Revista Plano B #06

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Turismo

Artes Visuais

Ponto de encontro de aventureiros, o Vale do Capão abriga uma variedade enorme de opções de lazer

Precursora da imprensa, a xilogravura renasce com alma e características locais

ANO 1  N° 6

Ícones que fortalecem aspectos culturais da sociedade baiana sem perder o lado comercial

FEIRAS LIVRES




EDITORIA

Em tempos de internet e novas tecnologias da informação, os indivíduos passaram a se relacionar cada vez mais em ambiente virtuais, deixando de lado uma premissa básica das relações interpessoais: o contato. Essa característica torna-se cada vez mais escassa, comprometendo todo o processo de socialização, especialmente quando se trata da transmissão de valores culturais, que determina, de certo modo, a maneira como nós vemos enquanto grupo. Apesar dessa mudança, ainda nos deparamos com espaços capazes de fortalecer a nossa identidade – a boa e velha baianidade. Mas talvez nenhum consiga revelar tanto sobre nosso povo quanto as feiras livres. Esses conglomerados de gente, que andam para lá e para cá, desempenham um papel muito mais importante que o de apenas servir como local de mercantilização e de subsistência. As feiras, desde a Idade Média, sempre contribuíram firmemente para a formação social dos povos. Seja no Velho Continente (onde ainda é possível se deparar com esse tipo de comércio em pequenos povoados) ou aqui no Brasil, com suas unidades multiculturais de São Paulo, Bahia, Pernambuco, Minas, Sergipe... As feiras se mantem na vanguarda da efervescência cul-

tural, elevando aos olhos de milhares as matrizes da população brasileira. Cerâmicas, cachaças, amuletos, roupas, objetos. Achamos de tudo, da capital ao interior, de São Joaquim a Caxixis. Tudo da melhor qualidade, com um toque de criatividade sui-generis só encontrada em que nasce pelas bandas de cá. E feira também é lugar de amizades, de famílias, construídas e fortalecidas ao longo das décadas por uma relação de pertencimento afetivo de um mundo que exala perfumes de frutas e legumes. Tudo isso têm o poder de encantar e nos fazem entender como parecemos tão iguais nos fim das contas. Ali vemos nossa história. Ali vemos o que nos faz sentir orgulho de declarar “sou baiano”. Boa leitura!

EXPEDIENTE EDição ANO 1  N° 6 TiragEM 5.000 ExEmplarEs DistRiBuição gRatuita

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PATROCÍNIO Projeto contemplado pelo EDITAL DE APOIO À PUBLICAÇÃO DE PERIÓDICOS 2009



CAPA Espalhadas por todo o estado, a feiras livres se configuram como propagadoras das tradições locais

MÚSICA OQuadro desafia o mercado com álbum elogiado em todo o país

ARTES CÊNICAS Pesquisa e ensaio são imprescindíveis para quem quer se tornar coreógrafo

PROFISSÃO Nos bastidores, diretor teatral é fundamental para o sucesso de um espetáculo

OPINIÃO Ana Claudia Gomes analisa a importância antropológica das feiras para os baianos

CIDADANIA

mUSEU

MODA

ENTREVISTA

planoB indica

OPINIÃO

Riso e encenação podem ajudar no tratamento de pacienteS

Fundação Casa de Jorge Amado preserva tesouros da vida e obra de escritor baiano

Tradição secular, a renda não sai de moda e embeleza corpos e casas

Bruno Cassio revela de onde tira tanta criatividade para trabalhar com cultura

Confira as nossas sugestões sobre o que rola pela Bahia

Sérgio Gomes sugere como ampliar o acesso à cultura local

ARTES VISUAIS

TURISMO

Artistas plásticos fortalecem o uso da xilogravura, técnica criada no século VI pelos chineses

Fundação Casa de Jorge Amado preserva tesouros inestimáveis da vida e obra de escritor baiano



ARTES VISUAIS Xilogravura

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Xilogravura ARTES VISUAIS

Depois de ser considerada antiquada, a xilogravura volta a estar em alta no mundo das artes visuais. Luiz Natividade e Gabriel Arcanjo são alguns dos responsáveis diretos por reinventar e propagar no estado o legado deixado por nomes como Calazans Neto, Hansen Bahia e outros. tExto

ANDRÉ ÁVILA FOTOS

MaRcElo saNtaNa

Há pouco mais de 30 anos, o jovem Luiz, apaixonado por artes, viria de Alagoas para Salvador com um único objetivo: estudar na Faculdade de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia. Com talento aguçado e determinação de sobra, ele dominou todos os estilos de arte: pintura, desenho, escultura e cerâmica. Mas foi na xilogravura que ele realmente se encontrou. “Foi paixão à primeira vista”, conta. Luiz, que ganhara o codinome Natividade, apostou na técnica durante 28 anos, e hoje, reciclando suportes e ideias, ele divulga a xilogravura por onde passa. “Pedaços de guarda-chuvas se transformam em goivas, canos de PVC fazem parte na composição de rolinhos e qualquer placa de Eucatex se transforma em suporte para uma matriz”, revela o artista, que se orgulha de ter conseguido colocar novamente em evidência a técnica, outrora considerada ultrapassada. Para Natividade, sua grande sacada foi a composição do rolinho. “Com ele posso reproduzir gravuras em qualquer lugar, não ficamos dependendo das prensas. A criação ficava muito restrita a salas de cursos, faculdades ou oficinas e não levavam para fora, não faziam mais. É aí eu que entro. Comecei a fazer a xilogravura em praça pública, bienais, feiras. As pessoas começaram a se tocar que podem fazer em qualquer lugar”, descreve. Dessa ideia surgiu o “Manual de Xilogravura”, publicado pela Universidade Federal de Feira de Santana. Nele, Luiz Natividade ensina o passo a passo de como fazer seu próprio material e usar a técnica para compor obras. Além disso, também é idealizador do “Projeto Natividade de Xilogravura”, que realiza oficinas com jovens e crianças ensinando a arte. “Eu queria que despertasse os mais jovens. Se a cada

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ARTES VISUAIS Xilogravura

cem crianças que eu ensino, dez nunca pararem de fazer gravuras, meu objetivo foi conquistado”, idealiza, completando saudosista: “Eu aprendi isso com minha mãe: Quando nós ensinamos nossas habilidades, nossa arte alcança lugares que não estamos”. E ele alcançou! Reunindo mais de 1000 crianças, o projeto percorreu os estados da Bahia e Alagoas. Mas suas obras já estão espalhadas pelos quatro cantos do mundo. “Hoje posso dizer que tenho obras em Portugal, Itália, França, Nigéria e Estados Unidos. Eles (estrangeiros) veem expostas no Pelourinho, geralmente. Quando gostam, eu passo o meu blog, as minhas redes sociais e eles realmente entram em contato depois e encomendam”, afirma com orgulho o artista, que completa: “O preço que eles pagam é simbólico. O importante é saber que tem um trabalho meu fora do país”. Por falar em blog e internet, Luiz faz questão de explicar como a tecnologia, antes tida como motivo da queda dessa modalidade de arte, devido as impressoras a laser e aos modos mais simples e práticos para obter uma arte instantânea, também virou uma grande aliada nessa fase de reinvenção da xilogravura. Luiz alimenta constantemente seu blog (http://luiznati-natividade.blogspot.com.br/) e seu perfil no Facebook. “As pessoas vão se soltando mais, procurando mais. Quando eu postei o meu primeiro vídeo no Youtube não existia nada a respeito. Um ano depois já existiam dez”, conclui.

A xilografia foi a primeira possibilidade de impressão no papel em grande quantidade. Os registros dão conta de que a primeira palavra impressa desse modo foi no ano de 868, na China. Mais tarde, por volta de 1439, em um método semelhante, o alemão Johannes Gutenberg fragmentou a matriz de madeira aos tipos e criou a prensa móvel, marcando a Revolução Científica e o surgimento da Imprensa. Muito tempo depois, na França, Daguerre desenvolveria um processo que consistia em usar vapor de mercúrio para acelerar o processo de impressão das fotografias. E posteriormente, os moldes foram evoluindo para a criação da película de vídeo. “Não posso afirmar com todas as letras, mas pode-se dizer que os métodos usados na xilogravura serviram de base para criação da imprensa, da fotografia e do cinema”, conclui Luiz Natividade.

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Nanquim e rolo para pintar são fundamentais no processo criativo da xilogravura


Xilogravura ARTES VISUAIS

Mãos de anjo De segunda a sexta, do nascer ao pôr do sol, Gabriel Arcanjo da Anunciação está nas oficinas do Museu de Arte Moderna da Bahia. Um rapaz de aparência pacata e fala mansa, com barbas grisalhas e os dedos tortos, devido a um acidente com a prensa. Assim como o amigo Luiz, Gabriel Arcanjo é um dos expoentes contemporâneos da xilogravura baiana. Tudo começou ainda criança. Filho de sertanejos, Gabriel sempre teve uma relação muito estreita com a cultura do interior. “Já aqui em Salvador, nas praças do Centro, Comércio, Cairú, Largo da Calçada e até na própria feira de São Joaquim, sempre me encantei com a atmosfera e com os cordelistas recitando”, diz. Depois de abandonar a escola, antes de completar o segundo grau, Gabriel entrou para a oficina do MAM em 1986, como aluno da professora Márcia Magno. “Ela disse que eu estava pronto em questão de dois semestres e até hoje eu estou aqui fazendo gravuras e repassando o meu aprendizado”, revela o artista, que hoje realiza oficinas nos locais de exposição das suas obras. “Como um violeiro toca sua viola, eu vou tocando minhas gravuras”, define Gabriel. Tanto Gabriel, quanto Luiz seguem seus caminhos a fim de difundir ainda mais essa técnica milenar. Natividade pretende lançar um livro só com xilogravuras das crianças que ele ensina. Além disso, há um plano mais ousado. “Estou fazendo a xilogravura do centenário da Divina Pastora. A matriz tem 1,20m por 90 cm, a maior que eu já fiz até hoje”, ambiciona. E os planos não param por aí. “Pretendo fazer também um show de xilogravuras. Vou expor 1000 obras no museu Ramon de Oliveira, em Feira de Santana”, descreve empolgado. Já Gabriel, quando não está no MAM, segue viajando pelo interior expondo suas gravuras e realizando oficinas para manter viva essa técnica por, quem sabe, mais um milênio.

