Revista Movimento (4ed - 2015)

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# híbrido

# performance

# instalação

# VJings

# montagem

# pixilation

# cena teatral

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Revista discente do Programa de Pós-graduação em Meios e Processos Audiovisuais da ECA/USP SETEMBRO 2015 [ISSN: 2238-8699]


NÚMERO 4 SETEMBRO 2015

A Revista Movimento é um periódico científico semestral, organizado pelos alunos do Programa de Pós-graduação em Meios e Processos Audiovisuais da ECA/USP.

Universidade de São Paulo Reitor Marco Antonio Zago Vice-Reitor Vahan Agopyan ___

ISSN: 2238-8699

Escola de Comunicações e Artes Diretora Margarida Maria Krohling Kunsch Vice-Diretor Eduardo Henrique Soares Monteiro ___

___ Capa: Autorretrato com duração e sons variáveis III - de Viviane Vallades Projeto editorial: Raissa Araújo

Todos os artigos assinados são de responsabilidade de seus autores e não refletem necessariamente a opinião da revista. A reprodução total ou parcial dos mesmos é autorizada, mediante apresentação de créditos. ___ Revista Movimento Escola de Comunicações e Artes ECA/USP Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais PPGMPA Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443 - Prédio 4 Cidade Universitária - Butantã CEP 05508-020 São Paulo - SP - Brasil movimento@usp.br www.revistamovimento.net facebook.com/revimovi

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Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais Coordenador Mauro Wilton de Sousa Vice-Coordenador Henri Pierre Arraes de Alencar Gervaiseau Conselho Editorial Andréa C. Scansani, Carolina Berger, Damyler Cunha, Danilo Baraúna, Edson Costa, Marina Kerber, Raissa Araújo e Tainah Negreiros Conselho Científico Prof. Dr. Almir Antonio Rosa Prof. Dr. Cristian Borges Prof. Dr. Eduardo Morettin Prof. Dr. Eduardo Vicente Profa. Dra. Esther Hamburger Prof. Dr. Henri Gervaiseau Prof. Dr. Marcos Napolitano Profa. Dra. Mariana Villaça Profa. Dra. Marília Franco Profa. Dra. Patrícia Moran Prof. Dr. Ronaldo Entler Profa. Dra. Rosana Soares Prof. Dr. Rubens Machado Junior


Audiovisualidades híbridas Conselho Editorial

A quarta edição da Revista Movimento que aqui se apresenta nasce da necessidade de retomar o debate acadêmico iniciado há três anos pelo corpo discente do Programa de PósGraduação em Meios e Processos Audiovisuais da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Uma publicação desta natureza exerce dupla função no universo dos estudos da pós-graduação, pois além de divulgar as recentes pesquisas de integrantes dos mais variados programas e ampliar o diálogo das investigações ainda em desenvolvimento, também cumpre seu papel no aperfeiçoamento crítico e na elaboração do pensamento científico ao propor recortes temáticos onde possam ser detectados cruzamentos, contrapontos e propostas de interação entre as instituições que se dedicam à comunicação e às artes. A atual produção audiovisual encontra-se inserida num território heterogêneo e de abrangência múltipla, pois contempla obras que ultrapassam os limites historicamente estabelecidos pela teoria vigente. No desejo de dar maior visibilidade e criar entrelaçamentos entre as atuais pesquisas engajadas em zonas fronteiriças ao cinema, a Revista Movimento apresenta o dossiê Poéticas contemporâneas em audiovisualidades híbridas, proposto e elaborado por Caro-

lina Berger e Danilo Baraúna. A importância de colocarmos em discussão as recentes realizações, que transitam em áreas que extrapolam os limites da categorização, se dá pelo desejo de concentrarmos nossos esforços num modo de investigação científica na qual a prática e o pensamento não possam ser debatidos separadamente. Onde o trajeto de um é construído a partir do cotejo com o outro. Sendo assim, selecionamos uma série de artigos que têm como norte esse diferencial, quer seja por terem sido escritos por artistas realizadores, como forma de ressignificar sua própria obra, quer por estudos voltados para o caráter interdisciplinar de tais produções e que vivem mutações em suas formas trans, inter ou multimídia. Tais investidas artísticas priorizam o ato ao vivo, os hibridismos tecnológicos e a fruição do público onde muitas vezes os corpos presentes, quer sejam eles do performance e/ou da audiência, constituem a própria experiência. No conjunto de artigos selecionados para integrar nosso Dossiê priorizamos a pluralidade de tratamentos acerca das novas configurações da produção audiovisual contemporânea. Artistas como Henrique Roscoe (VJImpar), que colocam em perspectiva a própria criação - PONTO, um videogame sem vencedor - mostram

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como o audiovisual potencializa a performance e tem a capacidade de envolver a plateia na manipulação de seu conteúdo e de sua produção de presença. Também sob a óptica analítica acerca de um trabalho pessoal, desenvolvido de forma coletiva, Roderick Steel - Moléculas de contaminação afetiva em “Moonovosol” - utiliza o viés da contaminação afetiva de Deleuze para demonstrar como as “energias colaborativas” seguem buscando novas perspectivas para práticas conectadas às artes de vanguarda e às expressões experimentais que transitam no hibridismo audiovisual e performático. Já em O dispositivo audiovisual contemporâneo – proposta para uma nova montagem audiovisual, Julieth Galvis esboça a construção de um movimento teórico que permite ampliar a concepção de montagem audiovisual para abarcar novas propostas no âmbito das tecnologias interdisciplinares emergentes. Uma relevante abordagem sobre os espaços de encontro com o público é o que podemos acompanhar no artigo Em favor de uma cartografia cognitiva dos espaços festivos onde VJs atuam: estratégias na constituição de jogos dialógicos. Em seu texto Guilherme Cestari faz uma análise de relações entre VJ e público nos espaços festivos como lugares propícios à realização cognitiva de interferências e inscrições a partir da teoria dos jogos e da teoria dos grafos existenciais de Charles Sanders Peirce. Na sequência temos Experiências Audiovisuais na cena teatral: luz, palco e tela onde Jair Sanches Molina Junior apresenta um breve percurso histórico do uso de dispositivos audiovisuais em tempo real como recurso cenográfico e interativo. Sua pesquisa concentra-se na Companhia Brasileira Teatro Oficina Uzyna Uzona, dirigida pelo ilustre Zé Celso Martinez Corrêa que nos brinda com uma entrevista na qual discorre sobre o processo de transformação dos espetáculos do grupo a partir da utilização das tecnologias do vídeo. Dando continuidade ao segmento Entrevistas, Elisa Maria Rodrigues Barboza apresenta Vincent Morisset e Arcade Fire: destrinchando as narrativas digitais. Nessa conversa, o diretor de videoclipes interativos, Vincent Morisset, dis4

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cute sua participação política para o reconhecimento das narrativas digitais como uma forma autônoma pelo governo canadense. Seguindo a experiência canadense, Marina Kerber entrevista o cineasta e professor de animação Marcos Magalhães em Norman McLaren, pixilation e a animação brasileira. Além de nos contar sobre sua atuação no festival Anima Mundi e as influências do cinema de animação canadense no Brasil, o cineasta expõe o uso da técnica pixilation a partir de sua experiência no National Film Board of Canada e seu contato com Norman McLaren. Dentro da concepção desta edição de colocar em evidência produções que mesclam prática e pensamento selecionamos dois trabalhos para a seção Poéticas. A obra Autorretrato com duração e sons variáveis III de Vivianne Vallades apresenta, por meio de fotos (capa desta edição) e texto, uma pesquisa sobre as telas que infringem e desafiam o formato plano e retangular da projeção audiovisual. Suas investigações passam por suportes de gelo, quadros perfurados e espelhos para colocar em perspectiva os conceitos de duração e efemeridade. Ainda nesta seção, Rita Natálio apresenta o trabalho A máquina de imitar Global de Grosse Fatigue, de Camille Henrot no qual a autora propõe uma análise conjunta entre a forma e o conteúdo da obra de Camille Henrot. Seu questionamento reside na maneira como imagens, provenientes de diferentes contextos culturais e históricos, convivem num mesmo espaço e, desta forma, são capazes de produzir sentido através de uma investigação rítmica dessa aproximação. Com essa série de artigos dedicados à heterogeneidade da realização audiovisual contemporânea temos a oportunidade de oferecer nossa contribuição à expansão das diferentes formas de pensar a produção acadêmica da área. Agradecemos a colaboração de todos os autores e convidamos os leitores a percorrer as próximas páginas na consolidação de um vínculo de intercâmbios cada vez mais frutíferos.


Sumário

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PONTO, um videogame sem vencedor | Henrique Roscoe Correa Pinto

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Móleculas de contaminação afetiva em “Moonovosol” | Roderick Peter Steel

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O dispositivo audiovisual contemporâneo | Julieth Galvis Guzmán

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Em favor de uma cartografi a cognitiva dos espaços festivos onde VJs atuam | Guilherme Henrique de Oliveira Cestari

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Experiências audiovisuais na cena teatral | Jair Sanches Molina Jr. + Entrevista com José Celso Martinez Corrêa

entrevista 76

Vincent Morisset e Arcade Fire: destrinchando as narrativas digitais com Vincent Morisset | por Elisa Maria Rodrigues Barboza

85

Norman McLaren, pixilation e a animação brasileira - com Marcos Magalhães | por Marina Teixeira Kerber

POÉTICAS 91

Autorretrato com duração e sons variáveis III | Viviane Vallades

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A máquina de imitar global de Grosse Fatigue de Camille Henrot | Rita Natálio

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Resumo: “PONTO, um videogame sem vencedor” (2011) é uma performance audiovisual com sons e imagens sincronizados, tocadas por um console construído e programado por mim, e controlado por joysticks de videogame (Nintendo) retrô. O instrumento é completamente autônomo e funciona sem a necessidade de um computador, usando apenas um projetor e um sistema de som para reproduzir o seu conteúdo. Cinco pessoas da plateia são convidados a “jogar” a performance junto comigo, acrescentando um aspecto aleatório, onde eu já não tenho o controle completo do trabalho. Este artigo passa por todo o processo de criação da performance, mostrando o conceito artístico, estética e algumas técnicas generativas usadas por mim para adicionar um pouco de aleatoriedade ao processo para que o show seja diferente cada vez que é realizado. Palavras-chave: arte digital; performance; instrumento customizado; arduino; audiovisual; ao vivo.

Abstract: “Dot, a videogame with no winner” (2011) is an audiovisual performance with synchronized sounds and images, played by a ‘game console’ built and programmed by myself, and controlled by retro videogame (Nintendo) joysticks. The instrument is completely autonomous and works without the need of a computer, using only a projector and a sound system to play its content. Five people from the audience are invited to play the performance along with me, adding a random aspect where I no longer have the complete control of the work. This paper passes through the complete process of creation of the performance, showing the artistic concept, aesthetics and some generative techniques used by me to add some randomness to the process so that the show is different each time it is performed. Key words: digital art; performance; custom instrument; arduino; audiovisual; live. ___________________________________________________

Artista digital, músico e curador. Trabalha na área audiovisual desde 2004. É graduado em Comunicação social pela UFMG e Engenharia Eletrônica pela PUC/MG e tem especialização em Design pela FUMEC. 1

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Fig. 1 – Frames do vídeo-tríptico MOONOVOSOL IV: Oo0ø•º•∞ =<

1. HOL O projeto HOL, criado por mim no início de 2008, pretende fazer uma junção entre arte contemporânea, performances audiovisuais ao vivo, arte digital e criação de interfaces e instrumentos personalizados. O projeto acontece na forma de performances audiovisuais ao vivo. Inicialmente é criado um conceito e, a partir dele, todos os elementos de som e imagem são desenvolvidos de modo a mostrar emoções e sensações a respeito do tema tratado. Esta narrativa acontece de forma diferenciada do cinema e do vídeo tradicionais, pelo fato de que é executada ao vivo, acontecendo de forma diferente a cada apresentação, além de usar formas abstratas para criar metáforas para o mundo real. Estas analogias se dão com o uso de elementos fundamentais da imagem que, através de suas cores, formas e movimentos, sugerem sensações que vão dando ao espectador caminhos para entender a poética de cada composição. O uso destes elementos é baseado nos estudos dos artistas russos Kazimir Malevich e Wassily Kandinsky. Ambos acreditavam no poder de elementos fundamentais da imagem na construção de narrativas próprias. Malevich, com seu Suprematismo2 , ressaltou o poder intrínseco das formas e Kandinsky3 buscava, através de sua obra, ampliar a pintura através da sugestão do movimento e do ___________________________________________________ 2

Kasimir Malevich, The Non-Objective World - The Manifesto of Suprematism (New York: Dover Publications. Inc., 2003), 67.

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uso de elementos musicais em suas obras4 (exemplificado em títulos emprestados de termos musicais como Fuga, Improviso, etc.). HOL é um projeto de alta tecnologia, e, ao mesmo tempo, usa elementos tradicionais da arte moderna e contemporânea. Tem influência de um campo da arte chamado música visual, onde elementos de som e imagem, de forma sincronizada, criam uma narrativa fluida na qual elementos musicais como ritmo, harmonia, etc. são transpostos para o campo visual. O projeto é inspirado em artistas pioneiros desta área como Oskar Fischinger, Norman McLaren e, mais recentemente, Alva Noto, Ryoji Ikeda, entre outros. Entretanto, HOL acrescenta ao enfoque puramente estético comum a este tipo de trabalho, a questão conceitual, inserindo um elemento reflexivo e crítico a respeito de cada tema tratado. Outra característica importante do projeto é a criação de toda a programação de cada performance a partir de softwares modulares e generativos como vvvv e Max/Msp, que permitem uma completa personalização do que será executado ao vivo, tanto em som quanto imagem. Seria algo como criar um novo software para cada parte de cada apresentação. Além disso, a questão aleatória, muito usada na obra musical de John Cage por exemplo, tem papel importante na determinação de caminhos não totalmente controlados por mim. Este procedimento permite a ampliação ao infinito das possibilidades de execução da performance. Assim, cada obra é única e acontece de forma diferente a cada apresentação, apesar de sempre se manter fiel ao tema tratado.

Figura 02 - HOL ao vivo no On_Off, Itaú Cultural. São Paulo, 2009. Foto Edouard Fraipont

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Wassily Kandinsky, Concerning the Spiritual in Art (New York: Dover Publications. Inc., 1977), 27. Kerry Brougher and Jeremy Strick and Ari Wiseman and Judith Zilczer, Visual Music - Synaesthesia in Art and Music Since 1900 (Los Angeles: Thames & Hudson, 2005), 33 3

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Levando o conceito de personalização a um nível mais alto, o projeto vai além, criando também seus próprios instrumentos, alguns deles permitindo uma separação completa do computador e possibilitando a execução de uma performance audiovisual ao vivo usando instrumentos autônomos completamente criados e programados por mim. O projeto já se apresentou ao vivo nos principais festivais da área no Brasil como Sónar, FILE, Live Cinema, On_Off Itaú Cultural, Multiplicidade, FAD, além de alguns no exterior como WRO Media Art Biennale (Polônia), NIME (Inglaterra), Rencontres Internationales (Alemanha), roBOt e LPM (Itália), Athens Video Art (Grécia) e Festival de la Imagen (Colômbia). Com documentações das performances na forma de vídeo participou de diversos festivais e exposições como Art Basel (Suíça), Magmart (Itália), Kunstfilmtag (Alemanha), Generative Arts (Itália), Images Contre Nature (França), Espacio Enter (Espanha), Computational Aesthetics (Canadá), Sismógrafo (BH, Brasil), Hacklab (Bahia, Brasil), entre outros. 2. PONTO, um videogame sem vencedor 2.1- Conceito e primeiras pesquisas Trabalho com performances audiovisuais ao vivo desde 2004 e com criação de interfaces personalizadas desde 2006, quando comecei a trabalhar com o microcontrolador Arduino5. Depois de produzir algumas performances utilizando software e hardware convencionais, decidi começar a construir minhas próprias interfaces e usar um software personalizado para alcançar resultados mais criativos e originais e especialmente com o objetivo de que cada elemento tenha algo a dizer sobre o tema que está sendo tratado. Em 2008, criei um projeto audiovisual ao vivo nova chamada HOL que difere das minhas performances de VJ, especialmente por causa da liberdade de construir um espetáculo que abrange todo o processo, desde a definição do conceito e ferramentas, passando por construção de software, programação de hardware, criação de todas as imagens e sons, até a apresentação final sob a forma de uma performance audiovisual ao vivo. A fim de alcançar essa liberdade para programar exatamente o que tinha em mente, comecei a trabalhar com o software vvvv6. Diferentemente de outras aplicações de VJ que têm uma interface padrão, vvvv (e outros softwares como Max / Msp7, Processing8, etc) tem inicialmente uma página em branco e toda a programação tem que ser feita pelo artista, preenchendo exatamente ___________________________________________________

“Arduino”, 2011, http://www.arduino.cc “vvvv - a multipurpose toolkit”, 2011, http://www.vvvv.org 7 “Cycling 74”, 2011, http://www.cycling74.com 8 “Processing.org”, 2011, http://www.processing.org 5

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suas necessidades. Desta forma, ao invés de usar uma quantidade limitada de recursos dados pelo software padrão de edição de imagens ao vivo como Resolume, Modul8, etc., o programador tem a liberdade de construir sua própria lógica, funcionalidades e a própria interface. Em vvvv, você pode gerar animações em tempo real e controlar cada parâmetro único ao vivo. O mesmo acontece no lado de áudio com Max / MSP. Todas as performances por HOL usam esse tipo de software e pensei em usar este método também na parte de hardware. Então comecei a usar minha experiência recente com Arduino para construir interfaces personalizadas que controlam partes da performance. A primeira interface foi construída para a performance Aufhebung9, em 2009. Esta interface é composta por quatro cilindros, cada um com um LED e um sensor de distância IR na sua parte inferior. Há uma tampa sobre a parte superior de cada cilindro que, quando puxada para cima, muda parâmetros em áudio, imagens, ou ambos, de acordo com a programação em vvvv.

Figura 03 - Interface construída para a performance “Aufhebung”. Belo Horizonte, 2009

Após algum tempo, decidi ir além do hardware padrão - um laptop e mouse - e comecei com a ideia de construir o meu próprio hardware personalizado, que seria autônomo e não precisa de um computador para tocar a performance. A primeira tentativa de construir um instrumento autônomo audiovisual foi K-synth10(2011). Este pequeno instrumento audiovisual produz animações simples ___________________________________________________ 9

“Aufhebung”, 2009, http://hol.1mpar.com/?page_id=879 “k-synth”, 2011, http://1mpar.com/index1.php/portfolio/k-synth/

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em preto e branco e frequências sonoras puras. Ele foi construído usando uma caixa de fita cassete e tem duas saídas RCA, um para som e outra para imagens. A programação foi feita inteiramente no software Arduino e, uma vez terminada a programação e feito o upload, o instrumento não necessita de um computador para funcionar.

Figura 04 - K-synth - Instrumento audiovisual autônomo. Belo Horizonte, 2011

Em 2011, fui aprovado como residente no Marginalia + Lab para desenvolver uma pesquisa sobre a construção de um sintetizador audiovisual utilizando a placa Arduino como base. A ideia era que o instrumento seria independente e não precisaria de um computador para funcionar. Na residência, foi construído um protótipo onde as animações eram em preto e branco e tinha sons simples, utilizando a técnica de Circuit Bending juntamente com a programação do Arduino. Este instrumento foi chamado de Glitchy Square11. A partir de um circuito básico usando Arduino, fiz alguns circuit bendings, acrescentei alguns componentes e testei várias formas de conectá-los. O resultado foi um instrumento audiovisual onde áudio e imagem se retroalimentam, gerando sons e animações inesperados. Quando o instrumento está ligado a uma TV analógica, a saída de som gera os diferentes tipos de ruído de acordo com a animação programada e com o tamanho das formas na tela. O som interfere na imagem à medida que cada pulso de áudio também vai para a saída de vídeo, mudando o que é apresentado na tela. O circuito foi inserido em uma caixa de madeira e nomeado Glitchy Square (2011) - uma homenagem à famosa pintura Black Square12(1915), do pintor russo Malevich, que tentou alcançar os li___________________________________________________

“Glitchy Square”, 2011, http://hol.1mpar.com/?page_id=852 “Kazimir Malevich”, 2011, http://en.wikipedia.org/wiki/Kazimir_Malevich

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mites do (não) representação e essa pintura seria, de acordo com ele, o máximo da não objetividade. Este instrumento acrescenta movimento e som a essa ideia e busca as sensações da não objetividade. Imagens recebem influência de sons e vice-versa, e os elementos fundamentais do circuito (tensão, corrente, etc.) geram o conteúdo.

Figura 05 - Glitchy Square - Instrumento audiovisual autônomo. Belo Horizonte, 2011

Para exibir o trabalho, o instrumento é colocado sobre uma mesa e um vídeo com a documentação e explicação sobre o seu funcionamento é exibido em uma projeção de vídeo. Neste vídeo, apresento também uma composição audiovisual criada usando exclusivamente sons e imagens geradas pelo instrumento13. Mais tarde, em 2011, usando o Arduino e um shield chamado Gameduino, um novo instrumento foi construído. O circuito foi inserido em um console independente e programado para ter 5 animações diferentes, cada uma remetendo a um nível de um jogo. As imagens geradas seguem a estética dos primeiros videogames, em função de algumas limitações de processamento da placa, limitações estas que mais tarde se tornaram parte fundamental do conceito da performance “PONTO, um videogame sem vencedor”. 2.2 O Instrumento O instrumento é composto por uma placa Arduino, um shield Gameduino e dois controlado___________________________________________________ 13

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“Glitchy Square”, 2011, http://vimeo.com/28944983

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res de SNES, inseridos em uma caixa de plástico. O Arduino recebe as informações dos dois joyticks e cada botão é atribuído a uma variável. A programação foi feita dentro do ambiente Arduino, usando a biblioteca Gameduino. Gameduino é um shield que pode ser ligado ao Arduino e tem saída de vídeo VGA e áudio estéreo P2. Gameduinoi é o núcleo do circuito. Ele pode gerar imagens a cores e 64 vozes independentes de áudio sintetizadas. Mas esse shield tem muitas limitações. Ele pode lidar com um número máximo de 256 sprites na tela, ao mesmo tempo, cada um com 16x16 pixels. Ele pode exibir um pequeno número de cores ao mesmo tempo, e tem também uma quantidade limitada de processamento. A saída de vídeo tem 400x300 pixels e apenas 512 cores.

Figura 06 - Instrumento construído para a performance “PONTO, um videogame sem vencedor”. Belo Horizonte, 2011

Uma biblioteca14 foi utilizada para obter as informações dos controladores de SNES e convertê-los em variáveis que o Arduino consegue entender. Os joysticks controlam todas as funções em tempo real durante a execução e cada “player” controla diferentes parâmetros de acordo com o “nível” que está sendo jogado. Depois de construído o circuito, todos os componentes foram colocados em uma caixa de plástico com adesivo remetendo à estética retrô por cima. Uma fonte de alimentação de 12V é usada para que ele funcione de forma independente. Para a performance ao vivo, a saída VGA deve ser conectada diretamente ao projetor e a P2 a um sistema de som estéreo. ___________________________________________________ 14

“Gameduino - a game adapter for microcontrollers”, 2011, http://excamera.com/sphinx/gameduino/

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2.3 Conceito Depois que o instrumento foi construído, a performance “PONTO, um videogame sem vencedor” foi criada com a ideia de criticar alguns aspectos da lógica do jogo, mas usando sua estética, sons e elementos gráficos característicos. A obra critica, através de imagens abstratas, temas ligados a videogames e a vida cotidiana das pessoas. Todas as imagens e sons foram criados e programados por mim e eles são gerados em tempo real, em uma performance de 30 minutos. Para a apresentação ao vivo, o público é convidado a tocar comigo, e juntos produzimos a trilha sonora e os visuais. A performance tem 5 partes, tal como os níveis de um jogo. Pessoas convidadas da plateia ficam sentadas em almofadas, no palco, viradas para a tela, controlando todos os elementos da performance usando dois joysticks da Nintendo - como se estivessem jogando um videogame em casa. O título “PONTO, um videogame sem vencedor” é também uma crítica ao fato de que apenas o fato de ganhar o jogo é valorizada, enquanto ao processo é dada baixa prioridade. O objetivo deste “jogo” não é vencer, mas participar do processo de criação de um espetáculo audiovisual. A performance funciona em níveis, como um jogo, e cada parte trata de um tema específico: - Nível 1 - Estilhaço Violência: crítica ao estímulo de violência nos jogos. Em um buraco que se abriu sobre um fundo vermelho, os movimentos dos jogadores desenham veias que deixam rastros de sangue na tela. - Nível 2 - Abaixo Você O valor de cada um é medido pela diminuição do outro. Dois elementos em forma de parafusos estão presos no chão. A única ação possível é a de bater no “adversário”, afundando-o mais e mais. - Nível 3 - Capital Excesso: cada jogador controla a posição e velocidade da queda de objetos na tela. Esses objetos preenchem toda a tela, até que não há mais espaço para o jogador. Este nível trata de temas como o consumismo e a necessidade de preencher todos os mínimos espaços vazios na vida das pessoas. Quando este limite é alcançado, o sistema perde o controle e passa a exibir imagens desconexas na tela e emitir ruídos incontroláveis. - Nível 4 - Mimetismo Massificação: crítica à moda e ao comportamento de imitação. Formas abstratas passam pela tela e o jogador deve mudar a sua própria forma para ficar igual ou diferente dos outros.

