‘MUTIRÃO NA VIZINHANÇA’ PROGRAM: EXPERIENCES IN THE PARTICIPATORY CONSTRUCTION OF PUBLIC SPACES
blica feita dentro dos trâmites usuais. O fazer cidade de forma compartilhada trata o planejamento e a construção dos espaços públicos como ‘processos’ e não como ‘produtos prontos’. Por meio do Mutirão é possível ampliar a capacidade de atendimento e estreitar os laços com as comunidades, além de abrir possibilidades de experimentação criativa em escala 1:1. PALAVRAS CHAVES: construção participativa; espaços públicos; mutirão; comunidades locais.
ABSTRACT The program entitled “Mutirão na Vizinhança” (roughly
RAISSA GONÇALVES MONTEIRO Arquiteta e urbanista, Mestra em Assentamentos Humanos, Coordenadora de Planejamento Territorial da Secretaria de Planejamento da Prefeitura Municipal de Conde, raissagmonteiro@gmail.com SUSANA FREIRE DE SOUSA MONTENEGRO BORBA Arquiteta e urbanista, Coordenadora de Controle Urbano da Secretaria de Planejamento da Prefeitura Municipal de Conde, susamontenegro@gmail.com YURI DUARTE LOPES Arquiteto e urbanista, Coordenador de Habitação da Secretaria de Planejamento da Prefeitura Municipal de Conde, yuridl88@gmail.com
translated as “Neighborhood Task Force Program”) was launched in 2017 at the municipality of Conde, state of Paraíba/Brazil. As an initiative of the Municipal Secretary of Planning, the program main goal is to think and transform public spaces and facilities establishing community participation as a key priority for the construction of the city. Through partnerships, a variety of collaborators engage themselves to the Program, such as neighborhood associations, local volunteers, collectives and the university, hereby represented by Architecture and Urbanism students in the Federal University of Paraíba working
RESUMO O Programa “Mutirão na Vizinhança” surgiu em 2017 por iniciativa da Secretaria Municipal de Planejamento da Prefeitura de Conde, na Paraíba, tendo como principal objetivo pensar e transformar espaços e equipamentos públicos estabelecendo a participação comunitária como ponto fundamental do processo de construção da cidade. São incorporados ao Programa, por meio de parcerias, associações de moradores, voluntários e a academia, a exemplo do Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Paraíba, o TRAMA. Os esforços conjuntos em prol de melhorias espaciais aproximam as três instâncias - prefeitura, universidade e comunidade - integrando seus saberes em um processo democrático, transparente, de execução mais rápida e menos burocrática do que uma obra pú-
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for the course’s university office, named TRAMA. The efforts put together to provide spatial improvements approximate those three instances - local government, academia and community - integrating their knowledge in a democratic, transparent process whose results are faster and less bureaucratic than if the project was designed, built and ‘delivered’ within the usual procedures.
MORAR,VIVER E(RE)EXISTIR NAS CIDADES
PROGRAMA MUTIRÃO NA VIZINHANÇA: EXPERIÊNCIAS NA CONSTRUÇÃO PARTICIPATIVA DE ESPAÇOS PÚBLICOS
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Participatory city making treats urban planning and the
espraiada, onde a implantação de novos loteamen-
construction of public spaces as ‘processes’ and not
tos direcionou o crescimento do tecido urbano. Des-
ready made “products”. Through Mutirão na Vizinhan-
ta “colcha de retalhos” sem tratamento urbanístico
ça it is possible to broaden the capacity to serve and
resultou uma série de vazios urbanos - e muitas das
tighten the bond with local communities, also opening
áreas públicas que deveriam ter sido destinadas no
possibilities for creative experimentation in real scale.
ato do licenciamento desses parcelamentos (praças, ruas, áreas verdes), ou não existem ou foram descon-
KEYWORDS: participatory construction, public spaces; mutirão; local communities.
A CIDADE DE CONDE - TERRITÓRIO E OCUPAÇÃO URBANA
figuradas e invadidas. Essa falta de planejamento, aliada a ausência de investimentos em equipamentos e espaços públicos de qualidade, resultaram em diversas precariedades urbanísticas que afetam a vida cotidiana da população.