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MÚSICA OQuadro

Grupo OQuadro transcende as fronteiras baianas e comprova que por aqui há mais que “modinhas de verão”. Seu novo disco, apontado como uma das gratas surpresas de 2012, segue chamando a atenção da crítica especializada e reverberando nos ouvidos de quem aprecia boa música. tExto

FABIO FRANCO

Reprodução da capa do disco, pintura criada por Izolag e Ananda Nahu.

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OQuadro MÚSICA

Entre samplers e frases rimadas com velocidade singular, os acordes de um piano. É essa mistura “despreocupada”, mas carregada de baianidade que marca o novo trabalho do OQuadro, grupo de rap formado por músicos de Ilhéus. O disco homônimo – e oficialmente o primeiro da banda – traz uma compilação dos mais de 15 anos de estrada de Rans, Jef, Freeza, Victor Santana, Ricardo Santana, Rodrigo Dalua e Jahgga, com a versatilidade que mescla o som das guitarras, baixos e percussão a fala rápida, inteligente e sem rodeios dos vocais. “Somos grandes e estamos vivos, independente se os espaços no rádio estão comprados ou não. As cenas estão se fortalecendo e crescendo cada vez mais, formando um universo artístico paralelo e independente desse ‘domínio’ (ritmos descompromissados com o

« Somos grandes e estamos vivos, independente se os espaços no rádio estão comprados ou não. As cenas estão se fortalecendo e crescendo cada vez mais, formando um universo artístico paralelo e independente desse ‘domínio’ » JEF, VOCALISTA DA BANDA OQUADRO

conteúdo de suas canções). É bom lembrar que a Bahia também é terra de Antônio Carlos e Jocafi, de Os Tincoãs, de Reizinho, entre tantas outras referências que não correspondem a esse ‘descompromisso’”, revela o vocalista Jef. Pouca gente sabe, mas a trajetória desse grupo de jovens músicos é longa. Começou no ano de 1996, quando o rap ainda engatinhava por aqui. “Somos a banda mais antiga desse estilo na Bahia”. E se alguém duvida que vale a pena investir em rap na terra do axé, a justificativa surge tão rápida quanto as rimas desse estilo musical. “A Bahia é muito rica em

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MÚSICA OQuadro

Ana Lee

ritmo e poesia, em cinema, teatro, e por aí vai. O que faz valer a pena é a vontade de fazer, acima de qualquer coisa. E essa diversidade artística nunca vai deixar de existir mesmo que o rádio não toque, mesmo que a TV não mostre”, conta. Característica forte e marcante no trabalho dos meninos, as experimentações com instrumentos, acordes e estilos chamam a atenção do ouvinte/ espectador mais desavisado durante as apresentações do grupo. “Gostamos de improvisar independente dos instrumentos. Seja com cordas e tambores ou com equipamentos eletrônicos, a ideia é fazer o som, encaixar a letra e atingir o sentimento. Quanto mais à vontade ficamos, melhor será a fluidez dos improvisos”, avisa o músico.

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No currículo a banda acumula até apresentações em teatros.

Disco de gente grande Recém saído do forno, o CD dos meninos de Ilhéus chamou a atenção de medalhões da música nacional. A repercussão foi grande. A mídia especializada, especialmente no Rio e em São Paulo, destacou o material como uma das melhores produções musicais do ano. “É sempre bom ver o trabalho reconhecido, mostra que estamos no caminho certo. Esse disco foi resultado de muito tempo de maturação, estudo e já vinha fazendo certo barulho antes mesmo de sair. Mas há muito ainda a ser feito”. Enquanto isso, na terra natal a divulgação foi mais forte na internet, com participação direta do público. “Não dá pra falar da mídia como se fosse uma coisa só. Existem mídias onde a música só toca se pagar e existem aquelas que estão voltadas para a música independente e valorizam a diversidade. No nosso caso, as redes sociais tem sido o principal meio de comunicação direta com o público e vem dando grandes resultados. Foi o que fez chegarmos aonde chegamos até então”, diz Jef.


OQuadro MÚSICA

O repertório, que tanto chamou a atenção, traz um apanhado das melhores composições da longa carreira do OQuadro. “O processo de seleção foi simples: foram para o disco as músicas que mais gostávamos. Não tivemos aquela preocupação com ‘música de trabalho’ e sim com as que mais nós tocávamos. Acredito que a sinceridade dessa escolha foi o que gerou esse saldo positivo”.

Convidados especialíssimos Inovação e criatividade estão sempre acompanhando os meninos do OQuadro. Numa dessas andanças para fechar o repertório, surgiu um “insight” para a canção ‘Planeta Diário’. E a turma não brincou na hora de escolher o convidado: Guilherme Arantes. “Não foi bem um convite, simplesmente aconteceu. Esse disco foi gravado no estúdio Coaxo do Sapo (de sua propriedade), onde nos encontramos. E trocando ideias, percebemos que tínhamos muito em comum. Fizemos uma Jam Session que resultou nessa grande contribuição para o disco. Todos ficamos felizes com o resultado”, relembra o cantor.

Outro grande nome se destaca nos bastidores. Parceiro de longa data e de várias apresentações, Buguinha Dub, que traz no currículo participações em trabalhos de Nação Zumbi, Racionais MC’s, Mestre Ambrósio, Lucas Santanna, Cordel do Fogo Encantado, Mundo Livre S.A., entre outros, foi o responsável pela produção e mixagem do material. “Para nós é uma alegria imensa contar com um nome de peso como Buguinha, que abraçou a nossa causa, na produção deste primeiro disco. Essa é a garantia que a música que fazemos tem o conteúdo e a profundidade necessária para alcançar a todo o público”. E para não perder a batida, a turma anuncia que tem novidade vindo por aí. “Já temos um clipe no forno, gravado no Rio de Janeiro, dirigido por Marcelo Yuka. Esperamos lançá-lo em breve. Nossa música já saiu em duas coletâneas na Europa, dentre elas uma de Bass Culture, e tivemos uma proposta de lançar o disco em vinil lá também. A ideia agora é fazer ainda mais shows e propagar nossa arte para um número cada vez maior de pessoas”, confidencializa Jef.

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ARTES CÊNICAS Criação coreográfica

PASSO A PASSO Repetidamente ensaiadas ou “de improviso”, sincronizadas ou aleatórias. As coreografias que encantam em cima dos palcos são resultado de muitas pesquisas, estudos de variadas influências e são abertas a interpretações. “O divertido é imaginar o imaginável em movimento,” conta o dançarino Hugo Pimentel.

Reginaldo Azevedo

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ANDRÉ ÁVILA


Criação coreográfica ARTES CÊNICAS

Antes das cortinas se abrirem e da primeira nota musical soar para guiar os movimentos corporais que encantam os expectadores, existe a criação coreográfica. “Criação é algo que vai sendo trabalhado durante muito tempo antes do espetáculo. Muitos trabalhos vão se moldando de acordo com as necessidades do coreógrafo, com a resposta dos dançarinos e até de acordo com a plateia. O mais importante é colocar no corpo o que se passa na mente”, explica Hugo Pimentel, graduado em Licenciatura em Dança pela UFBA, professor de balé e intérprete-criador no Grupo de Dança Contemporânea (GDC) da UFBA e do Kátharsis Cia. de Dança. Mas a tarefa de transmitir sentimentos com combinações de movimentos não é tão simples como parece. Em seu mais recente trabalho pelo GDC, Hugo apresentou a obra “O que fica”, que sintetiza esse turbilhão de emoções expressadas pelos corpos no palco e a concepção de cada espectador. “No

« Não é preciso que as pessoas entendam ou assimilem tudo que eu faço, de acordo com meus movimentos. A interpretação é justamente o que fica dessa troca entre o artista a plateia » HUGO PIMENTEL

processo de criação foi levantada uma série de questões que nos indagou o que nos move e quem somos. Hoje, vejo o quanto modificamos nossos discursos sem perder a identidade. É isso que eu acho rico enquanto essência da obra. Não é preciso que as pessoas entendam ou assimilem tudo que eu faço, de acordo com meus movimentos. A interpretação é justamente o que fica dessa troca entre o artista a plateia”, explica o dançarino. A professora Fátima Daltro, da Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia, reforça o discurso de Hugo. “Em um espetáculo de dança, o espectador vai construir uma ideia sobre a obra a depender da vivência que ele tem, mobilizado a partir de suas experiências. É assim que a dança contemporânea age”. Fafá, como é conhecida no meio acadêmico, assume um desafio ainda maior nesse contexto. Ela é coordenadora e coreógrafa do Grupo X de Improvisação, que como o nome propõe, traz ao palco ideias, pesquisas, momentos e sentimentos do corpo de baile para coreografias criadas no instante da apresentação. “Tudo se conecta no

Alessandra Nohvais

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ARTES CÊNICAS Criação coreográfica

estudo de espaço, estética, movimento e deslocamento em cena. Qualquer coisa serve de inspiração para criar. A improvisação nos dá os campos para pesquisar o que quisermos”, conta Fafá, que também atua como coordenadora do Grupo Faça a Diferença, que põe em prática um estudo feito por ela, na Faculdade de Belas Artes de Barcelona, sobre o acesso de pessoas com deficiência a dança. De acordo com Fafá, os movimentos coreográficos têm se expandido como um meio cultural forte no estado, mobilizando uma quantidade maior de pessoas e alcançando lugares novos, principalmente nas comunidades. Mas a falta de políticas públicas e incentivos à cultura na Bahia, que não é novidade para ninguém, também atinge uma das três principais artes cênicas da antiguidade. Com inúmeras dificuldades, muitos grupos e movimentos estão fechando as portas. “A cultura baiana tem se valorizado ao longo dos anos. Apesar de alguns avanços, acho que retrocedemos em outras questões culturais, como o Ateliê de Coreógrafos Brasileiros que era um espaço de investigação, criação e discussão em âmbito nacional e foi abandonado depois de cinco edições anuais”, lamenta Hugo. Concernente a isso, Fafá Daltro ressalta que atualmente a maioria dos trabalhos realizados é simplesmente pelo prazer. “Para sobreviver precisamos de editais, mas nem sempre temos. Políticas públicas para dança são poucas e quando enviamos algo, dificilmente é aprovado. Trabalhamos porque gostamos, mas não temos material para trabalhar”, conta a coreógrafa, que também lamenta a irregularidade das companhias devido à falta de incentivo. “É uma política perversa. Não possibilita que os grupos desenvolvam seus trabalhos. Sem se dedicar mais efetivamente para mantê-los, eles vão continuar aparecendo e desaparecendo. Não tem como se sustentar”.