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- Nível 5 - Para o Futuro Sentido: para baixo. Final melancólico onde ambos os jogadores vão descendo uma rampa de 45 graus. O único movimento possível é o adiamento da chegada ao fundo. 2.4 Aspectos da performance ao vivo Cada parte da performance tem a sua própria programação, em que os aspectos conceituais pode ser vistos em cada elemento. O instrumento não tem sons ou imagens pré-gravados e tudo é criado em tempo real, em uma parceria entre mim e cinco jogadores convidados. Não há uma pontuação a ser almejada, apenas as instruções para os jogadores sobre o tema relativo a cada parte e qual a função de cada botão. Outro conceito importante é a aleatoriedade. Esta característica aparece na composição na forma de parâmetros randômicos gerados pelo sistema e ainda pela própria participação do público. Cada convidado pode interferir de maneira completamente imprevisível na performance ao pressionar cada botão no joystick. Como vários parâmetros em som e imagem são controlados pelos convidados, não tenho o controle completo sobre o que está acontecendo, embora existam algumas limitações que coloquem esta aleatoriedade em uma faixa aceitável. De qualquer forma, o papel dos participantes é fundamental para o sucesso da apresentação, e eu fico em parte dependente da sensibilidade e sentimento musical dos convidados, a fim de construir uma trilha sonora interessante.

Figura 07 - Partitura dada aos participantes para o Nível 3. Belo Horizonte, 2011

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No primeiro nível - uma crítica ao alto nível de violência nos jogos de hoje em dia - um fundo vermelho é o cenário para as ações dos jogadores, que consistem em desenhar linhas vermelhas dentro de um quadrado de cor similar. Este quadrado é uma forma abstrata que simboliza um buraco de bala, enquanto as linhas escorrendo lembram o sangue proveniente do ferimento. Apesar de o ponto onde o desenho começa ser definido pelos jogadores, animações generativas também fazem parte da cena, sob a forma de ramos que saem aleatoriamente da linha principal. Desta forma, apenas uma parte da imagem é gerada pelos “jogadores”, enquanto que outras linhas randômicas têm seus próprios comportamentos específicos. Cada som é composto por uma única frequência que segue a posição atual X e Y do fim de cada linha. Outros sons completam esta composição: um padrão contínuo semelhante a uma batida de coração, e alguns sons ruidosos acionados cada vez que um jogador pressiona um botão - simbolizando um corte doloroso na carne.

Figura 08 - Nível 1 - Estilhaço. Bologna, 2011. Foto Bruna Finelli

Nível 2 é uma metáfora de um comportamento humano que utiliza a degradação do outro como forma de auto-promoção. Cada jogador controla uma forma abstrata simbolizando um martelo que, uma vez pressionado, cai sobre o avatar do outro participante, afundando-o no chão. O convidado é capaz de fazer melodias pressionando os botões de seu joystick. Cada botão gera um som sintetizado. Eu também posso tocar essas melodias, e meu joystick tem funções extras usadas para adicionar alguns padrões para a trilha sonora e também alterar elementos visuais. As cores preto e branco foram escolhidas para tornar mais explícito o contraste entre os jogadores.

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Na terceira parte, intitulada “Capital”, cada jogador controla a posição vertical e horizontal de elementos gráficos em queda. A posição em que cada novo elemento aparece é uma variável aleatória, e os jogadores não sabem onde a próxima será exibida. O som é composto por alguns elementos generativos e a posição horizontal de cada forma muda o pitch das duas vozes principais. O fim desta peça é controlada pelo jogador convidado, quando, uma vez preenchidos todos os espaços disponíveis, a parte visual começa a ruir, mostrando imagens e sons ruidosos. Quando toda a tela é preenchida com as formas antes controladas pelos “jogadores”, o instrumento entra em um modo glitch onde imagens não programadas aparecem aleatoriamente na tela. Agora, os jogadores não têm mais controle sobre suas ações. Esta parte é uma metáfora para o caos criado pelo nível máximo do capitalismo. O som fica confuso e tudo fica deteriorado até que o cenário inicial não é mais reconhecível. Isso acontece porque as variáveis de contagem entram em overflow, resultando em resultados completamente inesperados em som e imagem.

Figura 09 - Nível 3 - Capital. Bologna, 2011. Foto Bruna Finelli

O próximo nível - Mimetismo - é composto de um fundo gráfico preto e branco que muda cada vez que pressiono um botão específico em seu joystick, e dois sprites verdes que representam cada jogador. Os jogadores podem escolher entre diferentes formas, a fim de parecerem iguais (ou não) em relação ao fundo. Se o jogador escolhe uma forma semelhante à do fundo ele irá quase desaparecer, ao passo que uma forma diferente vai distingui-lo da imagem de fundo. Esta programação critica o comportamento de massa de pessoas que preferem se perder no meio da multidão, em

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vez de assumir suas particularidades. Este nível tem uma abordagem muito rítmica e eu controlo padrões de áudio com elementos aleatórios em suas melodias. O último nível é chamado de ‘Para o Futuro “, como uma metáfora para a decadência da cultura no mundo de hoje. Assemelha-se a um movimento de retrocesso contínuo na evolução do mundo. Tudo o que os jogadores podem fazer é adiar a sua queda, até finalmente desaparecerem por completo na parte inferior da tela. As imagens referem-se à ideia de um mergulho de esqui montanha abaixo, com árvores passando rapidamente. Aqui, é a posição de cada jogador que constrói a melodia principal da trilha sonora, à qual é adicionado uma sonoplastia remetendo aos elementos que passam pela tela. Outros padrões são ligados e desligados por mim a fim de criar uma trilha sonora dinâmica. O ritmo é composto por elementos generativos, com notas aleatórias que compõem sua melodia e ritmo.

Figura 10 - Ao vivo no roBOt Festival. Bologna, 2011. Foto Bruna Finelli

3. Conclusão A performance “PONTO, um videogame sem vencedor” é mais um passo na criação de performances ao vivo audiovisuais, onde todos os elementos em software e hardware foram criados especificamente para o tema que está sendo tratado. Um instrumento personalizado foi construído a partir do zero e todos os sons e imagens programados para que possam ser gerados ao vivo por mim e pelos participantes convidados. O comportamento generativo de todo o processo torna cada apresentação única e o papel de cada convidado fundamental para a apresentação. Muitas variáveis aleatórias contribuem para isso, tirando do compositor o controle completo da performance. Aqui, a participação do público realmente interfere de forma contundente no resul-

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tado final. E, apesar de todo o esforço tecnológico colocado na construção do trabalho, o que realmente importa é transmitir o conceito, expondo o ponto de vista do artista sobre o tema e buscando sensibilizar o público acerca dos temas tratados na obra. Para mais informações, vídeo e fotos: http://hol.1mpar.com/?page_id=811 Outras composições do HOL: http://hol.1mpar.com/ Criação de instrumentos e interfaces: http://1mpar.com/index1.php/

Referências bibliográficas MALEVICH, Kasimir. The Non-Objective World - The Manifesto of Suprematism. New York: Dover Publications. Inc., 2003. KANDINSKY, Wassily. Concerning the Spiritual in Art. New York: Dover Publications. Inc., 1977 BROUGHER, Kerry and STRICK, Jeremy and WISEMAN, Ari and ZILCZER, Judith. Visual Music - Synaesthesia in Art and Music Since 1900. Los Angeles: Thames & Hudson, 2005. “Arduino”, 2011. http://www.arduino.cc “vvvv - a multipurpose toolkit”, 2011. http://www.vvvv.org “Cycling 74”, 2011. http://www.cycling74.com “Processing.org”, 2011. http://www.processing.org “Aufhebung”, 2009. http://hol.1mpar.com/?page_id=879 “k-synth”, 2011. http://1mpar.com/index1.php/portfolio/k-synth/ “Glitchy Square”, 2011. http://hol.1mpar.com/?page_id=852 “Kazimir Malevich”, 2011. http://en.wikipedia.org/wiki/Kazimir_Malevich “Glitchy Square”, 2011. http://vimeo.com/28944983 “Gameduino - a game adapter for microcontrollers”, 2011. http://excamera.com/sphinx/gameduino/ “nespad - NESpad Nintendo game pad library for Arduino”, 2011. http://code.google.com/p/nespad/

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Móleculas de contaminação afetiva em “Moonovosol” Roderick Peter Steel

Móleculas de contaminação afetiva em “Moonovosol” Roderick Peter Steel1 Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP)

Resumo: Este trabalho relata o processo de criação do vídeo-tríptico MOONOVOSOL durante uma vídeo-residência de duas semanas na cidade de Porto Alegre. Busca examinar estratégias para a captação, transformação e propagação de energias dentro de um ciclo de experimentação entre uma série de 6 performances-rito e um corpo-vídeo em 3 telas. Palavras-chave: Vídeo-performance; Espelho; Movimento; Cinema; Residência artística.

Abstract: This article dicusses the creation process of the video-triptych MOONEGGSUN du-ring a two week video-residency in the city of Porto Alegre, Brazil. It seeks to exami-ne artistic strategies for the capture, transformation and propagation of energies within a cycle of experimentation between a series of 6 performance-rites and a 3-screen vi-deo-body. Key words: Video performance; Mirror; Movement; Cinema; Artist’s residency.

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Artista Visual, fotógrafo, cineasta e performer. Mestrando em Meios e Processos Audiovisuais na linha de Poéticas e Técnicas pela Escola de Comunicação e Artes (USP), sob a orientação do Prof. Dr. Atílio José Avancini.

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Móleculas de contaminação afetiva em “Moonovosol” Roderick Peter Steel

Fig. 1 – Frames do vídeo-tríptico MOONOVOSOL IV: Oo0ø•º•∞ =<

O projeto MOONOVOSOL (ou MOONEGGSUN em inglês) foi produzido durante uma vídeo -residência de duas semanas na Galeria Mamute2, em Porto Alegre. O processo, desenvolvido por Adriana Tabalipa, Andreia Vigo, o artista sono-ro Giancarlo Lorenci e Roderick Steel, articulou um desejo antigo de juntar cineastas e performers para produzir um trabalho colaborativo3. Este artigo, escrito impulsivamente alguns meses depois da residência, tenta processar MOONOVOSOL4 enquanto vídeo-performance5, pelo viés da contaminação afetiva de Deleuze. Ao colocar agen-das individuais de lado e direcionar energias colaborativas aos materiais em mãos, este coletivo temporário de artistas, reunidos durante a residência, procurava se tornar “molécula, a ponto de se tornar imperceptível” (DELEUZE, 1997, p. 225)6. Vestes moleculares Através da introdução arbitrária de dezenas de espelhos, os corpos dos performers são submetidos a uma possessão autopoiética: a uma imanência receptiva e transmissiva. Juntos se tornam entidades liminares perfuradas por perspectivas e focos variáveis do mundo: refletindo e absorvendo zonas experienciais livres dentro de lentes dispostas em série. Essas multidões de ovos moleculares “definidas por eixos e vetores, gradientes e limiares, (...) pela trans-formação de energia e movimen___________________________________________________

Contemplado no Programa Rede Nacional Funarte Artes Visuais 10ª Edição, a Videoresidencia Território Expandido propôs um espaço de inter-relações entre artistas e regiões do Brasil, no intuito de estimular a troca de conhecimento entre as diferentes produções e favorecer processos de Coletivos de videoarte. As produções artísticas oriundas da residencia foram expostas na mostra Paisagens Inven-tadas, com curadoria de Niura Borges, na Galeria Mamute. 3 Agradecemos também ao artista Alexandre Antunes, cujo apoio durante o processo foi imprescin-dível. Culminou na filmagem do quinto capítulo de MOONOVOSOL em seu jardim-studio. 4 Para ver MOONOVOSOL clique nos seguintes links: 1. vimeo.com/91799774 Parte 2: vimeo.com/91551839. Parte 3: vimeo.com/91794131, Parte 4: vimeo.com/91603096. Parte 5: vimeo.com/90971484. Parte 6: vimeo.com/90339559. A senha para todos os videos é abre. 5 Sua transdução para outro video-corpo. Neste caso, para um corpo com 3 telas, ou “video-triptico”. O termo vídeo-performance é geralmente usado para descrever a exploração da relação entre obras de arte processuais e presenciais que foram concebidas para vídeo. Vídeo e performance surgiram juntos e influenciam-se mutuamente a partir do final dos anos 1960. Cinco das seis performances de MOONEGGSUN foram em locais remotos e inacessíveis. Em muito do nosso trabalho estamos interessados tanto nas qualidades efêmeras de uma performance ao vivo como em sua remediação. Ou seja, em sua transdução para um corpo de vídeo. Neste caso, para um corpo ampliado de 3-telas, ou “vídeo-tríptico”. 6 Adriana Tabalipa e Roderick Steel desenvolvem performances em conjunto desde 2013 dentro do “coletivo S.T.A.R.” . Buscam, através de seus trabalhos, colaborar com outros artistas em vários estados brasileiros. 2

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tos cinemáticos que propiciam o deslocamento do grupo”, devolvem estes corpos a um estado de criação “antes da formação dos estratos.”7

Fig. 2 – Frames do vídeo-tríptico MOONOVOSOL III: —°‰—

Deleuze nos lembra que na imagem-tempo o corpo fica mais lento e, “se torna o revelador [révélateur] do tempo, para mostrar o tempo por meio de seu cansaço e suas esperas” (DELEUZE, 1989, p.XI). Como tal, os artistas es-tampados por células se tornam modelos para todos os devires, ao transformar os locais que encontram em zonas experimentais. Suas deliberações lentamente desvendam ritos potencialmente transformadores, ‘encarnados, promulgados, espacialmente e temporalmente enraizados’ a faculdades sensoriais agudas.

Fig. 3 – Strata preênsil. Frames do vídeo-tríptico MOONOVOSOL V: •Ó···<=Ø=<···Ô•

Anti-espelhos No lugar da transcendência reflexiva do espelho e da cena, há uma superfície anti-reflexiva, uma superfície imanente onde as operações se desenrolam - a superfície lisa e operacional da comunicação (BAUDRILLARD, 1983, p.126).

Brian Massumi nos assegura que espelho-visão pertence a uma determinação recíproca entre I-me / I-you, mas no mesmo fôlego introduz movimento na equação, como uma espécie de antônimo do espelho. Que torna o movimento-visão absoluto e auto-distanciador: “Movimento-visão não é apenas descontínuo com espelho-visão. É discontínuo com ele mesmo. Para se ver de pé como os outros o veem não é o mesmo que se ver andando como os outros o veem”( MASSUMI, 2002, p.50). O que fazer, então, de espelho / movimento-visão? Será que a fusão do espelho de Lacan com a velocidade amplifica essa distância metafísica, ou cria um evento expressivo com a sua própria “taxa de ___________________________________________________ 7

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DELEUZE, 1988, A Thousand Plateaus, p. 153.

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abstração vivenciada” capaz de criar uma contaminação afetiva? (MASSUMI, 2011, p.155).

Fig. 4 – Meditação convexa. Frames do vídeo-tríptico MOONOVOSOL II: Ø0º>=<0غ

Em “Crystals of time” Deleuze reconhece o processo pelo qual imagens espelhadas disputam por supremacia virtual e real, um vencendo sobre a outra baseado na primazia de um determinado campo de visão. Se a imagem-tempo de Deleuze se move na vertical e a imagem-movimento na horizontal, o espelho convexo passa por uma combinação infinita de planos horizontais e verticais. Como imagem-objeto móvel. A superfície convexa do espelho reflete o mundo real como um Outro aparentemente distorcido, proporcionando vistas de um universo policêntrico, desprovido de um ponto de fuga. Este efeito dismórfico registra o objeto real não como Outro transcendental, nem como um duplo deslocado: não há coalescência entre os dois, mas sim uma metamorfose dinâmica entre o objeto real de um estado real e a trajetória física da sua reflexão para outro estado temporal. No seu movimento duplo de revelação e rasura, estes planos sucessivos e circuitos independentes esticam e encolhem a configuração espacial quantitativa ao redor do espelho. Como tal, torna-se uma seleção móvel de tempo, um molde temporal or-gânico em fluxo perpétuo entre telas interiores e exteriores.

Fig. 5 – Ad infinitum. Frames do vídeo-tríptico MOONOVOSOL II: Ø0º>=<0غ

O movimento/espelho-visão põe em movimento a união de intensidades de experiência, enquanto inibe conexões entre eles. Os que manejam o espelho logo percebem sua evasão de uma expressão pura. Sua superfície líquida acolhe forças imanentes que se aglomeram em forma de espiral para dentro de um centro de dispersões centrí-fugas e um campo relacional que rechaça a contenção (MASSUMI, 2002, p.155). As vezes age como um cérebro, reduzindo o mundo a uma série de imagens-pensamentos, ora age como um grão, germinando imagens-sementes.

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Em alguns aspectos, o espelho pertence ao paradoxo dos objetos absurdos, inimagináveis. Incluído na definição do objeto impossível de Deleuze estão círculos e o chamado perpetuum mobile (seus itálicos), que ele descreve como “objetos sem uma casa” e sem um devir que têm, no entanto, “uma posição precisa e distinta dentro des-te fora: eles estão “além de ser” (DELEUZE, 1990, p.35). Talvez o domínio do espelho sobre nós vem dessa afinidade especial com o objeto impossível em movimento perpétuo. Ao mesmo tempo, quando empunhado, o espelho convexo nos arrelia com uma metáfora potencial da própria arte quando nos apresenta com uma estética da “contra-realização” do mundo por meio de sua interpolação de uma interpretação do que pode ser efetivamente visto ocorrendo.

Fig. 6 – Objeto Impossível. Frames do vídeo-tríptico MOONOVOSOL VI: °·O0·—Ø—·0O·°

Buscando situações O ímpeto de desenvolver performances para vídeo em locais movimentados se desenvolveu numa breve busca por locações8. Ficou claro que o funcionamento interno de cada locação teria que ser revelado, até provocado a existir pelo viés dos materiais como o espelho investigativo, a lanterna de sondagem e as vestes exploratórias. Em frente da câmera, em tempo real, e durante as performances, fomos restringidos a um paradoxo: por quanto tempo poderia o processo de descoberta e uso criativo dos materiais – da mediação entre eles e o mundo e nós mesmos – permanecer emergente? As duas últimas performances proporcionam uma relaxação dessas limitações, ao juntar todos os materiais em uma onda de atividade entre os circuitos. Uma das questões principais da proposta do coletivo (...qual o papel da vídeo-performance dentro da própria performance?) se fez presente no reflexo ominoso da cinegrafista no espelho convexo9. Uma capa metálica, coberta de pe-quenos espelhos ovais, foi usado por Andreia – cinegrafista oficial do projeto – para ‘ativar’ seu próprio olhar performativo e autónomo10. Ela usou sua capa durante as seis performances e foi capturada ‘registrando-performando” nas últimas três performan___________________________________________________

A progressão cinematica (o mais próximo que a série chega a uma narrativa) seguiu o conceito que um único conjunto de materiais seria utilizado em cada uma das quatro primeiras performances. E em seguida, nas últimas, seriam usados em conjunto. Isso reduziria cada performance a um circuito compacto de possibilidades. Restrição e limitaçao são vitais para a criação de um campo de atuação. 9 The performances followed a production method not unlike that of observational documentary filmmaking. 8

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ces quando uma segunda câmera imóvel foi posicionada de fora para dentro. A sessão do Jardim Botânico Quando vestidas, as vestes transformaram os performers em seres sensíveis, cientes da desestabilização do processo de organização, identificação e interpretação sensorial do sistema nervoso da natureza.

Fig. 7-9 – Ecologias virtuais. Frames do vídeo-tríptico MOONOVOSOL IV: Oo0ø•º•∞ =<

No capítulo do livro Machinic orality and virtual ecology, Félix Guattari celebra as virtudes de um descentramento estético dos pontos de vista, para enunciar “novas rachaduras entre outros dentros e foras”. Enquanto os seres performativos de preto e branco exploraram as trilhas do Jardim Botânico de Porto Alegre, refracionando e absorvendo imagens, eles se tornam a personificação da sensação ótica pura. Deleuze criou a noção de tactisigns, ligados ao toque do olhar. (DELEUZE, 1989, p.13) A fusão de espelho e corpo – já incorporada no DNA das vestes – incita tactisigns a se misturar com chronosigns (imagens-tempo), noosigns (imagens-pensamento) e lectosigns (imagens-legíveis), dentro de um estado de integração imanente. Além disso, este devir se dá através da co-presença corporal dos artistas que se descobrem em relação com o mundo ao seu redor.

Fig.10 – Diferença e repetição. Frames do vídeo-tríptico MOONOVOSOL IV: Oo0ø•º•∞ =<

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Como mencionado, essas camadas de interações são testemunhados por uma ou duas câmeras de vídeo. Enquanto um destas registra a mise-en-scène de um ponto fixo, a outra câmara é coagida para dentro de um movimento de “especialização”, pelas lentes de Andreia Vigo, que exercita um elevado grau de contingência enquanto oscila entre o ato de registrar e de inscrever novos sentidos . Guattari nos assegura que a Performance “encaminha o instante para a vertigem do surgimento de Universos que são simultaneamente estranhos e famili-ares.” (página 90). Guattari, novamente: Engenhocas estranhas, você vai me dizer, essas máquinas de virtualidade, estes blocos de percepções e afetos mutantes, meio-objeto, meio-sujeito, presentes em sensação e fora de si nos campos do possível (GUATTARI, 1995, p.92)

Mas o que exatamente são estes afetos? Para Deleuze, eles ocorrem em uma lacuna entre a imagem-percepção e a imagem-ação; para Massumi, na lacuna entre o conteúdo e seu efeito (2002, p.24). Eles ocorrem no espaço entre a percepção do Jardim Botânico e do ato performativo de sentir o seu campo de percepção, e fazer isso sem preencher este espaço. O espelho e a lanterna iluminam fluxos de imagens-objetos que se apresentam aos raios refletidos do sol. Como um olho-espelho, eles operam em planos múltiplos simultaneamente, descrevendo, alterando, iluminando, distorcendo: “Surgem no centro de inde-terminação... entre uma percepção que incomoda... e uma ação hesitante.” (Deleuze, 1986, p. 65).

Fig.10 – Diferença e repetição. Frames do vídeo-tríptico MOONOVOSOL IV: Oo0ø•º•∞ =<

A sessão do Viaduto Dentro dessa nova configuração, o espelho móvel performativo empurra os principais tipos de imagens-cinema de Deleuze (imagem-movimento e ima-gem-tempo) para dentro de um holofote estróbico. A luz da lanterna segue a lente da câmera através do espelho, procurando encontrar seu ponto de indiscernibilidade, iluminando o circuito interno de seu mecanismo fotográfico. O dispositivo dança entre os arcos do Otávio Rocha e o Passeio das Quatro Estações, registrando a ação da lanterna que provoca o confronto óptico entre a superfície convexa do espelho e a própria superfície lenticular da câmera, para alvejar o momento em que o espelho posicionado entre o obturador e a lente pestaneja, fixando a imagem em movimento em um frame de vídeo. Embora tenhamos nos

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acostumado com as vicissitudes do objeto-espelho, ele nos cativa novamente, enquanto brilha esplendorosamente gerando um efeito hipnótico.

Fig.12 – Frame do plano-sequência de MOONOVOSOL II : Ø0º>=<0غ

Este curto-circuito do mecanismo da câmera cria falhas que abrem outro circuito ainda mais profundo dentro das forças cristalinas já ativas. A luminosidade excessiva da lanterna parece repartir o tempo ao estratificar a imagem en-tre espaços-tempos variáveis dentro de cada frame, empurrando o cristal ao “limite entre o passado imediato que já não é mais, e o futuro imediato que ainda não é...” (DELEUZE, 1989, p.79).

Fig.12-13 – Falhas entre luzes e cristais. Frame do plano-sequência de MOONOVOSOL II : Ø0º>=<0غ

A sessão do jardim molecular Nesta ocasião, os performers se encontram dentro de um ambiente ótico projetado para estender seus corpos para dentro do “movimento do mundo”, onde permaneceram “imóveis num ritmo muito intenso” (DELEUZE, 1989, p. 59). Este movimento do mundo se verticaliza através da expansão da totalidade do espaço e o alongamento do tempo através das múltiplas refrações entre

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luz e sombras, entre treliças e caleidoscópios. Esta situação é novamente agravada pelo fluxo entre os estados ópticos e espectrais da própria lente da câmera (sua distância focal e abertura) e sua distância dos espelhos-lentes.

Fig.14-16 – Zonas espectrais. Frames do vídeo-tríptico MOONEGGSUN V: •Ó···<=Ø=<···Ô•

Espectros, refrações e deformações proliferam a partir de uma multiplicidade de espelhosmoléculas que absorvem a totalidade dos performers, os devolvendo às suas partes atômicas inconscientes e abrindo novos limites de alteridade. Como defendido por Deleuze e Guattari: (...) em condições tais que o corpo sem órgãos substitui o organismo, a experimentação substitui toda interpretação da qual ela não tem mais necessidade. Os fluxos de intensidades, seus fluidos, suas fibras, seus contínuos e suas conjunções de afec-tos, o vento, uma segmentação fina, as micro-percepções substituíram o mundo do sujeito. Os devires, deviresanimal, devires-moleculares, substituem a história individual ou geral (DE-LEUZE & GUATTARI, 1988, p. 162).

Fig.17 – Vórtice digital. Frames do vídeo-tríptico MOONOVOSOL V: •Ó···<=Ø=<···Ô•

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Enquanto isso, os espelhos de uma vestimenta refletem o outro, que reflete de volta o reflexo do outro, e assim por diante. A lanterna estróbica coloca a relação entre os performers preto e branco em suspensão: o piscar hipnótico injeta luz para dentro do cérebro, comprometendo a capacidade já limitada da retina modificar a percepção e acompanhar as repentinas mutações de imagens entrópicas. Outro vórtice, ou buraco negro, é formado quando o circuito eletrônico da câmera gera um mancha preta, em forma de pixels, no momento que este aparato capta o momento exato em que a luz direta da lanterna e seu reflexo no espelho convexo se encontram. Essa esfera negra cria um feedback entre circuitos externos e internos, gerando um olho eletrônico ondulante. Esta expansão e dilatação entre um ponto e um óvulo nos lembra o momento anterior, quando os raios do sol se refracionaram na lente da câmera. Como dentro uma zona abissal, essa mutação numérica abre um buraco através da fusão do branco sobre branco, para gerar um estado digital alterado. É como se a própria luz se libertou do aparato sensorial cinematográfico para explorar e expandir os horizontes de sua própria imagem-tempo.