Situada no litoral sul do Estado da Paraíba, a cidade de Conde possui 54 anos de emancipação políti-
Considerando que espaços de uso coletivo, desti-
ca, com população de 25 mil habitantes e densidade
nados à circulação, lazer, cultura e preservação da
demográfica de 123,74 hab/Km², aproximadamente
paisagem são de grande importância para a vida em
(IBGE). A cidade se destaca pelo potencial paisagís-
comunidade e levando em conta a situação posta no
tico e ambiental, se tornando um importante destino
município, entendeu-se como urgente e necessária
turístico do Estado.
a criação de mecanismos para suprir a escassez de
MORAR,VIVER E(RE)EXISTIR NAS CIDADES
tais espaços. A Prefeitura Municipal de Conde, por O núcleo urbano inicial, hoje sua sede político-admi-
meio da Secretaria de Planejamento, criou o Progra-
nistrativa, encontra-se às margens da Rodovia Federal
ma Mutirão da Vizinhança como uma ferramenta al-
BR-101, que conecta as capitais João Pessoa-PB (37km)
ternativa de incremento à política urbana no sentido
e Recife-PE (110km), cuja área industrial se tornou um
de promover melhorias nos espaços públicos de uso
forte vetor de desenvolvimento econômico. A leste, es-
coletivo com participação social, promovendo as-
tão as praias do litoral sul e centralidades consolidadas
sim uma reestruturação urbana comprometida com
como o núcleo urbano de Jacumã, marcado por fortes
a escala local. Este artigo discorre sobre a criação,
investimentos imobiliários.
os objetivos e a experiência de implementação das três primeiras intervenções realizadas entre os anos
O processo de crescimento da cidade evidencia-se a
de 2017 e 2018.
partir de 1968, com a disseminação dos loteamentos urbanos. Devido à ausência de instrumentos de regu-
O PROGRAMA MUTIRÃO NA VIZINHANÇA
lação e à falta de políticas públicas de planejamento, esses novos parcelamentos foram, muitas vezes, sen-
O Programa tem como objetivo geral desenvolver ações
do implantados desconsiderando as características
colaborativas que qualifiquem os espaços públicos, de
geomorfológicas do território e sem a infraestrutura
forma a atender às diversas demandas sociais e urba-
mínima necessária (ruas abertas, pavimentação, etc),
nas, por meio da participação e do envolvimento de
em desconformidade com o que determina a Lei Fede-
agentes como: membros de comunidades locais, mo-
ral nº 6766/79 (Parcelamento do solo urbano), o que
vimentos da sociedade civil, universidades, empresas
acabou por ocasionar diversos empecilhos na ocupa-
privadas e o poder público.
ção dos seus lotes. O Programa é desenvolvido em quatro etapas princiEm contraponto ao conceito de cidade compacta, a
pais, pensadas como uma metodologia base para todas
expansão urbana no Conde aconteceu de maneira
as edições do Programa, ainda que, em cada uma de-
las, a especificidade das características locais deman-
uma praça; a segunda, a reconstrução de um museu
de adaptações:
quilombola; e a terceira, a requalificação de um terreno
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Etapa 01 - Tecendo as redes: realização dos primeiros
em espaços de uso coletivo subutilizados e que care-
contatos com os interessados e colaboradores, onde,
ciam de atenção do poder público.
por meio de reuniões e oficinas de idéias, são levantadas as problemáticas, discutidas as propostas de intervenção, identificando os potenciais do local, articulan-
#1 PRAÇA DA AMIZADE CONJUNTO ADEMÁRIO RÉGIS
do os instrumentos necessários e disponíveis para que a ação possa ser viabilizada posteriormente.
Localização: Loteamento Cidade Balneário Novo Mundo - Carapibus
Etapa 02 - Viabilizando a ação: planejamento e articula-
Agentes: Prefeitura Municipal de Conde, Associação
ção dos diversos atores para viabilizar a etapa do mão-
de Moradores, TRAMA.
-na-massa e a execução da proposta, com distribuição
Área: 2117 m²
de tarefas, definição de atividades e grupos temáticos
Custo total aproximado: R$ 3.500,00 (desconsideran-
para o dia da ação, a partir das demandas elencadas,
do as obras posteriores)
aquisição de materiais e definição da logística de alimentação, transporte, limpeza, entre outros elementos
A experiência piloto do Programa Mutirão na Vizinhan-
necessários.
