EXPERIÊNCIA DE OFICINA CARTOGRÁFICA EM CIDADE TIRADENTES COM O GRUPO DE JOVENS DO MUTIRÃO PAULO FREIRE, DENTRO DO PROGRAMA JOVENS URBANOS, COORDENADO PELO CENPEC. [ 2016 ] RAYSSA OLIVEIRA
introdução O que eu conheço sobre o lugar onde moro? Quem fez a minha casa dessa forma? Porque moro nesse bairro? Como surgiu essa parte da cidade? Quem mais vive por aqui? Qual a importância de compartilhar memórias, compreender o entorno, conhecer histórias... O que tem de legal no meu bairro? Onde está a cultura, o lazer, as coisas que gosto? Quais os lugares da região que nunca conheci? Será que tem lugares legais aqui perto que eu nem sei que existem? Como seria ter um mapa nas mãos do lugar onde moro... Por que as escolas são tão parecidas? Por que as salas de aula parecem todas iguais? Por que sentamos enfileirados? Por que tem grades na janela da sala e a porta está sempre fechada? Como seria transformar o espaço escolar, opinar, ampliar, reformar, deixar o sol entrar... aprender em todo lugar. Pra que estudar os espaços? Eles influenciam meu modo de viver? Quais os afetos criados entre meus territórios e eu? Meu território-corpo, meu território-casa, meu território-bairro, minha cidade-território... Qual é a importância de conhecer a cidade? Quais são os nossos direitos dentro dela? Você já parou pra pensar no motivo de cada distância percorrida no dia a dia? Como seria encurtar caminhos, diminuir jornadas de trabalho, lutar pra ter mais tempo no espaço, e mais espaço no tempo... Será que conseguimos nos apropriar melhor da cidade? Criar quebras na rotina, tropeçar em poéticas públicas, construir políticas públicas... Como desnaturalizar os espaços em que vivemos... como criar sentidos coletivamente? Como o jovem se relaciona com a sua cidade?
Viver a juventude numa cidade como São Paulo é um desafio que pode se transformar em muitas belezas quando acompanhado de certas palavrasações: PERTENCER. APROPRIAR-SE. VIVENCIAR. EXPERIMENTAR. LUTAR POR DIREITOS. CRIAR SENTIDO. CONHECER. ESTRANHAR. DESNATURALIZAR. EXPLORAR. QUESTIONAR. COMPARTILHAR. PARTICIPAR. ESCOLHER. CONECTAR. MAPEAR. CRIAR REDES. COMPREENDER. EMPODERAR. eu. o outro. o coletivo. nós. identidades. a cidade. o espaço. o tempo. o corpo. Foi com essas perguntas, palavras e vontades que começou a ideia de fazer uma Oficina Cartográfica dentro do Programa Jovens Urbanos, coordenado pelo CENPEC. Uma parceria com esse programa, que já existe há mais de uma década na cidade e pensa juventude e cidade a partir de 4 frentes: explorar, experimentar, produzir e expressar. Como ferramenta norteadora da oficina, escolhi o mapa. Para que pudessemos pensar as diversas temáticas da cidade a partir do espaço físico. Compreender como o espaço reflete nossas relações sociais. Ampliar nossa leitura de mundo a partir da observação - em diversas escalas - dos lugares em que vivemos. Como método: a investigação cartográfica. Durante os estudos para compor o formato da oficina, pude conhecer também um pouco do que os educadores do projeto de 2015 desenvolveram dentro do tema da cartografia, somando, assim, diversas perspectivas para este conceito que a cada dia se amplia mais para mim.
A oficina foi se estruturando, cada vez mais com o objetivo de empoderar o jovem por meio dos mapas. Compreender a importância de se “ter o mapa nas mãos”, como uma ferramenta pra enfrentar a cidade. Cidade esta onde é o jovem que traça seus percursos, desenha seu próprio mapa, explorando e ressignificando o espaço ao seu redor. A partir dessas inquietudes, o projeto desembarcou em Cidade Tiradentes em maio de 2016, para ali criar forma e força junto aos jovens, em uma relação direta com os questionamentos de cada um deles, de suas perspectivas, dos contextos locais e individuais. A chegada em Cidade Tiradentes trouxe ainda uma grata surpresa para a oficina, uma novidade essencial para a sua configuração: ela seria oferecida a um grupo de jovens que faria os encontros dentro do mutirão Paulo Freire! Não podia ser melhor. Discutir direito à cidade, apropriação do espaço, pertencimento e autonomia dentro de um conjunto habitacional que foi construído pelos próprios moradores em um intenso processo de mutirão autogestionado. O primeiro aprendizado dos nossos encontros (para mim também) já estaria ali mesmo, em cada tijolo! Começaríamos vendo na prática como o espaço nos ensina.
