estudando a cidade na escola

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ARQUITETURA

E

URBANISMO

NO ENSINO MÉDIO uma experiência na Escola Estadual Alberto Torres ------------------------------------------Em uma palestra sobre educação popular em 2015, o professor Miguel Arroyo falava sobre a função da escola, e contou sobre uma vez que encontrou um menino, e ouviu deste que na sua escola estava tendo aulas sobre Metrópole. Miguel perguntou entáo ao menino: “e você ficou sabendo melhor a relação entre a metrópole e o surgimento cada vez maior de favelas como a que você vive?“ A idéia de levar a discussão sobre “arquitetura e urbanismo” para as escolas traz a intenção de que o jovem possa aprender sobre o lugar em que vive, sua cidade, seu bairro, seus trajetos, sua escola, sua casa... e principalmente se questionar porque esses espaços estão organizados de tal forma. Como a cidade se organiza? Quem sáo os agentes que constrem a cidade? E aproximando a escala cada vez mais... Como é o espaço da minha escola? Porque ele se dá dessa forma? Essa organização espacial contribui para que tipo de relações sociais? Em um segundo momento, pretende-se que o jovem se aproprie de seus espaços e pense como pode se fazer presente, lutar por seu direito à cidade, transformar tambem seu espaço escolar e ser, assim, um sujeito participante.

------------------------------------------Rayssa Oliveira, arquiteta-urbanista Clara Muniz, professora de artes da E.E. Alberto Torres


EXPERIÊNCIA 1 - ELETIVA EM 2014

------------------------------------------------Em 2014, começamos nosso projeto na E.E. Alberto Torres, no bairro do Butantã, com uma disciplina eletiva que foi ministrada aos estudantes dos três anos de ensino médio da escola. Começava ali a eletiva: “Tá vendo aquele edifício, moço?”. O nome (que deveria ser um trecho de uma música, seguindo a proposta da escola naquele semestre) faz referência à música Cidadão, de Zé Geraldo. “Tá vendo aquele colégio moço? Eu também trabalhei lá Lá eu quase me arrebento Pus a massa fiz cimento Ajudei a rebocar Minha filha inocente Vem pra mim toda contente Pai vou me matricular Mas me diz um cidadão Criança de pé no chão Aqui não pode estudar...”

A proposta era falar com os estudantes sobre a organização e construção da cidade em que vivem (São Paulo) e aos poucos ir se aproximando cada vez mais da escala do pedestre-estudante para então pensar sobre o espaço da escola em que estudam (Alberto Torres). Começamos pensando qual a realidade dos estudantes que ali estavam. Onde moram? Como vão para a escola? Que transporte utilizam? É muito longe? E para lazer, onde gostam de ir? A partir de questões como essas, fomos percebendo que a grande maioria vinha da mesma porção da cidade, e muitos atravessam longos kms da Rodovia Raposo Tavares (ou avenidas paralelas) para chegar à escola. Porque não existe uma escola como aquela (de ensino integral) nos bairros onde eles moram? Continuamos a discussão sobre cidade com o filme Entre Rios, um documentário sobre a urbanização de São Paulo, com um enfoque geográfico-histórico, que mostra a relação (cada vez pior) da cidade com seus rios e cursos d’água.


A realidade da cidade que esconde e enterra seus rios estava mais próxima do que os estudantes podiam imaginar. Ao lado do terreno da escola, logo depois do muro, passa um córrego que nenhum dos estudantes daquela sala sequer sabia que existia. Esse fato logo os encaminhou para a história da escola e assim eles descobriram que ali já havia sido uma escola rural e que as águas do córrego irrigavam hortas e diversas outras atividades escolares. Seguimos diversas conversas sobre a cidade e a escola sempre permeando o debate com o desenvolvimento de habilidades como leitura de mapas, escalas cartográficas, e principalmente desenhos técnicos, uma demanda muito forte dos estudantes. Ao chegarmos a nossa escala máxima de aproximação, a escola, fizemos uma atividade muito interessante. Todos os estudantes fizeram uma planta livre da escola, sem réguas nem escalas, e sem nunca ter visto a planta real. Esse exercício traz resultados muito interessantes, pois podemos ver qual a percepção que os estudantes tem do espaço escolar e como o representam graficamente.