ça aconteceu entre março e abril de 2017 no conjunto habitacional Ademário Régis, localizado na porção lito-
Etapa 03 - Colocando a mão-na-massa: para os dias
rânea da cidade e próximo à áreas de crescente espe-
de ação in loco, conta-se com a presença de represen-
culação imobiliária. O terreno originou-se da desapro-
tantes da Prefeitura, da comunidade, dos parceiros en-
priação de cinco lotes para a construção de uma praça
volvidos, assim como de voluntários e interessados em
que nunca foi efetivada. Assim, a única área pública do
colaborar com as tarefas propostas nos grupos de tra-
conjunto acabou se tornando um grande vazio urbano,
balho - que podem envolver atividades de pintura, jar-
com potencial de servir a uma população estimada de
dinagem, marcenaria, etc - integrando os saberes para
mais de 2000 pessoas.
atender as demandas de cada intervenção. As ações de mão-na-massa são planejadas para durar pelo menos dois turnos, com pausa para refeição coletiva, impor-
Figura 01: Vista aérea do Conjunto Ademário Régis com destaque para a Praça.
tante momento de interação entre a comunidade local e os participantes. Etapa 04 - Finalizando o novo espaço: concluído o mutirão, este é o momento de realizar os arremates finais e possíveis operações de infraestrutura que necessitem de mão-de-obra especializada - como instalação de iluminação e pavimentação - assegurando qualidade urbana ao espaço. O fechamento de cada edição acontece com atividades culturais no local, celebrando a inauguração da intervenção.
Fonte: Google Earth adaptado, 2019.
As três primeiras edições do Programa tiveram objetos
O conjunto habitacional foi resultado de convênios rea-
de intervenção distintos. A primeira foi a construção de
lizados entre a Prefeitura de Conde e Instituições Finan-
MORAR,VIVER E(RE)EXISTIR NAS CIDADES
vazio ao lado do Núcleo de Cultura do município - todas
117
ceiras no âmbito do Programa de Subsídio à Habitação
A demanda por transformar o local em uma praça surgiu
de Interesse Social (PSH), sendo implantado entre os
por meio da Associação Comunitária como uma solicita-
anos de 2006 e 2012. Hoje, conta com aproximadamen-
ção antiga. Diante de uma situação financeira desfavo-
te 520 edificações, ainda irregulares, e uma população
rável para grandes investimentos e reconhecendo a im-
predominantemente de baixa renda. Com a aprovação
portância no atendimento desta demanda, a Prefeitura
da Lei Municipal Complementar 001/2018 (Lei de Par-
lançou a primeira experiência do Programa, que veio se
celamento, Uso e Ocupação do Solo - Zoneamento), o
concretizar com a construção da Praça da Amizade.
conjunto passou a ser reconhecido como Zona de Especial de Interesse Social (ZEIS) e está em processo de
Tecendo as redes
regularização fundiária. Os primeiros contatos da Secretaria de Planejamento O terreno da Praça, com área total de 2117m², é mar-
(SEPLAN) com a Associação e com a possível área de
geado por moradias e fica próximo aos equipamen-
intervenção, ocorreu para analisar a viabilidade da pro-
tos públicos mais importantes da comunidade: a sede
posta, e avaliar algumas questões determinantes como:
da Associação Comunitária, a Escola Municipal Geni
a escala da intervenção, o engajamento da associação
Rufino dos Santos e à Unidade Básica de Saúde (UBS
e de moradores, cronogramas de ação e a situação fun-
Carapibus), reforçando ainda mais seu caráter de cen-
diária dos terrenos.
tralidade. Os limites da área eram incertos e não havia nenhum tipo de tratamento urbanístico e infraestrutu-
Figuras 04: Reunião com a comunidade para entendimento da demanda.
MORAR,VIVER E(RE)EXISTIR NAS CIDADES
ra. Apesar das condições precárias, seu potencial de espaço público já era reconhecido pelos moradores e explorado principalmente pelas crianças e jovens, que o utilizavam para diversas atividades. Figuras 02 e 03: Vista aérea e foto da Praça antes da intervenção.
Fonte: Acervo SEPLAN - Prefeitura Municipal de Conde/PB.
Tratando-se de uma região de interesse imobiliário, houve primeiramente a elucidação quanto a propriedade dos terrenos. Depois de realizadas buscas cartoriais e em arquivos da Prefeitura, foi constatado que a área já havia sido desapropriada, mas ainda não escriturada, fato que não impediu a continuidade da proposta. Para atendimento da demanda, e considerando também a escala da intervenção, foi realizada parceria com o TRAMA (Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo da UFPB), que ficou responsável pela metodologia da oficina participativa, do desenvolvimento e detalhamento do projeto junto à Prefeitura e a orientação dos Fonte: Acervo Prefeitura Municipal de Conde/PB.
grupos de trabalho no dia do mão-na-massa.