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Reginaldo Azevedo

« Tudo se conecta no estudo de espaço, estética, movimento e deslocamento em cena. Qualquer coisa serve de inspiração para criar. A improvisação nos dá os campos para pesquisar o que quisermos » FÁTIMA DALTRO

Dança Popular Em uma rápida pesquisa com a palavra “coreografia” nos buscadores da internet, encontra-se nos primeiros resultados as danças de músicas populares, que estão na moda, como “Assim você mata o papai” e “Eu quero tchu, eu quero tcha”. Por conta das dificuldades encontradas no cenário, e da diversidade cultural do estado, a chamada dança popular tem sido uma das alternativas encontrada por muitos dançarinos e coreógrafos acadêmicos para poder sobreviver. “Eu posso te dar uma lista de amigos que dançam em bandas dos mais diversos estilos musicais em Salvador. Levando em consideração que a nossa cidade é marcada pelo carnaval e turismo, coisas que trazem muita grana, tem gente que aproveita disso para viver da dança na Bahia, o que não é fácil”, conta Hugo. Já Fafá, ressalta que esse tipo de música e dança são modalidades vazias e passageiras. “É algo de fácil identificação, todo mundo aprende rápido. Mas se repete e nada se modifica. De repente, a coisa enjoa. A dança popular tinha que propor algum deslocamento ao espectador. Mudar o modo de pensar, tal como a dança contemporânea”. E completa com bom humor. “Geralmente elas conseguem uma articulação de quadril que nós nem conseguimos fazer, é engraçado”. Por fim, os dois coreógrafos rechaçam qualquer tipo de julgamento em relação a essa escolha (dos ritmos populares). “Não posso julgar, o meio é complicado”, conclui Fafá Daltro.


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PROFISSÃO

POR TRÁS DOS

PALCOS tExto

PIETRO RAÑA FOTOS

MaRcElo saNtaNa

Para a boa realização das montagens teatrais é de fundamental importância que o diretor esteja nos bastidores, definindo cada detalhe de uma peça, sugerindo ações e reações. Mas o caminho a ser trilhado para chegar ao posto de direção é longo e depende de muito estudo. Muita gente não sabe, mas aquele riso de um ator ou aquela pausa numa cena mais dramática provavelmente foi produzida para estar ali. Essa é uma das funções do Diretor de Teatro. Ele é o responsável por supervisionar e dirigir a montagem de uma peça, definindo cada detalhe, principalmente os da representação. “O diretor de teatro é o responsável pela concepção do espetáculo. E isso quer dizer que, a forma como você vê o elenco dando o texto, se movimentando no espaço, a interação entre atores, cenário, trilha sonora, iluminação e até mesmo com a plateia, em alguns casos, tem a mão do diretor”. O depoimento é do ator, diretor e dramaturgo Vinnícius Morais, que entrou na área das artes aos 17 anos, quando ingressou na faculdade deTeatro. Hoje, ele trabalha com a Cia. Baiana de Patifaria.

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O diretor tem a missão de permitir que os atores desenvolvam seu talento o melhor possível em cada trabalho. Embora a função seja bem definida, Vinnícius alerta que “não tem como ficar muito claro para o espectador até onde vai o trabalho do diretor, do dramaturgo, do ator. Porque o que se vê no palco é uma obra coletiva. Numa comédia, se você ri com uma pausa dada pelo ator na hora certa, aquilo pode ter sido uma sugestão do texto, pode ter sido uma indicação do diretor para o ator, pode ter sido uma criação do ator no ensaio ou que ele descobriu naquele instante à sua frente. Ou mesmo uma conjunção de todos esses fatores”.


PROFISSÃO

Histórico Aos 17 anos ingressou na Faculdade de Teatro da UFBA. A peça de formatura foi a comédia “Cama, Mesa e Banho”, que teve o desafio de ficar em cartaz de forma inédita em Salvador, pois foi projetada para ser encenada em bares e restaurantes. Em seguida, se pós-graduou na Unijorge. Em 2005 teve sua comédia “Kabum” montada em São Paulo. Dois anos depois criou, com Carolina Kahro, o premiado espetáculo “Grand Thêàtre: Pão e Circo”. No ano seguinte, em 2008, Vinnícius realizou um grande sonho: entrar na Cia. Baiana de Patifaria. “Lelo Filho me convidou para, conjuntamente, escrever ‘Siricotico – Uma Comédia do Balacobaco’. Na montagem, também fui assistente de direção de Fernanda Paquelet, que soube recriar conosco o texto de uma forma tão respeitosa e criativa, que admiro muito”ressalta Vinnicius, que também crioum o seriado “Pulo do Gato” para participar de um edital do Ministério da Cultura. Em 2010 ganhou outro edital, da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, para escrever a peça juvenil “Por que a gente é assim?”, que agora aguarda verba para ser montada. Recentemente escreveu e ddirigiu, ao lado de Alan Miranda e do professor Ricardo Carvalho a peça “SMS – Saga da Memória Soteropolitana”.

Vinnícius explica que, quando trabalha como diretor, procura ser criterioso com as palavras e com a forma e o ritmo de como as coisas são ditas ou até mesmo, não ditas. Segundo ele, uma palavra bem colocada ou o silêncio na hora correta fazem toda a diferença no produto final. Ele que também é ator, diz que atuar ajuda muito no trabalho de direção. “Não acho que o diretor tenha que necessariamente ser ou ter sido ator, mas acho que isto afina a sua sensibilidade. Uma vez que você sabe como é difícil estar do outro lado, trata o ator da mesma forma como gostaria de ser tratado e a condução do trabalho torna-se mais humana e respeitosa”, conta.

Formação acadêmica “Se você vê uma peça com elenco afinado, o texto e a cena prendem sua atenção do início ao fim, pode ter certeza que o diretor fez muito bem seu trabalho, colocando todos os elementos constituintes do espetáculo em harmonia”, diz. A profissão, que é pouco conhecida pelo grande público, exige muita dedicação. De acordo com Vinnícius Morais, a Escola de Teatro da UFBA é a única do país que forma bacharéis em Direção Teatral. “Se não for pela academia, é a experiência que forma o diretor, pois é muito raro haver cursos ou oficinas voltados para este ofício”, alerta. E para quem quer entrar no mundo da direção, vale a dica: “Estude! Na faculdade aproveite as disciplinas e os programas de extensão, onde há espaço para experimentação de cenas. E tem que fazer projetos para todos os editais que surgirem, para as leis de incentivo à cultura, pois sem esses mecanismos dificilmente você conseguirá algum patrocínio”, conclui.

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CAPA Feiras livres

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Feiras livres CAPA

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CAPA Feiras livres

« A feira (..) é o sinal material da história, gosto e formas de vida de um povo. Ali estão reunidos todos os produtos fundamentais para cada fazer humano tradicional » RITA MAIA, MUSEÓLOGA E DOUTORA EM COMUNICAÇÃO

Os registros oficiais dão conta do surgimento das primeiras feiras ainda na Idade Média, mas existem resquícios de informação da existência desse tipo de conglomerado comercial de muito tempo antes dessa época. Inicialmente, as feiras eram erguidas ao redor das cidades, de modo a facilitar o acesso do comerciante ao consumidor e, consequentemente, aos gêneros de subsistência. Com o passar dos anos, as feiras se consolidaram como importantes centros de trocas de mercadorias e bens culturais, difundindo usos, costumes e hábitos entre os membros das diferentes comunidades. No Brasil, esse mesmo processo se desencadearia ainda no período colonial, quando nossa nação, ainda em formação, recebia mercadores de todas as partes do globo em seu vasto litoral. Dessa forma, as feiras adotavam um papel de base na

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CULTURA

CONTEMPORÂNEA

estrutura da organização social e econômica da sociedade em construção. “A feira, tanto do ponto de vista dos produtos vendidos, quanto do local em que se instala, é o sinal material da história, gosto e formas de vida de um povo. Ali estão reunidos todos os produtos fundamentais para cada fazer humano tradicional”, comenta a museóloga e doutora em Comunicação e Cultura Contemporânea pela UFBA, Rita Maia. A importância singular desses conglomerados fica evidenciada principalmente por sua interferência direta na formação de vários dos municípios baianos, a exemplo de Cruz das Almas, Senhor do Bonfim e Feira de Santana. “É de conhecimento geral que muitas das cidades do interior da Bahia ainda sobrevivem com o que é comercializado nas feiras, especialmente a de São Joaquim”, revela Marcílio Costa Santos, comerciante e presidente do Sindicato dos Feirantes de São Joaquim. Essa relação direta permitiu a chegada aos novos municípios de mão-de-obra, produtos e, acima de tudo, a ampliação dos traços culturais locais, fortalecendo o sentido social e antropológico das feiras livres.