Fig.18-19 – Zona abissal. Frames do vídeo-tríptico MOONOVOSOL: •Ó···<=Ø=<···Ô•

Uma performance em três telas e três tempos A fim de preservar a abordagem experimental de todas as seis performances-ritos para vídeo, optou-se por usar na integra todo o material filmado. Pois da mesma forma que os performers tiveram liberdade para experimentar e descobrir as possibilidades performativas dos seu materiais em suas ações, houve um desejo de preservar o processo de descoberta e reveleção do registro dessas ações pelo olhar do cinegrafista-performer e seu dispositivo.

Fig.20 – Zona abissal. Frames do vídeo-tríptico MOONOVOSOL VI: °·O0·—Ø—·0O·°

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A implantação do dispositivo de três telas gerou relações e junções imprevistas entre as imagens. Em momentos o efeito se assemelhou ao exercício surrealista de montar imagens aleatoriamente (cadaver exquis) para criar uma nova forma viva. O movimento entre as telas foge de qualquer tentativa de medição ou controle, e desencadeia um fluxo de montagens-tempo. Além disso, momentos distintos são dispostos lado a lado e percebidos simultaneamente. Uma das características mais surpreendentes do vídeo-tríptico é sua desconstrução diegética de qualquer ação linear. Isso se fez evidente na ação com tules de 50 metros na Ponte de Pedra no Largo dos Açorianos (MOONOVOSOL III), em que as bolas de tecido transparente foram desembrulhadas, esticadas, e reembrulhadas. A unidade de tempo e espaço dessa ação e da própria ponte é subdividida em três unidades-telas que se enfrentam num ciclo interminável de fluxos que inibem perspectivas lineares. Desta forma o objeto (o tule) e o ato (manusear o tule) se emaranham no tempo e espaço do dispositivo tríptico.

Fig.21 – Subdivisões do espaço-tempo. Frames do vídeo-tríptico MOONOVOSOL III: —°‰—

O ato contínuo é seccionada em potencialidades do passado, presente e futuro, enquanto um se enrola no outro. O ato e a percepção do ato são subdivididos em três outros intervalos temporais e afetivos. Enquanto uma tela contém as bolas de tecido, outra mostra a bola sendo desenrolada e, em seguida, reenrolada, “como uma faixa de memória se desenrolando sob as imagens do próprio filme,” para formar a camada inferior de um ciclo implícito. (MAYA DE-REN, 1960, p. 154-5.) Estados atuais e anteriores se tornam gradativamente indistinguíveis um do outro, como uma ‘espiral aberta em ambas as extremidades “(DELEUZE, 1986, p.32) A “cosmologia plural” da “repetição-variação” da cena liberta o tempo, “invertendo sua subordinação ao movimento” (DELEUZE, 1989, p.102).

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Fig.22-24 – Espirais abertas. Frames do vídeo-tríptico MOONOVOSOL: —°‰—

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O dispositivo audiovisual contemporâneo Julieth Galvis Guzmán

O dispositivo audiovisual contemporâneo proposta para uma nova montagem audiovisual Julieth Galvis Guzmán1 Universidade de São Paulo Resumo: Tradicional e cinematograficamente, a montagem define o trabalho de seleção e organização de imagens em fragmentos narrativos rítmicos e contínuos que obedecem coerentemente ao roteiro e às intenções do diretor. No entanto, se ampliarmos o conceito de montagem às práticas audiovisuais que não são propriamente cinematográficas, descobrimo-nos cercados por conceitos e dogmas que dificilmente definem a sua semântica ou estruturam uma teoria para seu analise. É necessária a formulação de uma nova montagem, ampla, inclusiva, fundamentada na interdisciplinaridade e nas relações poéticas e funcionais das diversas práticas artísticas contemporâneas. Palavras-chave: Práticas audiovisuais; montagem audiovisual; criação interdisciplinar; práticas artísticas contemporâneas. Abstract: Traditional and cinematographically, the montage (decoupage) is defined as the task of selecting and organizing images into rhythmic-continuous-narrative fragments that coherently obey the film script and the director's intentions. But if we extend the concept of montage to audiovisual practices that are not exactly cinematographic, we find ourselves surrounded by dogmas that hardly define its semantics or that are able to structure a theory for its analysis. Arises a need for a new montage, a contemporary one, broad, inclusive, founded on interdisciplinarity, which relates poetics and functional components in all artistic contemporary practices. Key words: Audiovisual practices; montage; decoupage; interdisciplinary creation; artistic contemporary practices. ___________________________________________________

Julieth Galvis Guzmán é formada em Artes Plásticas pela Universidade Nacional da Colômbia (2010); atualmente é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, na linha de pesquisa poéticas e técnicas, onde desenvolve o projeto de pesquisa intitulado Kinetoscopes, aparelhos e imagens audiovisuais, sob a orientação do Prof. Dr. Almir Antonio Rosa e com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de São Paulo – FAPESP. O presente artigo é resultado da sua pesquisa de mestrado e do projeto de investigação/criação L´appareil sensible, desenvolvido na Universidade Paris VIII (2014-2015) com o apoio da FAPESP. E-mail: juliethgalvisg@usp.br. 1

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O dispositivo audiovisual contemporâneo Julieth Galvis Guzmán

O cinema (e o que não é cinema mas é audiovisual), é uma arte de caráter mecânico que para ser efetivo na sua execução precisa de objetos, de aparelhos e dispositivos em toda sua plenitude estrutural e funcional. Durante muito tempo a potência estética e poética da prática cinematográfica ficou contida na técnica, no uso do dispositivo, na imaginação e na capacidade experimental do criador (limitado sempre pelas possibilidades2 do aparelho). Depois, já dentro da construção do cinema clássico, foram valorizados o conteúdo, a narrativa, o tempo, a imagem fotográfica, o som e, mais importante ainda, as relações entre todos os elementos que conformam as práticas audiovisuais. Com o tempo as teorias da montagem cinematográfica nasceram, desenvolveram-se, foram discutidas e, finalmente, desconstruídas para derivar em novas estéticas que a sua vez são repensadas e inter-relacionadas num fluxo infinito que caminha sempre entre a arte e a tecnologia. A necessidade experimental e interdisciplinar que provém desta constante reestruturação, tem dado origem a diversos movimentos (ou práticas) como a vídeoarte, o vídeoclipe, a videoinstalação, o cinema expandido, o cinema imersivo, o cinema de exposição, o cinema de indústria, os videogames, e mais recentemente o live-cinema, a música visual e o VJismo. No seu artigo El cine, el ojo y el espíritu, Juan David Cárdenas tenta, entre outras coisas, depositar todo o poder estético da arte cinematográfica no vácuo existente entre o mecanismo e o espírito (na distância entre a máquina e a subjetividade que o homem exerce sobre ela), na máquina e na sua capacidade para ultra-documentar o mundo: [Traduzido do espanhol] O cinema é, desde a sua base técnica, antiépico, prosaico. Na sua imagem, o mundo aparece sem sublimações simbólicas, só aparece na sua descarnada brutalidade física e, em consequência, na beleza da sua facticidade. Para ele, o mundo é, na sua modéstia, suficiente, sem acréscimos simbólicos nem metáforas totalizantes. […] Através do cinema e da fotografia, o nosso olho se encontra em condições de mirar de volta ao mundo liberando-o dos nossos vícios cotidianos para oferecê-lo à nossa contemplação maravilhada. (2010, p. 102).

Porém, dentro da perspectiva que Cárdenas propõe, vista desde as práticas artísticas contemporâneas, esquece-se completamente o fato de que todos os parâmetros cinematográficos têm se expandido através do tempo para uma concepção mais ampla, onde o foco principal dos seus componentes já não é a construção fotográfica da realidade, nem uma apresentação poética da imagem que a câmara captura (MAKELA, 2006, p. 1). O cinema, e em geral, a experiência audiovisual, ___________________________________________________

Ver DELEUZE, Gilles, especificamente o conceito de possível proposto em Différence et répétition (1968) e retomado por LÉVY, Pierre em Qu´est-ce que le virtual? (1995): [Em espanhol] “Lo posible se realizará sin que nada cambie en su determinación ni en su naturaleza. Es un real fantasmagórico, latente. Lo posible es idéntico a lo real; sólo le falta la existencia.” (páginas 10 e 11).

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não se limita mais à técnica, ou ao aparelho, e sim contempla outros elementos que, embora continuem obedecendo com clareza dogmas propriamente cinematográficos, oferecem também novas dinâmicas funcionais que se reconceitualizam constantemente e que transitam entre o clássico e o contemporâneo. Longe ficamos do conceito de “dispositivo máquina de imagem” (DUBOIS, 2004, p.31-33), ao invés nos aproximamos a um dispositivo audiovisual que não está constituído unicamente por um aparelho e as suas possibilidades físicas reais, mas também por um espaço-tempo, por um espectador/corpo e, finalmente pela potencialidade destes elementos como agentes interativos dentro de uma experiência estética unificada. Neste sistema (relativamente novo nas suas relações e não na sua denominação), é preciso considerar também as dinâmicas que ocorrem real e virtualmente3 entre os elementos, bem como a quantidade de variações determinantes que a relação aparelho–espaço-tempo–espectador/corpo oferece ao dispositivo audiovisual; podemos falar então de um novo dispositivo audiovisual: múltiplo e em evolução constante; que existe na medida em que é modificado. E assim como falamos de novos dispositivos, podemos falar consequentemente de uma nova experiência audiovisual que vai além do contemplativo ou do maquínico, na qual o valor estético não fica simplificado no seu conteúdo mas complexificado na sua própria forma (quase retornando ao quadro primitivo)4. A poética da experiência é enriquecida (quando não é criada) pela potencia manipulável do aparelho, pela variabilidade do espaço-tempo e pela imprevisibilidade do espectador/corpo. Aqui, o pensamento audiovisual, composto de novos diálogos entre todos estes conceitos, exige a construção de uma nova teoria de montagem que seja entendida como supra-cinematográfica: com uma aproximação ampla e uma visão plástica que transcenda o problema do índice e da ultra-documentação, que se fundamente na natureza do fenômeno audiovisual (mas do fenômeno contemporâneo, que inclui o novo dispositivo); uma montagem e uma linguagem que não excluam a fragmentação e a instabilidade como valores estéticos de uma experiência que agora é realmente plástica e que não ___________________________________________________

Ver DELEUZE, Gilles, especificamente o conceito de virtual proposto em Différence et répétition (1968) e retomado por LÉVY, Pierre em Qu´est-ce que le virtual? (1995): [Em espanhol] “A diferencia de lo posible, estático y ya constituido, lo virtual viene a ser el conjunto problemático, el nudo de tendencias o de fuerzas que acompaña a una situación, un acontecimiento, un objeto o cualquier entidad y que reclama un proceso de resolución: la actualización. Este conjunto problemático pertenece a la entidad considerada y constituye una de sus principales dimensiones. [...] Por otro lado, lo virtual constituye la entidad: las virtualidades inherentes a un ser, su problemática, el vínculo de tensiones, presiones y proyectos que las animan, así como las cuestiones que las motivan constituyen una parte esencial de su determinación.” (páginas 10 e 11). 4 Quadro primitivo, na historia do cinema era o quadro que existia antes da introdução do conceito de montagem ou de decoupage. Nele tudo pode acontecer ao mesmo tempo (o movimento, a narrativa); a leitura do espectador é linear e completamente aberta. Geralmente, no quadro primitivo não existe a preocupação por expressar uma ideia e sim por relacionar e apresentar acontecimentos (ver MACHADO, Arlindo, Pré-cinemas e Pós-cinemas, 1997). 3

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abandona a expressão de uma ideia, nem o contexto histórico e tecnológico no qual se desenvolve. Agora poderíamos nos remeter às teorias de montagem propostas por Eisenstein (2002) 5 e Vertov (1984)6, abandonando, ou em alguns casos contradizendo qualquer ideia já estabelecida sobre o proceder de criação audiovisual (que num momento foi unicamente cinematográfico); ou podemos tomar suficiente distancia de qualquer problematização aguda entre o experimental e o clássico para procurar refúgio nas artes plásticas, ou cênicas, e na teorização e apropriação dos termos inerentes a estas práticas. Neste caso, será inevitável se adentrar na discussão, tão apropriada e atual, sobre os limites turvos entre as diferentes práticas artísticas, uma discussão que irá nos deixar, logo após um tempo, e para o infortúnio vertoviano, frente à impossibilidade de abandonar por completo as teorias ou os conceptos clássicos. Porém podemos propor aqui três caraterísticas, que podem ser interpretadas como reinvenções ou desconstruções teóricas e técnicas, e mesmo como diálogos transitórios que podem nos aproximar á formulação de uma nova montagem ideal: A individualização da experiência audiovisual ou a experiência audiovisual interativa Idealmente, com esta nova montagem não existiria a necessidade de controlar a interpretação do espectador ou de generalizar a percepção sobre um audiovisual; longe ficaria o problema contínuo da socialização de uma experiência que supõe-se subjetiva, e a ambiguidade do intimo/ social (subjetivo/coletivo) que, no caso da arte constitui o eterno paradigma da apreciação estética, pois outorga-se poder e valor à individualidade ao mesmo tempo que se procura, por qualquer meio, avaliar coletivamente toda forma e todo conceito da obra de arte (audiovisual ou não), para formular depois uma ideia impessoal e anónima que possa atingir falsamente todas as emotividades e intelectualidades de artistas e espectadores (PERNIOLA, 1993, p. 11-95). O valor poético e estético da experiência ficaria agora efetivamente exaltado na individualidade, transformando o espectador/ corpo num agente ativo não necessariamente consciente, que não só interage ou age operativamente sobre o dispositivo, mas que também cria e resolve a sua própria experiência estética. Podendo introduzir obras artísticas audiovisuais que respondessem a esta característica em distintos níveis, apresento como exemplo Chinerama 7, um projeto teórico proposto alguns anos atrás ___________________________________________________

Ver EISENSTEIN, Sergéi, especialmente o capítulo Palavra e imagem escrito em 1937 e que se encontra no livro O sentido do filme (2002). 6 Ver VERTOV, Dziga, especialmente os textos recopilados e publicados no livro Kino-Eye (1984). 7 Chinerama, AGUILÓ, Nicolás e AGUIRRE, Ignacio, 2011. Este projeto (TCC) foi apresentado na Escuela de Comunicación y Multimedios da Universidad del Pacífico (Santiago de Chile, Chile) e a sua finalização teórica e execução prática encontram-se detidas, impossibilitando de momento, a obtenção de resultados experimentais. A ideia se fundamenta no Cinerama, tentativa de cinema imersivo dos anos 50´s que gravava utilizando três câmaras sincronizadas e, posteriormente, projetava sobre uma tela de 146°. 5

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na Universidad del Pacífico (Santiago de Chile) que apresenta uma perspectiva de aproximação analítica inicial que torna extrema a potencialidade da relação entre o aparelho e o espectador/corpo e que ressalta a função vital e transformadora de um sujeito que se relaciona com uma obra audiovisual. O projeto propôs o desenvolvimento de um dispositivo de reprodução audiovisual imersivo que, concentrando-se na retroalimentação dos comportamentos psicofísicos do espectador, lograria afetar com sucesso os seus estados emocionais. Tratou-se de uma proposta que procurava gerar uma obra audiovisual não-linear8, que outorgara a cada espectador/corpo una narrativa distinta, nem repetível, nem compartilhável, sobre a qual teria mínima ação consciente. Este dispositivo consistia, teoricamente, num sistema complexo de sensores, microfones câmaras e projetores que, somados a uma programação específica, interpretariam a leitura gráfica e sonora dos comportamentos, as reações físicas e as expressões faciais do espectador, originando e projetando um único filme para cada individuo usuário. Neste ponto, sobra anteciparmos a qualquer discussão fenomenológica ou psicofisiológica que este projeto acadêmico possa suscitar, pois compete-nos de momento, unicamente a discussão conceitual que se refere ao mecanismo de alimentação cíclica de imagem e som, que outorga ao espectador/corpo a virtualidade que o transforma no valor poético da obra inteira. A independência do espaço-tempo ou a impossibilidade de intervenção De outro lado, o espaço-tempo, um elemento que, na dinâmica tradicional com o espectador/ corpo, presume-se manipulável e influenciável, fica liberado de todo condicionamento em trabalhos como Masstransiscope (1980) de Bill Brand9 ou Juggler (1996), The Scream (1997) e Runner (2008) de Gregory Barsamian10, obras que, limitando entre a plástica e o audiovisual, elevam o espaço-tempo a principal protagonista, independente de toda vontade do espectador/corpo, constituindo-o em si mesmo como dispositivo, como aparelho. Masstransiscope, intervenção restaurada recentemente e instalada numa estação de metrô de Brooklyn (New York), está composta por 228 painéis pintados à mão que são vistos unicamente desde dentro do trem em movimento, através de uma série de fendas verticalmente dispostas em caixas especialmente construídas. ___________________________________________________

Para aprofundar o conceito do não-linear, ver GIL VROLIJK, Carmen e a sua dissertação Estructuras no lineales en la narrativa (literatura, cine y medios electrónicos), 2002. Escrita para a obtenção do título de Magister em Literatura da Pontificia Universidad Javeriana de Bogotá. 9 Bill Brand (1949, New York) é vídeoartista e cineasta experimental desde 1973 também é professor da Universidade de Massachusetts e ativista da preservação de arquivo de cineastas independentes. Mais informação sobre Masstransiscope encontra-se disponível em www.bboptics.com/masstransiscope.html. 10 Toda a obra de Gregory Barsamian, vídeos e imagens das obras aqui citadas estão disponíveis em www.gregorybarsamian.com. 8

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De outro lado, Barsamian, tem produzido durante mais de 25 anos maravilhosas e complexas obras que vão desde pequenos dispositivos, até grandes e complicadas narrativas surrealistas, a maioria delas baseadas no funcionamento tradicional de um zootropo (inegável antecessor do cinema), substituindo as imagens por esculturas ou pequenos cenários, e acrescentando sistemas mecânicos e estruturais que ilustram a complexidade da nossa experiência perceptual.

Figura 1 - Juggler, Gregory Barsamian, 1996. Coleção ICC, Tóquio Aço, borracha de uretano, acrílico, motores e luz estroboscópica.

Figura 2 - The Scream, Gregory Barsamian, 1997 Borracha de uretano, aço, motores e luz estroboscópica. As esculturas, que representam as fases do movimento de um rosto gritando, são instaladas sobre uma estrutura de aço giratória; graças à luz estroboscópica, o espectador percebe o movimento com fluxo e vida.

Tipicamente, Barsamian apresenta sua obra acompanhada de luz estroboscópica e, as vezes, sons industriais e mecânicos que ajudam a construir interessantes espaços imersivos; trabalha com conceitos neurofisiológicos e psicológicos bem fundamentados como a persistência da visão e a psicologia de Carl Gustav Jung, e cria esculturas representativas que provêm de realidades alternativas ou de sonhos.

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Figura 3 - Runner, Gregory Barsamian, 2008 Esculturas de bronze sobre lâmina de serra circular, acero, madeira. O espectador observa através de uma abertura numa caixa de madeira, dentro da qual se instalam as esculturas sobre a serra em movimento; assim as pequenas figuras parecem estar animadas constantemente.

No cinema o trabalho de dispor as imagens é do cinéaste11, é ele quem as detem, as alonga, as repete, as multiplica; mas em Masstransiscope, um zootropo invertido de grande escala; e nas obras de Barsamian, o cineasta é eliminado e qualquer processo representativo é realizado pela memoria do espectador/corpo que não é mais corpo mas sim percepção e parte fundamental do mecanismo do aparelho. Não há mais lugar para abstração ou para a concepção semiótica do espaço-tempo que depende aqui unicamente do spatium-tempus (do físico e real), da natureza física do fenômeno audiovisual reduzido à luz, velocidade e percepção. A beleza e o valor estético destas obras se encontram na exaltação da eterna contradição do cinema como arte: nascer de uma imagem em movimento que, precisamente a causa de seu fluxo, não pode ser verdadeiramente contemplada. O aparelho sensível ou o aparelho intervido O que sempre pareceu impossível de desvelar ante os nossos olhos, converte-se agora em potencia poética: o aparelho, o seu funcionamento (mecânico e abstrato), as suas incapacidades e debilidades são agora matéria plástica para a criação de propostas que flutuam sempre entre a arte, a magia e a tecnologia. Para apreciar plenamente esta nova aproximação ao aparelho, primeiro precisamos entender o seu caráter interdisciplinar e experimental. Interdisciplinar porque o sujeito criador (interpretando o processo de criação como um lugar entre a desconstrução, a intervenção e a inovação) precisa de ___________________________________________________

Inserto aqui a definição francesa que da origem à palavra cineasta, que se refere ao artista que é autor-realizador-editor de imagens em movimento ou produtos audiovisuais.

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conhecimentos em todas as áreas possíveis, e não só nas que limitem com seu interesse maquínico12 ou conceitual; experimental porque, dentro do novo dispositivo já não existe a imperiosa necessidade de procurar como finalidade criativa uma imagem que adquira sentido fora do aparelho, na sua significação e sublimidade, agora o aparelho e a sua criação processual são, em si mesmos, imagem sublime. Apresento para finalizar a obra de Martin Messier13, artista canadense que atua como performer, compositor, realizador de vídeo e, principalmente, como criador de música eletroacústica e de obras audiovisuais experimentais mediante objetos comuns como relógios ou lápis e apropriações de aparelhos como máquinas de costura (Sewing Machine Orchestra, 2013) ou projetores de filmes de 8mm (Projectors, 2014). Destacam-se também as suas colaborações interdisciplinares com outros artistas (Machine_Variation, 2014 e La chambre des machines14, 2011) bem como as máquinas que ele mesmo desenha. A intenção principal de Messier é redefinir a funcionalidade de artigos e materiais comuns, outorgando-lhes voz própria com a ajuda de micro-controladores e microfones, para assim produzir novos imaginários e singulares diálogos entre os objetos e o som. As obras, com um importante componente digital, são um belo jogo entre o som mecânico e o sintético e oferecem uma experiência de equilíbrio áudio-visual (escultórico, sonoro e performático) que caminha sempre entre a acústica e a eletrônica.

Figura 4 - Sewing Machine Orchestra, Martin Messier, 2013 Instalação sonora composta por doze máquinas de costura, doze microfones, doze luzes e doze micro- controladores. ___________________________________________________

A saber dentro da experiência audiovisual: física, ótica, cinematografia, artes plásticas, instalação, escultura, arquitetura, ergonomia, eletricidade, computação, carpintaria, pintura, fotografia, semiótica, historia, anatomia, desenho industrial, mecânica, eletrônica. 13 Toda a obra de Martin Messier, vídeos e imagens das obras aqui citadas encontram-se disponíveis em http://www. mmessier.com e em https://vimeo.com/martinmessier. 14 La chambre des machines: duas máquinas feitas de engrenagens, manivelas, relógios e outros artefatos comuns, são manipuladas e interferidas eletronicamente para amplificar e alterar o som dos mecanismos em movimento. São uma referencia direta às máquina sonoras produzidas pelos futuristas no inicio do século XX. O conceito e a performance foram realizadas junto com Nicolas Bernier, artista sonoro canadense cuja obra encontra-se disponível em http://www. nicolasbernier.com. 12

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Figura 5 - Projectors, Martin Messier, 2014 Instalação sonora feita a partir da manipulação e intervenção sobre três projetores de filmes de 8mm, micro-controladores, microfones e dois projetores digitais

Figura 6 - Machine_Variation, M., Messier, N., Bernier e J., Villeneuve, 2014 Aparelho de grande escala que é manipulado ao vivo pelos artistas Martin Messier e Nicolas Bernier. O artefato é interferido eletronicamente para amplificar e modificar o som mecânico que emitem as partes da estrutura 15, quando são movimentadas ou batidas

Sabemos que a construção física e conceitual das obras aqui apresentadas (e de muitas outras), não seria possível sem o diálogo constante entre diversas áreas do conhecimento; assim, os processos científicos e abstratos, da mesma forma que os processos tecnológicos e plásticos, contribuem na evolução de todas as artes e se revelam hoje como elementos simbióticos que respondem à necessidade de experimentação constante que um artista possui. A nova montagem audiovisual se apresenta como um complexo processo de investigação/ criação, cuja resposta operativa encontra-se na interdisciplinaridade e cuja articulação final se origina graças à plástica. Todas as explorações apresentadas no presente artigo, parecem descobrir ante os nossos olhos a imperiosa necessidade de redefinir, através de uma intervenção teórica e poética, ___________________________________________________

A construção da estrutura de Machine_Variation, foi realizada por Jonathan Villeneuve, cuja obra encontra-se disponível em http://www.jonathan-villeneuve.com

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os elementos e, sobretudo, as dinâmicas psicofisiológicas, artísticas e tecnológicas que originam as imagens audiovisuais contemporâneas e o dispositivo que as contem. Referências bibliográficas CÁRDENAS, Juan D. “El cine, el ojo y el espíritu”. Cuadernos de música, artes visuales y artes escénicas. Faculdade de Artes da Pontificia Universidade Javeriana. Bogotá D.C., v. 5, n. 2, p. 93-103, 2010. DELEUZE, Gilles. Différence et répétition. Paris: Presses Universitaires de France – PUF, 1968. 464 p. DUBOIS, Philippe. Cinema, vídeo, Godard. Tradução Mateus Araújo Silva; Arlindo Machado. São Paulo: Cosac Naify, 2004. 323 p. EISENTEIN, Sérgei. O sentido do filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 2002. 160 p. GIL, Vrolijk Carmen. Estructuras no lineales en la narrativa -literatura, cine y medios electrónicos. Bogotá: Dissertação de mestrado em Literatura, Março de 2002. 132p. Disponível em <http://nolineal. org/dibujo/Articulos/NuevasNarrativas.pdf>. Acesso em 18 de agosto de 2015. LÉVY, Pierre. Qu’est-ce que le virtuel?. Paris: La Découverte, 1995. 142 p. MAKELA, Mia. Live Cinema language and elements. Helsinki: Dissertação de mestrado em Novos Meios, Helsinki University of Art and Design, 2006. PERNIOLA, Mario. Do sentir. Tradução António Guerreiro. Lisboa: Editorial Presença, 1993. 138 p. VERTOV, Dziga. Textos. In: MICHELSON, Annette (Comp.). Kino-Eye, the writings of Dziga Vertov. Tradução Kevin O´Brien. Londres: University of California Press, Ltd., 1984. 349 p.