A Associação de Moradores responsabilizou-se pela
Figuras 05 e 06: Oficina participativa.
mobilização da comunidade a fim de garantir a sua par-
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ticipação, bem como pela captação de alguns materiais e recursos da região que pudessem ser utilizados na MORAR,VIVER E(RE)EXISTIR NAS CIDADES
construção do espaço. A Prefeitura ficou encarregada principalmente da articulação com os demais agentes e órgãos, na aquisição de materiais essenciais para execução do mobiliário e da infraestrutura da praça, além do acompanhamento dos serviços e a disponibilização de técnicos, mão de obra e equipamentos. Viabilizando a ação Para provocar o envolvimento ativo da comunidade na concepção da nova Praça foi realizada uma oficina participativa que propôs a construção coletiva de um “Mapa dos Desejos” - processo pedagógico onde a comunidade expõe suas idéias e anseios para o lugar, para que sejam definidas as diretrizes do projeto. A partir de uma apresentação geral do Programa, da equipe e de ações correlatas, os participantes foram divididos em rodas de conversa, uma especificamente para as crianças. Compartilhadas as propostas de cada roda e com o auxílio de uma maquete física, foi construído o traçado da praça, com a delimitação de áreas para paisagismo,
Fonte: Acervo SEPLAN - Prefeitura Municipal de Conde/PB.
Com o esboço da proposta de intervenção definido e aprovado coletivamente, o projeto foi desenvolvido e detalhado com especificações e quantitativos de materiais e equipamentos necessários para a realização do mutirão. Figura 07: Projeto consolidado da Praça, depois das oficinas participativas.
calçadas, quadra e playground.
Fonte: Acervo SEPLAN - Prefeitura Municipal de Conde/PB.
119
Colocando a Mão na Massa
Figuras 10 e 11: Dia do mão na massa, com pintura de painéis artísticos e playground.
O mutirão aconteceu durante dois dias consecutivos (08 e 09 de abril), e os participantes foram divididos em grupos de trabalho para cada intervenção proposta, orientados pelos técnicos da SEPLAN e os voluntários do TRAMA: Grupo 01: Piso - os participantes demarcaram os caminhos/passeios com corpos de prova de concreto reaproveitados, balizadores de bambu e cordas. Também delimitaram com areia os espaços para a instalação de brinquedos para crianças. Grupo 02: Brinquedos - foram utilizados diversos materiais adquiridos e/ou reaproveitados como toras de eucalipto, manilhas de concreto e pneus para a construção de brinquedos para as crianças;
MORAR,VIVER E(RE)EXISTIR NAS CIDADES
Grupo 03: Pintura - pintura de murais artísticos nas paredes das casas ao redor da Praça, marcado pela presença predominante das crianças. Grupo 04: Palhoça - instalação de uma estrutura de
Fonte: Acervo SEPLAN - Prefeitura Municipal de Conde/PB.
Finalizando o novo espaço
sombra feita com varas de bambu e folhas de coqueiro; Depois de realizadas as primeiras intervenções físicas Grupo 05: Paisagismo - plantação de grama nos cantei-
no terreno, a área estava demarcada e estabelecida, re-
ros e de mudas de árvores de sombra, cultivadas no Vi-
presentando, no seu traçado, os anseios da comunida-
veiro Municipal, assim como a confecção de plaquetas
de local. Entretanto, devido à dimensão do espaço, não
indicando o nome de cada espécie.
foi possível concluir toda a obra e a pavimentação dos passeios já delimitados, a iluminação pública, bancos
Figuras 08 e 09: Material gráfico de divulgação da ação.
de alvenaria, a quadra multiuso, foram executados posteriormente pela equipe da Prefeitura.
Fonte: Acervo SEPLAN - Prefeitura Municipal de Conde/PB.
Figuras 12 e 13: Vista aérea da Praça depois de concluída.
#2 MUSEU QUILOMBOLA - COMUNIDADE NEGRA DO IPIRANGA
120
Agentes: Prefeitura Municipal de Conde, Associação de Moradores, TRAMA. Área: 50 m² Custo total aproximado: R$ 2.000,00 Cerca de 70% do território de Conde está na Zona Rural - atravessada por rios, vales e grandes maciços de vegetação nativa. É em sintonia com este cenário que há séculos resistem povos quilombolas e indígenas na cidade, mantendo viva sua rica diversidade cultural através das artes manuais, da dança e dos cantos, da culinária, dos modos de construir e co-habitar o espaço. Existem três quilombos na cidade, e dois deles estão localizados no Assentamento Gurugi, demarcado pelo INCRA na década de 1990. No âmbito municipal, esses territórios passaram a ser reconhecidos como Zona de Fonte: Altair, 2018.
Povos e Comunidades Tradicionais em 2018, pela Lei Municipal Complementar 001/2018 (Parcelamento, Uso
A Praça foi inaugurada oficialmente em meio a apresenta-
e Ocupação do Solo).
