Reabilitar para re-habitar: A trajetória dos 8 casarões da Rua João Suassuna (Projeto Vila Sanhauá)

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REHABILITATE TO REINHABIT: THE TRAJECTORY OF EIGHT TOWNHOUSES AT JOÃO SUASSUNA STREET

João Pessoa e inspiração para outras capitais do Brasil e da região nordeste. PALAVRAS CHAVES: Centro Histórico; Reabilitação; Habitação social; Patrimônio histórico edificado; João Pessoa.

ABSTRACT In the framework of interventions in urban centers of historical value, this article reports on the rehabilitation of eight townhouses in the old city center of João Pes-

YURI DUARTE LOPES Arquiteto e Urbanista, Coordenador de Habitação - Seplan - Prefeitura Municipal de Conde-PB, yuridl88@gmail.com

soa, state of Paraíba/Brazil, bringing into the ensemble new housing units and ground floor spaces for commercial and cultural activities - experience developed by the the Municipality of João Pessoa (SEMHAB), between

RAISSA GONÇALVES MONTEIRO Arquiteta e Urbanista, Mestra em Assentamentos Humanos, Universidade Católica de Leuven, Coordenadora de Planejamento territorial - Seplan - Prefeitura Municipal de Conde-PB, raissagmonteiro@gmail. com PASCAL MACHADO Arquiteto e Urbanista, Professor de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal Pernambuco (UFPE)., pascal_univ@yahoo.com.br

the years of 2012 and 2018. The project was designed aiming to reintegrate the buildings into the urban dynamics of Varadouro’s neighborhood, whose built heritage suffers the consequences of the residential exodus that also affected many other protected city centers around Brazil. The process experienced by the team of architects and public servants working at this specific modality and context is narrated in this article as a way of highlighting the complex but possible reintroduction

RESUMO

of affordable and quality housing in historic centers - as well as highlighting the importance of Vila Sanhauá as

Considerando a temática de intervenções em centros

a historical landmark for the city of João Pessoa and

urbanos de valor histórico, o presente artigo relata a

also an inspiration for other capitals of Brazil and the

trajetória da reabilitação de oito Casarões no Centro

northeast region.

antigo de João Pessoa para inserção de moradia, comércio e cultura - experiência desenvolvida na Pre-

KEYWORDS: Historic center; Rehabilitation; Social housing; Heritage

feitura de João Pessoa, pela Secretaria Municipal de

buildings; João Pessoa.

Habitação (SEMHAB), entre os anos de 2012 e 2018. A proposta foi elaborada visando reintegrar as edifica-

O ESVAZIAMENTO DO CENTRO

ções à dinâmica urbana do bairro do Varadouro, cujo patrimônio edificado ainda sofre as consequências do

Restaurar um Setor Monumental ou Paisagístico é,

êxodo imobiliário e residencial característico da maio-

sem dúvida, restaurar sua arquitetura e seus ele-

ria dos centros históricos do país. O processo experien-

mentos naturais, mas é também restituir sua voca-

ciado pelos técnico(a)s da prefeitura nesta modalidade

ção de ser habitado por homens de nossa época.

e contexto específicos é narrado neste artigo como

Com efeito, nenhum monumento histórico está

forma de evidenciar a complexa, porém possível, re-

protegido se não encontra uma destinação viva.

-introdução de habitação acessível e de qualidade nos

(ANAIS DO II ENCONTRO DE GOVERNADORES,

centros históricos - além de ressaltar a importância da

1971. Pág. 143 apud Silva, 2016)

Vila Sanhauá como marco histórico para a cidade de

138 MORAR,VIVER E(RE)EXISTIR NAS CIDADES

REABILITAR PARA REHABITAR: A TRAJETÓRIA DOS OITO CASARÕES DA RUA JOÃO SUASSUNA


139

A partir de levantamento realizado nos imóveis do centro

ocupações, cortiços e os assentamentos informais, como

de João Pessoa entre 2011 e 2012 (SILVA, 2016) constatou-

a comunidade Porto do Capim e a Vila Nassau.

-se que aproximadamente um a cada quatro lotes possui, pelo menos, algum de seus pavimentos desocupados ou

REABILITAR PARA REHABITAR

subtutilizados, situação que pode ser confirmada ainda nos dias atuais, não havendo, desde então, intervenções

Resgatar as condições de habitabilidade nas áreas cen-

ou investimentos significativos neste sentido, seja por

trais é uma condição indispensável para garantir a prote-

iniciativa do poder público ou de entes privados.