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Em favor de uma cartografia cognitiva dos espaços festivos onde VJs atuam Guilherme Henrique de Oliveira Cestari

Em favor de uma cartografia cognitiva dos espaços festivos onde VJs atuam1 estratégias na constituição de jogos dialógicos Guilherme Henrique de Oliveira Cestari2 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Resumo: Fundamentado no contato promovido por Pietarinen (2013) entre teoria dos grafos existenciais de Peirce e teoria dos jogos, este trabalho descreve e analisa aspectos lógicos da relação entre videojóquei (VJ) e público no ambiente festivo. A pista de dança é espaço cognitivo, em que se podem realizar inscrições e interferências. A sociedade, como ser inteligente, interpreta performances dos VJs. Cada performance realizada por VJs contribui de modo diferente para o desenvolvimento contínuo de uma cultura do VJing no contexto social em que está inscrita. Palavras-chave: VJ; Grafos existenciais; Improviso; Imagem e inserção social. Abstract: Based on contact promoted by Pietarinen (2013) between Peirce’s existential graphs and game theory, this work describes and analyzes logical aspects of relations between video jockey (VJ) and audience in festive contexts. The dance floor is a cognitive space, where inscriptions and interferences can be done. The society, as intelligent being, interprets VJ’s performances. Each VJ performance contributes differently to the continuous development of a VJing culture at the social context on which it is inscribed. Key words: VJ; Existential graphs; Improvisation; Image and social inclusion.

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Uma versão abreviada deste artigo foi apresentada no II Seminário Internacional de Imagem e Inserção Social, realizado em 10 de novembro de 2014 na Faculdade Cásper Líbero. A versão resumida será publicada em anais, editados como livro. 2 Doutorando em Tecnologias da Inteligência e Design Digital (TIDD) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), orientado pelo Prof. Dr. Winfried Nöth e inscrito na linha de pesquisa Aprendizagem e Semiótica Cognitiva. Mestre em Comunicação pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) e graduado em Design Gráfico também pela UEL. Email: gui_cestari@hotmail.com 1

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VJing como signo Este artigo advém de uma apropriação livre da teoria dos grafos existenciais de Charles Sanders Peirce para compor uma metáfora da cognição nos ambientes festivos em que o VJ se apresenta; serve como esboço que descreve aspectos de complexidade identificáveis na relação entre VJ, público e sociedade. Ocupar uma pista de dança é instalar-se e circunscrever-se num espaço permeado por dialogismo e instabilidade; as configurações de iluminação, som e visualidade, além do eventual uso de substâncias que alteram a normalidade da percepção, influem nas relações entre mente e ambiente. Diante da profusão de estímulos, a energia corporal na pista é dispendida principalmente por meio do improviso; em geral, danças coreografadas, por exemplo, acontecem em momentos pontuais, depois, é de praxe que se retorne à improvisação. Há um conjunto mais ou menos definido de regras (terceiridade) tácitas que instanciam o comportamento (segundidade) na pista de dança; ou seja, existem diretrizes eminentemente aperfeiçoáveis que regulam a convivência no espaço festivo: vigoram informalmente permissões e restrições que dizem respeito ao relacionamento interpessoal. A execução do improviso é orientada por acordos não necessariamente verbalizados ou expressos formalmente. Um mapeamento cognitivo do espaço em que o videojóquei (VJ) atua passa pela descrição lógica da determinação da conduta antes, durante e depois de uma performance audiovisual. Além de sons, luzes, imagens, gritos, gestos, jeitos de dançar e de se vestir, homens e mulheres também são, por si sós, signos; o ser humano é signo e sua vida acontece na relação com outros signos. Cada ser humano possui uma capacidade própria e singular de interpretar e de produzir signos; por viver em sociedade, cada um faz parte também de um organismo maior, que interpreta e produz signos comunitariamente. A capacidade de produção-interpretação de signos de uma comunidade tende a ser mais sofisticada que a de indivíduos quase-isolados. A tendência à individualização e ao isolamento pode limitar o acesso à variedade; o pensamento coletivo tende a ser mais complexo porque presume a coexistência de diferenças. Para Santaella (2003), merece atenção “[...] a noção de uma mente cuja história é contínua e tem vindo a crescer como um organismo há alguns milhares de anos” (p. 106); influenciando o comportamento desta mente, estão “[...] regras simples aplicadas por um grande número de agentes que, ao trabalharem paralelamente, conduzem à auto -organização de um sistema complexo e à emergência de propriedades imprevisíveis” (p. 107). Cada ocupante da pista de dança é um agente constituinte do sistema; se todas as relações entre os agentes forem extintas, o sistema se desarticula e deixa de existir: VJs, DJs, músicos e promoters são agentes, aparatos tecnológicos são agentes, cada integrante do público é um agente. “Regras simples” podem ser, aqui, as estratégias de comunicação utilizadas por cada agente. Um grande

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número de agentes atuando paralelamente origina um sistema complexo. A comunicação ininterrupta entre VJ e público/sociedade contribui para a constituição de hábitos que, em parte, determinam a convivência no ambiente urbano. As imagens produzidas e articuladas pelo VJ pertencem, inevitavelmente, a um contexto social. No processo eminentemente aperfeiçoável de conformação de regras e culturas, o VJing gera comprometimentos sociais e culturais apenas parcialmente previsíveis. Pressupondo a pista de dança como ambiente cognitivo, onde signos transitam e combinam-se exercendo influência sobre mentes que vivem na cidade, este trabalho tem por principal objetivo compreender aspectos lógicos da relação entre VJ e público no ambiente festivo; para isto fundamenta-se no contato, proposto por Pietarinen (2013), entre a teoria dos grafos existenciais, desenvolvida por Peirce, e a teoria dos jogos. O Quadro 1, a seguir, sintetiza os propósitos deste texto. Quadro 1 – Quadro resumo questão da pesquisa

HIPÓTESES

OBJETIVO GERAL

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Como compreender, adotando parâmetros lógicos, aspectos da comunicação entre VJ e público antes, durante e depois do contato entre ambos na pista de dança?

A pista de dança é espaço mental caracterizado pela informalidade; é um lugar propício para que aconteça o fluxo gerativo e evolutivo de pensamentos originado pela ação dos signos. __

Fundamentado no contato promovido por Pietarinen (2013) entre teoria dos grafos existenciais de Peirce e teoria dos jogos, compreender aspectos lógicos da relação entre VJ e público no ambiente festivo.

Caracterizar posições e interesses de grafista e grafeu no jogo dialógico que culmina na composição e no desenvolvimento de um diagrama. __

Ocupando um espaço comunicacional dialógico permeado pela improvisação, o público configura-se como ser inteligente que, ao interpretar os signos do trabalho do VJ, pode ter algumas de suas condutas modificadas por ele.

__ Ao produzir, em tempo real, interferências pouco previsíveis no espaço compartilhado com o VJ, o público evita posturas meramente reativas diante da apresentação; ao assumir, por vezes, a posição de grafista, o público contribui criativamente para a evolução do diálogo entre VJ e sociedade. Fonte: elaborado pelo autor.

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Descrever estratégias que grafista e grafeu geralmente utilizam para defender seus interesses durante o jogo, destacando a importância, no caso da pista de dança, da paidia (CAILLOIS, 1990) e do improviso na atuação de ambos. __ Compreender como comunicação e oposição incessantes entre grafista e grafeu contribuem para a constituição e manutenção de hábitos e culturas especialmente influenciados pelo VJing.


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A pista de dança é um dos lugares em que acontece a semiose. Por semiose, entende-se a ação ou influência que é ou envolve a cooperação lógica entre três elementos, como o signo, seu objeto e seu interpretante; esta influência tri-relativa não pode ser simplificada ou reduzida em ações meramente diádicas (observar CP5.484, 1907). A semiose é um processo dialógico e triádico, porque se refere à mediação entre dois elementos, realizada obrigatória e indissociavelmente por um terceiro. De acordo com Fabbrichesi (2013, p. 20): A semiótica peircena baseia-se, acima de tudo, na ideia de interpretante. Isso porque sem a mediação do interpretante (que não é uma mente subjetiva) não há ativação significativa da relação sígnica. É exatamente esta referência ao interpretante que mantém a relação sígnica em movimento, fazendo dela uma ‘função ou referência relacional’, e a cadeia dinâmica de Interpretantes produz a semiose ou a ‘ação triádica do signo’ (CP5. 472).

Se a ação triádica do signo é condição para a vida, a análise da ação do signo produzido pela ambiência do VJ se refere aos modos de vida e de pensamento que se desenvolvem em conjunto com a performance audiovisual. Para Makela (2008, p. 1), o VJing se assemelha a um DJing visual. A maioria dos DJs não produz seu próprio material, eles mixam músicas do mesmo modo que VJs mixam materiais preexistentes. Se desejarem, VJs podem criar seus próprios clipes, mas esta não seria uma característica elementar do VJing. O que definiria o trabalho do VJ é a criação via seleção, mixagem e remixagem, e não necessariamente via produção prévia, de conteúdo. Vários VJs podem usar os mesmos clipes de modo distintos, e isto normalmente não compromete a originalidade de suas performances. Em suma, de acordo com Makela (2008), para ser um VJ não é necessário saber produzir faixas musicais ou clipes de vídeo, mas é essencial saber misturar materiais, linguagens e formatos, originando uma apresentação performática híbrida. Se visualidade e sonoridade do VJ acontecem na informalidade e no improviso, o desenvolvimento das relações sociais na VJ arena segue padrões semelhantes. É possível identificar correspondências entre a organização do espaço, a sintaxe da imagem e da sonoridade articulados pelo VJ e a configuração das relações interpessoais no público. Em suma, diante da presença do material misturado e projetado pelo VJ, as relações sociais influem no contínuo rearranjo do terreno que é a pista de dança, e vice versa: relações interpessoais modificam a disposição de elementos topográficos da pista, que, por sua vez, retroagem sobre as relações interpessoais, determinando-as. Assim se caracteriza um sistema recursivo evolutivo parcialmente previsível. Neste aspecto, considerando a coletividade como organismo, pode-se afirmar que visualida-

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de e sonoridade das imagens do VJ ressonam na conduta e no pensamento do público e da sociedade como entidades coletivas. O público em senso lato é ser inteligente que, ao interpretar os signos do trabalho do VJ, pode ter algumas de suas condutas modificadas por ele. Compondo diagramas Pressupondo que o sistema de grafos existenciais desenvolvido por Peirce é um diagrama – rústico e geral – da mente (observar CP4.582, 1906; Fabbrichesi, 2013, p. 32), o raciocínio diagramático se mostra um recurso conveniente para considerar conteúdos articulados pelo VJ como intervenções ressonantes no espaço e, também, para compreender o desenvolvimento da cognição no ambiente festivo sobre o qual o VJ intervém. Diagramar é ponderar relações entre elementos por meio da geração de um esquema visualizável. Em acepção geral, a diagramação independe de materialização; o raciocínio diagramático é instrumento da mente humana (mas não somente dela) para lidar com a experimentação. Diagramar é dispor visualmente elementos numa superfície mental de modo a representar algumas qualidades estruturais de um fenômeno; as relações entre os elementos sintáticos de um diagrama se assemelham às relações entre os componentes do fenômeno representado. A folha fêmica (ou folha de asserção) é a superfície material na qual são inscritas instânciasgrafos; em outras palavras, é o contexto por meio do qual aquele que inscreve grafos e aquele que os interpreta se relacionam. Signos podem ser inscritos ou apagados da folha fêmica (observar CP4.553, c. 1906) desde que sejam respeitadas certas regras (permissões) lógicas de inserção e de deleção. Qualquer conteúdo que ocupe a folha fêmica diz respeito a um universo arbitrário e hipotético, criação de uma mente; este conteúdo deve ser considerado sob a perspectiva de um vir a ser, ou seja: se as premissas inscritas forem verdadeiras, então as relações serão verdadeiras se o universo/contexto proposto deixar de ser hipotético. Imagina-se que há duas pessoas, uma delas, chamada grafista, ocupada em realizar sucessivas modificações no conteúdo da folha fêmica. A outra pessoa é o grafeu, que concebe um universo por meio do desenvolvimento contínuo de suas ideias sobre este mesmo universo, adicionando, a cada intervalo de tempo, fatos sobre este universo, conforme se desenvolve sua interpretação acerca dos conteúdos disponíveis na folha fêmica. Enquanto o grafista inscreve modificações na folha fêmica, o grafeu lê, interpreta o que está na folha e cria continuamente um universo hipotético baseado em seu entendimento das informações ali representadas. A atividade realizada pelo grafista deve chegar a um fim antes do trabalho de interpretação-criação realizado pelo grafeu. O grafista deve esforçar-se para ser um suposto leitor de mentes,

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estimulando-se a estar ciente [de uma parcela ou mesmo da totalidade] do trabalho interpretativocriativo já realizado, no passado, pelo grafeu. O grafista pretende que os grafos por ele inscritos expressem aspectos de como o universo virá a ser caso, porventura, deixar de ser meramente hipotético e vier a existir de fato. O grafista pode incorrer em contradição e sofrer punições caso arriscar uma inscrição sem garantias do que já foi interpretado pelo grafeu (observar CP4.431, c. 1903). Resumidamente, em se tratando dos grafos existenciais, uma certa folha, chamada folha de asserção ou folha fêmica, é superfície material apropriada para desenhar grafos que expressam asserções inscritas por uma pessoa imaginária chamada grafista, em um universo contínuo perfeitamente definido e inteiramente determinado. Este universo é uma criação arbitrária e hipotética de uma mente imaginária chamada grafeu (observar CP4.432, c. 1903). O VJ ajuda a constituir um diagrama porque inscreve – projeta – formas visuais (e também luminosas e sonoras) num espaço de apresentação; espaço habitado pelo público, que, de modo inteligente, interpreta os signos, incorporando-os ou não à sua conduta. O VJ é grafista porque projeta signos diretamente no espaço de apresentação e, indiretamente, na mente do público. O público é grafeu porque interpreta e articula os signos então projetados pelo grafista. Interpretar diagramas é articular formas e proposições, combinando-as e experimentando-as. Não há diagramação efetiva que não pressuponha interpretação (experimentação por meio da articulação de elementos). O grafeu não cria inscrições na folha assertiva, mas, na constante tentativa de falsear a verdade inscrita pelo grafista, tem a liberdade de dispô-las na ordem em que desejar, problematizando-as e testando-as. Se o grafeu se mostra meramente conivente com as verdades inscrita pelo grafista, sem investigar possíveis problemas ou contradições, o sistema tende a se tornar monótono. É dever do grafeu, então, buscar sair do comum, do óbvio; tentar demonstrar, de modo eminentemente falível e por meio de sua interpretação crítica e insatisfeita, que a verdade desenhada pelo grafista não é suficiente e deve ser continuamente complementada, aperfeiçoada. Formalmente, pode-se identificar um revezamento por turnos: o grafeu interpreta a informação grafada e, problematizando-a, desafia o grafista; este, por sua vez, incorpora a crítica e responde com uma inscrição mais sofisticada, desafiando o grafeu. Para Fabbrichesi (2013, p. 33) a folha está para os grafos assim como a mente está para signos -pensamentos e o universo para os fatos. A folha de asserção sem nenhum grafo já constitui um diagrama porque representa a existência daquele contexto em seu continuum. Pode-se considerar que o branco de uma folha em branco expressa que o universo, criado num processo contínuo pelo grafeu, é perfeitamente definido e inteiramente determinado (observar CP4.431, c. 1903). Equivalentemente, seguindo a analogia, o espaço de apresentação vazio, sem estímulos projetados pelo VJ, também

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pode, por si só, ser considerado prenhe de signos e pensamento, uma vez que, em seu continuum espaço-temporal, aquele ambiente contém inúmeras possibilidades de realização performática (inscrição formal). Para exemplificar, a dança do público é interpretante dinâmico predominantemente energético da música-representamen escolhida pelo VJ. Além do interpretante dinâmico energético, existem ainda ao menos oito outros tipos de interpretante produzidos pela performance-representamen do VJ3. A música, representamen inscrita pelo VJ-grafista no espaço fêmico4 [equivalente à folha assertiva], gera uma dança-interpretante que não é meramente reativa no público-grafeu. Por meio da dança, o público faz com que o VJ perceba se a música e sua mixagem estão ou não de acordo com as expectativas depositadas no espaço fêmico (a pista de dança da festa). Se o público busca surpreender o VJ com sua dança, o VJ pode se sentir estimulado – desafiado – a inscrever novos e diferentes estímulos. Se o público porventura recursar-se a dançar e se retirar do recinto, é também um indício de que há algo a ser aperfeiçoado na performance. Constituindo uma dinâmica de jogo, grafista e grafeu desempenham papeis opostos e complementares; são oponentes porque têm interesses divergentes e, ao mesmo tempo, são mutuamente dependentes. A relação entre aquele que escreve o diagrama e aquele que o articula, interpretando-o, faz parte da dinâmica dialógica da comunicação. Grosseiramente, nos termos de uma teoria da comunicação anterior a McLuhan, o grafista é o emissor, o grafeu é o receptor, a folha de asserção é o meio e o grafo é a mensagem. Para ser um diagrama in actu, um grafo precisa ser manipulado, articulado, experimentado pelo grafeu. Um intenso embate entre grafista e grafeu produz um diagrama cada vez mais complexo e rico. O pensamento (ação e movimento dos signos) acontece por meio e através do diálogo contínuo e evolutivo entre grafista e grafeu. Grafista e grafeu elaboram estratégias para serem bem-sucedidos no jogo dialógico; estratégias que façam valer e predominar seus interesses (a saber, validar e falsear as verdades até então inscritas, respectivamente). Para Pietarinen (2013, p. 94), “A noção peirceana de um hábito como um plano geral ou recomendação para ação é virtualmente idêntica àquilo que, em teoria dos jogos, se ___________________________________________________

O cruzamento de duas tipificações do interpretante realizado por Short (1996) e Silveira (2007, p. 55-56) resulta em pelo menos nove tipos de interpretante: Interpretante [1] imediato [1] emocional; [1] imediato [2] energético; [1] imediato [3] lógico; [2] dinâmico [2] emocional; [2] dinâmico [2] energético; [2] dinâmico [3] lógico]; [3] final [1] emocional; [3] final [2] energético; [3] final [3] lógico. Os interpretantes imediatos [1, primeiridade] são inerentes ao signo e independem da interpretação do público por serem meras potencialidades. Os interpretantes dinâmicos [2, segundidade] são as interpretações que efetivamente ocorreram durante a performance audiovisual. Os interpretantes finais [3, terceiridade] são uma tendência interpretativa, para onde os interpretantes dinâmicos convergem. 4 Adaptação feita pelo autor a partir da expressão “folha fêmica” (Phemic sheet) utilizada por Peirce (por exemplo, em CP4.553-557, c. 1906; 570, 1913). O termo é derivado da palavra “pheme” (empregado em CP4.538-541, 1906; 552-553, c. 1906), que diz respeito a um signo proposicional. O espaço-fêmico funciona como a folha fêmica para o VJ-grafista, porque é ali que ele faz suas proposições [desenvolve sua apresentação]. 3

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entende por estratégia”. Os hábitos continuamente adquiridos pelo grafista visam a adequação de sua conduta na tentativa de prever, com base na identificação de padrões de comportamento, possíveis modos de agir do grafeu no futuro; o grafeu, da mesma maneira, reconhecendo alguns padrões comportamentais do grafista, aperfeiçoa constantemente sua interpretação crítica da folha fêmica. Os equipamentos que o VJ-grafista utiliza para produzir inscrições no espaço fêmico são hardwares (notebooks, mixers, telões, projetores) e softwares (Modul8, Resolume, Isadora, ArKaos, Neuromixer, VJamm), além de seu repertório digital, analógico ou híbrido de vídeos e sons. A capacidade de pensamento do VJ está em parte alocada em seus equipamentos, já que sem eles [e na ausência de algum outro recurso equivalente] não seria possível projetar conteúdo audiovisual no espaço de apresentação. O pensamento precisa de veículos para acontecer; Fabbrichesi (2013, p. 31) entende que “[...] os instrumentos da escrita são uma condição para elaboração de certos pensamentos”, e complementa: “[...] sistemas diferentes de expressão de pensamentos fazem surgir diferentes formulações.”: a faculdade de discussão e de argumentação de um grafista está localizada, também, em sua caneta; ela é imprescindível para que os grafos sejam produzidos e para que pensamento se desenvolva (observar CP7.366, 1902). A relativa fluência nestes equipamentos faz parte da estratégia do VJ-grafista para se impor durante o jogo. O conjunto mais ou menos definido de regras tácitas que instanciam o comportamento na pista de dança faz parte da estratégia do público-grafeu. Ou seja, para desenvolver condutas inteligentes, que a longo prazo possuam maiores chances de êxito no jogo, é necessário um planejamento estratégico, a começar por um acordo comum de interação e integração entre os indivíduos-grafeus; daí geram-se algumas das diretrizes eminentemente aperfeiçoáveis que regulam a convivência no espaço festivo. Caillois (1990) elabora e relata quatro categorias sociais para os jogos, duas delas, máscara e transe, são úteis para descrever brevemente alguns recursos estratégicos utilizados pelo públicografeu para ler e interpretar as inscrições do VJ-grafista. Em todo sistema relacional sobrevive uma espécie de jogo. Para constituir-se como tal, qualquer espaço lúdico deve respeitar determinados princípios; a seguir, tópicos que caracterizam o lugar do VJing como um espaço lúdico na visão de Caillois (1990, p. 29-30): (1) o público é livre para participar da performance, só a frequenta porque tem relativa autonomia para assim decidir. É provável que a experiência perca sua ludicidade e se torne desestimulante caso participação ou permanência no jogo forem impostas. (2) a performance acontece num lugar delimitado espacial e temporalmente (mas nunca totalmente isolado da sociedade que o envolve); por mais prolongada, é certo que uma apresentação chegará ao fim. (3) performances de VJs nunca possuem resultados totalmente previsíveis; maior ou menor parcela de

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incerteza alimentam expectativas e tornam o evento criativo e atraente. (4) estímulos geridos pelo VJ incitam a aceitação de ficções consentidas: conduzem temporariamente à irrealidade ou mesmo ao envolvimento com uma realidade simultânea [mas nunca completamente independente em relação] à vida cotidiana. A liberdade primeira que persiste no âmbito de qualquer jogo ou festa é nomeada paidia (CAILLOIS, 1990, p. 47). A paidia é “maneira de jogar” (1990, p. 74) que privilegia excesso, animação, algazarra, desregramento, agitação, risada, descontração, desordem, turbulência, recreação espontânea; as raízes linguísticas do termo podem referir-se a movimentos bruscos, infantis ou infantilizados provocados por uma superabundância de vitalidade; a expressão pode adquirir acepção erótica ou, ainda, referenciar algo que ondule despreocupado, ao sabor do vento. Paidia é alegria primitiva, estado orgânico de confusão; é impulso para tocar, apanhar, provar, farejar, degustar e talvez, em seguida, descartar; é gosto pelo contato transformador; é vontade juvenil, vigor alegre e impremeditado. Motor indispensável para o ambiente do VJ, paidia se relaciona com intensidades e contrastes emotivos: medo, euforia, tensão, angústia, excitação, pânico, desespero. Celebrações sazonais, orgias, cerimônias religiosas e rituais mágico-míticos possuem forte vínculo com as categorias de máscara (mimicry) e transe (ilynx, vertigo), justo as mais intimamente relacionadas à paidia. No contexto da festa, é relativamente comum o uso de adereços, disfarces, fantasias, maquiagens e máscaras. A máscara (fantasia, mimese, imitação, mimicry) é categoria e recurso lúdico que permite a portabilidade identitária, possibilita a encarnação de um personagem ilusório por meio da adoção de seu respectivo comportamento; a fisionomia artificial, incorporável, serve de disfarce e dá margem a atitudes não convencionais, inclusive ao desvario. O mascarado esquece-se de sua personalidade, fingindo ser outro; quer fazer crer a si mesmo e aos circundantes que sua presença e identidade foram momentaneamente substituídas. A máscara pretende ser ego cambiante e identidade indestrutível. A festa é ambiente propício ao uso de recursos e substâncias que alteram a normalidade da percepção: estimulantes, tranquilizantes, alucinógenos, embriagantes, anestesiantes... O transe (espasmo, estado evasivo, centrífugo, de vertigem, síncope, convulsão, perturbação, subversão e desordem da percepção sensorial, ilynx) mostra-se alcançável também por meio do olhar fixo em luzes estroboscópicas. Durante o transe, o corpo desvia-se da normalidade neurológica, o sistema nervoso é submetido a condições de estresse e instabilidade. A experiência emocional e ritualística é frequentemente relacionada a capacidades sobrenaturais de comunicação, à busca pelo gozo e a imersões impulsivas, oníricas e fugazes num estado desviado e anormal de consciência (CAILLOIS, 1990, p. 43, 107).

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Uso da máscara e busca pelo transe se retroalimentam: o fingimento aliena e extasia, usar máscaras embriaga e liberta; simulação gera vertigem (observar Caillois, 1990, p. 97). Subverter a identidade pelo uso da máscara (mimicry) e a percepção por meio da busca pelo transe (vertigo) configuram, então, recursos inerentes a um “modo de jogar” (estratégia, hábito) eufórico e juvenil (paidia). Máscara e transe não são estratégias em si, a estratégia é a paidia, porque possui cunho mais abrangente; máscara e transe configuram recursos específicos baseados na estratégia paidia. Concordamos com Caillois (1990, p. 96-97) quando ressalta que mimicry e ilynx supõem ambos um mundo onde o jogador está constantemente a improvisar, entregando-se a fantasias transbordantes; discordamos quando afirma, na mesma passagem5, que este mundo é desordenado e que nem fantasia e nem inspiração vividas pelo jogador reconhecem código algum. O improviso não pode acontecer na ausência de códigos ou estruturas organizadoras; para ocorrer, o improviso exige hábitos e repertórios que o favoreçam; improvisar nem sempre quer dizer falta de preparo ou de treinamento. Existem jeitos para adquirir fluência no improviso; paidia é, então, habito-estratégia que valoriza o improviso, e não pode ser reduzida, somente porque espontânea, a uma conduta meramente desorganizada e infundada. Quando se trata da comunicação em festas, o improviso transpassa qualquer estratégia de produção, tradução e de leitura. Roteiros fixos prolongados tendem a ser pouco úteis e monótonos para uma festa com VJs; pelo contrário, o ambiente festivo normalmente valoriza a espontaneidade, o “criar na hora”, “arranjar de repente” e mesmo o “organizar às pressas”. Para Moran (2005, p. 157), a poética do VJ está relacionada à manipulação de conteúdo “ao vivo” e à abertura para a influência do acaso: A interpenetração sonoro-visual quando se pensa em jam, jamming, ou jammer qualifica a poética do VJ. As jam-sessions, como muito bem sabem os admiradores deste gênero musical, são shows de jazz em que prevalece o improviso, e o jamming é o momento de improvisação nos shows. Jamming diz respeito a esta característica dos eventos com VJs, o improviso, o ao vivo.