a oficina: relato da experiĂŞncia
primeiro encontro: sobre nós Começamos devagarinho. Aos pouquinhos os jovens iam aparecendo, curiosos para saber o que exatamente era aquele projeto que tomaria conta de uma sala do condomínio por algumas tardes do semestre. Uma chegada delicada em um ambiente familiar: nos reconhecendo e nos aproximando. E a conversa já foi esquentando. Espaço, bairro, cidade, escola... As meninas logo sairam contando que a escola é um lugar estranho, fechado e cheio de grades. Parece um prédio. Parece uma prisão. Disseram que não é arejado como deveria ser uma escola, e que elas gostariam de estudar em um lugar como o CEU (um marco local muito importante). O papo foi se estendendo e, aos poucos, fomos compreendendo juntos o quanto a escola deve ser, na verdade, um espaço de encontro, e as pessoas nos marcam mais do que os conteúdos. Nós aprendemos ao estar com as pessoas, entre nós. Fiz um breve relato sobre o que falariamos ali juntos: explorar os lugares em que vivemos. Desde o nosso quarto em casa até a escola, a cidade, entendendo o quanto esses espaços nos afetam. Apresentamos tambem a nossa principal ferramenta em todos os encontros: os mapas. Nesse momento pude sentir, mesmo com menos de uma hora de encontro, que a palavra “cidade” parecia mudar a cada vez que saía da minha boca. Era como se ela virasse algo bem pequenino. Os meninos e meninas ali vivem o cotidiano em uma escala bem restrita ao entorno do Inácio Monteiro, ao trecho que se faz a pé. É algo micro. Eu precisaria, aos poucos, ajustar minhas percepções.
Os pequenos diálogos sobre o território e o cotidiano logo passaram a ser permeados e ilustrados por mapas. Iamos observando aqueles mapas que já existem, que são adotados em diversas mídias. O que está representado ali... o que não está. Os falsos vazios despertaram muitas surpresas! Esse lugar parece tão diferente deste onde vivemos... Pra que serve esse mapa? E trocando idéias e lembranças, os jovens foram trazendo referências bem locais para a conversa, do tipo: - aí W., essa escola é aquela que fica perto do abacateiro! (E caíram na risada contando sobre o dia em que um abacate caiu na cabeça de um deles... ) ...era isso! Estava dando certo, o espaço vivido, o espaço do afeto, da memória... estava começando a aparecer!!! Nas falas e anotações, vão pipocando todo tipo de lugar, principalmente os mais queridos e frequentados: o CEU, a quadra, a pracinha, a casa dos amigos, a escola, o mercado, a sorveteria Trimix, a Coxinha da Dani, a lotérica... A conversa aqueceu o imaginário e partimos para a mão na massa: desenhar o mapa do nosso lugar!
Como seria o bairro desenhado por cada um de nós? Em um grande papel, a partir de um ponto central (o Paulo Freire), os jovens desenhariam tudo o que lembrassem: caminhos, lugares, detalhes, referências, histórias, por onde andam, brincam, circulam. Os mapeamentos foram surgindo com uma enorme riqueza de detalhes. Desenharam durante mais de 40 minutos, debatendo sobre o que deveria estar em cada lugar. Durante a atividade, a questão da escala de uso e apropriação da cidade, que já vinha sendo traçada a cada conversa, foi novamente realçada. A idéia de lugar (de bairro, de território afetivo, usado, conhecido) que os jovens representaram é pequena, é uma escala muito aproximada. Me surpreendi ao perceber que eles falam constantemente: “LÁ em Cidade Tiradentes”. Quando questionei sobre lugares bem distantes da cidade que eles poderiam tambem colocar no mapa como espaços que frequentam, eles falaram em Itaquera e Guaianazes. Ou seja, o muito longe é bem perto. O dia a dia é por ali, entre casa-escola-mercado-CEU-parque do rodeio... algo como a escala do pedestre, trechos de caminhadas de 15min.