ções culturais e teve seu nome escolhido por votação entre os moradores locais, sendo batizada de Praça da Amizade,
Um deles é o Quilombo Ipiranga - conhecido por perpe-
simbolizando o processo coletivo que lhe deu origem.
tuar a tradição do Coco de Roda no terreiro da comunidade todo último sábado de cada mês, em parceria
A Praça, hoje, viabiliza uma intensa dinâmica de uso
com outros grupos culturais. A comunidade do Ipiranga
e se tornou um importante ponto de referência e per-
conta hoje com mais de 120 famílias, que representam
manência da região. O espaço transformou-se em um
os descendentes da população negra liberta ou fugida
palco aberto à novas e variadas práticas comunitárias,
do regime de escravidão.
dentre elas: comemoração de festividades natalinas e de ano novo, prática de atividades físicas (aulas abertas
Figura 14: Vista aérea da área do museu quilombola.
de dança e capoeira) além de ser um espaço mais qualificado e seguro para as crianças, e que conta também com rede aberta de internet sem fio.
Fonte: Acervo SEPLAN - Prefeitura Municipal de Conde/PB.
MORAR,VIVER E(RE)EXISTIR NAS CIDADES
Localização: Quilombo Ipiranga - Zona Rural de Conde.
121
O primeiro Museu Quilombola do Ipiranga foi idealiza-
A prefeitura buscou, mais uma vez, a parceria com o
do e montado em 2013 pela Associação da Comunida-
TRAMA para viabilizar a ação junto à comunidade e,
de Negra do Ipiranga, moradores e mestres locais. A
tratando-se de uma construção em taipa nos moldes
intenção foi possibilitar o acesso à diversos registros da
tradicionais, foram convidados mestres locais para
cultura e da história desses povos, recriando o ambien-
orientar o processo construtivo.
te doméstico onde muitos cresceram - uma casa simples executada em taipa de mão, contendo réplicas de
Viabilizando a ação
móveis antigos, objetos de uso cotidiano e instrumentos usados para caça e pesca artesanal.
Para estabelecer o primeiro contato com os moradores foi realizado um encontro na comunidade, com visita à
O museu era ponto de visitação turística e de geração de re-
área da intervenção e mapeamento prévio das deman-
cursos para a manutenção das atividades culturais na comu-
das de reconstrução do museu.
nidade. Entre 2016 e 2017, após um período de chuvas, a estrutura do Museu sofreu fortes danos e acabou por desabar.
Nos relatos dos moradores estavam presentes desejos que iam além da reconstrução do museu - como enri-
Figura 15: Vista do antigo museu quilombola.
quecer o entorno com ajardinamento feito a partir de ervas medicinais e a construção do “Cantinho da Leitura” - lugar para abrigar as atividades comunitárias e
MORAR,VIVER E(RE)EXISTIR NAS CIDADES
pedagógicas infantis. Nessa etapa também foram definidos os custos, os materiais e o cronograma de ação do mão-na-massa, com a atribuição das responsabilidades de cada agente. A Prefeitura ficou responsável pela compra dos materiais não disponíveis na comunidade, os insumos necessários para a refeição coletiva, a divulgação da ação e a viabilização de um grupo cultural para o dia da inauguração. O TRAMA se encarregou do levantamento Fonte: Acervo SEPLAN - Prefeitura Municipal de Conde/PB.
da área do antigo museu, realizado no mesmo dia do primeiro encontro, para posterior desenvolvimento
Tecendo as redes
do projeto, com a disposição dos cômodos e maquete digital, bem como especificação e orçamento dos
Tendo tomado conhecimento do Programa Mutirão na
materiais necessários para a execução dos espaços. A
Vizinhança, a Associação buscou a Prefeitura para soli-
Associação ficou com a função de articular e engajar
citar a reconstrução do Museu. Entendendo a constru-
a comunidade, difundir a ação para os interessados e
ção coletiva e o resgate de técnicas locais como pre-
frequentadores do quilombo, articular a participação
missas importantes do Programa, efetivou-se a parceria
dos mestres locais, resgatar os materiais guardados do
com a Associação para colocar em prática a segunda
antigo museu e captar outros materiais disponíveis no
edição. Respeitando a cultura da comunidade, a re-
local, como estacas de sabiá, barro e bambu.
construção do museu aconteceria em taipa, conforme as técnicas utilizadas tradicionalmente, sendo finalizada com a Festa da ‘Tapagem’ (nome usado para o ato de soquear o barro dentro da estrutura), na celebração do tradicional coco de roda.
ideia era transformar a clareira na mata em um espaço de acolhimento e permanência ao ar livre. A partir das
O primeiro momento de mão na massa foi para a mon-
ideias que surgiram e dos materiais disponíveis foram
tagem da estrutura (07 e 08 de outubro), que contou
elaborados mobiliários para armazenamento de livros,
com dois grupos de trabalho:
bancos, balanço, e um banco em bambu e cordas que possibilita diferentes formas de apropriação.