Feiras livres CAPA

“Aparentemente uma coisa não teria nenhuma relação com a outra. Porque uma identidade de um povo poderia ser fortalecida por um espaço de comercialização de produtos? No entanto, se tomarmos a identidade como um aprendizado e um processo de reelaboração constante, a feira acaba por favorecer, a população local, o contato com elementos materiais e processos que tradicionalmente são utilizados e que correspondem a uma demanda desta sociedade-identidade. Este contato gera a perpetuação de práticas e reprodução — construção de aprendizados culturais, assim como também, por que não dizer, de aperfeiçoamentos, fortalecendo, portanto as identidades”, sugere a museóloga.

Pelas ruas da capital

Nas feiras é possível estabelecer uma relação mais forte de sociabilização através do comércio de mercadorias.

Em se tratando da capital baiana, as principais feiras livres surgiram nas primeiras décadas do século XX, período de plena expansão comercial e de infraestrutura da cidade. Água de Meninos, Sete Portas, São Joaquim, do Japão, Itapuã, do Rolo, todas apresentam características similares, ora de funcionamento, ora de logística. Algumas sucumbiram, outras mudaram de ponto, mas a grande maioria já passa dos 40 anos de atividade. Outras tantas funcionam de maneira intermitente, sem dia ou horário específico para acontecer. “É na feira que vão aparecer vestígios materiais do cotidiano da Bahia. Tanto dos interesses materiais imediatos, como a busca por uma determinada fruta ou ferramenta, quanto dos valores tradicionais expressos pela religiosidade na venda de ervas, chás e também mercadorias relacionadas a modismos. Outro ponto interessantíssimo sobre essas manifestações sociais é a capacidade de revelar características bem distintas da região onde está instalada”, pontua Rita Maia.

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CAPA Feiras livres

“Todas as feiras são importantes do ponto de vista da propagação da cultura popular, mas do ponto de vista do reflexo de uma imagem-identidade da cultura baiana, a Feira de São Joaquim seria a mais importante. Apenas pelo fato de que esta foi o mais importante entreposto entre a cidade de Salvador e as localidades do Recôncavo Baiano, região cultural de onde foi forjada a ideia-força de baianidade ou imagem -identidade da Bahia”, sugere a especialista. As palavras da acadêmica ganham ainda mais força pelos detalhes históricos que acompanham a formação desse conglomerado comercial. Sua origem remota as antigas Feira do Sete e Feira de Água de Meninos, ambas situadas na Cidade Baixa e próximas ao cais e porto da metrópole. A primeira, erguida supostamente entre o final do século XIX e o início do século XX, transferiu-se para a região de Água de Meninos por volta de 1930, dando corpo à segunda. Somente em 1964, após um grande

incêndio, a feira foi transferida para a enseada de São Joaquim, onde permanece até os dias atuais. “Os feirantes mais antigos contam inclusive que esse incêndio foi criminoso, pois havia o interesse de uma grande empresa no terreno onde a feira funcionava”, surpreende Marcílio Costa. Apontada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) como a maior feira do país (existe inclusive um projeto de tombamento do local como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, ainda em curso), a Feira de São Joaquim resiste ao tempo e segue perpetuando uma tradição de décadas atrás, quando poucos eram os locais de comércio de mercadorias na capital baiana. “São mais de cinco mil pessoas trabalhando em São Joaquim, mais de 100 profissões – do ambulante, ao vendedor de cafezinho. E a feira é de suma importância comercial e cultural não somente para Salvador, mas também de todas as cidades que dependem dela para sua sobrevivência, como os municípios do Re-

Objetos artesanais oriundos do interior do estado são facilmente encontrados na Feira de são Joaquim.

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Feiras livres CAPA

côncavo, que comercializam seu artesanato por aqui. Sem falar da importância para o sincretismo religioso, já que São Joaquim abastece todo o estoque de peças para a prática de cultos afros da Bahia e de outros estados também”, avalia o comerciante. Atualmente a feira de São Joaquim encontra-se em fase de revitalização – estima-se que a obra seja entregue em 2014, num projeto iniciado em 2010, com investimento total da ordem de R$ 32 milhões, numa parceria do Ministério do Turismo com o Governo do Estado. “Hoje tem muito comerciante reclamando da obra, por causa das perdas financeiras, mas tenho consciência que esse é um projeto para perpetuar esse nosso patrimônio”, sugere o presidente do Sindicato dos Feirantes de São Joaquim. E mesmo com o surgimento de centros de abastecimento e grandes redes de supermercados, o local continua atraindo um sem número de compradores. Mas será que existe algum risco dessa relação tão harmoniosa ruir por conta da maçante concorrência? “Na verdade o risco fica por conta da regulação destes espaços pelos poderes públicos. A feira-livre abre espaço para uma gama de atividades informais. E a relação informal (direta vendedor-comprador) também promete trocas compensatórias. Além do mais, para alguns, é um prazer a descoberta das mercadorias, a seleção dos tipos e variedades em relação aos preços. Na feira, a oferta é sempre mais inesperada, com um grau maior de imprevisibilidade”, comenta Rita Maia.

Antes de ser conhecida como a “princesinha do sertão”, a cidade Feira de Santana chamava a atenção pela grande variedade de relações comercias que se desenrolavam por suas terras. De acordo com registros históricos, a cidade se desenvolveu a partir da Feira de Sant’Ana, originada no fim do século XVIII, no povoado de Santana dos Olhos D’Água, reconhecida a época como uma das maiores do país na comercialização de gado. Visitada por negociantes de todo o Brasil, a feira se expandiu gradativamente, até que em 1873 foi elevada à categoria de cidade com o nome de Cidade Commercial de Feira de Santana. E finalmente em 30 de novembro de 1938, por meio do decreto estadual nº 11.089, recebeu oficialmente a denominação de município de Feira de Santana.

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OPINIÃO

As feiras livres e seus sentidos Ana Cláudia Gomes de Souza Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia - UFBA, pesquisadora do Programa de Pesquisas sobre Povos Indígenas do Nordeste Brasileiro (PINEB/UFBA) e professora da UCSAL. anacladesouza@gmail.com Arquivo pessoal

As feiras livres são um acontecimento bastante significativo em nossa sociedade, especialmente em contextos mais populares, como nas cidades do interior e em áreas mais urbanizadas, a exemplo de Salvador. As feiras podem ser consideradas o que o antropólogo francês Marcel Mauss denominou de fato social total, onde diversas dimensões poderão ser observadas, isso porque as chamadas feiras livres são espaços de relações econômicas, políticas, mas também culturais, linguísticas, culinárias. Enquanto fato social total, poderemos, mediante uma observação mais criteriosa, perceber como todas essas dimensões se encontram imbricadas, ultrapassando a visão economicista que, talvez seja, o enquadramento primeiro realizado. Uma visita às feiras livres proporciona uma explosão de sentidos, onde o tato, o olhar, a audição, o olfato e o paladar, passarão a despertar sensações as mais variadas, no atento observador, e nesse labirinto somos convidados a percorrer várias direções que nos levam a vários significados. Com certo esforço, consigo lembrar os cheiros que experimentei nas minhas visitas às feiras, como o cheiro das barracas de tempero e condimentos e as cores marcantes do açafrão e do coloral comercializados nas bacias. Consigo também recordar o som dos ambulantes – “uma dúzia é um real”, “olha a verdura, olha a fruta freguesa”. Na Bahia, as feiras funcionam dentro de uma rotina sistemática de dias e horários, assim poderemos ter feira toda segunda-feira, como em Santo Amaro, ou toda quarta-feira como em Cachoeira, ou nos sábados, como na maioria das cidades. As feiras são importantes contextos para pensarmos valores estéticos e identitários em nossa sociedade. As feiras do Recôncavo Baiano, por exemplo, são responsáveis por vender vestuário, e disseminando assim a moda e o que há de mais charmoso e elegante nas tendências das roupas da estação. Blusas, vestidos, roupa íntima e sapatos são regateados numa

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relação direta e material com a peça do desejo, sem a mediação das vitrines, manequins e estratégias próprias do modelo de comércio dos shoppings e lojas afins. A estética da feira é colorida, é múltipla em cores e formas, assim como a complexidade das atividades que são realizadas nesse espaço. E sobre essas atividades, encontraremos os mais variados tipos de afazeres e ocupações: produtores, vendedores, atravessadores, artistas populares, culinaristas, publicitários amadores, etc. Muitas dessas atividades aproximam o campo da cidade, e vice-versa, levando para as nossas casas um pouco dessa produção, muitas vezes, camponesa e familiar, que nem sempre conhecemos o ciclo e o circuito percorridos até o consumo final dos produtos adquiridos a partir dessa dinâmica. Um passeio pelas feiras das cidades baianas irá revelar aspectos sobre as especificidades de cada região. Desse modo, a ala dos biscoitos, os chamados “avoadores” denunciam a vocação de Vitória da Conquista, localizada no sudoeste, para a iguaria, como na feira de São Joaquim encontraremos boxes especializados na venda de produtos utilizados nos rituais das religiões de matriz afro-brasileira. Diria que a feira reflete a nossa identidade e, portanto, como disse Levi Strauss:“é boa para pensar”! Apesar da sua relevante participação na cultura popular brasileira, as feiras sofrem uma constante estigmatização, o que suponho acontecer o mesmo com outros fenômenos da cultura popular, muito ensejado pela associação com o que é do povo, entrecruzando com os preconceitos de classe, com o que é de pobre. Vale a pena lembrar que a feira é uma das nossas várias estratégias para lidar com as adversidades e com a diversidade, um modo bem brasileiro e particular de reunir os muitos “brasis”, e por isso seja um evento importante, demarcador e revelador de sociabilidades e segredos sobre a sociedade brasileira.


