinto seguro. Tenho que ser eternamente grato”, justifica.

« Não quero simplesmente trocar um real por um jornal. Faço questão de conversar sobre o que se trata para que as pessoas conheçam o trabalho do Aurora » « Não precisamos de sopa e pão, precisamos de leis que nos amparem » NElson Silva DE CaRvalho, VENDEDOR DO AURORA DA RUA

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CIDADANIA

Apuração Apesar do suporte técnico e da presença dos profissionais da área de Jornalismo e Diagramação, a figura do morador de rua perpassa toda a produção do jornal: desde a sua concepção nas reuniões de pauta, com sugestão de temas; na execução das matérias; durante as revisões; até o momento de distribuição e venda. Em Salvador, só é possível adquirir o jornal na mão de um dos vendedores que estão espalhados pelas praças, faculdades, escolas, ônibus, portas de igrejas... “O que sustenta o jornal são as trezentas assinaturas corporativas”, explica Iris Queiroz, jornalista responsável pelo Aurora. Também são realizadas assinaturas fora da capital baiana e até em outros países, como França e Bélgica.

Aurora da Rua Avenida Jequitaia, 165, Casa 6 - Água de Meninos CEP 40460-120 Salvador - Bahia Telefone (71) 3242-7865 Assinaturas assinatura@auroradarua.org.br Site www.auroradarua.org.br/

O cartunista Paulo Serra se encantou pela proposta logo de cara. Para ele, é uma emoção ilustrar cada edição do jornal. “É uma realização profissional poder colaborar com esse trabalho”, relata. Durante o processo produtivo dos cartuns, Serra recebe o tema, lê os textos produzidos e escolhe uma palavra para ilustrar. “Acabo sendo iluminado”, orgulha-se.

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TURISMO Turismo Rural

Turismo rural movimenta o segmento na Bahia A procura por destinos repletos de belezas naturais é a maior dos últimos tempos e promoveu a criação de um Guia Virtual e uma Associação para fomentar e desenvolver ainda mais o setor. tExto

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PiEtRo RaÑa


Foto divulgação Traipe Resort

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TURISMO Turismo Rural

Soraya Tosto

Férias no paraíso! Sol, muito verde, ar puro e cachoeiras de águas cristalinas, contato com a natureza e paz. Esse lugar existe? A resposta é sim... E não se trata exatamente de um ambiente litorâneo. Na Bahia, existe uma infinidade de locais que hoje se dedicam ao chamado “turismo rural”. São fazendas, chácaras, pousadas naturais e uma série de empreendimentos que mostraram a força do turismo ecológico e souberam transformar o desejo dos turistas em grandes possibilidades de negócios. Oficialmente, a Bahia possui 27 hotéis-fazenda em 16 municípios diferentes. Os dados são do site oficial do turismo rural no estado.

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Outro dado, dessa vez da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), chama a atenção quando se trata do destino Bahia: mais de 82% dos turistas apontam os atrativos naturais como motivo de suas viagens. Mas embora os números sejam animadores, nem tudo são flores. A Bahia chega a atrair por ano 52% do fluxo doméstico de turistas, ou seja, aqueles visitantes do próprio estado e também de outros estados da federação. Com isso, ocupa o primeiro lugar no ranking nacional. Entretanto, a maioria desses turistas ainda escolhe grandes pólos, como Salvador e Porto Seguro, para suas visitas. Dessa forma, embora venha crescendo, o turismo rural precisa de mais incentivos. Locais como Mata de São João, na Linha Verde, e Ilhéus, na região Sul, juntos, recebem apenas 08 em cada 100 turistas. Só para efeito de comparação: Porto Seguro é responsável por cuidar do dobro desse número, ou seja, 16%.

Na Fazenda Moendas, o visitante pode aproveitar as aguas naturais do Poço do Amor.