ção do patrimônio edificado (SILVA, 2016). O centro antigo de João Pessoa passou por inúmeras tentativas de

O abandono e a degradação progressiva de edificações

reativação através de investimentos públicos voltados

com valor histórico-cultural nos centros urbanos brasilei-

ao turismo e à ocupação cultural dos edifícios de valor

ros é uma realidade dolorosa e recorrente, principalmente

patrimonial, mas pouco se fez para criar uma política de

nas capitais. A transferência dos interesses econômicos

re-valorização da área pelo resgate do uso habitacional.

MORAR,VIVER E(RE)EXISTIR NAS CIDADES

para outras partes da cidade cria novas centralidades imobiliárias que aceleram o processo de expansão da

Este artigo narra a trajetória de oito casarões em ruínas,

malha urbana, orientada, não por uma lógica de adensa-

localizados no coração cultural do bairro do Varadouro,

mento de áreas dotadas de maior infraestrutura, mas por

cujo projeto de reabilitação foi concebido visando trans-

uma lógica puramente mercantil e rodoviarista, e o dire-

formá-los em edifícios integrados de uso misto - abrigando

cionamento de investimentos públicos segue voltado para

residências e empreendimentos ligados à economia cria-

esses nichos específicos de mercado.

tiva - projeto que veio ser batizado como “Vila Sanhauá”.

A situação não é diferente na cidade de João Pessoa,

Por reabilitação, entendemos:

fundada em 1585 e terceira capital mais antiga do país. A partir do final do século XX a cidade se afasta cada vez

“... a forma de intervenção destinada a conferir

mais das margens do Rio Sanhauá, seu nascedouro, em

adequadas características de desempenho e de

direção ao litoral, causando um profundo impacto na di-

segurança funcional, estrutural e construtiva a

nâmica socioeconômica e cultural do centro antigo.

um ou a vários edifícios (...) ou a conceder-lhes novas aptidões funcionais (...) com vista a per-

Na década de 1920, com a construção da Avenida Epi-

mitir novos usos ou o mesmo uso com padrões

tácio Pessoa, essa expansão se intensifica, tendo seu

de desempenho mais elevados” (Decreto-Lei n.º

ápice após a década de 1930 quando ocorre o processo

307/2009, artigo 2º, 1)

de transferência das atividades portuárias para o município vizinho de Cabedelo. Neste momento, a região

O Programa Nacional de Reabilitação de Áreas Urbanas

central passa por um forte processo de desaceleração

Centrais, lançado pelo governo federal em 2003, trata a rea-

econômica até que nos anos 1980 se percebe, com

bilitação como “um processo de gestão de ações integradas,

maior ênfase, uma multiplicação de imóveis vazios,

públicas e privadas, de recuperação e reutilização do acervo

abandonados e em estado de degradação.

edificado em áreas já consolidadas da cidade, compreendendo os espaços e edificações ociosas, vazias, abandonadas,

Gradativamente o centro antigo é ocupado por usos vol-

subutilizadas e insalubres; a melhoria dos espaços e serviços

tados ao comércio diurno, com a instalação de lojas de

públicos; da acessibilidade, e dos equipamentos comunitários

confecções, móveis, oficinas mecânicas, entre outros que

na direção do repovoamento e utilização de forma multiclas-

submeteram antigos casarões e suas fachadas a uma série

sista”.

de descaracterizações. Nesse ritmo, o uso residencial foi sendo extinto, a não ser nos casos onde predominam as

1  Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional / Portugal.