Improviso e “ao vivo” pouco se dissociam, evoluem lado a lado. Durante a improvisação, a comunicação entre performers se torna literalmente visível e audível (observar Makela, 2008, p. 5). O improviso mostra-se condição para a realização da festa; é matriz estruturante das condutas tanto do VJ-grafista como do público-grafeu. O VJ mostra e prova sua presença de espírito por meio, tam___________________________________________________ 5 Na íntegra: “[...] mimicry e ilynx supõem ambos um mundo desordenado onde o jogador está constantemente a improvisar, entregando-se a uma fantasia transbordante e a uma inspiração soberana, nenhuma delas reconhecendo código algum.” (CAILLOIS, 1990, p. 96-97).

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bém, do improviso. A conduta improvisada assume sua falibilidade; de certo modo, quer ser nômade e errática. O improviso é estratégia que faz surgir tentativas criativas e insistentes para interpretar aquilo que permanece admirável, misterioso, incerto e arredio. Festa como hábito e conjunto de princípios gerais Na progressão do jogo, um fato menos evidente, mas igualmente relevante e frequente, é a inversão de funções: o VJ assume o papel de grafeu e o público reivindica o de grafista. Por exemplo, quando o público canta acompanhando a canção, emite vaias ou mesmo um grito de empolgação, é ele quem inscreve um representamen no espaço fêmico. Uma vaia representa a verdade defendida pelo público, necessariamente avessa à verdade defendida pelo VJ no mesmo contexto. Cabe então ao VJ interpretar o signo e ajustar sua conduta, seguindo uma estratégia e esforçando-se para que seus interesses sejam atendidos. “Ganhar” o jogo significa manter por mais tempo seus interesses em vigor; é, no entanto, indesejável que algum interesse seja sempre mais potente que o outro, a ponto de sufocá-lo. A dualidade deve ser preservada, caso contrário é provável que o jogo – e o diagrama – definhem. Apenas didática e teoricamente há uma alternância estrita do tipo “vez de um” e depois “vez de outro”, como no xadrez; na prática, o jogo é simultâneo: espontâneo, informal, embolado e improvisado. Quando se desligam os aparelhos e o público vai para casa, o jogo continua e persiste porque qualquer festa e projeção que esteja ocorrendo ou que já tenha ocorrido é apenas uma instância física (réplica, segundidade) de uma abstração abrangente (lei, terceiridade). É na lei informal que regula a produção de festas que o jogo entre VJ-grafista e público-grafeu sobrevive em plenitude. Uma única festa, limitada no tempo e no espaço, é a atualização (interpretante dinâmico) desta lei geral. A história do dialogismo lógico entre VJ e público não pode se restringir, então, a um número limitado de performances; a história do jogo necessariamente engloba convenções e acordos [sociais, políticos, culturais, econômicos...] que determinam relações entre grafista e grafeu em cada festa que já aconteceu, acontece ou que pode ou não, um dia, vir a acontecer, ad infinitum. A história do jogo como lei somente seria suficientemente explorada caso fossem consideradas exaustivamente e em contexto ideal todas as performances audiovisuais possíveis; apenas desta maneira seria possível desvendar, então, o verdadeiro e último fim desta história. Em outras palavras, a história dos jogos como abstração reguladora é uma tendência interpretativa (interpretante final) para a qual toda e qualquer festa individual aponta em maior ou menor medida. Não se pode considerar que VJ e público vivam o momento da performance independente-

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mente da sociedade em que a festa acontece; a festa não é um espaço isolado, imune e asséptico, é ambiente integrado ao restante da comunidade. VJ e público incluem-se em uma sociedade, têm uma vida mais ou menos independente de uma única festa, são estudantes, empresários, cidadãos, eleitores... As relações que acontecem na pista de dança são fenômenos sociais, o que acontece na performance audiovisual faz parte da vida. Performances de um VJ, como signos, possuem influência que extrapola as limitações espaço-temporais da pista de dança. A sociedade, como ser inteligente, lê e interpreta as performances dos VJs. A sociedade, para além do público presente nas apresentações, é grafeu não apenas porque o público das apresentações desempenha funções sociais variadas fora da festa, mas porque a própria festa é um fato inscrito na realidade social. Cada performance realizada por VJs contribui de modo diferente e único para o desenvolvimento de uma cultura do VJing no contexto social em que está inscrita. Cultura é hábito geral que instancia comportamentos. O VJing faz parte da comunicação na metrópole. Mesmo que alguém não se interesse por performances realizadas por VJs, é provável que tenha uma parcela de sua conduta [ainda que sutil e indiretamente, apesar da impossibilidade de se realizar qualquer medição] determinada pelo trabalho dos VJs. Como a maioria dos sistemas inteligentes, o trabalho do VJ, que é simultaneamente fruto e produtor de complexidade, exerce influências múltiplas e ambivalentes nos contextos em que está introduzido: para além do escopo deste trabalho, o VJ não atua apenas em festas; há influência do VJing nas galerias de arte, nos shoppings, nas vitrines, nos cinemas, na televisão, nos teatros, na internet, nas fachadas, nas ruas e nas praças como protesto e como intervenção urbana. Fazer VJing é exercer uma atividade aberta, é expressar-se e comunicar-se de modo alinear, é se dispor a misturar e a deformar discursos de outrem; fazer VJing é contribuir para a geração coletiva e colaborativa, em rede, de mediação (pensamento) e de cultura – hábitos, modos de conhecer a vida e de lidar com o mundo. Referências bibliográficas CAILLOIS, Roger. Os jogos e os homens: a máscara e a vertigem. Lisboa: Edições Cotovia, 1990. FABBRICHESI, Rossella. “O pensamento icônico e diagramático na obra de Peirce”. In: QUEIROZ, João; MORAES, Lafayette de (Orgs.). A lógica de diagramas de Charles Sanders Peirce: implicações em ciência cognitiva, lógica e semiótica. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2013, p. 17-48. MAKELA, Mia. “The practice of live cinema”. Media Space Journal, 2008. Disponível em: <miamakela.net/TEXT/text_PracticeOfLiveCinema.pdf>. Acesso em: 20 out. 2014.

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MORAN, Patrícia. “VJ em cena: espaços como partitura audiovisual”. Revista Contracampo, n. 13, 2005, p. 155-168. PEIRCE, Charles Sanders. The collected papers of Charles Sanders Peirce. HARTSHORNE, C., WEISS, P. e BURKS, A. (Orgs.) Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1931-35 e 1958; 8 vols. [Obra citada como CP seguido pelo número do volume e número do parágrafo]. PIETARINEN, Ahti-Veikko. “Grafos, jogos e a prova do pragmaticismo”. In: QUEIROZ, João; MORAES, Lafayette de (Orgs.). A lógica de diagramas de Charles Sanders Peirce: implicações em ciência cognitiva, lógica e semiótica. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2013, p. 83-104. SANTAELLA, Lucia. Culturas e artes do pós-humano: da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo: Paulus, 2003. SHORT, Thomas Lloyd. “Interpreting Peirce’s interpretant: a response to Lalor, Liszka, and Meyers”. Transactions of Charles Sanders Peirce Society, Bloomington, v. 32, n. 4, 1996, p. 488-541. SILVEIRA, Lauro Frederico Barbosa da. Curso de semiótica geral. São Paulo: Quartier Latin, 2007.

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Experiências audiovisuais na cena teatral1 Luz, palco e tela

Jair Sanches Molina Junior1 Universidade de São Paulo

Resumo: Este artigo apresenta um breve percurso histórico das relações entre luz, palco e tela em diferentes períodos, grupos e peças teatrais que utilizam-se do mecanismo de exibir e projetar filmes e manipular imagens e sons em tempo real como recurso expressivo para composição de cenários, iluminação, videoinstalação, videomapping, videoarte, Vjing, audiovisual interativo, entre outros. Como exemplo de grupo teatral a utilizar-se das experiências audiovisuais em tempo real, focaremos na companhia brasileira Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona, sediada em São Paulo, com atenção especial à ópera de carnaval Os Bandidos, encenada em 2008. Palavras-chave: experiência; audiovisual; luz; palco; tela. Abstract: This article presents a brief historical background process of the relationship between light, stage and screen in different periods, groups, and theatrical plays that used up the mechanism of displaying and projecting films and sounds in real time as an expressive resource for composition of scenarios, lightning, video-installation, video-mapping, video-art, Vjing, interactive audiovisual, among others. As example of a theatrical group that uses audiovisual experiences in real time, we focus on the Brazilian company Oficina Theater, based in São Paulo, with special attention to the carnival opera The Robbers staged in 2008. Key words: experience, audiovisual, light, stage; screen.

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Realizador e pesquisador em Audiovisual. Mestrando em Meios e Processos Audiovisuais pela Escola de Comunicações e Artes na Universidade de São Paulo (ECA-USP), na linha Poéticas e Técnicas, sob a orientação do Prof. Dr. Almir Almas.

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O primeiro projetor utilizado pela humanidade para refletir sombras em movimento foi a luz solar. O relógio de sol, inicialmente utilizado pelas culturas egípcia e babilônica, é um exemplo de instrumento que reflete sombras em movimento e temporalidade contínua amplamente conhecido. Com o domínio humano sobre o fogo, a luz é levada para dentro das cavernas e as primeiras imagens em sombras são projetadas nas paredes das moradas subterrâneas, algumas das quais viriam a ser gravadas a tinta ou carvão, e se tornariam a conhecida arte rupestre. A caverna de Chauvet, na França, por exemplo, possui imagens produzidas há aproximadamente 32 mil anos. São gravuras, pinturas e desenhos de búfalos e cavalos correndo, demonstrando a necessidade de comunicar-se através de imagens em sombras ou em cores e que transmitem a sensação de movimento. A utilização da projeção de imagens, seja em cavernas ou paredes, leva-nos de volta à Grécia, não somente pela célebre versão do teatro de sombras nas moradas subterrâneas de Platão, escrito por volta de 350 a.C., mas também pelos teatros de estádio dedicados ao deus Dionísio: onde uma dominante tela retangular em algodão era pintada a cores para composição do cenário (skené, em grego), concentrando a ação performática em um ambiente representativo.

Figura 1 - Reconstituição do Teatro de Dionísio em Atenas, Grécia (600 a.C). Ilustração no livro Harmsworth History of the World (1908), de Arthur Mee.

A era romana e cristã imprime violenta censura e proibição aos teatros e festividades dionisíacas durante a Idade Média, transformando os palcos teatrais em espaços fechados e restritos às multidões, criando o famoso palco italiano.

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Apenas no Renascimento, o primeiro projetor de imagens, produzido pelas técnicas humanas e conhecido por lanterna mágica, é exibido sob ilustração no livro Arte Magna da Luz e Sombra, em 1654. Mas não se sabe a data de sua invenção, e pode ser muito anterior à sua primeira publicação. Por meio da queima de vela, carvão ou óleo, a luz do fogo projetava imagens em gravuras de vidro, que refletidas em paredes ou telas transmitiam imagens em cores, além daquelas que possuíam diversos slides em sequência, criando ilusão de movimento e capazes de realizar pequenas animações. Apesar de rústicos, as lanternas mágicas contavam inclusive com lentes cambiáveis que aumentavam o tamanho da projeção no espaço.

Figura 2 e 3 - O projecionista e a lanterna mágica. Ilustração no livro Arte Magna da Luz e Sombra (1645), de Athanasius Kircher.

O domínio da luz elétrica, em 1879, por Thomas Alva Edison, modifica completamente os meios de comunicação de massa. Em 1891, William Kennedy Dixon inventa o filme de celulóide prático para aplicação fotográfica em movimento, introduzindo a abordagem básica e que se tornaria padrão para toda projeção cinematográfica a utilizar-se de películas e negativos, inspirando os irmãos Lumière a desenvolver comercialmente o cinematógrafo em 1895. Ainda no início dos anos 1900, sem o conceito de montagem ainda plenamente estabelecido, a maior parte das atrações fílmicas eram feitas por uma câmera fixa em posição central, e que mantinha a visão do espectador fechada através de um quadro em plano geral, uma espécie de quarta parede cenográfica e imaginária. Um dos primeiros pensamentos que define a diferença entre o teatro e o cinema foi escrito em 1916, pelo psicólogo Hugo Munsterberg, em um ensaio sobre o cinema:

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Se os movimentos das mãos de um ator no palco de teatro captam o nosso interesse, não olhamos mais a tonalidade da cena. (...) As coisas que não importam não podem ser subitamente tiradas do palco, perturbando os sentidos. O palco em nada pode ajudar. A arte do teatro tem aí limitações. Começa aqui a arte do cinema. (XAVIER, 1983, p. 33).

Dziga Vertov, em um outro extremo de experimentação cinematográfica, também renegava o teatro, colocando-o como uma arte anti-cinema. Mas ao longo dos anos, ao mesmo tempo em que o cinema buscou alcançar uma independência e autonomia em relação ao teatro, também houve um percurso de aproximação entre estas duas artes, com a utilização da estética cinematográfica dentro dos espaços cênicos, através de telas e espaços para projeção. Vsevolodov Meyerhold, um dos líderes do construtivismo russo, dizia em 1923: Vamos usar todos os meios técnicos ao nosso dispor. Iremos trabalhar com filme, de modo que as ações encenadas pelo ator no palco poderão alternar-se com cenas que ele desempenha na tela (SALTER, 2010, p.144). No caso específico de telas e projeções fílmicas inseridas na cena teatral, o cineasta russo Sergei Eisenstein, ex-aluno de Meyerhold, é um dos principais expoentes. Em 1923, realiza pela companhia Proletkult de Moscou, a obra teatral O Sabichão, no qual algumas cenas filmadas são exibidas em película como flashbacks de ações que aconteceram no palco, ou que complementam a narrativa, além das projeções dos créditos finais e de agradecimentos. Esta peça foi o primeiro trabalho de agitação baseado no novo método de construção do espetáculo. Para Eisenstein, a teoria e a prática do cinema derivam do teatro, e todo o seu percurso é um corpo a corpo com a questão geral da arte e seus critérios, seja no palco ou na tela. Movimentos da vanguarda histórica, como os dadaístas, futuristas e surrealistas, em seus desejos e ensejos pela expansão das fronteiras entre as diferentes manifestações artísticas, passam a questionar a noção de espetáculo exibindo filmes em ruas e em prédios, por exemplo. O diretor teatral alemão Erwin Piscator também foi um dos precursores, ao empregar projeções fílmicas em peças teatrais na década de 20. Soldado na Primeira Guerra Mundial, Piscator teve acesso ao depósito de arquivos fílmicos e negativos, e projetou algumas destas imagens na peça As aventuras do bravo soldado Schweik, em 1926.

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Figura 4 - Projeção fílmica e atores em ação no palco. Peça dirigida por Erwin Piscator em 1926. Fonte: pinterest.com

No Brasil teríamos como precursor deste movimento o diretor Raul Roulien, artista brasileiro que fez sucesso em Hollywood na década de 1930, como ator de grandes filmes comerciais da época. Em seu retorno ao Brasil em 1936, Roulien cria com Oduvaldo Vianna, no Rio de Janeiro, a Companhia de Filmes Cênicos, uma mistura de teatro com cinema, mas o projeto é abandonado após alguns fracassos de bilheteria. A conversão da luz e do som em ondas eletromagnéticas possibilita a invenção de um novo híbrido das imagens e sons projetados: os monitores televisivos. Em 1936, os Jogos Olímpicos são transmitidos diretamente para diferentes televisores espalhados por Munique, constituindo um marco para a exibição de imagens e sons em movimento ao vivo na modernidade. Em 1949, outras possibilidades de projeções fílmicas favorecem a moderna cenografia teatral que também sofre influência artística. O cenógrafo Jo Mielziner desenha o cenário da montagem nova-iorquina A Morte do Caixeiro Viajante (dirigida por Elia Kazan), dispondo no palco do esqueleto de uma casa apertada entre arranha-céus, onde as janelas exibiam as imagens projetadas no cenário, criando efeito cinematográfico de árvores banhadas pelo sol nas ações desenvolvidas em flashback. O uso da câmera portátil de vídeo, a partir dos anos 60, liberta os artistas da pesada infraes-

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trutura de produção de imagens em movimento para a televisão ou cinema. O desenvolvimento do equipamento eletrônico atua como catalizador de desejos da nova geração de artistas, assegurando uma técnica de atraente fascinação, e começam a usar a imagem em movimento como objeto artístico, profundamente ligado à contracultura. Isso acontece em contradição aos imperativos métodos utilizados pela indústria de TV, que é vista como uma estética-política a ser combatida, devido, sobretudo, à forma alienante de se comunicar com o público de massa. Uma das primeiras experiências a utilizar a tecnologia do vídeo em uma peça teatral foi realizada por Josef Svoboda, cenógrafo da produção Intoleranzza realizado pelo Grupo Ópera de Boston em 1965. Svoboda cria um circuito fechado de televisão, que possibilita o registro ao vivo da ação no palco por cinegrafistas e sua transmissão direta para uma gigante tela de projeção. Durante o final da década de 1970 e início dos anos 80, com a popularização do vídeo VHS e da sua introdução em performances e happenings, as projeções de imagens em movimento em obras e espetáculos teatrais aumentam consideravelmente no mundo todo. Uma das criações marcantes no teatro brasileiro desta época viria a ocorrer com direção de Luiz Antônio Martinez Correa, ao integrar as linguagens de teatro, cinema e dança na peça O Percevejo de Vladimir Mayakovsky, em 1981. Com cenário de Hélio Eichbauer, teve enorme repercussão no Brasil e na Europa na época. Neste período de redemocratização no Brasil, outros grupos de teatro começam a utilizar-se do vídeo para realizar experiências audiovisuais, tópico que veremos com mais detalhes a partir da análise da companhia Teatro Oficina, um dos grupos mais produtivos no país.

Figura 5 - Teatro Oficina e seu entorno no bairro do Bixiga, em São Paulo, 2014. Foto por Markus Lanz.

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Teatro Oficina O grupo de teatro Oficina tornou-se expressão dramatúrgica ímpar na criação e produção de peças teatrais e filmes, marcadas sempre pela inquietação nas escolhas políticas e estéticas. Sobre o grupo Oficina, é necessário lembrar que iniciou suas atividades ainda como teatro amador em 1958, por estudantes da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo, entre eles: Amir Haddad, Carlos Queiroz Telles, Jairo Arco e Flexa, Renato Borgui e José Celso Martinez Corrêa. Em 1961, decidem profissionalizar-se e alugam um caduco e malconservado galpão de teatro, construído na década de 1920, situado na rua Jaceguai, no bairro do Bixiga. Assim, pela dificuldade em apresentar a extensa obra e toda produção deste grupo a partir de 1958, preferimos neste artigo introduzir um breve histórico de como a utilização de projeções audiovisuais tornou-se crescente a partir do exame de algumas obras cênicas e fílmicas em específico. Já que as produções deste grupo possuem muitas referências à evolução tecnológica dos meios e processos audiovisuais, sejam elas no campo multimídia, transmídia ou hipermídia. No final dos anos 60, a alma antropófaga dos jovens artistas do Oficina é acesa através da leitura de textos variados de Oswald de Andrade, e passam a liderar com outros artistas a Tropicália, também inspirados no filme Terra em Transe, de Glauber Rocha. A partir deste encontro entre o grupo Oficina e Oswald de Andrade, é realizada uma das obras-primas da companhia em teatro: O Rei da Vela (1967), dirigida por José Celso, peça que transformou-se em outro híbrido, o filme O Rei da Vela (1983) codirigido por Noilton Nunes, ganhando o prêmio especial da crítica no Festival de Gramado. Nos meados dos anos 70, durante o período de chumbo da ditadura militar, o teatro é fechado após invasão da polícia, e vários artistas da companhia tiveram prisões ilegais e outros sofrerem tortura. Parte do grupo se exilou em Portugal, levando consigo câmeras super-8, negativos, rolos de filmes, e fotografias que encontram-se atualmente no acervo da Unicamp. Durante esse período no exílio o grupo realizou dois longas-metragens em documentário: Vinte e cinco (1975), sobre a revolução moçambicana, e O parto (1975) sobre a revolução dos cravos, ambos dirigidos por Celso Luccas e José Celso. Já o longa-metragem de ficção Prata Palomares (1970), com roteiro de José Celso e direção de André Faria, foi proibido pela censura e exibido inédito apenas em 1977, no Festival de Cannes. No final da década de 70, com o enfraquecimento da ditadura militar e o fortalecimento das noções de democracia e liberdade de expressão, uma parte do grupo inicia um movimento de retornar aos trabalhos no Brasil, e ao teatro que encontrava-se desocupado e sem atividades por um longo período. No início dos anos 1980, o Grupo Silvio Santos tentou comprar o terreno do teatro Oficina diretamente com o proprietário. O vídeo surge nesta fase do grupo Oficina como uma arma estética

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contra as pretensões do Grupo Silvio Santos - que se incorpora como antagonista da arte teatral e representante da especulação financeira, midiática e imobiliária. Em conflito pela posse do terreno, com o teatro em situações precárias, e sem meios de financiar novas produções, o grupo Oficina, sob liderança de José Celso, cria um audacioso projeto que viria a ser a Associação Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona, e que tem como base um movimento constante de repensar as fronteiras da criação artística ao misturar teatro, cinema, televisão, música, ópera, vídeo, arquitetura, artes plásticas e carnaval. Com uma câmera U-Matic em mãos, o Oficina registra encontros com autoridades políticas, a situação decadente do espaço, com paredes demolidas e falta de encanamento e o cotidiano dos artistas que ali produziam, trabalhavam e frequentavam o espaço. A arquiteta Lina Bo Bardi, participante ativa do Oficina entre os anos 70 e 80, projeta a arquitetura do teatro como um ‘terreiro eletrônico’, em referência a um terreiro de candomblé com sofisticados recursos de transmissão audiovisual. Segundo Lina Bo Bardi: Depois do Sturm und Drang (tempestade do ardor irresistível), o que vai acontecer? Em termos de arquitetura o Oficina vai procurar a verdadeira significação do teatro – sua estrutura Física e Táctil, sua Não-Abstração – que o diferencia profundamente do cinema e da tevê, permitindo ao mesmo tempo o uso total desses meios. Na base da maior simplicidade e da maior atenção aos meios científicos da comunicação contemporânea. (BARDI, 1999, p.3).

Atualmente, o que justifica a luta pelo espaço teatral e arquitetônico do Oficina é o desejo e a dificuldade pela realização de um Teatro de Estádio em seu entorno no bairro do Bixiga, antiga aspiração de muitos artistas brasileiros, e de Oswald de Andrade no manifesto Do Teatro, que é Bom (1943), inspirado nos anfiteatros gregos: Está aí um teatro para hoje, um teatro de estádio... participante dos debates do homem (...). Tudo isso indica o aparelhamento que a era da máquina (...) propõe aos estádios de nossa época onde há de se tornar uma realidade o teatro de amanhã, como foi o teatro na Grécia, o teatro para a vontade do povo e a emoção do povo... (ANDRADE, 1971, p. 89-90).

Na parte videodeográfica deste período oitentista, fizeram parte como colaboradores do Oficina: Tadeu Jungle, Walter Silveira, Noílton Nunes, Edson Elito e Otávio Donasci, entre outros, realizando registros em super-8 e vídeo, principalmente. Mas o mero registro dos ensaios, leituras de textos, ou dos conflitos territoriais com o vizinho hipermidiático, faz com que o grupo tenha novos anseios e diferentes propostas em audiovisual.

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Figura 6 - Coro de sátiros e cinegrafista-ator no ensaio de Bacantes, no início da década de 80. Foto no livro Teatro Oficina 1980-1984, de Lina Bardi e Edson Elito (1999).