Grupo 01 - Montagem da estrutura: o grupo reuniu principalmente os jovens e adultos e foi guiado por três mestres, que orientaram o processo de montagem dos
Figuras 18 e 19: Oficina de desenho para mobiliário e finalização do mobiliário de leitura.
pilares, vigas e da coberta. Os mestres Marinaldo, Nando e Costinha apresentaram e explanaram sobre as técnicas, materiais, ferramentas e nomenclaturas específicas de elementos da construção tradicional em taipa. Figuras 16 e 17: Montagem da estrutura.
Fonte: Acervo SEPLAN - Prefeitura Municipal de Conde/PB.
No segundo momento do mão-na-massa (21 de outubro), Fonte: Acervo SEPLAN - Prefeitura Municipal de Conde/PB.
foi feita a montagem da coberta junto com a tapagem com barro selecionado previamente pela comunidade.
Grupo 02 - Cantinho de leitura: grupo composto em
A preparação da taipa foi feita coletivamente através da
sua maioria pelas crianças do quilombo, que através
mistura do barro com água e do pisoteio, formando uma
de desenhos expressaram seus desejos para a área. A
massa consistente para preencher as paredes.
122 MORAR,VIVER E(RE)EXISTIR NAS CIDADES
Colocando a Mão-na-Massa
123
Figuras 20 e 21: Pisoteio do barro e montagem da coberta.
Figura 22: Vista do museu quilombola reconstruído.
Fonte: Acervo SEPLAN - Prefeitura Municipal de Conde/PB.
#3 NÚCLEO DE CULTURA - CENTRO Localização: Rua Domingos Maranhão, 141 - Centro Agentes: Prefeitura Municipal de Conde, Instituto Intercement, Escola Viva Olho do Tempo, Oficina Espacial,
MORAR,VIVER E(RE)EXISTIR NAS CIDADES
Coletivo Massapê, Coletivo Acervo 03, TRAMA. Área: 195m² Custo total aproximado: R$ 13.000,00 Fonte: Erika Nicacio e Acervo SEPLAN - Prefeitura Municipal de Conde/ PB.
O distrito central de Conde é a sede político administrativa do município e concentra um grande número
Finalizando o(s) novo(s) espaço(s)
de equipamentos e serviços públicos, como o Mercado Municipal, escolas, unidades básicas de saúde
Em sequência à conclusão da tapagem do barro nas pa-
e praças onde acontecem importantes atividades do
redes houve a instalação das esquadrias. Esperou-se a
calendário cultural e cívico da cidade. Apesar de pos-
secagem e cura do barro para realizar a inauguração
suir uma forte dinâmica social e econômica, o fluxo de
oficial e a abertura do museu para visitação, na noite
pessoas na área central é essencialmente diurno, com
do coco de roda que contou com a presença do grupo
exceção das escolas de ensino noturno e do Núcleo
Bongar, da Nação Xambá de Olinda/PE.
de Cultura, que funciona como pólo atrator de jovens e adultos no período da noite.
O museu, reconstruído, representa mais do que um espaço físico que resgata técnicas tradicionais, sendo
O Centro de Criatividade Professor Iveraldo Lucena,
também um espaço simbólico que perpetua a memória
popularmente conhecido por Núcleo de Cultura, é um
coletiva e da comunidade do Quilombo Ipiranga.
galpão de aproximadamente 500 m² que hoje abriga a Coordenadoria de Cultura do município, aulas, palestras, eventos institucionais de promoção da cultura local e alguns cursos.
Figura 25: Terreno vazio ao lado do Núcleo de Cultura.
Fonte: Acervo SEPLAN - Prefeitura Municipal de Conde/PB.
Tecendo as redes A Prefeitura entrou em contato com o TRAMA/UFPB para apresentar a proposta e solicitar um levantamento arquitetônico do terreno, identificando também os primeiros reparos estruturais a serem executados para a viabilização da ação. Pausada por alguns meses à espera de recursos, a proposta foi retomada através de uma parceria entre a Fonte: Acervo SEPLAN - Prefeitura Municipal de Conde/PB.