E traz como uma das diretrizes “[...] a redução do déficit ha-

Figura 01 – Fachada dos oito casarões em 2016.

bitacional por meio da ocupação dos vazios urbanos e da re-

140

cuperação do acervo de prédios públicos, preferencialmente urbanas” (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2008, p. 12). Dentro deste campo de ação, expõe-se aqui a abordagem projetual desenvolvida pela equipe de arquitetos e urbanistas da Diretoria de Planejamento da Secretaria Municipal de Habitação da Prefeitura de João Pessoa (SEMHAB / PMJP) entre os anos de 2012 e 2014, de

Fonte – Silva, 2016

maneira a trazer uma reflexão sobre os processos de intervenção em áreas de patrimônio histórico nas cida-

O conjunto está inserido na região considerada como

des brasileiras, em especial, no contexto da capital pa-

o nascedouro da cidade, próximo ao ‘Porto do Capim’,

raibana. Destacam-se as dificuldades encontradas para

como era conhecido o antigo atracadouro do Rio Sa-

conjugar exigências jurídicas, técnicas e financeiras, e

nhauá, com históricos armazéns que ainda resistem ao

conseguir superá-las para chegar a uma proposta arqui-

tempo em suas margens. O trecho da rua onde se en-

tetônica que é capaz de conciliar as demandas das dife-

contram os casarões chegou a abrigar edificações dis-

rentes instâncias ao mesmo tempo que se esforça para

tintas do século XVIII e XIX, demolidas durante o pro-

quebrar paradigmas e inovar nas soluções projetuais.

cesso de urbanização da cidade no início do século XX para ampliação da via. Os oito imóveis, dispostos em

CONTEXTO URBANO E O OBJETO DE ESTUDO

dois pavimentos, ocupam praticamente toda a extensão da área do lote, implantados sem recuos frontal e

A intervenção objeto deste artigo se aplica a oito sobra-

lateral e com estreitos recuos de fundo.

dos geminados que datam de meados das décadas de 1920 e 1930. Os casarões são localizados na Rua João

Permaneceram em estado de ruína até 2018, quando

Suassuna (Figura 1), que representa historicamente um

efetivamente se deu início à obra de reabilitação. Com

dos mais importantes eixos de ligação da chamada ‘ci-

exceção de dois casarões que ainda possuíam coberta

dade baixa’ (às margens do Rio Sanhauá) com a cidade

(nº 01 e 09) e de outro que recebeu uma laje de piso

‘alta’, onde foram edificadas as principais igrejas, largos

em concreto armado (nº 49), a maioria perdurou sem

e sobrados residenciais. Hoje, a rua é o principal acesso

nenhuma estrutura de piso ou telhado, estando grave-

aos terminais rodoviário e ferroviário, além de ser rota de

mente expostos às intempéries e à patologias causadas

saída para as regiões metropolitanas de Bayeux e Santa

pela umidade e presença de fungos.

Rita, o que confere ao local um intenso fluxo de veículos. De modo geral, o que restava dos imóveis era a sua “casca” - formada pelas fachadas frontal e posterior e pelas paredes laterais. Nas fachadas frontais, o valor arquitetônico do conjunto manteve sua ornamentação sóbria, que remete aos movimentos de vanguarda moderna, principalmente o Art-Décor.

MORAR,VIVER E(RE)EXISTIR NAS CIDADES

para o uso residencial, articulando esse uso a outras funções


141

Figura 2 – Quadro da situação atual do conjunto dos oito casarões.

um Centro de Recuperação de Computadores (CRC), sendo desenvolvidos outros ensaios para acomodar este programa que consistia em montar uma rede local de reaproveitamento de equipamentos de informática, formação profissional e inclusão digital. Também neste ano foram tomadas ações emergenciais de conservação da estrutura, como o travamento dos vãos de esquadrias a a instalação de escoras em locais estratégicos. Após tentativas e especulações sobre o que se instalaria naquelas ruínas, a ideia do antigo projeto Moradouro foi resgatada em 2013, como parte de uma política de requalificação do centro junto a outras intervenções

Fonte – Acervo SEMHAB-PMJP, montagem da equipe, 2013

anunciadas dentro do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e em parceria com o BID (Banco In-

TENTATIVAS, LIMITES E ALCANCES

teramericano de Desenvolvimento). Nesse contexto,

MORAR,VIVER E(RE)EXISTIR NAS CIDADES

decidiu-se retomar a proposta inicial de implantação Em 2006 aconteceu a primeira importante investida

de unidades habitacionais nos casarões, dessa vez com

pública para instalação do uso residencial nos casarões

financiamento do Programa Minha Casa, Minha Vida -

- batizada de Projeto Moradouro - cujo objetivo era rea-

PMCMV, objetivando atingir beneficiários da Faixa 2 (na

daptar sete dos oito casarões para uso exclusivamen-

época, com renda média entre R$ 1.600 e R$ 3.275,00).