CIDADANIA

ALEGRIA:

Uarlen Becker

o melhor remédio Atores e músicos deixam de lado o glamour da vida artística para se dedicar ao acompanhamento de crianças e adultos em hospitais. Através da arte, esses profissionais buscam humanizar o tratamento e levar um pouco de diversão a pacientes que lutam diariamente pela vida. tExto

FABIO FRANCO

Segunda-feira... O que para muitos é um dia monótono, de retorno a labuta diária, para a turminha internada no Hospital da Criança, espaço integrante do complexo médico-hospitalar das Obras Sociais de Irmã Dulce, é o começo de uma semana recheada de bons fluídos. Isso porque, não mais que de repente, surge toda faceira e cheia de alegria a Dra. Ciranda Sambalelê, personagem encarnado pela atriz Dalvinha Gomes. Ela é uma das integrantes, ao lado de Edmar Dias e Robson Saraiva, do grupo Terapeutas do Riso, que há 14 anos semeia sorrisos e gargalhadas nos rostos de crianças e adultos em situação de risco. “Sempre digo que nosso trabalho é uma via de mão dupla, onde damos e recebemos carinho, afeto, alegria. Acho até que mais recebo alegria do que dou”, conta ela, não sem antes afirmar que faz parte do único grupo teatral a fazer um trabalho sistemático com

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CIDADANIA

crianças e adultos no estado – em 2011 foram mais de 29 mil atendimentos. “Boa parte dos projetos desse tipo, baseados em música e teatro, são voltados apenas para as crianças. Nós trabalhos com todas as faixas etárias. De quem ainda nem completou seu primeiro aninho, a quem já chegou aos 102 anos”. Com precisão quase cirúrgica, Dalvinha revela que é necessário mais do que vontade para trabalhar com esse público. “Fazemos um treinamento de mais de seis meses para aliar a parte técnica com a artística, com a realização de um estágio no fim do curso. Além disso, é preciso ter em mente que ocorre um processo inverso na relação espectador x artista: nós que vamos ao encontro do público e isso causa impacto nas pessoas”, comenta. Nesses 14 anos de fundação, muitas histórias marcaram a trajetória do Terapeutas do Riso. A começar pela situação que deu origem ao projeto, nos idos de 1998. “Estávamos apresentando o espetáculo ‘Gargalhadas’ e recebemos o convite para ir a Casa da Criança com Câncer. Lá chegando fomos vestir as fantasias e vimos uma mãe carregando um menina já grande, que tinha um problema desde o nascimento. Fizemos nosso show e no final essa mãe veio até nós chorando, porque durante a encenação, a garota deu o seu primeiro sorriso na vida. Ela tinha nove anos. Foi uma emoção tão grande”, relembra entre lágrimas a atriz. Outro momento impactante balançou ainda mais o coração dessa palhacinha. Ocorreu quando um paciente de 57 anos, o Seu Edgar, estava em fase terminal num leito de UTI. “Chegaram alguns parentes para se despedir dele, porque a situação era crítica. Ele estava todo entubado. Começamos a cantar e dançar. De repente percebi os dedos dele balançando no compasso da melodia. Dias depois fui avisada que ele havia deixado a UTI”.

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Arquivo Terapeutas do Riso

Benefícios do riso são reconhecidos principalmente pelos médicos e pacientes.

O melhor da surpresa ainda estava por vir. “Um tempo depois estava no hospital e um senhor parou ao meu lado e perguntou se lembrava dele. Pedi desculpa por não me recordar e quão grande não foi minha surpresa no momento em que ele disse: ‘Sou eu, Edgar. Vim agradecer por me dar uma nova vida. Porque no momento em que todos foram se despedir de mim, você e seus amigos foram os únicos a me visitar. Estou aqui hoje por sua causa’”.


CIDADANIA

Olhar clínico A discussão sobre a validade desse tipo de terapia ainda é grande, mas profissionais da área de saúde já comprovam os resultados das ações há anos. Para Layla Dourado, psicóloga da Unidade de Oncologia do Hospital Martagão Gesteira, “o que se observa é que a criança é um ser em constante desenvolvimento, necessitando continuamente de estímulos que auxiliam no seu processo de aquisição de conhecimento. Ao se encontrar hospitalizada, muitas dessas crianças se veem destituídas de tais estímulos. Nós que trabalhamos com crianças temos consciência que a forma delas se expressarem é por meio do lúdico. Assim, ao se oferecerem esses estímulos através do riso e da brincadeira, possibilitamos que a criança se expresse e possa lidar com esse momento vivido, entre o adoecimento e o tratamento realizado”. A especialista pontua ainda que é necessária uma avaliação prévia do paciente para saber se determinada terapia terá um efeito positivo sobre o tratamento. “Diversas são as manifestações artísticas que podem contribuir para o enfrentamento do tratamento. É claro que, por se tratar de crianças, devemos priorizar as manifestações que se apresentem de forma lúdica como teatro, contação de estórias, oficinas de origamis, dentre outras. Levando sempre em consideração a fase de desenvolvimento da criança e sua faixa etária”, conclui.

Em média, cada personagem chega a custar dois mil reais por apresentação, somando os gastos com figurino, transporte, produção, entre outros. Aliado a isso, vem a competência de trabalhar num ambiente que respira sofrimento. “Não é fácil atuar dentro de um hospital. Você chega num lugar com dezenas de pessoas debilitadas e tem que transformar a dor em alegria. Você precisa estar bem sempre, todos os dias”. Para quem acha que a Dra. Ciranda Sambalelê pensa em se afastar dessa realidade, ela manda um recado. “Sinto-me extremamente honrada pelo que faço. Eu sempre volto para casa com a dúvida de que preciso me doar mais e mais. Sei que é difícil mensurar o resultado do meu trabalho nos pacientes. Mas o sorriso no rosto das crianças me dá a resposta que eu preciso para estar aqui diariamente”, conta sorridente.

« Sinto-me extremamente honrada pelo que faço (...) Sei que é difícil mensurar o resultado do meu trabalho nos pacientes. Mas o sorriso no rosto das crianças me dá a resposta que eu preciso para estar aqui diariamente » DALVINHA GOMES, DRA. CIRANDA SAMBALELê

Capacitação e reconhecimento

Uarlen Becker

O ponto importante levantado por Dalvinha é o voluntariado. Todos os dias dezenas de emails chegam com pedidos para participar do grupo, mas infelizmente eles esbarram na falta de capacitação e nos altos custos de manutenção da equipe. “Somos patrocinados por empresas e instituições, não somos voluntários. E os custos para capacitar alguém para lidar com esse tipo de paciente são extremante altos. Hospital não é lugar para se fazer experiências, por isso é complicado manter uma equipe grande”.

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MUSEU

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MUSEU

Reduto de uma

ALMA

BAIANA tExto

FABio FRaNco FOTOS

acERvo Fcja

Instalado num dos pontos turísticos mais visitados do país, a Fundação Casa de Jorge Amado resguarda mais que apenas relatos, livros e objetos da vida do escritor baiano. O museu simboliza, acima de tudo, uma relação de amor entre Jorge e sua esposa, Zélia Gattai. Amor pela vida. Amor pela cultura.

Endereço Largo do Pelourinho S/N Funcionamento De segunda a sexta das 10h às 18h e aos sábados das 10h às 16h Entrada R$ 3,00 (menores de 5 anos não pagam) e as quarta-feiras a entrada é gratuita para todos. Telefone (71) 3321 0070

Tudo começou em 1930, com a publicação do primeiro livro, O País do Carnaval. Ao longo de sua vida, Jorge Amado, baiano de corpo, alma e letras, escreveria mais 36 obras que ganhariam o mundo – foram traduzidos em 49 idiomas, em 55 países – desvendando por linhas graciosas as belezas e encantos de sua terra-mãe como ninguém jamais fizera. Das suas mãos nasceriam Gabriela, Dona Flor, Tieta, Quincas Berro D’Água, personagens que dão a verdadeira dimensão da riqueza cultural do povo brasileiro. Após sua morte, em 2001, coube a Fundação Casa de Jorge Amado o papel de perenizar toda a sua obra, dos rascunhos manuscritos ao acervo fotográfico pessoal. “A fundação foi criada para guardar, preservar e disponibilizar cerca de 200 mil documentos relacionados à vida e obra de Jorge Amado, bem como manter viva sua memória através de atividades como eventos, ações formativas, cursos, exposições, publicações de livros, entre outros”, conta Myriam Fraga, escritora e diretora do local desde a sua inauguração, em março de 1987. O projeto de criação do centro cultural foi concebido há pouco mais de duas décadas atrás. Na época, algumas instituições brasileiras e internacionais lutavam para ter a honra de preservar o acervo literário de Jorge Amado. Entretanto, sua esposa, a também escritora Zélia Gattai, era reticente quanto ao fato das obras não permanecerem na Bahia. Depois de inúmeras conversas, as quais tiveram a participação de Myriam Fraga, finalmente em 1986 foi criada a Fundação Casa de Jorge Amado. Contudo, somente no ano seguinte seria inaugurada a sede física, que abriga toda a obra do escritor baiano. Além do seu papel primordial de preservação de um patrimônio riquíssimo, a Casa de Jorge Amado “também tem como missão a criação de um fórum permanente

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MUSEU

de debates sobre cultura baiana – especialmente sobre a luta pela superação das discriminações raciais e sócioeconômicas”. No acervo, um verdadeiro banquete para os amantes da boa literatura: uma exposição permanente de documentos, fotografias, livros, adaptações e objetos relacionados. “Também estão expostos prêmios recebidos por Jorge e fotos tomadas por Zélia Gattai, documentando o dia a dia do autor. Na parte da exposição, que ocupa dois andares e é aberta ao público, temos uma visão geral da vida e de todas as obras do escritor. E na área destinada aos documentos (que é restrita para os pesquisadores, que podem agendar um atendimento personalizado), estão os documentos pessoais, os originais, as fotografias, as primeiras edições, as traduções, etc.”, revela Myriam Fraga.