2o encontro: sobre explorar a cidade Qual o tamanho dessa nossa cidade vivida e imaginada? Até onde conhecemos, até onde vamos ou gostaríamos de ir? Até onde nos pertence? Até onde me sinto convidado a frequentar? Quais as distâncias e barreiras encontradas na cidade? Reais, virtuais, físicas, ideológicas, sociais... Com essas inquietudes, começamos um encontro para falar sobre DIREITO À CIDADE e MOBILIDADE. Os jovens produziram um mapa com os lugares que gostariam de conhecer na cidade. Parques, centros de cultura, museus, lugares com natureza. Durante a atividade, muitas dúvidas iam surgindo. Em um certo momento, dois jovens debatiam o que era mais longe: o Hopi Hari ou o Parque Villa Lobos? Eles concluiram que com certeza era o Villa Lobos. (Quando as distâncias sociais se tornam físicas em nosso imaginário...) Bom, e como faz para chegar nesses lugares? Eles foram preenchendo como imaginavam... talvez com tal ônibus... ou será que precisa de metrô? Nesse vai e vem, os jovens apresentaram basicamente três possibilidades de mobilidade: lugares que da pra ir a pé, lugares que dá pra ir com o ônibus que passa perto de casa, lugares que não sabemos ir. Esse fato diz muito sobre o problema da mobilidade para esses jovens e como isso influencia no direito à cidade e, assim, ao lazer, à cultura. A passagem de ônibus é cara, e esse é um dos motivos para que eles fiquem mais pelo bairro, por onde podem passear a pé. Quando querem ir a um lugar de ônibus, já tem seus destinos traçados: vão para onde as poucas linhas dali forem: Itaquera, Guaianazes e São Mateus, ou seja, um entorno bem próximo. Como seria se por ali, no Inácio Monteiro, passasse um transporte público com um letreiro PQ IBIRAPUERA? PAULISTA, IPIRANGA, TATUAPÉ. CENTRO DE SP, LITORAL. Será que isso poderia atiçar a curiosidade dos jovens? Como mudaria a relação desses jovens com a cidade se o prometido Monotrilho chegasse ali na porta de casa?
Continuamos a tarde fazendo uma viagem por mapas até bem longe de casa. Fomos conhecer pela internet um grupo de jovens da India que tem feito um trabalho muito bacana de mapeamento da comunidade onde moram. Após a pequena viagem, fomos navegando pelo globo preenchido de imagens de satélite, sem qualquer palavra de referência, em busca do nosso cantinho. Chegaram ao sudeste do país e se perguntaram como saberiam encontrar São Paulo. Logo perceberam que as manchas cinzas são as grandes cidades, as áreas urbanizadas. E qual mancha cinza vai ser SP? “A maior de todas!” disse um deles. E assim eles chegaram em SP e foram explorando até que viram algo grande que eles pareciam reconhecer.... era o estádio do Corinthians! Dali foi fácil, seguiram as principais vias e logo estavam em Cidade Tiradentes. (Ufa! Perder-se é mesmo uma chance de aprender pelo espaço...) Para continuar a exploração no bairro e chegar até os prédios do Paulo Freire, migramos para o mapa impresso. Continuamos a viagem em uma grande foto aérea do bairro. Eles encontraram a Pedreira, elemento grande e chamativo, depois encontraram o CEU Inacio Monteiro, e de repente... encontraram os predinhos! Um dos meninos, ao ver as ruas em volta de casa disse: “Eu conheço esse lugar como a palma da minha mão!!! Não tinha como errar! ”
Neste mapa impresso, foram livremente mapeando com etiquetas e legendas o que tinham vontade. Primeiro escolheram marcar as escolas (encontraram pelo menos 10). Depois bares. Depois campos de futebol e pistas de skate. A cada minuto aparecia algo que saltava aos olhos e se tornava uma nova camada. Um com a caneta, outro com as etiquetas, outro legendando... e a foto se transformava em espaรงo vivido, identitรกrio.