Turismo Rural TURISMO

Modelos de sucesso Um bom exemplo de empreendimento que deu certo vem da Vila de Oliveira dos Campinhos, município de Santo Amaro, na região do Recôncavo baiano. É lá que está instalado o Traripe Espaço Cultural Ecológico: uma fazenda fundada há quase 15 anos, que trabalha a preservação e a educação ambiental e está há apenas 94 quilômetros de Salvador (uma hora de viagem, de carro). Por lá, é possível ter contato com a natureza através de programações lúdicas, como visita às trilhas na Reserva Traripe, com direito a passar pelas nascentes, mata ciliar e cascatinhas, sem falar no contato com a Mata Atlântica preservada e sua flora e fauna nativas. O perfil dos visitantes é composto principalmente por famílias, grupos de amigos, escolas e grupos da melhor idade, que buscam um maior contato com a natureza. O cuidado em seguir à risca os conceitos típicos de empreendimentos antenados ao turismo rural é percebido nos mínimos detalhes: toda a refeição é feita em fogão à lenha, em tachos de barro. A programação noturna tem direito a roda de fogueira e música regional. Tudo isso para manter o contexto cultural do local. Além da estrutura da fazenda, comandada pelo médico veterinário Luciano Figueirêdo, criou-se também uma interação com a comunidade da vila, desenvolvendo projetos que ajudam a despertar um maior interesse dos visitantes e aquece a economia entre os moradores locais. Alguns exemplos são uma feira de artesanato, a criação de um “tour” dos artesãos e a realização de cursos de educação ambien-

tal e seminários para integrar a comunidade e despertar a importância do desenvolvimento sustentável. Do Recôncavo para a Chapada Diamantina. Localizado na cidade de Ituaçu, está outro destino com riquezas naturais incontáveis, que explora o turismo rural, recebe hóspedes e realiza visitas guiadas: trata-se da Fazenda Moendas. O lugar fica a 500 quilômetros de Salvador e possibilita ao visitante o contato com o Vale das Moendas, sítio arqueológico com inscrições rupestres, poços para banho, barragem e pomar, além da prática de esportes radicais como rapel e escalada. São inúmeras possibilidades de diversão, que resultam na educação ambiental e ampliam o contato dos hóspedes com a natureza.

Soraya Tosto

O contato com a natureza é o principal atrativo de quem opta pelo turismo rural.

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TURISMO Turismo Rural

Incentivo De olho no potencial que essa modalidade de turismo pode agregar, empresários do ramo, que é representado pela ABATURR (Associação Baiana de Turismo Rural), se reuniram com órgãos públicos, como Secretaria do Turismo, Secretaria da Agricultura, EBDA, Incra e outras instituições como o Banco do Nordeste e o Sebrae, para debater e fomentar a profissionalização do turismo rural. Em fevereiro desse ano, o grupo lançou o site Turismo Rural da Bahia (www.turismoruraldabahia.com.br). “Estamos buscando parcerias com as entidades que fazem parte do Programa Estadual de Turismo Rural, para organizar ações de publicidade e estímulo à interiorização do turismo, com ênfase no turismo rural, que tem o poder de induzir o desenvolvimento sustentável das zonas rurais, através do aumento de fluxo de visitantes, de forma estruturada e bem planejada”, disse Jane Figueirêdo, Presidente da ABATURR. Para ela, o olhar deve ir além. “As pessoas podem se hospedar nas fazendas e curtir seu entorno, visitando pontos turísticos naturais, culturais, provando sua gastronomia, adquirindo produtos da região, etc”. A partir desse encontro, estão sendo criadas estratégias para o desenvolvimento do setor. O prognóstico é bom e a procura de empreendedores tem crescido, mas é necessário que os investidores tenham em mente “que o trabalho é duro e precisa trabalhar não somente seu empreendimento, mas toda uma conjuntura local,

se comprometendo com toda a região”, alerta a Presidente, justificando o fato de que o turismo rural “resgata tradições que estão esquecidas, justamente por falta do conhecimento das comunidades de que essa herança, esses valores ancestrais, têm valor como produto turístico e podem trazer riqueza para seus integrantes”. O crescimento do setor não é pauta só no Brasil. No mês de junho desse ano, representantes de vários países se reúnem na 1ª Feira de Turismo Rural, que será realizada em Santarém, Portugal. A Bahia estará presente, através da ABATURR, e vai levar um pouco de sua experiência para debater e trocar informações com iniciativas de outros locais.