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Para Zélia Para também homenagear a criadora do projeto que deu origem à Fundação Casa de Jorge Amado, foi inaugurada recentemente uma nova ala no museu, com destaque para a vida e obra de Zélia Gattai. “O espaço Zélia é uma homenagem àquela que foi a companheira de Jorge Amado e que conquistou o seu espaço como escritora e fotógrafa. A atração maior é conhecer um pouco mais da sua história e as suas fotografias, que registram mais de 50 anos de vida em comum com o escritor”, conta a diretora da fundação.

Cartas O acervo da fundação também guarda um tesouro de valor inestimável: são dezenas de cartas trocadas ao longo dos anos, com grandes amigos. De acordo com Myriam Fraga, as correspondências estão catalogadas em sua quase totalidade, somando mais de 100 mil páginas de conversa com personalidades de importância internacional, a exemplo de Graciliano Ramos, Carlos Drummond de Andrade, Monteiro Lobato, Gilberto Freyre, Pablo Neruda, José Saramago, Juscelino Kubitschek e François Mitterrand. Toda essa coleção foi doada pelo próprio escritor, ainda em vida, mas com um pedido especial: somente cinquenta anos após sua morte esse material devia ser aberto ao público. Coube a João Jorge Amado, filho do casal de escritores, revelar parte desse tesouro aos milhares de admiradores do


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autor baiano através do livro “Toda a saudade do mundo: a correspondência de Jorge Amado e Zélia Gattai”. Na publicação, João Jorge reuniu algumas das conversas trocadas entre seus pais sobre assuntos pessoais, dificuldades financeiras, política brasileira e ciúmes (isso mesmo, pois boa parte do material foi escrito durante a estadia de Jorge Amado na Europa).

Visitante Sobre a visitação, Myriam conta que boa parte do público que frequenta o local é de fora da Bahia. “Por estar localizada no Pelourinho, a maioria de seus visitantes é de turistas de outros estados e países. A grande participação dos baianos acontece principalmente através das escolas”. Nas visitas escolares, que são agendadas através do site da fundação (www.jorgeamado.org.br), os jovens estudantes passeiam por um mundo de magia, inspirado nas letras do autor baiano. “São alunos de 12 a 14 anos, em média. Para a instituição, como relação ao seu papel de mantenedora, fica a sensação do dever cumprido. Para as crianças é a oportunidade de conhecer a vida e a obra de um escritor que foi tão importante para o Bahia e para o Brasil”, conclui.

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Rita Barreto

TURISMO Vale do Cap達o

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Vale do Capão TURISMO

Vale do o paraíso Capão: multifacetado da Bahia

Do oito ao oitenta, a região recebe visitantes em busca de sossego e jovens em busca de adrenalina. Tudo isso junto, regado a muito verde e paisagens deslumbrantes, algumas apontadas como as mais belas do país! tExto

PiEtRo RaÑa FOTOS

acERVo sEtUR

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TURISMO Vale do Capão

É no mínimo curioso perceber a coexistência de tão diferentes tipos de turistas num mesmo espaço, mas o Vale do Capão, que fica localizado no município de Palmeiras, a 445 quilômetros de Salvador, consegue a proeza. Existem os visitantes em busca de sossego, contato com a natureza, repouso e, ao mesmo tempo, muita gente que procura trilhas, esportes radicais e adrenalina para correr pelas veias. Entre as atrações mais requisitadas estão a Cachoeira da Fumaça (cachoeira mais alta do Brasil em queda livre) e o Vale do Pati (votado pelo Guia 4 Rodas como o mais bonito do Brasil e o segundo da América Latina). Outro destaque é a Cachoeira do Riachinho. “Ela é a mais visitada por ter o mais fácil acesso e também pela beleza”, conta o guia Caiuá, que desde bem pequeno leva turistas para conhecerem as maravilhas da região. “Meus pais vieram pra cá quando ainda não havia eletricidade e comodidade. Eu nasci no Vale do Capão e meus pais recebiam pessoas em casa para vivências. Aos 10 anos já guiava essas pessoas para a Cachoeira da Fumaça. Aos 15, saí para estudar e depois de 10 anos fora retornei para o Capão, com fluência em dois idiomas, para assim atuar como profissional na área Atividades de Montanha”, conta, orgulhoso. Caiuá – como gosta de ser chamado – aponta um visível crescimento no turismo da região, principalmente nos últimos três anos. “Podemos dizer que nesse período, houve um aumento de 20% no número de visitantes”, aponta. Quem faz parte desse time de recentes visitantes e engorda as estatísticas de crescimento do turismo local é o jovem estudante Rodrigo Bouzas, de 19 anos, que mora em Salvador. “O que mais me fascinou, com certeza, foram as belezas naturais, além do respeito que as pessoas que vivem no Vale têm pelo ecossistema. Eu fiz diversas trilhas, como a Cachoeira da Fumaça,

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Tatiana Azeviche

Grandes formações rochosas, cachoeiras, fauna e flora diversificadas atraem um numero cada vez maior de visitantes ao Capão.

Corredeiras de Rodas, Purificação e Conceição dos Gatos”, conta. Rodrigo visitou a região no período de festas juninas, em 2011, a convite de um amigo que tem casa no Capão. “Bastou ir uma única vez para me apaixonar e já estou me programando para ir de novo!”, confessa. Sobre o perfil de público que pôde perceber no local, o estudante afirma que “o Capão tem uma predominância do público mais jovem, que busca lugares diferentes para fugir da mesmice dos centros urbanos, podendo ter aventuras e paz”. Segundo ele, “todos que vão ao Capão têm algo em comum, que é


Vale do Capão TURISMO

« Todos que vão ao Capão têm algo em comum, que é o respeito e a admiração pela vida simples e pela natureza, por isso a grande variedade de idades e de estilos de vida que se encontra nos visitantes » RODRIGO BOUZAS, tuRista DE salvaDoR

Tatiana Azeviche

o respeito e a admiração pela vida simples e pela natureza, por isso a grande variedade de idades e de estilos de vida presente nos visitantes”. Já para a cantora Cris Mendez, de 27 anos, frequentadora de longa data, o Capão é um lugar para se inspirar, observar a natureza e se desconectar do mundo. “Faz exatamente sete anos que eu fui a primeira vez para o Vale do Capão. Eu não tinha ideia do quanto aquele lugar era encantado. Tenho paixão pelo Vale do Capão. Aquele lugar faz você simplesmente não pensar em nada e só conseguir sentir o ar puro”, conta.

Embora a atividade principal do Capão hoje seja o turismo, antigamente a história era bem diferente. Séculos atrás, quando a região inteira da Chapada era cobiçada pelas minas de diamante, a ocupação ocorreu por conta da exploração das pedras preciosas. No Vale do Capão, escasso nessas riquezas, descobriu-se um solo fértil para plantio do café, que foi por algum tempo a fonte de desenvolvimento local. Com a erradicação dos cafezais, alguns moradores deixaram a região, enquanto turistas em busca de contato com a natureza e de qualidade de vida, descobriram o Capão e começaram sua “reocupação”.

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TURISMO Vale do Capão

VAI AO

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CAPÃO

VEJA AS DICAS E CONTATOS:

Como a maioria dos destinos no Capão envolve trilhas, indicamos procurar a Associação de Condutores de Visitantes do Vale do Capão – ACVVC, que funciona pelo telefone (75) 3334-1087. + INFORMAÇÕES Espaço Mirante Café Cultural (75) 3344-1007 Pizzaria Capão Grande (75) 3334-1138 Extreme EcoAdventure (75) 3334-1727

Rita Barreto

Trekking Um dos esportes que mais atrai os visitantes da região do Capão é o Trekking, que na tradução ao pé da letra significa “seguir um trilho”, ou, trocando em miúdos, caminhar. É uma espécie de passeio pela natureza da forma mais integrada possível. Marcelo Cardoso, responsável pela Extreme EcoAdventure, empresa especializada nesse tipo de prática, aponta que o público atual é muito variado. “Temos desde jovens que procuram passeios radicais e diferentes, até famílias que procuram os passeios mais tradicionais. Quando começamos, nosso público era composto 85% de mochileiros que procuram trekkings de mais de um dia, porém atualmente temos de tudo um pouco. Hoje vemos também muitos casais procurando passeios na Chapada Diamantina, que se tornou um local agradável para todos os gostos e idades”. Marcelo revela que entrou no ramo graças a paixão pela natureza. “Nosso projeto surgiu por iniciativa de Marcos Porchat Cauduro (ex-diretor da empresa) em conhecer a Chapada Diamantina da maneira como mais gosta: caminhando por lo-

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cais pouco frequentados e desbravando áreas isoladas. Juntaram-se a ele outros aventureiros com o mesmo intuito. Eu conheci essa equipe como estagiário e logo vi que estava no lugar certo!”, fala. Os companheiros a quem Marcelo se refere são responsáveis por desbravar antigos caminhos do garimpo na região e pela criação de um trekking de cinco dias, passando por pontos até então pouco explorados, incluindo sete cachoeiras. É o que batizaram que “Trilha do Garimpo”. Uma das trilhas mais procuradas é a que passa pelo Vale do Pati. O acesso pode ser pelo Capão ou por outras cidades da região, como Andaraí, Mucugê e Guiné. Entretanto Marcelo alerta para os cuidados ao fazer esse caminho. “Não recomendamos essa trilha para qualquer um, pois ela exige muito do preparo físico do viajante – já que pernas, joelhos e pés são exigidos o tempo todo durante as caminhadas. O inicio da trilha é sempre com uma forte subida. A partir do momento que começamos a caminhada, não temos como contar com ‘carro de apoio’ ou sinal de telefone celular, tornando o acompanhamento de um guia especializado imprescindível. Ele deve conhecer bem os caminhos e ter um Plano de Atendimento Emergencial (PAE) caso ocorra algum acidente, para minimizar qualquer dano aos viajantes”, sugere.