Havia neste momento do grupo Oficina o intuito de criar uma rede de televisão, a TV Uzyna, que se concretiza apenas em experimentos. Em 1983, durante a leitura do texto O Homem e o Cavalo, de Oswald de Andrade, é projetado o filme Linha Geral, de Eisenstein, no monitor de televisão instalado na cabeça da videocriatura de Otávio Donasci. Já o vídeo documentário Caderneta de Campo (52min.), produzido pelo grupo Oficina para a TV Cultura nos estúdios desta emissora em 1983, continua inédito e permanece censurado até hoje pelo Governo do Estado de São Paulo, que impede a TV pública de exibi-lo. Em comemoração ao tombamento do Teat(r)o, em 1984, diversos televisores espalhados pelo espaço transmitem à plateia cenas ao vivo da encenação de Mistérios Gozozos, de Oswald de Andrade. Em 1993, o espaço teatral com projeto de Lina Bardi e Edson Elito é inaugurado e a companhia retoma às produções profissionais. Gradativamente, a projeção de imagens em vídeo passa a ser incorporada às narrativas das peças dirigidas principalmente por José Celso, e codireção por Marcelo Drummond. Nesta nova fase, obras clássicas da dramaturgia mundial como Hamlet, de William Shakespeare, e Bacantes, de Eurípides, são realizadas com estilo de modernos musicais brasileiros com elenco coral, numerosa banda e introdução gradativa de recursos audiovisuais durante as encenações. Nas exibições de Para Dar um Fim no Juízo de Deus (1997), peça radiofônica de Antonin set 2015 | REVISTA MOVIMENTO

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Artaud, as imagens eram registradas por apenas uma câmera, projetadas em um único telão e transmitidas no momento em que a ação se realizava no palco. Um ‘cinegrafista-ator’ perseguia os momentos mais privados e corporais dos intérpretes, como, por exemplo, o de ejacular, de defecar e de ter o sangue extraído pela seringa. Na primeira Cacilda! (1998), sobre a atriz e primeira dama do teatro brasileiro, há inserção de gravações pré-editadas: Cacilda Becker dançando quando criança; Cacilda Becker rindo em um programa da TV Bandeirantes; registros do interior do corpo humano e a palavra ethernidade são projetados pelo espaço teatral e eletrônico, e pela primeira vez funcionam em complemento à narrativa. Em meados dos anos 90, a internet se estabelece como novo meio de comunicação de massa e novas relações entre imagens e sons em movimento surgem. No caso do Oficina, a internet é utilizada gradativamente para divulgar ações e a agenda do grupo e também para exibir as peças ao vivo em transmissão direta na rede. Em 2001, na obra Boca de Ouro, de Nelson Rodrigues, são realizadas as primeiras experiências com o corte ao vivo com mais de uma câmera em tempo real nas apresentações. Já durante a pentalogia Os Sertões (2001 a 2007), de Euclides da Cunha, houve uma evolução considerável nas projeções, quando diversos equipamentos como projetores profissionais, mesa de corte e câmeras foram adquiridos. Em 2008, o grupo Oficina completou 50 anos de atividades celebrados com a montagem de novas peças, entre elas a peça Os Bandidos, adaptado da obra Die Rauber (1781), de Friederich Schiller. Essa peça é exemplar quanto à evolução tecnológica e digital da era cyber em que vivemos, e a adaptação aos recursos audiovisuais inseridas nas peças teatrais do grupo Oficina se solidifica. Os Bandidos A obra cênica Os Bandidos2, sobre a disputa entre dois irmãos pelo amor e herança do pai escrita por Friedrich Schiller, foi adaptada por José Celso como metáfora ao histórico conflito entre o Teat(r)o Oficina, representado pelo grupo de bandidos da era cibernética Strume und Mangue, e o Grupo Silvio Santos, representado pelos bandidos da corporação midiática e financeira Pro-World Corporation $$. A dramaturgia, adaptada na perspectiva de telenovela e plugada na era digital da comunicação, permitiu que esta encenação se utilizasse de imagens projetadas pelo espaço de uma maneira inovadora e sem precedentes na história do Oficina, tornando o audiovisual um recurso técnico pro___________________________________________________ 2

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Os Bandidos tornou-se filme em 2011 e encontra-se disponível em dvd triplo.

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tagonista desta narrativa teatral. Na peça, o vídeo entrou primeiro como cenografia. Um carpete branco foi inserido transformando o palco-pista do terreiro eletrônico em uma tela de 4m x 30m., refletindo imagens interligadas e mapeadas por diversos projetores, além de monitores de TV espalhados pelo espaço, e outras duas telas nas extremidades opostas da pista, transmitindo imagens diferenciadas em cada uma das telas.

Figura 7 - Videomapping transformado o palco-pista em tela de cinema no Teatro Oficina (2008). Foto Cassandra Mello.

Porém, a ideia de transformar o palco-pista em tela de cinema não foi inédita no Teat(r)o Oficina. As peças Taniko - O rito do mar (2008), direção de José Celso, e Cypriano e Chan-ta-lan (2008), direção de Marcelo Drummond, se utilizaram deste recurso, ainda que de forma experimental. A dramaturgia em Os Bandidos buscava nas experiências audiovisuais um complemento. É a poética que apodera-se dos recursos técnicos disponíveis, através, primeiramente, da adaptação verbal inserida sob forma de rubricas no texto. No caso desta encenação, pude acompanhar atentamente de que forma a criação literária

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transformou-se em cenografia audiovisual, já que participei como colaborador técnico e criativo da equipe videográfica no grupo, na função de VJ, sendo a equipe de vídeo desta encenação também formada por Cassandra Mello, Gabriel Fernandes, Renato Banti e direção de Elaine Cesar. A partir de uma extensa análise do texto e uma roteirização quanto às necessidades do vídeo, iniciou-se o processo de pesquisa das imagens necessárias para transformar a literatura em trilha audiovisual. A primeira parte da pesquisa ocorre diretamente em websites e em DVDs da filmografia mundial. Além destas imagens, pesquisas em livros fotográficos, nos acervos do Oficina, da Unicamp e da Cinemateca Brasileira, além de pinturas e desenhos, passam a compor a paleta audiovisual, completando o processo de pesquisa. Mas a maior parte do material imagético de Os Bandidos são gravações, filmagens e criações realizadas pela própria equipe de vídeo. Sendo que as principais imagens criadas referem-se às texturas, animações, à vinheta da novela, aos flashbacks: cenas realizadas com o elenco anteriormente em bailes funk, em viagens de avião, ou em adegas, por exemplo, entre outras. Com um amplo acervo imagético necessário para a criação da trilha visual, inicia-se o processo de pós-produção, que poderia ser dividido em duas etapas. Na primeira, há uma edição de vídeos em tempo linear, imagens que são experimentadas e alteradas conforme o desenrolar dos ensaios técnicos. Sendo estas alterações tratamentos variados, seja na cor, na velocidade da imagem, na colagem com outras imagens, na composição com outros símbolos, na composição com outros sons, na montagem com outros signos etc. A segunda etapa do processo refere-se à edição ao vivo, quando há montagem das imagens transmitidas pelos cinegrafistas-atores, pelas dezesseis câmeras de segurança, pelas imagens pré-editadas e daquelas que seriam editadas em tempo real através de softwares para VJing. Há cenas em que o vídeo prolonga a experiência de uma ação. Por exemplo, quando as personagens deliram ou tem devaneios, a função das projeções é estimular essa sensação, e a ação performática pode ser acompanhado de uma trilha audiovisual específica, alucinante ou psicodélica, em convergência com a percepção da personagem. Já a direção do corte ao vivo, para as imagens registradas pelos cinegrafistas-atores em tempo real e projetada nos telões, buscou seguir o fio da dramaturgia, sendo que a narrativa em Os Bandidos se divide em episódios como uma novela, possibilitando a montagem das cenas. Estas práticas podem ser verificadas por meio da edição de duas linguagens distintas: a montagem televisiva e a montagem cinematográfica. Nas cenas da corporação midiática Pro World Corporation $$, a montagem televisiva das novelas foi explorada, e os cinegrafistas-atores faziam principalmente enquadramentos close-up e

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planos-contraplanos respeitando o eixo do palco, enquanto que a edição das imagens ao vivo privilegiava o texto dito pelos atores. Já nas cenas do grupo Strume und Mangue, pudemos realizar procedimentos relacionados à montagem cinematográfica, com a peculiaridade de que nestas cenas a ênfase era por planos-sequência, pela quebra do eixo, e também por uma edição em tempo real que não privilegiava a personagem que transmitia o texto, mas sim as reações do coro.

Figura 8 e 9 - Cinegrafistas-atores e o dispositivo técnico audiovisual. Fotos por Lenise Pinheiro. Fonte: Blog Cacilda, 2008.

A ausência das projeções de imagens em algumas cenas desta encenação deve-se, geralmente, a dois fatores. O primeiro é a iluminação muito intensa, o que pode prejudicar as projeções. O segundo fator é a própria dramaturgia, que em alguns momentos busca dos espectadores uma concentração focada em uma única ação no palco, e o vídeo é retirado para não criar uma segunda camada dispersiva. Há na adaptação desta peça diversas referências à contemporaneidade, como a inserção de elementos digitais, o recebimento de e-mails, exibição de vídeos no Youtube, vigilância através de diversas câmeras de segurança espalhadas pelo espaço, diálogos virtuais e mensagens enviadas através do telefone celular, tornando as projeções de imagens indispensáveis à narrativa. Por isso, a característica principal das experiências audiovisuais nesta encenação é a interatividade com o elenco. Em sua maioria, as entradas e saídas do vídeo são pontuadas por ações do elenco muito específicas, simulando um controle virtual sobre as imagens. São ensaiados alguns movimentos com as mãos, um estalo do dedo ou um aperto em controle remoto invisível, um olhar direcionado ou um rodopio na pista central. Estes sinais variavam conforme a sugestão do diretor ou dos atores que contracenavam com as imagens. Com mais de cinco horas de duração, esta peça teatral possui inúmeros exemplos que poderíamos citar sobre os processos da projeção de imagens e sons em movimento, sendo que as princi-

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pais funções do audiovisual em Os Bandidos são: 1- ocupar o espaço arquitetônico. 2- criar cenários virtuais. 3- criar iluminação de cena. 4- enfatizar a entrada de personagens através de leitmotivs. 5 - apresentar cenas em flashback. 6 - apresentar grafismos, ilustrações, artes-plásticas e fotografias. 7 - apresentar legendagem para diálogos ou músicas. 8- invocar a experiência da vigilância através de câmeras de segurança. 9- invocar os fenômenos culturais do cinema, televisão, e internet. 10- articular a tensão entre o registro, o ao vivo e o tempo real. 11- articular a tensão entre luz, o palco, e a tela. A partir destas análises, é possível perceber que Os Bandidos explorou diversas experiências interativas com imagens e sons em movimento, que se transmutam com rapidez e facilidade em diferentes funções cênicas, transformando o terreiro eletrônico em aquário audiovisual. Considerações finais Por fim, busquei neste artigo apresentar um breve percurso histórico das relações entre luz, palco e tela por grupos e obras que exploram a inserção de experiências audiovisuais na cena teatral produzindo sensações e percepções complementares à narrativa. Como percebemos, por meio das diferentes experiências audiovisuais aqui apresentadas, não há um rigor de método na utilização de projeções fílmicas na cena teatral, e as técnicas utilizadas variam em cada obra, tornando-se um elemento cênico híbrido e peculiar. Já as telas, os monitores, os locais e superfícies para projeção, quando inseridas na obra teatral nunca se repetem, evoluindo e modificando-se conforme a dramaturgia se apropria dos meios científicos disponíveis para refletir imagens e sons em tempo real. A partir destas observações, nos focamos na peça Os Bandidos como exemplo de obra artística que possibilitou inúmeras experiências interativas, e que se apropriou do audiovisual como elemento cênico em suas diferentes funções possíveis. Esse ambiente de múltiplas sensações táteis e audiovisuais contribui para a evolução das técnicas, dos meios e dos processos na era da comunicação contemporânea, ampliando as experiências subjetivas e o acontecimento poético nas artes.

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José Celso Martinez Corrêa Jair Sanches Molina Jr.

Entrevista1 com José Celso Martinez Corrêa Jair Sanches Molina Junior Universidade de São Paulo

Jair S. Molina Jr.: Zé, como foi o início do vídeo

ção, foi no início da abertura, era o pessoal do

no Teatro Oficina?

Carnaval do Povo, um grupo que se formou no

José Celso M. C.: Foi na fase de O Homem e o

teatro, montando a cena O Carnaval do Povo,

Cavalo. Eram 3 turmas: Sertões: Forró do Avan-

uma cena do Galileu Galilei, de Bretch, e a gente

ço, Cozinha da Zuria e Surubim. A outra linha

invadiu o escritório do Portela em Brasília, e a

era Bacantes, jovens atores que vinham do Bra-

gente cercou, fez a primeira entrevista que foi

sil todo. O outro grupo eram os cavalos da câme-

essa, foi em VHS ainda. Mas com a evolução

ra, os cavalos eletrônicos, que era a peça de Os-

desse processo, essa câmera passou a servir

wald de Andrade, justamente sobre o culto à

para a construção desse teatro e ao mesmo tem-

tecnologia. Peça sobre o período que se instalou

po a luta contra o Grupo Silvio Santos. Nós tería-

a União Soviética. E era o cavalo que a gente

mos comprado o teatro, tínhamos o dinheiro

usava para penetrar a brecha da abertura demo-

para a entrada, que era algo em torno de 2 mi-

crática, que era muito fechada na época. E na

lhões na época mas teríamos que pagar depois

época só os índios faziam isso. Eles invadiam os

mensalidades. E a Caixa Econômica Federal não

lugares com o vídeo e era uma coisa terrível. E a

aceitou nossa proposta, dizendo que nenhuma

gente imitou os índios para conquistar esse tea-

companhia de teatro no Brasil teria dinheiro

tro. A gente passou a dar muito valor para ter

para comprar um teatro. Aí com o dinheiro nós

uma câmera. Essa câmera foi adquirida pelo Fer-

investimos no vídeo e passamos a utilizar ele

nando Meirelles, que trouxe de contrabando do

como arma, e que é muito diferente de agora,

Japão duas U-Matics com o dinheiro que foi le-

naquele tempo você chegava com vídeo em al-

vantado para comprar o teatro na festa Domin-

gum lugar era uma coisa que apavorava todo

go no Parque. E nós compramos essa câmera,

mundo, por que não existia mesmo essa relação

que era pesadíssima, e a gente invadia os luga-

com a câmera, e na época da abertura e era tudo

res todos. Eu me lembro que a primeira grava-

muito fechado, restrito aos canais de televisão. E

___________________________________________________

Entrevista cedida ao autor. Fita mini-dv, 60 min, outubro/2009. Anexo do texto "Experiências audiovisuais na cena teatral". 1

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José Celso Martinez Corrêa Jair Sanches Molina Jr.

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o vídeo tornava imediatamente tudo público,

Aí o Maluf pagou os alicerces do Teatro, mas ele

por que a gente ficava com aquelas gravações e

começou a fazer uma certa onda pra dar o di-

mostrava em vários lugares. Começou muito

nheiro por que eu dizia coisas horríveis a respei-

com esse momento de luta, uma arma imitando

to dele, dizia que dinheiro de ladrão é de todo

os índios, e foi incrementando por que eram

mundo, e que não tinha problema nenhum com

pessoas de muito talento, veio o Tadeu Jungle,

isso. Por que quem me incentivava nisso era o

veio o Walter Silveira, eles fizeram o logotipo da

João Carlos Martins, que era pianista e secretá-

Tv Uzyna. Veio o Noílton Nunes, que montou co-

rio do Maluf. E um dia chegamos na prefeitura e

migo o filme O Rei da Vela. Veio o Edson Elito,

invadimos o escritório dele, cercamos ele, com o

que veio a ser depois o arquiteto do teatro. O

grupo que fazia o Homem e o Cavalo, onde o ví-

Edson Elito já trabalhava com Super 8. Eu tam-

deo já era usado artisticamente, e a Elke Maravi-

bém já trabalhei muito com Super 8, mas depois

lha fazia o papel de Dionísios e o Maluf de Pen-

eu perdi todos. Eu cheguei a começar a traba-

teu. Fui com o Raul Cortez, o Dionisios de

lhar, eu me lembro, até com gravador de rolo. Eu

Azevedo, a Célia Helena, o Pascoal da Concei-

me lembro de ter gravado o Acordes, uma pri-

ção. O grupo de atores o cercou, fizemos ele ler

meira versão de uma oficina que a gente fez aqui

Bacantes, de Eurípedes, e tudo isso foi filmado

em 1979, na pré-história. Por que a gente sempre

para conseguir mais dinheiro ainda. A gente não

fez cinema, e o Carlos Ebert filmou coisas inte-

falava nada, a gente cantava como se fosse tea-

ressantíssimas nas nossas viagens pelo Brasil,

tro. O Maluf ficou fascinado, e então ele foi ler o

mas esse material se encontra todo preso ou

papel de Penteu e dizia: “Mas eu não vou me

perdido pela Polícia Federal. E a gente filmou

vestir de mulher!” (gargalhadas) Isso tem no ví-

muita coisa em Super 8. Tinha uma arte. Num

deo, é muito engraçado. Mas nessa época eu me

certo sentido o Super 8 era muito parecido com

lembro, eu trabalhava muito com o Otávio Do-

o processo do vídeo. Em 1980 a gente fez o show

nasci, a gente usou em vários espetáculos a vi-

Domingo de Festa no Ibirapuera, e começamos

deocriatura. Nós colocávamos a TV na cabeça

o ano de 1981 com a câmera U-Matic e já apron-

do ator, e podíamos colocar a imagem que qui-

tando, e nós conseguimos muita coisa. Esse tea-

séssemos na cabeça do ator. Pois tem uma cena

tro foi construído por causa desta arma. Por

em o Homem e o Cavalo que é do camarada Ei-

exemplo, uma vez a gente foi buscar (até tem

senstein, uma cena de cinema em que entra um

uma gravação) o Maluf, que botou dinheiro,

filme lindo chamado Linha Geral, e gente ia usar

numa época em que o índio Juruna foi à televi-

as próprias cadeiras como luz e transmissão,

são dizendo que não queria o dinheiro dele, eu

mas acabou não dando certo, pois o Tadeu Jun-

fui pra televisão dizendo que eu queria também.

gle tinha bolado, ali no Teatro Sérgio Cardoso,

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José Celso Martinez Corrêa Jair Sanches Molina Jr.

de colocar em todas as cadeiras um monitor de

bandeja pra pegar o espaço todo. Era um recur-

vídeo. E nessa cena a gente acabou colocando o

so muito bom plasticamente, extraordinário. Em

vídeo na cabeça do próprio Donasci fazendo o

Boca de Ouro tinha projeções também. Foram

papel do Eisenstein. O próximo espetáculo que

realizadas cenas muito bonitas. Ampliava as

utilizamos o vídeo foi em “Para dar um fim no

imagens da Central do Brasil no final. E a Elaine

juízo de Deus” de Artaud, na verdade começou

César dirigiu o vídeo de Boca de Ouro em Mos-

um pouco discreto, mas então veio um câmera

cou! Ela tinha um ciclorama imenso em Moscou.

de muito talento, o cinegrafista Dourado, que

E era um teatro todo de ouro. Tinha uma foice e

fez uma bandeja giratória que projetava uma

um martelo de ouro. Era a própria casa de um

imagem grande em forma de cone. Aqui no Ofi-

bixeiro. (Gargalhadas). E eu me lembro do ator

cina não teve tanto impacto, mas no Rio de Ja-

Haroldo no palco contracenando com ele mes-

neiro, no Centro Hélio Oiticica, era impressio-

mo projetado bem imenso, num tamanho de

nante! E daí ele filmava, por exemplo, o cú do

tela imenso. E a Elaine enriqueceu muito o ví-

Pascoal soltando cocô, mas enorme na tela! Pa-

deo, ela colocou muita coisa. O cenário era prin-

recia aqueles quadros da Capela Sistina! E en-

cipalmente a projeção, era o teatro entrar na tela

tão a gente projetava em telas muito grandes a

e dar a réplica para o público de que ele estava

cena da punheta, do pau, da porra, do sangue...

dentro da casa de um bixeiro. E era uma porrada

E aquilo ficava de uma beleza! Parecia uma coi-

de pessoas saindo do teatro também. Em Cacil-

sa de Miguel Angelo, por que era muito grande.

da! (1998) eu me lembro das imagens dela no

Aquele cu, aquele cocô, eu me lembro que em

final, e a gente fazia parecer chover. Eram cenas

São José dos Campos a gente fez para 1500 pes-

da Cacilda na música da Maria Betânia. A pala-

soas, e quando a gente começava a projetar

vra Ethernidade passando pelo teatro. E a Lucia-

aquilo, saiam multidões apavoradas, famílias fe-

na Domske trouxe uma imagem do interior do

chando os olhos. E eu me lembro que tinham

corpo humano, filmado dentro do corpo, que

dois gêmeos que riam muito, e criou uma eufo-

era projetado na cena do aneurisma, que tinha

ria, e a partir daí o Sesc proibiu. Por que inclusi-

aquele plástico grande que corria o sangue. Eu

ve antes, a cena da masturbação era feita atrás

sempre que fazia oficina, leitura, eu usava o ví-

de um biombo, e o Pintado filmava muito bem,

deo. Eu fazia os câmeras saírem do lugar, acom-

por que ele tinha um sexo bem perverso, por

panhar a ação. E tudo o que eu fiz eu procurei

que ele sabia filmar aquele cu, aquele pau, ele

gravar. Tem uma coisa importante. Nós fizemos

excitava até o próprio Fransérgio que se mastur-

um vídeo que está proibido, e eu estou queren-

bava e ele filmava super bem. E ao mesmo tem-

do liberar há muitos anos, o vídeo Caderneta de

po tinha outro que ficava controlando aquela

Campo. A gente até ganhou o primeiro prêmio

set 2015 | REVISTA MOVIMENTO

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DOSSIÊ + ENTREVISTA

José Celso Martinez Corrêa Jair Sanches Molina Jr.

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do Festival de Vídeo de São Paulo em 1983, como

das) E nós tínhamos muitos vídeos, que nós

melhor vídeo. A gente fez na TV Cultura na ges-

levávamos para a casa. Tem uma história engra-

tão que se encontrava o João Carlos Martins. E

çada. Nós fizemos a mesma coisa na casa da rua

foi na época que houve aqueles saques em São

Japurá. E nós instalamos os monitores no ba-

Paulo e a gente acabou incorporando isso no ví-

nheiro, na cozinha nos quartos, ligados a uma

deo, e o Governo do Estado daquela gestão proi-

câmera VHS que a gente ganhou como prêmio

biu o vídeo desde então, e nunca se divulgou se

no festival de vídeo. E virou uma mania essa coi-

exibiu o documentário. Até hoje a TV Cultura é

sa de vídeo. E a Catherine Hirsch – uma das fun-

proibida de exibir este vídeo, porque o governo

dadoras do Uzyna Uzona - bebia demais, e ela

tem medo das imagens que fizemos. Estava lem-

um dia tava passando muito mal, foram uns mé-

brando de outra coisa, que era na época em que

dicos querendo levar ela ao hospital, e ela não

o Noilton Nunes estava aqui, a gente filmava

queria ir, pois ela teve uma irmã que se suicidou

tudo o que podia, a gente tinha quase uma ma-

no hospital. E nós dissemos aos médicos: ‘nós

nia de vídeo. A gente ganhou uma vez vários mo-

vamos curar ela com o vídeo!’ Aí a gente ligou

nitores da Sharp, e agente espalhou pelo teatro

todo o sistema da casa, ela completamente bê-

todo para o teatro virar terreiro eletrônico. Inclu-

bada no banheiro, e todo mundo vendo pelos

sive transmitimos, no tombamento do teatro,

monitores. Era aniversário do Pascoal que na-

uma peça que era Mistérios Gozozos, por todo

morava a Luciana, que era médica. E nós tínha-

espaço, e os atores faziam uma orgia, uma suru-

mos o compromisso de cuidar dela, e a Luciana

ba, e depois tinha na peça uma cena de sexo ex-

começou a cuidar dela quando chegou uma me-

plícito. Mas os atores fizeram na Escola de Artes

nina que começou a filmar a Luciana cuidando

Dramáticas-USP uma oficina sobre Mistérios

da Catherine. E a Catherine começou a fazer

Gozosos, e depois eu quis fazer profissional-

sexo com a Luciana. E a Luciana, como era mui-

mente, mas eles não toparam. Mas uns 10 topa-

to louca, médica, ela não era dada muito a gos-

ram e fizemos aqui, numa sala branca que tinha.

tar de mulheres, ela não era lésbica, mas ela foi

E era transmitido pelo espaço todo, tem até gra-

pra curar a outra. O Pascoal completamente de-

vado esse vídeo. O Pascoal, a Luciana a Magali

sesperado, os monitores pela casa inteira, e a

Biff. E o teatro inteiro assistia o que acontecia

Catherine chupava ela, e mexia com o cabelo. E

naquela sala branca pelos monitores, a plateia

a Catherine melhorou, teve um efeito terapêuti-

lotada, embaixo o Cabaré da Zuria lotado. E a

co. O vídeo curou, por incrível que pareça. De-

cozinheira, a Zuria, quando viu aquilo ela come-

pois a Paula Gaitan montou esse vídeo. Pois o

çou a bater no teto: “Para com essa sem-vergo-

vídeo tinha serventia para tudo, por que a gente

nhice, senão eu chamo a polícia! ” (Gargalha-

não tinha o menor pudor. Não fazíamos distin-

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DOSSIÊ + ENTREVISTA

José Celso Martinez Corrêa Jair Sanches Molina Jr.

ção entre público e privado, essas coisas que se discutem hoje. Era um reality show total. Mas com pessoas completamente doidas, por isso, muito mais interessantes.

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ENTREVISTA

Vincent Morisset e Arcade Fire: destrinchando as narrativas digitais - com Vincent Morisset Elisa Maria Rodrigues Barboza

Vincent Morisset e Arcade Fire: destrinchando as narrativas digitais1 Entrevista com Vincent Morisset2 Elisa Maria Rodrigues Barboza3 Universidade Federal de Juiz de Fora

Resumo: Vincent Morisset dirigiu três videoclipes interativos para a banda Arcade Fire, Neon Bible (2007), Sprawl II (2010) e Just a Reflektor (2013); além dos filmes interativos, BlaBla (2012) e Way to Go (2015). Nessa entrevista o diretor aprofunda os processos de produção desses trabalhos, discute sua participação política para o reconhecimento das narrativas digitais como uma forma autônoma pelo governo canadense, fala sobre a utilização de diversos termos para nomear esse tipo de narrativa, entre outros temas. A entrevista faz parte da dissertação de mestrado “Música, audiovisual e interatividade: um estudo sobre videoclipe interativo a partir da banda Arcade Fire”, defendida em julho de 2015 na UFJF. Palavras-chave: Vincent Morisset; narrativas digitais; videoclipes. Abstract: Vincent Morisset directed three interactive video clips for the Arcade Fire, Neon Bible (2007), Sprawl II (2010) and Just a Reflektor (2013); andalso the interactive movies, BlaBla (2012) and Way to Go (2015). In this interview the director delves into the production processes of these works, discusses their political participation for the recognition of digital narratives as an autonomously by the Canadian government, talks about the use of various terms to name this type of narrative, among other topics. The interview is part of the dissertation “Music, audiovisual and interactivity: a study of interactive music video from the Arcade Fire”, held in July 2015, through the Universidade Federal de Juiz de Fora. Key words: Vincent Morisset; digital narratives; music videos. ___________________________________________________

Entrevista concedida ao vivo no dia 19/11/2015, em Montreal, no Canadá. Vincent Morisset é diretor canadense e fundador da produtora Aatooa. Morisset dirigiu grande parte dos clipes interativos da banda Arcade Fire e tem realizado diversos trabalhos que envolvem narrativas digitais. 3 Elisa Maria Rodrigues Barboza é mestre em Artes, Cultura e Linguagens pela Universidade Federal de Juiz de fora, possui graduação em Publicidade e Propaganda pela PUC Minas, tem experiência como educadora, fotógrafa e realizadora de projetos audiovisuais.