Prefeitura de Conde e Instituto Intercement - empresa que contribui com investimentos sociais nos municípios
Na parte externa, é ladeado por dois terrenos vazios -
onde atua, e a ação seria realizada no “Dia do Bem Fa-
um ao fundo e outro à esquerda - sendo este de titulari-
zer”, atividade realizada pelo Instituto, que visa apoiar
dade pública, sem uso específico. Em 2017 houve uma
as potencialidades dos territórios e a promoção do de-
motivação para ativar o potencial latente deste terreno,
senvolvimento comunitário - princípios que se alinham
na possibilidade de realizar uma ação de requalificação
aos do Programa Mutirão na Vizinhança.
dentro do Programa do Mutirão na Vizinhança, num formato diferente das edições anteriores já realizadas,
Para efetivar o acordo com o Instituto Intercement - neste
que pudesse envolver os jovens engajados nas ativida-
caso, o ente financiador - foi necessário buscar uma ONG
des culturais do Núcleo.
de atuação local para mediar o recebimento da doação e auxiliar nas transações contábeis. A ONG escolhida foi a
A ideia era de construir uma infraestrutura básica de
Escola Viva Olho do tempo, com atuação focada na forma-
suporte às atividades recreativas e culturais ao ar livre,
ção cultural e sócio-ambiental de crianças e adolescentes.
dando mais visibilidade à produção cultural dos grupos, que poderiam sair de dentro do núcleo para a rua, e da
Para a requalificação da área foi definido que seria rea-
rua para a cidade.
lizada obra de nivelamento do piso elevado existente no local e definição de seu acesso, transformando-o em um palco para atividades culturais, criação de murais artísticos nos limites do terreno (paredes do galpão e muro lateral), produção de mobiliário de suporte ao uso do espaço, e existência de paisagismo e iluminação.
124 MORAR,VIVER E(RE)EXISTIR NAS CIDADES
Figuras 23 e 24: Apresentações culturais no Núcleo de Cultura.
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Para efetivar essas ações, foram realizadas parcerias
Figuras 27 e 28: Produção do mobiliário.
com alguns coletivos, além do TRAMA, que realizaram atividades no dia do mão na massa, sendo eles: o Coletivo Acervo 03 (João Pessoa), com experiência em oficinas de grafitagem para jovens e crianças; o Coletivo Massapê (Recife), que trabalha com intervenções urbanas e a Oficina Espacial (João Pessoa), escritório de design e arquitetura que trabalha com foco na marcenaria. A prefeitura ficou responsável pela articulação com os diversos agentes e pelo orçamento e compra dos materiais além de toda a logística do dia. Viabilizando a ação Ajustado o financiamento, pôde ser dado início às primeiras obras de melhoramento da infraestrutura do local - executadas pela SEINFRA - que incluíam algumas demolições, remoção de lixo e entulhos, nivelamento do piso do palco, seguido de reconstrução dos muros late-
MORAR,VIVER E(RE)EXISTIR NAS CIDADES
rais e dos acessos ao palco por meio de rampa e escada. Figura 26: Projeto de intervenção para o terreno vazio.
Fonte: Acervo SEPLAN - Prefeitura Municipal de Conde/PB.
Colocando a Mão-na-Massa O dia 22 de dezembro de 2018 foi a data escolhida para
Fonte: Acervo SEPLAN - Prefeitura Municipal de Conde/PB.
a ativação do espaço, que aconteceu em dois turnos (manhã e tarde), com intervalo para o almoço coletivo.
Grupo 2 - Grafitagem (Coletivo Acervo 03): após reu-
Cerca de 40 pessoas se dividiram em quatro grupos de
nião de idéias para escolher o conceito da intervenção,
trabalho:
o muro da lateral esquerda foi preparado para receber o mural, cujas imagens pintadas fazem referência a gru-
Grupo 1 - Produção de mobiliário urbano (Coletivo Massapê e Oficina Espacial): utilizando-se de pneus reaproveitados do depósito da Prefeitura e pallets doados pela Intercement, foram produzidos bancos para compor o novo espaço.
pos de música e dança que atuam no Núcleo;
Figuras 29 e 30: Produção do mural artístico.
Essa experiência demonstrou a possibilidade em convergir os interesses comuns do poder público munici-
126
pal, empresa privada, coletivos de atuação indepenterreno vazio em um espaço convidativo que agora consegue absorver diversas demandas sociais de uso coletivo para atendimento da população, tornando o espaço como parte do cotidiano e do sistema de espaços públicos da área central da cidade. Figura 31: Espaço concluído.
Fonte: Acervo SEPLAN - Prefeitura Municipal de Conde/PB. Fonte: Acervo SEPLAN - Prefeitura Municipal de Conde/PB.