Após essa atividade, os estudantes puderam então ver como é a planta real da escola, e a partir dali começamos a questionar porque os espaços se organizavam daquela forma. Identificamos diversas qualidades como a abundância de áreas verdes, diversos tipos de árvores, jardins, sombras... e identificamos tambem os problemas, como o excesso de grades, os corredores estreitos, as portas trancadas, o pátio sempre muito quente, a cantina pequena... A partir daí entraríamos em ação, projetando melhorias para os espaços da escola a partir das demandas dos estudantes. Cada grupo escolheu uma área que gostaria de trabalhar e o motivo de intervenção. Surgiram então algumas frentes de projeto: 1. melhoria da quadra, com arquibancadas, bebedouros, vestiários. 2. melhoria da biblioteca, com mais iluminação natural, espaços de leitura ao ar livre e mobiliários confortáveis. 3. criação de um espaço de descanso e convívio, com jogos, sofás e redes, no lugar de dois banheiros inativados, próximos ao pátio. 4. criação de uma rampa de skate em um gramado próximo à quadra. 5. ampliação do espaço de alimentação, interligando cozinha, refeitório, cantina e jardim, com possibilidade de mesas em áreas externas. Os projetos proporcionaram debates muito interessantes sobre os espaços escolares e demonstraram a vontade dos estudantes em criar uma escola mais agradável, confortável, aberta, integrada. Ao final da eletiva, os alunos concluiram os cinco projetos de intervenção e os apresentaram através de cartazes e pequenas maquetes que explicavam seus desejos e necessidades. Alem disso, fizeram tambem uma enorme maquete de toda a escola, mostrando como ela ficaria com a soma de todas as intervenções.




EXPERIÊNCIA 2 - ELETIVA EM 2015

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A idéia este ano era estudar a questão da moradia a partir da realidade dos estudantes. Na eletiva de 2014, em meio a uma das conversas em sala, surgiram comentários entre estudantes do tipo “ele mora na favela, professora”, ou “ixi, esse aí vem lá da Cohab”. Dessa forma, levamos para 2015 essa inquietação para debater com os estudantes: porque temos preconceito com a favela? porque não gostamos de identificar o nosso bairro como uma favela ou uma cohab? o que é a favela, e como ela surge? Quais são as oportunidades de moradia oferecidas pelo governo? Como faz para ter uma casa? Porque moro longe do centro? Assim, com inúmeras perguntas, fomos construindo juntos nossa eletiva de 2015, e a cada aula tínhamos novos questionamentos...

fotos tiradas pelos estudantes em seus bairros

Em 2015, a eletiva unia as disciplinas de artes e sociologia. Nossa proposta era focar na questão do direito à cidade e o estudo das favelas, concluindo sempre os debates com intervenções artísticas e outros projetos de arte que pudessem levar aos outros estudantes, professores e funcionários da escola aquilo que estavamos estudando dentro da eletiva. Começamos, assim, a eletiva “Na minha quebrada”.



esquema com as principais temรกticas abordadas no semestre



Falamos sobre favelas, ocupações, loteamentos, casas, prédios, condomínios fechados, CDHU, COHAB, Minha Casa Minha Vida... Em uma das aulas, por exemplo, os estudantes tentavam escrever em um grande painel o que, do ponto de vista deles, diferenciava uma favela de um bairro. Em um certo momento, quando discutiam se hospital era algo exclusivo dos bairros, uma estudante disse que “não podiamos confundir hospital com postinho de saúde”. Em outro momento, eles riam dizendo que só viam rato na favela, e quando alguem discordou, dizendo que rato havia por toda a cidade, uma das alunas disse: “é mas na favela o rato te dá bom dia, boa tarde, boa noite... é o tempo todo”. Era a partir de frases simples como essas que partíamos para debates muito importantes sobre a disponibilidade de infraestrutura, mobilidade e equipamentos urbanos na cidade. A partir daí, percebendo o tanto de coisas que se precisa pensar para fazer uma cidade, seguimos para o exercício de criar uma cidade nova, do zero. Durante o processo de criação desse novo centro urbano, fomos percebendo algo muito sério: o quanto, sem perceber, reproduzimos soluções estéticas, arquitetônicas e urbanísticas que apenas servem para segregar e reforçar ainda mais a desigualdade social e espacial. Na última etapa da eletiva, voltamos a falar sobre as moradias e, conversando sobre o limite de 50m² oferecido pela maioria dos projetos de habitação popular dos governos, resolvemos pensar como seria ocupar esses 50m². Como essa casa se transforma para receber uma pessoa solteira, e uma família com 3 filhos? É possível colocar todas as nossas vontades e desejos de uma casa em 50m² ? Nessa etapa, aproveitamos tambem para desenvolver um pouco mais do desenho técnico, que mais uma vez era uma demanda forte dos alunos. Por fim, no último dia de aula, os estudantes levaram tudo o que conversaram e aprenderam durante a eletiva para uma intervenção artística em um espaço central da escola. A instalação reproduzia com blocos de cimento e tijolos uma cidade que se expande sem planejamento. Assim, convidavam os outros estudantes a pensar sobre como a cidade se constrói e quais os nossos direitos dentro dela.



“ (...)Saber que tipo de cidade queremos é uma questão que não pode ser dissociada de saber que tipo de vínculos sociais, relacionamentos com a natureza, estilos de vida, tecnologias e valores estéticos nós desejamos. O direito à cidade é muito mais que a liberdade individual de ter acesso aos recursos urbanos: é um direito de mudar a nós mesmos, mudando a cidade. Além disso, é um direito coletivo, e não individual, já que essa transformação depende do exercício de um poder coletivo para remodelar os processos de urbanização. A liberdade de fazer e refazer as nossas cidades, e a nós mesmos, é um dos nossos direitos humanos mais preciosos e ao mesmo tempo mais negligenciados(...) “ D. Harvey


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