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ENTREVISTA

Vincent Morisset e Arcade Fire: destrinchando as narrativas digitais - com Vincent Morisset Elisa Maria Rodrigues Barboza

1. Vincent, você dirigiu três videoclipes interati-

vamos olhando algumas premissas tecnológicas

vos para o Arcade Fire: Neon Bible (2007), Sprawl

interessantes de internet e como nós podería-

II (2010) e finalmente Just a Reflektor (2013).

mos usar essas novas possibilidades para contar

Então, eu não dirigi de fato mas Mirror Noir, a

histórias e esse era o objetivo e então isso estava

parte interativa, ah! Mirror Noir não, Black Mirror.

realmente aberto e então nós...

Black Mirror também é outro que eu fiz. 4. E como isso aconteceu? Aaron veio até você 2. Ok, eu acho que é o mesmo, Neon Bible (2007)

ou ...?

e Black Mirror, não?

Nós nos conhecemos alguns anos atrás em Bar-

Não, é diferente.

celona, na OFFF, e eu conhecia o trabalho dele. Ele tinha feito o The Johnny Cash Project, Ra-

3. Os dois primeiros foram produzidos princi-

diohead... E eu tinha feito o Neon Bible, Sprawl

palmente pelo AATOAA [produtora criada pelo

II e Blabla.

próprio Vincent Morisset] e o último por meio de uma parceria com o Google Creative Lab.

5. Mas vocês tinham alguma conexão antes dis-

Houve alguma diferença no modo de produção

so, antes do clipe Reflektor?

para esses videoclipes? Considerando o proces-

Não, nós nunca nos conhecemos antes disso.

so criativo, o acesso à tecnologia, o fluxo de tra-

Então, nos conhecemos e prometemos um ao

balho, ou algo que você gostaria de destacar?

outro “vamos trabalhar juntos” e então nós tro-

Não. O mesmo. Reflektor (2013) é... Quase tudo

camos ideias por dois anos e então eu estava

foi feito aqui [em Montreal]. O Google principal-

pronto para dizer: “vamos fazer isso!”. E então

mente financiou o projeto, mas toda a tecnolo-

nós apenas começamos. Ou seja, era apenas

gia foi projetada aqui pelo Édouard [Lanctôt-Be-

esse desejo de trabalhar junto e no começo isso

noit]. O Google fez a sincronização do áudio e

não tinha sequer relação com o Arcade Fire. In-

a página, mas toda a tecnologia foi criada aqui

clusive era algo como “vamos fazer algo juntos!”,

em Montreal pelo nosso pequeno time. Então,

realmente aberto. E por alguma coincidência, o

não há nada de diferente, e nós tivemos a mes-

Arcade Fire estava gravando uma música que en-

ma liberdade criativa. Sim, eles foram apenas...

caixava com a nossa idéia, mas isso não era algo

Quando eu conversei com o Aaron [Koblin, en-

como “vamos fazer um videoclipe para aquela

tão diretor do Google Creative Lab] no começo

canção!”. Foi mais algo do tipo: “Vamos conec-

isso era apenas uma ideia, “vamos...”. Nós está-

tar um telefone com isso e aquilo e então...”.

___________________________________________________

Kasimir Malevich, The Non-Objective World - The Manifesto of Suprematism (New York: Dover Publications. Inc., 2003), 67.

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ENTREVISTA

Vincent Morisset e Arcade Fire: destrinchando as narrativas digitais - com Vincent Morisset Elisa Maria Rodrigues Barboza

6. Então, a ideia veio antes... Antes da música, antes de qualquer coisa. Nós

8. Você vê alguma diferença entre os três ter-

queríamos contar, fazer um filme com atores.

mos: digital storytelling, narrativas digitais, ou

Não tinha relação nenhuma com o Arcade Fire

vídeo interativo? Se sim, qual?

no início, foi apenas uma curiosa sincronicidade.

Não sei. Para mim eles são apenas palavras que rasgam palavras para tentar definir um meio,

7. É comum se referir a qualquer tipo de narrati-

mas sabe, no presente momento estamos em-

va na internet como interativa, mesmo com um

polgados sobre o aspecto narrativo, agora tudo

nível bem baixo de interatividade. O que signifi-

é sobre storytellers e storytellying mas eu acho

ca que algo é interativo para você? O que você

que basicamente... Eu me esforço, como você

procura quando está criando uma peça intera-

também, para definir... Em francês, no momen-

tiva?

to, o que usamos é “nouvelles écritures”.

Como você disse, eu acho que a palavra tem sido usada tão frequentemente e para tudo

9. ...“Novas escrituras”, “new writings”?

que ela perdeu um pouco da sua essência. Para

Sim, mas em inglês não corresponde tão bem...

mim, é o modo como o espectador se relaciona

Não sei, é aquele sentido de, não sei... Uma pro-

com a peça e como elas se conectam. Então, a

posição do ser humano de juntar uma coisa a

ideia não é necessariamente criar infinitas pos-

outra, mas, novamente, não é algo que vai en-

sibilidades. É mais no sentido de ser essa pon-

velhecer bem, mas estamos apenas tentando

te invisível entre nós mesmos, nossas ações e a

desviar do transmídia ou interativo “dâ dâ dâ...”.

peça se desdobrando na nossa frente. Então, é

Eu acho que o que eu faço são filmes interativos,

aquela tensão entre o espectador e o que nós

o que eu faço, eu mesmo; mas eu tenho outros

apresentamos na frente dele. Para mim, isso é

colegas que fazem peças que não podem real-

o que eu relaciono com interatividade. Esse mo-

mente ser definidas com esse termo. É algo mais

mento quando o espectador faz algo e existe um

baseado no formato instalação, ou mais net art,

eco ou reação disso. Mas em um sentido amplo,

que não usam vídeo. O que eu faço é combinar

qualquer coisa que não é cem por cento linear,

gramática cinematográfica e aproveitar o com-

tecnicamente é interativo.

putador, usando-os para fazer uma articulação

Então, eu acho que eu tento não classificar o

diferente. Mas, são filmes interativos, eu acho.

que eu faço como apenas pura interatividade.

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É interativo, mas, bem, não sei... Algumas vezes

10. Você acha que deve ter um sentido, quero di-

eu prefiro dizer que é web-amigável ou qualquer

zer, a peça como um todo, no final... Quando se

outro termo apenas para deixar isso bem.

fala sobre cinema, por exemplo, se tem um co-

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ENTREVISTA

Vincent Morisset e Arcade Fire: destrinchando as narrativas digitais - com Vincent Morisset Elisa Maria Rodrigues Barboza

meço, um meio e um fim, mesmo que às vezes

passos para esse tipo de narrativa? Como você

eles estejam misturados. Você acha que para os

vê esse tipo de narrativa no futuro? Não apenas

seus processos, isso tem que funcionar nesse

quanto ao formato, mas também sobre o efeito

formato, ou não?

que ele tem na vida das pessoas...

Essa questão sobre o filme foi desenhada desse

Frequentemente escuto essa pergunta sobre o

modo um pouco por causa da limitação física.

futuro e eu não gosto de me projetar dentro do

Você tinha que colocar em uma fita, no filme,

“qual é o próximo passo” e acredito que ter esse

que tinha aquele diâmetro específico e você não

tipo de perspectiva aliena um pouco a criativida-

podia colocar mais de duas horas em um pro-

de e o meio. Todo mundo fica discutindo “o que

jetor. Então, muitas coisas eram..., quer dizer,

vem a seguir?” e estamos constantemente pro-

o jeito como contamos uma história era dessa

curando por “oh, qual é o futuro?”, e para mim

maneira devido ao aspecto físico. Um álbum é

isso cria muito ruído. Então eu prefiro dizer:

sessenta minutos, um vinil tinha sessenta mi-

“Ok, qual é nossa tela, 2014, nós temos esse con-

nutos de duração apenas devido à fisicalidade

junto de tecnologia, o que podemos fazer com

dele. Para nós agora, essas coisas mudam, para

elas? Vamos aprender sobre o que temos feito

o novo projeto [Way to go, 2014], o fim é não ter

nos últimos dez anos...”. O que eu fiz em Neon

fim. Você pode continuar sem fim, por dias se

Bible, Sprawll II, Reflektor e BlaBla... Nós tenta-

quiser, ele é apenas gerado, ou você pode pa-

mos diversas coisas e cometemos muitos erros

rar depois de trinta segundos da última cena,

enquanto trabalhávamos duro neles e apren-

e está tudo bem. Se você é alguém ocupado...

demos muito com eles, vamos fazer algo agora.

Então apenas depende da ideia de que o tempo

Então, estou realmente no momento atual e não

é elástico e muda. Todo aspecto, eu acho que

tentando estar em uma bola de cristal olhando

existe algo que você tem umas história sobre...

para o que vem a seguir. Eu acho que é algo que

Não sei... Storytelling... E tem algo de confortável

nossa comunidade fica obsecada e algumas ve-

em jogar com esses códigos, mas algumas vezes

zes isso é contra-produtivo porque todo mundo

também é empolgante brincar e subvertê-los.

pensa “Oh, ok, isso é tão 2012, vamos...”. Não é

Mas, nós temos ainda, uma centena, um milênio

algo em você. Algumas vezes estamos em sin-

de anos de tradição, então, é aquela tensão en-

cronicidade com nosso tempo, no momento,

tre tradição e inovação.

estamos desenvolvendo um projeto que é com óculos V.R. [realidade virtual]. Mas quando pen-

11. Alguns esforços têm sido desenvolvidos e

samos sobre isso três anos atrás o aparelho nem

implementados dentro das narrativas digitais,

mesmo existia. Mas isso apenas aconteceu que

você consegue imaginar quais são os próximos

nós estamos em fase com a tecnologia de hoje.

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ENTREVISTA

Vincent Morisset e Arcade Fire: destrinchando as narrativas digitais - com Vincent Morisset Elisa Maria Rodrigues Barboza

Mas algumas vezes fazemos coisas que estão

como criamos um contraste entre nosso mundo

usando tecnologias velhas... Então esse é o meu

e algo realmente diferente como o Haiti por ins-

real senso sobre futuro.

tância. Então, acho que todos eles dizem, todos eles apresentam mundos, sim, eles são narrati-

12. Você assinou o Manifesto de Digital Story-

vas, de modo modesto.

telling de Quebec. Você acha que os videocli-

O manifesto foi... Eu aproximei um grupo de

pes que fez para o Arcade Fire se aproximam de

pessoas...

storytellings digitais? Se sim, de qual maneira você acha que os clipes se aproximam dos story-

13. Todas daqui (Quebec, Canadá), certo?

tellings e/ou narrativas?

Certo.

Acredito, de maneira modesta, que eles estão

... Para sensibilizar o governo daqui a dar supor-

contando pequenas histórias, como, videocli-

te aos artistas como nós porque somos um ni-

pes, não sei... Os clipes musicais criam um uni-

cho de mídia que não é realmente reconhecido,

verso, a música, o contexto, criam uma espécie

por exemplo, você tem filme, televisão, rádio, li-

de extensão visual do álbum, especialmente

vros, teatro, mas narrativas digitais ou qualquer

hoje, uma vez que quase ninguém possui mais

coisa do tipo, nós não realmente existimos, nós

discos físicos. Então, os videoclipes, o site, estão

estamos no meio disso tudo mas não somos re-

todos se tornando uma espécie de trabalho ar-

conhecidos como uma mídia específica. Então

tístico, portanto, para mim, eu vejo essas coisas

nós queremos definir nós mesmos e pedir ao

como se elas fizessem esse papel. Então, não

governo para que ele diga “nós existimos, pre-

sei... Neon Bible foi mais como um velho Méliès,

cisamos de programa de suporte para a nossa

um estranho mágico experimental mas não real-

prática” e adaptar a prática tradicional.

mente uma história por ela mesmo mas mais um

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tipo de humor, tipo um esquisito “Woah, o que

14. Está funcionando?

está acontecendo? Eu clico, tem coisas acon-

Sim, sim... Está progredindo muito bem. Sou

tecendo, wah...”. Sprawl II foi... Régine foi como

parte de um conselho agora, é lento, é governo...

uma protagonista, presa nos subúrbios ecoando

Mas ainda tem etapas... A líder dessa parte da

a letra da canção, e em Reflektor nós empurra-

cultura era a líder do NFB [National Film Board]

mos a história para o uso da interatividade como

antes, então ela sabe, ela foi uma das produ-

parte da mensagem e como a música fala sobre

toras do BlaBla, então ela entende essa mídia.

nossa idade narcisista na qual constantemente

Então, são boas etapas... Vai levar um tempo,

tiramos selfies de nós mesmos, como conecta-

mas é realmente importante que... Instituições,

mos com os outros, como a outra realidade e

o público e todo mundo mude o modo como

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eles vêem isso. Não é apenas algo tecnológico

zir um clipe interativo partiu desde o começo?

geek. É apenas um outro modo de conectar as

Como aconteceu esse primeiro contato?

pessoas e contar histórias e principalmente nes-

Eles são meus amigos, eu conheço eles desde

ses dias que consumimos tudo por meio dessa

sempre. Quando nós tínhamos dezesseis anos,

plataforma, então... Ela nos dá oportunidades,

eles começaram com a banda e me pergunta-

novas possibilidades, nós podemos aproveitar

ram se eu estava interessado em fazer o site para

disso ou não, elas estão lá... Apenas para ser

eles, então eu fiz aquele site marrom, não sei se

normal.

você se lembra, mas era um pouco como Monty Python... Nós nos divertimos bastante apenas

15. Você está conectado com as pessoas que es-

desenvolvendo as coisas e esse era um momen-

tão produzindo aqui, quero dizer, produzindo

to no qual a indústria musical estava mudando.

coisas juntos, ou apenas para esse Manifesto?

Blogs estavam começando com as transmissões

Parece, mas não sou... Hugues [Hugues Swee-

e as pessoas estavam começando a ter e escutar

ney, presidente do conselho dos diretores] é

música nas plataformas digitais. Isso foi bem no

meu produtor, ele foi um dos que fizeram par-

momento no qual estava acontecendo essa mu-

te do Manifesto, Pierre Mathieu, meu parceiro

dança na indústria e tudo tinha que ser desco-

de outra vida, nós tínhamos um estúdio juntos,

berto e nós estávamos dessa maneira... Bem low

são aspectos comuns. Ainda é pequena a comu-

fi, apenas fazendo as coisas. Nós fizemos o site,

nidade, mas somos pessoas com pensamentos

apenas com coisas grosseiras experimentais,

parecidos que estão fazendo e compartilhando

mas divertidas e então eles me perguntaram se

o mesmo desafio e experimentando tudo de

eu queria acompanhá-los em uma turnê fazendo

maneira diferente, mas nos conectamos através

fotos e arquivo, tirar fotos, fazer a visualidade, e

desses pontos, nós tentamos ter em vista esses

então quando eles lançaram o Neon Bible eles...

dez pontos do Manifesto... Nós existimos, so-

Nós continuamos, fizemos outro site, com todo

mos diferentes dos outros, mas, ao mesmo tem-

tipo de coisinhas estranhas e eles me pergunta-

po, somos parte dessa grande família cultural,

ram se eu tinha interesse em fazer o videoclipe

então...

para a música e então eu pensei... Era um tempo em que a MTV estava quebrando, mas não

16. Você e o Arcade Fire tem Montreal como

realmente quebrando é a palavra... mudando,

sede. O primeiro contato para o videoclipe de

clipes por reality shows, então eu colocaria muito

Neon Bible foi motivado pelo seu desejo de pro-

esforço e eles colocariam muito dinheiro no cli-

duzir um clipe interativo ou a banda convidou

pe e ele não passaria na televisão. Naquele mo-

você para fazer esse trabalho? A ideia de produ-

mento, o YouTube ainda era realmente pequeno

set 2015 | REVISTA MOVIMENTO

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ENTREVISTA

Vincent Morisset e Arcade Fire: destrinchando as narrativas digitais - com Vincent Morisset Elisa Maria Rodrigues Barboza

e ruim, então pensei: “Todo esse trabalho para

as pessoas entramos nela, nessa experiência e

algo minúsculo...”. Foi algo realmente pragmá-

é algo que eu tenho que estar pressionando e

tico... “Por que não aproveitar as vantagens da

lutando para ter reconhecimento. Também, essa

plataforma e apresentar um clipe de modo dife-

noção de autoria eu é que fui um dos primeiros

rente”, e eu aprendi como programar...

a dizer ‘Oh, projeto por Vincent Morisset’, mas isso não era algo muito comum em meados de

17. Nesse momento você aprendeu a progra-

2000, era mais como anônimo ou assinado por

mar...

um estúdio ou empresas, mas algo feito por um

Não, antes disso, eu fazia cinema na universida-

indivíduo, como ‘dirigido por’, era algo bastante

de, eu estava lá e eles estavam abrindo um novo

incomum. Algo bastante reforçado no Manifesto

programa chamado multimídia. Eu fui para ele

foi também sobre isso. Vamos reforçar a voz do

um pouco por acidente, eu aprendi a programar,

artista, assinaturas de pessoas que não tem vi-

a trabalhar com todos os softwares como Pho-

são nessa proposta, algo... Quando nós projeta-

toshop, After Effects, animar. Eu fazia um pouco

mos e escrevemos esses experimentos, nós ten-

de tudo, era uma espécie de generalista, mas eu

tamos... Todos mundo é realmente diferente...

sabia programar e conhecia o Flash, eu poderia

Por exemplo, o modo como eles... algumas pes-

gravar e programar as coisas. Foi algo realmen-

soas são hiperativas, ou outras pessoas são mais

te pragmático. Ninguém pensava “Claro, vamos

contemplativas, é a natureza, as pessoas são di-

fazer isso!”.

ferentes, mas ao mesmo tempo e dependendo do referencial cultural da idade... Por exemplo,

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18. Como você vê o papel da pessoa que inte-

a minha mãe, não interage do mesmo jeito que

rage com os seus videoclipes? Você acha que

o meu sobrinho de seis anos, mas ainda existem

eles participam como co-autores no trabalho?

algumas regras comuns, como... Você está sem-

Como você vê a autoria nesse tipo de trabalho?

pre um pouco assustado ou desconfiado com as

E quanto ao processo de produção, como você

coisas que não conhece, então, tem essa curva

concebe o papel das pessoas que irão interagir

de quando você não sabe, você apenas clica e

com o videoclipe?

descobre o que é e então tem um outro momen-

Eu não os considero como co-autores no que eu

to para você “Uh! Você está super empolgado...”

faço. Existe uma premissa, existe uma progres-

para avaliar os limites do quadro da sua areia no

são nisso e eles, você sabe... É um pouco como

parquinho e então você se reapropria dela. É um

dançar ou jogar com Kite [surf], o vento sopra e

design de reapropriação para fazer isso algo pró-

você se equilibra com ele. Então, para mim, tal

prio. Então existe essa espécie de tensão, mas

como a proposição, a autoria é minha - nós e

as pessoas ainda gostam de ser guiadas pelas

REVISTA MOVIMENTO | set 2015


ENTREVISTA

Vincent Morisset e Arcade Fire: destrinchando as narrativas digitais - com Vincent Morisset Elisa Maria Rodrigues Barboza

mãos, em uma espécie de tensão “Ei, nós esta-

cies de pilares, que são como pontos de partida

mos indo em...”. Estou contando uma história e

e é importante que isso se conecte fortemente

estamos indo lá mas ao mesmo tempo as pes-

com o álbum, e esse é o primeiro passo. Nunca

soas não tem aquele sentido de controle, esta-

é assim “Oh! Isso vai provocar buzz...”, eu acho

mos sempre tentando balancear e dar a ilusão

que internet é algo que você não pode... Você

de que algo está vivo ou aberto e não sentir que

não deveria tentar ser viral. Tem algo como, você

o computador está por trás. Estamos trabalhan-

sente isso, quando as pessoas tentam isso. Para

do bastante para dar variações que provoquem

mim, eu acredito de verdade em apenas fazer

a sensação de que algo está vivo, que baseiam a

algo que seja genuíno e divertido e as pessoas

história em comportamentos e programação é

irão gostar. Nós estamos tentando fazer algo

baseado nisso.

que é significativo e que as pessoas irão gostar e nós colocamos muito amor e energia nisso,

19. O videoclipe é um formato com caracterís-

mas não é uma estratégia de marketing. É mais

ticas fortemente comerciais. No caso do Arca-

assim, “vamos fazer um bom produto!” e se as

de Fire, parece que eles têm um interesse, ao

pessoas gostarem, elas compartilharão, o que é

mesmo tempo, em explorar os novos meios de

bom para a gente. Mas a parte mais importante

modo criativo e também o seu potencial em

é fazer algo que nos deixe satisfeitos, que fica-

criar novas e consistentes maneiras de alcançar

remos orgulhosos de conectar artisticamente

seus fãs. Por outro lado, eles aparecem também

com o álbum. Uma vez que somos próximos da

com vídeos que são bastante relacionados com

banda, essa troca é fácil e começamos desde o

o conceito do álbum deles. Quando eles con-

princípio; então eles estavam ainda gravando o

tratam o seu serviço, o que importa mais para

álbum quando nós ouvimos a primeira música e

você? Estar alinhado com o conceito e aberto

pudemos trocar ideias... “Vamos fazer algo que

para algum nível de experimentação ou produ-

se desenvolve organicamente”.

zir algo que possa gerar um buzz com o objetivo de ter algum impacto na mídia? Ambos? Como

20. As narrativas digitais estão apenas no seu

você concilia isso? Essa é uma questão durante

começo se compararmos com outros tipos de

o processo de criação?

narrativas, por exemplo, o cinema. Como você

Quando Carol [Caroline Robert] e eu discuti-

procura por referências para inspirar o seu tra-

mos com a banda, eles têm uma premissa do ál-

balho e quais ou quem são elas?

bum, por exemplo: “Esse álbum é influenciado

Eu acho que depende muito. Como você mes-

por isso e aquilo...”. O último álbum era sobre

ma disse, você vai buscando coisas no cinema,

o Haiti, o mito de Orfeu, eles têm essas espé-

nas artes, ou apenas coisas realmente básicas

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ENTREVISTA

Vincent Morisset e Arcade Fire: destrinchando as narrativas digitais - com Vincent Morisset Elisa Maria Rodrigues Barboza

da vida. O novo projeto tem inspiração principalmente em uma caminhada na floresta e nos videogames. Essas foram as duas principais inspirações, então, algumas vezes isso não é necessariamente um trabalho, é mais um sentimento, uma experiência que você teve e o dia a dia. Para Reflektor foi mais “Ok! Traga a diversão de apenas jogar com as luzes ou com os bonecos de sombra”, algo bem ótico e tangível. Então, às vezes, a inspiração vem de coisas reais porque a interatividade retoma essa visceralidade, sentimentos verdadeiramente primitivos. Nós jogamos com a tela e botões, mas como podemos trazer experiências que tivemos no nosso dia a dia?

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ENTREVISTA

Norman McLaren, pixilation e a animação brasileira - com Marcos Magalhães Marina Teixeira Kerber

Norman McLaren, pixilation e a animação brasileira1 Entrevista com Marcos Magalhães2 Marina Teixeira Kerber3 Universidade de São Paulo

Resumo: Entrevista com o cineasta e professor de animação Marcos Magalhães. O entrevistado fala sobre a experiência de estágio na National Film Board of Canada, o contato com o animador Norman McLaren, a criação do festival Anima Mundi, o uso da técnica de pixilation e a influência da animação canadense na história da animação brasileira. Palavras-chave: animação; pixilation; Norman McLaren; Canadá; Brasil.

Abstract: Interview with filmmaker and professor of animation Marcos Magalhães. He tells about his treinee experience at National Film Board of Canada, the contact with the animator Norman McLaren, the creation of Anima Mundi Festival, the use of pixilation technique and the influences of canadian animation in the history of brazilian animation. Key words: animation, pixilation; Norman McLaren, Canada; Brazil.

___________________________________________________

Entrevista concedida via email no dia 4 de maio de 2015. Cineasta de animação autor de “Meow!” (Prêmio do Júri em Cannes), “Animando” (filmado no National Film Board of Canada) e do “Ratinho de massinha” do Castelo Ra-tim-bum. Um dos 4 diretores do Anima Mundi, é também Professor Pleno de Animação do Curso de Design da PUC-Rio. (Informação retirada do site oficial do ANIMAMUNDI: http://www. animamundi.com.br/quem-somos/. Acesso em 16 de agosto de 2015). 3 Mestranda em Meios e Processos Audiovisuais na Universidade de São Paulo (USP). 1

2

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ENTREVISTA

Norman McLaren, pixilation e a animação brasileira - com Marcos Magalhães Marina Teixeira Kerber

1. Como foi o contato com Norman McLaren du-

sente na entrevista. Grant destacou a diferença

rante seu estágio no National Film Board of Ca-

desta técnica de animação para outras que exi-

nada na década de 1980?

gem um grande tempo de preparação e detalha-

Como muitos outros animadores brasileiros,

mento, permitindo um fluxo mais livre de ideias

sempre admirei os filmes de Norman Mclaren

(o que teria acontecido durante a realização de

e do National Film Board, que assistia graças

“Vizinhos”).