Soraya Tosto

Empreendimentos, como a Fazenda Moendas, oferecem toda a traquilidade característica de cidadezinhas do interior.

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Turismo Rural TURISMO

Opções para Visitar

Fazenda Moendas Cidade de Ituaçu (Chapada Diamantina Sul) Distância de Salvador 500 Km Destaques sítio arqueológico com inscrições rupestres, poços para banho e esportes radicais, como rapel e escalada Contatos (77) 3415-2197 ou pousadatoyanne@fazendamoendas.com Site www.fazendamoendas.com

Traripe Espaço Cultural Ecológico Cidade de Santo Amaro Distância de Salvador 94 Km Destaques reserva de Mata Atlântica, trilhas, cachoeiras e restaurante com fogão à lenha Contatos (75) 3208-1017 ou 3208-1206 Site www.traripe.com.br

Hotel Fazenda Amoras Cidade de Conceição do Almeida Distância de Salvador 188 km Destaques trilha, passeio de pedalinho e orquidário, além da prática de pesca esportiva Contatos (75) 8111-1572 Site www.amorashotelfazenda.com.br

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planoB indica

Foto divulgação

Foto divulgação

Foto divulgação

Música

teatro

Show

De Pés no Chão Márcia Castro

II Festival CurtaCena de Teatro

As Flores de Lee (e seus botões)

Considerada uma das maiores revelações da nova geração de músicos baianos, a cantora Marcia Castro acaba de lançar seu segundo CD “De Pés no Chão”. O trabalho, baseado numa extensa pequisa da cantora sobre o cancioneiro nacional, traz composições como “Catedral do Inferno”, de Cartola e Herminio Bello de Carvalho, "História de Fogo”, de Otto, e “29 Beijos”, de Moraes e Galvão (numa breve homenagem aos Novos Baianos). O CD conta com a co-produção dos músicos Guilherme Kastrup e Rovilson Pascoal. Preço sugerido R$ 24,90

O Teatro Gamboa Nova recebe, entre os dias 01 e 03 de junho, a segunda edição do Festival CurtaCena de Teatro, mostra competitiva de esquetes (peças curtas), idealizada pela atriz Mariana Moreno. O evento tem como objetivo viabilizar a experimentação do fazer teatral e do “estar no palco” para atores profissionais, amadores e estudantes de teatro. O ingresso para cada dia do evento deve ser trocado por um livro literário. Teatro Gamboa Nova (Centro) De 01 a 03 de junho Entrada gratuita

Um show em homenagem a Rita Lee, a eterna rainha do rock brasileiro. Assim é definida a apresentação pelas atrizes Morgana Davila, Aicha Marques e Evelin Buchegger. No repertório, grandes sucesso como “Ovelha Negra”, “Doce Vampiro” e “Agora só falta você”. E o trio tem a companhia dos músicos Júlio Moreno (guitarra), Paulinho Caldas e Jorge Brasil (bateria), Jota Anderson (baixo) e André Santana (teclados e programação). Varanda do Sesi (Rio Vermelho) 30 de maio, às 21 h R$ 20