Vale do Capão TURISMO

Cachoeira da Fumaça Um dos pontos mais procurados da região é a Cachoeira da Fumaça. Ela está dentro do Parque Nacional da Chapada Diamantina e possui 340 metros de altura. A denominação vem por conta do efeito que surge com a evaporação da água durante a queda, formando um panorama visual como se fosse fumaça. Para chegar até a cachoeira, existe uma trilha saindo de Lençóis com duração de três dias, pela qual é possível visitar o poço onde cai a cachoeira e o topo dela. É altamente desaconselhável entrar nessa trilha sem o acompanhamento de um guia.

Paixão que gera renda Todo mundo sempre diz que o ideal perfeito de vida é conciliar aquilo que se gosta de fazer, com algo que seja rentável. É como uma fórmula mágica para a felicidade. “Frequento o Capão há 13 anos e desde sempre fiquei apaixonada por este lugar e sabia que queria morar aqui para sempre”. O depoimento é da empresária Samanta Novaes, que uniu o útil ao agradável e há dois anos montou o Espaço Mirante Café Cultural.

“Sempre fui amante do café e também do cinema. Daí surgiu a ideia de montar um lugar onde agregasse estas duas paixões e esse local se consolidou como um espaço cultural da região”, conta. Para Samanta, o público jovem, atraído pelas opções de esportes radicais e trilhas é o que mais frequenta o Capão. Sem deixar de fora um número considerável de amantes da natureza, que vão mesmo para apreciar e, na maior parte das vezes, relaxar. Samanta ainda releva um dado importante sobre o perfil dos visitantes: o crescimento do público GLS. Outra grande história é a do suíço “Tomas”, que há quase 30 anos trocou a Europa pela tranquilidade do Capão. Ele montou a “Pizzaria Capão Grande”, que atrai visitantes de toda a região oferecendo apenas dois sabores de pizza: doce, com banana verde, mel, nozes e canela; e salgada, com queijo, molho de tomate e cenoura. Todo o diferencial está no cuidado do preparo. Os ingredientes que servem de matériaprima para as pizzas são quase todos colhidos no quintal, sem agrotóxicos, completamente naturais.

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MODA

OLÊ, mulher rendeira! tExto

ANDRÉ ÁVILA

Técnica surgiu na Europa e veio para o Brasil com os portugueses. Hoje em dia, dificilmente sai das tendências da moda. Se adaptando a influência local, a renda carrega um grande traço da cultura nordestina e mudou o rumo das mulheres de uma comunidade do município de Dias D’ávila. Sejam em saias, shorts, vestidos ou blusas, as peças em renda são presença constante no armário feminino. Para as mulheres que adoram um visual sutil e romântico então, são indispensáveis. A renda voltou a estar em alta após a retomada do uso do material nas passarelas, no inverno de 2009, pela famosa grife PRADA, que encheu as fashion weeks europeias com roupas e assessórios sóbrios com renda guipure. “A renda não sai de moda, mas, geralmente, ela vem em composições e cores diferentes de acordo com a tendência que está em voga na estação”, aponta Aládio Marques, premiado designer baiano de Moda. Aládio, que assinou o figurino de Daniela Mercury no último carnaval, para o desfile da escola de samba Portela, ressalta a versatilidade do material. “A renda originou-se em cidades da Europa. Com o decorrer dos séculos, foi se expandindo para todo o mundo e em cada região foi se adequando às características locais. Um exemplo é a renda renascença, Arquivo RENDAVAN

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MODA

Arquivo RENDAVAN

que na Bahia é usada para decoração de móveis, em motivos religiosos e também é muito utilizada no vestuário feminino”, explica o designer, que completa. “A renda é mutável de acordo com a característica de cada localidade”.

Grande virada Foi por suas características de adaptação, que a renda mudou a trajetória de uma comunidade no município de Dias D’Ávila (a 45km de Salvador), local onde mora a rendeira Dinoélia Trindade. Nascida em Saubara, a artesã aprendeu a técnica da renda de bilro com as mulheres da família – avó, mãe e tias. Trabalhando no Serviço Público, ela teve de ser afastada do cargo por motivos de saúde. “Nesse momento eu pude perceber a necessidade da comunidade onde morava. Eram muitas mulheres fora do mercado de trabalho. Foi quando me surgiu a necessidade de dividir o conhecimento com aquelas mulheres”, conta Dinoélia, que a partir de então, começou a fazer reuniões em sua própria casa.

Marcelo Santana

Tradição secular, a renda chegou ao Brasil na época do domínio português e ainda é bastante difundida pelo interior do país.

Assim surgiu a RENDAVAN – Associação de Rendas e Bordados de Dias D’ávila. “Comecei a passar para elas a importância de reunir e aprender a arte. É uma técnica milenar, que a gente vê desaparecendo aos poucos nesse século. E como é uma tradição da minha família, eu senti a desejo de compartilhar o saber”, evidencia a fundadora e presidente da associação, que completa: “Meu maior objetivo é difundir a arte de fazer renda”. Essa luta pela preservação da cultura e a história de vida das mulheres da RENDAVAN foi contemplada com o apoio do Instituto Mauá, do Sebrae Bahia e do CEPES — Centro Público de Economia Solidário. “Eles investiram em cursos e oportunidade, capacitação, produção e escoamento dos produtos. Com isso tivemos a chance de participar de várias feiras municipais, estaduais e até internacionais!”, celebra Dinoélia, que além de ampliar o faturamento, levou os produtos do grupo para lugares que nunca imaginou alcançar, como Santa Maria, no Rio Grande do Sul, e até Miami, nos EUA. A especialidade da Associação de Rendas e Bordados de Dias D’ávila é a renda de bilro, mas elas também confeccionam roupas, sandálias e assessórios para casa através de outras técnicas, como vagonite e macramé. Ao todo são 33 mulheres atuantes, entre 20 e 80 anos. “Muitas delas estão na condição de ensinar e também estão aprendendo. O mais importante no resultado final é a gente poder tocar através da nossa arte e conseguir mobilizar um povo que estava sem nenhuma perspectiva. Eu consegui passar a história. Agora temos que aprender a preservar esse legado”, celebra a artesã.

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ENTREVISTA Bruno Cássio Leal

AGENTE DA CULTURA

BAIANA

Com muitas ideias na cabeça, grande interesse pela cultura e vontade de criar. Foi assim que Bruno Cássio Leal montou a Guaxe Produções e vem fomentando ações e eventos na Bahia. Entre idas e vindas, começou a se interessar pela cultura da nossa terra ainda na adolescência. De lá pra cá, novos desafios surgiram e Bruno conseguiu contribuir à sua maneira para que as manifestações culturais alcançassem a todos, sempre com muita qualidade. Nessa entrevista para a Plano B, Bruno fala sobre o começo na carreira, comenta o panorama artístico da Bahia e conta sobre alguns projetos para o futuro! tExto

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PIETRO RAÑA FOTOS

MaRcElo saNtaNa


Bruno Cássio Leal ENTREVISTA

« O papel do Estado em fomentar a cultura através de apoio financeiro é imprescindível, mas os artistas e produtores devem fazer a sua parte. Não adianta ficar sentado esperando por editais para começar o trabalho » BRUNO CÁSSIO LEAL

Você tem uma ligação muito forte com a cultura baiana. Está nos bastidores, fomentando, atuando diretamente. Por que assumiu esse viés cultural? De onde partiu esse interesse? Em 1994, quando eu tinha 17 anos, fui convidado para integrar um grupo de vendas de abadás do Bloco Cheiro de Amor. Acredito que esse convite tenha, de certa forma, me inserido no mundo da cultura baiana. Logo fui efetivado como funcionário e foi a partir daí que comecei a ter contato com os bastidores do mundo artístico. No Cheiro, fomos responsáveis pela produção de grandes festas como as edições de “Cheiro & Paralamas”, “Cheiro, Splash, Spuma!”, “Forró do Cheiro”, dentre outros. Após trabalhar no Cheiro de Amor, ainda trabalhei com o Ara Ketu e É o Tchan, organizando eventos, acompanhando as bandas em turnês e assessorando seus blocos. Nesse período, ainda tive a honra de trabalhar com o designer Pedrinho da Rocha, artista responsável por criações contundentes do cenário carnavalesco soteropolitano. Meu último contato com o “mundo carnavalesco” foi em 2003, quando assumi a carteira de vendas de uma empresa da área financeira e fui morar no sul da Bahia, onde permaneci até 2006 – quando pedi demissão para voltar à produção artística e criar a Guaxe Produções.

conhecer novas linguagens artísticas, que não fosse só a música. Queria conhecer o mundo do teatro, da dança, da literatura, da arte visual, do circo, etc. Passei a frequentar os teatros, a conversar com atores, diretores, dançarinos... Aqueles que eram ditos “alternativos” me apresentaram a um leque de possibilidades de produção artística. Começamos, eu e Daniel Portella, meu sócio na época, a idealizar projetos que contemplassem essas linguagens e logo no primeiro ano de trabalho conseguimos viabilizar quatro projetos: a produção do 1º CD da Banda Aguabenta, a reedição do livro em quadrinhos “Turma do Xaxado no Pelourinho”, dois shows do projeto Bahia Session e a montagem do espetáculo teatral “O Otário Que Sonhava Acordado!”. Além disso, fizemos o piloto da Revista Plano B. Isso possibilitou que muitos artistas e produtores nos conhecessem e buscassem parceria com a Guaxe. Você acha que a cultura baiana tem voz e vez? Temos muitos talentos, mas muita gente reclama de falta de espaço. Como você avalia o panorama atual? As iniciativas culturais, se bem embasadas, têm espaço? Acredito que a cultura baiana tem que se organizar primeiro. Assim, terá a sua voz ecoada e sua vez garantida! O papel do Estado em fomentar a cultura através de apoio financeiro é imprescindível, mas os artistas e produtores de-

