Ocupação Carolina Maria de Jesus

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Ocupação Carolina Maria de Jesus 30 de janeiro de 2016



No dia 30 de janeiro de 2016, lá pelas duas da tarde, as crianças da ocupação Carolina Maria de Jesus corriam pelas escadas do prédio, em mais um sábado por ali. Quase um ano já... naqueles degraus, em meio àqueles tapumes, àqueles vizinhos, perto daquele rio desapercebido... brincando perto do canteiro de alecrim que fica do ladinho da maior via expressa da cidade de São Paulo. Onde todos passam com pressa... onde ninguem olha pra lado.


- Parece que a reintegração ficou pro fim de fevereiro, sabia..? - as crianças tão entrando no banho viu... - vai se trocar menino! vai logo que as meninas já estão aqui pra fazer atividade com vocês, anda... No primeiro andar tem um cantinho que as crianças foram se apropriando aos pouquinhos... tem prateleira, uma ou outra miudeza aqui, uma delicadeza colorida ali... coisas pequeninas que chamam atenção em meio ao vazio empoeirado.


Naquele dia, porem, o cantinho não tava muito acolhedor... alguem tinha visto uma aranha por ali na outra noite e os meninos precisavam de um tempo afastados... tempo de retomar a coragem de enfrentar um lugar diferente... sensação que eles já conhecem. Estavamos ali pensando na relação das crianças com o espaço daquela moradia temporária... é possível se sentir em casa? como se


sentir parte, não ter medo do escuro, dormir longe do banheiro... como não falar dos ratos? Um ano se adaptando, se apropriando, sentindo... essas crianças fazem parte do prédio! Buscam seus cantinhos, seus esconderijos, seus espaços imaginários, suas brincadeiras... Preenchem os ambientes, o tempo e o som... alegram! intensificam! Estávamos ali conversando, em roda, pensando que queríamos naquele mo-


mento de alguma forma reforçar a presença de todos os pequenos que vivem ali, para que a cada vez que alguem entrasse no prédio, cada vez que começasse uma assembléia de moradores naquele andar (ou uma triste e já marcada reintegração), as pessoas que entrassem percebessem de cara que ali mora Maria. Ali mora sua irmã Márcia, mora Daniel e seus irmãos, seu melhor amigo Daniel...e todos os outros.


Aos poucos fomos desenrolando um imenso papel branco... onde cada um deitou, se esticou, e foi desenhado por um de seus companheiros. Nina que desenha Brayan que desenha Maria que desenha Rayane que desenha Angel.. e por aí vai. De 3 a 13 anos, mas todos pequeninos. E depois, introspectivos, cada um preencheu o espaço interno de seu corpo-desenhado, com elementos que gostariam de colocar em seu corpo-casa.


Terminado o ‘autopreenchimento”, em tempos e estilos tão distintos, cada um escolheu um lugar do prédio para se colocar. para se colar. para não se calar... E agora, o prédio tem paredes que vibram um pouco como crianças, que parecem querer sair do lugar... que lamentam por não ser itinerantes e que sentirão saudades... de Oliver, Angel, Brayan, Israel, Daniel, Gustavo, Maria, Márcia, Nina, Rayane e tantos outros.






“O sentimento de pertencimento marcando o seu territ transformar o ambiente é, um Lugar, que lhe dá a A experiência da brincadeira sentido de domínio do criança conheca mel

(GLAUCI coel


pertencimento da criança território de domínio a faz ambiente em espaco íntimo, isto sensação de segurança. brincadeira guarda, assim, um espaco, fazendo que a melhor a si mesma”

coelho)












pelo direito das crianças

à cidade ! à moradia ! ao espaço ! AO BRINCAR ! ao desenho ! ao tempo !


Um agradecimento imenso a todos os moradores da ocupação, principalmente à Gabi. À Marcella, companheira de sentir e fazer-junto, aos uruguaios que por ajuda do acaso chegavam ali naquele dia... e, claro, à todas as crianças presentes: Oliver, Angel, Israel, Daniel, Gustavo, Maria, Nina, Rayane, Brayan (que me ensinou a respeitar seu tempo e ouvir seu silêncio) e Márcia, que me levou ao lado do prédio, apontou para o alto e disse: Tia, agora olha pra cima e vê o tamanho do prédio que a gente tem !!! muito obrigada, Rayssa.



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