Neste dia, durante o mapeamento, usamos uma fita adesiva transparente, que trouxe uma lembrança a um dos meninos: “na época da pipa, isso vale ouro!!” e outro completou “Oba, tá chegando!” (são as férias de inverno). Aproveitamos a deixa para assistir o curta-metragem Deixa Voar, que faz parte do filme “5x favela - agora por nós mesmos”. Esse filme, feito por jovens cineastas moradores da favela do alemão no Rio de Janeiro foi uma forma de conhecermos outro modo de falarmos sobre o nosso lugar: através da linguagem do cinema. Logo nas primeiras cenas, um dos meninos disse: - Eu conheço esse lugar !!! Esse córrego ai, e essa ponte! Eu já fui nela. E esse bar, aí V., é ali no Jacaré, tenho certeza... Ele tinha certeza que era ali, no Inacio Monteiro, e não no Rio de Janeiro. Os elementos espaciais que marcam a periferia urbana saltaram aos seus olhos, e apenas com uma cena já soube que se tratava de um lugar parecido com o seu.
Mais adiante, ele reafirmou sua certeza: - Olha.. eu sei que eles tĂŁo com essa camiseta da prefeitura do Rio... mas eu acho que pra fazer esse filme, pra filmar as cenas, eles usaram aqui o nosso bairro, sabia?
encontro geral : o mapão coletivo Dia de caminhar sobre um graaaande mapa, de nos apresentar a partir dos lugares, de olhar do macro ao micro, de nos reconhecer como um território. Na terceira semana de oficina, nosso grupo foi ao encontro de todos os outros jovens de Cidade Tiradentes que estavam paticipando do Programa Jovens Urbanos. No momento eram mais de 70 jovens, distribuídos em 6 pontos de formação. Nos encontramos todos na praça que fica logo ao lado do Mutirão Paulo Freire, em frente ao CEU Inácio Monteiro. Aos poucos os grupos iam chegando, até fazermos uma enorme roda de jovens em torno de um grande mapa da região, de quase 15m2. Reunidos em torno da foto aérea do próprio território, os jovens foram se apresentando, mostrando aos demais de onde estavam vindo: Pombas Urbanas, Centro de Formação Cultural, Barro Branco, CEU Inácio Monteiro... E assim, podíamos ver que cada cantinho do mapa estava ali representado. A curiosidade para andar por cima das ruas e casas era enorme, e todos queriam encontrar onde moravam, onde estudavam e lugares que conhecem e gostam. Ou seja, queriam se ver ali representados. Se encontrar... mostrar aos outros o pedacinho onde vivem e tudo que tem de legal pro lá. Misturados em cinco novos grupos, acompanhados por todos os educadores do programa, os jovens começaram um debate sobre a cidade, o território onde vivem, os potenciais e problemas de cada lugar. Foram discussões muito potentes, que foram apresentadas na praça no final da tarde, trazendo as percepções da juventude e as diversas demandas que eles gostariam de ver acontecer no bairro.
Alem do debate, os jovens se debruçaram sobre o mapa com diversas etiquetas coloridas. Em amarelo estavam as moradias de cada um. Em azul, os lugares legais, interessantes e queridos como campos de futebol, bares, pontos de cultura, praças, casa de amigos... Já em vermelho, estavam os pontos negativos: ruas perigosas, lugares com muita violência, praças mal cuidadas, postos de saúde com mal atendimento, entre outros. Por fim, colocaram etiquetas com equipamentos que gostariam que tivesse perto de casa. Os resultados foram muito diversos: Monotrilho, Faculdade, Hospital, Bom Prato, Habibs, Parque de diversão, Praça, Ponto de ônibus, entre outros.
Em meio a essa intensa imersão na cidade, percebendo a potencialidade de nos unirmos para lutar pelo território, os jovens puderam então aprender com a história de uma importante experiência: a do Mutirão Paulo Freire. Os cinco jovens moradores do conjunto, todos filhos de mutirantes, receberam os novos amigos e prepararam uma apresentação para contar sobre a longa história do projeto autogestionado e essa experiência de se construir a própria moradia. Em uma linha do tempo, eles elencaram fatos que consideravam muito marcantes para a história do Conjunto, ano a ano. Sobre os anos finais, disseram: 2014 : regras e multas 2015 : muros e arame farpado 2016 : Programa Jovens Urbanos Foi muito interessante ver a percepção deles. A proibição de atividades como bicicletas, patins e pipa foi uma das coisas mais marcantes que eles citaram, alem do arame farpado. Com seus relatos, pudemos ver o quanto a gestão e o uso podem afetar um espaço. Por mais potente que ele seja no ato de sua construção, ainda estamos sujeitos às relações sociais que transformarão os lugares constantemente. Os jovens que assistiam e faziam inúmeras perguntas ficaram impressionados com a história, a luta e as conquistas. Desde a metragem grande dos apartamentos (em comparação aos conjuntos em que a maioria mora) e a oportunidade de voz que os moradores tiveram para decidir cada janela, porta e parede, podendo alterar seus apartamentos de acordo com as características da família. Muitos manifestaram a vontade de querer morar num lugar como aquele, bonito, convidativo e com uma área de lazer generosa. Foi uma tarde de aprender muito com o espaço, em diversas escalas, desde a sala de uma casa até o ponto mais distante do bairro. Os jovens saíram fortalecidos e se sentindo parte de um grupo muito maior do que eles imaginavam.