Exposições

O Imaginário do Rei - centenário de Luiz Gonzaga Até julho, o Palacete das Artes Rodin Bahia apresenta a exposição ‘O Imaginário do Rei’, com curadoria de Bené Fonteles, artista plástico e escritor, para comemorar os 100 anos de Luiz Gonzaga, o rei do Baião. Entre os itens expostos estão fotos, filmes, objetos pessoais, livros, CDs e obras de arte, algumas delas produzidas por artistas baianos como Christian Cravo e Bel Borba. Também será exposta a roupa de couro que virou marca registrada de Gonzagão, confeccionada pelo cearense Seu Expedito Seleiro. Palacete das Artes Rodin Bahia (Graça) De terça a domingo das 10h às 18h Entrada gratuita Arievaldo Viana

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PATRIMÔNIO

MANIÇOBA, o saBoR Dos aNcEStRais

Prato de origem indígena preparado com a folha da mandioca, a maniçoba se espalhou pelo P rá e Recôncavo Baiano, onde ganhou o status de prato típico das cidades de Cachoeira e Santo Amaro da Purificação. tExto FOTOS

FABio FRaNco MaRcElo saNtaNa

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PATRIMÔNIO

Alimento ancestral das tribos indígenas brasileiras, a maniçoba ganhou as mesas de grandes restaurantes pela Bahia, por seu sabor peculiar e por agregar características de outro prato muito apreciado em todo o Brasil, a feijoada. Preparada com as folhas da mandioca, também conhecidas como ‘maniva’, a maniçoba tipicamente baiana leva, além de muita pimenta, linguiça defumada, charque, bacon, toucinho, orelha, costela e pé de porco. De acordo com a crença popular, a maniçoba - palavra derivada do termo Maní, que na lingua tupi significa ‘Deusa da mandioca’ - era preparada pelos índios apenas para ocasiões especiais, sendo servida com o acompanhamento de alguma caça. Com a incorporação da cultura portuguesa aos hábitos dos primeiros brasileiros, o prato passou a ser cozido com carnes defumadas e logo ganhou lugar de destaque em dois grandes estados, a Bahia e o Pará. Entretanto, apesar de serem cozidas basicamente com os mesmos ingredientes, a versão paraense leva um pouco mais de tempo no preparo, o que dá uma cor mais escura as folhagens. A iguaria se espalhou pelo território baiano, mais especificamente em Cachoeira e Santo Amaro, dois dos municípios mais importantes para o desenvolvimento econômico e cultural do estado, e se tornou marca registrada de ambas as cidades. “A maniçoba de Cachoeira é acrescida até de camarão seco. Mas o prato também já é preparado em outros

estados com características bem diferentes”, conta a cozinheira Lindinalva de Souza Fonseca (Lindi para os íntimos), que há mais de 20 anos aprendeu a preparar o prato com sua sogra, que era sergipana. Já Carina Maria de Jesus aprendeu a fazer o prato com sua mãe, a saudosa quituteira Tia Célia. Há dois anos a frente do restaurante que leva o nome da mãe, falecida por igual período, Carina revela que segue a risca a receita originária do Recôncavo Baiano. “Compro as folhas em Santo Amaro a cada 15 dias. Na preparação deixo cerca de cinco dias no cozimento, sendo que a partir do terceiro já incluo as carnes. Alías, só utilizo carne defumada, carne seca e calabresa. Nada de fato ou mocotó”, pontua. Apontada como a segunda melhor maniçoba da Bahia, o prato preparado por Carina ganhou fama longe das fronteiras do estado, graças aos visitantes ilustres que frequentam o local desde a época em que Tia Célia comandava o lugar. “Há algum tempo nossa amiga Rita Batista fez uma pesquisa para saber qual a melhor maniçoba do estado. Ela trouxe uma turma aqui e depois abriu a discusão na TV. E o público nos colocou na segunda posição. Para mim, que sigo os passos de minha mãe, foi uma honra”, diz. Lindi utiliza uma técnica um pouco diferente no manejo da maniçoba. “As folhas precisam ser muito bem lavadas. Normalmente as compro já moídas (pré-cozidas) em feiras livres aqui de Salvador ou no interior. Lavo várias vezes sob

