2001: Uma Odisseia no Espaço

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2001 Uma Odisseia NO ESPAÇO



Arthur C. Clarke

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Título Original 2001: A SPACE ODYSSEY Todos os direitos reservados; nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida ou transmitida por meio eletrônico, mecânico, fotocópia ou de outra forma sem a prévia autorização do editor. Primeira publicação no Reino Unido em 1968 pela New American Library. Copyright © 1968 Arthur C. Clarke e Polaris Productions, Ing. Arte de capa e projeto gráfico: Raphael Evangelista dos Santos e Souza Tradução: Maria Nóvoa Tradução de: 2001: A Space Odyssey ISBN: 0-453-00269-2 PUBLICAÇÕES EUROPA-AMÉRICA, LDA. Rua Francisco Lyon de Castro, 2 Apartado 8 2725-354 MEM MARTINS PORTUGAL Impresso no Brasil.


PRÓLOGO Erguem-se trinta fantasmas atrás de cada homem vivo. É esta precisamente a proporção entre os que ainda vivem e os que já morreram. Cerca de cem bilhões de criaturas humanas já pisaram o planeta Terra desde que o mundo existe. É uma cifra interessante, pois, por coincidência, há aproximadamente cem bilhões de estrelas nesse universo particular, a via-láctea. Portanto, para cada homem que viveu corresponde uma estrela em pleno brilho. Mas cada uma dessas estrelas é um sol, freqüentemente muito mais brilhante e resplandecente do que a pequenina e vizinha estrela a que chamamos Sol. É em torno de muitos deles, da maioria, talvez, desses sóis desconhecidos, que giram os planetas. É quase certo assim haver no céu terra suficiente para proporcionar a cada membro da espécie humana, incluindo o homem-macaco, o seu paraíso — ou inferno — particular, do tamanho do mundo. É impossível saber quantos desses paraísos ou infernos em potencial são habitados e por que espécie de criaturas o são. O mais próximo deles está situado um milhão de vezes mais longe que Marte ou Vênus, essas metas ainda remotas para a próxima geração. Mas as barreiras dessa distância desmoronam. Chegará o dia em que haveremos de encontrar entre as estrelas os nossos semelhantes — ou os nossos mestres. Os homens custaram a enfrentar essa perspectiva. Alguns ainda continuam esperando que ela nunca se torne realidade. Entretanto, cada vez é mais freqüente a pergunta: Não será possível que já tenham acontecido tais encontros, visto nós mesmos estarmos prestes a aventurar-nos ao espaço? Por que não? Este livro bem pode ser uma resposta para pergunta tão razoável. Mas, por favor, lembrem-se de que é ele apenas ficção. A verdade, como sempre, será muitíssimo mais estranha. A.C.C.


II. AMT-1

I. NOITE PRIMITIVA 11 16 18 21 22 24

O Caminho da Extinção Nova Pedra Academia O Leopardo Encontro na Madrugada Ascensão do Homem

25 31 33 39 44 47 52 54

Voo Espacial Encontro Orbital Viagem à Lua A Base Clavius Anomalia Viagem Sob a Luz da Terra O Lento Alvorecer A Escuta

III. ENTRE PLANETAS 57 60 63 67 69 74

O Discovery HAL A Rotina Diária da Viagem Entre os Asteróides O Trânsito de Júpiter O Mundo dos Deuses


V. AS LUAS DE SATURNO

IV. O ABISMO 76 79 84 87 90 93 96 98 102

104 107 110 112 113 116 117 118 119 120 123

A Festa de Aniversário O Passeio no Vácuo O Diagnóstico Circuito Interrompido O Primeiro Homem a Chegar a Saturno Diálogo com HAL A Decisão de HAL No Vácuo Completamente Só

O Segredo O Sobrevivente Polêmica Sobre os Extraterrenos O Embaixador O Gelo em Órbita O Olho de Japeto O Irmão Maior A Experiência A Sentinela Penetrando no Olho A Saída

ÍNDICE VII. EPÍLOGO

VI. ALÉM DO PORTAL DAS ESTRELAS 124 126 129 131 136 137 139

A Central Geral O Céu Misterioso O Inferno A Recepção Recapitulação Tranformação O Filho das Estrelas