4o encontro: fortalecendo O encontrão nos deixou animados e motivados! Chegaram novos integrantes para o grupo e aproveitamos para fazer uma retrospectiva dos diversos temas que havíamos conversado nos outros dias. Mais adiante, os jovens voltaram a explorar a foto aérea da cidade, e resolvi puxar o assunto para algo que anda escondido no dia a dia da cidade: os rios. Quantos córregos será que passavam ali perto do Paulo Freire? De primeira, lembraram de um... dois... o chute mais alto foi três. Ao ligarmos a camada “Hidrografia” do mapa digital eles mal podiam acreditar. Estavam pasmos. Apenas uma imagem e a partir dali seguimos para um debate extenso sobre a nossa relação com as águas e o quanto a cidade de São Paulo atropelou seus rios. Para finalizar o dia, aproveitamos o número grande de jovens para pensar em um nome para o nosso grupo, algo que nos desse uma identidade, que trouxesse uma ideia mais forte de pertencimento aos jovens. Depois de algumas conversas... surgiu o JOVENS EXPLORADORES GEOGRÁFICOS!
O cartaz desenhado pelos jovens (aqui reproduzido vetorizado) traz os três conjuntos habitacionais do quarteirão (Paulo Freire ao centro). As cores das fachadas desses edifícios serviram de inspiração para toda a identidade visual. O cartaz traz tambem algumas casas e elementos da cidade representando outros bairros e moradias dos jovens do grupo (metade vem de Guaianazes).
5o encontro : cartografando-nos Durante as semanas anteriores, o grupo havia feito dois passeios culturais, um ao Museu da Imagem e do Som e outro para a Galeria do Rock. Começamos o dia contando sobre essas saídas e a grande problemática em torno delas: o acesso à cultura para a população periférica. Obviamente, os museus visitados estavam na região central e centro-oeste. São 2h30 para ir e 2h30 para voltar. Cinco horas de transporte! Tem que querer muito mesmo ir nesse tal de museu, ne? Um traçado que tem que ser percorrido com um ônibus, um trem, um metrô e depois outro ônibus. Bom, mas junto com a problematização, gostamos tambem de trazer a potência. Se não temos museu no extremo da Zona Leste... onde estão os outros equipamentos de cultura? Quais são os potenciais do nosso bairro, os lugares que podemos ir para nos divertir, acompanhar coletivos artísticos, viver novas experiências, conhecer a produção cultural dos nossos vizinhos e de outros que vem de longe? Os jovens fizeram um levantamento que posteriormente viraria um mapinha de bolso, mas infelizmente devido alguns imprevistos não tivemos tempo para dar continuidade ao projeto. Aproveitamos para aprender mais sobre o bairro com o documentário “Uma Cidade chamada Tiradentes”, filme gravado em 2007 em parceria com as secretarias municipais de cultura e educação, que conta a história do bairro. O filme trouxe histórias e lugares novos, alem de múltiplos olhares sobre o território. No nosso grupo tambem temos olhares diversos, cada um que está ali traz ao grupo uma perspectiva diferente e toda uma experiência de vida e leitura de mundo.
Como poderíamos falar sobre o que fazemos ali no J.E.G., dando voz a pluralidade? Nada melhor que uma cartografia! Em um enorme cartaz-tapete branco nos debruçamos todos juntos para compor uma CARTOGRAFIA DE NÓS. Nós, os jovens, e nós, das linhas que se cruzam entre tantas temáticas abordadas ao mesmo tempo. O que é o JEG? Quem são os jovens exploradores? Onde moram? Em que cidade, em que região, em que bairro? Quais as pessoas especiais que rodeiam cada um dos 13 jovens? Quais as melhorias desejadas pelo grupo? Na cidade, no bairro, na escola... Que lugares o grupo gosta de frequentar? Quais passeios o grupo ja fez pela cidade? Quais os temas abordados nos encontros?.... e por aí vai! Tudo isso se transformou em uma enorme e linda cartografia feita a muitas mãos.