E a Guaxe, surgiu desse contexto? Qual foi o primeiro desafio, a ideia que gerou a semente da empresa? A Guaxe Produções surge, em 2006, da vontade de voltar a produzir eventos e enfrentar novos desafios. Mas não queria voltar para o cenário de carnaval, da Axé-Music. Queria

vem fazer a sua parte. Não adianta ficar sentado esperando por editais para começar o trabalho. Aconselhamos sempre aos artistas que nos procuram para que deem o “start” em seus projetos, para que sua ideia seja vista e aceita pela população, assim terão mais chances em investimentos

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ENTREVISTA Bruno Cássio Leal

públicos e privados. Algumas empresas já perceberam que as leis de incentivo são ótimas possibilidades de inserção de seus serviços e produtos na sociedade, através do patrocínio

dicações ao Prêmio Braskem de Teatro (2009). Já os eventos promocionais, temos o lançamento dos novos notebooks da Samsung e as inaugurações das lojas da Casas Bahia.

em projetos cultuais e esportivos. A oportunidade está aí, em formatar um bom projeto que traga benefícios para quem faz, consome e patrocina. Um projeto bem planejado, pode até ter alguma dificuldade no início, mas se bem executado é garantia de permanência.

Hoje a Guaxe produz todo o tipo de eventos? Em que áreas atua a empresa? Qual foi um “case” de destaque que você sempre cita? E qual desafio espera ainda encarar? A Guaxe atua no segmento de produções e eventos, sejam eles culturais, sociais, esportivos, corporativos ou promocionais. Existem alguns eventos que nos orgulhamos muito em tê-los realizado. Ações corporativas, como o SECOP 2009 que reuniu, durante três dias, todas as secretarias de TI do país; além da festa de final de ano e a convenção de vendas 2012 da VIVO e a SIPAT AVON 2012 respectivamente. No segmento artístico posso citar o “Origem da Terra” (música) e a montagem teatral “O Otário Que Sonhava Acordado!” que teve 2 in-

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Das andanças da vida e desse trabalho na área de produção cultural surgiu a ideia da Plano B. A revista está completando 6 meses de lançada. O resultado tem sido satisfatório? A Plano B nasceu de uma necessidade de conhecer mais sobre a cultura baiana. Foi um dos primeiro projetos idealizados pela Guaxe. Mas o mercado editorial baiano é muito difícil! A Plano B tem, a cada edição, uma resposta muito boa do público e isso nos motiva a continuar. É um projeto que se tornou realidade e trouxe para o marcado uma discussão quente e atual sobre nosso panorama de cultura. Nela, a proposta é dar espaço e destaque a assuntos e pessoas que em outros veículos não teriam, sem perder de vista o interesse da população em relação aos temas e os critérios éticos. São seis meses colhendo o fruto de uma semente que foi plantada há anos. Eu espero, sinceramente, poder dar continuidade ao projeto e seguir oferecendo voz para tantos talentos pouco conhecidos da nossa terra.


planoB indica

Isabel Gouvea

Foto divulgação

Foto divulgação

cultura digital

infantil

danÇA

DIGITALIA – Festival de Música e Cultura Digital

Tapetes Contadores de Histórias

Essa Tempestade

Organizado pela comunidade Audiosfera, o festival Digitalia pretende desenvolver iniciativas que relacionam o campo da música às novas tecnologias da informação. Durante o evento, serão realizadas conferências, oficinas, cursos, geração colaborativa de conteúdo WEB e uma série de atividades ligadas à produção e difusão de música no ambiente virtual. Serão realizadas três conferências até o fim deste ano, antecedendo o evento principal, que acontecerá no início de 2013. Passeio Público Janeiro e fevereiro de 2013 Gratuito

O grupo Tapetes Contadores de Histórias se apresenta em cinco museus vinculados ao IPAC num especial dedicado ao mês das crianças. As sessões de contação de estórias acontecem sempre às 10h e 15h e os interessados devem agendar a participação no museu escolhido. Os atores mesclam objetos como cenários para contos autorais e populares, despertando o potencial imaginativo de jovens e adultos para as artes. Palácio da Aclamação / Mab / Solar Ferrão / MAM / Palacete das Artes 08 a 12 de outubro Gratuito

O Balé Teatro Castro Alves (BTCA) apresenta o espetáculo “Essa Tempestade”, do coreógrafo Claudio Bernardo, inspirado na peça “A Tempestade”, de Shakespeare. A montagem, que marca as comemorações pelos 30 anos de fundação do BTCA, narra a estória de um homem que vive exilado numa ilha e, com a ajuda de seus livros mágicos, naufraga uma embarcação. No palco, 25 bailarinos se entrelaçam numa performance que mistura dança contemporânea com vozes e sons. Sala do Coro do TCA, 15 e 16 de setembro, às 20h Gratuito

CINEMA

8º Panorama Internacional Coisa de Cinema Criado em 2002, o Panorama Internacional Coisa de Cinema chega a sua oitava edição com uma programação especial em homenagem a pornochanchada. Serão apresentados seis vídeos com essa temática, produzidos entre 1978 e 1986, além de longas e curtas-metragens que participarão das competições nacionais e internacionais. Também haverá uma categoria exclusiva para produções baianas. O evento, que acontecerá em Salvador e Cachoeira, também contará com debates e oficinas gratuitas. Espaço Itaú de Cinema - Glauber Rocha / Sala Walter da Silveira / CAHL (UFRB) - Centro de Artes, Humanidades e Letras De 25 de outubro a 01 de novembro Ingressos de R$ 3 a 12 e algumas sessões com entrada gratuita Foto divulgação

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OPINIÃO

A ampliação dos ambientes e das práticas culturais Sérgio Gomes Jornalista aposentado, trabalhou na Tribuna da Bahia, Jornal da Bahia, O Globo, revista Veja e Gazeta Mercantil. Foi Secretário de Comunicação Social do Estado da Bahia. Arquivo pessoal

Facilitar o acesso à cultura para a população é sempre um desafio para governos e outras instituições. Na essência, cultura é informação e, sobretudo, fator de humanização para a sociedade. De acordo com Tylor, pioneiro no estudo da conceituação ampla do termo, cultura é um “complexo que inclui conhecimento, crenças, arte, morais, leis, costumes e outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade”. Cultura – no sentido de manifestações artísticas – não é algo natural, mas produto artificial da criatividade do homem. Considerar que há arte na natureza é uma conceituação do intelecto, da filosofia, e não da fisiologia. A etimologia da palavra remonta à agricultura e é relativa à prática de cultivar alimentos. A evolução do conceito estendeu-se, aos poucos, ao cultivo das atividades intelectuais e artísticas. Cultura, portanto, é o acúmulo de práticas sociais sempre em evolução. Quanto mais informação a sociedade tem, mais cultura desenvolve. No campo das artes criaram-se duas categorias: a cultura erudita, oriunda de ambientes mais sofisticados, e a chamada cultura popular, aquela que brota no contexto de ambientes sociais mais primários e menos abastados. Não há dúvida de que a riqueza das nações permite maior acesso à informação e, portanto, à cultura. Quanto mais escolas e maior a qualidade no ensino, maior produção cultural e intelectual haverá. Mas distinguir tais manifestações como de elite e como populares pode embutir, também, certas doses de preconceito econômico e até racial... Voltando ao tema, facilitar maior acesso aos meios culturais é apontar para o óbvio: absorverá e gerará mais cultura a sociedade que melhor souber (ou quiser) estimular um ambiente de acesso ao conhecimento. Estimular o contato, portanto, das gerações em formação, com ambientes culturais dinâmicos, sendo

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a escola o primeiro espaço fora do meio familiar... Mas, para isso, é necessário que a escola esteja efetivamente estruturada para cumprir tal papel, orientando e estimulando a aproximação com elementos da cultura erudita e também da cultura popular. No Brasil, principalmente as escolas públicas não têm cumprido esse papel, salvo com raríssimas exceções. A escola particular também deixa a desejar. Reformular a escola brasileira, com maior capacitação de professores e a ampliação da grade curricular é o caminho mais evidente para facilitar o acesso à cultura, à informação e à formação da população em geral. Mas, se a escola é o vetor principal para ampliar o interesse cultural, obviamente não é o único. Facilitar a compra de equipamentos ou mesmo com a doação para indivíduos mais carentes, ofertando acesso gratuito à rede mundial, seria uma política governamental acertada, mas que, infelizmente, não se materializa como já deveria. Na Europa, cidades já oferecem ambiente de conexão wi-fi gratuito, enquanto, no Brasil, tal oferta é privilégio de negócio das empresas telefônicas. Muito pouco custaria fazer isso, ao menos nas escolas públicas, bibliotecas, centros e pontos de convivência comunitários. Cabe transcrever aqui, nesse contexto de ambiente e aproximação, as palavras de Maria Alice Setúbal, mestre em Ciências Políticas e doutora em Psicologia da Educação, pela PUC-SP: “A abertura da escola à cultura de seu território, a escolha de uma grade curricular que valorize a pluralidade e a diversidade cultural local e o intercâmbio da escola com produções e produtores de cultura na sociedade são alguns caminhos para unir educação e cultura. Os desafios, contudo, são muitos e continuam postos, e cabe aos educadores e à sociedade engendrar novas aproximações possíveis”.


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