141 Depois de 2001





O CAMINHO DA EXTINÇÃO

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á dez milhões de anos que a seca perdurava e fazia já muito tempo que terminara o reino dos terríveis lagartos. Aqui, no Equador, no continente que um dia seria denominado África, a luta pela vida atingira um novo clímax de ferocidade, não havendo ainda vencedor à vista. Na terra seca e desolada, apenas os pequenos, ou os ágeis, ou os valentes, podiam desenvolver-se ou mesmo ter esperança de sobrevivência. Os homens-macaco da savana não eram assim e, portanto, não se desenvolviam. A verdade era que a sua raça estava a caminho da extinção. Uns cinqüenta desse tipo de homens ocupavam algumas cavernas que dominavam o vale pequeno e ressecado, cortado por modesto riacho cujas águas provinham da neve das montanhas situadas a trezentos quilômetros do norte. Havia ocasiões em que o riacho se evaporava completamente e a tribo vivia então sob o espectro da sede. A fome era constante, estando todos agora famintos. Quando a primeira claridade da aurora esgueirou-se para o interior da caverna, Amigo da Lua viu que seu pai morrera durante a noite. Não sabia que o ancião era seu pai, pois tal relacionamento estava muito além da sua capacidade de compreensão. Ao olhar, porém, para aquele corpo magro sentiu certo desassossego, que é o ancestral da tristeza. Os dois bebês choramingavam de fome, mas calaram-se quando Amigo da Lua rosnou para eles. Uma das mães, defendendo a criança que não podia ser convenientemente alimentada, também rosnou ferozmente à sua volta e ele não teve forças para dar-lhe um bofetão pelo seu atrevimento. A claridade tinha aumentado e podia-se sair agora da caverna. Amigo da Lua pegou o cadáver encarquilhado e o arrastou ao atravessar o teto baixo da entrada. Chegando ao lado de fora, arremessou o corpo sobre os ombros e endireitou-se. Era o único animal do mundo que podia manter-se ereto. Amigo da Lua parecia um gigante junto de seus companheiros. Tinha mais de um metro e meio de altura, e, apesar de subnutrido, pesava mais de quatrocentos quilos. Seu corpo peludo e musculoso colocava-o entre o macaco e o homem. Sua cabeça, porém, parecia mais com a do homem do que com a do macaco. Tinha uma testa estreita, com saliência acima da cavidade ocular. Possuía, indubitavelmente, em seu gene característica de humanidade. Ao contemplar o mundo hostil da era plistocena, havia em seu olhar algo que superava a capacidade de qualquer macaco. Os seus olhos fundos e escuros

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continham uma percepção incipiente — o primeiro estímulo de uma inteligência que ainda levaria séculos para se manifestar e que poderia dentro em breve extinguir-se para sempre. Não vendo qualquer sinal de perigo, Amigo da Lua precipitou-se pela encosta quase vertical, sem se incomodar com sua carga. Como se estivesse à espera de uma senha, o resto da tribo surgiu de suas cavernas, situadas mais abaixo, e apressou-se em direção às águas lamacentas do riacho para o gole matinal. Amigo da Lua examinou o vale para ver se os Outros estavam por perto. Não havia sinal deles. Talvez ainda não tivessem deixado suas cavernas, ou então já haviam começado a procurar alimentos nas colinas. Como não estivessem à vista, Amigo da Lua esqueceu-se deles, pois era incapaz de ocupar-se com duas coisas ao mesmo tempo. Ele precisava antes de mais nada livrar-se do ancião. Isso, porém, não era problema difícil. Houve muitas mortes durante a estação, uma delas em sua própria caverna. Bastaria colocar o cadáver no mesmo local em que deixara o recém-nascido, na lua minguante, e as hienas fariam o resto. Estavam já à espera, no lugar em que o vale se transformava em savana, como se soubessem que Amigo da Lua ali viria. Realmente, ele deixou o cadáver sob um pequeno arbusto — não havia mais sinal de quaisquer outros ossos — e apressou-se em voltar para junto da tribo. Nunca mais pensou em seu pai. Suas duas companheiras, bem como os adultos das outras cavernas e a maioria dos jovens procuravam alimentos entre as árvores mirr das e secas do vale, na tentativa de encontrar frutos, folhas e raízes suculentas, ou talvez alguma dádiva do céu, como pequenos lagartos e roedores. Apenas os bebês e os velhos, enfraquecidos, permaneciam nas cavernas. Se sobrasse algum alimento no fim da busca, poderiam comer. Senão, as hienas teriam mais um dia de sorte. Mas este era, de fato, um dia bom, se bem que Amigo da Lua, incapaz de fixar na memória fatos passados, não pudesse comparar um dia com outro. Encontrara uma colméia de abelhas no oco de uma árvore morta e deleitara-se com o maior prazer que a sua gente conhecia. No fim da tarde, ao guiar o grupo de volta para casa, lambia os dedos de vez em quando. Levara naturalmente um bom número de picadas, mal se apercebendo disso. Fora este o momento mais feliz que tivera durante toda a sua vida. Se bem que ainda tivesse fome, não se sentia fraco. Significava isso o máximo a que um homem-macaco podia aspirar. Sua alegria desapareceu ao chegar ao riacho. Os Outros estavam lá. Permaneciam aí todos os dias, mas isso não deixava de ser sempre algo desagradável. Eram uns trinta. Não podiam ser distinguidos dos membros da tribo de Amigo da Lua. Ao vê-los se aproximarem, começaram a agitar os braços, dançar e gritar do outro lado do rio onde se encontravam, enquanto os de cá respondiam da mesma maneira. Foi só o que aconteceu. Ainda que os homens-macaco freqüentemente brigassem