6o encontro : parque do rodeio Chegou o dia do nosso penúltimo encontro, o último dentro do território! Mais um dia de colocarmos a mão na massa juntos para explorarmos o lugar ao nosso redor. Neste dia pretendíamos colocar os pés na rua para visitar um dos pontos que eles haviam escolhido lá naquele mapa do segundo encontro. Iriamos ao Parque do Rodeio, passar uma tarde com papéis, canetas, terra, árvores e picnic! Infelizmente, tivemos um grande imprevisto. Alguns pais não autorizaram a saída dos jovens, mesmo sendo a poucos quarteirões do prédio. Em solidariedade aos amigos, o grupo decidiu coletivamente que faríamos nosso encontro na praça da frente. Assim, saíamos um pouco do prédio, passavamos a tarde ao ar livre e todos poderiam estar presentes. Apesar da mudança de ambiente, mantivemos o tema do dia: o Parque do Rodeio. A maioria dos jovens conhecia o parque e tinha ido algumas vezes. Assim, fizemos uma atividade que retomava um pouquinho daquele primeiro encontro que havia acontecido há muitas semanas e parecia tão distante: o mapeamento afetivo, a cartografia da memória, o espaço vivido. Partimos de um mapa cru, sem cores ou destaques, apenas com lotes e curvas de nivel, conseguido no site da prefeitura. Era como se as pessoas não tivessem ali representadas. Como se fosse um terreno sem vida. Segundo um dos meninos, era um mapa que não servia, não dava para entender nada. Como é o Parque do Rodeio no olhar dos jovens moradores do bairro? Aos poucos foram surgindo os elementos: as entradas, o campinho, as quadras, a bica... os quiosques, o lugar dos guardinhas... as trilhas, os vestiários, o mato, as árvores...Tudo isso junto a características e opiniões que nos ajudam a compreender o olhar deles. A pista de skate, por exemplo,
dizem que é a pior de todas. Os guardinhas são chatos. Os quiosques servem para conversar mas tem pessoas que usam drogas. As trilhas são perigosas e têm um histórico de assaltos e estupros. Mais uma vez, começa a surgir o espaço vivido. O físico construído somado às relações sociais, às redes locais, as vivências individuais e coletivas. A violência que toma conta do vazio criado num espaço fertil porem tão abandonado. Partimos então para projetar juntos como poderia ser uma possível transformação do parque. As propostas levantadas foram: -
reforma da pista de skate iluminar o parque trilhas melhor sinalizadas piscina -
construir um teatro área que permita empinar pipa recreação e atividades mais entradas
Conversamos um pouco sobre quem poderia realizar essas propostas. Uma grande reforma e requalificação do parque provavelmente seria planejada por um grupo de arquitetos da prefeitura. Já que estavamos fazendo esse exercício de projetar um novo espaço, que tal se fossemos visitar a FAU, uma faculdade de arquitetura, onde poderíamos encontrar os estudantes e professores? Assim, poderíamos tambem contar para eles que ali, em Cidade Tiradentes, jovens estavam reunidos para pensar uma cidade melhor e lutar por seus direitos! Precisávamos espalhar a notícia de que o J.E.G. estava em ação! Assim, veio a ideia de fazermos um site, que levaria nossos encontros para qualquer um acompanhar! Não tinhamos tempo para fazer o site na íntegra juntos, e tambem não seria nada fácil reunir uma duzia de pessoas ao redor de um laptop. Sendo assim, criei a base da plataforma e neste dia nos reunimos na casa da Dora, síndica do Paulo Freire, que gentilmente nos cedeu sala, sofá e wifi.