Preparada com as folhas da mandioca, também conhecidas como ‘maniva’, a maniçoba tipicamente baiana leva, além de muita pimenta, linguiça defumada, charque, bacon, toucinho, orelha, costela e pé de porco. 46


PATRIMÔNIO

Onde comer Recanto da Tia Célia Rua Padre Domingos de Brito, 25, 1ª trav. – Garcia Contato: (71) 3435-5872 / 9931-4422 / 8879-3972 Forno e Fogão Praça de alimentação do Bahia Outlet Center, Rua Direta do Uruguai, 753 Contato: (71) 3313-4688

Maniçoba palavra derivada do termo Maní, que na lingua tupi significa ‘Deusa da mandioca’ água corrente até que todo o sumo seja extraído e a água fique clara. Depois coloco as folhas para cozinhar por cerca de seis horas”. Findo esse período de pré-cozimento, são acrescidas as carnes bovinas e suínas salgadas, que ficam no fogo médio até que começam a esfarelar. “Depois acrescento um pouco de farinha de mandioca para engrossar um pouco”, finaliza.

Uma comida perigosa No artigo intitulado “A mandioca na alimentação brasileira”, a pesquisadora Fernanda Nascimento, da USP, cita que a mandioca era um planta selvagem que passou a planta agrícola graças ao manejo dos povos indígenas, que também desenvolveram métodos de utilização das raízes e de suas folhas para a alimentação. “Foram os próprios indígenas que desenvolveram técnicas para transformar a mandioca em subprodutos, e do mesmo modo souberam ter os cuidados necessários no uso da 'mandioca-brava', a qual possui uma grande quantidade de ácido cianídrico – substância venenosa que pode matar”. Exatamente por conta da presença desse ácido que os indígenas desenvolveram a técnica do cozimento da folha da mandicoca por dias seguidos para eliminar todas as toxinas. Mas Carina decreta entre risos. “Quem sabe fazer maniçoba tem o maior cuidado no preparo das folhas. Aqui ninguém fica com medo de comer. E se ainda assim o cliente ficar com receio, dou uma ‘provinha’ para ele”.

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DESTAQUE

É uma inovação no mercado cultural que permite voz e vez aos talentos que não dispõem de incentivo para tal anônimo

Plano B para mim é uma mistura cultural artística popular com o objetivo de divulgar a diversidade regional baiana THAÍS LESQUIVES

Uma alternativa, o confronto, o ato criativo. Vida longa à revista! ISA LORENA

Dizem que o plano B é uma segunda opção ou talvez uma alternativa para algo que não deu tão certo de imediato. No nosso caso, Plano B é a porta de entrada para que artistas e produtores culturais tenham a possibilidade de apresentar seu trabalho, e porque não dizer, sua arte, para o grande público. E em meio a tantas dúvidas, uma pergunta ganhou força e abriu espaço para que nossos leitores também deem sua opinião: O QUE SERIA PLANO B PARA VOCÊ? 48


DESTAQUE

Pode ser o começo, o meio e o fim, mas com certeza é um plano bom. Aquele É o momento de criatividade. É quando que salva, ilumina e mos- você põe seus neurônios para produtra um novo caminho. zir mais. É no Plano B que os melhores CARLA VISI resultados surgem DIMAS NOVAIS

Um veículo de cultura e informação que nos atualiza sobre arte e entretenimento, diversidade e comportamento, é o além do ‘plano A’

É um projeto inovador que visa a valorização e o resgate da arte e cultura baiana

LUIS PAULO COSTA

DIEGO BANDEIRA

É o desvendar daquilo que você deseja, mas ainda não sabe!

Uma nova alternativa cultural. Uma revista atual, com a cara de Salvador e sua cultura

anônimo

A melhor opção quando o convencional não lhe agrada!

