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Chanana Mestiza
Sapatã desde que se entendeu. Todo dia aprende a dizer o que pensa e a calar o que deve ser esquecido. Faz de cada encontro uma coisa pequena e necessária.
Em-bula-chando
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Cedo, a garotinha tinha, para ela, a curiosidade. Saber várias coisas e reações. Sobre os reflexos das ações. E com aquele jeitinho meio levado e arteiro, que os meninos do sítio também tinham, foi descobrindo. Aprendeu a andar sob duas grandes rodas na bicicleta Monark barra circular de seu Luiz. Era o meio de transporte do senhor e a diversão da meninada. A pequena a enfiar sua perninha naquele círculo, na busca por alcançar o pedal do outro lado. Lá ia dando suas primeiras longas pedaladas, de modo que se independeu das pequenas rodinhas. Não sem quedas e arranhões. - Levanta pra cair, menina. Ouviu. E na peraltice ia se afeiçoando pelas brincadeiras com bila, pião, pipa e subir em árvores esgalhadas... Nas quedas maiores, chorava. E podia expressar sua dor em lágrimas, diferente dos meninos que eram reprimidos ou achincalhados caso fizessem um beiço com um joelho arranhado. As seriguelas, goiabas e mangas doces foram fazendo esse gosto pela escalada. Viu, nas visitas à casa da tia, que a prima de seus primos brincava de um jeito curioso. Se abraçando e dando beijinhos na brincante. E foi ali sua primeira experiência erótica com uma menina. Elas tinham quase a mesma idade, 9 e 11 anos. Não achou uma oportunidade para depois falar sobre aquilo com ninguém. Era dito como feio, sujo, nojento, pecaminoso... cruzes! Depois disso, com sua prima, brincando de casinha, se fingia de pai para a outra ser mãe das crianças, bonecas.
Foi crescendo. Olhando de um jeito apaixonado algumas de suas colegas de escola. Mas nunca se declarava. Não. Elas eram meninas “normais”. Se apaixonavam pelos rapazes. E a garota até sentia certa curiosidade de saber como era aquele enlace de braços e beijos com os carinhas de sua simpatia. Tanto que aos 13 começou a namorar um rapaz. Ele era grande, magrelo e engraçado. Tinha uns 17 anos. Foi um namorico de portão. Mas nem tanto. Havia as despedidas... Não durou muito também porque ela deixou a pequena cidade para poder estudar mais e melhor na capital. E nesse migrar algo surgiu. Forte para quem desejava ter menos holofotes mirando algumas atitudes. Era a invisibilidade que as grandes cidades promovem. - Que maravilha, pensou. Ousou usar dela. Mas foi só quando ingressou na universidade se sentiu segura para sair do pacote de bolachas. E foi se fazendo sapatã vista e lustrada. Desde que percebeu as situações criadas, ao se esgueirar em guetos ou circular com grupos específicos, se incomodava. O que seria ter um relacionamento afetivo com uma mulher às vistas? Foram anos. Tantos.