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“EU NELES E TU EM MIM, PARA QUE SEJAM PERFEITOS NA UNIDADE” (JO 17,23A)

O Espírito Santo expande a nossa capacidade de entender e perdoar o outro, dando-nos uma sensibilidade ampliada pela graça

Jesus, na última ceia com os discípulos, implora pela união de todos os que creem: “Dei-lhes a glória que me deste, para que sejam um, como nós somos um: eu neles e tu em mim, para que sejam perfeitos na unidade e o mundo reconheça que me enviaste e os amaste, como amaste a mim” (Jo 17,22-24). Estas são praticamente suas últimas palavras antes de sua prisão e subsequente paixão e morte. É seu último pedido, que expressa seu amor e cuidado não somente com os discípulos de então, mas com todas as gerações de pessoas que viriam a crer nele através dos séculos, também conosco. As últimas palavras de alguém são muito importantes, são ditas para ficarem gravadas no coração e na memória daqueles que ama.

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Sermos perfeitos na unidade. Tarefa impossível sem a presença e a assistência do Espírito Santo. Um pouco antes de fazer esta oração pela unidade, Jesus prometera enviar o “outro Paráclito”, o Espírito Santo, dizendo: “Naquele dia (quando vier o Paráclito), conhecereis que estou em meu pai, e vós em mim e eu em vós” (Jo 14,20).

A unidade exterior, aquela que se reflete nos nossos relacionamentos, na vida em família, na comunidade, na Igreja, entre os irmãos de fé, é reflexo da unidade interna, obra do Espírito Santo que vai trabalhando em nós, se o permitirmos, dando-nos integridade interior, aquela “inteireza” onde o que estava ferido ou partido vai sendo restaurado, curado. Isso se dá pela presença de Deus Pai e de Deus Filho, presentes na pessoa do Espírito Santo que habita em nós. É o amor que circula entre as Pessoas da Santíssima Trindade movendo-se em nós e tocando os espaços frios e vazios da nossa alma, os espaços feridos, machucados, maculados pelo desamor.

Necessitamos do Espírito Santo para pacificar as lutas e contendas que se encontram no nosso interior a fim de que não se expressem no exterior através de palavras e atitudes. São Tiago adverte: “Donde vêm as lutas e contendas entre vós? Não vêm elas de vossas paixões, que combatem em vossos membros? Cobiçais, e não recebeis; sois invejosos e ciumentos, e não conseguis o que desejais; litigais e fazeis guerra” (Tiag 4, 1-2a). Ele adverte também contra o ciúme amargo e sobre a mentira, dizendo ser uma sabedoria terrena, humana, diabólica, ao passo que a sabedoria que vem de cima, aquela que nos dá o Espírito Santo, é pura, pacífica, condescendente, conciliadora, cheia de misericórdia, sem parcialidade, nem fingimento, um olhar sobre o outro que enxerga não as imperfeições, mas o que há de bom, que vê o potencial e, ao notar as imperfeições, compreende, move-se de compaixão, perdoa e ajuda.

O Espírito Santo expande a nossa capacidade de entender e perdoar o outro, dando-nos uma sensibilidade ampliada pela graça

São João Paulo II denomina essa capacidade de entender o outro e de ter comunhão com ele de “espiritualidade da comunhão”. Diz ele: “Espiritualidade da comunhão significa em primeiro lugar ter o olhar do coração voltado para o mistério da Trindade, que habita em nós e cuja luz há de ser percebida também no rosto dos irmãos que estão ao nosso redor. Significa também a capacidade de sentir o irmão de fé na unidade profunda do Corpo místico, isto é, como ‘um que faz parte de mim’, para saber partilhar as suas alegrias e os seus sofrimentos, para intuir os seus anseios e dar remédio às suas necessidades, para oferecer-lhe uma verdadeira e profunda amizade. Espiritualidade da comunhão é ainda a capacidade de ver, antes de mais nada, o que há de positivo no outro, para acolhê-lo e valorizá-lo como dom de Deus: um ‘dom para mim’. Por fim, espiritualidade da comunhão é saber ‘criar espaço’ para o irmão, levando ‘os fardos uns dos outros’ (Gal 6,2) e rejeitando as tentações egoístas que sempre nos insidiam e geram competição, arrivismo, suspeitas, ciúmes. Não haja ilusões! Sem esta caminhada espiritual, de pouco servirão os instrumentos exteriores da comunhão. Revelar-se-iam mais como estruturas sem alma, máscaras de comunhão, do que como vias para a sua expressão e crescimento” (Novo Millennio Ineunte, 43).

O que fazer, então, para que o Espírito Santo possa livremente fazer sua obra de unidade interior em nós?

Em primeiro lugar, reconhecer-nos necessitados de sua ajuda. Humildemente reconhecer que somos pobres e limitados, que somos feridos e ferimos os outros, que precisamos da ajuda de Deus para sermos curados no nosso interior.

Em segundo lugar, precisamos de arrependimento, pois muitas vezes procuramos culpados pelas nossas mágoas e ressentimentos, mas não investigamos, na presença de Deus, em oração, o que se passa dentro de nós e como isso se traduz em atitudes exteriores. Ninguém pode despertar em nós coisas que já não estão presentes. Se sentimos raiva, ela já se encontra em nós, se sentimos impaciência, ela já está dentro de nós, se julgamos alguém sem piedade, a falta de caridade já se encontra em nós. A reação ao que os outros nos fazem é a revelação do que está dentro de nós. Se dentro de nós existe perdão perdoamos, se existe compaixão ajudamos, se existe paz pacificamos e podemos ser construtores da paz. Conhecer o que existe dentro de nós e pedir que o Espírito Santo pacifique o nosso interior é tarefa diária, deve ser sempre parte de nossa oração pessoal.

Finalmente, devemos voltar o nosso olhar para Jesus e reconhecer que Ele destruiu a inimizade na cruz, em seu próprio corpo, e que seu sangue derramado intercede por nós para que possamos viver a unidade. Ele intercede por nós e nos doa o Espírito Santo que reconstrói em nós a paz!

Por Maria Beatriz Spier Vargas

Grupo de Oração Magnificat

Coordenadora da Comissão de Formação da RCCBRASIL

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