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e lutassem entre si, eram raras as vezes em que se feriam gravemente. Não possuindo garras ou caninos salientes e estando bem protegidos por grossos pêlos, não podiam machucar muito o adversário. De qualquer maneira, sua energia não lhes permitia comportamento tão improdutivo. Rosnados e ameaças eram o seu modo bem mais eficiente de afirmarem as suas opiniões. O confronto durou cerca de cinco minutos. A exibição terminou tão depressa como havia começado. Depois, cada um bebeu a sua porção de água lamacenta. A honra estava salva. Cada grupo havia garantido a posse de seu respectivo território. Resolvida essa importante questão, a tribo seguiu para frente pelo mesmo lado do riacho. O campo mais próximo estava a mais de dois quilômetros das cavernas. Era necessário dividi-lo com um bando de grandes animais, parecidos com antílopes, que não suportavam a presença de quai quer outros grupos. Não podiam ser afugentados, pois tinham na testa uma espada ameaçadora — arma natural que os homens-macaco não possuíam. Amigo da Lua e seus companheiros mastigavam folhas e frutos, aliviando, assim, a fome, enquanto em torno deles, todos competindo pela mesma comida, havia uma quantidade de alimento muito maior do que jamais haviam sonhado. Mas os milhares de toneladas de carne suculenta, que galopavam pela savana e entre os arbustos, estavam não só fora de seu alcance como, também, além de sua imaginação. Em meio à fartura, caminhavam, todavia, lentamente para a morte por inanição. Ao pôr-do-sol, a tribo voltou para as cavernas sem novos incidentes. A fêmea machucada, que fora deixada sozinha, grunhiu de satisfação quando Amigo da Lua lhe deu o ramo coberto de pequenos rutos que trouxera. Devorou-o com voracidade. O alimento era pouco, mas poderia ajudá-la a sobreviver, até que a ferida causada pelo leopardo estivesse curada. Então, poderia cuidar de si mesma. A lua cheia surgia acima do vale. Um vento frio soprava, vindo das montanhas distantes. A noite seria muito fria, mas o frio e a fome não seriam motivo de preocupação. Ambos faziam parte da vida. Os guinchos e os gritos que ecoaram pela encosta, vindos de uma das cavernas, não incomodaram Amigo da Lua. Não havia necessidade de ouvir os rugidos do leopardo para saber exatamente o que estava acontecendo. Mais abaixo, na escuridão, o velho Cabeça Branca e sua família lutavam e morriam. A idéia de ajudá-los nem passou pela cabeça de Amigo da Lua. A dura luta pela sobrevivência não permitia tais fantasias e assim, na encosta vigilante, nenhuma voz se ergueu em sinal de protesto. Todas as cavernas, com medo de atrair a desgraça, permaneciam em silêncio. O alarde terminou. Então, Amigo da Lua podia ouvir o barulho de um corpo arrastado pelas pedras. Depois de alguns segundos, o leopardo agarrou com mais firmeza sua vítima. Não fez mais qualquer ruído. Ao partir, em silenciosas passadas, carregava a presa entre as mandíbulas, sem o menor esforço. O perigo estava afastado por um ou dois dias, mas outros inimigos poderiam surgir,

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aproveitando-se do Pequeno Sol frio que só brilhava à noite. Os animais menores, se houvesse vigilância, podiam, às vezes, ser afugentados por meio de gritos e berros. Amigo da Lua arrastou-se para fora da caverna, subiu numa grande pedra que estava ao lado da entrada e acocorou-se para observar o vale. De todas as criaturas que haviam pisado a Terra, os homens-macaco eram os primeiros a olhar constantemente para a Lua. E, apesar de não se lembrar disso, Amigo da Lua costumava, quando era criança, espichar-se na tentativa de tocar aquele rosto fantasmagórico que surgia acima das colinas. Jamais conseguira. Agora, tinha idade suficiente para compreender por que não obtivera êxito. Era evidente que precisava, antes de mais nada, subir numa árvore bem alta. Sempre à escuta, olhava alternadamente para o vale e para a Lua. Cochilou uma ou duas vezes. Mas, tendo sono leve, o menor ruído o despertava. Na avançada idade de vinte e cinco anos, estava em plena posse de todas as suas faculdades. Se continuasse a ter sorte e escapasse de acidentes, doenças, animais ferozes ou da inanição, ainda poderia viver mais uns dez anos. A noite foi passando, clara e fria, sem novos alarmas, e a Lua seguia lentamente o seu caminho entre constelações equatoriais que jamais olhos humanos chegariam a contemplar. Entre cochilos ocasionais e medrosa expectativa nasciam, dentro das cavernas, os pesadelos de gerações que ainda estavam por vir. Por duas vezes, surgindo no zênite e desaparecendo a leste, um ofuscante ponto de luz, mais brilhante que qualquer estrela, passou vagarosamente pelo céu.

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A Discovery movimenta-se no Espaço a 150.000 kms/h. É o primeiro ano do século XXI. A sua missão deve-se à descoberta de um estranho monólito encontrado na cratera Clavius, na Lua. T rata-se de u m cartão d e visita deliberadamente enterrado há milhões de anos, por uma inteligência extraterrestre. É preciso encontrá-la. Seja onde for. Seja quem for.


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