à filmoteca do consulado canadense que cedia gratuitamente as cópias em 16mm para escolas

3. Quando você retornou ao Brasil, após sua es-

e cineclubes. Conhecê-lo pessoalmente e trocar

tadia no National Film Board of Canada, você,

ideias com ele durante meu estágio no NFB de

Aída Queiroz, César Coelho e Léa Zagury cria-

outubro de 1981 a março de 1982 foi uma ex-

ram o Anima Mundi, um dos festivais de anima-

periência fantasticamente rica, da qual guardo

ção mais importantes do mundo. Em sua opi-

lembranças vivas até hoje. Ele já estava aposen-

nião, qual a influência da animação canadense

tado, mas terminava a edição de seu último fil-

na animação brasileira?

me, “Narcissus”. McLaren confirmou para mim

Norman McLaren e o NFB realmente têm esta

a imagem que transmite em sua obra, de uma

participação histórica na formação de uma boa

pessoa extremamente sensível e simples, aces-

parte dos animadores brasileiros. A criatividade,

sível, generosa e transparente na sua relação

a engenhosidade tecnológica e a espontaneida-

com a arte e com as pessoas.

de dos filmes de McLaren influenciaram animadores do mundo todo. Isso foi facilitado através

86

2. Norman McLaren lhe falou alguma coisa so-

da difusão feita pelas filmotecas dos consulados

bre os filmes que ele fez utilizando pixilation? Se

canadenses, e pelo intercâmbio aberto esponta-

sim, por favor, escreva sobre.

neamente nos anos 1960 por cineastas como

Numa entrevista que fiz com ele em 1986, ao

Roberto Miller, que também assumiu sua grande

voltar ao NFB para mostrar os filmes resultan-

influência por parte de McLaren, com quem se

tes da primeira turma do acordo Brasil-Canadá,

correspondia. Após o meu estágio, surgiu o inte-

perguntei que filme de sua obra era o seu pre-

resse oficial dos governos brasileiro e canadense

ferido. Ele me respondeu mencionando “Vizi-

em intensificar o intercâmbio cultural através da

nhos”, tanto pela mensagem social clara quanto

animação, e foi criado o primeiro programa ofi-

pela leveza da técnica de pixilation, que permi-

cial de formação de profissionais de animação

tia uma grande espontaneidade na filmagem.

no Brasil, programa que ajudei a formular. Fui o

Grant Munro, seu parceiro em muitos filmes e

coordenador do Núcleo de Animação do CTAv

um dos atores deste filme, estava também pre-

de 1985 a 1987 e Aida, Cesar e Lea foram meus

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ENTREVISTA

Norman McLaren, pixilation e a animação brasileira - com Marcos Magalhães Marina Teixeira Kerber

alunos com mais outros seis animadores sele-

e comunicativa a pixilation para expressar uma

cionados em todo o país para este curso com

crítica sarcástica à burocracia e à automatização

animadores canadenses (Jean-Thomas Bédard

do trabalho.

e Pierre Veilleux) e eu. O Anima Mundi foi criado seis anos após o fim do programa, em 1993. A

6. Qual a sua experiência com a técnica de ani-

primeira edição incluiu, é claro, uma retrospec-

mação pixilation?

tiva de animações canadenses.

Já a empreguei em diversos trabalhos experimentais e até em raros trabalhos de publicida-

4. Você conhece algum centro de pesquisa no

de que fiz, como as vinhetas que divulgavam

Brasil ou no exterior que estude o trabalho de

o projeto de apoio ao cinema do antigo Banco

Norman McLaren ou que estude a técnica de

Nacional.

animação pixilation?

O meu único curta em que usei a pixilation (em

O NFB comemorou ano passado o centenário

todas as suas cenas filmadas ao vivo) é o “Ani-

de McLaren com uma série de atividades, e con-

mando”. A pixilation me permitiu fazer truques

tinua sendo a melhor fonte de informação sobre

como segurar desenhos que se movimentam ou

ele. Sobre a pixilation, não conheço um local que

caminhar de maneira idêntica ao meu persona-

estude especificamente esta técnica, mas ela

gem no final do filme.

costuma despertar interesse por quem pesquisa

Também em meu curta mais recente, “Doutor,

técnicas de animação. Muitos de meus alunos

meu filho é animador”, o animador argentino

da matéria “História da Animação”, que leciono

Juan-Pablo Zaramella participa com uma genial

na PUC-Rio, escolhem este tema para seus tra-

cena feita com pixilation.

balhos finais. 7. O seu curta “Animando” realizado durante 5. A produção brasileira em pixilation é bastan-

sua estadia na National Film Board of Canada

te esparsa, sendo usada muito no meio publi-

faz uso de varias técnicas de animação. Durante

citário ou de videoclipes. Você poderia citar e

minha pesquisa revi este filme algumas vezes e

comentar alguns trabalhos feitos no Brasil que

tenho a sensação de que ele pode ser uma res-

usem esta técnica no cinema?

posta para a pergunta “o que é animação?”. Na

No festival Anima Mundi recebemos muitos fil-

minha pesquisa, eu utilizo o conceito de que

mes brasileiros que incluem esta técnica, mas

animação não é gênero e sim um conjunto de

poucos são feitos usando-a exclusivamente. Um

técnicas. Você concorda com isso? O que é ani-

filme que me recordo bem é “L.E.R.”, de João

mação para você?

Angelini, de 2007, que explora de forma criativa

Para mim a animação é uma linguagem, uma

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ENTREVISTA

Norman McLaren, pixilation e a animação brasileira - com Marcos Magalhães Marina Teixeira Kerber

forma de comunicação que é inerente à mente

Na pixilation, a diferença básica e essencial é

humana (que está o tempo todo processando

que estes bonecos e objetos são substituídos

imagens), mas só se tornou possível de exercitar

por pessoas vivas. O que cria o efeito especial

em larga escala quando as tecnologias de comu-

da técnica, onde os seres humanos se compor-

nicação audiovisual (começando pelo próprio

tam de maneira estranha, como se estivessem

cinema, no final do século XIX) começaram a se

enfeitiçados (pixelated)...

popularizar. O cinema é apenas uma das formas mais automatizadas de se usar a linguagem da

9. Segundo Alberto Lucena Barbosa Júnior (2005,

animação, pois registra o tempo das cenas de

p. 934) o termo pixilation foi criado pelo animador

forma mecanizada na maioria das vezes, utili-

escocês, radicado no Canadá, Norman McLaren.

zando a fotografia.

Entretanto, segundo The Canadian Encyclopedia,

A linguagem da animação se baseia na criação

no verbete sobre Grant Munro5, animador cana-

(através da ilusão do movimento) de tempos

dense que trabalhou com McLaren em diversos

diferentes e não necessariamente relacionados

filmes, pixilation é “[...] uma palavra que Munro

com a realidade em que vivemos. Estes tempos

disse ter inventado, apesar de alguns darem cré-

podem ser sintetizados a partir de diversas e in-

dito a McLaren.”. Como você teve contato com

finitas técnicas. E, é claro, abordar infinitos gê-

Norman McLaren, qual versão você acredita ser

neros, temas, assuntos, sem qualquer restrição

a mais correta?

de ordem física. Como fazemos com nossos so-

McLaren e Munro eram muito amigos e se admi-

nhos e com nossos pensamentos...

ravam mutuamente (Munro ainda está vivo no momento em que escrevo). Eu testemunhei du-

8. Você enxerga diferença entre pixilation e stop

rante meu estágio alguns momentos interessan-

motion? Se sim, qual seria?

tes entre os dois, quando me contavam histórias

Em tese, todas as técnicas de animação são stop

sobre suas carreiras e discutiam amigavelmente

motion, pois se baseiam sempre em uma suces-

sobre quem teria feito o que em cada filme que

são de imagens fixas que constroem uma ilusão

fizeram juntos. Norman McLaren também não

de movimento. Mas na indústria a expressão

era pessoa de se importar com autorias e vai-

stop motion tem sido ultimamente mais usada

dades. Acredito que Grant possa estar certo, o

para a animação feita com bonecos e objetos

nome que vem do verbo pouco usado em inglês

reais (que em Portugal e na França é chamada

pixilate (significando enfeitiçar, eletrizar) pode

de animação de “volumes”).

muito bem ter sido criação dele, durante o entu-

___________________________________________________ 4 5

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BARBOSA JR., Alberto L. Arte da Animação: Técnica e Estética Através da História. 1ª. ed. São Paulo: Senac SP, 2002. http://www.thecanadianencyclopedia.ca/en/article/grant-munro/ Acesso em 20 de julho de 2014.

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ENTREVISTA

Norman McLaren, pixilation e a animação brasileira - com Marcos Magalhães Marina Teixeira Kerber

siasmo da descoberta da nova técnica em filmes

batizados como pixilations.

como “On the Farm”.

Para mim o que torna a pixilation tão mágica e atraente é o fato de seu princípio ser tão simples

10. Em minha pesquisa, traço relações entre pi-

e engenhoso, permitindo truques com o corpo

xilation e o período chamado “pré-cinema” com

humano que sempre encantam o público.

o surgimento de diversos aparelhos pré-cinematógrafo e também com o early cinema com

11. Em minha pesquisa de mestrado eu destaco

destaque para os trabalhos de mágicos como

os animadores Norman McLaren e Jan Svankma-

Georges Méliès. Acredito que a magia do pixila-

jer. Se possível, trace comentários sobre os tra-

tion seja descendente da dos trickfilms6 de dire-

balhos dos dois, como o filme “Vizinhos”, de

tores como Méliès. Como você encara a técnica

McLaren e “Comida”, de Svankmajer.

pixilation? Em sua opinião, o que a torna mágica

Sim, concordo que Svankmajer é outro autor

e interessante?

que foi ainda mais longe com as possibilidades

Acho que em termos de linguagem ela pode ter

expressivas do stop motion e da pixilation. No en-

alguma relação com a magia dos filmes de Mé-

tanto, em filmes como “Comida”, os seres vivos

liès, mas tecnicamente é totalmente diferente.

são eventualmente substituídos por bonecos

Méliès nunca criou um filme quadro-a-quadro,

em escala humana em stop motion, para criar

considero que ele é o precursor dos efeitos es-

efeitos ainda mais fantasiosos e surreais.

peciais, mas não da animação. Ele usava truca-

Em “Vizinhos”, McLaren conseguiu criar efei-

gens como paradas de câmera e superposições

tos poderosos utilizando exclusivamente atores

óticas de imagem no negativo, mas filmava sem-

reais filmados quadro-a-quadro.

pre com a velocidade contínua da câmera. A pixilation nasceu a partir da ideia do stop motion dos

12. Norman McLaren fala que “Animação não é

primeiros cineastas como James Stuart Blackton

a arte de desenhos que se movem, mas a arte de

e seu “Haunted Hotel”. Se seres humanos foram

movimentos que são desenhados. O que acon-

eventualmente filmados quadro-a-quadro nes-

tece entre cada frame é mais importante do

tes filmes (como acontece em alguns filmes de

que o que acontece em cada frame. (MCLAREN

Emile Cohl e Hans Richter), tecnicamente isso

apud WELLS, 1998, p. 10, tradução nossa) 7 ".

já seria pixilation – mas só McLaren e Munro se

Para você, o que há entre cada frame?

aprofundaram para explorar de forma definitiva

Concordo inteiramente e repito sempre esta

e especial este efeito em seus filmes, já então

frase para os meus alunos. O que há entre cada

___________________________________________________

“(filme de efeitos), do qual o cineasta francês Georges Méliès foi o grande precursor. Para ele, o cinema se constituía num espetáculo de magia e, para tanto, tirava proveito de todas as trucagens ao seu alcance.” (BARBOSA JR., 2005, p. 41) 7 WELLS, Paul. Understanding animation. 1. ed. Londres: Routledge, 1998. 6

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ENTREVISTA

Norman McLaren, pixilation e a animação brasileira - com Marcos Magalhães Marina Teixeira Kerber

frame é o mistério mais fascinante, que só o animador pode descobrir, ao fazer seus filmes. Construímos as mais incríveis e trabalhosas imagens (ou não...) que existem “dentro” de cada frame apenas para podermos experimentar esta mudança entre cada um deles, que é o que cria tempos e movimentos e nos realiza como autores e comunicadores com o nosso público. Em técnicas como a pintura no vidro ou animação com areia, as imagens em si desaparecem ao longo do trabalho – só se eterniza a animação. Este mistério é a única coisa que motiva os animadores a empregarem um grande tempo de suas vidas para realizar apenas alguns segundos, minutos ou quando muito algumas horas em filmes de animação, que, no entanto, permanecerão para sempre...

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POÉTICAS

Autorretrato com duração e sons variáveis III Viviane Vallades

Autorretrato com duração e sons variáveis III1 instalação audiovisual - duração variável / SP, Brasil Viviane Vallades2 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Autorretrato com duração e sons variáveis III, faz parte de uma série na qual pesquiso a relação do corpo com a câmera e diferentes possibilidades de exibição das imagens em movimento captadas nessa relação. Pesquiso assim formas de exibição das imagens em movimento diferentes da tela única e retangular tradicional da sala de cinema ou monitor de TV, como a projeção de imagens sobre telas de gelo, telas perfuradas, espelhos, para ampliar os efeitos metafóricos, conceituais das obras que desenvolvo. Conceitos de efemeridade e de duração são as temáticas principais do trabalho que estou apresentando. Esses conceitos estão metaforicamente na série pelo uso de exibição de meus autorretratos projetados em telas de gelo e também por ser um work in progress iniciado em 2011 no qual pretendo dar continuidade no decorrer de minha vida. A água congelada (tela de gelo) que derrete, deforma o que é projetado (autorretrato) é uma metáfora para a relação do corpo com o mundo, sua efemeridade e sua transformação no decorrer do tempo (tanto física quanto psicológica). Descrição da série: Esta série é composta de autorretratos captados em vídeo e projetados sobre uma ou mais telas de gelo. A série, até o momento, compreende quatro obras. As telas são produzidas com água e tinta congelada. Os vídeos ficam projetados em looping até a quebra ou derretimento total das telas. Assim que isso acontece, a projeção é desligada, retxomando-se sua exibição após a troca da (s) tela(s). Os vídeos projetados não tem som. A parte sonora das obras da série acontece ao vivo pelo derretimento das telas de gelo em um recipiente colocado abaixo delas durante a exibição. Os sons ___________________________________________________ 1 Vídeo registro do trabalho. Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=DM1q_-FaQ1s >. Este trabalho foi exibido na Casa do Cactus em 2014. A obra I da série foi exibida no 39° Salão de Arte Contemporânea Luiz Sacilotto (SP), a de número II no 28º Salão Nacional de Artes Plásticas de Embu das Artes e a de número IV foi exibida no 13º Salão de Artes Visuais de Guarulhos no qual recebeu Menção Honrosa. 2 Viviane Vallades é artista plástica formada pela UNESP, mestra em Meios e Processos Audiovisuais na ECA USP com orientação do Prof. Dr. Almir Almas, doutoranda em Artes visuais na ECA USP com orientação do Prof. Dr. Hugo Fernando Salinas Fortes Júnior. Participa em festivais e exposições com seus trabalhos do qual se destacam: FILE- Festival Internacional de Linguagem Eletrônica, XI Bienal do Recôncavo (BA), Marp- Museu de Arte de Ribeirão Preto Pedro Manuel Gismonde, dentre outras.

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POÉTICAS

Autorretrato com duração e sons variáveis III Viviane Vallades

das gotas marcam a passagem do tempo. As apresentações das obras da série de autorretratos por trabalhar com exibição ao vivo nunca são repetidas igualmente. A cada apresentação, a duração da obra, a visualização dos autorretratos e também os sons são diferentes. As telas são produzidas uma a uma, elas passam por um preparo, semelhante ao preparo que o pintor realiza em sua tela para receber tinta, com a diferença de que esta obra recebe uma pintura de luz. Descrição da obra III da série: Esta obra da série é constituída da projeção de meu corpo inteiro e flutuante sobre três telas de gelo. Três vídeos projetam cabeça, tronco e pernas em looping simultaneamente sobre três telas de gelo. A parte sonora acontece ao vivo como relatado na descrição da série.

Figura 1 - Autorretrato com duração e sons variáveis III, ano 2012, instalação audiovisual. Vídeo registro do trabalho disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=DM1q_-FaQ1s>.

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POÉTICAS

A máquina de imitar global de Grosse Fatigue, de Camille Henrot Rita Natálio

A máquina de imitação global de Grosse Fatigue, de Camille Henrot Rita Natálio1 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Resumo: Propomos pensar a obra da artista francesa Camille Henrot (Grosse Fatigue, 2013) por uma lente reticular: como podem as imagens de diferentes contextos culturais e históricos conviver e produzir sentido por sua aproximação rítmica? Este texto é uma tentativa de compreender os processos da atenção contemporâneos imersos em redes sócio-técnicas, das quais não se separam como num grande sono fusional. Grosse Fatigue foi apresentado no contexto do “Il Palazzo Enciclopedico (O Palácio Enciclopédico)” na 55ª Bienal de Veneza de 2013. Palavras-chave: Camille Henrot; imitação; invenção; rede; enciclopedismo rítmico. Abstract: We propose to think, through a reticular lens, the work of the French artist Camille Henrot (Grosse Fatigue, 2013): how can images from different historical and cultural contexts produce new meanings through their rhythmical approach? This paper is an attempt to understand the contemporary processes of attention, immersed in socio-technical networks, from wish they can’t break apart as if they were in a big fusional sleep. Grosse Fatigue was presented in the occasion of “Il Palazzo Enciclopedico (The Encyclopedic Palace)” in the 55th Venice Biennale in 2013. Key words: Camille Henrot; imitation; invention; network; rhythmical encyclopedism.

___________________________________________________ 1 Artista e pesquisadora portuguesa residente em São Paulo desde 2012. Mestre em Psicologia Clínica (Núcleo de Estudos da Subjetividade) da PUC-SP orientada por Prof.Dr Peter Pál Pdlbart e graduada em Artes do Espectáculo Coreográfico na Universidade Paris VIII. Rita Natálio trabalha regulamente com crítica de arte, performance e poesia. O seu último projeto de criação “Museu Encantador” foi apresentado no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (www.museuencantador.com).

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POÉTICAS

A máquina de imitar global de Grosse Fatigue, de Camille Henrot Rita Natálio

No filme Grosse Fatigue de Camille Henrot, apresentado na Bienal de Veneza em 2013, apresenta-se uma coleção de fragmentos de mitos de criação do mundo, misturando narrativas orais (Dogon, Inuit, Navajo), narrativas religiosas (Católicas, Hindus, Islâmicas, Judaicas) e narrativas científicas (física quântica, química) que narram em voz off uma sequência de imagens/vídeos que, por sua vez, também misturam níveis muito diferentes de conhecimento: filmagens de coleções botânicas e ornitológicas, livros de antropologia, planos filmados em casa e em frente de lojas, corpos nus, animais dissecados, animais embalsados, detalhes de esponjas perdendo água, paletas de cores, bolas de gude chocando entre si, etc. A narrativa oral apresentada numa estrutura musical spoken work altamente rítmica, acompanha a edição profusa de imagens que são apresentadas em diversas janelas de vídeo dentro de um écran de computador (janelas dentro de janelas, janelas ao lado e em cima de janelas), fazendo-nos viajar num desktop de estradas de informação paralelas e interconexas. Firma-se uma aliança: a abstração da origem do mundo contada através da imitação e do sincretismo de diferentes literaturas orais e escritas do mundo acompanha a abstração contada por uma coleção de imagens de diferentes contextos históricos e geográficos, usando a simultaneidade das janelas de vídeo que abrem e passam pelo nossos olhos, como um desdobramento intuitivo do conhecimento (segundo as palavras da autora), sem hierarquização entre tipos de conhecimento, nem tentativa de fechar a narrativa ou realmente explicar o mundo. Por mais ou menos que se saiba sobre cada narrativa ou imagem isolada, é na operação de display dessas várias informações em simultâneo, na criação de ritmos hipnóticos de substituição e sobreposição de imagens e palavras que tocamos algum sentido desse esboço de narrativa primordial. Como um banho de imersão composto pelo movimento veloz de assemblage, colagem, comparação, composição de várias fontes de imagem e som, ativa-se algo familiarmente “universal” e no entanto não totalizável, indeterminado, imprevisível. Como diria Pierre Lévy (1999), o universal da realidade virtual não é conseguido pela totalização do sentido mas pela “interação geral” de contextos hipertextuais inter-penetráveis. Neste filme, a “força-invenção” que move este tipo de conhecimento é precedida pela “força-imitação” quase compulsória de fragmentos de várias culturas, sem seguir um ponto de vista privilegiado ou um fundamento para a organização das imagens, mas tão só um certo nomadismo reticular das mensagens e dos afetos. Na verdade, é quase como se o filme simulasse um percurso da atenção numa viagem por uma rede super extensa de narrativas e contextos. No percurso hipnótico dentro da rede, a atenção move-se, muda de foco, coloca imagens lado a lado, mistura, sampla o conhecimento, deriva, divide a atenção e aproxima-se de um enciclopedismo rítmico. A distração é o movimento pelo qual os cérebros são redes abertas de informação circulante, e a deriva estabelece o pulso da atenção. Talvez fosse isso que Kenneth Goldsmith, poeta e fundador da Ubuweb, tivesse

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POÉTICAS

A máquina de imitar global de Grosse Fatigue, de Camille Henrot Rita Natálio

em mente quando publicou no New Yorker um artigo intitulado Why I Am Teaching a Course Called ‘Wasting Time on the Internet’, onde descrevia a importância dos seus alunos se perderem na internet e na bruma digital, defendendo o mergulho na aceleração e a atualização da noção de deriva de Guy Debord. Para ele, a deriva e a dispersão poderiam criar uma cultura navegante, deambulatória, sem esteios, ou avançando sobre esteios de fumaça.

Figura 1 - Still de vídeo de Grosse Fatigue

Figura 2 - Still de vídeo de Grosse Fatigue

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POÉTICAS

A máquina de imitar global de Grosse Fatigue, de Camille Henrot Rita Natálio

Figura 3 - Still de vídeo de Grosse Fatigue In the beginning there was no earth, no water – nothing. There was a single hill called Nunne Chaha. In the beginning everything was dead. In the beginning there was nothing; nothing at all. No light, no life, no movement no breath. In the beginning there was an immense unit of energy. In the beginning there was nothing but shadow and only darkness and water and the great god Bumba. In the beginning there were quantum fluctuations2.

O mais interessante da edição e seleção de Camille Henrot é que o cosmos descrito por Grosse Fatigue aponta para um certo desconhecido onde entram múltiplos mundos possíveis, mundos por vezes tão diversos como divergentes, o que parece tocar uma aparente desordem epistemológica. É como se Henrot se colocasse a favor da manutenção de um desconhecido, bombeando “força-imitação” para dentro da sua recolha de imagens, para se esquivar de uma realidade total, fechada e concordante. Como na teoria cosmopolítica de Isabelle Stengers onde se procura pensar uma alternativa que não busque sua própria conclusão, que não busque alternativas definitivas, mas antes uma “ecologia das práticas” onde os lugares de cada coisa são relativos. Para além disso, Camille Henrot mistura propositadamente o tempo circular das cosmogonias indígenas (um tempo onde se privilegia a imitação como ferramenta de construção do mundo pela tradição) com o tempo linear das cosmogonias científicas (onde se privilegia a invenção como ferramenta do progresso e marca da genialidade). Nesse cozinhado de tempos e perspectivas, a autora usa-se de uma perspectiva animista no sentido que Isabelle Stengers (2012) pensa o animismo, ___________________________________________________ 2

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Transcrição da voz off de Grosse fatigue.

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POÉTICAS

A máquina de imitar global de Grosse Fatigue, de Camille Henrot Rita Natálio

como mistura onde se recupera ou “cura” o pensamento de separações tomadas como vitalícias pelo ocidente. Assim, recuperar e imitar um pensamento Inuit, não tem por objetivo tentar ressuscitar este pensamento como autêntico ou verdadeiro, mas sim tentar reactivar esse pensamento como camada de experiência do que Nós (esse “nós” neutral e central do ocidente) não somos. Pela mistura entre mundos, diminui-se o peso das narrativas auto-centradas do ocidente, ao mesmo tempo que se aproxima a ciência ocidental de um processo de desconstrução antropológica nunca antes vivido – jogo de pesos e ressonâncias ontológicas. No entanto, trata-se também, como diz o título do filme, de um extremo cansaço (grosse fatigue). Em primeiro lugar, porque o vídeo começa com a tela padrão de inicialização de um computador da Apple e sabemos desde o início que a origem do mundo será narrada a partir dessa tela cansativa do globalismo técnico corporativo, onde diferentes janelas nos conectam a tudo (ao possível de reproduzir e imitar todas as imagens e todas as histórias) sem no entanto nos darem uma chave de relação com essa conexão previamente dada e inquestionável (“veja a origem mundo através da Apple!”, parece dizer-nos o écran). Em segundo lugar, a fadiga de tentar explicar o mundo e a sua origem, de tentar atribuir um sentido e uma cosmogonia ao pesado globo que Atlas carrega nas contas, de tentar dar conta de um “tudo” que apenas pode ser tocado por fragmentos. E por fim, o cansaço da velocidade e de um “devir-repetidor” instalado como maquinismo: um projeto cosmogónico contemporâneo que se define pela sua avidez de imitar e de replicar mundos, mesmo os mais radicalmente separados (as narrativas vivas da mitologia Bakula e os mortos vivos da história natural do Smithsonian Institute de Washington), sem nos dar a possibilidade de prever um resultado desse encontro. Assistimos Grosse Fatigue entregues ao absurdo e ao encantamento de uma maquinação quase involuntária, ainda que com a certeza de estarmos dentro de uma voragem de imitação necessária, onde se inventa um tipo de conhecimento menos apegado às forças individuais e mais entregue ao sabor da composição e dos agenciamentos de forças heterogéneas, onde se produz um desapego e uma distância. Referências bibliográficas GOLDSMITH, Kenneth. “Why I Am Teaching a Course Called ‘Wasting Time on the Internet’”, New Yorker, 13 nov. 2014. HENROT, Camille. “Grosse Fatigue”, Courtesy the artist, Silex Films and kamel mennour, Paris, 2013. LÉVY, Pierre. Cibercultura, Trad. Carlos Irineu da Costa, São Paulo: Editora 34, 1999. STENGERS, Isabelle. “Reclaiming Animism”, e-flux #36, jul. 2012. set 2015 | REVISTA MOVIMENTO

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