te residencial, por meio da construção de 35 unidades habitacionais destinadas a famílias de baixa renda. O

‘VILA SANHAUÁ’ - DA CONCEPÇÃO À EXECUÇÃO

projeto foi elaborado e chegou a ser aprovado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da

1. CONDICIONANTES LEGAIS E OPERACIONAIS

Paraíba (IPHAEP) e pela Caixa Econômica Federal, órgão financiador à época. Segundo portaria do Instituto

O conjunto dos oito casarões em questão, por estar

do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN),

situado em um contexto urbano de valor cultural, pai-

como condição para a liberação da licença ambiental

sagístico e arquitetônico, foi delimitado como Área

de intervenções sob sua jurisdição estava atribuída a

de Preservação Rigorosa (APR) pelo IPHAEP2, recorte

realização uma pesquisa arqueológica. As dificuldades

que também abrange os bens protegidos a nível nacio-

em encontrar empresas qualificadas para o serviço,

nal, pelo IPHAN.

além de outros percalços técnicos e burocráticos para a viabilização da proposta arquitetônica acabaram por

Intervenções físicas em construções nessas áreas são

suspender por alguns anos sua implementação.

balizadas por um conjunto normativo que define uma série de restrições e orientações que, de maneira geral,

No ano de 2010 decidiu-se repensar o uso dos casarões

visam garantir a preservação das características estéti-

para que o conjunto abrigasse uma incubadora de em-

cas e estruturais dos objetos arquitetônicos.

presas emergentes, devido a onda de aparecimento das chamadas “startups”. Os órgãos de proteção patrimonial chegaram a sinalizar positivamente à proposta e novos estudos passam a ser desenvolvidos pela equipe técnica da Secretaria Municipal de Habitação. Em 2012 surge outra proposta, para que os casarões se tornem

2  Tombamento do Centro Histórico Inicial da cidade de João Pessoa, Decreto nº 25.138 de 28 de junho de 2004.


Para isso a Prefeitura lançou, por duas vezes, proce-

paciais, estruturais, volumétricas, tipológicas e de-

dimento licitatório para executar o serviço. O tempo

corativas originais”, os Casarões são classificados

administrativo dos processos (que envolvia avaliações

como de Conservação Parcial, devendo-se respeitar

jurídicas, montagem, trâmites entre secretarias) impac-

diretrizes básicas como: a “preservação das cobertas

tou de maneira considerável o andamento dos traba-

originais e adequação daquelas alteradas às tipolo-

lhos, já que restaram desertas as tentativas de licitação,

gias tradicionais”; a “preservação e (...) recuperação

possibilitando, assim, recorrer à contratação direta.

da composição tipológica original dos vãos, portas e janelas das fachadas dos imóveis”; e a “reparação

Finalmente contratada, a empresa de arqueologia tinha

ou adaptação da distribuição espacial interna e da

um prazo de cinco meses para realizar prospecções in

coberta estritamente necessária à melhoria das con-

loco e pesquisas documentais. As prospecções (esca-

dições de estabilidade, salubridade, habitabilidade,

vações) foram realizadas no solo e nas paredes, con-

ventilação e insolação dos mesmos” - sendo, esta

tando com a parceria dos alunos da Oficina-Escola de

última, uma oportunidade de justificar intervenções

Revitalização do Patrimônio Cultural de João Pessoa,

para viabilizar projetos como este em questão. (Deliberação nº 05/2004/CONPEC)

Foram encontrados objetos diversos como pratos, garrafas, faiança inglesa e até uma antiga cacimba de ar-

Além das condicionantes patrimoniais, as exigências

mazenamento de água, somando mais de 500 peças

normativas que apresentaram mais dificuldades, do

datadas do século XVII até o começo do século XX.

ponto de vista operacional, foram as impostas pelo

Muitos desses elementos estão diretamente ligados

PMCMV, pois suas diretrizes estavam voltadas para a

às atividades desenvolvidas naquele local, que chegou

construção de novos empreendimentos e não abarca-

a abrigar armazéns, barbearias, prostíbulos e bares.

vam operações de reabilitação em conjuntos históricos

Através do trabalho de arqueologia se pode confirmar

nem as especificidades deste tipo de projeto.