Um canal para mostrar o que há de cultural e artístico de nossa terra FABIO ROCHA

Plano B é uma nova chance de acertar. É uma nova idéia ELAINE BARBOSA

TONI FREITAZ

HIURY LEONEL

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OPINIÃO

Com anuência do papa! Edson Ramos Analista de Relações Internacionais com especialização em Direitos Humanos. Integra o Coletivo Prumo, de Ilhéus, cuja linha de atuação cultural definiu-se também com a participação em editais nos últimos quatro anos. Helbert Davidson

De um tempo para cá, no Brasil, e especialmente na Bahia, quase sempre quando se fala dos avanços no trato do setor público com a cultura, inevitavelmente os editais são mencionados como a prova de um grande passo adiante no sentido da aproximação entre os recursos públicos, a classe artística e as reais necessidades culturais da sociedade. Para alguns, os editais de incentivo à cultura são feitos bezerros de ouro, símbolo maior da democratização do acesso à cultura, o fim da era árida da política de bancada, dos jogos de influência, da monocultura dos coronéis, do muito para tão poucos. Se é isso mesmo ou não é, eu não sei! Sinto-me mais desafiado ao exercício democrático e cidadão de, pelo menos, já a essa altura, questionar como os efeitos dessas políticas têm, de fato, repercutido no mercado cultural. Se, por exemplo, pensarmos nos grupos artísticos – que asseguram a riqueza e diversidade de nossas expressões culturais – há quantas eles andam em termos da sustentabilidade de seus negócios criativos? Mas afinal de quem estamos falando? Quem seriam esses novos, ou nem tão novos assim, baianos, que passam a ser assimilados pela indústria cultural e que tiveram no aporte do recurso público o elemento determinante ou pelo menos propulsor para inserção no mercado? Ou, por outro lado, será que dá para imaginar um modelo de política para cultura que seja eficaz, que alimente de sonhos artísticos o povo brasileiro e de arroz e feijão o criador, quero dizer, o artista (não o do Oscar), sem para isso ter que contar com os editais públicos ou privados de incentivo à cultura? Não quero propor passos de curupira ou retrocessos, mas também não vejo motivos para fogos de artifício. Apesar das mudanças tantas pós ‘era digital’, de uma maior di-

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fusão dos atores e das possibilidades de comunicação com o mundo, é sobre esse que as indústrias culturais seguem desdobrando suas garras, reinventando suas formas de controle ideológico e estético – com simpatia digna de Jorge Ben. Será que a gente ainda não percebeu que o mundo passa por um momento de crise financeira, com repercussões diretas e visíveis na economia real, e que nesse contexto a economia da cultura fortalece-se enquanto alternativa de renda, empregos, negócios, patentes e sustentabilidade? E que nesse sentido, não cabe estado mínimo, incapaz de fomentar o encontro dos elos da cadeia produtiva da cultura; não cabe o mesmo aparato jurídico, de origem neoliberal, em leis de incentivo que dão margens à confusão entre o que é o direito à cultura e o que pode vir a ser marketing do setor privado ao custo de dinheiro público; não cabe menos para o Norte e Nordeste do país ou menos para o interior em detrimento das capitais; não cabe estado engessado, por sua estrutura excessivamente burocrática, e que joga no lixo propostas da sociedade civil, com mérito cultural, pela falta de algum protocolo, endosso, carimbo, vias autenticadas do RG, CPF, CNPJ, anuência do papa... Como também não cabe imaginar que tudo vem do setor privado é o cão! Proponho, pelo menos, o exercício democrático de acreditar que tudo pode ser melhor, inclusive os modelos de política pública para cultura. Parece-me que a questão não se restringe somente a como distribuir o recurso público, ou para quem, mas especialmente em que empregá-lo, pensando em efeitos mensuráveis de sustentabilidade. Ou talvez a linha de corte da medida do possível seja, de fato, estreita demais. Sendo assim, só não me venha com bezerros de ouro!


OPINIテグ

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