Os jovens escreveram sobre o projeto, escolheram fotos e foram dando ideias para o conteĂşdo, atĂŠ que foi para o ar! Agora o J.E.G. pode ser acompanhado em: http://jovensurbanos.wix.com/jegs
último encontro : FAU - USP Dia de passeio! Conseguimos uma van para encurtar o tempo do transporte e aproveitarmos um pouquinho mais. Neste dia, mais uma vez os contextos locais falaram bem alto. É sempre importante desacelerar e olhar para a pequena escala, reconhecendo o dia a dia e as particularidades de cada jovem e seu contexto social. De última hora, alguns jovens não puderam ir ao passeio por motivos que nos retomam a atenção para casos que ainda se repetem no cotidiano, como meninas que precisam cuidar de irmãos mais novos e assumir diversas responsabilidades da casa. Isso apenas nos reforça o quanto as lutas se misturam e a luta pela cidade e pela educação é tambem uma luta feminista. Após respirarmos e darmos atenção a algumas particularidades, partimos com 10 jovens e a companhia das educadoras Elaine e Renata. No caminho, olhando pela janela podíamos lembrar da cidade e seus rios, lembrando daquele mapa que vimos uma vez juntos. Nosso percurso foi sempre às margens das águas. córrego itaquera > córrego jacu > rio tietê > rio pinheiros > raia da usp
Durante todo o trajeto fomos falando bastante sobre acessibilidade. Como chegar ao Parque Ecologógico do Tietê, em meio a duas vias expressas? Como percorrer e vivenciar uma cidade que foi pensada para os carros? Ao nos aproximarmos da USP... damos de cara com um grande muro em todo o seu perímetro. Nos sentimos convidados a entrar nesse espaço público? Como seria a cidade universitária sem muros? Como seria se a estação Butantã do metrô tivesse sido construída ali dentro (como chegou a ser proposto)? Em meio a discussões muito interessantes, descemos para ver um pouco da calmaria daquele lugar. Na avenida da raia nos sentimos como em um parque, vimos famílias de capivaras, andamos na grama, tiramos foto. Esse lugar nos passava a sensação daquilo que realmente é: um privilégio para poucos. Seguimos para a FAU e lá chegando continuamos o debate sobre o acesso à universidade, Naquele momento os estudantes estavam em greve discutindo exatamente a questão do acesso e da permanência nos estudos. Um enorme cartaz traçava o “Perfil FAUano” mostrando o quanto o curso é elitizado, sendo necessário ao menos um ano de cursinho pre-vestibular e de curso preparatório para a prova de habilidades específicas (prova esta que cobra conteúdos que não são ensinados nem em uma escola particular, imagine em escolas públicas). Estávamos em um prédio sem portas, que convida a qualquer um entrar e que nos impressiona pela generosidade dos espaços de aprendizagem, porem que está encrustrado em uma cidade murada, que contem diversos obstáculos virtuais para quem deseja entrar. Fomos conhecer o prédio, discutindo alguns ambientes como um andar que é inteiramente gerido pelos estudantes, São eles que decidem como vai ser aquele espaço e que atividades acontecerão. Os jovens acharam muito interessante. A grandiosidade dos estudios onde trabalhavam 150 estudantes de uma vez tambem chamaram atenção.
Durante o percurso, o grupo foi fazendo uma intervenção, colando os cartazes do JEG que trouxemos, para divulgação do grupo deles. A idéia, era deixar esse rastro-pegada, como um registro ao contrario. Ao invés de apenas tirarmos fotos para lembrarmos que estivemos ali, deixaríamos um sinal para que os usuários do prédio percebessem a passagem dos jovens de Cidade Tiradentes. Pretendíamos tambem neste dia encontrar um ou outro professor da faculdade, para que pudéssemos discutir um pouco sobre a cidade Tiradentes e os questionamentos dos jovens. Infelizmente, problemas com horários impediram a atividade. Os professores da faculdade saíram de greve no dia anterior e retomaram suas aulas exatamente naquele dia, portanto, estavam em sala durante toda a tarde. Fizemos então uma intervenção final simbólica no espaco mais aberto do prédio, o salão caramelo (infelizmente com uma certa pressa, pois já tinhamos que voltar). Este foi também um momento de finalizar o modulo da oficina cartográfica e despedir dos jovens. Neste momento muitos comentaram que foi um passeio cheio de potências e que eles desejam muito voltar lá, mas dessa vez como estudantes.
um agradecimento imenso aos jovens pelo aprendizado e parceria! Carolina, Emily, Evelyn, Gabriel S., Gabriel C., Hiago, Gabrielli, Ingrid, JosĂŠ, Kelli, Lorena, Luis, Matheus e Vinicius, seguimos vivendo e aprendendo (n)a cidade!