a hipótese que os casarões foram erguidos sobre as bases dos imóveis antecedentes e tiveram seus lotes

Entretanto, como era a maneira mais factível de finan-

diminuídos para o alargamento da Rua João Suassuna.

ciamento à época da concepção do projeto, as unida-

As escavações encontraram resquícios das fundações

des habitacionais da Vila Sanhauá foram projetadas

anteriores e de elementos da parte hidráulica.

para se se encaixar nos parâmetros do PMCMV - Faixa 2. Por ser a primeira vez no Brasil que se aplicariam recursos dessa linha de financiamento para uma interven-

Figura 3 – Fotografias dos elementos encontrados e das escavações do trabalho de arqueologia.

ção em Centro Histórico, destaca-se a importância dos esforços conjuntos realizados nas instâncias municipal e federal entre os técnicos da SEMHAB, CAIXA e o IPHAN/PB para tentar adequar a proposta às exigências do Programa, na intenção de que se tornasse uma experiência piloto a nível nacional.

Fonte – Acervo SEMHAB-PMJP.

2. PESQUISA ARQUEOLÓGICA

3. EM BUSCA DE UM PROJETO VIÁVEL

Como citado anteriormente, a realização de pesquisa

O discurso sobre a importância do uso habitacional em

arqueológica era condição indispensável para se avan-

áreas urbanas centrais e a mistura de usos apresenta-se

çar no processo de reabilitação dos oito casarões.

bastante consolidado e vem sendo, inclusive, corrobo-

142 MORAR,VIVER E(RE)EXISTIR NAS CIDADES

Tendo preservada “parte de suas características es-


143

rado pelas cartas patrimoniais desde a década de 1970,

A elaboração do projeto, considerando a complexidade

quando passam a sugerir que a política de habitação

da área, exigiu negociações preliminares com os vários

deve abranger os centros antigos (Resolução De São

órgãos de controle3, visando o alinhamento da com-

Domingos, 1974 in: IPHAN, 1995) e que deve ser garan-

preensão e interpretação da legislação patrimonial.

tida a variedade de suas funções (Declaração De Amsterdã, 1975 in: IPHAN, 1995).

Considerando toda a problemática envolvida e tratando-se, ainda, de um projeto condicionado por limita-

Entendendo a necessidade de re-ocupar o centro an-

ções orçamentárias da Administração Pública, o seu

tigo e promover a diversidade de usos como elemen-

processo de concepção representou a busca pelo equi-

to fundamental para um processo de requalificação e

líbrio entre o ideal e o tangível, na construção de um

valorização do espaço urbano degradado, o projeto

projeto viável.

buscou conferir qualidade espacial aos apartamentos, integrar os casarões para que funcionassem como uma

4. DESENHANDO A INTERVENÇÃO PROPOSTA

unidade de vizinhança, implantar salas para instalação de comércio local de apoio à moradia (mercearias, far-

O projeto teve como princípio norteador o traço (figura

mácias, padaria) e atividades culturais, equilibrando a a

4) que marca a intenção do corte longitudinal nos ca-

ocupação noturna e diurna.

sarões, traduzida espacialmente na forma de um pátio

MORAR,VIVER E(RE)EXISTIR NAS CIDADES

interno integrando as unidades e possibilitando a enAliar o uso habitacional à criação de pontos comerciais,

trada de ventilação e iluminação natural. Cria também

de serviços e de cultura garante uma dinâmica mais

um ambiente comum de acesso que integra os aparta-

contínua de uso dos edifícios, re-inserindo-os ao tecido

mentos em uma só unidade de vizinhança, estratégia

urbano da quadra a partir da regeneração física e eco-

de desenho que resgata o sentido de ‘vila’ na parte in-

nômica do pavimento térreo.

terna mantendo a exterioridade dos sobrados. O pátio e a passarela metálica que atravessa os casarões, além

A estrutura arquitetônica original (tipologia dos sobra-

de conectar os novos vizinhos, garante a destinação de

dos) apresentava planta com vãos profundos e coberta

áreas para jardins.