Grupo 3 - Iluminação (SEINFRA): produção de varal de lâmpadas para iluminação decorativa do palco e mural, e
CONSIDERAÇÕES FINAIS
instalação de refletores para iluminação geral do espaço; Após a realização das três experiências, percebe-se Grupo 4 - Paisagismo (Secretaria de Meio Ambiente):
que apesar de possuírem etapas de ação semelhan-
plantação de mudas de vegetação rasteira, distribuídas
tes, as edições do programa trouxeram lições e desa-
nas laterais do espaço.
fios distintos. Foi possível perceber que o Programa Mutirão na Vizinhança possibilita uma diversidade de
Finalizando o novo espaço
intervenções em diferentes realidades e contextos, fundamentais para a promoção do encontro cidadão e
Após a conclusão das atividades dos grupos de tra-
de outras maneiras de perceber a cidade. As interven-
balho, o palco foi inaugurado com apresentações
ções realizadas pelo Mutirão não foram só espaciais e
culturais do grupo de dança coreana K-pop e grupo
físicas, mas também pedagógicas - contribuindo com a
de hiphop.
transformação social e a consciência urbana das comunidades e lideranças envolvidas.
Alguns itens das obras de infraestrutura tiveram que ser executados nos dias subsequentes, a exemplo da
O Programa, que tem como ponto fundamental do pro-
conclusão e acabamento do piso, instalação de calha
cesso de construção dos espaços a participação comu-
na lateral do Galpão e colocação de brita e grama para
nitária, demonstra que o objetivo das intervenções não
tratamento do piso permeável.
se limita apenas ao “produto” arquitetônico ou urbanístico concluído e entregue, mas sim ao seu “processo”,
MORAR,VIVER E(RE)EXISTIR NAS CIDADES
dente e grupos de cultura em prol de transformar um
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que inclui diálogo, engajamento, mobilização, negocia-
E como nas palavras de Francesco Careri, faz-se ne-
ção, transparência dos trâmites burocráticos, das aqui-
cessário e urgente criar políticas públicas de co-parti-
sições e custos de viabilização, entre outros passos e
cipação e mecanismos institucionais para que se possa
metodologias que tornam o cidadão parte integrante
“percorrer terras carentes de arquitetura, de um certo
dos complexos processos de produção da cidade, tor-
tipo de arquitetura, que não é a espetacular, mas a do
nando-os co-responsáveis por essas transformações.
cotidiano, a ser criada, juntamente com os que já têm um projeto para o seu próprio território, participar da
Um modelo de produção de espaços baseado na tro-
mudança [...], indo trabalhar entre as pessoas, na auto-
ca de saberes, no reconhecimento das potencialidades
construção e mutirão, construir juntos e ao lado dos que
locais e recursos disponíveis, no mapeamento das prá-
lutam pelo próprio direito de habitar, tomar uma posi-
ticas culturais existentes e os agentes de transforma-
ção, virar a página”.
ção de cada comunidade contribui para atribuir novos valores e novas identidades a espaços inexistentes ou
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
apagados pela memória dos moradores locais. As intervenções trouxeram impactos positivos diretos e indiretos, alcançando com êxito o atendimento de todas as demandas postas. A experimentação e a busca por ferramentas alternativas de transformação dessas
MORAR,VIVER E(RE)EXISTIR NAS CIDADES
realidades urbanas emergentes possibilitou a difusão de práticas sociais e apropriações coletivas com a ressignificação desses espaços comuns, que tornaram-se
LAWSON, B. Como arquitetos e designers pensam. São Paulo: Oficina dos textos, 2011. VELOSO, M.; MARQUES, S. A pesquisa como elo entre teoria e prática do projeto: alguns caminhos possíveis. Arquitextos, Vitruvius, set. 2007. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.088/211>. Acesso em 15/11/2018. IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2006.
catalisadores de urbanidades. Apesar de possuírem realidades e características sociais distintas, foi possível perceber que nas três edições ainda é limitada a questão da participação comunitária nesses processos de construção dos espaços, onde a presença ainda é marcada prioritariamente por pessoas que de alguma forma já possuem algum tipo de engajamento no local. Relaciona-se a isto diversos fatores, incluindo a histórica exclusão dos cidadãos nos processos de decisão política até então. Entendendo que esse Programa é processo, acredita-se que ele contribuirá para que a população fortaleça suas competências para a vida comunitária, tornando-se protagonista da construção e manutenção desses espaços.
ROMANO et al (Organizadores). Centralidades Periféricas. João Pessoa: Editora da UFPB, 2018. 244p.