única, geralmente em três águas, praticamente inexistente na maioria dos casarões, mas que segundo as di-

A coberta foi interferida unicamente pelas aberturas

retrizes deveria ser recuperada em seu formato original.

dos vãos para passagem de luz e vento, possibilitando o

Este representou os principais desafios, tendo em vista

uso dos pátios, do jardim e das janelas abertas abertas

a necessidade de realizar adaptações e recortes para

na fachada interna para ventilação cruzada dos aparta-

proporcionar ventilação e iluminação aos apartamen-

mentos. Sua reestruturação conta também com a com-

tos, visando garantir sua habitabilidade.

binação de elementos metálicos e de madeira, além das telhas cerâmicas tipo colonial, alternadas com telhas

Mesmo com todos os desafios e limites, o projeto atua-

de vidro que criam frestas para passagem de luz.

ria como as peças de xadrez citadas por Jane Jacobs, utilizadas pela administração pública como ferramenta de estímulo à criação de novos lugares estratégicos, proporcionando uma maior vitalidade urbana nas áreas centrais (JACOBS, 2011). Diante dessa perspectiva a busca por soluções e alternativas de desenho se demonstrou uma trajetória com diversas nuances e complicadores a serem superados.

3  Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba, Coordenadoria do Patrimônio Cultural de João Pessoa.


Figura 5 – Planta baixa do pavimento térreo.

Fonte – Acervo SEMHAB-PMJP.

Fonte – Acervo SEMHAB-PMJP

O programa é composto por dezessete unidades ha-

Figura 6 – Planta baixa do pavimento superior.

bitacionais, sendo uma unidade adaptada para Portadores de Necessidades Especiais, uma área comum de acesso e convivência, seis unidades comerciais e uma unidade reservada para uso Institucional. As habitações possuem áreas entre 39,93m² e 73,41m² contendo dois quartos, banheiro, sala, cozinha e área de serviço (figuras 5 e 6). Os apartamentos localizados no térreo e na parte posterior do terreno contam, ainda, com uma pequena área de quintal, o que favorece as suas condi-

Fonte – Acervo SEMHAB-PMJP

ções de ventilação e iluminação, além de proporcionar uma área verde de uso privado. Foram realizados estudos em maquete física e eletrôni-

Figuras 7 e 8 – Imagens de maquete eletrônica ilustrando, respectivamente, a circulação no pátio central por meio de passarelas metálicas e o mezanino de um dos apartamentos superiores.

ca para compreender melhor as soluções propostas e a importância do elemento central de circulação em estrutura metálica para a estética do conjunto e a coesão do projeto. Nas unidades do primeiro pavimento aproveitou-se o pé direito para instalação de mezaninos com área livre aberta que possibilita diversos usos, por onde também se tem acesso ao segundo quarto das unidades (figura 7). As unidades comerciais, por sua vez, possuem áreas que variam entre 40,06m² e 131,70m² e estão todas localizadas no térreo com acesso direto pela rua, garantindo a independência dos fluxos.

Fonte – Acervo SEMHAB-PMJP.

144 MORAR,VIVER E(RE)EXISTIR NAS CIDADES

Figura 4 – Croqui do princípio norteador do Projeto para os oito Casarões da rua João Suassuna.


145

Visando uma construção que interferisse o mínimo pos-

cionais continuaram a ser de propriedade pública, não

sível nas paredes originais, e mantivesse a sua estabili-

mais vendidas e financiadas a entes privados, mas ad-

dade, foi proposta a utilização de estrutura metálica in-

ministradas pela Prefeitura e concedidas a beneficiários

dependente para sustentar os novos elementos e fazer

por meio de Edital, que teriam a Cessão de Uso Onero-

a amarração da estrutura remanescente.

so do espaço por um intervalo de tempo pré determinado pagando valores abaixo dos preços de mercado.

As esquadrias e as varandas seguiram seu desenho original, sendo restauradas ou reconstruídas seguindo

No que diz respeito à obra, esta ficou a cargo da em-

o padrão das anteriores. O piso original de ladrilho hi-

presa contratada para sua execução. A proposta inicial

dráulico com diferentes padrões em cada Casarão, foi

sofreu adaptações durante a elaboração dos projetos

mantido onde se encontrava em bom estado de con-

executivos e na execução de alguns detalhes arquitetô-

servação. Nos locais onde o piso foi suprimido ou de-

nicos e estruturais da obra, como o dimensionamento

teriorado estão peças novas, com releitura do padrão

da estrutura metálica, a passarela, as instalações elétri-

antigo, marcando de forma sutil a substituição.

cas e escolhas cromáticas. Apesar de se distanciar da proposta inicial em alguns aspectos, o partido arqui-

Considerando o entorno, foram realizados estudos re-

tetônico, as plantas baixas e as aberturas seguiram o

lacionados aos espaços públicos adjacentes e às con-

desenho do projeto básico aprovado.

MORAR,VIVER E(RE)EXISTIR NAS CIDADES

dições de mobilidade urbana naquela região (figura 9). Devido à intensidade do fluxo de veículos na rua, per-

Imagina-se que, se fosse concretizado de fato pelo Pro-

cebeu-se que a intervenção se tornaria viável a partir do

grama Minha Casa, Minha Vida, o projeto abriria caminho

alargamento da calçada frontal - que estava mau estado

para um novo paradigma da política habitacional com re-

de conservação e eram muito estreita, impedindo o flu-

cursos do Governo Federal. Entretanto, poderia ter me-

xo seguro e confortável dos pedestres.

nos chances de alcançar os resultados esperados, já que trataria-se de uma operação de mercado, estando sujeita

O plantio de árvores foi proposto como medida paisagís-

aos interesses e especulações privados. Sendo realizado

tica para criação de bolsões de sombra ao longo calçada

com recursos próprios, por outro lado, o projeto é encara-

e na frente dos estabelecimentos do térreo. No entanto,

do como uma política pública de planejamento urbano e,

a proposta não foi acatada pelos órgãos de proteção pa-

tratando-se de imóveis públicos, dependendo da gestão

trimonial, com justificativas de que poderia criar empe-

podem desempenhar um papel importante na requalifica-

cilhos na apreensão do conjunto arquitetônico.

ção da área e representar um modelo a ser reproduzido, melhorado e ampliado, atuando no âmbito da valorização

CONSIDERAÇÕES FINAIS

do Centro Histórico e da política habitacional.

O projeto para a reabilitação dos oito Casarões da Rua

A obra, entregue desde junho de 2018, provocou a volta

João Suassuna foi aprovado pelos órgãos de contro-

de olhares para o potencial latente do centro histórico

le e encaminhado para a CAIXA, agente financiador e

da capital. Hoje os apartamentos encontram-se ocu-

responsável também por subsidiar os recursos para os

pados pelos novos moradores e agentes comerciais e

interessados em adquirir os apartamentos. Contudo,

culturais que agora fazem parte do processo de rein-

diversos entraves entraves burocráticos e operacionais

serção de novas dinâmicas urbanas àquele espaço, fa-

direcionaram a Prefeitura de João Pessoa a finalmente

zendo com que habitar o centro com qualidade a um

custear a intervenção com recursos próprios, assim os

preço acessível não seja uma utopia distante, mas uma

trâmites seriam gerenciados a nível municipal, dando

possibilidade legítima e próxima com a sinergia dos es-

maior celeridade à execução da obra, orçada em mais

forços necessários a sua viabilização - visto que o po-

de R$ 4,2 milhões. Dessa maneira as unidades habita-

tencial edilício existe e espera resistindo ao tempo.


Figuras 12 e 13 – Fotos internas da obra concluída - apartamento.

Fonte – Yuri Duarte, 2018

Figuras 10 e 11 – Fotos da obra concluída - passarelas internas e átrio.

Fonte – pbhoje.com.br/noticias/43171/veja-fotos-dos-apartamentos-do-villa-sanhaua-no-centro-de-jp

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL, Ministério das Cidades. Manual de Reabilitação de áreas urbanas centrais. Brasília, DF, 2008. IPHAN. Cartas Patrimoniais. Brasília: IPHAN, 1995. JACOBS, Jane. Morte e Vida de Grandes Cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2011. PARAÍBA. Decreto Nº 25.138, de 28 de junho de 2004 PORTUGAL. Decreto-Lei n.º 307/2009. Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional Fonte – Alessandro Potter, 2018 e Raissa Monteiro, 2018

146 MORAR,VIVER E(RE)EXISTIR NAS CIDADES

Figura 9 – Foto da obra concluída a partir da rua.

SILVA, E. R. Centro Antigo De João Pessoa: Forma, uso e patrimônio edificado. 2016. 164 f.Tese (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio grande do Norte. 2016


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